PRETO NO BRANCO Gracielle Soares
fOTODOCUMENTÁRIO SOBRE A AUTOAFIRMAÇÃO NE A PARTIR DO CABELO CRESPO
Esta foto é uma homenagem à Telma Sueli Soares de Sá, minha tia e fonte de inspiração p 2
EGRA O
para o tema deste produto. Mulher negra, que sabe se impor, Obrigada tia pretinha, a mais meiga.
Meu cabelo Meu cabelo diz muito sobre mim Quem eu sou e de onde eu vim Meu cabelo é minha capa Me ergue e me anima, esse meu rasta. Adoro como o vento sopra nele E com muito esforço penetra sua barreira Me deixando como se tivesse com um balão na cabeça
Ah! Como eu amo toda essa minha cabeleira.
Não é só um cabelo, é o que ele representa E para você que brinca, e até apelido inventa As molas que são minhas por natureza Nunca serão o seu padrão preferido de beleza.
Gracielle de Jesus Soares
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Às meninas do grupo “Cacheadas em transição” agradeço todo apoio que recebi.
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esde o meu primeiro contato com a fotografia documental, ao fazer uma série de fotos sobre o lixo nas praias e mangues de Ilhéus, eu senti que nasci para isso! Eu tinha apenas 13 anos e me envolvi a tal ponto no trabalho, que caminhei com a fiel companhia de minha mãe, por uma
manhã inteira. Só paramos depois de gastar quase dois filmes de 32 poses, Já exaustas. Naquela época eu não tinha noção de fotografia, muitas fotos saíram tremidas outras nem puderam ser reveladas. Mas foi naquele meu primeiro contato com a câmera e com a entrevista que despertou em mim a vontade pelo jornalismo. Hoje, ao produzir este fotodocumentário, senti a mesma sensação de quando eu era menina. E desse vez tive certeza da paixão pelo que faço. O fotodocumentário conta histórias de vida e aceitação de várias formas, umas emocionantes outras engraçadas ou tristes mas todas são reflexivas. Para pensar até que ponto um padrão de beleza pode sumir com nossas raízes. Tem poesia, prosa, amor e piada! Esse não é simplesmente um trabalho acadêmico, é a minha primeira mas significativa, parcela de sucesso como profissional. Por isso, agradeço ao meu orientador, Gilson Costa por ter embarcado nessa comigo, e aos amigos Àtila e André pelas dicas valiosas de diagramação.
Trabalho de Conclusão de Curso, modalidade Projeto Experimental submetido ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário do Araguaia, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Jornalismo, sob orientação do professor Ms. Gilson Moraes da Costa.
Barra do Garças 2014
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índice O tutankamon do litoral ................................................................................................................ 08 A única rastafari da cidade .......................................................................................................... 12 O caçador de pôr-do-sol ..............................................................................................................
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A casa dos três C .............................................................................................................................
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O dreadlook de Dadoloko ..........................................................................................................
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A negona no espelho ...................................................................................................................
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O Rapper americano diminas ...................................................................................................
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A cabeleira da cabeleleira ...........................................................................................................
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O Tutankamon do litoral
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Sarará Criolo, sarará criolo”, essa era a música que tocava às três horas da tarde no bar Vesúvio. Esse bar é um dos ícones culturais da cidade de Ilhéus. Nessa época do ano, que é tempo de férias, a cidade está cheia de turistas que passeiam pra lá e pra cá, parecem formiguinhas em busca de açúcar, só que eles estão em busca da cultura e praias locais. Enquanto espero, observo tudo do lugar combinado para o encontro, percebo o quanto o comércio local aproveita a alta temporada e como tudo fica mais caro nessa época. Aparecem vendedores de tudo quanto é tipo de produto: água, flores de plástico, flores naturais, cocada de cacau, ímãs de geladeira e até mesmo para tirar foto está se cobrando. E os turistas pagam. Olho no relógio pela terceira vez em 20 minutos, e me dou conta que ”meu” Sarará criolo já está há uma hora atrasado. Na escola, quando estudamos história, conhecemos Tutakamon, o jovem que foi o último faraó da 18ª dinastia. uma inscrição num bloco de pedra calcária dizia que o ele era descrito como “filho do rei e do seu corpo”. É esse Tutakamom que Ruy Penalva vê quando se olha no espelho. A aparência entre eles é subjetiva, mas Ruy diz vê-lo. Alguns traços marcantes, como nariz largo e boca carnuda são elementos em comum, que não podem ser negados. Assim como o Faraó é “filho do seu corpo”, o ator e cinegrafista, também o é. Ele é negro, de estatura mediana, tem olhos grandes e vivos, que parecem duas jabuticabas inquietas, suas sobrancelhas são grossas e marcantes e para coroar tudo isso, como um rei, está um Black Power bem cuidado e “adquirido” recentemente. Em 2011 Ruy passou a usar seu cabelo assim, para um personagem anos 60 e hoje tem menos
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medo do que vão pensar. Ao contrário do rei Tut, Ruy não nasceu em berço de ouro, nasceu em uma família pobre, mas foi adotado por uma família rica, por isso teve uma infância confortável, sem muitos traumas e autoestima bem trabalhada, (ele se acha o rei da cocada preta). De todos os bens que pôde ter, ao que mais se agarrou foi o conhecimento, o estudo foi seu aliado sem nem mesmo precisar ouvir aquela frase dita por muitos pais à seus filhos: “estude, por que você já é negro.” Ele é baiano, faz comédia e Stand-up e sempre tem uma ou outra piadinha na ponta da língua. Uma vez quando chamaram seu cabelo de ruim, ele prontamente se defendeu: ruim é o seu, “opaí,” é ruim de fazer uma trança, ruim de fazer um draed. E agora qual cabelo é ruim?, perguntou ele, a pessoa ficou sem saber o que falar. Quando vive situações de preconceito como essa, ele não deixa passar, sempre com bom humor, ele tira de letra. É sem dúvida, uma coisa que sua autoestima elevada não permite que o diminua. Uma vez, coversando com um amigo ele falou assim: que ele era negro mas que tinha alma branca. Rui prontamente respondeu: ” brother não viage não” E ele insistiu, disse que não via Rui como negro.“Rui já muito irritado respondeu secamente: “Agora eu que estou falando sério, eu sou negro sim, e amo ser negro, e a gente vai brigar se você continuar falando que eu não sou negro.” Uma pausa para uma ajeitadinha no cabelo. Ele tira do bolso mais improvável possível, o seu pente garfo. “Aqui é fiel, não ando sem ele!”. Ele arruma o cabelo, olhando fixamente para o horizonte, como se estivesse se olhando no espelho, termina, se volta pra mim e pergunta: Onde estávamos? Não sou atriz como ele, mas aproveito a “deixa” e pergunto como é sua rotina capilar. Ele me explica que não passa nada no cabelo, lava duas vezes por semana e não usa creme, a não ser quando vai sair sem capacete. “Que aí dá pra deixar ele mais cacheado”. Sua preocupação maior é ficar batendo e apalpando, sempre passando o garfo, pra manter o formato. “Eu sou muito vaidoso, como eu afirmo minha cor preta e minha identidade africana, gosto, brigo, e bato se necessário, em alguém se disser que sou feio. Por que eu vejo no espelho um cara bonito igual a todo mundo, não vejo diferença. O dia vai acabando, e o sol de fininho se retira, ali, bem na nossa frente. Devagarzinho o dia vai dando lugar à noite e a praia que foi palco para a nossa conversa começa a ficar deserta, os caiaques que antes estavam na água de um lado para o outro, sem descanso, agora, são recolhidos e guardados na beira da barraca. O tempo começa a esfriar, mas a nossa conversa sobre cabelo ainda parece longe de ter um fim. Então marcamos um novo encontro para o dia seguinte, dessa vez na casa dele. Chego novamente no horário marcado, e como previ, ele está novamente atrasado, dessa vez estava mais ensolarado, logo, tinham mais turistas na rua. Ele chega e vamos até a sua casa, que casa! Com todas as janelas de frente para o mar, uma sala ampla e repleta de livros de todos os tipos e variados títulos. A cozinha também é grande e tem cheiro de café. A casa é dividida por Ruy e duas pessoas. Ele me leva até o seu quarto-escritório-despensa, onde me mostra e explica orgulhoso, minunciosamente todos os cartazes, de todas as peças e apresentações que participou. São banners, convites, ingressos e até figurinos que agora são conhecidos meus. Seu quarto é bem simples, mas tem janela de frente para o mar também, me encosto no parapeito da janela e olho em frente. É nessa hora que entendo o que ele quis dizer com: “Eu aprendi a essência das coisas, o que é importante de verdade.” Falamos por mais algum tempo, sobre seus trabalhos, sua vida, e para acabar, pergunto como é a reação das pessoas com seu cabelo black power, e ele me conta rindo que uma menina uma vez pediu pra tocar no seu cabelo, depois do toque ela se espantou e disse:” nossa é molesinho”. Conhecendo ele como já conheci, sabia que ela teria uma resposta à altura, e ele logo me disse qual foi: “você achou o que? Que eu faria assim (ele balança a cabeça repetindo o gesto) e você morreria com o impacto?” rimos os dois sem parar.
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A única rastafari da cidade
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ue sol forte! Deve estar fazendo uns 40º lá fora. Essa é mesmo Barra do Garças, cidade do calor, “humano”. Mas, quente mesmo é conhecer pessoas que levantam as energias, suspendem suas forças, que arrepiam sua pele, pessoas de fôlego. Rose-Meire, com hífen assim mesmo! me recebeu em sua casa numa tarde quente dessas de Barra do Garças, uma casa aconchegante, com muitos sofás, poltronas e cadeiras, tem janelas grandes e mais de uma mesa. Sinal de que ali estuda-se e trabalha-se, além de comer. Estampas de onça e zebra espalhadas por todo lugar, aproximam a África de Rose. Posso perceber que ela tem muito sobre o que falar, quando tira de uma sacola denominada “sacola dos pendrives” uma infinidade de pendrives de cores e capacidades distintas, e ela sabe o que tem em cada um. Procura um e me mostra várias coisas no computador, projetos, algumas fotos e muitos textos. Seu jeito de falar, é daquele de professora, que tem didática e paciência, que começam uma palavra e pausam pra que o aluno termine-a. É uma maneira suave de falar. Ela nasceu no triangulo mineiro, na cidade de Prata em 1967 quando tinha um ano e quatro meses, sua família foi morar em São Paulo, na cidade de Igaratá e depois em Santa Izabel. Com essa mesma idade, um-ano-e-quatro-meses, passaram em sua cabeça um produto químico (soda) que prejudicou para sempre o crescimento dos seus fios, dizem que ele caiu todinho e nunca mais voltou a ser o que era. Em Santa Izabel, algo aconteceu no primeiro dia de aula na primeira série. Era recreio e as crianças brincavam de pega- pega. Rose só queria brincar, fazer amizades mas as crianças não permitiam e então ela começou a correr junto com eles. No meio da brincadeira, de repente alguém a segura – era um menino branco, loiro e de olhos claros, – e quando ele olhou para a cor da sua pele, ele soltou as mãos como se estivesse com medo dela. Ela disse que esse dia nem foi marcante, mas mal sabia que poderia vir piores. Em casa, lidar com o cabelo era difícil, sua mãe, descendente de italianos e holandêses queria sempre vê-la, “arrumadinha” e isso significava, alisar. Seu pai, negro de pai e mãe, sempre lhe disse que preconceito não existe. Um dia, sua mãe lhe comprou uma peruca linda e Rose se sentia linda também, naquele dia mesmo foi para escola toda sorridente com sua peruca. Chegando lá, percebeu que algo estava diferente, as crianças estavam agitadas e as professoras nervosas. Tinha um fotógrafo na escola! E aquele era o dia da foto para o álbum. A professora Terezinha Bicuda, colocou todo mundo em fila para ajeitar os cabelos um por um e quando chegou no cabelo de Rosa e colocou suas as mãos nele, o susto foi tão grande que ela tirou rapidamente. A foto aconteceu. Mas na hora do recreio, ela já era a sensação da escola, isso porque, algumas crianças maldosas pegaram uma vara de bambu, puxaram a peruca de Rose e a colocaram na ponta da vara, como um troféu. A vara percorreu a escola inteira e Rose também, tentando recuperar a sua peruquinha. Quando já no ensino médio, sua mãe à esperava chegar da escola toda noite para pacientemente colocar bobes em sua cabeça, era quase como um ato sagrado. Todos os dias, religiosamente. A pesar disso tudo, sua infância foi muito feliz, esses episódios a tornaram mais forte e sensível ao mesmo tempo.
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Mas foi só aos 23 anos que tudo mudou mesmo dentro de Rose. Um rapaz que ela paquerava tentou acariciar seus cabelos, e nessa investida foi reprendido pela moça que instantaneamente justificou que seu cabelo era ruim por isso não poderia ser tocado. O rapaz, muito simples, perguntou a ela: você acredita em Deus? Ela sem entender a ligação e confusa com a pergunta respondeu que sim. -E você acredita que um presente de Deus possa ser uma coisa ruim? O seu cabelo não é ruim, é apenas diferente. Desde então, seu pensamento mudou, suas atitudes mudaram. Ela descobriu que seu cabelo era só diferente e que não havia mal algum nisso. Rose cresceu, desabrochou, entrou pra faculdade, formou-se em letras, começou a trabalhar para o estado de Mato Grosso em Canarana. Ela, a única Rastafári de uma cidade repleta de gaúchos com olhos claros, tinha orgulho de ser negra, orgulho de ser filha de negro e espalhava isso aos quatro cantos.
Sua única tristeza era ouvir das crianças: “Como pode uma pessoa gostar de ser negra?” Foi aí que surgiu a ideia! Formou uma banda, com 60 crianças chamada “Sem preconceito”. Os instrumentos eram de materiais recicláveis e eles tocaram no centro da cidade, chamando a atenção de todos para o assunto. A Banda sem Preconceito fez sucesso, e até hoje, muitos jovens, que fizeram parte dela, fazem parte da banda municipal de Canarana. Em Barra do Garças, onde mora hoje, com sua irmã, mãe e sobrinhas, ela fez alguns projetos com o falecido e famoso Valdon Varjon, ganhou alguns prêmios, um nacional e dois estaduais. Mas não se gaba disso, só quer ser reconhecida. Ela anda pelas ruas de cabeça erguida, joga seu rastafári para lá e pra cá, sorridente e com a mesma sutileza com que fala, pretende em breve usar um black power. Um Black grande e grisalho, por que se pudesse traduzir seu cabelo em uma coisa, seria um fósforo. Pergunto por que, e ela responde porque é branco e iluminado.
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A casa dos três C
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é a terceira letra do alfabeto, e tem uma relação engraçada com três mulheres que conheci. Cortei caminho na ida até a casa delas, porque o sol das 11 da manhã estava bem quente, e fui pensando na letra C e relacionando com a história que tinha em mãos. C de cabelo cacheado, C de Cléa, Clara e de Clarissa. Cléa é a mãe, uma mulher guerreira, cheia de manias e fios encaracolados em tons de cobre, cor de moeda de cinco centavos. Uma negra que deixou seu país e partiu para à Alemanha para tentar a sorte com apenas 24 anos. Sempre usou seu cabelo cacheado e cheio, mesmo na Alemanha e nem pensa em mudar de estilo. Talvez, a cor da tinta, mas os cachos não! Clara e Clarissa são as filhas de seu casamento com Klaus, elas nasceram na Alemanha, com sangue brasileiro e cabelo carapinha, como muitos gostam de chamar as molinhas que jorram das cabeças mestiças das duas. Com quatro anos de diferença, Clara e Clarissa se parecem tanto que às vezes pensam que são gêmeas. Clarissa tem um jeito meigo e escorregadio de soltar as palavras no ar e sua voz é tão leve quanto seu traço num papel ao fazer um desenho. Ela é uma das únicas meninas da sua sala com “cabelo de miojo”, como é chamada às vezes. Mas gosta de ser diferente, acha isso uma coisa boa, porque nem ela se vê igual a todo mundo. Clara tem personalidade mais forte, pisa firme quando quer algo e não abre mão de seus direitos. É uma universitária militante, que resistiu até as últimas consequências acampada, junto com outros jovens, em frente à prefeitura, por três meses, para reivindicar os direitos da população. Atualmente, milita a favor do cabelo crespo e principalmente para ter o seu de volta, depois de nove anos refém de produtos químicos. Fez seu primeiro alisamento aos 10 anos. Claro que foi precoce, mas esse era o padrão que ela via na revistas, e principalmente, nas suas bonecas. Então achava que seu cabelo precisava ser “bom”, precisava ser liso! Clarissa nunca alisou. Uma vez, na Alemanha, tentou fazer uma escova, mas viu logo que aquela ideia não daria certo. Hoje, com seus 14 anos, acredita que seu cabelo cacheado tem uma relação forte com sua identidade, porque, de certa forma, sente essa diferença. Como ela nasceu na Europa e tem o cabelo cacheado, essa “diferença” é o que ela chama de “brasilidade aflorada”, é o que mostra como seu sangue brasileiro é forte. Clarisse sem dúvida gosta do que vê diante do espelho, e o seu cabelo lhe dá além da personalidade, bom astral. Como já é quase hora do almoço, me convidam para o comer. Não irei recusar, já que um cheiro ótimo vem da cozinha e estou realmente com fome. Lavo minhas mãos e reparo nas infinitas fotografias espalhadas pela casa, algumas muito antigas, outras mais recentes, mas uma em especial me chama à atenção. Cléa aparece na foto com sua cabeleira enorme e linda, o sorriso dela é verdadeiro, daqueles que você olha e não tem dúvida de que a pessoa estava feliz quando tirou aquela foto. Percebo ao lado da foto, um desenho feito por Clarissa, ele é bem parecido com a fotografia original e ela bem talentosa. -Carne de peixe frita vem da cozinha. Puxo uma cadeira e me sento. Cabelo é o assunto que prevalece, todos falam e todos comem. Essa é uma típica família brasileira em seu horário de almoço, algumas brigas pequenas, mas consideradas normais, falas altas e por cima umas das outras. Coisa de família mesmo! Contrariando o que muitos pensam, Clara, Cléa ou Clarissa nunca sofreram preconceito na Alemanha. Até os sete anos de Clara, quando moravam em Hamburgo, elas usavam os cabelos naturais, mas foi ao voltar para o Brasil que Clara sentiu a necessidade do alisamento. Agora, aos 18, entendeu que seu cabelo, bagunçadinho do jeito que é, compõe sua personalidade, sua afirmação de identidade cultural, sua raiz. 16
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O caçador de pôr do sol
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u sou filho de meu pai e de minha mãe, me chamo Lucas e tenho 26 anos, gosto de arte e de criança. Trabalho com elas desde os 17 anos, ou seja, quando eu era criança eu já trabalhava com crianças. Eu dava aulas de artes plásticas e teatro em Salvador. Mudei para Ilhéus e continuo com esse trabalho. Dou aulas em uma escola e tenho um grupo de teatro. Eu costumo falar que eu sou muito “sacana”, o palhaço da turma. Sou muito família, adoro arte, me considero muito curioso e, ao mesmo tempo, sou muito precavido. Mas se tratando de arte eu sou um experimentador. Quando fiz a primeira pergunta: “Quem é Lucas?”, ele me disse que essa era uma pergunta complicada e demorou para responder. Mas quando respondeu, perdi o fôlego e me deparei com essa alma transparente de respostas ligeiras e verdade no olhar. Olhar esse, que ao ser iluminado pelo dourado do sol, lembra amêndoas doces. Eu deveria ter previsto isto, quando o local escolhido por ele para nossa conversa, foi onde se contempla o pôr do sol mais bonito da cidade. Todos sabem, é consenso. Só ali, eu me dei conta de que estava na verdade, de frente para um doce expectador do dourado- rosado-amarelado que fica no céu quando o astro se vai. A história de Lucas com seu cabelo é singular. Você deve me questionar e dizer que todas são, mas a dele.... huuuum, a dele é realmente única. Quando ele tinha 13 anos, ele se rebelou, (mas foi uma rebeldia do “bem). Era um momento de ápice do pagode em Salvador e todos os meninos de sua idade cortavam o cabelo baixinho, igual ao dos cantores e faziam duas listinha nas laterais ou um desenho ou qualquer coisa do tipo. Descrente de que o seu destino seria esse, ele pensou: “Eu não quero fazer isso e ser só mais um”. Então deixou o cabelo crescer, até se formar um black. Ele andava com esse black para cima e para baixo e o chamavam de cotonete de elefante. Mas isso não o incomodava, pelo menos ele era diferente. Não um diferente de se achar superior, mas por assumir quem ele queria ser. Quem não queria que ele mantivesse o black era seu pai, que reclamava, falava, brigava e mandava cortar. Mas que, com o tempo, foi se acostumando. Demorou um pouco, mas quando isso aconteceu, tomou o filho como exemplo e dois anos depois ele próprio estava deixando o cabelo crescer, e hoje tem dreads que chegam na cintura. Lucas sabe bem que é mais difícil para o homem assumir o cabelo do que para a mulher. Porque, às vezes, a sociedade, como um todo, costuma ver o homem de cabelo grande como um marginal. Um homem negro de cabelo grande, então, é sinônimo de usuário de droga, marginal e que só ouve reggae. Por isso ele assumiu, enfrentando a sociedade e, depois, teve que enfrentar o seu próprio corpo que também começou a descriminá-lo. Parece confuso? Mas foi o que aconteceu com Lucas, vou explicar melhor. Em 2012, ele desenvolveu uma doença chamada Alopecia areata, mais conhecida como “pelada” e perdeu 98% do seu cabelo e parte da sobrancelha esquerda. Por ser uma doença autoimune, seu corpo entendeu que o cabelo era uma ameaça. Ele foi forçado a ficar totalmente careca. E foi complicado, porque os dreads já tinham 8 anos sendo cultivandos e seu cabelo representava a sua identidade. No seu trabalho, no teatro, as pessoas o conheciam de cabelo grande. E de repente, assim, do nada ele apareceu careca. Foi um choque. Sem falar os questionamentos que vieram depois, frases clássicas como: “Você passou no concurso da polícia? Está lutando contra um câncer?” E por aí vai. Foi um longo ano de tratamento, até o cabelo voltar a crescer e isso de certa forma, lhe deu mais força para se impor ainda mais quanto a sua identidade. Uma vez em uma entrevista de emprego pediram para ele cortar o cabelo, e sabe qual foi a resposta dele? “Até agora você me pediu um currículo e a sua entrevista foi profissional, eu estou aqui pra prestar serviços
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para sua empresa e não para satisfazer com minha aparência. Se meu ingresso depender disso, eu não vou entrar. Antes de precisar de um emprego, eu preciso de minha personalidade, e da minha identidade” Logo vi que o homem é realmente determinado. Ele me contou outras histórias, interessantes, engraçadas e absurdas. Lembrou do senhor catarinense que comprou seus quadros, mas que depois de conhecer o artista desistiu da compra, e da mulher que pediu pra cheirar seu cabelo e se espantou porque não fedia, e de outra mulher que o deixou 20 minutos esperando na empresa de turismo, quando ele foi comprar sua passagem pra Espanha, só porque “achou” que um homem negro de cabelo crespo, sandália, bermuda e camiseta não poderia comprar uma passagem para o exterior e pagar à vista. Mas nada me espantou mais do que saber que, entre suas três experiências no exterior, nos seis estados nordestinos que visitou, os do sul e em
Rondônia, onde já esteve, o lugar que ele encontrou mais situações de preconceito foi na Bahia. O seu estado, seu berço, o lugar do Brasil tido como o estado mais negro. Mas ele não costuma se estressar com essas coisas, leva na boa, dá risada, é irônico, e vê tudo de outro ângulo. Acredita que há um porquê para tudo. Quando o pôr do sol começou, tiramos fotos, contemplamos e aplaudimos. Foi realmente um espetáculo. Mas agora o dia já estava quase todo transformado em noite, então fiz, uma última pergunta. Quis saber se o cabelo dele já o atrapalhou alguma vez. E ele me disse que sim. Que seu cabelo atrapalha sim, mas não a ele, atrapalha as outras pessoas, que agem de modo equivocado diante dele.
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O dreadlook de Dadoloko
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uem anda pelas ruas de Ilhéus pode perceber suas marcas, seus desenhos, e sua assinatura: “Dadoloko”, que é rapidamente reconhecida. Aldo Santos, é seu nome, às vezes soa até como um palavrão, porque é raro alguém o chamar assim. Até para assinar coisas oficiais, ele demora um pouco pensando no nome que deve colocar.
Ele se define como alguém em construção, porque acha que uma resposta hoje é uma pergunta amanhã. Acredita que está se criando, se reformulando a cada dia. Já formou sua identidade, mas acha que além de formar tem que transformar. Aos 34 anos ele estuda Ciências Sociais. O antigo cabeça de cogumelo como era “carinhosamente” apelidado, hoje, é um homem que sabe mesmo o que quer e o que é. É um homem que se olha no espelho e vê determinação, perseverança e conflito. Porque todo dia é como uma batalha que precisa ser vencida. Foi em uma tarde de sol forte, quando a água do mar na praia da Concha estava translúcida e convidativa, que Aldo me confessou ser considerado a banda podre da família, por ser assim, “alternativo”. Sua mãe acha que ele deveria ser como seu irmão mais jovem e reclamava muito, dos dreadslocks do filho até se acostumar com eles. De vez em quando, ela ainda fala que prefere quando ele usa as trancinhas nagô e que, quando ele faz, fica mais bonito. Aldo só responde que não está nesse mundo para satisfazer o bonitinho e confessa, rindo, que já pensou em dormir de capacete porque teve alguns pesadelos com ela cortando seu cabelo. E como se sua identidade fosse um bolão, já até lhe ofereceram dinheiro em troca de uma aparência mais... “apresentável”. Foi sua tia, Aldair, quem uma vez lhe prometeu R$3.500 caso ele cortasse o cabelo. A proposta foi tentadora, já que ele tinha pedido o dinheiro emprestado. Mas ele recusou e optou pelo cabelo. É que sua tia nunca se conformou com Aldo influenciar o primo a ter um black power”. Dá para ver que Dado tem um cuidado diferente com as suas madeixas. Fico sabendo que se ele entrar na água do mar, com certeza quando chegar em casa vai lavar o cabelo com shampoo e condicionador, fazer hidratação e secar. Esse é o seu processo diário, mas quando o cabelo começa a crescer, os dreads ficam frouxous, aí é preciso apertar as buchas, uma por uma, com a agulha de crochê. Em suas contas, são R$ 300,00 reais que ele gasta por mês com o cabelo, já que prefere fazer isso em Salvador. Aldo sempre esteve bem com sua aparência, desde pequeno, quando percebeu que seu cabelo era diferente, mas não por causa da textura , mas por que ele tinha um tratamento diferente. Em seus desenhos, que viraram camisetas, Dado tenta passar a sua persistência à diante. Em sua pequena “fábrica”, montada em casa, ele recebe encomendas e realiza trabalhos pra a loja do Rappa e para a ZNVG, banda formada pelo ex-baterista do Rappa. É lá também que ele pinta rostos e símbolos negros que promovem a valorização da identidade negra. As vendas não são maiores que sua força de vontade, mas são menores que sua satisfação de ser quem e como ele é.
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A negona no espelho
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Hoje um garotinho aparentando seus dois ou três anos de idade me parou e disse: -Ô tia, tia -Que foi menino? -Seu cabelo é feio!! Eu perguntei: -Porque você acha feio? E ele me disse: -Por que tá assim, bagunçado para cima. Ele aprendeu que mulher tem que ter o cabelo liso e escovado. Então, eu fui tentar explicar, mas vendo que para aquela criança o que mamãe ensinou é a coisa certa, me abaixei e baguncei o cabelinho dele deixando ele “feio” também. O triste é que o garotinho é negro, assim como eu.”Essa história foi contada por Islane Moura, 21 anos em sua página no Facebook. Em um passado distante ela pensava como esse garotinho, e quem conheceu ela há quatro anos atrás, se lembra dela com o cabelo liso, sem balanço e igual ao de qualquer outra mulher que usa pasta alisadora de guanidina ou amônia. Mas desse tempo pra cá, algo aconteceu no mundo islânico. “Eu olhava pra mim no espelho e achava “bonitinho”, porque eu não lembrava como era meu cabelo natural. Lembrava assim, bem vagamente da infância, mas era aquela coisa: tá arrumado, tá no padrão da sociedade, então, tá beleza”.
A mudança do pensamento não foi rápida, mas foi intensa. Ela não teve medo e aos poucos começou a pesquisar como cuidar de cabelos naturais, olhar fotos de algumas pessoas, e aquilo foi ficando mais forte. Até que ela começou a deixar o cabelo crescer, a raiz aparecer e o black respirar. “Tive vontade de alisar de novo algumas vezes, por que quase não aguentei aquela situação de ter dois cabelos. Ter dois tipos de cabelos na cabeça é muito ruim, é o período mais difícil.” Ter dois cabelos, um liso e outro crespo, não conseguir fazer nada com ele, se olhar e se sentir feia e ainda ter que ouvir os piadistas perguntando se está precisando de dinheiro para se arrumar é o que mais doeu no período da transição para Islane. Seu maior medo e seu maior questionamento eram: “Será que vai combinar assim? Mas por que não combinaria se esse é o meu cabelo?” E combinou! Hoje, com dois anos ao natural, ela exibe uma cabeleira saudável, seus cachos por onde passam chamam à atenção, tanto pelo cuidado, como pela cor. Atualmente, Islane está ruiva, e há quem a chame de Ellen Oléria, a cantora. Pude presenciar uma cena dessas, quando andávamos e um rapaz a cumprimentou com um:
“E aí Oléria”. O apelido não é só devido ao cabelo, mas também pela aparência física e o jeitão firme de ser e lidar com a vida. “Eu acho até engraçado, porque eu não me acho parecida não, mas dizem que o jeito, e o estilo dela, de chegar chegando com atitude, que parece comigo. Eu acho que parece em partes. Mas meu black é maior e mais vermelho (risos)”. Quando se trata de preconceito, Islane tem uma porção de histórias para contar, desde a mulher que lhe negou um abraço por achar que em sua cabeça poderia morar uma colônia de piolhos, passando pela vizinha que a chama de árvore de pitanga embaraiada e manda ela pentear a juba, até o garotinho da história, que achou seu cabelo feio porque é para cima. Mas Islane nem liga para isso, hoje ela curte uma liberdade quase igual à de um passarinho numa árvore de pitanga e não troca sua juba embaraiada por nenhuma progressiva. “É liberdade, você se torna uma pessoa muito mais bonita, parece que o rosto muda, a aparência fica mais jovem, e não é só coisa de estilo não, é identidade, questão de negritude mesmo, de ser realmente o que eu sou. Hoje eu olho no espelho e falo: Agora sim, vai ali a negona!”
“...hoje eu olho no espelho e falo: Agora sim! Vai alí a negona!”
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O Rapper americano de minas
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ocê se lembra do funk que fez mais sucesso em 2004?, Aquele do auge da novela malhação que dizia assim: “Aê, barbeiro, aposenta a máquina de cortar cabelo e fecha o salão Porque a onda agora é andar de cabelão. Aê, morena, tu não vai se preocupar com seu cabelo. Pode fazer sol, até pode chover que não vai encolher esse cabelo durão”. Era o funk do Rafa da malhação. Não se lembra? Tem certeza? Está certo! Nem todo mundo, ou quase ninguém vai se lembrar dessa música, mas foi ela que Wirlei chegou cantando quando fomos conversar sobre cabelo e identidade. A música tem uma letra interessante, e foge, assim como o “cabelão”, dos costumes já consolidados do padrão liso de beleza. Wirlei também foge desses padrões. Ele é um mineirinho de Boa Esperança, tem 29 anos e estuda Ciência da Computação em Barra do Garças. Sabe aquelas pessoas tranquilas de conversar, serenas e que guardam e escutam tudo com muita atenção? Ele é desses! E é capaz de se lembrar de coisas que foram ditas na primeira conversa. Já experimentou usar seu cabelo de muitos jeitos, na maioria das vezes teve influência de atores e principalmente dos rappers americanos, por
quem tem muita admiração. Mas ele fez questão de dizer que tudo que fez e faz no seu cabelo tem haver com o que ele é e pensa de si mesmo. Wirlei apesar do jeitão assustador, como ele diz, é uma pessoa bem sensível e sentimental, gosta de fazer as pessoas rirem e considera isso um dom de Deus, já que, segundo ele, Deus não te deu beleza. Para ele, ter uma boa relação com o cabelo significa usá-lo da forma que lhe pareça melhor. Se for assim, ele pode dizer que vive muito bem com o cabelo, porque já fez muita coisa nele. Só ainda não ficou careca, mas alisou, trançou, relaxou. Isso tudo fora os penteados. Quando alisou ele gostou, mas reconhece que dá muito trabalho manter a química. E não era liso bem lisinho, era um relaxado que ficava esticado no comprimento com umas ondinhas nas pontas. Não pude deixar de imaginar como seria isso e pedi para ver uma foto. Ele me prometeu, mas receio que vou esperar muito até vê-la. Em Minas, sua irmã era quem cuidava do seu cabelo, ela fazia muitas tranças, mas como agora mora sozinho no Mato Grosso, ele não consegue trançar seu próprio cabelo, e acaba inventando algumas coisas, as poucas tranças que faz são bem simples.
Mas agora a moda é enrolar com o dedo! Ele aprendeu na internet essa técnica, é só enrolar o cabelo como se fossem pequenos dreads. É o famoso penteado “quibe”. Gostou, e depois de duas semanas fazendo, resolveu raspar a parte de baixo, mas ele é exigente e disse que não ficou do jeito que queria. Quando pergunto para ele, se seu cabelo é símbolo de sua identidade negra, a resposta vem à galope: “Eu inteiro sou característica de negro, então, não tem como ser só meu cabelo, ele sozinho não me representa”. Tomei um susto, mas entendi o que quis dizer. O cabelo é importante sim, mas não constrói identidade sozinho. Sentado no banco da faculdade, com o fone de ouvido pendurado no pescoço e blusa estilo rapper americano, Wirlei conta que nunca exigiram que ele mudasse estilo, mas que já recomendaram muito que cortasse o cabelo e aparecesse mais “apresentável.” sse pedido veio inclusive de dentro da própria família. Mas ele não mudou e nem vai mudar, porque o que ele vive com o cabelo, faz parte dele .É como se fosse sua assinatura.
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A cabeleira da cabeleleira
Q
Quem já foi em um salão de beleza sabe a loucura que é. Vozes nervosas conversando ao mesmo tempo, bocas que não param, cochichos, risadas, gargalhadas, barulho de secador, mãos que não param, pés que não descansam. Cheiro de cabelo queimado, produtos alisadores e acetona se misturam no ar. Horas que demoram de passar, revistas antigas e empoeiradas pra folhear. As modelos são sempre loiras de cabelos iguais! Não há novidade. Dulce é uma cabelereira de mão cheia, ou melhor, ela tem mãos de fada, como sugere o nome do seu salão, que também vive essa loucura: ela faz unha, cabelo, sobrancelha e depilação, junto com uma sócia. Seu curso superior de estética lhe dá segurança e conhecimento para tratar as suas clientes de forma profissional. Ela realmente sabe o que está fazendo. Em meio a tantos produtos para alisar, relaxar, cauterizar e esticar cabelos, vejo um frasco de creme para cachos. Esse é para o cabelo dela. Dulce tem uma “juba” que se destaca no meio do seu próprio ambiente de trabalho, onde a maioria das clientes procuram os melhores e mais caros produtos para alisar seus cabelos. Quer saber? Cansei de descrever as pessoas, de falar por elas e de fazer você, leitor, acreditar que isso seja verdade. Vou deixar Dulce falar de si, ela tem atitude de sobra para isso. Fico por aqui. Vou aproveitar que estou em um salão e cuidar do meu cabelo.
Eu não gostava do meu cabelo natural, achava feio o volume e que dava trabalho, mas aí a profissão e a falta de tempo me fez começar a usar. Porque às vezes eu deixava de ir pra algum lugar por não ter tempo de escovar. Aí eu falei: No natural é só colocar uma flor e está pronto. Vou testar! Eu me sentia poderosa com ele escovado, era mais prático, e achava aquele cabelo bonito e bem tratado, mas com os cachos eu me sinto mais sensual e original, estilosa e diferente. Hoje eu me considero bem resolvida e não quero liso nunca mais, já escovei duas vezes depois de deixar cacheado. Da primeira nem consegui terminar, fiz só um lado e molhei e, na segunda vez, fiz no cabelo todo, mas deixei só um dia. Tenho medo de escovar e não voltar mais. Eu trabalho com cabelo, mas não faço permanente afro, hoje eu gosto de cabelo cacheado com raiz volumosa. Já viajei para alguns lugares a trabalho e o pedem pra tirar foto, outros perguntam porque não aliso, mas nem que me pague milhões, eu faço. Tem muitos clientes que não aderiam ao cachos e por gostar do meu começaram a ter cachos também, é geralmente criança. Elas gostam de cabelo bem liso, e quando vêem o meu falam: “ai que lindo seu cabelo” E aí eu vou convencendo, coloco uma flor aqui, uma tiarinha ali. Já servi de influência para uma cliente de 13 anos, que queria o cabelo liso a qualquer custo, e eu indiquei uma colega minha que faz permanente. Ela adorou e hoje essa menina me “endeusa” e diz que foi por causa de mim que ela manteve o cabelo cacheado. Já passei por algumas situações de preconceito
também, de as pessoas assimilarem o cabelo crespo a ser desleixada, eu chamo de despojada, porque onde eu vou estou arrumada, às vezes coloco uma rasteirinha e um vestidinho, não preciso chamar atenção para a roupa o cabelo já faz tudo. Tenho uma cliente que tem uma loja chique, e ela me convidou pra ir lá, quando eu cheguei na porta, a pessoa não abriu, e eu fiquei olhando, pra ver se eu encontrava a dona, minha amiga. Depois eu me afastei e fiquei esperando um pouco do outro lado da rua, achei que a loja estava fechada, mas quando chegou uma moça de salto alto a mulher abriu a porta e a moça entrou. Eu liguei para a dona e falei, “fulana tô aqui na porta”. Ela abriu e fez aquela festa pra mim.Então eu vi que o tratamento foi diferente, eu senti. Pode não ter sido só pelo cabelo, mas pela minha cor também. Meu esposo adora meus cachos, se eu escovar ele não gosta, já minha filha gosta do dela mais baixinho, porque pra assumir esse tipo de cabelo, tem que ter personalidade. Ela quer manter liso por enquanto e eu respeito, porque o censo critico é geral, tem pessoas que não acham bonito. A aceitação tem que ser cativada de dentro pra fora. Para mim, meu cabelo crespo é minha identidade, acho que eu tenho meu estilo, eu me aceitei. Hoje em dia eu me acho muito mais bonita do que era antes, acho que ele também me deu atitude para chegar nos lugares e me sentir bem.
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