XI Congresso da CMM - “Arena Juventude - Jogos Olímpicos Rio2016", por Rui Mestre [pt]

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ARENA JUVENTUDE - JOGOS OLÍMPICOS RIO2016 Rui Mestre a e Marta Gameiro b a,b

Engenheiros Civis, Directores Técnicos da GRAVIDADE International, Lda

Resumo. A Arena Juventude é umas das principais infraestruturas construídas de raiz no Parque Olímpico de Deodoro, localizado no Rio de Janeiro. Tem capacidade para 5000 espectadores e acolheu várias competições dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio2016. A Arena apresenta uma implantação rectangular de 9000m2 com um vão interior máximo de 67,50m. A cobertura e as fachadas são em estrutura metálica, os pisos elevados em estrutura mista aço-betão e as vigas de bancada em betão pré-fabricado apoiadas na estrutura metálica principal. Nesta comunicação descrevem-se a concepção estrutural, as análises efectuadas e aspectos particulares do dimensionamento da estrutura metálica.

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Introdução

O Parque Olímpico de Deodoro, localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro, foi palco das competições de hipismo, ciclismo BTT, ciclismo BMX, pentatlo moderno, tiro, canoagem slalom, hóquei em campo, rugby e basquetebol nos Jogos Olímpicos Rio2016. Posteriormente, durante os Jogos Paralímpicos, Deodoro acolheu as competições de futebol de 7, tiro desportivo, hipismo e esgrima em cadeira de rodas. A elaboração do projeto e do plano geral urbanístico do Parque Olímpico de Deodoro foi lançado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro no início de 2013, através de um concurso público internacional. A Gravidade, em parceria com a Focus Group (responsável pelas restantes especialidades), integrou o consórcio projetista vencedor e foi responsável pelos projectos de Estruturas e Fundações. Este consórcio incluía ainda a Vigliecca & Associados responsável pela arquitectura e o plano geral urbanístico. A Arena Juventude, a par do Estádio Olímpico de Canoagem Slalom, é a principal infraestrutura construída de raiz neste complexo olímpico. Tem capacidade para 5000 espectadores e acolheu as competições de basquetebol, pentatlo moderno e esgrima em cadeira de rodas durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos.


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No legado pós-competições, a Arena Juventude tornou-se parte integrante do Centro Olímpico de Treinamento e, enquanto infraestrutura projectada como espaço multiusos, está também preparada para receber outro tipo de eventos públicos de grande dimensão.

Fig. 1: Vista geral (Brasil2016.gov.br / Heusi Action Images)

A área de jogo foi projetada para uma variedade de possibilidades e modalidades desportivas no modo legado. Com uma extensão livre de 70 metros, a Arena acomoda 8 campos multidesportivos. Sob a bancada fixa, com capacidade para 2.000 espectadores, encontram-se os serviços de apoio e instalações técnicas. Durante as competições olímpicas a capacidade foi aumentada para 5.000 espectadores através da instalação de bancadas temporárias.

a) Competição olímpica b) Centro de treino de alto rendimento Fig. 2: Configurações para utilização desportiva (imagem Vigliecca & Associados)

Os estudos efectuados abrangeram todas as fases de projecto, desde a Concepção até ao Projecto de Execução.

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Grandes projetos

Fig. 3: Corte esquemático do modelo tridimensional da Arena (imagem Vigliecca & Associados)

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A estrutura da Arena Juventude

A Arena Juventude desenvolve-se numa volumetria imponente com planta rectangular de 103,50m de comprimento, 87,00m de largura e 21.50m de altura. O vão interior na área de jogos é de 67,50m. A concepção arquitectónica assume declaradamente a estrutura, conferindo-lhe um papel relevante na imagem e percepção globais da obra. Esta integração da arquitectura e da engenharia de estruturas resultou de um diálogo próximo e constante, desde a fase embrionária do projecto, entre as duas disciplinas. As exigências funcionais, quer para os Jogos Olímpicos, quer para o legado pós-jogos, os prazos reduzidos e o contexto específico da construção na cidade do Rio de Janeiro no período que antecedeu os jogos, requeriam que a estrutura a conceber fosse rápida de construir, não necessitasse de processos construtivos ou equipamentos especiais que escasseavam nesse momento, e ainda que se adaptasse, sem necessidade de alterações, a vários tipos de utilização. Tudo isto respeitando os elevados padrões de exigência impostos pelo Comité Olímpico Internacional para os Jogos. Do ponto de vista estrutural, a obra divide-se em três grandes conjuntos: fundação, mesoestrutura e superestrutura. As fundações são profundas por estacas moldadas com diâmetro de 0.60m. O projecto das fundações foi desenvolvido em parceria com a empresa Tetraplano Engenharia. A mesoestrutura é constituída pela estrutura em betão armado que integra o embasamento do edifício e zonas técnicas enterradas. Esta assegura a transição entre a superestrutura metálica e a fundação. Os elementos principais da superestrutura são três: a envolvente do edifício, constituída pela cobertura e fachadas; os pavimentos elevados e as rampas laterais de acesso, em estrutura mista

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aço-betão; e a bancada permanente em elementos pré-fabricados de betão armado apoiados sobre a estrutura metálica principal. Do ponto de vista estrutural a obra destaca-se pela esbelteza da envolvente, em particular das fachadas.

Fig. 4: Vista do interior (Brasil2016.gov.br / Heusi Action Images)

2.1 A estrutura da fachada e cobertura A estrutura principal da envolvente do edifício é constituída por onze pórticos transversais dispostos na direção Norte-sul.

Fig. 5: Planta da cobertura

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Grandes projetos A cobertura na zona da área de jogo tem um vão de 67,5m vencido por 7 treliças tridimensionais de seção triangular, afastadas entre si de 10.50m. Estas treliças têm 4.00m de altura e a distância entre as duas cordas superiores é 3.50m. As treliças são constituídas por perfis tubulares circulares, com 273mm de diâmetro nas cordas superiores e 355.6mm de diâmetro na corda inferior. As diagonais principais têm 168.3mm de diâmetro e as travessas e diagonais do plano superior da treliça 114mm. No interior de cada treliça existe um passadiço técnico suspenso às travessas superiores. O acesso a estes passadiços é realizado nas extremidades das treliças por dois passadiços que percorrem, ao nível da cobertura, todo a extensão das fachadas Norte e Sul. As treliças tridimensionais apoiam, ao nível das cordas superiores, nos pilares das fachadas Norte e sul, totalizando desta forma 4 apoios por treliça.

Fig. 6: Corte longitudinal pelo eixo da Arena (este-oeste)

Fig. 7: Corte transversal pela área de jogo (Norte-sul)

Fig. 8: Corte transversal pela zona de serviços e circulação (sob a bancada)

Cada um destes pilares é na realidade um pilar duplo, constituído por dois perfis tubulares circulares com 273mm de diâmetro, afastados de 0.70m, ligados entre si em quatro níveis por 5


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perfis tubulares circulares de 168.3mm de diâmetro, constituindo o conjunto uma viga Vierendeel para acções horizontais na direcção transversal do edifício. Cada par de pilares duplos está, por sua vez, ligado entre si através de travessas e diagonais que conferem ao conjunto uma elevada rigidez no plano das fachadas, isto é, na direcção longitudinal do edifício. Os pilares duplos apoiam nas paredes de betão armado que constituem o embasamento do edifício, entre os pisos 0 e 1, com espessamentos locais em forma de cápsula na zona de apoio. Estas paredes conferem igualmente apoio às rampas exteriores de acesso. Do lado interior das fachadas Norte e Sul existem, em cada uma, dois passadiços técnicos que apoiam de um lado directamente nos pilares e do outro estão suspensos da cobertura.

Fig. 9: Alçado longitudinal da fachada Norte – pares de pilares e passadiços técnicos

O sistema estrutural das fachadas, formado por módulos de pares de pilares duplos, permitiu que em cada fase de montagem os sistemas estruturais resultantes fossem estáveis sem necessidade de escoramento ou contraventamento temporários. Uma vez instalado um módulo de pilares numa fachada e o correspondente na fachada oposta, era possível a montagem da respectiva treliça, resultando num pórtico estável. Este sistema permitiu abrir várias frentes de trabalho na fase de montagem da estrutura metálica encurtando os tempos de execução.

a) Alçado b) Corte Fig. 10: Módulo de pares de pilares duplos das fachadas Norte e sul

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Fig. 11: Módulo de pares de pilares duplos e treliça (fase construtiva)

As águas principais da cobertura são paralelas às treliças. Assim, o declive de 1.5% foi conseguido através do posicionamento das madres de cobertura a altura variável através do seu apoio sobre prumos soldados às cordas superiores das treliças. As madres são interrompidas num trecho de cerca de 1.15m sobre as treliças para a instalação de lanternins, que asseguram a entrada de luz natural no edifício no legado. Durante os Jogos estes lanternins estão oclusos. Na periferia da cobertura da Arena o revestimento é translúcido, em painéis de policarbonato, que apoiam sobre uma grelha constituída por perfis em chapa quinada com 4.8mm de espessura. Estes perfis, com seção cunha de 370mm de altura, estão dispostos na direção do menor vão. Na direção ortogonal, existem perfis em forma de z, com a mesma altura, que asseguram o contraventamento dos perfis principais. Os painéis desta grelha, com dimensões correntes de 9.40x10.50m, são suportados nos seus quatro bordos por perfis W460x89. O perfil externo constitui uma viga de periferia que remata todo o contorno da cobertura à cota +40.40. É suportado por um conjunto de pilares tubulares circulares com 406.4mm de diâmetro que, nas fachadas Norte, Sul e Este, vencem a altura completa entre o piso 0, ou as rampas, e a cobertura. Estes pilares que atingem de 18.5m de altura apresentam uma elevada esbelteza que marca a imagem exterior da Arena. Esta esbelteza é possível por terem sido concebidos como bi-articulados, transmitindo apenas esforço axial. Na fachada Este, os pilares suportam não só a cobertura mas também os pavimentos dos pisos 1 e 3, pelo que contam com seções mais robustas, com 508mm de diâmetro. As zonas da cobertura revestidas a policarbonato contam com tirantes de contraventamento em cada módulo, constituído por barras redondas em aço tensionadas. Atendendo ao elevado comprimento do edifício e à assimetria de rigidez da estrutura – os pavimentos e bancada permanente existem apenas do lado Este da Arena – foi disposta uma junta de dilatação na direção transversal a meio do edifício. A junta é materializada por ligações com furos ovalizados nos perfis que ligam os pórticos no sentido longitudinal do edifício. A resistência às ações horizontais e, em particular, ao vento, é conseguida, na direção dos pórticos transversais, através da rigidez de flexão dos pilares duplos e na direção longitudinal, pela rigidez dos contraventamentos entre pares de pilares duplos. O núcleo de escadas e elevadores, em betão armado, é um elemento de grande rigidez que confere travamento à zona Oeste 7


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do edifício, incluindo os pavimentos elevados, os quais, à excepção do piso 2, se encontram solidarizados com este. 2.2 A estrutura dos pavimentos e bancadas A arquitectura necessitava, por motivos funcionais e geométricos, de grandes vãos livres nas zonas de circulação e acesso às bancadas sem que se excedesse uma espessura 0.70m de pavimento. Esta altura já incluía elementos de iluminação nos tectos e as redes das infraestruturas. Optou-se para os pavimentos dos pisos elevados por lajes mistas aço-betão, com chapa perfilada de aço de 75mm de altura, perfazendo as lajes 150mm de altura. Na face superior das lajes dispôs-se uma malha eletrosoldada e, adicionalmente, reforços de armadura ordinária nas zonas de momentos negativos. As lajes apoiam sobre vigas secundárias, em perfil W460x89, dispostas na direção transversal do edifício com 2.80m de afastamento máximo. Estas apoiam por sua vez nas vigas principais, dispostas na direção longitudinal do edifício, e afastadas entre si de 11.25m. As vigas secundárias e vigas principais estão alinhadas pelos banzos superiores para minimizar a altura total do pavimento. As vigas principais são compostas por dois perfis W530x138, paralelos entre si e afastados 0.70m, de modo a ladearem os pilares circulares que suportam os pavimentos. Estas vigas têm continuidade ao nível dos pavimentos dos pisos 1 e 3 com a estrutura das bancadas. Esta disposição de duplo perfil com continuidade estrutural ao nível dos apoios permite, por um lado, simplificar as ligações aos pilares e, por outro, minimizar a altura destas vigas e, consequentemente, a espessura total dos pavimentos. Na bancada, adicionalmente às vigas principais descritas, foram incluídas vigas secundárias na mesma direção que permitem instalar as escadas dos quatro vomitórios. As vigas principais e secundárias têm comportamento misto, dispondo de conectores do tipo stud-bolt no banzo superior. Esta solução permitiu dotar as secções de inércia suficiente para verificar os requisitos de deformação e vibração dos pavimentos. Previram-se aberturas francas nas almas dos perfis metálicos para o atravessamento das redes de drenagem e outras mais pequenas para as restantes redes. O espaço livre entre cada par de perfis principais permitiu acomodar em nichos a iluminação necessária.

a) Vista do interior (lado sul) b) Vista do interior (fachada Este) Fig. 12: Vistas do interior, na zona de circulação, ao nível do piso 1 (Brasil2016.gov.br / Heusi Action Images)

Os pilares metálicos que suportam os pavimentos são compostos por perfis tubulares circulares com diâmetros de 508 mm. A estrutura das bancadas é composta por pórticos metálicos, dispostos no sentido longitudinal da obra, onde apoiam as vigas de bancada propriamente ditas. Estas são elementos pré8


Grandes projetos fabricados em betão armado com vão corrente de 4.23m. Têm secção em “L” com pormenor de entalhe na cofragem que permite o encaixe de umas sobre as outras. A altura das vigas de bancada é de 0.37m na bancada inferior e 0.62m na bancada superior. O apoio destas vigas sobre as vigas metálicas da estrutura da bancada foi realizado através de placas de neoprene e chumbadouros selados. No pavimento do piso 1, na ligação às rampas exteriores de acesso, foram dispostas duas juntas de dilatação (eixos 02 e 08). O dimensionamento da estrutura das bancadas e dos pavimentos foi condicionado pelas deformações verticais e, sobretudo, pelo conforto face à vibração. O critério de vibração foi verificado para uma massa excitação equivalente a uma combinação de ações frequentes com os seguintes limites: fv ≥ 4,5Hz, em zonas com acções ritmadas (bancadas); e fv ≥ 3,0Hz, nos pavimentos de áreas de circulação.

Fig. 13: Corte longitudinal pelo núcleo dos elevadores (zona dos pavimentos e bancadas)

Fig. 14: Pormenor da ligação das vigas principais ao pilar na zona de transição com a bancada

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Análise estrutural e verificação da segurança

Para o dimensionamento da estrutura da Arena elaboraram-se diferentes modelos de cálculo. Primeiramente, um modelo global para análise do comportamento global da estrutura, incluindo todos os elementos principais. Realizaram-se análises elásticas lineares para determinação dos efeitos induzidos pelas diversas ações consideradas. Adicionalmente, foram realizadas análises de instabilidade local e global da estrutura (buckling) e análises P-Δ para determinação de efeitos de segunda ordem nos elementos onde estes efeitos são relevantes (pilares e treliças). Depois, um modelo da zona dos pavimentos elevados e bancadas para análise do comportamento dinâmico da estrutura, nomeadamente modos de vibração e aferição de deformações. Este modelo resultou do modelo global, tendo-se refinado a discretização de alguns elementos e testadas e adoptadas diferentes modelações de algumas ligações de modo a aproximar a resposta dinâmica do modelo de cálculo à da estrutura em termos de rigidez e amortecimento. Finalmente, foram desenvolvidos vários modelos locais, representativos de diversos elementos construtivos como sejam os reservatórios e zonas técnicas. O dimensionamento e a verificação da segurança foram realizados de acordo com as normas da ABNT. Para controlo interno da equipa de projecto, recorreu-se em paralelo à regulamentação europeia nomeadamente aos Eurocódigos. Para as situações não previstas na regulamentação brasileira recorreu-se também à regulamentação europeia.

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Conclusões

No início do projecto do Parque Olímpico de Deodoro, o grande desafio colocado à equipa projectista consistiu na criação de soluções que maximizassem o retorno efectivo para a comunidade do esforço despendido com a preparação e organização do evento. Para a equipa de estruturas, para além da materialização de soluções que permitissem à arquitectura e restantes especialidades alcançar esse objectivo, a concretização deste propósito passou pela concepção de estruturas de execução simples e rápida, pensadas para cumprir a sua função no modo legado, pós-Jogos, e capazes de satisfazer as exigências “temporárias” das federações dos vários desportos envolvidos e do Comité Olímpico Internacional. Simultaneamente, foi dada especial atenção aos aspectos estéticos. No caso concreto da Arena Juventude pensamos que se alcançou também esse objectivo, tendo resultado uma estrutura que, apesar de imponente na dimensão, transmite uma imagem de grande leveza. O projecto foi integralmente desenvolvido em BIM (Tekla Structure) o que permitiu uma redução substancial do tempo de projecto, resolver de forma mais eficaz as zonas de geometria complexa e desta forma entregar um produto de elevada qualidade. A utilização das normas brasileiras e europeias no dimensionamento da estrutura metálica conduziu a resultados praticamente idênticos. As principais quantidades usadas na estrutura foram: - Aço em estrutura metálica........... 1 800 ton - Betão .......................................... 5 600 m³ - Aço em armaduras ordinárias ...... 610 000 kg

Agradecimentos O projecto da Arena Juventude, bem como das restantes infraestruturas do Parque Olímpico de Deodoro, resultou da colaboração de uma equipa multidisciplinar cuja dedicação e profissionalismo os autores agradecem. 10


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