uso do produto ou serviço.
são os nossos sentidos, principalmente os da visão e do tato, empregados no
a algo bem-feito. Os melhores recursos que temos para descobrir o design
associam design ao bom gosto,
As pessoas sempre
de duas qualidades: funcionalidade e estilo.
manifesta, principalmente, através
O design se
e o design de interiores.
Atualmente as especializações mais comuns são o design de produto, design visual, design de moda
em projetar um determinado tipo de coisa.
cujo profissional é o designer. Os designers normalmente se especializam
O design é também uma profissão,
softwares ou de páginas da Internet, entre outros.
letras (tipografia), livros e interfaces digitais de
máquinas, ambientes, serviços, marcas e também imagens, como em peças gráficas, famílias de
de objetos, como utensílios domésticos, vestimentas,
podem projetar incluem muitos tipos
Exemplos de coisas que se
uma intenção ou objetivo, ou para a solução de um problema.
etapas de produção. Essa é uma atividade estratégica, técnica e criativa, normalmente orientada por
envolvendo a repetição das diferentes
desenho para construção em maquinário mecânico ou manual,
seriada e que demandem padronização dos componentes, compatibilização do
objetos que serão produzidos industrialmente ou por meio de sistema de produção
elaboração e especificação de
Design ou desenho industrial é a idealização, criação, desenvolvimento, configuração, concepção,
Design
Design Evolução e Função
Design Evolução e Função JOSÉ CARVALHO Faculdade de Belas Artes da UPorto 2013
PREFÁCIO Esta é a primeira edição da evolução e função do Design que reúne opiniões de vários criticos e historiadores desta área. Desde que foi idealizada e, agora, concretizada, os seus objectivos principais são os de apoiar a cultura, icentivar a leitura da literatura contêmporanea nacionale, acima de tudo, descobrir e divulgar talentos até então desconhecidos. Designers que sonham e sonharam ter as suas obras literalmente imortalizadas com a publicação de um livro. Blogues são criados a cada minuto na internet, porém, muitos são ou serão esquecidos e até mesmo apagados. O livro é imortal, passa de mão em mão, geração em geração. O seu destino é singular: livrarias, bibliotecas, estantes... Mesmo quando o seu valor não estiver mais presente, a sua obra impressa permanecerá e atravessará séculos.
FICHA TÉCNICA TÍTULO
Design: Evolução e Função
EDICÃO/AUTOR
José Carvalho
DESIGN E IMPRESSÃO
IDIOT - QualquerIdeia
TIRAGEM
500 exemplares
ISBN
978-989-20-2869-0
DATA
Maio de 2013
02
Capítulo I
História do Design Pág.15 - 54
01
Revolução, Design no séc. XIX, Arquitectura e Design, Bahaus, Influência da Bauhaus no Ensino do Design, O Funcionalismo, O Novo Design, Design Pós-Moderno.
Capítulo II
O começo do Design Pág. 55 - 70
Revisão bibliográfica, Importância da bauhaus.
04
Capítulo III
Futurismo e Vanguarda em Portugal Pág. 71 - 102
03
Modernidade e Modernização, Chegada da Vanguarda Futurista, Condições da Euptura, Manifestos Escolhidos.
Capítulo IV
Índice
Design e Cultura de Massa Pág.103 -132
06
Capítulo V
05
Contracultura Pág. 133-146
Capítulo VI
Design de Serviço Pág. 147 -166
Fundamentação Teórica, Instrumentos e Métodos, Estudos de Caso, Considerações e Acções Finais.
08
Capítulo VII
07
Design e a Ciência Pág. 167 -174
Capítulo VIII
Design e Cultura de Massa Pág. 175 -182
Índice
Os Resultados dos Trabalhos.
10
Capítulo IX
09
Design Incómodo Pág. 183 - 188
Capítulo X
Design Social Pág. 189 - 214
Vertente Histórica e Social, Aspectos Socias, Conceito de Design Social, Motivações do Design, Acções do Design Social.
12
Capítulo XI
11
Design na Política Pág. 215 -172
Capítulo XII
Índice
Design Transdisciplinar Pág. 225 - 230
13
Capítulo X///
Design e a Música Pág. 231 - 237
Musica Enquanto Ponto de Partida
I HISTÓRIA DO DESIGN A História do Design é uma história muito recente, apenas três séculos nos separam do surgimento do Design como uma ciência com seus próprios conhecimentos, METODOS E TÉCNICAS. Isto não significa que não houve design antes da era moderna.
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Revolução
Europa
A História do Design se inicia na Europa no momento em que os sistemas de produção começaram a se modificar e com eles o sistema em que os artesãos eram treinados para atender a demanda das cortes, seus reinos e suas colônias em expansão no século XVII. Em 1664 o rei Luis XIII da França criou a Manufatura Real de Tapeçarias e Gibelinos e em 1684 a Real Academia de Pintura e Escultura com o objetivo de liderar nas artes e no comércio como estratégia de crescimento e poder. O trabalho que se desenvolvia nas manufaturas onde trabalhavam os melhores artesãos franceses era admirado pela qualidade e beleza dos produtos. Porcelana, prataria, moveis, jardins, tecidos, roupas, jóias, cristais, arquitetura e obras de arte francesas marcavam as tendências estilísticas e culturais e a liderança na exportação de objetos de luxo daquele tempo. O propósito final desta estratégia era propagar a glória dos reis da França. Em um discurso na Real Academia de Pintura o rei Luis XIV falou assim aos artistas e artesãos que se formavam ali:
"Vocês podem julgar quanto vos estimo, porquanto eu confio em vocês o assunto mais apreciado para mim, que é minha glória" A Real Academia da França dirigida por Charles Le Brun mantinha uma educação que exigia a aprendizagem da arquitetura, geometria, perspectiva, aritmética,anatomia, astronomia e história e determinava as regras estéticas que todos deviam seguir. O ministros do rei tinham a tarefa de supervisionar e censurar as obras que ali se realizavam. A Real Academia supervisionava todas a manufaturas reais sob rígidos critérios estéticos e políticos. Por outra parte nesse século na França surgiram também academias de livre associação onde artistas, intelectuais e filósofos seguiam as tendências liberais com os quais se propagaram os valores modernos de liberdade, individualidade e independência. Este movimento chamado Iluminismo.
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As cortes européias naquele tempo reuniam artistas, cientistas e filósofos para ensinar, aprender, debater e desenvolver pesquisa como fazem as universidades hoje. Os ventos modernos haviam começado a mudar o cenário para a era das revoluções que desabrocharam no século XIX: a Revolução Industrial, as revoluções de independência das colônias européias na América, as revoluções na arte, na ciência e na tecnologia. O mundo estava mudando radicalmente.
A Era das Revoluções A partir da Revolução Francesa em 1789, inspirada no movimento liberal do Iluminismo, se deu inicio à era das revoluções. O ambiente cultural, científico e político se debatia entre o espírito romântico e o racionalismo científico que gerou as contradições necessárias para impulsionar às transformações em todos os âmbitos: •
materialismo científico vs. espiritualismo
•
razão vs. imaginação
•
natureza vista como máquina predeterminada vs. mistério transcendental
•
comércio internacional vs. nacionalismo e colonialismo
•
crescimento da burguesia e educação para todos vs. exploração da classe operária
As tensões criadas por estas contradições deram passo a três importantes revoluções: a revolução cultural, a revolução social e a revolução dos sistemas de produção.
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A revolução cultural Eugéne Delacroix e Teodore Gericault da França, William Turner da Inglaterra, o alemão Caspar David Friedrich e o espanhol Goya são alguns dos artistas românticos que captaram o espírito emotivo deste tempo. Levaram a arte das regras clássicas racionais à emoção e á imaginação, da beleza objetiva á beleza subjetiva, re-valorizaram a beleza natural e o passado medieval, acreditaram no progresso e valorizaram as culturas exóticas e a originalidade na criação. O modelo do herói romântico inspirado na figura de Napoleão era o modelos dos jovens europeus: personalidades misteriosas, sensitivas e incompreendidas, apaixonadas e criativas, gênios solitários e atormentados, intuitivos, imaginativos, introspectivos, melancólicos, pensativos e emotivos. A morte e o amor era o maior interesse da época. A literatura, a política, a arte, a música, a filosofia, tudo ganhou um ar romântico e audaz que reagia aos ditados da razão; á rápida industrialização e empobrecimento da classe operária; à violência das guerras; ao nacionalismo e á cultura do individualismo. Voltaire, Rousseau, Napoleão, Vivaldi, Mozart, Beethoven, Chopin, Paganini, Baudelaire, Rimbaud, Alan Poe, Nietzsche, Simón Bolívar foram foram alguns dos heróis românticos do século XVIII e XIX.
A revolução social A Revolução Francesa e as guerras de independência junto as revoluções no campo das artes e da ciência levaram a uma mudança nas relações de poder. O espírito Iluminista questionava o poder secular e religioso e postulava o conhecimento como única fonte legitima do poder na direção das nações modernas. Não mais por linha de sucessão de dinastias monárquicas nem pela unção religiosa, os governantes deviam ser eleitos entre as pessoas “esclarecias”. O poder era o poder do conhecimento.
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A Revolução Industrial O crescimento da burguesia tanto na Europa como nas colônias e ex-colônias determinou o crescimento da demanda. Maior produção exigiu maior competência entre as industrias. Desta maneira se fez necessário uma divisão do trabalho mais efetiva na linha de produção. Os padrões tradicionais foram sacrificados por propósitos comerciais, o que resultou em objetos menos luxuosos e mais austeros ao alcance da classe burguesa e operária. As fábricas necessitavam inventos mecânicos para um funcionamento eficiente. Um invento leva a outro. Desta maneira os grandes inventos modernos se sucederam sem parar: os motores a vapor e com eles o trem, o barco, os carros a vapor e a imprensa; a câmera fotográfica, o cinematógrafo, o fonógrafo, a eletricidade e outros muitos mais. As ciências modernas se desenvolveram rapidamente: a medicina, a psicologia, a arqueologia e a química farmacêutica, a industria de tintas e outros. A arquitetura também sofreu uma revolução importante que foi determinada pelas mudanças sociais, econômicas e culturais. Foram os arquitetos do século XIX que abriram o caminho do Design a partir da relação transdisciplinar entre a indústria, a arte e a arquitetura.
Rivalidade Inglaterra - França No século XIX a Grã Bretanha e a França competiram pelo domínio industrial e comercial. A Rainha Vitória tinha ampliado o poder e a riqueza do Império Britânico, tinham conhecimento, tecnologia e poder. Mas havia uma coisa que eles não tinham: a beleza do design francês. A França se encontrava debilitada pelas guerras e intrigas napoleônicas e as constantes revoltas revolucionárias, ainda assim as Academias Reais continuaram.
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Os ingleses preocupados com a liderança estética e cultural francesa investiram em academias para artesãos, mas os formavam separados dos artistas, como os alemães, que contavam com escolas de formação artesanal gratuita para a classe operária. Os ingleses e alemães tinham então uma formação técnica enquanto os franceses tinham uma formação artística. Neste espírito competitivo os ingleses organizaram em 1851 a primeira Exposição Universal chamada "A Grande Exposição dos Trabalhos da Indústria das Nações do Mundo". Por primeira vez artistas, arquitetos, cientistas e comerciantes exibiram, discutiram e promoveram seus produtos. A Grande Exposição Universal de Londres foi um marco histórico para o design porque reunia em um só lugar todas os conhecimentos que no século XX deram origem a primeira escola de design. Para albergar os expositores Joseph Paxton desenhou o Palácio de Cristal. O edifício, feito com estruturas pré-moldadas de ferro e de vidro, foi uma das maiores obras arquitetônicas da história não só pela grande beleza das suas formas e da sua transparência, mas porque constituía maior revolução arquitetônico desde Roma. As estruturas de ferro possibilitaram grandes construções que fossem leves e que inclusive pudessem ser montadas e desmontadas. O ferro das máquinas se espalhou nas obras arquitetônicas e na vida urbana da Europa do século XIX. O Palácio de Cristal foi desmontado depois da exposição, mas uma outra obra grandiosa da era do ferro ficou: a Torre Eiffel, de Alexandre Gustave Eiffel foi erigida com uma estrutura de ferro pré-moldado como foi o Palácio de Cristal de Londres para marcar em 1889 a 8ª Exposição Universal em Paris. A torre devia ser desmontada depois da exposição, mas permanece até hoje como símbolo da modernidade. Foram 9 exposições universais no século XIX, 12 no século XX e 4 neste século. A história do design se configurou a partir deste intercambio internacional e interdisciplinar.
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Design no SĂŠculo XIX
Obras
O Design Vitoriano 1835 a 1903 A Rainha Vitória (1837-1907) da Grã Bretanha marcou uma era muito importante para a cultura inglesa: a Era Vitoriana. No seu reinado as artes, as ciências e a tecnologia foram desenvolvidas em um espaço de tensão entre a tradição do passado e a modernidade. O estilo vitoriano, do qual os ingleses se orgulharam, se estendia aos objetos, móveis, roupa, tecidos, gráfica, arte, arquitetura, paisagismo e design de interiores. Sua influencia chegou a muitos outros continentes e durou mais de um século. O pensamento de John Ruskin (1819-1900), crítico de arte e medievalista, as obras de A.W. Pugin (1812-1852) arquiteto e designer e de William Morris (1834-1896) tiveram uma grande influencia sobre o design vitoriano. Todos eles proclamaram a importância da relação entre arquitetura e design que existia na cultura clássica greco-romana e medieval. Este saudosismo de tempos passados, era parte da cultura romântica da época, mas também revelava o medo do presente e do futuro cada vez mais tomado pelas máquinas de ferro. A sociedade industrial era orgulhosa do progresso material que trazia a Revolução Industrial. Mas muitos pensavam que este progresso material deixava de lado as preocupações espirituais e que assim ameaçava o tecido social. Ruskin encontrava na arte a possibilidade de devolver o equilíbrio entre o progresso material e espiritual. Ele escreveu muitos livros de história e crítica de arte que o gosto vitoriano encontrava moralmente edificante. Estes livros instruíram á classe média britânica na idéia da arte como reflexo das condições morais de uma sociedade: “o sinal visível da virtude nacional”.(EFLAND, A., 1990). Ruskin via a arte como a imitação da natureza, além disto devia proporcionar também prazer. Mas aquilo que tornava um objeto em uma obra de arte era o propósito moral: a maior quantidade de grandes idéias. Para Ruskin as obras de arte são encontros com as grandes idéias. Por causa disto ele defendia a importância de viver em ambientes altamente estéticos.
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O arquiteto Pugin levou as idéias de Ruskin ao plano do design. Como Ruskin, Pugin propunha um design baseado na utopia regressiva do retorno à beleza da natureza, em oposição ás novas tendências que exaltavam a beleza das máquinas. Eles sentiam aversão pelas tendências arquitetônicas marcadas pelo Palácio de Cristal. Para Ruskin e Pugin a beleza devia expressar uma função social: "só pode ser belo aquilo que é bom", esta era uma idéia medieval que explicava a beleza como a materialização do bem. (ECO, U.2007) Nas artes, o movimento Pré-rafaelista, que tentava retornar á simplicidade e sinceridade da arte foi o que melhor representou a estética e moral vitoriana. O gosto vitoriano cresceu no coração da burguesia britânica do século XIX. Na arquitetura, na decoração, no paisagismo e nas artes gráficas e nos objetos predominaram as formas orgânicas estilizadas de linhas marcadas e os arabescos com decoração austera e volumes geométricos.
O movimento Arts and Crafts Assim como para Ruskin e Pugin, para William Morris o retorno ao sistema dos grêmios da Idade Média e o retorno à vida em contato com a natureza eram as únicas saídas da alienação das metrópoles, da fria e artificiosa beleza do ferro, da produção industrial em série e da miséria causada pela exploração e pelo trabalho mecanizado das fábricas (ECO, 2007). Movido por estas idéias iniciou o movimento Arts and Crafts (Artes e Ofícios) e fundou em 1861 junto ao arquiteto Philiph Webb e outros associados, um estúdio de design com o propósito de restabelecer os laços entre o trabalho belo e o trabalhador e voltar á honestidade do design que a produção em massa negava. O estúdio de Morris e Webb ficou conhecido pela idéia da casa como uma obra de arte total, com todos os objetos desenhados pelos arquitetos e realizados por artesãos experientes usando métodos tradicionais e se inspirando na natureza.
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O design do movimento Arts and Crafts se caracterizou pela: •
simplicidade vs. complexidade no ornamento
•
sistema de grêmios vs. sistema industrial
•
acabado artesanal vs. acabado industrial
A missão social do movimento era dar solução aos males da Revolução Industrial: melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, levar a cultura a todos e restabelecer a união das artes e os ofícios perdida desde o Renascimento. Todas as peças feitas nos estúdios do Arts and Crafts seguiam os princípios estabelecidos por Morris: •
considerar o material (qualidade e nobreza)
•
considerar o uso (função)
•
considerar a construção (design)
•
considerar a ferramenta (técnica)
O movimento Arts anda Crafts de Morris teve o apóio da monarquia vitoriana e teve grande sucesso entre a burguesia rica. A marca registrada da oficina de Morris e arquitetos era a alta qualidade artesanal dos produtos. Isto encarecia muito os objetos frente àqueles que produziam as fábricas. O sonho de Morris de oferecer ambientes e objetos altamente estéticos a todos não era possível. Só os ricos podiam comprá-los. Mas o gosto pelos objetos Arts and Crafts cresceu e se estendeu na Alemanha e nos Estados Unidos onde se publicaram revistas especializadas que atingiam um grande público feminino. As idéias do movimento Arts and Crafts, os ventos românticos e a veloz modernização da Europa no final do século XIX inspiraram na França um movimento ainda maior e mais abrangente.
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Modernismo ou Art Nouveau 1890 - 1918 O movimento do Art Nouveau se iniciou na França e se expan diu por toda a Europa convertendo-se em um estilo internacional. Em inglês se conheceu como Modern Style, em espanhol e português como Modernismo, em alemão como Jugenstil e em italiano como Liberty ou Estilo Floreale. Este movimento esta estreitamente ligado às correntes artísticas de fim de século que promoveram a imaginação, a expressão e o simbolismo na arte, mas também à produção industrial em série e ao uso de materiais modernos como o ferro, vidro e cimento. À diferença do movimento Arts and Crafts, o movimento francês do Art Nouveau valorizava a racionalidade da ciência e da engenharia e acompanhava o crescimento da burguesia. Era uma nova geração que tinha nascido e crescido nas metrópoles. Desta maneira o Art Nouveau estabeleceu uma articulação estreita entre arte e indústria resultando numa alta qualidade estética dos objetos. O Art Nouveau foi o primeiro fenômeno de moda em que as tendências da arte era aplicadas aos objetos. Moderno significa novo, atual. A moda é uma novidade que toma conta de todos os aspectos da vida. Isto foi possível no contexto de uma sociedade que já contava com uma rápida propagação das idéias e os costumes pelos meios de transporte e comunicação e que contava com um mercado entusiasmado pelo consumo das novidades modernas. As linhas curvas, os arabescos, as formas orgânicas e geométricas e os motivos florais que caracterizaram o estilo do movimento Arts and Crafts se fizeram mais atrevidas e sensuais no Art Nouveau. Arquitetura, móveis, objetos, jóias, roupa, máquinas, móveis urbanos, tudo se vestiu de linhas onduladas como as entradas do Metrô de Paris de Henry Guimard ou o Parque Guell de Gaudi. Era uma geração que aceitava a máquina, mas a vestia de adornos floridos para naturalizá-la. A máquina de costura Singer, que foi uma das peças mais vendidas na história do comércio e que até hoje funcionam em alguns cantos
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domésticos do mundo, são a evidencia do desejo de esconder a frieza do ferro e das máquinas com formas e ornamentos que lembravam a natureza. Era a forma que os modernistas tinham encontrado para aceitar o peso da civilização industrial e que os idealistas ingleses do Arts and Crafts recusavam assimilar. Sendo uma continuação do movimento inglês, compartilhou muitas das características estilísticas, mas devido a sua visão otimista do progresso moderno e á sua ligação com a corrente artística do Simbolismo o movimento Art Nouveau foi muito mais sensual e alegre, muito mais glamoroso e atrevido, muito menos preocupada com o sentido moral e mais com o sentido estético e tecnológico. Enquanto o movimento do Arts and Crafts era idealista, o Art Nouveau era positivista. Do movimento participaram arquitetos como o espanhol Gaudi, o artista francês Henry Tolouse Lautrec, o designer gráfico e artista inglês Aubrey Beardslay, o arquiteto inglês Machmurdo, o arquiteto belga Victor Horta, o artista austríaco Gustave Klimt, o designer gráfico checo Alphonse Mucha e o francês Jules Cheréte junto a muitos outros mais. Houve um grande desenvolvimento do design gráfico com o surgimento dos cartazes coloridos, que agora eram possíveis com a litografia (gravura com matriz de pedra). A vida noturna, boêmia, artística e consumista das metrópoles exigia por primeira vez uma imensa produção de publicidade e propaganda. Os desenhos eram feitos à mão e a fotografia era usada como base do desenho realista e decorativo. A tipografia seguia uma expressividade manual que lhes deu uma visualidade muito audaz e moderna. O nome de Belle Èpoque corresponde a uma época de grande otimismo no futuro da civilização. Uma onda positiva que deu origem ao pensamento Positivista na filosofia de ocidente (ver também materialismo, evolucionismo, marxismo e determinismo na filosofia) e na perspectiva dos que desfrutavam dos prazeres e luxos da modernidade.
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Mas o que acontecia nas ruas pobres de Paris e de outras metrópoles européias estava longe de ser uma bela época, a situação iria detonar em poucos anos as certezas da razão que na época se encontrava na ciência, nas máquinas e no sistema de produção capitalista. O Art Nouveau foi um sucesso enquanto durou a Belle Époque mas se restringia às ruas dos bairros ricos e ao consumo da burguesia ascendente. Na virada do século com a iminência de uma guerra de grandes proporções o movimento diminuiu a sua força. Com a Primeira Guerra Mundial o movimento se centrou nos Estados Unidos e nos anos 20 derivou no estilo decorativo chamado Art Deco. No Brasil a arquitetura e os objetos Art Nouveau ou Modernistas chegaram no começo do século XX com as muitas novidades modernas de Ocidente. Em São Paulo, Rio de Janeiro e Manaus se levantaram obras arquitetônicas das quais só restam algumas como a casa Vila Penteado desenhada por Carlos Eckman e que agora é a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. O movimento artístico Modernista da Semana de 22 não faz parte desta influencia. Ela tem origem nas correntes artísticas da segunda década do século XX. Embora originadas no Art Nouveau ou Modernismo a Arte Moderna do seguinte século difere em propósito e estética daquela que floresceu na Belle Èpoque.
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Arquitetura e Design
Revolução Industrial
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A virada do século: 1890 - 1910 A Revolução Industrial do século XIX trouxe tantos avanços omo graves problemas urbanísticos de qualidade e de quantidade causados pelas mudanças na estrutura social, econômica e cultural. Se extinguiram velhas classes sociais, artesãos e pequeno comércio. As migrações às cidades grandes, o surgimento de fábricas e o crescimento populacional era incompatível com a velha estrutura das cidades comunitárias A estrutura destas cidades pouco tinha mudado desde a aparição dos grandes burgos que cresceram de forma lenta desde o Renascimento: as ruas pequenas e as edificações antigas não suportavam mais tanta mudança. A pobreza se estendia desordenada ao redor dos centros urbanos enquanto crescia o trânsito de veículos e pessoas nas ruas. Os arquitetos foram chamados a resolver estes problemas com a construção de bairros para os operários das fábricas e na remodelação da estrutura de vias e estradas. Mas as soluções respondiam a interesses de classe. Nos bairros ricos na moda Art Nouveau se abriram novas vias de trânsito e se ampliaram as principais avenidas onde o comércio crescia. Elegantes ruas e lojas se abriam e novos edifícios modernistas se construíram nos centros mais ricos. Em contraste, os bairros para operários ao redor das fábricas careciam do luxo e glamour da Belle Epoque. Ruas estreitas e sujas sem saneamento e com bicas de água compartilhada, casas geminadas com sistema de fossas, rios poluídos e ar contaminado pela fumaça das fábricas caracterizava a paisagem das cidades satélites. As propostas de Ruskin e Morris e dos arquitetos modernistas, que pretendiam fazer das cidades uma segunda natureza com um estilo florido e curvilíneo constituíam antes que uma solução, um escape, uma ilusão que escondia os graves problemas dos ambientes urbanos. Por este motivo no final do século o interesse dos arquitetos se deslocou para o planejamento urbanístico.
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A Escola de Chicago Em Estados Unidos as cidades não tinham os problemas europeus, as grandes dimensões do continente norte-americano se traduziram também em grandes espaços para as edificações, para os ambientes urbanos e vivendas onde a sociedade se organizava de acordo às funções espaciais. Os arquitetos modernistas, como os artistas, recusavam o ecleticismo histórico carregado de formas despidas de significado e propunham uma arquitetura mais funcional na nova sociedade moderna. A mudança da arquitetura tradicional ao urbanismo se processou no interior da pesquisa artística. Em 1871 a cidade de Chicago, que numa época do ano apresenta altas temperaturas e seca, sofreu um grande incêndio que destruiu uma parte da cidade. As casas eram todas feitas de madeira e nos edifícios a estrutura e o acabado também eram deste material. Para a reconstrução foi criado um plano de planejamento urbano que atraiu muitos arquitetos modernistas e que fizeram da nova Chicago uma das mais importantes da América. Entre eles estava Louis Sullivan que acreditava numa autentica arquitetura americana adequada à nova forma de vida moderna. Ele pensava que um edifício devia refletir seu próprio tempo e espaço e manter uma relação dialógica com o meio ambiente natural. A arquitetura não devia interromper o movimento da cidade, mas filtrar, intensificar e o ornamento devia fazer parte da estrutura formal, não como um adereço. Para ele a arquitetura devia seguir os princípios orgânicos da natureza: “É a lei das coisas orgânicas e inorgânicas, de todas as coisas físicas e metafísicas, das coisas humanas e sobre humanas, de todas as verdadeiras manifestações da mente, do coração e da alma, que a vida é reconhecida na sua expressão, que a forma sempre segue à função, é uma lei” Louis Sullivan. Além dos princípios estéticos e funcionais da sua arquitetura, o que levou Sullivan à fama foram os aranha- céus. O uso de estruturas de ferro que se iniciou com o Palácio de Cristal de Paxton, foi melhorado com a produção de aço nos Estados Unidos.
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As construções até alturas nunca antes imaginadas. Sullivan e outros arquitetos ligados a esta nova visão do espaço urbano ficaram conhecidos como a Escola de Chicago. A nova tecnologia arquitetônico da Escola de Chicago trazia muitas vantagens: as vigas de aço eram a prova de fogo, as paredes se inserem na estrutura deixando mais espaço, novos andares podem ser acrescentados e os muros exteriores não são mais necessários para o sustento da estrutura pudendo ser substituídos por janelas maiores. A partir de então edifícios cada vez mais altos se levantaram, era a nova cidade moderna. Eram cidades que não tinham o apego aos estilos históricos que na Europa se levantaram através dos séculos desde o Império Romano.
A Escola da Pradaria Os jovens arquitetos seguidores de Sullivan, entre eles Frank Lloyd Wright, formaram um novo movimento arquitetônico inspirado nos seu pensamento que ficou conhecido como a Escola da Pradaria (de pradeira). Para Wright os aranha céus eram a expressão do poder político e acreditava que na América a arquitetura devia ser livre de estilos históricos. Esta nova escola não estava mais interessada no edifício, mas na casa, simultaneamente urbana e natural com projetos a escala de território, não mais de cidade, se inserindo na paisagem natural com formas geométricas. Estas casas formaram os bairros que mais tarde ficaram conhecidos como subúrbios. Para Wright era central o conceito de espaço e ambiente antes que o de matéria. As casas que ele desenhava tinham fortes estruturas verticais e horizontais, contraposição de planos, decoração manufaturada á vista, a planta era livre e a estrutura articulada. Ele usava os materiais do lugar para manter a relação com as características do local e acreditava que o design devia ir no todo e nas partes. Da estrutura ao acabamento interno, ao mobiliário e os objetos o estilo da escola da Pradaria favorecia a manufatura artesanal e o uso de materiais rústicos.
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As Origens Em 1890 a Alemanha acelera a industrialização para competir com Inglaterra a a França. O clima político era fortemente nacionalista, de muito movimento cultural e procurava-se uma linguagem estilística que fosse adequada ao prestigio da Alemanha. Arquitetos como Richard Riemerschmid, que foi parte do movimento modernista na Alemanha, defendiam a idéia de que o design devia acompanhar a produção industrial pois acreditava-se que a única forma de fazer os produtos acessíveis à sociedade trabalhadora era a produção em massa. Esta era a diferença filosófica da Alemanha frente aos movimentos da Inglaterra e da França (Arts & Crafts e Art Nouveau). Esta preocupação levou á fundação da “Liga Alemã de Oficinas”, a Deutsche Werkbund (DWB) em 1907 em Munich sob a liderança do arquiteto Hermman Muthesius, introdutor dos jardins ingleses do movimento Arts and Crafts na Alemanha, com o objetivo de assegurar a supremacia alemã como potencia comercial. Faziam parte desta liga arquitetos, artistas, artesãos, industrias e jornalistas que se propunham estreitar as relações entre as artes, a industria e o comércio de manufatura artesanal por meio da educação e o trabalho publicitário. Entre as propostas da DWB estava a a padronização das partes construtivas dos objetos, o design corporativo e a reforma social e cultural através do desenvolvimento da indústria moderna. Procuravam uma maior coordenação entre os atores de cadeia produtiva e o desenvolvimento da tecnologia aliada ás artes. No espírito positivista o pensamento da DWB se sustentava na idéia, (inspirada em Louis Sullivan) de que “a forma segue á função” onde a forma corresponde ao trabalho artístico e a função ao trabalho dos operários industriais. Neste caso a arte se encontrava subordinada ao interesse industrial. Peter Behrens foi um dos fundadores e mais destacados arquitetos da DWB, considerado o primeiro designer industrial porque foi o primeiro a criar uma identidade corporativa que compreendia o design da imagem empresarial.
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Desde a arquitetura da fábrica, as ferramentas, máquinas, passando pela logomarca e pelos objetos como relógios ou chaleiras foram desenhados com a imagem corporativa da AEG. Até a I Guerra Mundial a DWB se manteve muito ativa influenciando outras escolas na Alemanha com a idéia de reconciliar a arte com a máquina. Em Weimar, Henry van de Velde, destacado arquiteto e designer belga do movimento Art Nouveau fundou a Escola de Artes e Ofícios de Weimar para artesãos e existia a Academia de Arte de Weimar que valorizava a expressão e individualidade artística modernas. Antes de estalar a guerra van de Velde tinha sido demitido por causa das tendências xenófobas e o arquiteto Walter Gropius tinha sido recomendado, mas não assumiu porque foi, como outros artistas, para a guerra e a Escola foi fechada. Ao mesmo tempo Gropius defendia, no meio da guerra, aumentar o curso de arquitetura e design industrial na Escola de Artes de Weimar. Quando a guerra terminou foi aceita a proposta de Gropius e convidado para dirigi-la. Ele propôs então reviver a Escola de Artes e Ofícios unida à Escola de Artes de Weimar. Assim foi inaugurada em 1919 a primeira e mais importante escola de Design como o nome de Bauhaus (casa da construção ou arquitetura) Estadual de Weimar. Nenhuma escola do século XX ou de tempo anterior foi tão rica em conseqüências e tão visionária como a Bauhaus. Moldada num contexto que por uma parte valorizava a tecnologia da era industrial e por outro a expressividade humana foi uma escola transdisciplinar. Entre a tragédia da guerra e a crença utópica de una sociedade perfeita o espírito alemão encontrou na Bauhaus a resposta contra a demência da violência. Mas a sua vida foi curta, o suficiente para revolucionar o pensamento do século XX no campo da arte, da arquitetura, do design, da educação, da indústria e da economia. Em 1933 foi fechada pelo exército do Terceiro Reich, na Alemanha de Hitler. Mas antes de conhecê-la é importante conhecer também o pensamento estético moderno que subjaze nas suas origens.
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O Racionalismo O Racionalismo foi uma tendência arquitetônica moderna internacional que se originou no pensamento de Louis Sullivan e nas correntes abstratas da arte moderna como o Cubismo, o Construtivismo Russo e o grupo De Stijl estendendo-se em toda a primeira metade do século XX. Os arquitetos racionalistas priorizavam o planejamento urbano e seguiam os princípios gerais do Racionalismo: máximo de economia, resposta ás exigências próprias do contexto, uso de recursos tecnológicos industriais, pré-fabricados e padronizados, alta qualidade, condição de progresso social e democracia, e no campo formal ordem, claridade, simetria, lógica e simplicidade. O Racionalismo se apresentou com variações em diferentes lugares: a) O Racionalismo Formal, liderado pelo arquiteto Le Corbusier na França para quem a arquitetura fornece a condição natural e racional à existência e a forma artística o é resultado lógico de um problema bem formulado. Este equilíbrio entre natureza e história humana se traduz no “modulor” como medida humana para a construção do espaço habitável. esta tendência procura a claridade da forma clássica e como o Cubismo funde o fundo e a figura numa unidade (para a arquitetura natureza e sociedade). “A casa é uma máquina para viver”. b) O Racionalismo Ideológico, liderado pelo arquiteto e artista El Lissitsky na Rússia ambientado no espírito racionalista revolucionário do Construtivismo onde a arte esta ao serviço da construção da sociedade e a arquitetura a imagem símbolo do socialismo que se constrói. Nesta rama do Racionalismo a teoria da forma é a teoria da comunicação social. c) Racionalismo Formalista liderado pelo artista Piet Mondrian e o arquiteto Theo van Doesburg da corrente artística De Stijl, para os quais “o objeto da natureza é o homem e o objeto do homem é o estilo (stijl)”. Para esta linha de Racionalismo a arte deve ser feita em total estado de “imunidade histórica” para eliminar as formas históricas impuras como um processo de purificação
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externa, acreditando assim na pureza do ato construtivo e coincidindo com o Dadaísmo no fato de recolocar a arte no ponto de partida de algo inteiramente novo. d) Racionalismo Empírico liderado pelo arquiteto Alvar Aalto nos Países Escandinavos substitui o conceito de racionalidade por razão argumenta que deve se conservar a raiz do desenvolvimento histórico. Esta linha de Racionalismo carece de princípios políticos, teóricos ou de fórmulas compositivas, mas procura a precisão no projeto, é racionalista na prática. e) O Racionalismo Orgânico liderado por Frank Lloyd Wright nos Estados Unidos, que como havíamos visto antes, propõe uma relação orgânica entre a natureza e o ambiente de vida formando um sistema (influenciado pelo seu contato com a cultura oriental pós guerra). Desta maneira se considera o espaço como um campo de forças e não como uma relação de grandezas e a arquitetura como ação de um sujeito e não como determinante de objetos. A arte forma um sistema entre a realidade natural e cultural.
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InfluĂŞncia da Bauhaus no ensino do Design
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Frequentemente se discute sobre a Bauhaus enquanto movimento no campo daarquitetura, da arte ou do design, esquecendo-se que a Bauhaus foi antes de tudo umaautêntica escola, um instituto de ensino.Sua maior contribuição foi a criação do curso preparatório. Não é de se estranhar,quando se estudam as questões pedagógicas da Bauhaus, que se restrinjam estes estudosaos aspectos do curso preliminar.
Uma das preocupações da“escola nova” é com otrabalho. KERSCHENSTEINER, principal representantealemão deste pensamento,sofreu a influência dePESTALOZZI e de DEWEY.Critica severamente o ensinolivresco e voltado para amemorização. Sob este pontode vista fica fácil entender ofato da Bauhaus só iniciar aformação de uma bibliotecaem 1928 com Hannes MEYER nadireção 1
O programa pedagógico proposto pela Escola visava libertar as forças expressivase criadoras através da práxis manual e artística; desenvolver uma personalidade ativa,espontânea e sem inibições; exercitar integralmente os sentidos do educando buscandoreconquistar a unidade psico-biológica perdida, onde as experiências visuais, auditivase táteis nunca estivessem em contradição; e finalmente adquirir e cultivar umconhecimento não exclusivamente intelectual, mas também emocional, não só atravésdos livros mas através do trabalho. Os objetivos do programa pedagógico ilustram asinfluências da “escola nova” porém, inseridas num contexto reformista pedagógicoliberal.Os objetivos centrais da Escola, apud BÜRDEK (1994, p.33), podem ser resumidosda seguinte maneira:- alcançar uma nova síntese estética mediante a integração de todos os gênerosda arte e todos os ramos do artesanato sob a primazia da arquitetura; ealcançar uma síntese social mediante a orientação da produção estética voltadapara as necessidades de um amplo espectro de classes sociais.Uma constante em todo o pensamento pedagógico dos mestres da Bauhaus é o ensino através da arte, da ação e do trabalho. Bem caracterizada e contextualizada nareforma do ensino das artes, a filosofia da Bauhaus enraizou-se fortemente no pensamentopedagógico que se desenvolveu a partir do início do século XX. Reconhece-se comfacilidade a influência direta do movimento da “escola ativa” de GeorgKERSCHENSTEINER, do “ativismo” de Maria MONTESSORI e do “progressivismo” norteamericano de John DEWEY - apesar de GROPIUS negar o conhecimento das idéias deDEWEY, elas já circulavam nos meios intelectuais europeus desde 1908 - enfim, da “escolanova”1. As idéias naturalistas de ROUSSEAU, PESTALOZZI, FRÖBEL e HERBART tambémse fazem presentes indiretamente.
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“A originalidade do curso preparatório da Bauhaus consiste, fundamentalmente,em ter transferido a nível da formação do jovem e do adulto as propostas didáticas queessas correntes desenvolveram para a educação infantil” (MALDONADO, 1977, p.151). Não se tem um dimensionamento preciso da repercussão das idéias desenvolvidasna Bauhaus. Sabe-se que no campo do ensino da arquitetura, das artes e do design, asidéias, princípios e métodos desenvolvidos há mais de meio século, continuam servindocomo lastro teórico, mesmo que criticado, para a formação de novas escolas. Tambémnão existem estudos feitos precisando as influências, especificamente no campo dapedagogia. Os mestres e discípulos da Bauhaus estavam impregnados com as idéias ládesenvolvidas e cultivadas. Estas emigraram com muitos deles quando exilados. Aemigração, condicionada por problemas políticos, de vários membros da Bauhaus paraoutros países, possibilitou a divulgação e consagração dos ideais e dos métodos de ensinoda Instituição e dos princípios do design moderno.Josef ALBERS lecionou, depois de 1933 no Black Mountain College na Carolinado Norte, de 1950 a 1954 na Universidade de Yale em New Havem e proferiu conferênciase palestras em outras várias universidades nos Estados Unidos. Participou como professorconvidado em cursos especiais no México, Chile, Peru, Cuba, e Japão.Na Hungria foi fundada, em 1928, uma oficina para as artes gráficas que ficouconhecida como a “Bauhaus de Budapest”, que se manteve até 1938.Em Weimar, logo após a dissolução da Bauhaus, sob a direção de Otto BARTNING- arquiteto que já havia trabalhado com GROPIUS - surge a Bauhochschule Weimar que tentou dar prosseguimento à tradição da Bauhaus naquela república até 1930. Lazlo MOHOLY-NAGY fundou em Chicago aNew Bauhaus em 1937, e dois anosmais tarde a School of Design, uma das responsáveis pela divulgação das idéias da Bauhausna América. Em 1949 a escola foi anexada ao Institute of Design do llinois Institute of Technology. Walter GROPIUS e Peter BEHRENS lecionaram na Harward University, em Cambridge, Massachusets.
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“Pero no solo en los Estados Unidos se puede observar la influencia de la Bauhaus,sino también en escuelas de diseño europeas, sudamericanas y asiáticas. Así por ejemplo,en escuelas de diseño mejicanas o brasileñas se incluyeron inalteradas algunas tareastípicas de la Bauhaus” (BÜRDEK, 1994, p.38).Max BILL, ex-aluno da Bauhaus, funda nos anos 50 a Hochschule für Gestaltung (HfG) em Ulm, que t-inha como objetivo inicial resgatar os princípios filosóficos epedagógicos da Bauhaus, após a Segunda Guerra Mundial.A HfG foi particularmente importante para a propagação das idéias da Bauhausno Brasil e para o design brasileiro pois, foi baseado nesta escola que fundou-se, em1963, no Rio de Janeiro (na época, Guanabara), a primeira escola de desenho industrialbrasileira, conhecida como ESDI - Escola Superior de Desenho Industrial. Outras atividadespromovidas pela vanguarda nacional antecederam ao surgimento da ESDI. Max BILL,então diretor da HfG-Ulm proferiu uma série de palestras no Rio de Janeiro e propõe, naocasião, a criação da Escola Superior da Forma que funcionaria em anexo ao Museu deArte Moderna. Vale lembrar que BILL foi um defensor dos princípios bauhauseanos, motivo pelo qual entrou em atrito com Tomás MALDONADO, que postulava um ensino maistecnológico para a HfG-Ulm. Outras fontes de propagação das idéias da Bauhaus, e que permanecem até hoje, são os livros didáticos: “Estudos Pedagógicos”, de Paul KLEE; “Ponto, Linha e Plano”de Wassily KANDINSKY; os livros publicados pela própria Bauhaus, durante a sua existência; e a infinidade de novos trabalhos, teses e estudos que estão constantemente sendopublicados sobre o assunto. Para GROPIUS, o projeto didático da Bauhaus consistia na formação de umalinguagem visual comum a artistas e artesãos, orientada para a construção de uma novasociedade. O método didático de ITTEN, com sua meta de pleno desenvolvimento dapersonalidade do aluno através da prática criativa, desenvolveu-se além deste programainicial, conquistando um lugar privilegiado no ensino contemporâneo, artístico ou não, no mundo inteiro.
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O Funcionalismo
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O termo funcionalismo é associado a Louis Sullivan: “a forma segue a função”. Vida e função em perfeito equilíbrio. Também é associado ao Racionalismo moderno na arquitetura e ao design da Bauhaus. Mas o bom do funcionalismo aconteceu depois da II Guerra Mundial na República Federal da Alemanha e na Alemanha do Leste. A intenção maior do funcionalismo era ir além das tradições e os estilos históricos como fez a Arte Moderna, mas termina se convertendo num estilo. O conceito de funcionalismo foi sistematicamente desenvolvido na teoria e na prática na Escola Superior de Design de Ulm e no movimento chamado “Die Gute Form” (a boa forma) que no português se conhece como “bom design”.
Escola Superior de Design de Ulm, HfG (Hochschule fur Gestaltung) Fundada em 1953 por Inge Aicher- Scholl, Otl Aicher e Max Bill que foi seu primeiro diretor, a HfG deu continuidade á filosofia da Bauhaus e à filosofía racionalista que caracterizou a primeira metade do século XX, mas inovou na metodologia de ensino: o “modelo de Ulm” se dava através de dois processos: o pensamento sistemático e a discussão lógica, isto é, através do sistemas de projetos em que eram estudadas todas as funções do produto e da sua analise. Era um Racionalismo científico voltado para a tecnologia de produção. De tendência abstrata e racionalista Max Bill (diretor entre 195357) que foi aluno da Bauhaus e que influenciou a corrente Concreta da Arte no Brasil quando ganhou o premio da primeira Bienal de São Paulo em 1951, e Tomás Maldonado (diretor entre 1956-66), artista e designer argentino, tiveram grande influencia sobre o caminho que tomou a HfG. Os estudos para a formação em desenho industrial incluíam, desta vez, comunicação visual, arquitetura e cinema. Max Bill também influenciou o design no Brasil através de Alexandre Wollner, que foi aluno da HfG, na criação e filosofia da ESDI, Escola Superior de Desenho Industrial no Rio de Janeiro. Outros professores foram OIlt Aicher, Max Bense, Hans Gugelot e Gui Bonsiepe, que trabalhou no Programa de Desenvolvimento de Produtos.
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Na década de 60 a escola forma “grupos de desenvolvimento” para estabelecer ligações com a indústria (Braun, Lufthansa) sob a direção de Dieter Rams. Nestes grupos os alunos da Ulm realizavam projetos que já estavam comprados pelas empresas com as quais desenvolviam as suas pesquisas. Como os projetos eram pagos e a escola recebia subvenções regionais em 1968 o parlamento regional retira o subsídio e a escola fecha. O Design da HfG se caracterizou pelo design objetivo e centrado na sua função social. Se tornou um estilo na sua extrema funcionalidade que reduzia as formas e as cores a sua mínima expressão: cor cinza perola, textura mate, formas geométricas, acabado fino, estrutura integral. Mas também inovaram na pesquisa de estruturas espaciais, na criação de patas ajustáveis, objetos empilháveis e sistemas modulares. Pesquisaram e desenvolveram Design com materiais inovadores, desenho ergonômico, versátil e adaptável. A gama de pesquisa se ampliou no design de aparelhos eletrodomésticos e eletrônicos.
Die Gute Form (Good Design, Bom Design, Buen Diseño) Depois da II Guerra Mundial a empresa alemã Braun se refaz e depois estabelece colaboração com a escola de Ulm. Enquanto isso, em 1949 Max Bill concebe uma exposição itinerante de design chamada “Die Gute Form” e um grupo de designers se forma com esse nome. Estes designers promoviam um design altamente funcional, que preencha requerimentos ergonômicos e físicos, onde o cuidado com o design devia ir até o último detalhe, mas sempre sob uma linha de design harmonioso e simples, um design inteligente baseado na tecnologia inovadora e as necessidades de uso. Para eles um “bom design” devia ter validez e durabilidade, com peças que possam ser substituídas. Antes de ser diretor da HfG Dieter Rams já desenhava para a Braun a partir de 1955. Por este motivo a HfG esteve estreitamente relacionada com o movimento da “Gute Form” ou do “Bom Design” e ambas promoveram uma grande inovação no Design da segunda metade do século XX.
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O movimento “Gute Form” por exemplo, defendia um design que não fosse descartável, que desse aos produtos uma duração de muitas décadas, como os eletrodomésticos Braun, conhecidos pela sua elevadíssima qualidade e durabilidade. Valorizaram também uma adequada relação com o meio ambiente, a perfeita adaptabilidade ao corpo humano e á precisão das funções práticas do produto. Com a HfG e o movimento do “Bom Design” difundiram-se os conceitos de Método Projetual, os sistemas modulares, as funções do produto e a pesquisa cientifica para o Design: física, química, psicologia, sociologia, cinética, ergonomia e tecnologia. (veja o vídeo sobre a ESDI no link da esquerda para entender a influencia da Ulm no Brasil)
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O Novo Design
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“É a lei das coisas orgânicas e inorgânicas, de todas as coisas físicas e metafísicas, das coisas humanas e sobre humanas, de todas as verdadeiras manifestações da mente, do coração e da alma, que a vida é reconhecida na sua expressão, que a forma sempre segue à função, é uma lei. “Todas as coisas na natureza têm uma configuração, isto é, uma forma, uma aparência externa que nos diz o que as coisas são, que as distinguem umas das outras” (Louis Sullivan, 1896) A idéia de Sullivan de que a forma segue à função foi mal interpretada pelos arquitetos e designers modernos do século XX como Adolf Loos autor de “Ornamento e Crime”(1908) onde argumenta em favor da “honestidade da forma”, isto é contra o ornamento exterior, estranho á forma. O que Sullivan queria dizer é que entre a vida e a forma existe uma correspondência harmoniosa, a forma também nos diz o que os objetos são e o que significam, a forma comunica, tem um significado, não é só funcional. Os primeiros sinais da crise do Funcionalismo aparecem em 1960, o boom econômico pós guerra estava chegando ao seu fim como o boom do Funcionalismo na escola de Ulm e o movimento Die Gute Form. A Guerra de Vietnam deu passo aos movimentos estudantis nos Estados Unidos, em “maio de 68” na França, na ‘primavera de Praga” na Checoslováquia e as revoltas em Berlim e Frankfurt e também no Brasil e na América Latina. Todos estes movimentos tinham seus fundamentos nas teorias desenvolvidas na Escola de Frankfurt, entre elas a de Theodor Adorno que em 1965 inicia sua critica ao funcionalismo na reconstrução da Europa com a dissertação “Funcionalismo Hoje”. Os funcionalistas não reconheceram que as necessidades do dia a dia da população eram complexas porque estavam configuradas pelos modelos estéticos tradicionais e isto ficou evidente com as mudanças dos anos 60. Os valores da modernidade começam a ser questionados e com eles os valores do design moderno.
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Todas as mudanças sociais (revolução feminina, revolução racial ‘Black Power’, movimento pacífico ‘Flower Power’, corrida espacial, Guerra Fria) culturais (consumo massivo, contra-cultura) e filosóficos (Escola de Frankfurt) tiveram forte influência sobre o design, mas a maior delas foi a arte. A Arte Pop e a Optical Art rejeitavam o racionalismo da abstração geométrica por uma arte que procurava a expansão da consciência e a saturação dos sentidos, recuperando as linhas curvas do Art Nouveau, o simbolismo e colocaram a atenção na diversidade antes que na unidade, a saturação antes que a “limpeza”, o ornamento floral antes que a pureza das formas, as tipografias irregulares entes que uma legibilidade clara do texto. Tudo aquilo que foi sustentado pelo funcionalismo foi desafiado em uma ola de psicodelismo que por sua vez se tronou em objeto de consumo massivo. No Brasil o designer Aloisio Magalhães e Alexandre Wollner marcavam as tendências nacionais através da Escola Superior de Desenho Industrial ESDI no Rio de Janeiro, onde lecionaram. Wollner, defendia um design na linha dos valores funcionalistas que tinha se tornado um estilo internacional ligado ás tendências abstratas da Arte Concreta dos anos 50 e Magalhães defendia a recuperação da tradição estética e cultural brasileira com o conceito de “Brasilidade”. Esta dupla tendência é evidente nos trabalhos dos designers gráficos brasileiros mais destacados destas décadas como Rogério Duarte que desenhou os discos da Tropicália e Carlos Prósperi. Nos trabalhos de Oswaldo Vanni, Danilo di Preti e Dercio Bassani para as bienais de arte de São Paulo dos anos 60 é possível encontrar a influenza do movimento Neoconcreto da arte brasileira que nega a racionalidade da abstração geométrica com “falhas”, “ruído” visual, linhas curvas e superposições que se antecipam ao que apareceria nos anos 80 com o movimento Punk no design. Em 1968, o ano das revoltas estudantis em Paris, Praga, Berlim, Checoslováquia e Frankfurt, o arquiteto Werner Nehls critica o funcionalismo como fez Adorno em 1965, por ser uma ótica plana e masculina. Agora, ele disse, o Design deve ser orgânico, colorido, emotivo, irracional e feminino.
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A partir de todo este impulso na década de 1970 os designers iniciaram um movimento que foi conhecido como New Design ou Anti-Design que propunha usar métodos artísticos, não mais dirigidos por projetos racionais, desfazendo os limites entre arte e design. As cadeiras de Stephan Wewerka são um emblema desta mudança anti-funcionalista. Sob o lema de “a forma segue a diversão” (form follows fun) e “menos é aborrecido” (less is bore) defendiam um design com maior função simbólica, com maior carga de humor e ironia, uso de elementos “kitch” (gosto popular e ordinário) e maior sensualidade. Flores, curvas, cores e saturação de formas; uso de materiais reciclados assim como tipografias psicodélicas e objetos não funcionais foram ganhando cada vez mais aceitação entre os jovens designers que faziam exatamente aquilo que era considerado errado no “Bom Design” funcionalista. Na Itália inauguraram galerias dedicadas ao New Design onde os designers realizavam exposições como artistas. Grupos de designers e arquitetos propunham novos ambientes para a vida. O grupo Superstudio elaborava planos para uma arquitetura interplanetária, o Studio Alchimia e Studio Archizoom propunham ambientes que fossem pensados como os ‘teatros da vida” onde os objetos deviam ter a identidade pessoal dos seus “atores. A forma de um objeto não poderia ser o mesmo para todas as pessoas, o design devia oferecer variedade formal para a diversidade cultural dos grupos humanos, como as propostas de Verner Panton dos módulos para construir “paisagens fantásticas” como “Visiona II”. O mais famoso deles foi o Grupo Memphis que teve grande influencia sobre o design dos anos 80 caracterizado pela linha alegre e arrojada de formas angulares e cores contrastantes. Um dos fundadores do grupo Memphis foi Ettore Sottsass conhecido pela arquitetura, móveis, objetos e padrões têxteis com figuras de bactérias (a forma em que se multiplicam) e cores nunca antes usados na arquitetura ou o design. O movimento Punk, que é um movimento inglês de caráter agressivo, influi no design de moda, design gráfico e na cultura dos anos 80. 49
Designers grĂĄficos como Terry Jones que desenhava para a revista i-D e que se tornou conhecido com o design dos discos do grupo Sex Pistols e designer de mĂłveis como Ron Arad seguiam esta tendĂŞncia.
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Com as mudanças iniciadas nos anos 60 a função simbólica ou comunicativa do produto se tornou tão importante, em detrimento da sua funcionalidade prática, que muitos objetos se converteram em peças de arte, mas nos anos 80 um novo movimento defendia um design que equilibrasse a sua função comunicativa com a sua funcionalidade prática. O Design, proclamavam estes novos designers pós-modernos, deve considerar tanto a funcionalidade como a qualidade comunicativa, o produto como valor de signo. Novos temas se fizeram importantes nas últimas décadas do século XX e na primeira década do novo milênio: ergonomia, tecnologia digital, interatividade, meio ambiente, identidade cultural, personalização e sobre tudo impacto estético. A arte pósmoderna e os novos meios de comunicação massivos como a internet e o celular marcaram o rumo das inovações nesta campo que cresceu com o desenvolvimento da tecnologia da imagem. Novas escolas se abriram em todo o mundo. Na América Latina o Brasil, México, a Argentina e a Colômbia desenharam políticas de desenvolvimento para a formação de novos designers. O mundo se estetizou e a educação na cultura visual se tornou uma habilidade importante no mundo da imagem, na sociedade da comunicação. O Design hoje está em todos os objetos e sistemas que servem à chamada “sociedade da comunicação”. Os designers pós-modernos valorizam a imagem crítica, o uso de tecnologia e o trabalho de autor. O Design pós-moderno (ou contemporâneo) se caracteriza por ser bem humorado, irônico, pela grande oferta de produtos que atendem a diversas demandas, usos, gostos e culturas, pela versatilidade e pelo uso de dispositivos tecnológicos. As tendências do Design pós-moderno vão do “revival” ou recuperação de estilos históricos passados e suas misturas ás propostas futuristas. Tanto a arquitetura como a arte continuaram atuando em estreita colaboração com o mundo do Design, mas os designers contemporâneos agora se relacionam também com outras áreas de estudo como a biologia e a biotecnologia, a medicina, a engenharia, os sistemas informáticos e a comunicação de maneira transdisciplinar. O Design de moda, o Design gráfico e a animação ganharam a preferência entre os designers brasileiros.
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Poderíamos relacionar essas quatro definições ao projeto de regeneração, ocorrido na capital do Brasil, no início da Primeira República. A Regeneração, também conhecida como “botaabaixo”, foi incutida com fins a dissolver o aspecto da sociedade imperial através de uma grande remodelação urbana4, marcando a nossa definitiva redenção da situação colonial (SEVCENKO, 2003, p.44). Ao contrário do que ocorrera no período da Independência, onde se buscou um sentido de nacionalidade5, com o advento da República a nota do dia seria incorporar todo um espectro de medidas cosmopolitas com vistas a nos tornarmos mais próximos do Velho Continente, personificando um desejo de ser estrangeiro. Ao aburguesamento da sociedade e dos costumes, unia-se a intenção de revestir o Brasil com uma imagem de credibilidade frente à Europa e desvencilhar-se de certas características morais negativas, tais como a preguiça (SEVCENKO, p.45). Esse contexto, marcado pela tensão entre a herança colonial e a nova ordem de cosmopolitismo, entre uma modernidade ao nível utópico e uma realidade que ainda se mostrava distante desses ideais, traria implicações e desdobramentos que a primeira fase modernista se pôs como missão a resolver. De acordo com Icleia Cattani, ser moderno no Brasil, nos anos 20, era importar para si mesmo, para seu lugar, alguma coisa que já estava constituída em outra parte (2004 p.12). As rupturas buscadas pelos artistas modernistas os colocavam em posição de vanguarda apenas em relação ao contexto local (CATTANI, p.22). É sabido que esse desejo de ser moderno e próprio, de garantir para a arte modernista brasileira o mesmo estatuto dos movimentos modernos europeus (CATTANI, p.10) 7, na verdade, se desenvolveu de forma contida e moderada8, em função daquele desajuste entre modernização e modernidade. Logo, faz-se necessário abordar, ainda que de forma breve, a contextualização artística desse primeiro movimento de importação, do que se entendia como moderno no país. Tal apanhado implica em uma breve abordagem dos valores embutidos no início do século XX e as condições através das quais seria fomentada a produção artística.
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O Design de moda, o Design gráfico e a animação ganharam a preferência entre os designers brasileiros. Em conseqüência o papel do designer se ampliou no mundo de hoje, o designer requer de muitas novas habilidades, entre elas a capacidade de se relacionar com outras áreas do conhecimento enquanto se mantém em dia com as inovações estéticas e tecnológicas.
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II O COMEÇO DO DESIGN Por volta do final do século XIX, o desenvolvimento da industrialização tinha aberto em torno da arte um debate no qual o mundo espiritual contrapu-nha-se ao material (Caristi, 1997). No processo de produção houve a ruptura entre as atividades de idealizar e produzir.
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Revisão Bibliográfica
Industrialização
Industrialização e o design Na Europa entre os séculos XVIII e XIX, aconteceram profundas transformações nos meios de fabricação, conhecidas como Revolução Industrial. Esse termo se refere à criação de um sistema de fabricação que produz em quantidades muito grandes e a um custo que diminui rapidamente, que passa a não depender mais da demanda existente, mas gera seu próprio mercado. É justamente o processo de transição entre o sistema anterior e o atual que se entende por industrialização. Segundo CARDOSO (2004) toda nação passou a procurar defender seus interesses comerciais pelo domínio de mercados estrangeiros, o que levou os Estados a investirem na produção de bens de consumo, em escala inédita até então. É durante esse processo que o design vai se firmando e desenvolvendo. Alguns países europeus fundaram manufaturas reais para a fabricação de determinados produtos, em especial artigos de luxo como louças, têxteis e móveis. Foram nesta manufaturas que começou a aparecer a distinção entre quem projetava o produto e quem o executava. Em geral um artista era contratado para atuar como projetista, trabalhando da seguinte maneira, imaginava um objeto e fazia um desenho, que servia de base para a produção de peças em diversos materiais pelos mestresartesãos em suas oficinas. Este fato é especialmente interessante do ponto de vista do design, pois estas foram as primeiras vezes em que o projeto e a execução estavam plenamente separados. A partir do século XVIII também surgiram na Europa importantes indústrias de iniciativa privadas, que adotaram o mesmo sistema de divisão entrem a idealização e a fabricação. Foi nesse momento histórico que aparece a figura do designer. Segundo SOUZA (2001) existia um problema para a afirmação das teses industrialistas. O desenvolvimento dos impérios colonialistas foi suficiente para o progresso britânico e francês, mas havia em outras regiões do mundo entraves à estruturação de um processo industrial moderno.
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No entanto, por volta de 1870 esses países conseguiram libertar-se, cada qual à sua maneira, dos seus antigos regimes. Essa é conhecida como a segunda geração de revoluções industriais, que gerou um outro conceito de desenvolvimento da burguesia industrial, bem diferente do modelo colonialista clássico. Um exemplo importante é o da Alemanha, que depois de sua unificação em 1870 ainda era um país pobre e não industrializado. SOUZA (2001) explica que houve uma grande reforma política, fazendo com que a economia se orientasse ao fortalecimento do mercado interno, servindo de base para a construção de uma indústria moderna. Ocorreram reformas internas em diversos níveis, desde a construção de um sistema bancário e financeiro adequado até a implantação de políticas educacionais básicas, técnicas e superiores. No final do século XIX a Alemanha não era mais um país precário e já reivindicava seu espaço no contexto dos países industrializados. Durante a industrialização, foi-se moldando uma nova ordem social. No início, os países europeus apresentavam desordem e desagregação, no entanto o século XIX chegou ao fim munido de instituições e serviços encarregados de impor e manter a ordem, desde polícia e bombeiros, até hospitais e escolas. O design teve seu papel nessa reconfiguração da vida social, contribuindo para projetar a cultura material e visual da época (Cardoso 2004). Os artistas perceberam uma lacuna entre a produção industrial e a arte. Os objetos produzidos em série não apresentavam qualidade formal e estética, portanto começou a haver muitas discussões em torno desse problema. Surgiram então os redutos de arte que ajuntavam membros das vanguardas que aceitassem os mesmos parâmetros para definir o que era e o que não era arte.
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Os Redutos e sua importância no período após Primeira Guerra Mundial Em 1897, em Viena, um grupo de artistas e arquitetos formou a chamada “Dissidência Vienense” e formalmente romperam com a organização cultural austríaca oficialmente reconhecida, a Künstlehaus. Foi a Dissidência de Viena que deu origem a uma forma singular de associação, o reduto de arte, que em geral, se anunciava por meio de um manifesto. Os componentes de um reduto formavam uma comunidade artística, reuniam-se regularmente, concordavam com certos princípios morais e estéticos e os anunciavam ao mundo. A Dissidência Vienense, assim como a Bauhaus de vinte e oito anos depois, construiu realmente um reduto concreto sob a forma de um edifício modelar, a Casa da Dissidência, que denominaram “um templo de arte” (Wolfe, 1990). A criação desse novo tipo de comunidade provou-se absolutamente estimulante para artistas e compositores, bem como para arquitetos, em toda a Europa, nos primeiros anos deste século. Foram os redutos que produziram o gênero de vanguardismo que constitui uma boa parte da história do século XX. Apresentavam uma tendência natural ao esoterismo, à geração de teorias e formas que frustravam a burguesia. Não tardaram a descobrir que o recurso mais perfeito era pintar, compor, desenhar em código. A genialidade peculiar dos primeiros cubistas, tais como Braque e Picasso, não foi criar “novas formas de ver”, mas criar códigos visuais para as teorias esotéricas do seu reduto (Wolfe, 1990). A fonte da autoridade de um reduto era a mesma de todos os movimentos religiosos: acesso direto à divindade, que no caso era a criatividade. Nunca houve manifestos no mundo da arte antes do século XX e da criação dos redutos. Os futuristas italianos divulgaram seu primeiro manifesto em 1910. Depois disso os vários movimentos e ismos começaram a divulgá-los dia e noite. Um manifesto não era nada mais que os Dez Mandamentos de um reduto (Wolfe, 1990).
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WOLFE (1990) explica que após a guerra, vários redutos começaram a competir entre si para estabelecer quem tinha a visão mais pura. E o que determinava a pureza era não ser burguês. Naquele curioso momento vivido pela Europa os artistas passaram a negar com veemência a burguesia, exortando à classe artística que aderisse ao verdadeiro socialismo, promovendo a fraternidade entre os homens. A luta para ser menos burguês tornou-se desvairada. O desenho arquitetônico em si passou a visar apenas ilustrar a Teoria do Século a respeito do que era finalmente, infinitamente e absolutamente não-burguês. O mesmo autor afirma que os edifícios se tornaram teorias construídas em concreto, aço, madeira, vidro e estuque. Por dentro e por fora eram brancas ou beges com um ocasional detalhe em preto e cinza, cores que se tornaram patrióticas, as bandeiras geométricas, de todos os arquitetos dos redutos. Todos seguiam a teoria do telhado plano e da fachada lisa. Em nenhum lugar do globo poderia se considerar funcional uma construção em que fosse aplicada essa teoria. No entanto, essa realidade não modificou as regras, não houve recuo do telhado plano e da fachada lisa. Os edifícios projetados pelos artistas tornaram-se não-funcionais, embora tudo fosse feito em nome da “funcionalidade”, palavra que se tornou mais um dos eufemismos para não-burguês. Agora, no mundo dos redutos de arquitetura, a competição transcorria em dois níveis. Não havia apenas a competição para receber encomendas e ter oportunidade de mostrar ao mundo o que se podia fazer construindo edifícios. Havia também a competição puramente intelectual das teorias. Uma vez que a divindade da arte agora habitava os redutos, não havia nada que impedisse um homem inspirado e genial de fazer seu nome sozinho sem sequer abandonar o recinto sacerdotal. Assim nasceu um fenômeno único, o arquiteto famoso que construía pouco ou nada (Wolfe, 1990). Le Corbusier era muito conhecido em todos os redutos e em todos os congressos, simpósios, debates, ou seja, em todos os lugares onde a palavra de ordem eram os manifestos.
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Considerado um dos gênios reinantes da nova arquitetura. Tudo por força do seu manifesto, do seu fanatismo, e de alguns projetos construídos pela família. Dificilmente alguém aceitava os termos de um reduto de arquitetura, a não ser em alguns casos particulares como o urbanizador Frugés, que encarregou Le Corbusier de projetar apartamentos econômicos na cidade de Pessac, Bordeaux, em 1925. Os redutos não possuíam públicos, nem clientela. Era difícil aos arquitetos de redutos arranjarem trabalho, a não ser que houvesse algum governo, normalmente socialista, que estivesse certo de que precisava imprimir um novo estilo onde governava e que determinado reduto tinha o que ele procurava; oferecendo o financiamento necessário para fazerem o que quisessem (Wolfe, 1990). Em 1927 o governo social-democrata alemão de Stuttgard encarregou Mies van der Rohe de uma exposição de conjuntos habitacionais operários, o projeto Weissenhof Werkbund. O projeto transformou-se em uma feira mundial de conjuntos habitacionais. Le Corbusier foi convidado a projetar um dos conjuntos, recebendo uma das principais incumbências de sua carreira. Os não participantes se surpreenderam com a harmonia ou mesmice (dependendo se gostavam ou não do estilo) da obra de arquitetos de quatro países diferentes. Era como se um estilo internacional estivesse no ar. A verdade é que o mecanismo interno de competição nos redutos, o reducionismo, não-burguês, os colocara todos no mesmo cubículo minúsculo, que não cessava em encolher (Wolfe, 1990). De acordo com WOLFE (1990), a aparência desses conjuntos era, segundo seus idealizadores, não-burguesa. Os telhados eram planos, as paredes lisas, as janelas sem arquitraves, dintéis, capitéis ou frontões, nas cores únicas dos redutos, branco, bege, cinza e preto. Os interiores tinham cômodos brancos, sem quaisquer revestimentos, livres de quaisquer adornos. Apresentavam grandes vãos livres, acabando com a obsessão da burguesia, individualista, de intimidade. Deixavam as serpentinas dos radiadores nuas. Os móveis eram feitos de materiais honestos e em tons naturais. Os operários se queixavam da casa operária. Mas, de acordo com o próprio arquiteto, isso era compreensível, pois precisavam ser reeducados para compreender a beleza da “cidade Radiosa” do futuro. 61
No socialismo, o cliente era o trabalhador, que nunca era consultado, pois se acreditava que estivesse intelectualmente subdesenvolvido e que o arquiteto de reduto resolveria sua vida. CARDOSO (2004) explica que o primeiro impacto das vanguardas sobre a evolução do design foi bastante desigual. Relativamente poucos artistas de vanguarda se prestavam a executar projetos de produtos e, salvo alguns artigos de luxo e de decoração, o aproveitamento industrial destes foi pequeno. O ponto de maior influência dos movimentos vanguardistas em matéria de design foi justamente na área do ensino, o que é irônico, pois a maioria dos seus integrantes proclamava horror à institucionalização acadêmica. Um bom exemplo da tensão entre os ímpetos revolucionários e estruturas repressoras pode ser encontrado nas atividades da Staatliches Bauhaus, escola estabelecida na cidade alemã de Weimar em 1919. 1.3 A Bauhaus Dentre os destroços que sobraram da civilização européia após a Primeira Guerra Mundial não era muito difícil que alguns poucos vanguardistas se destacassem com tanto brilho. Para os jovens arquitetos a figura mais deslumbrante de todas era Walter Gropius, fundador da Escola Bauhaus. Era mais que uma escola, era uma comuna, um movimento espiritual, uma abordagem radical da arte sob todas as formas, um centro de pura filosofia. A Bauhaus, à prova da burguesia, não era uma academia nem uma firma, na verdade não se parecia com nenhuma organização na história da arquitetura anterior a 1897, quando foi fundada a Dissidência Vienense, o primeiro reduto artístico (Wolfe, 1990). A Alemanha fora esmagada e humilhada na guerra, sua economia encontrava-se em colapso, a política havia sido tomada pelos social-democratas em nome do socialismo, jovens bebiam e perambulavam pelas cidades a espera de uma revolução (Wolfe, 1990). Segundo CARDOSO (2004), foi no auge dessa confusão que o governo estadual provisório resolveu aceitar a proposta de Gropius, que tinha sido recusada havia três anos, para a reformulação do ensino artístico público. No momento de sua formação a Bauhaus se encontrava no centro dos acon62
tecimentos político e não é surpreendente que a sua existência tenha permanecido comomotivo de polarização ideológica até o momento de seu fechamento em 1933, com a chegada ao poder do partido nazista. WOLFE (1990) acrescenta que neste cenário nada mais justificável que ansiar “começar do zero” que significava, principalmente para os jovens, recriar o mundo. Walter Gropius era a figura principal da instituição, transpirava calma, certeza e convicção no centro daquele turbilhão em que se encontrava a Europa. Os jovens arquitetos que foram à Bauhaus para viver, estudar e aprender com o “Príncipe de Prata”, como era chamado por um de seus colaboradores o pintor Paul Klee, perseguiam o ideal de “começar do zero”. Gropius apoiava toda experiência que quisessem fazer, desde que as fizessem em nome de um futuro limpo e puro. Até mesmo novas religiões, estranhas dietas alimentares, tudo era experimentado, com extremo rigor dentro da Bauhaus (Wolfe, 1990). 1.3.1 A proposta Como era de praxe que os redutos lançassem incessantemente manifestos delimitando seus ideais e regras, a Bauhaus também publicou uma série deles, desde sua fundação. O manifesto inaugural da escola, assinado por Gropius, apelava para uma nova visão das artes, para a necessidade de uma interpretação integrada, sem, no entanto, explicitar a arquitetura como elemento catalisador dessa idéias. Ainda que sensivelmente expressionista, a nova escola indicava o caminho para futuras inovações. O programa da escola previa, além da formação de novos profissionais, a tentativa de reconduzir a ligação entre a indústria e artesanato, procurando auxiliar a indústria de modo contínuo. A instituição teve três sedes: Weimar (1919-1923), Dessau (1923-1929), Berlim (1929-1933). Em cada uma das sedes a Bauhaus caracterizou-se por algumas influências, em Weimar foi o Expressionismo tardio, em Dessau foi o formalismo estético, derivado em sua essência do Projeto Werkbund, e das conseqüências do racionalismo radical, iniciado ainda em Dessau (1927) e que se prolongou até a extinção da escola em Berlim.
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Os esquemas organizativos clássicos das escolas de arte foram completamente rompidos por Gropius e seus colaboradores. A Bauhaus ofereceu um modelo de academia de arte que depois foi copiado em todo o mundo (Caristi, 1997). No entanto, por fazer parte dos redutos artísticos do século XX, a Bauhaus não deixou se participar dos debates que ocorriam entre as vanguardas históricas e de algum modo seguir as correntes que conseguiam definir mais incisivamente o que era não burguês. Um exemplo disso é citado por WOLFE (1990). Em 1919 Gropius foram a favor de trazerem simples artesãos para a Bauhaus, peões, trabalhadores humildes, que fizessem peças a mão. Tudo muito simples, como eles diziam muito não-burguês. Interessouse por desenhos curvilíneos de arquitetos expressionistas que rompiam com as concepções burguesas de ordem, equilíbrio, simetria e as rígidas construções de alvenaria. Em 1922 aconteceu o I Congresso Internacional de Arte Progressiva, que reuniu arquitetos dos diversos redutos de toda a Europa. Theo van Doesburg, um dos mais ardentes autores de manifestos, deu uma olhada nos artesãos e nas curvas expressionistas de Gropius e com total desdém afirmou que aquilo tudo era extremamente burguês. Doesburg acreditava que somente os ricos podiam comprar objetos bonitos e que para a arte ser não-burguesa tinha que ser produzida à máquina. Quanto ao Expressionismo, suas formas curvilíneas eram um desafio à máquina e não à burguesia. WOLFE (1990) afirma que Gropius era uma força espiritual sincera, mas era também suficientemente perspicaz e competitivo para perceber que se a Bauhaus continuasse com essas características acabaria perdendo sua posição perante as vanguardas da época. Da noite para o dia, ele imaginou uma nova máxima para o reduto da Bauhaus: “Arte e tecnologia – uma Nova Unidade!”. Fez isso com a finalidade de segurar os comentários de van Doesburg e daqueles que com ele concordavam. Trabalhadores humildes e as curvas desapareceram da Bauhaus para sempre. Essas eram as medidas exatas para “recriar o mundo”, começando do zero.
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1.3.2 O funcionamento A instituição era estruturada em cursos semestrais, um primeiro curso preliminar de seis meses funcionava como um curso de admissão aos três anos. Depois do curso trienal o aluno podia se inscrever no curso deespecialização em arquitetura, cuja duração variava de acordo com o aproveitamento de cada um (Caristi,1997). CARISTI (1997) explica que dentro do sistema da escola existiam, em estreita conexão, dois subsistemas operativos, a escola e as oficinas, e um subsistema não tangível que era definido como idealizador. O subsistema idealizador era o ponto de partida de qualquer processo formativo e produtivo, e consistia na fase idealizadora projetual. Na realidade, o subsistema idealizador pode ser visto como a superestrutura, como o aparelho conceitual presente em cada atividade da Bauhaus, por meio do qual se expressava a política de Gropius em favor da reaproximação da fase criativa e da manual. A fase idealizadora pertencia como construção lógica tanto ao processo de formação, quanto ao de produção. Dentro do subsistema operador estavam a escola e as oficinas que possuíam estreita ligação. Durante o curso trienal, o aluno tinha a obrigação de seguir os trabalhos de uma das oficinas, aprendendo, ao mesmo tempo, o modo de projetar e o modo de realizar concretamente os objetos. Elas foram o elemento de ligação entre a Bauhaus e o mundo da indústria. O objetivo principal da presença das oficinas dentro da Bauhaus era o de integrar os conhecimentos teóricos dos materiais e do processo produtivo com os conhecimentos técnicooperacionais (Caristi, 1997). Desta forma tornava-se possível alcançar a verdadeira meta da proposta de Gropius: a criação de novos profissionais que ao atuarem na produção industrial, garantissem com seus conhecimentos, a manutenção da qualidade até mesmo do produtos fabricados mecanicamente.
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1.3.3 O sucesso Embora no primeiro programa de 1919 já se negasse o privilégio da inspiração ao artista e se lhe impusesse a obrigação moral de uma prática produtiva, a Bauhaus sempre foi uma escola de arte, ou melhor, um centro de cultura artística extremamente viva, em contato com todas as tendências avançadas da arte européia, com o Neoplasticismo Holandês, com o Construtivismo russo, e mesmo com o Dadaísmo e o Surrealismo. Nos programas e nas manifestações internas da Bauhaus, apesar do propósito racionalista, sempre se deu muita importância às atividades dirigidas a estimular a imaginação (Argan, 1992). CARISTI (1997) afirma que o ponto forte do projeto de Gropius apóia-se no momento idealizador: a concomitante aquisição da capacidade profissional de passar pelo domínio do utensílio de trabalho ao da máquina e de integrar a arte e a criatividade às necessidades do mundo. Esse subsistema estava presente todas as atividades da Bauhaus. CARDOSO (2004) acrescenta que foi a capacidade ímpar de reunir um grande número de pessoas muito criativas e muito diferentes em uma escola que deu vida e força a Bauhaus, transformando essa pequena instituição em um foco mundial para o fazer artístico. 1.4 Influências dos Redutos no Mundo O momento artístico vivido na Europa após a Primeira Guerra Mundial exerceu forte influência no desenvolvimento do Design e da Arquitetura, sobretudo devido à freqüente visitação à Europa de jovens arquitetos americanos, bem como artistas escritores e intelectuais diversos. WOLFE (1990) explica que essa grande aventura boêmia é chamada de “a Geração Perdida”, e a justificativa dos seus componentes era de que na Europa se fazia tudo melhor. Acreditava-se, erroneamente, que qualquer americano podia viajar ao exterior e se tornar um artista europeu. O autor acrescenta que até então o arquiteto americano fora um homem cujo trabalho era emprestar coerência e detalhes às fantasias dos capitalistas. 66
A atitude dos redutos europeus, da Bauhaus, de Gropius e de Mies, e do Stijl de Le Corbusier era irresistível. No entanto, a idéia de recomeçar do zero não fazia sentido algum nos Estados Unidos. O país não tinha sido reduzido a escombros pela Primeira Guerra Mundial. Saíram da guerra por cima. Não possuía monarquia nem nobreza a derrubar, desacreditar, culpar, vilanizar ou atacar de alguma forma. Nem mesmo possuía burguesia. Havia muito pouco interesse pelo socialismo e menos ainda por conjuntos operários. Nem se falava nisso (Wolfe, 1990). Contudo faziamquestão de trazer à América tudo o que os artistas Europeus afirmavam com tanta veemência nos seus inúmeros manifestos. Tudo em busca da arte não-burguesa. De certo modo, muitas dessas influências realmente aconteceram sem razão de ser. A Bauhaus foi o reduto de maior autoridade tanto na Europa como nos Estados Unidos e no resto do mundo. Sua maior influência se deu em especial nos campos da pedagogia artística e do desenho industrial. CARISTI (1997) destaca que apesar da perseguição política nazista, os ideais da Bauhaus não morreram na Alemanha, mas muitas vezes deram a volta ao mundo. E depois de 1945, com a queda do nazismo, os métodos do curso preliminar difundidos pelos professores da Bauhaus em todo o mundo foram introduzidos em muitos institutos artísticos da Alemanha.
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Importância da Bauhaus
Considerações
Considerações Finais Existem divergências entre vários estudiosos a respeito da real importância da Bauhaus. Alguns se limitam a assinalar seus pontos positivos, enquanto outros procuram encontrar somente aspectos negativos durante a sua existência. No entanto, é inegável que nela tenham ocorrido os maiores acontecimentos artísticos da época. A Bauhaus fez tanto sucesso porque em meio a inúmeros redutos que só teorizavam, só criavam regras e empecilhos para as artes, ela foi o único que conseguiu colocar algo em prática e principalmente experimentar suas teorias. Projetou e executou peças diferentes e “com vida”, o que não era feito pelos artistas da época, que pouco ou nada produziam. Sabe-se que não foi uma instituição de ensino e produção artística perfeita, mas conseguiu atingir boa parte de seus objetivos. Embora muitas vezes tenha sido limitada pelas forças políticas, por se prender ao que pregavam os outros redutos de arte e até por conflitos internos, tornou-se o principal paradigma do ensino da arquitetura e do design moderno. Produziu não apenas artefatos e arquitetura, mas, especialmente, uma abordagem pedagógica diferenciada que abriu muitas portas para a evolução da forma de ensinar, não apenas nas escolas de arte. Em se tratando dos redutos de arte em geral, apesar de pouco terem produzido em termos concretos, de alguma forma estimularam os artistas, que até então só trabalhavam por divina inspiração, a falar sobre a arte, discutir suas intenções e ainda que teoricamente, tentar torná-la acessível às classes menos favorecidas economicamente. A exemplo da Bauhaus, que é praticamente o único reduto lembrado no mundo das artes, exatamente por ter experimentado o que se idealizou, é hora de dar alma às idéias, de colocá-las em prática, pois nada que se limite apenas à teoria perdura ao longo do tempo. Os designers e arquitetos precisam procurar novas soluções adequadas à sociedade em que vivem e não adaptadas das “tendências” mundiais.
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Designers não trabalham sozinhos, eles precisam de ordens, comissões, críticas e de quem os compreenda. A funcionalidade e todos os fatores de pano de fundo são condições necessárias para o sucesso, em parte individual, de um designer. O futuro do design requer cooperação, envolvendo educação em design, organização em design, designers, pesquisadores, críticos, a imprensa, a comunidade empresarial e a pública. Também como pano de fundo estão o Estado e a sociedade. Design e designers são, e têm sido por muitos anos, um sine qua non do sistema comercial moderno. Pensando as atividades de produção e consumo, quais necessidades e desejos as pessoas (conscientemente ou não) vão encontrar por meio de imagens, materiais e artefatos que entram no mercado e ajudam a definir quem somos nós? Nas interfaces da cultura com o design, a relação é significante em ambos os níveis, seja “alto”, seja “popular”. Se a cultura do consumo torna o design necessário, o progresso tecnológico o torna possível.
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III FUTURISMO E VANGUARDA EM PORTIGAL Futurismo e vanguarda em Portugal: Manifestos do Grupo Orpheu e Semana de 22 tem como intuito mostrar alguns desdobramentos dos termos futurismo e vanguarda deste país através dos artistas envolvidos nesse processo e quanto à receptividade crítica dos mesmos, por meio de uma pesquisa bibliográfica.
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Modernidade e modernização
Portugal
Diferenciações conceituais Em As origens da pós-modernidade, Perry Anderson observa as origens do modernismo na belle époque sob a ação de três vetores: a) uma economia e uma sociedade ainda semi-industriais; b) uma tecnologia de grandes invenções cujo impacto era ainda recente e um horizonte político aberto, em cujo cenário levantes contra a ordem dominante eram esperados ou temidos (ANDERSON, 1999, p.96). Iniciaremos esse trabalho mencionando um importante questionamento desse autor na referida obra: o que teria determinado o grande entusiasmo tecnológico nas formas iniciais do modernismo, tendo em vista que a Itália e a Rússia, as duas potências européias mais atrasadas industrialmente naquele período, produziram as vanguardas mais fervorosas em relação à tecnologia. Em função desse questionamento o autor demonstra um aspecto fundamental que deve ser levado em conta ao se estudar um movimento modernista: a investigação das especificidades nacionais das diferentes culturas da época. É seguindo esse caminho que se torna possível entender o que motivou aquelas potências a criar as vanguardas mais extremas dentro do contexto europeu. Portugal e Brasil, no início do século XX, se envolveram no contexto futurista, apesar de seus quadros econômicos, sociais e culturais não corresponderem aos avanços em curso no centro europeu. A intenção desse texto não é abordar de forma detalhada as especificidades nacionais dos dois países no período de surgimento das suas vanguardas, e sim mostrar alguns aspectos envolvidos no novo direcionamento dado aos seus campos artísticos. No Brasil, por exemplo, os meios encontrados para se chegar à atualização cultural não podem ser vistos de forma distanciada do nosso processo de modernização – nesse ponto, torna-se interessante atentar aos discursos empregados na justificativa de tais meios. Modernização caracterizada por uma queima de etapas (CATTANI, 2004, p.25)1, pela qual se expressava a complexa industrialização que iniciava, assim como a nova conjuntura de relações sociais.
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Para tanto, estamos considerando as distinções dos termos modernidade, modernização e modernismo de acordo com Nestor Canclini em Culturas Híbridas. De acordo com o autor, o primeiro termo – modernidade – refere-se a etapa histórica deste período, que envolve a modernização enquanto processo sócio-econômico que constrói tal momento. Desse quadro, possibilita-se o surgimento dos chamados modernismos que, enquanto projetos culturais, renovam as práticas simbólicas com um sentido experimental ou crítico (CANCLINI, 2000, p.23). Entretanto, apesar dessa etapa histórica ser abordada enquanto desdobramento de um desejo, não é possível afirmar que a modernidade no Brasil foi construída como uma simples tradução do que a impulsionava (o “acertar o passo com a Europa”), e sim como formas de contribuição com a transformação social (CANCLINI, 2000, p.79). Transformação essa que implicou em uma afirmação de identidade, tanto no Brasil quanto em Portugal, na tentativa de unir o cosmopolitismo com a construção de uma singularidade dessas culturas. Como diria um colaborador da Revista Orpheu em Portugal, é fado nosso, é nacional; não há portugueses, há Portugal (NEGREIROS, ANO, p.25) . Em ambos os países que nos propomos a analisar nesse trabalho, Portugal e Brasil, não se pode desconsiderar as transformações políticas que compunham esse intrincado e difícil quadro de modernização e construção de modernidade: a recente proclamação da República e o fim da belle époque. São verificadas sob esse auspício as ações dirigidas às transformações sociais, ao que Nestor Canclini, em Culturas Híbridas, denominou de projetos de modernidade: um projeto emancipador, um expansionista, um renovador e um democratizador. Por projeto emancipador entende-se o desenvolvimento das práticas simbólicas em mercados autônomos, assim como a racionalização da vida social e o crescente individualismo nas grandes cidades. Expansionista no sentido de estender a produção, a circulação e o consumo de bens; renovador pela busca de um aperfeiçoamento e inovação e, de igual forma, uma necessidade de reformular os signos de distinção que o consumo massificado desgasta.
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Poderíamos relacionar essas quatro definições ao projeto de regeneração, ocorrido na capital do Brasil, no início da Primeira República. A Regeneração, também conhecida como “botaabaixo”, foi incutida com fins a dissolver o aspecto da sociedade imperial através de uma grande remodelação urbana4, marcando a nossa definitiva redenção da situação colonial (SEVCENKO, 2003, p.44). Ao contrário do que ocorrera no período da Independência, onde se buscou um sentido de nacionalidade5, com o advento da República a nota do dia seria incorporar todo um espectro de medidas cosmopolitas com vistas a nos tornarmos mais próximos do Velho Continente, personificando um desejo de ser estrangeiro. Ao aburguesamento da sociedade e dos costumes, unia-se a intenção de revestir o Brasil com uma imagem de credibilidade frente à Europa e desvencilhar-se de certas características morais negativas, tais como a preguiça (SEVCENKO, p.45). Esse contexto, marcado pela tensão entre a herança colonial e a nova ordem de cosmopolitismo, entre uma modernidade ao nível utópico e uma realidade que ainda se mostrava distante desses ideais, traria implicações e desdobramentos que a primeira fase modernista se pôs como missão a resolver. De acordo com Icleia Cattani, ser moderno no Brasil, nos anos 20, era importar para si mesmo, para seu lugar, alguma coisa que já estava constituída em outra parte (2004 p.12). As rupturas buscadas pelos artistas modernistas os colocavam em posição de vanguarda apenas em relação ao contexto local (CATTANI, p.22). É sabido que esse desejo de ser moderno e próprio, de garantir para a arte modernista brasileira o mesmo estatuto dos movimentos modernos europeus (CATTANI, p.10) 7, na verdade, se desenvolveu de forma contida e moderada8, em função daquele desajuste entre modernização e modernidade. Logo, faz-se necessário abordar, ainda que de forma breve, a contextualização artística desse primeiro movimento de importação, do que se entendia como moderno no país. Tal apanhado implica em uma breve abordagem dos valores embutidos no início do século XX e as condições através das quais seria fomentada a produção artística.
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Contextualização artística No Brasil No livro Villa Kyrial – Crônica da Belle Époque paulistana, Márcia Camargos aborda importantes aspectos que permearam o imaginário da belle époque brasileira. Focando-se na figura de Freitas Valle9, o grande mecenas em torno do qual se reuniram muitos artistas e intelectuais em busca de subsídios até a entrada do Estado Novo, o livro apresenta o cenário de mundanismo no qual os primeiros modernistas se viam envolvidos e a política de mecenato configurada pelo referido senador. Por meio da descrição das atividades realizadas na mansão de Freitas Valle, a autora analisa a importância de tais eventos para a projeção de artistas que buscavam o patrocínio do político (que envolvia recursos públicos e privados). A linha de ação do senador se configurava pela tarefa de financiar jovens promissores, mantendo, através da política de mecenato, certo controle sobre suas produções. É de Freitas Valle a organização da primeira exposição de Lasar Segall, em 1913 – exposição que não alcançou uma repercussão “devastadora” como alcançaria a de Anita Malfatti em 1917. Na verdade, as obras expostas de Segall em 1913 foram cuidadosamente selecionadas de modo a não escandalizar em demasiado o público, tendo em vista a complexa teia de relações sociais que permeavam esse evento (RIBEIRO, 1992, p. 188). Claudia Valladão de Mattos, em sua dissertação de mestrado, mostra a repercussão daquela exposição no meio paulistano, através das críticas apresentadas nos jornais O Estado de São Paulo, o Correio Paulistano e Diário Popular. Visando explicar a aparente falta de reverberação da exposição, em Lasar Segall comparam-se as críticas nos referidos jornais paulistanos com as críticas em jornais de Campinas, onde ocorreu a mesma exposição ainda em 1913. De modo geral, os textos publicados em periódicos a respeito da exposição de 1913 tomaram como base para a análise formal os padrões acadêmicos (seguindo as condições neoclássicas) e, sobretudo, apoiaram-se em valores extrínsecos às obras analisadas, procurando exprimir as qualidades morais ou mesmo didáticas das obras apresentadas (MATTOS, 1997, p.20).
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Na produção descritiva, elas visavam, sobretudo, anunciar as qualidades dos trabalhos, assim como a possível relevância destes no quadro artístico da cidade, valorizando a trajetória do artista (CHIARELLI, 1995, p. 71). Tanto o Correio Paulistano quanto o Estado de São Paulo, órgãos ligados ao PRP (e, portanto, a Freitas Valle), publicaram textos nos quais sobressaía um tom aprovador, apesar de discreto, às obras expostas (MATTOS, 1997, p.24), tornando público os nomes de visitantes ilustres e ressaltando o caráter beneficente da exposição: (...) O jornal conservador convidava o público a visitar a exposição, e ao lado de comentários dúbios sobre a obra de Segall, acrescentava displicentemente um motivo certo para que o público não deixasse “em abandono a exposição do simpático pintor russo”: a contribuição que estariam dando à campanha da Cruz Vermelha. Na primeira visita que fez a Segall, Freitas Valle já levava pelo braço o crítico de O Estado, que em comentários no jornal mostra a benevolência do amigo compromissado, mas que não deixa de assinalar de modo camuflado a desaprovação àquela técnica “às vezes ousada”. (CHIARELLI, 1995, p. 85).
As críticas que mencionaram diretamente as obras o fizeram de forma receosa, cruzando um breve lamento em relação às técnicas “ousadas” do artista. Até mesmo os textos que se propõem a abordar de forma mais profunda aqueles trabalhos, tais como os que apareceram em Campinas11, elogiam especialmente as obras nas quais Lasar Segall controlou seu “ímpeto impressionista” – uma vez que esse é apontado como a causa de “vários defeitos” na representação. Esperava-se, contudo, que esse ímpeto fosse suscitado pela sua juventude e que, posteriormente, o pintor estabelecesse uma linguagem plástica mais coerente, com uma expressividade “corrigida” (MATTOS, 1997, p.23). Quanto à Anita Malfatti, vista como a responsável por aglomerar os modernistas em torno de uma causa comum e ainda confusa em 191712 veria o retorno de sua dedicação (tanto no plano profissional quanto pessoal, em relação ao senador) apenas mais tarde, em função das respostas críticas àquela exposição. A bolsa do senador lhe seria concedida apenas em 1923, quando os ânimos em torno das suas obras expressionistas já estavam mais amenos, uma vez que a artista já estava freqüentando o atelier de Pedro Alexandrino (cujas obras pertenciam à Pinacoteca do Estado).
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Mário de Andrade lia uma conferência. Ao terminar a leitura, Dr. Freitas Valle, num grande gesto, levantou-se do seu trono e encaminhou-se para mim, o que me assustou de tal maneira que perdi o controle (...). Ele realmente chegou-se para junto de mim e disse mesmo de verdade que eu poderia embarcar para a Europa em viagem de estudo. (...) Qualquer coisa me aconteceu, não sei se voei para o telhado ou se afundei no chão (CAMARGOS, 2001, p.166).
Este breve depoimento deixa entrever um dos motivos que acirraria as posições contrárias ao modo de financiamento de Freitas Valle, a dizer os critérios arbitrários e sinuosos de concessão de bolsas13. A autoridade do senador e sua influência na formação de artistas e intelectuais acolheram, entretanto, diferentes filiações estéticas, passando por parnasianos aos futuros modernistas - reunindo jovens cheios de timidez e de sonhos que decoravam as frases capazes de obter a proteção, sempre pronta de Freitas Valle (CAMARGOS, 2001, p.45) Outros motivos que foram surgindo contrários à prática do mecenato artístico dizem respeito à “desnacionalização” dos artistas que viajavam a Paris. Tadeu Chiarelli, em Um jeca nos vernissages, aborda os comentários suscitados por Monteiro Lobato, cuja imagem é vista de forma violenta em relação aos modernistas. Porém, dentre os futuros “novos”, Oswald de Andrade também mostraria seu desapreço à essa política, como será visto adiante, no próximo capítulo.
Em Portugal Portugal, sendo também um país periférico em relação ao restante da Europa – marginalidade que se dará por vias econômicas, políticas e culturais – também teve seus primeiros artistas modernistas envolvidos com subsídios do Estado. No início do século XX, são listadas duas exposições de grande importância enquanto precedentes do movimento moderno, em um período em que esse termo ainda não aparecia em textos e críticas pelo país: a exposição Livre, de 1911, e o Salão dos Humoristas em 1912. Essas duas exposições mostraram um ensejo, ainda incipiente, de mudança no cenário artístico local, que poucos anos depois se veria articulado em torno do conceito de arte moderna.
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A Exposição Livre de Lisboa indica no seu nome uma referência à arte corrente em Portugal, sob linha naturalista, uma vez que faz referência ao Grupo Ar Livre coordenado por Carlos Reis (1863-1940). No entanto, a escolha de tal nome para a exposição tinha a intenção de se relacionar pejorativamente àquele grupo, mostrando assim o ânimo anti- acadêmico dos artistas envolvidos. Entre os artistas que participaram da exposição estavam Manuel Bentes (1885-1961), Emmerico Nunes (1888-1968), Domingos Rebelo (1891- 1975), Eduardo Viana (1881-1967), entre outros. Todos esses artistas estavam em Paris em 1910, freqüentando as academias livres (Julian, Grande Chaumière e outras), e a convivência com esse meio é apontada como um dos motivos que fomentaria o caráter da Exposição Livre. Apesar da proposta anti-acadêmica, as obras apresentadas não se distanciaram muito do alvo naturalista e da pintura de retrato, uma vez que a temática da paisagem se fez presente em todas as obras na Exposição Livre. No mês seguinte à sua abertura é inaugurada uma exposição da Sociedade Silva Porto, sendo um dos promotores dessa organização o pintor e professor Carlos Reis (que ajudara a fundar a Sociedade em 1900). Esse grupo organizava saídas de campo para o estudo da pintura de paisagem, deixando muitos discípulos nessas atividades, e foi o maior alvo das críticas (favoráveis) publicadas em periódicos no início de 1911. São percebidas, entre obras de Carlos Reis e as dos artistas “livres” de 1911, algumas percebidas variações formais quanto ao tratamento do tema da pintura de paisagem. Como foi dito, as mudanças foram pequenas (FRANÇA, 1974, p. 35), porém conseguiu causar certo estranhamento na crítica, que as tomou negativamente pelo viés da “impressão”: Gênero de pintura falho na maioria dos casos de qualidade de observação criteriosa e onde um aglomerado de cores postas a esmo produzem uma amálgama de cambiantes mais ou menos compreensíveis mas que tanto podem ser pintados de memória como pelo desenho duma fotografia como em face do original (...). Não têm valor de obra de arte. (FRANÇA, 1974, p. 29).
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Apesar da repercussão crítica desfavorável e da proposta dos expositores não ter sido respondida plasticamente de forma condizente, as reivindicações postas pelo grupo de artistas “livres” foram vistas como um possível caminho a ser tomado pelas artes de então. Em paralelo com essa exposição, foi mostrado outro desdobramento possível para as artes, pelo viés do humorismo. No ano seguinte à Exposição Livre foi organizado o I Salão dos Humoristas, no qual participaram alguns artistas “livres”, tais como Emmerico Nunes. Entre os envolvidos estavam também caricaturistas políticos já consagrados, como Alfredo Candido, Cândido da Silva, Francisco Valença, Manuel Gustavo e Celso Hermínio. E outros, com gostos “mais originais” (FRANÇA, 1974, p.33), os novos, que encontrariam reconhecimento posteriormente: Rocha Vieira, Saavedra Machado, Jorge Barradas, Sanches de Castro e Almada Negreiros. O salão, todavia, foi inaugurado pelo presidente da República Manuel de Arriaga o que, segundo José Augusto França, oficializaria a “jocosa aventura”. Alguns periódicos aproveitaram o tom da situação para desferir críticas quanto aos novos rumos que estavam sendo tomados na arte portuguesa, referindo-se aos novos humoristas como personalidades que “faziam cócegas às vistas”. Outras críticas atribuíram às manifestações um caráter de estrangeirismo, incapaz de captar o verdadeiro humor português (FRANÇA, 1974, p.35), motivados pela formação no estrangeiro de Sanches de Castro e Emmerico Nunes (que estudaram em Paris e Munique, respectivamente). Todavia, a exposição conseguiu fomentar diferentes sentidos na crítica: outras posições vão sendo percebidas pelos periódicos e surgem manifestações de descontentamento com a arte portuguesa, a qual (...) vem mantendo, de há muito, um cunho de decadência, acentuado por um pessimismo fora do século, doentia herança do romantismo, ainda na posse de muitos dos nossos artistas (FRANÇA, p.35).
Em 1913 organiza-se o II Salão dos Humoristas, com menor repercussão e sem visita oficial, que voltou a reunir os novos artistas juntamente com alguns tradicionais e acadêmicos. Em 1914 fora programado o III Salão, que acabou não ocorrendo, mas no ano seguinte, em Porto, é organizada a Exposição de Humoris80
tas e Modernistas. Defendia-se a reunião de vários trabalhos modernistas para que o público pudesse conhecer e interessar-se por esta delicada arte moderna, toda de requintes de graça e capricho (FRANÇA, 1974, p.40). José Augusto França coloca que o programa da manifestação dos humoristas era semelhante aos anteriores, porém agora se percebe, através de palavras da comissão organizadora, uma distinção entre obras de caráter humorista e modernista. Dizia-se que nos quadros dos modernistas havia muita alegria, muita cor e muita graça (FRANÇA, p.41), e a programação da exposição é revestida de um caráter mundano, congregando serões de arte, conferências e música, unidas pela sofisticação. Apesar de os dois eventos citados não serem enquadrados como efetivamente modernistas, é interessante ressaltar que com as obras expostas em 1911 e 1912 o termo “moderno” passa a encontrar espaço para circulação, apesar de ser carregada de um sentido um tanto jocoso e confundir-se com situações mundanas.
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Chegada da vanguarda futurista
Importaçþes vanguardistas e futuristas
O Grupo Orpheu O Grupo Orpheu é assim denominado devido ao surgimento, em 1915, de uma revista homônima em Lisboa. Entre os chamados orphistas destacam-se artistas e escritores, tais como Fernando Pessoa (1888-1935), Santa-Rita Pintor (1889-1918), José Pacheco (1885-1934), Alfredo Guisado, Luís de Montalvor (1891-1947), Antônio Cortes Rodrigues, Almada Negreiros (1893-1970), Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) e Mário de Sá Carneiro (1890-1916). Na década da Revista Orpheu, assiste-se à primeira geração de artistas modernos portugueses, sendo que dois importantes pintores dessa geração têm morte prematura, Amadeo e Santa-Rita; suas influências, porém, estenderam-se a artistas mais novos na década seguinte (FRANÇA, 1974, p.151). Consideremos a passagem de José Augusto França, autor de A arte em Portugal no século XX a respeito da referida revista: Os títulos pensados para a nova revista14 (que Sá-Carneiro pagaria) definem todo um itinerário ideológico: primeiro, Lusitânia, depois, Europa – e finalmente Orpheu, onde o mito do poeta cantor é assumido expressamente, em termos de destino. Uma aventura ao mesmo tempo estética e pessoal começava para esses jovens poetas, que constituirão uma geração definida na vida cultural portuguesa. Exílios de temperamentos de arte, a revista e o seu grupo desejavam-se à margem da vida nacional mediocremente dominada por paixões políticas que escondiam ou deturpavam o grande esforço de reestruturação moral e material do novo regime republicano; em breve, porém, eles se empenhariam num combate violento, e com alguma repercussão política, contra o meio. Vontade de se “exilar” e vontade de espantar ou de assustar a sociedade burguesa confluíam na diligência de Orpheu, em textos que se seguiam, marcando um momento de evolução no sentido de modernidade. (FRANÇA, 1974, p.55)
Cabe fazermos algumas observações em relação ao trecho escolhido. Como José Augusto França pontua a escolha do nome para o periódico diz muito a respeito dos objetivos do grupo. Desejava-se criar um periódico que acompanharia as mudanças no cenário artístico, não veiculando sua circulação apenas ao território português. A direção do primeiro número contou com a participação de um brasileiro, Ronald de Carvalho que, sete anos mais tarde, participaria da Semana de Arte Moderna
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no Brasil. Posteriormente analisaremos a referência quanto ao regime republicano; por ora, enfocaremos o momento de evolução no sentido de modernidade alcançado pelo Grupo Orpheu. Tal momento específico e importante buscou produzir obras nas áreas das artes plásticas, literatura, teatro, assim como estimular reflexões no campo da filosofia que justificassem as articulações entre esses diferentes campos. A revista, no seu segundo número (ainda em 1915), reproduz algumas obras de Santa-Rita Pintor que, já em 1914, se propõe a editar os manifestos de Marinetti. Como diria o artista mais tarde, Futurista declarado em Portugal há um, que sou eu (FRANÇA, 1974, p.55) 16. Como ocorrera no Brasil, muitos artistas envolvidos nas primeiras manifestações modernistas em Portugal estudaram na França17, travando contato com as vanguardas no centro europeu, e remodelando tais tendências da arte no seu país18. É sob o signo do futurismo italiano que o país conseguira garantir sua modernidade, sendo a versão portuguesa desse movimento considerada seu único veículo de aproximação da arte moderna (FRANÇA, 1974, p.74). O movimento futurista, porém, alcançaria uma força maior em 1917 quando Santa- Rita organiza um novo periódico, Portugal Futurista. No mesmo ano organiza-se outra manifestação desse cunho, a Sessão Futurista no Teatro República em Lisboa, onde Almada Negreiros lê seu Ultimatum Futurista (que será comentado posteriormente). Quanto ao “iniciador” do movimento futurista em Portugal, Santa-Rita, não se tem acesso às suas obras, apenas a alguns títulos de trabalhos que foram reproduzidos nessas revistas - uma vez que a família do pintor obedeceu à sua exigência de destruir suas telas quando ele morresse20. Contudo, podemos verificar através de Amadeo de Souza Cardoso21 outro “exílio de temperamento” no Grupo Orpheu. Considerado por Almada Negreiros como a primeira descoberta de Portugal na Europa do século XX (CASTRO, 1997, p. 100), Amadeo de Souza Cardoso cria experimentações em torno de diferentes vanguardas, produzindo muitas obras e, apesar de ter morrido jovem, com apenas anos, já em vida alcançara repercussão internacional. Em 1906 ele parte para Paris, ficando 84
na Europa até 1914, quando retorna à Portugal em função da I Guerra. Em Paris, Amadeo faz amizade com diversos artistas modernos, tais como Modigliani, Juan Gris e Robert e Sonia Delaunay, os quais serviriam de referência às produções do artista português. Na verdade, em 1913 Amadeo produz um grande número de obras bastante heterogêneas entre si. Alguns críticos (FRANÇA, CASTRO) apontam que nesse ano o pintor emerge em busca da construção de um estilo pessoal – logo, tal movimento do pintor justificaria a produção bastante diversificada. Esse caráter de abertura às vanguardas, a mescla de influências (entre fauvismo, cubismo, expressionismo, abstracionismo) de acordo com Laura Castro, implicou em uma leitura para a qual não havia preparação possível em Portugal. Amadeo de Souza Cardoso negou seu envolvimento tanto no cubismo quanto no futurismo – e as suas obras que utilizam os recursos de tais linguagens não seguiram fielmente todos os pressupostos e recursos estipulados por esses movimentos. Almada Negreiros, quando o apontou como a primeira descoberta de Portugal na Europa do século XX o faz em função da sua abertura aos movimentos modernos europeus. A “individualidade portuguesa” da Amadeo (ver nota de rodapé 4) responde àquele objetivo de Almada Negreiros para o Grupo Orpheu: criar individualidades portuguesas em consonância às mudanças no centro europeu – individualidades que não tomaram elementos especificamente portugueses para a sua concretude.
A Semana de 22 Tomamos como ponto de partida o seguinte apanhado a respeito do movimento modernista no Brasil, Em Construções de um Brasil moderno, de Eneida Maria de Souza: O movimento teve, desde a Semana de Arte Moderna, vertentes que se distinguiam quanto ao tratamento dado à tradição. Inicialmente, investindo-se contra ela, ao aspirar ao novo e à ruptura dos valores. A força das vanguardas européias servia como inspiração para se pensar a arte brasileira como parte integrante de uma revolução cultural que se processava no mundo. Outro momento modernista, com a participação dos mesmos vanguardistas de primeira mão, como Mário e Oswald de Andrade, se voltou para a construção de uma
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cultura nacional sem desprezar os ingredientes estrangeiros. A traição da memória, referente à posição de Mário frente aos empréstimos, e a antropofagia oswaldiana, representam a saída para a vertente nacionalista, a qual não se restringia à defesa de valores brasileiros em oposição aos estrangeiros, mas se nutria do diálogo entre eles.
Dessa forma, como o subtítulo do capítulo indica, iniciamos com esse primeiro momento do movimento, o da ruptura, no qual se fez uso entre os artistas envolvidos do termo “futurista”, para a arrancada inicial. Sabe-se que esse termo “futurismo” chegou ao Brasil através de Oswald de Andrade, em 1912. Como diz Mário da Silva Brito, nos anos preparatórios para a Semana de Arte Moderna a chegada de uma vanguarda vem acompanhada pelo futurismo; ambos os conceitos, para os envolvidos naquele evento, se equiparam, tornando-se quase sinônimos. Annateresa Fabris, em O futurismo paulista, analisa os diferentes significados que a escolha do futurismo implicava para os modernistas. Entre os motivos que estão por trás da escolha dessa vanguarda, estão o caráter abrangente do futurismo, que permitiria a união de artistas de diversas procedências, assim como o conhecimento desse movimento no Brasil, que já vinha sido discutido desde 1909, e a sua característica de ser visto como sinônimo de bizarro, inusitado (não apenas no campo artístico, mas também em padrões de comportamento pessoal, social e político). Dessa forma, a adesão ao futurismo, em um primeiro momento, fez-se necessária para aquilo que a autora chama de valor negativo de um movimento modernista: a afirmação para anular o existente (p.66), no caso, a arte acadêmica, tradicional, os chamados “passadistas”. Porém, o desejo de mudança e de atualização não se limitou apenas ao campo estético. Mário de Andrade, por exemplo, tomando o modernismo como uma antecipação do futuro, assume uma postura vanguardista ao afirmar que a revolução dos modernistas não era estabelecida apenas no plano estético – ela se delineou também como uma necessidade histórica. Necessidade que, em um primeiro momento, toma uma forma confusa, segundo a autora: há um desejo de mudança, de destruição (como o nome por eles adotados, de “destruidores”).
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Dessa forma, de acordo com Annateresa Fabris, o termo “moderno” funcionava como uma espécie de talismã para o grupo “destruidor” da Semana de 22, porém, sua significação não estava claramente determinada entre os envolvidos. A autora faz essa afirmação no texto Estratégias Modernistas ao referir-se à diversidade de tendências presentes na exposição da Semana de Arte Moderna - fato que não passara despercebido também para os envolvidos no evento. Sergio Milliet, por exemplo, enumera influências simbolistas, impressionistas, cubistas naquela exposição (BASTAZIN, 1992, p.49). Como aponta Aracy Amaral, a escolha das obras a serem expostas no Teatro Municipal não obedeceu a um critério claro, o que unia as obras entre si era o distanciamento dessas ao discurso acadêmico. Do mesmo modo que o entendimento do conceito de moderno entre os modernistas deu-se de forma confusa, a própria autodenominação do grupo enquanto destruidor reflete uma espécie de mito estruturado em torno das suas ações. É sabido que no período do mecenato artístico, pelo Pensionato, esses artistas contaram com o patrocínio da burguesia de São Paulo para a concretização do evento. Todos esses fatos aqui enumerados já são bem conhecidos; porém, a visão exposta por Tadeu Chiarelli em Um jeca nos vernissages mostra-se pontual e precisa ao “desmistificar” a pretendida revolução artística, enumerando três fatores que determinaram o patrocínio do evento: A prática já existente de a burguesia local patrocinar eventos artísticos e culturais. Assim, a Semana não foi o primeiro nem o último evento a contar com o seu suporte financeiro; 2. A Semana contava não apenas com o apoio de elementos proeminentes da alta burguesia, como também com a participação de indivíduos bastante considerados na vida social e cultural nacional, fato esse que, pelo menos em tese, retirava qualquer poder subversivo do evento, tornado-o bastante confiável; c. no que diz respeito às artes visuais, a elite paulista nada estava arriscando ao patrocinar a mostra no Teatro Municipal, uma vez que as obras ali apresentadas, ou já haviam sido vistas pelo público, ou então não continham nenhum sabor de ruptura maior (CHIARELLI, p.46).
Dessa forma, o carnaval da Semana de Arte moderna, feita para deixar a crítica – as araras – falarem, nas palavras de Mário de Andrade (FABRIS, 1994, p.137), fez uso de alguns recursos que, em tese, seriam contrários às suas reivindicações.
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Como exemplo, poderíamos pensar nos comentários de Mário de Andrade a respeito de Menotti Del Picchia e Graça Aranha (escritor que no momento era até mesmo membro da Academia de Letras): ambos teriam compreendido indevidamente o que consistiria as renovações almejadas, porém, não deixaram de dar as suas contribuições no evento29. Observa-se, de modo geral, o uso de uma ação estratégica, via Marinetti, que consistiu na divulgação das idéias novas por um caráter agressivo, pela confrontação física e psicológica com o público (FABRIS, 1987, p.77) durante o evento. Ao invés da discussão das novas técnicas e procedimentos formais na arte modernista, buscouse por essas ações um prestígio de autoridade que legitimasse os novos caminhos que estavam sendo perseguidos (FABRIS, 1994, p. 150), isso confirmaria o acerto das novas propostas.
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Em Portugal Podemos iniciar esse subcapítulo retomando a citação de José Augusto França, para darmos continuidade ao Grupo Orpheu. Fora dito que a revista e seu grupo desejavam-se à margem da vida nacional mediocremente dominada por paixões políticas (...). Em breve, porém, eles se empenhariam num combate violento, e com alguma repercussão política, contra o meio (FRANÇA, 1974, p. 55). Não é por acaso que o autor faz referência à postura política dos orphistas. Muitos deles precisaram fazer declarações públicas a respeito de suas posições, retratações, assim como sustentar que as ações do grupo visavam apenas o campo artístico. Entretanto, suas produções sofreram severas repreensões pela polícia, às vésperas da intervenção sidonista em Portugal, assim como de monarquistas e democráticos30. É importante situarmos31, mesmo brevemente, as implicações provocadas pela instauração da República (em 1910), pois é também nesse contexto que surgirá o movimento da Renascença Portuguesa contra o qual os orphistas se dirigirão de forma violenta nos seus manifestos. A Renascença Portuguesa, movimento nacionalista que, como o próprio nome já indica, propunha uma volta ao passado da nação, à época das grandes navegações e à criação dos Estados Nacionais, surge no primeiro momento de oposição ao regime republicano, da Resistência Católica (vinculada aos círculos intelectuais). Em Um tempo histórico português sob enfoque brasileiro: bases para a compreensão dos antecedentes do Estado Novo, Francisco C. P. Martinho aponta que a instalação da República, para os seus opositores, significou uma ruptura com o passado histórico de Portugal32. Dessa forma, o Renascer da pátria portuguesa33, na década de 10, busca manter um projeto nacional buscando no passado seu processo legitimador. É sob esse viés que, em 1915, Teixeira de Pascoaes (18771952) escreve A arte de ser português. Ser português, segundo o autor, é também uma arte34 – uma arte que deve, obrigatoriamente, trazer aquelas qualidades da alma pátria determinadas à época das grandes navegações - (PASCOAES, p.129):
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O mestre que ensinar aos seus alunos, trabalhará como se fora um escultor, modelando as almas juvenis para lhes imprimir os traços fisionômicos da Raça Lusíada. São eles que a destacam e lhe dão personalidade própria, a qual se projeta em lembrança no passado, e em esperança e desejo no futuro (PASCOAES, p.17).
Não nos cabe aqui discutir a doutrina de Pascoaes. Entretanto, no mesmo ano dessa publicação sai a Orpheu, e com ela a frase do poeta Fernando Pessoa: Criar uma arte cosmopolita no tempo e no espaço. Orpheu, como observa Josiane Maria de Souza, pretendia arrancar a cultura portuguesa de seu provincianismo e de sua estagnação total. Uma das causas desse estagnamento era, justamente, aquela conceituação da cultura portuguesa de Teixeira de Pascoaes, no seu nacionalismo que tomava a saudade como característica inerente ao homem português e formador do seu caráter. Em um movimento de refluxo, respondendo a esse nacionalismo, Almada Negreiros escreve que a descoberta do Caminho Marítimo pra Índia já não nos pertence porque não participamos d ́este feito fisicamente e mais do que a Portugal este feito pertence ao século XV.35 Do mesmo autor encontramos um importante documento que explora Os pioneiros do movimento moderno em Portugal, onde Almada Negreiros traça, em 1934, essas condições da ruptura no início do século XX, contra as quais o grupo orphista representou a contra corrente: Com uma herança literária e artística bastante desorientadora, sobretudo para os que se iniciavam nas letras e nas artes; uma herança literária e artística resumida aos talentos isolados de um período manifestamente decadente; num meio hostil, congestionado de realidades políticas que tiranizavam exclusivamente todo o país; num desinteresse máximo e nacional pelas coisas chamadas do espírito; tais foram os primeiros dias que couberam por sorte aos desta geração. Na contra corrente era imperioso intensificar o caso particular. Literatos e pintores, entregues a si próprios, reuniam-se em grupo de camaradas, obstinados a não existir sem dignidade estética. Havia tanto que destruir como de construir, isto é, impunha-se viver. Discutia-se a acção: se não nos entendessem, ao menos que nos ouvissem gritar! (NEGREIROS, s/d, p.17-18).
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No Brasil Retomando o que fora dito por Annateresa Fabris a respeito de que todo movimento é um “valor negativo” na medida em que se afirma para anular o já existente, a autora acrescenta que, ao lado deste valor, encontra-se também um positivo, uma vez que com a negação ocorre uma abertura a novos valores, uma disposição propensa à criação de novos rumos. De modo geral, poderíamos dizer que esse valor positivo faz-se mais firme após a Semana, após as incursões polêmicas e, de certa forma, conflituosas pelo futurismo. Na verdade, a noção que nortearia a construção desse valor positivo apareceria já em 1915, com o artigo de Oswald de Andrade Em prol de uma pintura nacional36. Nesse texto o intelectual problematiza a ação do Pensionato Artístico que, ao enviar artistas brasileiros à Paris, não estaria distanciando esses artistas e suas produções de uma arte brasileira, fazendo destes artistas nacionais. Tadeu Chiarelli em Um jeca nos vernissages justifica essa postura de Oswald, pois tal artista, acostumado com a paisagem européia “complacente”, ao voltar, não conseguia perceber a exuberância da natureza local, que poderia ser a base de criação de “uma grande escola de pintura nacional” (CHIARELLI, 1995, p. 96). A preocupação em construir uma pintura nacional se alastraria dentro da obra crítica de Mário de Andrade pela formulação de diferentes proposições. Como foi dito no capítulo anterior, a exaltação do cosmopolitismo, a imitação desenfreada de diferentes aspectos da cultura parisiense, seriam posteriormente questionados por ele. No entanto, esses questionamentos são articulados em torno da busca de um gênio brasileiro – uma espécie de genealogia do caráter brasileiro. Imbricam-se, nessa pesquisa do intelectual, aspectos do afrancesamento da sociedade brasileira, o estudo da arte colonial, o expressionismo alemão, pesquisa folclórica e lingüística (rompimento da distinção entre linguagem escrita e falada, a escrita em “manga de camisa”), entre muitos outros aspectos, já trabalhados em diversas obras críticas posteriores37. Estamos utilizando para esse subcapítulo o livro Pintura não é só beleza – a crítica de arte de Mário de Andrade, de Tadeu Chiarelli.
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Entretanto, entre todos esses aspectos listados, o fio condutor que Mário de Andrade utilizará para guiá-los é o objetivo de tornar o brasileiro universal – objetivo que o crítico discutira em torno da construção de uma nacionalidade (nacionalidade que, de forma ideal, transpareceria nas manifestações culturais de forma inconsciente): (...) De que maneira nós podemos concorrer para a grandeza da humanidade? É sendo franceses ou alemães? Não, porque isso já está na civilização. O nosso contingente tem que ser brasileiro. O dia em que nós formos inteiramente brasileiros e só brasileiros a humanidade estará rica de mais uma raça, rica duma nova combinação de qualidades humanas. As raças são acordes musicais. Um é elegante, discreto, cético. Outro é lírico, sentimental, místico e desordenado. Outro é áspero, sensual (...). quando realizarmos o nosso acorde, então seremos usados na harmonia da civilização. (CHIARELLI, p. 71).
Para o estudo do cruzamento daqueles diferentes acordes, o escritor encontraria um exemplo de harmonia no escultor Aleijadinho, um característico “gênio plástico” brasileiro (CHIARELLI, p.74). É no período colonial que, segundo o autor, começaria a surgir a verdadeira raça brasileira, mestiça, personificada pelo mulato39: nem branco nem negro, sem identidade com seus progenitores, buscando assim reunir uma visão arquetípica do brasileiro, uma imagem que unisse todos os tipos que surgiram no país (CHIARELLI, p.75). Dessa forma, retirado o caráter provocativo da Semana de 22, na qual os envolvidos festejaram a dianteira de São Paulo nas artes, por essas breves considerações é possível perceber que os estudos desenvolvidos por esses modernistas buscaram, de certa forma, dar conta de todo o país. No sentido de estabelecer uma raiz própria do brasileiro e reivindicar uma identidade cultural (CATTANI, 1980, p.05), foram deixadas de lado manifestações que reunissem e fossem expressivas apenas regionalmente – era necessário nacionalizar, territorialmente de modo completo, para universalizar, para nós podermos contribuir com a civilização.
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Manifestos escolhidos
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Ultimatum Futurista de Almada Negreiros e Ultimatum de Álvaro e Campos Dentre todos os artistas e escritores envolvidos no Orpheu, Almada Negreiros certamente foi um dos intelectuais mais influentes do grupo. Tendo iniciado sua carreira no Salão dos Humoristas, sua produção se estendeu pela literatura, pelo teatro e artes plásticas, pertencendo não apenas à primeira geração modernista portuguesa (entre os anos 10 e 20), como também às gerações subseqüentes, a 2a (entre 30 e 40) e a 3a (de 40 a 50). Em 1917 Almada Negreiros lê o seu Ultimatum Futurista às gerações portuguesas do século XX e o publica na edição organizada por Santa-Rita pintor. Desde 1915 já estavam sendo produzidos textos com cunho futurista em Portugal, de forma dispersa40, porém é a publicação de manifestos (tanto o de Almada Negreiros quanto o de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa) que marcará de forma profunda a adesão ao movimento modernista italiano. A adesão ao futurismo se faz mais compreensível se tivermos em mente a mentalidade então corrente no campo da cultura em Portugal, como foi expresso no segundo capítulo, em torno da Renascença Portuguesa e de Teixeira de Pascoaes. Certamente essa mentalidade se viu envolvida pelas implicações políticas do momento, como foi mostrado, porém é possível apontarmos outros motivos que foram ao encontro, positivamente, entre o manifesto de Almada Negreiros e o futurismo italiano. A substituição no título do termo “manifesto” à “ultimatum” já assinala que, no futuro, Portugal deveria tomar as rédeas de sua nação, uma vez que faz menção ao Ultimatum Inglês de 189042 (espécie de vergonha coletiva para os portugueses). Vindo da esfera do direito internacional, o termo Ultimatum traz a noção de uma ameaça de força e violência para aqueles que não satisfizerem as determinações estabelecidas. Almada Negreiros inicia seu manifesto da seguinte forma:
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Vós, oh portugueses da minha geração, nascidos como eu no ventre da sensibilidade européia do séc.XX. Criai a pátria portuguesa do séc.XX. Resolvei em pátria portuguesa o genial optimismo das vossas juventudes. Dispensai os velhos que vos aconselham para vosso bem e atirai-vos independentes pra sublime brutalidade da vida. Criai a vossa experiência e sereis os maiores. Ide buscar na guerra da Europa toda a força da nossa nova pátria. No front está concentrada toda a Europa, portanto a Civilização actual. A guerra serve para mostrar os fortes mas salva os fracos. A guerra não é apenas a data histórica de uma nacionalidade: a guerra resolve plenamente toda a expressão da vida. A guerra é a grande experiência. (...).
A importação da “mística da guerra” implicou em outro fator determinante para a adesão àquele movimento modernista: Portugal, apesar de ter participado da I Guerra Mundial ao lado dos países vencedores, se mostrou receosa desde o início em aderir ao conflito, temendo possíveis crises políticas na recém formada República. Logo, o país assumiu frente ao combate uma neutralidade condicional, de acordo com Armando B. Malheiro da Silva. Almada Negreiros, portanto, afirma que no front está concentrada toda a Europa (...). A guerra serve para mostrar os fortes mas salva os fracos. Portugal, apesar da sua neutralidade, não conseguiu evitar resultados negativos com a guerra: o país, após o conflito, se vê acometido por um mal-estar coletivo devido ao fato de não ter conseguido levar alguma vantagem materialmente. Entre outros valores compartilhados entre os modernistas portugueses e os futuristas italianos está o rompimento com a tradição (se faz necessário criar a pátria portuguesa do século XX) – tradição que teria grande peso para ambos os países – Itália quanto ao fato de ser o berço da civilização latina, enquanto Portugal, por seu caráter de “descobridor” e de maior nação ultramarina47. Faz-se necessário utilizar o recurso da “grande higiene do mundo” para ajudar a morrer os vencidos: vencidos que ainda não foram civilizados, para assim acordar todo o espírito de criação e de construção assassinando todo o sentimentalismo saudosista e regressivo. A polêmica contra o passado visava não apenas a dissociação às formas acadêmicas e conservadoras, mas também a afirmação de novas forças criadoras, que incorporassem as transformações e a postura imperialista do presente (FABRIS, 1987, p.62).
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Logo, Almada Negreiros chama os portugueses, de forma impositiva, a aderirem ao cosmopolitismo em suas cidades e portos, a acompanhar a consciência exacta da Actualidade, a destruir sistematicamente todo o espírito pessimista proveniente das inevitáveis desilusões das velhas civilizações do sentimentalismo. Na sensibilidade atual só existira espaço para aquilo que incorporasse a explosão e suas qualidades robustas48, pois pela entrada, agora incisiva, no front da guerra, se conseguiria romper com o sentimentalismo saudosista e regressivo corrente, com a Renascença expressa por Teixeira de Pascoaes. Segundo Annateresa Fabris, a respeito do futurismo italiano: A guerra, velozmente enunciada no primeiro manifesto, torna-se símbolo de renovação absoluta porque destruição total do velho, do que impede a afirmação das novas forças: “é nossa única esperança, nossa razão de viver, nossa única vontade!...”. Dela derivam o desprezo pela mulher, entendida como símbolo de sentimentalismo anti-heróico, pelos sedentários, pelos inválidos, pelos doentes, pelos conselheiros prudentes, por todos aqueles que levam uma vida sossegada, à qual o homem futurista contrapõe a morte violenta, “a única digna do homem, animal de presa”. (FABRIS, 1987, p.65).
A paz, para os futuristas, serve como sinônimo de estagnação, de paralisação da força criadora (FABRIS, 1987, p.156) – de forma semelhante à neutralidade dos portugueses, que refletiria apenas as qualidades passivas do seu caráter, tais como o fatalismo, servilismo, a indolência. De acordo com Almada Negreiros, para a projeção de Portugal na civilização, as características que devem ser incorporadas na criação da nova pátria portuguesa derivariam, sobretudo, da virilidade: rezai a luxúria, diria o autor, é preciso criar a adoração dos músculos, o espírito da aventura, educar a mulher portuguesa na sua verdadeira missão de fêmea para fazer homens. De modo geral, no manifesto futurista de Almada Negreiros deseja-se que Portugal tome consciência de que é um país europeu, pondo-se ao lado das demais potências européias com vistas a assimilar o seu tempo: Para criar a pátria portuguesa do séc. XX não são necessárias fórmulas nem teorias; existe apenas uma imposição urgente: Se sois homens sede Homens, se sois mulheres sede Mulheres da vossa época. Vós, ó portugueses da minha geração que, como eu, não tendes culpa nenhuma de serdes portugueses. Insultai o perigo. Atirai-vos à glória da aventura.
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Todavia, a postura do Ultimatum Futurista, a imposição de um alinhamento de Portugal frente à Europa, suscitaria outros desdobramentos entre o grupo orphista – a dizer, o Ultimatum “resposta” de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa, através de seu heterônimo futurista propõe um acréscimo àquela estética italiana pela criação de outro movimento moderno, esse especificamente português: o sensacionismo. Como diria Fernando Pessoa em relação a Orpheu, Não somos portugueses que escrevem para portugueses. (...). Somos portugueses que escrevem para a Europa, para toda a civilização; nada somos por enquanto, mas aquilo que agora fazemos será um dia universalmente conhecido.
Da mesma forma que Almada Negreiros propunha acertar o passo com a Europa, Álvaro de Campos e Fernando Pessoa também refletem essa preocupação em produzir uma arte que venha certificada de uma modernidade, com atestado de civilidade. Porém, aos olhos de Fernando Pessoa, o seu sensacionismo ultrapassaria o “escrever para a Europa” simplesmente: esse movimento (que na verdade seria mais bem definido enquanto atitude) toma para si o valor de ser um acréscimo a todas as correntes que o precederam. A definição do conceito desse novo movimento traz uma série de ambigüidades que, de acordo com Teolinda Gersão, provêm da pluralidade de conceitos envolvidos na sua gênese. Há, de forma declarada, o cunho futurista nas suas manifestações, assim como cubista, porém, essas junções de influências, segundo Fernando Pessoa, ocorreram mais em função das sugestões absorvidas desses movimentos do que à substância daquelas obras. O autor atribui a si uma superação de todas essas influências, um adiantamento às outras correntes modernistas – o teor dessa disposição pode ser verificado em todo o seu manifesto, uma vez que ele propõe a derrubada do continente europeu, iniciando seu texto com a sentença Mandado de despejo aos mandarins da Europa! Fora. Álvaro de Campos cita, ao longo de todo o Ultimatum, uma série de fatores e conjunturas que compõem o quadro dominante europeu. Todos os itens citados deveriam ser “cobertos com um pano” e “fechados à chave, pondo a chave fora”. Ao Portugal de Fernando Pessoa, tudo que seja menos do que descobrir um Novo Mundo deve ser alvo de desprezo.
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É com essa disposição depreciativa que Álvaro de Campos declara, de forma convicta, que o futuro da arte européia estava no sensacionismo – futuro, porém, que não recebera tal reconhecimento devido à sua posição periférica em relação aos outros centros. Ao “deixar de lado” a importância de tais movimentos (sem os quais não se teria chegado a esse “futuro da arte européia”, do sensacionismo) e destruir a Europa em um confronto imaginário, Álvaro de Campos inverte a posição defendida no primeiro Ultimatum Futurista. Enquanto Almada Negreiros impõe aos portugueses a tarefa de reunir as qualidades para a construção da sua pátria do século XX, Álvaro de Campos pressupõe que lhe é dada a incumbência de “mostrar o caminho” para uma nova sensibilidade a toda a Europa. O sensacionismo é dado como a primeira manifestação de um Portugal Europa, tornando-se, segundo Annateresa Fabris, a maior contribuição de Portugal no campo artístico.
Manifesto da Poesia Pau- Brasil e Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade Agora abriremos um pequeno panorama sobre os manifestos escritos por Oswald de Andrade. A apresentação se fará de forma seqüencial temporal, primeiramente com o Manifesto Pau Brasil (1924) seguido pelo Manifesto Antropófago (1928). A abordagem visa apresentar não só os manifestos, mas também as idéias que ali surgiram entrelaçadas, entre as artes e a representação temporal da época, envolvendo aspectos listados no segundo capítulo. O Manifesto Pau-Brasil surge após uma viagem que Oswald fez à Europa e representava o movimento nativista Pau Brasil. É importante apontarmos que no período desta temporada na Europa, Oswald entrou em contato com as mais diversas manifestações artísticas modernistas que estavam varrendo o velho continente, sendo uma delas, a do Primitivismo. O primitivismo foi à porta pela qual os modernistas penetram no Brasil. A presença revelada das artes arcaicas históricas e proto-histórica pela qual os modernistas penetraram no Brasil. A presença revelada das artes arcaicas históricas e proto-históricas e a dos novos primitivos contemporâneos facilitaram a descoberta pelos modernistas. Foi sob essa influência que nasceram, logo após a Semana, os movimentos do “Pau Brasil” e do “Antropofagismo”. (FONSECA, 2004, p.101).
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Oswald de Andrade é o grande teórico do primitivismo brasileiro. No seu movimento ele dá a entender que os brasileiros não precisam sair de seu país para encontrarem o primitivo – com essa idéia ele Constrói um nacionalismo primordial, irredutível e antierudito como, por sua vez, o de Mário de Andrade. (FONSECA, 2004, p.102). Munidos com estes entendimentos sobre o que estava acontecendo no Brasil e de certa forma no panorama mundial, poderemos nos deter então no primeiro manifesto, o do Pau-Brasil. É interessante mencionarmos que tal manifesto foi publicado juntamente com um livro de poemas de mesmo nome. Nele (no manifesto e livro),Oswald de Andrade busca uma interpretação lírica do seu país, através de uma poesia reduzida ao essencial, despojada de artifícios, cujo efeito repousa na força sugestiva das palavras. (CÂNDIDO, p. 77) O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando politicamente as selvas selvagens. O bacharel. Não podemos deixar de ser doutos. Doutores. País de doutores anônimos, de doutores anônimos. O Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavião de penacho. A nunca exportação de poesia. A poesia ainda oculta nos cipós maliciosos da sabedoria. Nas lianas da saudade universitária. (Manifesto Pau-Brasil)
Um aspecto bastante visível na obra de Oswald é a presença do moderno com o primitivo, o autor entrelaça as diferentes realidades que coexistiam (coexistem) em um país como o Brasil, juntamente com a necessidade tipicamente brasileira de superarmos o nosso lado primitivo através de uma pretensa cultura erudita, com uma visível referência a Paulo Prado (quanto ao aspecto do romantismo empregado pelo autor, em Retrato do Brasil). A transposição da poesia Pau-Brasil para a pintura ocorreu através de Tarsila do Amaral, que resgatou a ingenuidade do interior caipira, colocando-a em suas telas. A temática foi desenvolvida em associação à técnica de linhas limpas e claras – Aproxima-se do gosto ingênuo, cabloco, realizando a pintura tecnicamente mais moderna do país. (FONSECA, 2004, p.105). Desta forma, o primitivo brasileiro surge também na pintura re-
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presentando a ingenuidade ainda presente em algumas regiões do país – começamos a ter um panorama mais amplo da nossa idéia do que é o Brasil, enquanto Ágil e cândida. Como uma criança. Nesta esteira entre o que é primitivo e moderno e como isto se abre dentro da nossa realidade começa a se desenvolver a idéia de que o que o Brasil assimila deve ser feito de maneira feroz., de acordo com Mônica Eustáquio Fonseca, uma vez que Desse princípio geral surge a Antropofagia: o selvagem pode elevar-se à cultura, desde que conserve as qualidades básicas das suas origens primordiais... (FONSECA, 2004, p.103). O movimento antropofágico abre-se no Brasil se fazendo valer das características de um país colonizado, ao mesmo tempo em que não se diferencia das atitudes de vanguarda do início do século. Com isso o painel Antropofágico consegue refletir paralelamente dois âmbitos, que são o interno – brasileiro - e emparelhar-se com o que acontecia na Europa. As questões internas eram de conflito, pela busca do que era essencialmente nosso, visto que sofremos diferentes influências, de diferentes povos que aqui se estabeleceram. E o externo, que era acompanhar as mudanças, ou seja o movimento de atualização em relação ao cenário artístico mundial, como foi dito nos capítulos anteriores. Teremos então diferentes manifestações deste novo pensamento que, em Oswald de Andrade, apareceria no Manifesto Antropófago (1928). (...) levando às últimas conseqüências as posições assumidas no Manifesto Pau-Brasil. (CÂNDIDO, p.77) Na pintura de Tarsila do Amaral eclodiria com Abaporu – ambos são as representações do Movimento Modernista Antropofágico. Manifesto Antropófago Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. (...)Tupi, or not tupi that is the question. (...)Nunca fomos catequizados. Fizemos foi o carnaval.
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A idéia que permeava o Manifesto Antropófago era de assimilação, deglutição, com total aproveitamento do que servia à realidade brasileira do que era moderno. Foi uma maneira de respondermos ao mundo qual era a realidade do Brasil. Éramos os primitivos devorando o moderno – exclusivamente em nosso benefício. Quanto à influência de Paulo Prado na obra de Oswald de Andrade, o que podemos notar é que no Manifesto Antropófago há um novo foco sobre alguns tópicos levantados por Prado Oswald não aceita a tese da tristeza, ou das três raças tristes. A alegria é a prova dos nove – já o traço que adota é o do primitivismo – O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. Assim sendo podemos observar um movimento contínuo e crescente entre o início – Manifesto Pau-Brasil e o Antropófago, em direção à busca do que era genuinamente brasileiro. Esta busca encontrou reverberações e tal noção mostra-se cada vez importante à medida que se apropria das diferenças do brasileiro, que sempre foram tomadas como desvantagens, revertendo tal situação.
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IV DESIGN E CULTURA DE MASSA O que irá acontecer à cultura nacional em um mundo caracterizado pela internacionalização, convergência e globalização?
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Qual o futuro do design? O futuro do design é dependente de uma contínua reavaliação do passado, dos futuros designers e do desenvolvimento da cultura e da sociedade como um todo. As necessidades dos jovens designers é que irão moldar o futuro, por meio do conhecimento do passado (seus sucessos e falhas), da história e de suas análises (ou seja, o mapa do conhecimento do passado) e, ainda, da análise perceptiva do presente e seus fenômenos. A ideia de cultura, segundo Heskett (2008), diz respeito aos valores compartilhados em uma comunidade, o que, dessa forma, pode ser entendido como o modo de vida característico dos grupos sociais, o qual é assimilado e expressado por meio de vários elementos, tais como valores, comunicações, organizações e artefatos. Na verdade, esse conceito engloba o dia a dia dos indivíduos, estando, assim, intrinsecamente ligado ao papel do design no cotidiano das pessoas. Designers não trabalham sozinhos, eles precisam de ordens, comissões, críticas e de quem os compreenda. A funcionalidade e todos os fatores de pano de fundo são condições necessárias para o sucesso, em parte individual, de um designer. O futuro do design requer cooperação, envolvendo educação em design, organização em design, designers, pesquisadores, críticos, a imprensa, a comunidade empresarial e a pública. Também como pano de fundo estão o Estado e a sociedade. Design e designers são, e têm sido por muitos anos, um sine qua non do sistema comercial moderno. Pensando as atividades de produção e consumo, quais necessidades e desejos as pessoas (conscientemente ou não) vão encontrar por meio de imagens, materiais e artefatos que entram no mercado e ajudam a definir quem somos nós? Nas interfaces da cultura com o design, a relação é significante em ambos os níveis, seja “alto”, seja “popular”. Se a cultura do consumo torna o design necessário, o progresso tecnológico o torna possível. Assim, o design carre-
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ga uma mensagem tecnológica dentro de um contexto sociocultural. Na primeira metade do século XX, o termo “design” pode ser entendido inicialmente como sinônimo de design “moderno”, embora suas características variem de acordo com qual “modernidade” está em questão, e em certas instâncias “moderno” pode, inclusive, ser expresso pela adoção de um estilo histórico. A última metade do século XX apresentou um quadro mais complexo, caracterizado pelo tema guarda-chuva “pós-modernismo”, usado como um “vale-tudo” para descrever a cultura pluralística que surgiu naqueles anos. Dentro da pós-modernidade, discutivelmente, o design tinha até um papel mais integrado. Entretanto, até mesmo com a pós-modernidade, um dos níveis de conceito sobre “design” e “modernidade” continuou a estar ligado, e isto lembrava quão difícil seria desligar um termo do outro. Agora é muito mais fácil entender que design não tinha – e continua a não ter – nenhuma definição fixa de limites ou um ideal a ser seguido. As transformações conceituais são constantes, refletindo um cenário de práticas influenciado pelas mudanças nas ideologias e nos discursos, o qual foi afetado por seus parâmetros. Se um discurso de design pode ser desenvolvido, é preciso ser um no qual possa ser reconhecido o alto nível de relativismo, pragmatismo e contextualização que tem determinado o conceito passado e que irá, sem dúvida, continuar a afetar seu futuro. O design irá continuar a ser influenciado pelo consumo, pelo sistema de moda, por identidades de todos os tipos e pela produção, seja industrial ou de bases artesanais, assim como continuará sendo sustentado por ideologias e discursos fora de seu controle. Isto é um movimento contínuo, embora seu futuro seja – como tudo mais – significativamente influenciado pelo passado. A ideia de coisas e imagens impregnadas de características estéticas e funcionais enquanto significado de atração e encontro com as necessidades dos consumidores e usuários tem uma longa história, e isso se encontra intimamente ligado ao desen105
volvimento do que tem sido chamado de sociedade “moderna”. Sem dúvida, a ideia de modernidade existia antes dos arquitetos e designers criarem uma correlação visual/material no início do século XX. Havia, entretanto, vários sinais da mão humana no olhar da cidade – fosse Londres, Paris, Viena ou Nova Iorque – no final do século XIX. Tecnologia e design trabalharam lado a lado para facilitar a transformação desse impacto visual e material na construção do ambiente urbano, o qual, por outro lado, teve um efeito transformador além do esperado. Mais significante foi o surgimento de um conceito de design definido pelos papéis em formação na modernidade. Esses novos e espetaculares “displays” eram criados por um novo “artista”, criador de vitrines, cujo trabalho era dar vida a um foco visual dramático, uma armação para os numerosos flanêurs que presenciavam a transformação nas ruas da cidade. O papel da publicidade pública nessa forma de vitrines determinou o que mais tarde passou a ser chamado de “design para a indústria”, e os artistas das vitrines das lojas do século XIX podiam ser vistos como antecessores dos criativos artistas do período entre guerras, conhecidos como designers industriais, que foram quem transformou a aparência das coisas. Nesses anos de formação, os sinais em questão continuavam a incluir as tradicionais artes decorativas, as quais continham uma segurança da familiaridade e eram, dessa forma, livres de riscos para consumidores que estavam incertos sobre seus gostos. Como a importância dos modismos e da modernidade começou a aumentar sobre o papel da tradição, a cultura material começou a refletir esse fato. Isso foi mais aparente, em um primeiro momento, no mundo das duas dimensões das promoções comerciais, que abrangiam anúncios, revistas e embalagens criadas para os produtos. O desenvolvimento de um sistema de informação visual e mediação envolvendo bens de consumo tornou os consumidores atentos para o que estava disponível para eles e ajudou a plantar em suas mentes uma i-
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magem idealizada em que suas aspirações podiam ser baseadas. O crescimento da propaganda moderna e da moderna revista de comunicação de massa, destinada em primeira instância para as mulheres, serviu para criar novos níveis de desejo e acelerou o crescimento da cultura de consumo, a qual estava impregnada da ideia de modernidade. O significado de “valor agregado” representou um primeiro estágio no processo que se concluiu nos anos entre guerras como design industrial, em que a manufatura finalmente percebeu que o impacto visual dos bens de consumo tornava-os competitivos de uma forma que os anúncios, as embalagens e as vitrines das lojas não conseguiam. Resumindo, nos primeiros anos do século XX, o mundo comercial estava preocupado em estimular e retribuir o desejo do consumidor desenvolvendo estratégias de marketing associadas a uma nova tecnologia orientada para um conceito de modernidade, traduzindo assim o fenômeno de novos consumidores usando cultura material como forma de definir e comunicar suas identidades e aspirações por meio da disponibilidade de mais e mais bens de consumo, imagens e serviços no mercado. Criouse, assim, um cenário de fundo necessário para o surgimento de um conceito de design moderno – ainda que não denominado dessa forma e apenas definido por uma extensão significante de seu papel dentro do consumo conspícuo e das exigências socioculturais do mercado –, o qual era caracterizado por suas possibilidades únicas na interface entre consumo e produção. E assim, nos anos entre as duas guerras mundiais, a Modernidade era um conceito sem limites. Apontava para uma extensão onde as pessoas podiam imaginar o futuro e trazer essa visão para o presente. Isso era frequentemente experienciado como um conceito aspiracional, algo que prometia um nível de “valor agregado” na vida das pessoas que ia além da “necessidade” para o mundo do “desejo”.
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Talvez as características-chave da Modernidade, o modo como foi apresentada aos consumidores do mundo industrializado, foram suas ambivalências e contradições. Inevitavelmente, os designers, pagos para serem imaginativos e visualmente inovadores, tinham uma parte-chave nesse processo de desenvolvimento de vários modelos de modernidade, e assegurando isso, sendo constantemente renováveis e renovados. Durante os anos entre guerras, a cultura visual e material projetada para o consumo, abraçando, assim, a modernidade, tornou-se um dos principais meios através do qual a maioria dos habitantes do mundo industrializado adquiria sua identidade e posicionava-se na sociedade. E foi com a intensificação e a expansão desse processo que os designers acharam-se não mais ao longo das margens, mas no epicentro da moderna cultura de consumo. Enquanto um processo intrínseco de massificação da manufatura, assim como um fenômeno que comunicava valores socioculturais, o design, entendido como o divisor da tecnologia e da cultura, era embutido igualmente e firmemente no mundo do consumo e da produção. De fato, isso era uma das forças determinantes que ajudavam a conectar-se a esses dois mundos e, ao mesmo tempo, fazer uma conexão entre eles. Para entender o papel do design no contexto sociocultural do consumo, é também importante apreciar sua posição dentro da história das mudanças tecnológicas, assim como o que ele afeta e pelo que é afetado na manufatura e no mundo dos materiais. Na virada do século XIX para o século XX, as inovações tecnológicas e os novos materiais desafiavam e excitavam a imaginação dos designers, assim como constituíam-se em uma nova área de cultura material. O advento da cultura do consumo de massa também requereu que novas tarefas fossem empreendidas pelos designers, que tinham uma única perspectiva no mercado. Como resultado, o
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design emergiu como uma nova atividade, ou melhor, como uma nova combinação de atividades. Em resposta às transformações sociais que a industrialização trouxe consigo e à segurança para a cultura material carregar novos significados socioculturais, o design combinava um novo cenário de atividades, as quais cruzavam a divisa produção/consumo. Por conseguinte, isso foi colocado para representar a noção de “modernidade” e como isto relacionou ambas as arenas. A distinção entre invenção e design era bastante clara. Enquanto o papel dos inventores era criar novas aplicações para as tecnologias disponíveis, o designer atuava como a interface entre essas aplicações, a indústria manufatureira e os consumidores. E, ao longo do século XX, essa descoberta de novos materiais e inovações em produção tecnológicas constantemente desafiou designers a encontrar formas e significados para tal descoberta. O trajeto tecnológico e econômico para a frente era necessariamente mediado pela aceitação do consumidor, mas as agressivas técnicas de vendas empregando propaganda e design eram arejadas como um significado de “desejo” criativo e que aumentava o apelo moderno dos materiais em questão. O design atuava como uma importante ponte entre a tecnologia e a cultura, antecipando a demanda de consumo e fazendo novas tecnologias e materiais, ambos disponíveis e desejáveis no mercado de massa. O impacto cultural de novos materiais, auxiliado pelo design, foi uma contribuição altamente significativa para a modernização da vida de um grande número de pessoas nos anos entre guerras. Ambos, a materialidade do novo modo de vida e a maneira como esses novos produtos “avulsos” eram “catapultados” na vida cotidiana, aparentemente intocados pela mão humana, proveram consumidores com um novo jogo de experiências determinado pela cultura em lugar de pela natureza, o que levava a humanidade um passo mais distante do mundo que tinha se tornado inabitado depois que a industrialização mudou as coisas para sempre.
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Como parte de um quadro que vinha se desenvolvendo desde o ano 1914, pode-se notar o surgimento de uma nova “raça” de visualidade treinada, ou ao menos visualmente atenta: indivíduos que podiam prover de opções estéticas, baseadas nas quais os consumidores podiam fazer suas decisões de escolha. Com o crescimento acelerado do consumo, que foi trazido pela possibilidade de “conspicuidade” para um setor expandido da sociedade, e com as indústrias de produção em massa tendo reorganizado suas operações, assim como seus produtos, imagens e serviços ao gosto requerido pelo mercado de massa, tornou-se praticamente imperativa a necessidade de clarificar a natureza do processo de design e o trabalho dos indivíduos envolvidos. Se o design era para ser a força harmonizadora entre a sociedade que queria expressar-se por meio do gosto e a tecnologia que aspirava ultimar racionalidade e eficiência, isto precisava educar a criatividade individual de quem podia entender os dois lados da equação. Por volta de 1914, o design lembrava uma atividade muito diversa e indefinida. De fato, não era uma atividade isolada, mas consistida de um número de práticas com diferentes filosofias e trato profissional, em sintonia com o trabalho dos operários fabris, engenheiros, decoradores, artistas, arquitetos e publicitários. Apenas retrospectivamente uma linha única pode ser traçada através dessas práticas variadas, cujos praticantes, naquele tempo, ignoravam a existência uns dos outros. Entretanto, eram sinais de um conflito emergente entre aqueles que se autodenominavam “operadores” dentro do sistema comercial e aqueles (na maioria arquitetos) que tinham um ponto de vista mais idealista sobre seu envolvimento com a criação da cultura material. Mas ambos os grupos viam suas participações na elaboração estética dos objetos cotidianos e suas imagens. Nos anos entre guerras, as duas abordagens estavam abertas uma à outra. Sob o manto do progresso, arquitetos e outros abraçaram a face comercial da cultura material.
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Antes de 1914, a atividade de design – mesmo que não fosse assim denominada – estava firmemente estabelecida, e seus aspectos fundamentais eram as indústrias manufatureiras e os contextos comerciais, ou seja, criação/desenvolvimento de bens de consumo e suas respectivas imagens. Entretanto, enquanto um indivíduo com uma ocupação especificamente definida, o conceito de designer ainda não existia. O link entre a social democracia e o design relembra uma constante articulação dentro de um quadro de princípios do design moderno que emergiram em várias nações, entre elas a Alemanha, a França, a Holanda e a Escandinávia, nos anos entre guerras. Explícita e implicitamente, ambos eram considerados como sendo interdependentes. Essa crença de que o design estava ligado à ideologia da social democracia explica a hostilidade que era frequentemente expressada pelos escritos modernistas, e isso fazia ter sentido o forte comprometimento manifestado em todos aqueles países para com a moradia social; o conceito de mínimo espaço e seu mobiliário, e o significado da estandardização em fazer mais barato e objetos funcionais para todos. Como se isso fosse um elemento intrínseco à campanha modernista para uma sociedade igualitária com acesso a moradia e bens de consumo. Assim como foram ligadas às mudanças sociais e políticas, as qualidades do racionalismo e do idealismo que sustentavam o modernismo eram especialmente aparentes na educação dos designers. Nos anos 1930, a aparência da arquitetura e do design moderno era limitada a uma audiência que apreciava essa mensagem subliminar. A encarnação da moradia social podia ser vista como um estilo que foi imposto por uma classe sobre a outra. Em termos gerais, isso tinha limitado o apelo de mercado, especialmente no contexto doméstico.Era evidente, por volta de 1914, uma sofisticada compreensão da forma como a cultura material projetada podia ser manipulada e usada por grupos, instituições e nações, de modo a forjar identidades e comunicá-la a um grande número de pessoas. Grupos de interesse de todos
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os tamanhos, concentrados em persuadir outros de seu status e autoridade, começaram a usar artefatos projetados e imagens como uma forma de se expressar e tentando persuadir outros a acreditar no que eles acreditavam ser seu econômico, político, tecnológico ou cultural preeminente. Em nenhuma parte esse processo foi mais aparente nesse período do que nas nações emergentes, que usaram o design como um significado de formação, expressão e promoção de suas identidades individuais para si mesmas e para o mundo. As estratégias empregadas para ligar cultura material com identidade nacional eram essencialmente duplas. Elas envolviam um olhar para as tradições da produção artesanal vestida com as luzes das preocupações atuais, ou saltando com fé dentro do futuro e desenvolvendo um programa “arte dentro da indústria”, o qual propunha novas formas e modernas identidades apropriadas à idade da máquina. Inevitavelmente, as duas estratégias frequentemente se sobrepunham, e a distância entre elas se tornava nitidamente obscurecida. A aliança entre design e programas nacionais de reforma e competição internacional foi largamente observada durante o século XX. A manipulação ideológica da cultura material e dos espaços projetados e caracterizados nas numerosas exibições ocorreu em todo o mundo industrializado durante os séculos XIX e XX. O design representou um papel significativo, notadamente pela presença de objetos de arte decorativos, produtos da nova indústria e realizações da engenharia nas áreas de nova tecnologia. A virada do século XIX para o século XX presenciou transformações no mundo material como nunca tinham sido vistas até então. Foi nessa época que nasceu o que hoje se entende por “Idade Moderna”. A vida das pessoas, e não apenas daquelas que viviam no mundo industrializado, mudou de modo irrevogável. O advento do transporte de massa, da comunicação de massa e da produção em massa de bens de consumo alterou as coisas para sempre. A força dominante atrás dessas mudanças foi a tecnologia, aparentemente racional, progressiva, mas sobretudo impossível de ser detida. Várias pessoas ti112
nham fé de que esse seria o caminho a ser seguido. Para quem acreditava, ia ser um caminho repleto de progresso material, igualdade social e eficiência racional na resolução dos problemas cotidianos. De várias maneiras, a Primeira Guerra Mundial foi um divisor de águas na evolução do design moderno. Por volta de 1914, o Art Nouveau já não era um movimento de design e havia se transformado em um estilo da moda. Havia, entretanto, outra abordagem em design, baseada no pensamento do Arts and Crafts, com uma nova simplicidade e atitude racional, que tinha por ponto de partida os materiais empregados e suas características surgidas depois da Primeira Guerra Mundial, ponto este conhecido como Funcionalismo. Os anos pós 1918 viram essa abordagem tornar-se a base da racionalidade para uma arquitetura e um design radicais, os quais, até a Segunda Guerra Mundial, tiveram grande impacto internacional. Duas faces do Modernismo emergente, uma extremamente progressista e outra mais orientada historicamente e conservadora por natureza. Por volta de 1914, era evidente que a cultura material projetada era importante na formação e comunicação de um grande número de identidades nacionais, especialmente na Europa. Isso tinha um significado importante, pois governos e corporações podiam definir seus cidadãos e seus consumidores, que podiam definir a si mesmos. A identificação nacional nessa época adquiriu novo significado: o de expressar-se nas modernas, urbanizadas e altamente tecnológicas sociedades. A mass media do entre guerras – a impressa, o cinema e o rádio – tinha o poder de padronizar, homogeneizar e transformar ideologias populares, assim como de explorá-las para seus propósitos de propaganda deliberada pelos interesses privados e estatais. Por meio da produção industrial em massa e de outras formas de reprodução (fotografia, por exemplo), projetar imagens e objetos tinha se constituído em um componente importante da mass media, capaz de representar o mesmo significado das formas que o acompanhavam. De fato, por meio dessas múltiplas manifestações – enquanto representações, imagens, artefatos, espaços e ambientes –, o design era mais 113
eficiente do que outros aspectos da mass media, comunicando valores e ideias de um modo persuasivo. No final dos anos 1930, o design tinha se tornado uma ferramenta disponível para ser usada tanto pela iniciativa privada como pelas nações para persuadir outros tantos a consumirem seus produtos ou reconhecer sua autoridade. Como uma forma de propaganda tanto econômica como política, isso tinha um potencial enorme. Era capaz de transmitir valores que encorajavam consumidores a comprar produtos e imagens como uma forma de formação de identidade. O mesmo poder de persuasão e as ofertas de identidade podiam ser usados por regimes políticos para encorajar a lealdade nacional. Dois países que usaram efetivamente o design para representar a si mesmos como nação foram os Estados fascistas da Alemanha e da Itália. Ao contrário do rádio e de outras formas de mass media, o design podia trabalhar em várias camadas, tais como os significados das comodidades e imagens, já codificados pelos designers, ou ainda podia ser representado por outros designers dentro do contexto de código duplo de uma exibição, de uma vitrine, de uma folha impressa ou de uma campanha publicitária. Durante os anos entre guerras, várias nações e corporações tinham começado a depender do design para seus fins comerciais ou ideológicos, e eram completamente atentas a esse potencial tanto de persuasão como de preencher necessidades e desejos. O Art Deco promoveu uma noção elitista de luxo e uma ideia de qualidade derivada de habilidades artesanais e do uso de materiais caros, assim como o Art Nouveau, mas foi gradativamente transformado em um estilo popular, sendo que, por volta de 1930, tinha penetrado no ambiente de massa de uma forma sem precedentes, de seu início nos luxuosos transatlânticos franceses até chegar a adornos de fachadas de fábricas e cinemas, tornando-se um estilo popular em todo o mundo, com seus objetos plásticos de produção em massa, de aparelhos
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de jantar a louça para piquenique. Começou a vida como um fenômeno exclusivo e, ironicamente, após a Segunda Guerra Mundial, tornou-se um estilo popular da idade moderna. O mesmo já não aconteceu com a outra face do Modernismo, a face que se manifestava o mínimo em um estilo visual. Os países escandinavos, por exemplo, todos com fortes tradições folclóricas e/ou artesanais, nesse momento encontraram uma forma nova para os objetos decorativos – cerâmica, vidro, mobiliário, entre outros –, pelos quais eram bem conhecidos no mercado internacional. Em adição a essa ambição, entretanto, estava um forte comprometimento com a ideia de igualdade social por meio do design moderno aliado à produção industrial em massa, que poderia prover a oportunidade para todos melhorarem suas condições materiais de vida. Neste momento, o design do século XX estava preocupado com a reputação reacionária do Modernismo, e assim foram permitidas adições decorativas e a incorporação do tradicional, materiais familiares, em lugar de sua marca mais rígida que influenciou e continua influenciando nossa vida cotidiana. A metáfora predominante para o design moderno na primeira metade do século XX era, sem dúvida nenhuma, a máquina. Percebida como um poderoso e perpetuador símbolo do progresso, da democracia e do controle sobre o mundo natural, a máquina estimulava a imaginação de vários arquitetos e designers que viviam em países industrializados e respondiam ao chamado urgente de renovar constantemente o ambiente. Isso foi mais aparente nas três primeiras décadas do século XX. Dentro do clima de mudanças culturais, políticas, econômicas e tecnológicas estavam também a ideia e o fato de que a mecanização inspirava o trabalho experimental de uma forma sem precedentes. Ao final da Primeira Guerra Mundial, os países europeus envolvidos no conflito estavam empenhados em criar um novo mundo democrático no qual o desenvolvimento material tinha papel vital. Vários arquitetos e designers viram uma oportunidade de aplicar seus dotes visuais e intelectuais ao gosto da criação de
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um novo modo de vida para a massa populacional. Ao final, eles combinavam as inovações fazendo-as possíveis para a produção em massa – como o pioneirismo norte-americano na indústria automobilística – com as inovações estilísticas que arquitetos e designers progressistas vinham fazendo desde o início do século baseados nos princípios da abstração e da simplificação geométrica. Pela primeira vez essas forças estavam adicionadas em uma poderosa fórmula para um novo movimento em design, um movimento essencialmente idealístico por natureza e baseado na necessidade de mudança e renovação. Essas abordagens em design moveram-se da arquitetura para as artes aplicadas – mobiliário, cerâmica, vidro e trabalhos em metal e têxteis – e eventualmente para o desenho industrial, e ao final dos anos 1920, o Modernismo tinha se tornado um ideal internacional, representado em numerosos eventos. Inevitavelmente, o idealismo do movimento significava que o esforço individual dos protagonistas falhou em atingir a massa de modo significativo. Entretanto, sua influência foi sentida de várias maneiras tangíveis, como, por exemplo, na presença de ferro tubular em mobiliário escolar e hospitalar em todo o mundo. A influência do Modernismo foi mais importante em um nível teórico, onde dominava em revistas internacionais e coleções de museus. Embora a maioria dos esforços pioneiros estivesse na Europa, os Estados Unidos não estavam imunes aos efeitos do que se tornou conhecido como Movimento Moderno na arquitetura e no design. Esse país também foi a pátria do movimento mais comercialmente orientado em design que houve, com impacto internacional nos anos pós-guerra. Enquanto os europeus limitavam-se principalmente à arquitetura e às artes aplicadas, os “desenhistas industriais” americanos repaginaram drasticamente o mundo dos refrigeradores, das caixas registradoras, das máquinas fotográficas e, por último, mas não menos importante, dos automóveis. Com experiência em propaganda e vitrines, esses designers não estavam ideologicamente direcionados como os europeus. Sua missão era a modernização do ambiente popular.
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Em 1939, ano da Feira Mundial em Nova Iorque, a máquina moderna dominava a vida tanto nas fábricas como no trabalho doméstico, possibilitando a todos acreditar que poderiam participar do futuro. Os designers tiveram um papel fundamental na concretização dessa possibilidade. Até a Segunda Guerra Mundial, o design do movimento moderno, nas suas mais variadas formas de manifestação, estava formado e sua influência era sentida internacionalmente tanto em níveis reais como ideológicos. Essa credibilidade foi plenamente articulada, e seus pioneiros, reconhecidos. Depois de 1945, os designers tinham uma tradição moderna para trabalhar com ou contra, e líderes para serem seguidos ou rejeitados. O mais sofisticado caminho para o progresso do design no pósguerra na Europa foi a questão das identidades nacionais. Várias das nações que precisavam se reconstruir após a Segunda Guerra Mundial queriam projetar uma nova imagem de si mesmas no mercado internacional, e o design configurou-se com um caminho através do qual isso poderia ser feito, pois, de acordo com Heskett (idem), “objetos e ambientes podem ser usados pelas pessoas para formar uma ideia de quem elas são e para expressar sua noção de identidade”. Na Europa, isso foi mais visível na Escandinávia, na Itália, na Alemanha e na Grã-Bretanha. Os Estados Unidos e o Japão também utilizaram o design moderno para ilustrar o progresso de suas economias e culturas, e posteriormente os países que foram libertados com a desintegração do império soviético no final da década de 1980. Os Estados Unidos foram representados pelos objetos aerodinâmicos, os quais foram exportados para vários países em todo o mundo. Em resposta, vários países europeus reformularam suas próprias tradições, cada qual a seu modo. Na Escandinávia, por exemplo, a tradição artesanal foi reformulada sob a luz dos pré-requisitos da modernidade como um significado de sua própria identidade. Todos os países em questão procuraram
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promover suas próprias imagens de good design nesse período, e várias estratégias diferentes foram adotadas para tornar isso possível. No sonho da modernidade pós 1945, o conceito de design começou a ser ligado com o de “modernidade” traduzido no design norte-americano do pós-guerra. Isso se explica mediante uma “americanização” da Europa no final dos anos 1950, presente na democratização da expressão de “gosto”, nas pessoas que desejam melhorar sua condição material/social, em uma nova identidade nacional, no materialismo e no consumo de massa e, ainda, nos filmes, na TV, nos seriados e na propaganda. Assim como nos anos pré-guerra, também depois de 1945 o design continuou a carregar consigo o potencial de representar as nações e seus desejos de projetar suas identidades no mundo como um todo. Exemplo disso é a influência da Bauhaus somada ao modelo americano de produção em massa. O resultado foi um casamento de sucesso do cultural e do comercial que produziu fortes identidades para os produtos. O consumo da moderna cultura material tornou-se o significado primário da formação de identidade e uma manifestação de aspiração social para a maioria das pessoas no oeste industrializado nos anos 1950 e 1960. E, mais importante: para os novos consumidores em particular, a ênfase estava no consumo do moderno (produtos e imagens). Os consumidores eram gradativamente introduzidos não meramente ao design moderno, e sim ao conceito, mais particularmente de “good design”. O visual e material equivalente que eles eram encorajados a usar quando comprassem, em outras palavras, “bom gosto”. Em um nível, esse espírito de reforma do design, forte desde meados do século XIX, pode ser visto como uma resposta ao rápido crescimento do consumo que envolvia “não educados” setores da população.
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O receio de ser infectado pelo “kitsch” ou pelo “mau de sign”, associado com um descontrolado mercado que estava atento a uma sociedade ordenada, era experienciado internacionalmente. A necessidade de uma face “supercultural” do design nos anos pós-guerra está relacionada ao desejo de uma parte da classe média, interessada em distinguir-se, por meio do exercício do “gosto educado” no ato de consumo, dos consumidores da cultura de massa. Não foram apenas as nações que rapidamente utilizaram a retórica visual e ideológica do design como um significado de criação de identidade instantânea nos anos depois de 1945. Companhias multinacionais também viram no design o potencial para definir identidades globais que poderiam habilitá-las a controlar esses mercados. Segurança sueca, eficiência tecnológica alemã, idiossincrasia francesa, elegância italiana... No mercado internacional, cada imagem representava quase uma caricatura da identidade nacional. Era o design semântico em sua riqueza, a criação de um cenário de linguagens de design que comunicavam aos consumidores mais do que apenas “aptidão para o propósito” nos produtos que acompanhavam. O embasamento do design moderno do pós-guerra para esses diversos tipos de democracia surgiu após 1945. O cenário do Modernismo pré-guerra deu o tom, e o design moderno, após essa data e o ideal de objetos bem projetados, foi avaliado caso a caso. Os anos 1950 viram os bens de consumo atravessar o Atlântico, dos Estados Unidos até a Europa. Houve um espantoso e crescente interesse por objetos feitos com materiais modernos, os quais eram vistos como sinais de um novo estilo de vida, com consumidores em todo o mundo querendo representar suas aspirações pessoais nos interiores domésticos. O interesse sem precedentes nas variações do estilo moderno disponíveis no mercado encorajavam os designers a criar mais escolhas e as manufaturas a produzir uma grande variedade de coisas.
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Assim como nos anos pré-guerra, a década após 1945 assistiu ao sucesso internacional do pioneirismo individual. Todas as correntes estilísticas foram disseminadas internacionalmente. Novos materiais, particularmente a madeira compensada, tornaram possível aos objetos exibir uma nova expressividade, enquanto os avanços em eletrônica liberavam o consumidor de maquinário para tornar-se estilisticamente sofisticado. Enquanto objetos relacionados com a decoração doméstica tendiam a mover-se em direção às formas orgânicas, rejeitando a máquina em favor de formas abstratas derivadas do corpo humano e do mundo da natureza, empresas como a Braun ou a Sony definiam a si mesmas como caracterizadas por suas virtuosidades tecnológicas. Designers tornaram-se mais e mais adeptos da tese de construir novos estilos para os objetos, conscientes de que aquele era o significado dos objetos, e não apenas os princípios subliminares, que importava. Com o consumo de massa do estilo moderno, as possibilidades tecnológicas sempre em expansão e a natureza global do mercado que ocorreu no final dos anos 1950, abriram-se para os designers várias possibilidades. Evidentemente que o design moderno estava completamente integrado na economia capitalista da segunda metade do século XX, e tornou-se uma das maiores forças culturais do período. Os anos 1960 caracterizam-se como ponto culminante dessa cultura de massificação de consumo que vinha se desenhando desde o pós-guerra com a crise e a revisão da modernidade e uma nova fase na relação entre design e cultura. A cultura foi redefinida e encorajada a abraçar grupos sociais e culturais diferentes e dar vozes iguais a todos. O design foi forçado a quebrar suas primeiras ligações com a modernidade, abraçar uma abordagem mais pragmática, orientada para o mercado popular, 1 ignorar a linha que tinha separado “alta cultura” de seu popular equivalente. E os anos 1970 vão assistir ao revival do artesanato e do uso do vernacular.
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Mais do que nunca, design e designers alinharam-se com a mas media e tiveram um papel central dentro da construção dos numerosos estilos de vida que eram oferecidos. Esse novo caminho de comunicação com os consumidores significava que, para um de terminado mercado, o design tornava-se um aliado muito próximo dos processos de marketing, com o aspecto visual dos produtos, das imagens e dos espaços incrementando a dependência da comunicação da mensagem instantânea, na qual havia uma unidade entre imagem e criação, traduzida, por exemplo, na agregação de valor ao nome do designer e no papel desempenhado, por meio do consumo, do designer (discurso do objeto) como formador de identidade, em ambientações nostálgicas cenográficas, tais como reconstrução do passado por meio do presente: “Living in an old country”, e, ainda, a hiper-realidade, mais interessante que a própria realidade, mais viva e colorida, remasterizada. As manufaturas continuavam a direcionar seu mercado para grupos específicos, mas gradativamente estes começaram a ser definidos menos pela identidade geográfica, pela classe, pelo gênero ou pela idade do que pelos gostos culturais, valores, estilo de vida e tipos de personalidade. Assim, o design transforma-se em uma experiência cotidiana, do shopping ao turismo. Os designers tinham encontrado um papel para si mesmos que era inexpugnável. As novas tecnologias e os novos materiais no pós-guerra eram agora iguais a novos objetos. Em 1960, o desejo democrático inicial dos modernistas de usar produção em massa para tornar bens materiais disponíveis para todos foi substituído pelo reconhecimento de que o design foi um símbolo importante do modernismo e, em termos sociais, um marco de sofisticação da consciência cultural. Como consequência, os designers tiveram a grande responsabilidade de encontrar adequadamente aqueles requisitos simbólicos e de criar bens que poderiam representar esse papel. O otimismo que os países mostravam por meio da produção em design nos anos 1960 refletia o cume do boom de consumo do pósguerra.
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Os ideais do design estabelecidos antes da Segunda Guerra Mundial foram reorganizados e reformulados para encontrar as mudanças nas necessidades sociais e psicológicas de uma nova audiência que via o design moderno como uma forma de identificar a si mesmo com o presente e, mais importante, com o futuro. Entretanto, não eram como os primeiros Modernistas, com seus fortes comprometimentos ideológicos, que tinham sido identificados com malícia e exclusividade por vários designers dos anos 1960. Progressivamente, estes vieram a estar em pé de igualdade com o alto nível de consumo elevado que caracterizou aqueles anos. Enquanto vários designers encaminhavamse para o campo de criação de bens de visualidade inovadora que recheavam as revistas, outros começaram a sentir que um tipo de traição estava surgindo. Essa situação que surgiu repentinamente em meados dos anos 1960 foi estimulada por um número de elementos convergentes: o surgimento de um mercado consumidor jovem, acompanhado da ênfase na diversão e no tempo livre tendo um papel-chave, ajudando a minar o sistema de valores, baseado nas ideias de racionalidade e universatilidade, que tinham baseado o Movimento Moderno. A nova estética Pop priorizava o descartável e o temporário. O foco em valores de consumo teve um enorme impacto nas ideias prévias sobre design, e em meados dos anos 1960, um novo radicalismo emergiu no mundo. Agora o design, abertamente, tirava sua inspiração da cultura popular. Não foi a primeira vez que isso aconteceu, mas representou um desafio real para os valores do Modernismo, que tinha dominado os ideais do design através do século XX. O trabalho dos consultores norte-americanos para a indústria nos anos 1930 embasou a ideia do design baseado no sonho popular e na aspiração, e a estética aerodinâmica tinha tido pouco em comum com a elite cultural. Na década de 1960, entretanto, uma divisão fundamental – a qual existia desde o início do século, quando o maquinário da
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produção em massa mudou os ideais dos heróis do Movimento Moderno para estilistas de opções de consumo – tornou-se aparente, com designers abertamente desafiando a relevância do Modernismo no mercado de massa. E, em meados da década, o mundo do design claramente percebeu que de fato o Modernismo estava em crise. Os avanços tecnológicos ajudaram a “por lenha na fogueira”. Desenvolvimentos em eletrônica fizeram os componentes dos produtos tão pequenos que não era mais necessário que seus invólucros refletissem o funcionamento de seu interior. Nas mãos dos designers, os produtos gradativamente tornaram-se acompanhamentos do estilo de vida, objetos de moda, e as teorias do Funcionalismo tornaramse, por consequência, redundantes. Todavia, não muitos designers corresponderam. A maioria havia sido, e continuava a ser, educada dentro da tradição do Modernismo e estava relutante em abandonar suas crenças confortáveis e persuasivas. Um comprometimento com valores, qualidade e regras de função dificultava, e de fato para muitos era até indesejável, juntar-se ao que começava a parecer com a nova era “PósModerna” em design. Poucos estavam preparados e desejosos de refletir o novo impulso em sã consciência. Por volta de 1970, novos materiais e técnicas de manufatura tinham transformado a face do mundo cotidiano, fazendo-o muito mais diferente do que trinta anos antes. Na linguagem do modernismo utópico, o poder da tecnologia era prover um mundo melhor, e o design, com um papel mediador, interfaceava alternadamente com a tecnologia, assegurando que tecnologia, se expressada por meio da cultura material, comunicava mensagens apropriadas. A fé no poder da tecnologia em transformar o tempo livre era expressa na linguagem estética nascida da própria tecnologia.
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Nos anos 1970, chegou ao fim a dominação de um único movimento internacional em design. Por um lado, o Modernismo continuava sob ataque e a ser largamente desacreditado, e por outro, modernistas contemporâneos apareciam para provar a validade desse movimento, para nos persuadir que, mesmo com as mudanças das condições econômicas, sociais e culturais, o impulso do progresso tecnológico poderia nos levar para um futuro brilhante. Como no início do Modernismo, o debate mais acalorado ocorreu na Arquitetura, seguida pelo Design. O que era evidente nesses debates é que, ao menos estilisticamente, existiam alternativas para o Modernismo, e mais importante, encaminhando-se para o pluralismo. Enquanto os arquitetos discutiam a validade do estilo do dia – tal qual seus predecessores no século XIX –, os designers também tinham outras coisas a considerar. Entre elas estavam o efeito da crise do petróleo no custo dos plásticos e o crescimento do interesse da sociedade em abordagens ecológicas, assim como em reciclagem. Essa foi a ênfase em que o debate fugiu da discussão sobre estilo e sugeriu um papel social mais sério para os designers em termos de relação com a indústria manufatureira. O senso geral de desilusão com a tecnologia e tudo que ela tinha prometido também contribuiu para desestabilizar as premissas nas quais o design moderno tinha se baseado. Embora o design tivesse um papel decisivo neste processo – assegurando que as formas nas quais a tecnologia buscava usuários estavam visualmente e simbolicamente adequadas e usáveis –, era sem dúvida a tecnologia quem dava o tom, e os designers seguiam-na, criando caixas atrativas para os complexos eletrônicos que iam dentro delas. A tecnologia também transformou a natureza das imagens, dos bens de consumo e dos serviços e trouxe consigo a reação dos consumidores. Os designers tiveram de responder a esses desafios que apareciam e redefinir seus papéis e práticas à luz de tais desafios. Em adição à transformação do processo de design por si só, novos métodos de manufatura foram introduzidos nas últimas décadas do século XX, fazendo uma grande diversidade de bens de consumo disponíveis no mercado. 124
Ainda que os novos materiais do início do século XX – entre eles concreto, aço e vidro – tivessem sido compreensíveis, em termos de produção, para essa audiência de consumidores, a crença de que o funcionalismo precisava dos designers para encontrar expressões visuais para os materiais com os quais eles estavam trabalhando deu a esses profissionais um nível de liberdade estética indisponível dentro do Modernismo. A combinação da perda dessa possibilidade de compreensão, o uso dos sistemas automáticos de produção e o surgimento dos eletrônicos e produtos digitais significavam que a regra de ouro do modernismo – forma segue a função – tinha finalmente perdido toda a relevância, mesmo metaforicamente, e não mais podia ser implementada significativamente pelos designers. Em seu lugar estava uma nova oportunidade para os designers criarem objetos, serviços e sistemas que ofereciam aos consumidores novas identidades e novos significados, os quais eram ligados a essas identidades e que dependiam mais pesadamente da cultura do que da tecnologia, contexto no qual eles se encontravam. Isso também providenciou um espaço para designers pensarem sobre novas funções para artefatos, particularmente na área de necessidades físicas e sociais. Com os novos campos de atuação nos anos 1980 e 1990, o público tornou-se progressivamente atento a um conceito cultural chamado “design”. Nos anos 1990, a cultura do design estava completamente integrada na cultura de massa, com designers apresentando o mesmo nível de significado que aquelas celebridades do cinema ou da TV. Chamada de “a década do designer”, os anos 1980 apreciaram outro tipo de boom de consumo, e o agora democrático conceito de design teve um novo significado nesse contexto. A palavra “design” foi rotulada como qualquer comodidade que promovia a si mesma como especial, de cabeleireiros a jeans. Nesse contexto de mercado de massa do final do século XX, o termo “designer” implicou um nível de individualismo e gosto que estava ressurgindo para pessoas que queriam ser diferentes. Enquanto apenas estratégia de marketing, um dos efeitos
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foi a popularização do conceito de design e designers. Estes se tornaram celebridades na mesma ordem dos desenhistas industriais norte-americanos dos anos 1930. Não apenas a Europa, mas também o Japão, a Coreia do Sul, Singapura e Taiwan estavam aprendendo os benefícios de se ter uma cultura avançada em design. Apesar de esses desenvolvimentos trazerem ao designer um maior destaque, garantindo um lugar na hierarquia cultural ao lado dos arquitetos e artistas, isso também teve o efeito de alinhar o conceito de design muito perto da propaganda e do marketing. O efeito disso foi não dar importância ao mais fundamental papel como um elemento dentro do processo de produção e como parte do ambiente material cotidiano. Quando a bomba estourou, e cultura em design, junto com a economia, teve uma baixa no início dos anos 1990. Os designers tiveram de pensar em caminhos para superar a superficialidade que havia caracterizado a década de 1980. Os efeitos libertadores do início dos anos 1980 ainda eram sentidos, e era possível para os designers trabalhar fora dos preceitos do Modernismo, mas agora com uma maturidade dos modelos à disposição. Por outro lado, os valores inerentes ao início do século voltaram à cena com o reconhecimento de alguns designers do contínuo significado daqueles primeiros ideais. Agora não havia contradições, porque, sem nenhuma teoria em design dominante para reagir contra, cada abordagem podia ser julgada por seus próprios méritos. Alguns designers ainda queriam um nível de celebridade, outros preferiam uma abordagem mais nos bastidores. A maioria entendeu as urgências ecológicas e incorporou isso às suas visões. Acima de tudo, o design mundial ao final do século XX tornou-se global, com uma consciência de que não era mais possível pensar apenas em termos locais ou de identidades nacionais. De um início modesto nas mãos de alguns poucos indivíduos que procuram criar e melhorar o mundo material que refletia a idade moderna, o design floresceu para uma força que afeta praticamente todo aspecto da vida moderna.
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Dentro dessa capacidade enquanto força cultural, com o potencial de preencher a lacuna deixada pelas relações sociais tradicionais, o design teve claramente um papel fundamental dentro da vida cotidiana no final do século XX. Assim como uma ferramenta para carregar o poder das nações, tem transcorrido um longo caminho desde as exibições do século XIX que lotavam pavilhões com os primeiros produtos mecânicos. A identidade nacional tem se tornado uma espécie de vitrine no mercado. Isso vem embutido na mass media e experimentado em bases diárias. Como indivíduos, consumidores têm aprendido a negociar suas identidades e seu senso de “pertencimento”, cientes de que isso foi feito de vários elementos definidos por múltiplas categorias, incluindo gênero, idade, etnia, estilo de vida e localidade. Ajudados pelo consumo de bens, serviços, espaços e imagens projetadas disponíveis a qualquer momento no mercado, indivíduos podem negociar suas próprias identidades e ter papel como parte ativa na construção do cotidiano da vida moderna, ou mesmo pós-moderna. Na verdade, o uso do design como ferramenta pelos Estados e pelas corporações para projetar suas identidades já era utilizado desde o século XIX, com as feiras mundiais. O papel do design na criação de identidades do lugar – de nações em particular – vinha acompanhado, em parte, pela formação das identidades globais, as quais, embora ligadas originalmente a localidades específicas, eram usualmente experimentadas “em casa”. A globalização da produção e do consumo era inevitável, seguida pelo mesmo processo que tinha acontecido na profissão de designer. Entretanto, segundo Heskett (idem), “a influência que as diferenças culturais exercem na prática do design é um dos maiores problemas decorrentes do avanço da globalização”. Desta forma, surge uma necessidade ao se fazer design global: avaliar até que ponto a identidade cultural está consolidada e até que ponto suporta mudanças. Nas palavras de Ono (2006), símbolos de “identidade emprestada”, “roubada” ou “permutada”, via de regra, são apropriados por povos cujos referenciais culturais são pouco consistentes. Tal “manipulação de identidades” tem conduzido a conceitos equivocados de “identidade nacional”, promovendo o desenvolvimento de “objetos de arte turística e/ou de aeroporto”, como, por exemplo,
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toda a sorte de objetos artesanais que transmitem uma vaga noção étnica, a padronização de produtos para mercados ditos “nacionais”, “globais” e assim por diante, negligenciando a diversidade cultural, “manipulando” e generalizando características e requisitos simbólicos, de uso e técnicos. Ou seja: A Índia, por exemplo, é um país-cultura em relação à França, mas pode ser considerado um país multicultural, tal a diversidade étnica, religiosa e linguística, que se imprime no interior de seu continente. Assim, mesmo países homogêneos, do ponto de vista linguístico, étnico, religioso e institucional, apresentam diferenças internas consideráveis.
Assim, a criação de identidades nacionais para os países e a geração de identidades para corporações globais, por meio do uso estratégico do design posicionado ao longo das decisões políticas e de mercado, foram um fenômeno restrito ao século XX. Ambos dependiam estreitamente do conceito de criação e do papel que o design desempenha com eles. Em diferentes momentos, o design tem estado na vanguarda cultural, e mesmo em outras formas de mudança, desde o início do século XX. Os designers têm trabalhado em conjunto, mesmo sendo inspirados por artesãos, arquitetos, políticos e tecnólogos entre outros. Eles têm sido guiados por diferentes correntes, dependendo das preocupações correntes. Se as mudanças políticas estão na ordem do dia, então esta será a direção na qual provavelmente os designers olharão. Se for substituída pela sensibilidade artística, haverá alguma reação, de algum modo. Em outras palavras, a interação entre design e cultura é essencial para que os objetos produzidos estejam em sintonia com as necessidades e os desejos das pessoas para as quais se destinam. A cultura do design – uma “ressaca” proveniente do trabalho de designers consultores americanos pioneiros dos anos 1930 – foi substituída pela “experiência cultural”, na qual designers representavam um papel ainda mais importante. Embora a cultura do design ainda preenchesse as páginas das revistas e estivesse representada nos anúncios de TV que promoviam toda a sorte de produtos e serviços, no início do século XXI seu potencial ainda está sendo usado.
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A linguagem da modernidade e a noção de individualismo criativo, as quais tinham sido inerentes desde o início do modernismo e ainda eram fortes oito décadas depois, relembravam um caminho poderoso para se vender coisas. Mas a cultura que representa isso tem um olhar cansado, mesmo naquelas áreas em que tal fato nunca tinha sido visto antes, como a área de automóveis. Como resultado da apropriação pelo mercado de massa retratado em organizações como a Ikea, talvez a mensagem de design tenha sido diluída, e há um consenso de que a ideia de consumir “desejo” precisa ser revigorada de novas maneiras. Assim, mais e mais países sofrem a experiência “real” da perda das características locais e nacionais, que vão sendo substituídas. Em seu lugar, é oferecida aos consumidores uma variedade da versão nacional de “sonho moderno”, o qual é, ao final, parte do mesmo sonho que, assim como um moderno estilo de vida, é acessado por meio do consumo. Na prática, as políticas de design, em geral, são motivadas principalmente pelos benefícios que podem trazer às empresas – lucratividade – e aos governos – vantagem econômica. A essência das políticas de design não contempla necessariamente a sustentabilidade, a não ser de forma indireta. Pode-se, ainda, citar uma área de influência contextual de especial relevância: o modo como o design é entendido pelo público em geral, que é profundamente influenciado pelos resultados desta área. A maneira como o design é representado na mídia, o nível de discussão sobre sua importância e contribuição para a vida económica e cultural, o pensamento das pessoas a respeito de seu papel prático, esses são alguns dos aspectos que servem de indicadores neste contexto. No entanto, as mensagens são extremamente confusas ou mesmo inexistentes. Considerando que boa parte do design do século XX foi determinada pelas percepções dos fabricantes e por suas decisões sobre o que os consumidores deveriam usar, não é de surpreender o imenso volume de dados disponível de mercado, mas há pouca compreensão com relação ao que as pessoas realmente pensa
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sobre design. Neste aspecto, é grande a necessidade de pesquisas que estabeleçam indicadores claros sobre como o design é compreendido. Neste contexto atual de globalização, e com a expansão de empresas multinacionais, a relação entre design e cultura torna-se crucial. Via de regra, as empresas levam consigo um modelo de design por vezes inadequado à realidade cultural local. Essa inadequação gera frustração no momento em que os usuários não se identificam com aqueles produto. Os métodos e conceitos de design que surgiram ao longo do século passado estão em constante evolução. A produção em massa está entrando em uma nova fase, estendendo-se a mercados globais com base em modelos sistêmicos bastante sofisticados. O progresso de globalização, o desenvolvimento industrial e a urbanização no denominado “Terceiro Mundo” e nos países “em desenvolvimento” ou “periféricos – onde se concentram 90% da população mundial – também fazem surgir questões prementes a respeito do papel econômico e cultural do design. A transição que se opera atualmente no panorama internacional é baseada na busca do bem-estar e da igualdade, em oposição à eficiência; na qualidade, em oposição à quantidade; na sustentabilidade, em oposição ao desenvolvimento econômico puro; nas propostas e metodologias complexas de design, em oposição à expansão de produtos tangíveis. E neste panorama ainda não está claramente definido qual rumo o design irá tomar, mas, de acordo com Heskett (2008), as novas tecnologias, os novos mercados e as novas formas de organização comercial estão mudando significativamente o mundo em que vivemos, e obviamente novas teorias e práticas de design necessariamente irão surgir, de modo a adaptar-se aos novos determinantes. As estruturas produtivas são cada vez mais baseadas em conhecimento, e desta forma o nível de educação interfere diretamente não só na evolução do indivíduo, mas também na produtividade das empresas e no resultado macroeconômico do país.
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O futuro do design é dependente de uma contínua reavaliação do passado, dos futuros designers e do desenvolvimento da cultura e da sociedade como um todo. As necessidades dos jovens designers é que irão moldar o futuro, por meio do conhecimento do passado (seus sucessos e falhas), da história e de suas análises (ou seja, o mapa do conhecimento do passado) e, ainda, da análise perceptiva do presente e seus fenômenos. A ideia de cultura, segundo Heskett (2008), diz respeito aos valores compartilhados em uma comunidade, o que, dessa forma, pode ser entendido como o modo de vida característico dos grupos sociais, o qual é assimilado e expressado por meio de vários elementos, tais como valores, comunicações, organizações e artefatos. Na verdade, esse conceito engloba o dia a dia dos indivíduos, estando, assim, intrinsecamente ligado ao papel do design no cotidiano das pessoas. Designers não trabalham sozinhos, eles precisam de ordens, comissões, críticas e de quem os compreenda. A funcionalidade e todos os fatores de pano de fundo são condições necessárias para o sucesso, em parte individual, de um designer. O futuro do design requer cooperação, envolvendo educação em design, organização em design, designers, pesquisadores, críticos, a imprensa, a comunidade empresarial e a pública. Também como pano de fundo estão o Estado e a sociedade. Design e designers são, e têm sido por muitos anos, um sine qua non do sistema comercial moderno. Pensando as atividades de produção e consumo, quais necessidades e desejos as pessoas (conscientemente ou não) vão encontrar por meio de imagens, materiais e artefatos que entram no mercado e ajudam a definir quem somos nós? Nas interfaces da cultura com o design, a relação é significante em ambos os níveis, seja “alto”, seja “popular”. Se a cultura do consumo torna o design necessário, o progresso tecnológico o torna possível.
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Assim, segundo Manzini & Velozzi (2002), o novo paradigma do design ĂŠ baseado no conceito de economia criativa, em que o capital humano criativo ĂŠ a base para o desenvolvimento.
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V CONTRACULTURA Na nossa era não se pode detectar uma única abordagem estética. A contemporaneidade acomoda diversos estilos, métodos, medias, mesagens, usuários e produtores de informação visual. Traçar um caminho relevante dentro do design gráfico constitui-se um exercício de escolhas, uma vez que a história do design não é homogénea, oscilando entre diversas influências.
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Nalguns momentos determinada escola ou estilo parece mais evidente, manifestando-se com mais intensidade, o que não implica que não haja outras possibilidades em voga naquele período. Antes de tudo, é importante entender o design gráfico como a utilização consciente de elementos, sejam eles riscados, entalhados, desenhados, impressos, colados, projetados, ou de alguma forma inscritos em superfícies, visando algum propósito: “Design gráfico é a complexa combinação de palavras e imagens, números e gráficos, fotografias e ilustrações que, para ter sucesso, demanda sua elaboração por parte de um particularmente cuidadoso indivíduo que pode orquestrar estes elementos de forma a eles se juntarem para formar algo distinto, ou útil, ou divertido ou surpreendente, ou subversivo, ou memorável.” (HELFAND, apud KOPP, 2006, p. 42)
Podemos afirmar que o design gráfico tem seu efetivo momento inicial a partir das conseqüências da Revolução Industrial. Havendo crescimento sem precedentes da produção, emerge a necessidade de uma divulgação mais atrativa dos itens produzidos, através de posteres. Hollis (2005) oferece uma idéia da dimensão da importância social dos cartazes nas sociedades industriais que surgiam e de como os cartazes se relacionavam com elas: “Nas ruas das crescentes cidades do final do século XIX, os posteres eram uma expressão da vida econômica, social e cultural, competindo entre si para atrair compradores para os produtos e público para os entretenimentos. (..) As ilustrações refletiam o estilo artístico da época e introduzem uma nova estética de imagens econômicas e simplificadas, decorrentes dos meios utilizados para reproduzi-las. O que lhes dava um contexto preciso era o texto.” (idem, 2005, p. 4)
Segundo Kopp (2006) no contexto da Revolução Industrial o design já era uma atividade presente, ainda que não fosse percebida como uma atividade que requeresse maiores preocupações. O que se observa nesse momento inicial são variações exageradas de peso e amanhos na tipografia, não havendo qualquer padrão que se destaque. O que chama a atenção é a ornamentação que os pôsteres possuem, com letras comple-
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xas repletas de detalhes. O uso de bordas, contornos e elementos decorativos em grandes quantidades também é característico, refletindo uma beleza idealizada, também presente nas ilustrações, concebida quando o estilo vitoriano já repercute na América. Há ainda forte reflexo da arte acadêmica. É interessante observar como o uso de ornamentos também serve à utilização de todos os espaços disponíveis, o que reflete a lógica do aproveitamento máximo das fábricas, onde não se podia perder material ou tempo. Chegou-se ao ponto de confeccionar um catálogo com ornamentos diversos, The Grammar of the Ornament, de 1856, que parece constituir parte de uma missão vista quase como civilizatória, a partir do momento em que “permitia a designers do Ocidente e Oriente, de tribos selvagens e de formas naturais de civilização ter acesso à bíblia de ornamentos do século XIX” (KOPP, 2006, p. 44). O design gráfico manifesta-se – desde aí e ao longo de sua trajetória – atrelado ao momento social e histórico em que está inserido: aderir à estética vitoriana, por sua ligação com a Revolução Industrial, parece inferir desenvolvimento. Curioso perceber que tanto rebuscamento não necessariamente implica num design de qualidade. Os elaborados padrões repetidos resultam por vezes numa peça confusa e carregada. O movimento das Artes e Ofícios surge como uma reação contra a qualidade estética pobre - ainda que ofuscantemente saturada de ornamentos - da Revolução Industrial.Agregou artistas, arquitetos, designers, escritores e artesãos de todos os tipos, sendo historicamente reconhecido como a ponte entre o tradicionalismo vitoriano e o movimento moderno. “O artes e ofícios tinha admiração pelo antigo. Apreciava os ornamentos, mas era contra o maneirismo Barroco e Romântico excessivo do período vitoriano.” (HELLER, 2004, p. 33) Embora se possa argumentar que o avanço significativo percebido é um uso mais consciente dos ornamentos (menos mecânico), a obsessão em remeter a um estilo artesanal medieval parece deixar as peças ainda mais confusas. De qualquer
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modo a contestação do Artes e Ofícios culminou com o passar do tempo com a noção de que uma peça de design deveria primar pela funcionalidade. A busca por um estilo mais limpo, ainda que com uso do ornamento, pode ser observado no estilo art nouveau, uma decorrência direta do movimento das Artes e Ofícios que surge na Inglaterra e França e espalha-se pelo mundo. Foi o primeiro estilo usado de uma forma consistente para realçar a beleza dos produtos industriais, e também uma rebelião contra o despropósito vitoriano. “O ornamento não é mais decorativo, está inserido nos propósitos funcionais da peça e tornou-se útil” (KOPP, 2006, p. 47,). Foi também o primeiro movimento orientado exclusivamente para o design. No design gráfico art nouveau, uma influência marcante é a inspiração na arte oriental dos blocos de madeira chamados Ukyio-e, que invadiram a Europa a partir do fim do isolamento insular do Japão. A partir das imagens bidimensionais japonesas o design gráfico liberta-se paulatinamente da tridimensionalidade e do cânone da representatividade absoluta herdado da arte acadêmica. Percebe-se um ornamentalismo mais suave, sinuoso e orgânico, fortemente inspirado na natureza, a partir das linhas curvas e assimétricas de plantas, flores e animais, que por vezes é percebido compondo cabelos femininos. Outra característica assimilada da arte japonesa são as linhas externas pretas e o colorido cloisonista presente nas ilustrações, possibilitado pelo desenvolvimento das técnicas litográficas de impressão. Essa tecnologia permitiu que o design se livrasse das restrições da impressão tipográfica e possibilitou a reprodução de um desenho mais livre, sendo fundamental para o florescimento e difusão dos cartazes impressos. Dentro do próprio movimento art nouveau já começa a surgir uma concepção que será levada às máximas conseqüências nos movimentos posteriores: “cada vez mais tornar-se moderno significava abolir o ornamento e o que não era considerado funcional ou útil.” (KOPP, 2006, p. 50)
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A Secessão de Viena, considerada uma vertente austríaca do art nouveau pelo padrão similar decorativojá tende a um ornamentalismo mais geometrizado, revelando de modo bastante tímido o que viria em seguida. Conforme Kopp (2006), a inspiração secessionista parte da Escola de Glasgow, na Escócia, que buscava inspiração na arte celta e combinava em suas obras a busca pelo funcionalismo do Artes e Ofícios com o padrão decorativo do art nouveau. Graças à sua experiência bem sucedida, as obras da Secessão puderam fundir o formato geométrico com o padrão linear fluente baseado nas formas orgânicas. As várias texturas remetem à arte dos mosaicos bizantinos e à arte egípcia, provavelmente graças às experiências de Gustav Klimt na pintura. Os movimentos relevantes no design gráfico que se seguiram tenderam no sentido de padronizar e simplificar, levando o funcionalismo ao seu patamar máximo, refletindo a lógica capitalista na qual a sociedade se inseria. Emerge o modernismo, movimento no qual os ornamentos passam por uma redução drástica e começam a ser considerados inúteis: o designparece tentar atender à demanda de uma sociedade baseada na máquina. O design moderno emerge assim primando pelo funcionalismo seco, pelos ideais de desenvolvimento e progresso e tentando de todas as formas desviar seu olhar do passado. No mundo moderno, o designer estava diametralmente longe de ser o artista romântico dos posteres do art nouveau, que concebia suas peças a partir de suas experiências na noite dos cabarés parisienses. Era agora parte de uma engrenagem de produção e venda, munido dos recursos das artes plásticas e aplicadas. Surge então o sachplakat - o poster objeto -, de design económico, visualmente direto e objetivo letras em negrito e imagens centrais de simples compreensão. O expoente máximo do design moderno é sem dúvida a Bauhaus. Segundo Kopp (2006) trata-se de uma escola de arte aplicada fundada em 1919 e fortemente influenciada pelo racionalismo, cientificismo e industrialismo. A concepção de que o passado deve ser superado prepondera, e tenta-se de toda forma eliminar os ruídos visuais, através da aplicação
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de formas geométricas e cores primárias, objetivando a compreensão universal. O processo de globalização atua potencializando os ideais modernistas: “Após a Segunda Guerra Mundial a tendência foi os mercados se tornarem globais. As empresas deixam de pensar o mercado quanto nação e desejam alcançar outros pontos de comercialização. (...) As multinacionais prosperam e sentem necessidade de se comunicar nos diversos países em que possuem filiais e consumidores. A idéia é se comunicar com culturas e línguas e línguas diferentes através de um design com proposta universalizante, onde o Estilo Internacional promete ser essa solução” (KOPP, 2006, p. 67)
Paralelamente à Bauhaus e fortemente inspirada em sua visão acerca do design surge na suíça o Estilo Internacional, que realmente passa a ser adotado em todo o mundo. A proposta é a máxima eliminação de ruído através da idéia de um design socialmente útil, universal e científico que atinja uma clareza objetiva e a ordem. O resultado é uma abstração extrema, minimalista, baseada na pura geometria, conforme se observa nas ilustrações abaixo. O poster, da Panair, representa lua, céu e mar da forma mais simplificada possível.O Estilo Internacional leva as concepções da Bauhaus além, e reprime mais ainda quaisquer subjetivismos e o aparecimento de estilos locais e alternativos. Passou-se a adotar uma grelha (grid) como modelo básico de orientação para ordenar a disposição e o alinhamento dos elementos visuais, resultando em soluções bastante previsíveis. Ainda que houvesse elementos diagonais, seriam sempre em ângulos possíveis de ser obtidos com o esquadro. O design calculado presta-se como uma solução fácil, cômoda e rentável para as grandes corporações por não exigir grandes e onerosas soluções criativas e por fazer com que o público se sentisse extremamente mais seguro e confortável em segui-lo (é cômodo seguir o que se conhece), dentre outras vantagens: “A cultura corporativa incipiente reconheceu no design funcionalista atrativos irresistíveis como austeridade, precisão, neutralidade, disciplina, ordem, estabilidade e um senso inquestionável de modernidade.” (DENIS apud KOPP, p. 68, 2006). Ainda que em algum momento tenham sido inéditas e não-redundantes, 138
essas soluções parecem engessar a atuação de designers criativos com tantas regras, que além da grade para estruturar a orientação dos elementos tinha entre outras diretrizes proporções matemáticas e divisão geométrica do espaço. Com o passar do tempo a hegemonia do Estilo Internacional passa a ser questionada: “A monotonia e pasteurização do design ocidental só vai começar a ser contestada a partir da metade dos anos 60, quando alguns jovens designers suíços, como Odermatt & Tissi em Zurique, Wolfgang Weingart em Basle, entre outros, começam a propor alternativas não-dogmáticas, mais descontraídas (retorno à ornamentação, ao simbolismo, ao humor e à improvisação) para fugir da esterilidade das formas modernistas. O pós-modernismo no design é uma reação intuitiva da nova geração de designers aos excessos racionalistas e positivistas dos programadores visuais dos pós-guerra. Influenciados pelas novas e espontâneas formas de viver pregada pelos existencialistas e beatniks dos anos 50, e pelos hippies dos anos 60, que enfatizam costumes e modos de vida ainda mais radicais, pregando a vida em comunidades rurais, a prática do amor livre e o consumo de drogas leves, surge o movimento psicodélico no design americano de contracultura.” (CAUDURO, 2000, p. 131)
Os designers citados por Cauduro (2000) realmente tiveram uma postura dissidente por admitirem algum grau de ruído em suas peças, porém o resultado parece bastante ajustado aos ideais modernos: até o ruído parece milimetricamente amarrado. Ainda que o layout das ilustrações seja de certa forma asséptico, já parece revelar uma rachadura nas estruturas do modernismo. Cauduro (2000) prossegue relacionando o fim da supremacia do Estilo Internacional com o movimento psicodélico no design. Para entendermos exatamente como a psicodelia hippie possibilitou mais esta quebra de paradigmas entre tantas outras, é necessário que entendamos minimamente com alguma integralidade o movimento psicodélico. Partridge (2006) problematiza a questão psicodélica, numa pertinente reflexão que nos leva a concluir que o confinamento da psicodelia – geralmente concebida como um momento histórico quando na verdade é uma corrente de pensamento – aos anos 60 é bastante questionável, assim como sequer admitir que sua incandescência se resume a essa época.
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A primeira fase, elitista, está ligada às experiências artísticas de intelectuais, a partir do uso de drogas como ópio e haxixe Walter Benjamin, da Escola de Frankfurt, por exemplo, ficou altamente intrigado pelo conjunto de “experiências interiores” obtidas a partir do uso que fez de haxixe. A descoberta acidental dos efeitos do LSD pelo químico Hoffman tornou a droga famosa entre os intelectuais, sendo criado o termo psychedelic (psicodélico) para designar “algo com a capacidade de ampliar ou manifestar a mente”. O intelectual Aldous Huxley, nos anos 50, a partir de suas experiências com as substâncias psicoativas já as associa ao misticismo oriental, o que nos mostra já no seu início um caráter de iluminação intelectiva e espiritual, a partir de uma percepção de mundo mais livre, orientada pela droga: “Psicodélicos, alega-se, proporcionam uma instantânea e profunda experiência místico-religiosa. Para Huxley, a mescalina realmente o apresentou para a Visão Beatífica, que era, segundo ele, a que os místicos da tradição religiosa indiana se referiam quando falavam de Estado-Consciente-Felicidade. Em alguns poucos minutos ele começou a experimentar ‘vida eterna’, ‘estado puro’, e ‘o divino curso de toda a existência’. Ele entrou naquilo que os místicos experimentaram através dos tempos.” (PARTRIDGE, 2006, p. 89)
Tendo os escritos de Huxley (o seu The Doors of Perception de 1954 é considerado o texto fundamental da psicodelia) influenciado os demais autores psicodélicos como Timothy Leary e todo o pensamento psicodélico em geral, não é difícil entender as raízes da associação hippie à religiosidade e cultura mística indiana. O interesse pelas tradições religiosas que buscassem o êxtase e o transe alimentou ainda o interesse pelas antigas sociedades enteógenas. Diversas culturas antigas, pré-industriais, mostravam grande interesse pelos estados não comuns de consciência e lhes atribuíam valor como poderosos instrumentos para ligar-se às realidades sagradas, à natureza, e entre si. Também usavam tais estados para identificar doenças e curas. Estados alterados eram também vistos como importantes fontes de inspiração artística e um caminho aberto para a intuição e a
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percepção extra-sensorial. Gastavam assim considerável tempo e energia desenvolvendo técnicas de alteração da mente, usando-as com regularidade numa variedade de contextos rituais. De certa forma é possível constatar uma tentativa de resgate a tudo isso. Estabeleciam-se os primeiros cânones que provocariam uma profunda mudança na sociedade ocidental. Abstendo-se da parcialidade de qualquer juízo valorativo, consideramos importante para os fins de pesquisa científica desconstruir o preconceito que relega a psicodelia à sua relevância estética, sem considerar a sua literatura e os seus pensadores. A despeito de sua exuberância, o design psicodélico não é capaz de resumir essa corrente de pensamento que, apesar de marginalizada, indiscutivelmente catalisou mudanças cuja compreensão é determinante para interpretação do mundo em que vivemos hoje. A segunda fase, de acordo com os estudos de Partridge (2006), a partir da aliança do movimento psicodélico com o movimento pelos direitos civis, alastra-se rapidamente no contexto da contracultura com ideais de uma sociedade de amor e respeito mútuo, negando a religião, mas buscando Deus no misticismo oriental. É curioso o paradoxo de americanos desiludidos com as guerras adotarem as leis cármicas. É a era hippie, que encontra seu berço em São Francisco, nos EUA dos anos 60, região portuária de grande efervescência, que por receber pessoas de todo o mundo parecia mais aberta em relação às tradicionais ortodoxias americanas, conduzindo o país nessa reavaliação de paradigmas. Era o vórtice da contracultura. O LSD, ácido lisérgico, de forte potencial psicoativo é a droga do momento. Pode-se afirmar que a desilusão com a Guerra do Vietnã e seus milhares de jovens mortos enfraquece o ideal nacionalista e, juntamente com os processos que fortalecem as novas formas de identificação e socialização já mencionados, questionam o discurso político e moral da época através do poder da flor (flower power), que consubstanciava os ideais pacifistas de resistência, do negro
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(black power), do gay (gay power) e da liberação da mulher (women’s lib). Os jovens se rebelaram contra os valores, as instituições, os tabus, passando a agir contra tudo o que estava estabelecido, inclusive contra o Estilo Internacional. Não se podia divulgar a contestação a uma sociedade através de um padrão criado por ela própria. Emerge então o psicodelismo no design gráfico, que inicialmente prestase a divulgar os concertos de rock através dos pôsteres. Pode-se dizer que a psicodelia fez pelo designgráfico a mesma coisa que as bandas da época fizeram pelo rock: quebraram todas as estruturas. Dentre os designers da psicodelia destaca-se Victor Moscoso, um dos poucos com educação formal em design. Contrapondo a visão que reduz a estética psicodélica a mera reprodução de uma percepção visual alterada a partir de experiências com drogas, Heller (2004) fala sobre o artista: “A despeito do que pareciam ser camadas de complexidade gráfica, seus visuais eram estrategicamente compostos e propositalmente desenhados (...) não eram um caos induzido pela droga. Moscoso era um rebelde altamente disciplinado. Ele conscientemente rejeitou todas as regras que aprendeu durante seu tempo na faculdade (...) Seus pôsteres podem não adequar-se diretamente a nenhuma teoria mo-derna, mas foi influenciado pelo pensamento de design do qual era contemporâneo.” (idem, 2004, p. 252)
De certa forma podemos perceber o design psicodélico como um fruto da assepsia do design moderno, uma vez que este mostrava tudo o contra o qual aquele deveria projetar-se. Segundo Heller (2004), Moscoso lançou-se em diametral oposição a tudo o que havia aprendido como “bom design”. A regra de que um pôster deveria transmitir uma mensagem de forma simples e rápida dizia agora que se devia prender alguém o máximo de tempo possível na leitura de um poster. E assim seguiu-se: o pressuposto de não usar cores vibrantes agora dizia para usá-las sempre e para irritar os olhos o máximo possível; o de que o texto deve sempre ser legível apregoava agora a máxima distorção do texto para que fosse realmente muito difícil de ler. Moscoso então chamou isso de “um mundo
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de pernas pro ar”. Sua concepção mudou para sempre a linguagem de toda uma geração. O design gráfico psicodélico era um código visual: se alguém não pudesse decifrar as palavras ou a imagem, então o pôster o repelia ao invés de atrair. A idéia parece ser exatamente a seguinte: confundir qualquer pessoa que não estivesse ajustada aos valores contraculturais da época. Gibis underground como o “Zap Comix” também serviram de inspiração. Sua linguagem geralmente bizarra, perversa e irônica os fazia popular entre os jovens. O que se percebe é que enquanto o modernismo olhava para frente negando o passado, a psicodelia olhava para todos os lados buscando inspiração. Inspira-se inclusive no design moderno para destilar ironia, um poster onde faz um sachplakat de uma festa da maconha (joint é uma gíria equivalente a baseado). Parece, enfim, um suspiro aliviado e exagerado do design depois de anos usando a camisa de força do Estilo Internacional. Caracterizada entre outros fatores por tipologias ilegíveis, cores vibrantes e ilustrações antigas, a psicodelia era uma linguagem visual rebelde criada para comunicar-se com uma comunidade exclusiva. Contudo, dentro de um ano, a psicodelia foi usurpada por empresários que a tornaram um estilo comercial de última moda, ligado a um novo mercado de consumidores jovens. Surgia uma nova dinâmica em que a sociedade consumia a contestação vivendo uma relação de amor e ódio com os ideais contraculturais, sem poder negar sua repercussão e nem a profundidade de suas influências. Segundo Kopp (2006) o Push Pin Studio de Nova York começa em meados dos anos 60 a utilizar-se de elementos da linguagem vernacular (específicos de uma época / região) e tranformam-se em um dos estúdios mais influentes da história do design. Sua revista Push Pin Graphic influenciou designers por toda América e Europa. O poster de Bob Dylan criado por Glaser, um dos co-fundadores do estúdio, teve mais de 6 milhões de cópias veiculadas num álbum com
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os maiores sucessos do cantor e tranforma-se num ícone para o design, assim como a Monalisa de Da Vinci é um ícone para a arte . Cabe comentar que a pesquisa não se restringe à visão reducionista de perceber a psicodelia como a única força motriz que conduziu ao fim da hegemonia do Estilo Internacional, contudo é inegável que atuou como protagonista do processo em questão. Este momento histórico contou com outras manifestações nesse sentido, como os trabalhos da Academia de Cranbook, e dos grupos Grapus e Memphis. Mas, como já comentado, traçar uma história linear do design gráfico constitui-se um exercício de escolhas. Uma vez rompidos os paradigmas do modernismo, emergem novas formas de pensar e fazer design novas concepções passam a ser “lícitas”: “Então, a partir da década de 70, a comunicação visual praticada nos EUA passou a ser encarada pelos designers cada vez menos como uma prática tecnicista de “transmissão de sentido”, para ser cada vez mais concebida como um jogo, como uma prática retórica, probabilística e estimulante de formulação de mensagens hipoteticamente. Com isso os projetos de design passaram a ser menos calculistas e mais instintivos, muitas vezes irônicos, quase sempre provocantes e muito criativos. Essa tendência foi gradualmente se espalhando pelo mundo ocidental, principalmente por permitir uma maior flexibilidade de estilo, um melhor aproveitamento da cultura visual local e uma maior contribuição da improvisação do designer, características estas que eram reprimidas pelo estilo modernista até então dominante.” (CAUDURO, 2000, p. 132)
O design gráfico torna-se então muito mais democrático, as influências parecem vir de todos os lados. O pluralismo permite que identidades contraculturais tenham enfim voz significativa no design gráfico: “Na mesma década de 70, o movimento punk representa um momento importante no design gráfico pós-modernista. Se o resgate de imagens do passado e do design vernacular é atribuído ao Push Pin (...) pode-se conceder ao punk a assimilação do ruído, do feio, do não-design. Richard Hollis diz que se o dadaísmo fora contra a arte o punk era anti-design. O estilo punk é um estilo das ruas londrinas, representa a cultura das drogas e da música pop, deseja chocar e é rebelde com todas as suas energias. O principal veículo de comunicação punk é o fanzine. Ali eram utilizadas letras e imagens recortadas de jornais, máquinas de escrever, letras feitas à mão. Tudo era colado sem haver muita pressão com a ordem ou o acabamento. (KOPP, p. 77, 2006)
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Ainda que mesmo sob o recorte do design gráfico as implicações sejam inalcançáveis, podemos encerrar exemplificando com o design punk o pluralismo que se seguiu ao design psicodélico; novas concepções pareciam enfim legítimas. Conforme Goffman e Joy (2007), o movimento punk emerge como antagonismo aos hippies, ainda que compartilhem de certo modo do mesmo background contracultural - desprezo pelos mesmos valores - manifestam-se de formas estéticas praticamente opostas. Os punks, assim como os hippies, rejeitam através da paródia e do deboche as regras da sociedade que os rejeitou. A diferença, porém, é que enquanto a estética psicodélica confronta o Estilo Internacional por meio das cores e distorções buscando a exuberância de uma beleza exótica, o punk prefere uma expressão por meio do ruído, do grotesco, do rudimentar, do que poderia ser chamado de feio. Surgem por volta dos anos 70, sendo influenciados por diversos movimentos artísticos, filosóficos, e diversas outras subculturas juvenis. O mais evidente é o anarquismo, especialmente em suas implicações artísticas, mas também há o niilismo, responsável pela atmosfera descuidada, pelo humor irônico e caráter sombrio. Há ainda um toque marxista que dá ao punk algum entusiasmo revolucionário. Logo, o que se vê são colagens, desenhos feitos à mão e muita xerox. O resultado remete à parede de um beco sujo. A concepção gráfica foi retirada dos designers experientes, privilegiados, ligados a instituições, para ser delegada aos jovens que contavam com a sabedoria e o estilo das ruas. Foi–se excluindo o elitismo do design gráfico e, por conseguinte, abriu-se um campo mais vasto de possibilidades. Os avanços tecnológicos dos anos que se seguiram proporcionaram uma “democratização” do design gráfico, a partir do domínio do Mac por pessoas sem noções estéticas formais. A popularização da informática apresenta um aspecto positivo no sentido de ir de encontro ao preciosismo no design; o pedestal sobre o qual estariam aqueles que, consagrados de alguma forma e detentores dos meios de produção, poderiam ditar o que seria ou não design gráfico. Nesta nova configuração, temos um contexto dinâmico, que absorve influências frescas e de renovação ininterrupta, não sendo mais baseadas 145
de forma rígida nos cánones de alguma escola, contexto este que se encaixa de modo pleno com a rejeição pós-moderna ao purismo. A linguagem mais aproximada do ritmo das ruas a partir da popularização dos meios de produção – que apesar de ser exponencial nos últimos anos com o advento da informática vem, ocorrendo no universo contracultural jovem desde o advento da máquina de Xerox – possibilitou e propiciou incursões bastante frutíferas de várias contraculturas jovens no design gráfico, como a punk e a club. Todavia, por mais inovadores que sejam os recursos, e mais extraordinários que sejam seus efeitos, eles não passam de mero instrumento para veiculação de um conceito. Não havendo conceito consistente o resultado é medíocre. Assim, um dos aspectos negativos da democratização dos meios de produção é a facilitação de uma manipulação despropositada, produzindo algumas vezes um design incapaz de aliar o conceito aos demais aspectos e como resultado as peças não atingem seu fim. Não que a formação de um designer seja garantia de um trabalho competente, mas é presumível que as chances sejam bem maiores.
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VI DESIGN DE SERVIÇO Diversas pesquisas demonstram que atualmente existe uma crescente consciência da importância do design, de sua gestão e de seu uso como ferramenta estratégica.
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O valor do design nos processos de inovação tem sido utilizado por diversas empresas e amplamente descrito em estudos presentes nas literaturas de negócios e de design (GLOPPEN, 2009). No entanto, grande parte desses estudos baseia-se na inovação através do design de produtos, o que oculta a visão de que o design pode ser utilizado também como ferramenta estratégica no design de serviços inovadores (GLOPPEN, 2009). O valor do Design de Serviço como recurso estratégico para as organizações ainda necessita ser amplamente pesquisado (BITNER, BROWN, 2008; GLOPPEN, 2009; PINHANEZ, 2009). Serviços que satisfaçam as necessidades dos usuários e que custem cada vez menos aos cofres públicos são desafios que os governos já vêm enfrentando atualmente. O Design de Serviço é capaz de projetar serviços que tenham como foco as necessidades do usuário e que beneficiem tanto as organizações como as pessoas que necessitam utilizar os serviços (MORITZ, 2005). Essa pesquisa tem como objetivo relatar um caso em que o Design de Serviço foi utilizado para melhorar um serviço público, aumentando a satisfação dos usuários e contribuindo para a eficiência e a eficácia do serviço oferecido.
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Fundamentação Teórica
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Torna-se necessário, para o entendimento do estudo de caso que será apresentado a seguir, fornecer uma fundamentação teórica dos tópicos abordados. Neste capítulo, foi feita uma pesquisa de dados secundários. O primeiro tópico apresentado é a Gestão do Design, e, a seguir, discute- se o tema Design de Serviço. Na sequência, é abordado o desenvolvimento de serviços para o setor público.
Gestão de Design De acordo com o Design Management Institute – DMI (2011) a Gestão do Design é a arte e a ciência de fazer com que o design se integre com o mundo dos negócios, aumentando assim, a eficácia do design. Segundo a Industrial Designers Society of America – IDSA (2011) – o design é a atividade profissional responsável por criar e desenvolver conceitos e especificações que otimizem a função, valor e aparência de produtos e sistemas, beneficiando assim usuários e fabricantes. Os benefícios do design podem ter sua eficácia aumentada através da Gestão do Design. Isso porque um bom design não significa sempre um bom negócio (WEISS, 2002). Para que o design consiga atingir seus objetivos, são necessários muito mais elementos do que simplesmente um bom briefing. O design necessita ser concebido levando-se em conta que ele faz parte de uma ampla gama de atividades que, juntas, proporcionam que a inovação e o sucesso aconteçam (WEISS, 2002). A autora ilustra na figura 2 a diferença entre oferecer um serviço de design estratégico e um serviço de design “tradicional”. Ao oferecer um serviço estratégico de design, os objetivos da organização e as necessidades do usuário são levados em conta no desenvolvimento de produtos ou serviços. Complementando a visão de Weiss (2002), Mozota (2003) aponta que a Gestão do Design é a implementação planejada do design para ajudar a organização a alcançar seus objetivos. A autora coloca que o design deve fazer parte de um programa formal dentro da empresa. O gestor de design é o profissional 150
responsável por desempenhar atividades que contribuam para que os objetivos estratégicos da organização se concretizem. Para tanto, o design deve ser entendido como uma atividade multidisciplinar, que necessita da colaboração de diversas pessoas com habilidades variadas (HOLLINS, B.; HOLLINS, G., 1991). Hollins e Hollins (1991) também enfatizam a necessidade de se pensar no processo de design como um todo. Gillespie (2002), através de uma pesquisa realizada com consultores de marketing, design e tecnologia da informação, defende que a gestão de design trata de uma atividade que incorpora o design e a sua gestão à definição da estratégia de uma organização, desde sua criação até sua implementação, permeando todos os níveis da empresa. Moritz (2005) acredita que o designer pode atuar de uma maneira mais ampla nas organizações. O designer, hoje, já é responsável por projetar experiências através de produtos, espaços, serviços ou com uma mistura desses elementos. O design pode também ser utilizado para pensar processos e sistemas que estão por trás dessas experiências. E, ainda, quando se chega a um nível mais amplo, o designer pode contribuir para o desenvolvimento de políticas dentro das organizações e, assim, ajudar a pensar estratégias e filosofias dentro das empresas.
Design de serviço Pode-se afirmar que o Design de Serviço, como disciplina, teve início no começo da década de 1990. Para entender as definições e os processos envolvidos nessa nova área, torna-se necessário conceituar o que seriam serviços. Hollins e Hollins (1991) definem os serviços como produtos intangíveis, que não podem ser estocados e que, quando não utilizados por algum tempo, têm seu benefício perdido, tanto para a organização como para os consumidores. Segundo Mager (2009), professora pioneira na área de Design de Serviço da Köln International School of Design, a comunidade científica do design ignorou por muito tempo a pesquisa 151
sobre serviços, enquanto o assunto estava se consolidando internacionalmente como um campo científico nas áreas de administração e marketing. A autora iniciou seus estudos pesquisando a aplicação dos métodos de projeto e do design thinking3 para o desenvolvimento de serviços (MAGER, 2009). No mesmo período, Hollins e Hollins (1991) dão início à sua pesquisa sobre a contribuição do design para os serviços. Segundo a visão desses autores, serviços são produtos que precisam ser projetados sob o ponto de vista da Gestão do Design. E devem considerar o usuário desde o início do projeto, pois os autores entendem que a experiência do consumidor é tão importante quando o desempenho do serviço oferecido. Essa “nova” área, no entanto, pode ser considerada apenas como uma nova abordagem multidisciplinar da expertise do design (MORITZ, 2005). Hollins e Hollins (1991) apontam o conceito de Total Service Design, que coloca o design como um processo multidisciplinar, iterativo, capaz de conduzir o desenvolvimento de uma ideia até sua colocação no mercado. Para Moritz (2005), o designer de serviços seria responsável por criar e moldar as interfaces de contato com o usuário e projetar todos os detalhes dessa jornada, trabalhando com uma equipe multidisciplinar que envolva pessoas ligadas a pesquisa, tecnologia e comunicação. Dependendo da sensibilidade do designer, o Design de Serviços incorpora elementos e ferramentas de diversos domínios para alcançar, às vezes, objetivos conflitantes: satisfação do consumidor, sentimento de realização, resolução de problemas, sustentabilidade ambiental e econômica e beleza prática, “beleza que funciona” (SACO, GONÇALVES, 2008). O Service Design Network, uma rede de universidades e instituições que lidam com o tema, coloca alguns pontos para definir o Design de Serviço. Esses pontos foram inspirados por Birgit Mager (SACO, GONÇALVES, 2008). Segundo essa definição, o Design de Serviço visa a criar serviços que são úteis, utilizáveis, desejáveis, eficientes e efetivos. Possui sua abordagem centrada no ser humano e tem seu foco na experiência do consumidor e na qualidade do serviço oferecido como chave para seu sucesso. Por meio de uma abordagem holística, considera estratégia, sistemas, processos e decisões de design de um modo integrado nos pontos de contato do usu152
ário com o serviço. E necessita de um processo sistemático e interativo, com equipes interdisciplinares e métodos e ciclos de aprendizagem. Através de sua pesquisa com diversos especialistas na área, Moritz (2005) propôs um modelo para ajudar a entender o Design de Serviço. Nesse modelo, percebe-se com clareza que o Design de Serviço atua como um mediador entre organizações e clientes. No diagrama, os conceitos em laranja representam o Design de Serviço e os benefícios que ele pode gerar para organizações e clientes. Já os conceitos em cinza representam organizações e clientes, considerando seus recursos, suas limitações e o contexto no qual estão inseridos. Por meio da comparação entre diferentes metodologias, e somando-se a isso a visão de um pensamento estratégico e planejado, Moritz (2005) estabeleceu seis categorias básicas que ajudaram a propor um modelo de processo para o Design de Serviço. No entanto, a autora ressalta que os projetos de Design de Serviço são geralmente muito diferentes entre si, e não há regras absolutas sobre qual ordem de categorias se deve seguir. Assim, o modelo deve ser visto como uma ferramenta importante para ajudar na visualização das diferentes etapas envolvidas no processo do Design de Serviço e de como essas etapas interagem entre si. Hollins e Hollins (1991) destacam a importância da iteração dentro desse processo. Isso porque novas informações podem aparecer durante o tempo em que o serviço está sendo projetado. Sempre que possível, o serviço que for oferecido deve ser o mais atualizado frente às exigências do mercado. Isso pode ser difícil de ser colocado em prática, mas é um processo necessário (HOLLINS, B.; HOLLINS, G., 1991). Outro ponto importante a ser destacado é que o Design de Serviço necessita de contínuo aperfeiçoamento. Não se trata de um projeto que apenas desenvolve e lança um serviço. Mas, sim, de uma prática que trabalha com workshops e projetos, que integra e desenvolve pessoas que passam a pensar no Design de Serviço dentro das empresas (MORITZ, 2005).
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Para as organizações, o Design de Serviço oferece suporte e ajuda para estabelecer estratégias, desenvolver conceitos e soluções de serviços, projetar processos e orientações. Ele faz com que a empresa mude, com foco em uma cultura de Design de Serviço, que é capaz de inovar, sempre atenta às necessidades dos clientes. Ajuda a formar equipes que são criativas e que se sentem parte da inovação e da melhoria dos serviços oferecidos nas empresas. O Design de Serviço ajuda a projetar todos os pontos de contato que são estabelecidos com o cliente e, assim, pode melhorar a experiência do usuário ao utilizar um serviço. O envolvimento das pessoas que trabalham oferecendo o serviço durante o desenvolvimento de soluções ajuda a manter uma relação de comprometimento com a satisfação do cliente (MORITZ, 2005). Design de serviço no setor público. De acordo com o senso comum, organizações públicas não conseguem inovar, são burocráticas e falta-lhes estímulo para a criação de novos produtos e serviços. Essa afirmação, no entanto, segundo Mulgan (2007) está em desacordo com algumas iniciativas presentes no setor público. Grandes inovações, como a internet e a word wide web, saíram de organizações públicas. Evidências recentes demonstram que as metodologias do design podem promover a inovação nos serviços públicos (DESIGN COUNCIL, 2011). Thakara (2010) cita que os políticos reclamam da dificuldade de mobilizar as pessoas no setor público. Para o autor, eles estão certos quando apontam essa dificuldade, pois a abordagem atual para a melhoria dos serviços públicos não leva em conta as opiniões das pessoas que trabalham nessas instituições. O autor coloca como uma saída para isso a coparticipação das pessoas envolvidas no processo de desenvolvimento de soluções. O Design Council, instituição do Reino Unido que tem como objetivo difundir a importância de programas de design entre empresas e instituições, nos últimos anos tem voltado seus esforços para a difusão do Design de Serviço como forma de resolver alguns dos problemas que o setor público enfrenta atualmente. Com seu programa intitulado Public Services by Design (Serviços Públicos pelo Design) o Design Council (2011) 154
acredita que as ferramentas do design, como a prototipagem rápida, que ajuda a prever os problemas com antecedência, e a natureza colaborativa de diversos projetos de design podem ajudar a engajar funcionários públicos, atendentes e usuários no desenvolvimento e entrega de novos serviços. Brown (2008b) coloca que a inovação, tanto em organizações públicas como em empresas privadas, deve permear toda a empresa. É necessário que os funcionários comecem a entender as necessidades dos usuários de um determinado serviço, para que, a partir daí, possam propor mudanças e melhorias e, assim, ajudar a desenvolver serviços públicos de qualidade. O entendimento do design como um processo interdisciplinar e colaborativo pressupõe que as pessoas que são responsáveis pela entrega de um serviço possam contribuir e expor suas ideias para a melhoria dele. O designer passa a atuar estimulando, facilitando e direcionando o desenvolvimento de ideias através do envolvimento de usuários, atendentes, stakeholders e clientes (SIODMOK, 2008). Os riscos envolvidos quando se trata da inovação nos setores públicos podem se considerados os mesmos da iniciativa privada. Mulgan (2007) aponta que uma das diferenças a ser considerada trata-se da tolerância com esses riscos. Isso porque esses serviços afetam a vida de milhares de pessoas. No entanto, desenvolver novos serviços ou melhorar os existentes parece ser um desafio que diversos governos terão que enfrentar em breve. Há hoje uma crescente pressão no setor público para entregar “mais” por “menos”. Isso faz com que a inovação seja um imperativo, por meio do qual novas ideias precisarão ser desenvolvidas, prototipadas, testadas e implementadas (SIODMOK, 2008).
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Instrumentos e MĂŠtodos
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O trabalho realizado caracteriza-se como teórico-explicativo (RICHARDSON, et al, 1985). A metodologia de trabalho, utilizando a tipologia de Lakatos e Marconi (1991), envolve: • A técnica de coleta de dados; de documentação indireta; de base bibliográfica de documentação direta, com observação extensiva através da técnica de História de Vida Profissional, envolvendo especialistas na área pela autoridade no assunto; • O método de abordagem é hipotético-dedutivo, por preencher um espaço do conhecimento, em tese conhecido, mas não suficientemente relacionado como necessário; • O método de procedimento no estudo é funcionalista, por tratar de técnicas e filosofias, respeitando a cultura local. Além do caráter exploratório-descritivo, este estudo caracterizase como um “estudo de caso” que, de acordo com Bogdan e Biklen (1994), consiste numa observação detalhada de um contexto e, para Triviños (1987), numa análise aprofundada de uma unidade.
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Estudos de caso:
Projeto make it work
O estudo de caso apresentado neste artigo teve como base documentos disponibilizados na internet por Design Council (2011b), live|work (2011), relatório do Sunderland City Council (2008), artigos de Fullerton (2009), Lovlie, Downs, Reason (2010) e Gillinson, Horne, Baeck (2010).
Cenário e problema: a cidade de Sunderland Sunderland é considerada a maior cidade do nordeste da Inglaterra, e em 2006 possuía uma população estimada de 283,7 mil habitantes (OFFICE FOR NATIONAL STATISTICS, 2011). Com mão de obra predominantemente empregada em manufaturas, a cidade vinha apresentando, ao longo de 15 anos, bons níveis de crescimento econômico que, consequentemente, geraram diversos postos de emprego. Em contraste com essa realidade, ainda existia um grande número de pessoas que estavam fora do mercado de trabalho. Em 2006, o número de pessoas desempregadas chegava a 37.000. Isso significa que 26% das pessoas aptas para trabalhar estavam fora do mercado de trabalho. E apenas 5.000 pessoas aproximadamente estavam buscando ativamente um novo emprego. Os custos sociais e econômicos provenientes dessa situação mostravam- se desafiadores. Segundo o governo britânico, era considerável aceitável gastar aproximadamente 62.000,00 libras para que uma pessoa desempregada por um longo período e recebendo benefícios por incapacidade, retornasse ao mercado de trabalho. Partindo desse panorama, a prefeitura de Sunderland, por meio da Agência Regional de Desenvolvimento para o Nordeste da Inglaterra (One NorthEast), contratou a live|work, uma consultoria em Design de Serviço, para fazer um projeto na cidade. O objetivo era explorar como as pessoas que se encontravam desempregadas por um longo período de tempo, devido a diversas circunstâncias pessoais (dependência química, problemas mentais, etc.), poderiam ser estimuladas a procurar emprego.
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Live|work Fundada em 2001, a live|work é uma empresa de consultoria em Design de Serviço. Seus três fundadores eram designers que faziam parte de uma geração que após a graduação passou a trabalhar em empresas de consultoria em internet. Esse contato com o mundo virtual foi responsável por uma mudança de foco, que fez com que os fundadores da live|work começassem e vislumbrar que um bom design ultrapassava os limites de objetos físicos e que o designer poderia projetar experiências imateriais. Por outro lado, sua formação em desenho industrial ajudou-os a considerar o ser humano como centro de todo o projeto. De acordo com essa nova visão, o trabalho do designer passava a ser algo que iria além de projetar somente objetos, passando a repensar toda a experiência do usuário.Desde então, a live|work atende clientes da iniciativa pública e privada que almejam melhorar ou criar novos serviços. Hoje, a empresa possui escritórios em Londres, Oslo e São Paulo.
Projeto Make it Work O projeto Make it Work, que pode ser traduzido tanto como “faça trabalhar” quanto “faça funcionar”, seguiu uma metodologia de Design de Serviço composta de quatro etapas. Nos capítulos seguintes, pretende-se relatar as ações desenvolvidas em cada etapa do processo.
Descoberta Durante três meses, a equipe da live|work envolvida no projeto observou doze pessoas que possuíam o perfil que o projeto pretendia atingir: pessoas desempregadas por um longo período de tempo. O objetivo nessa etapa era estabelecer empatia com os usuários do serviço que se pretendia desenvolver. Por meio dessa observação, constatou-se que o público-alvo da pesquisa dificilmente se voluntariava para programas de emprego.
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No entanto, também se observou que com a participação da comunidade local, que conhecia as reais necessidades desse público, isso poderia ser revertido. Outro ponto importante dessa fase foi o diagnóstico dos serviços que já eram oferecidos, tanto pela prefeitura como por outras organizações. Percebeu-se que apesar de existir uma grande oferta de serviços direcionados para desempregados, essa variedade acabava criando uma certa confusão para as pessoas que estavam em busca de uma colocação no mercado de trabalho. Também foi diagnosticado que havia, muitas vezes, uma sobreposição nos serviços oferecidos e uma falta de comunicação entre essas agências. Também se observou nessa fase que os programas de emprego oferecidos pela prefeitura eram muito abrangentes e não eram capazes de atender às necessidades das pessoas que estavam desempregadas por um longo período. A partir dessa análise preliminar, foi feito um esboço do que seria a jornada do usuário em busca de emprego. O mapeamento dessa jornada deveria ser o mais completo possível, unindo, assim, serviços de saúde, bem-estar, treinamento, desenvolvimento de habilidades e a conquista de uma vaga no mercado de trabalho. Nesse mapeamento, ficou evidente que apesar de a jornada desses usuários ser muito parecida, suas necessidades eram diversas e uma abordagem mais coordenada seria necessária.
Geração Após a fase de descoberta, em que foram apontados questionamentos e reveladas algumas oportunidades, a equipe de projeto começou a gerar inúmeras ideias para fazer com que pessoas desempregadas por um longo período se engajassem em programas de emprego. As soluções criadas nessa fase variavam de simples ideias incrementais, como um folheto que reunisse informações sobre treinamento, voluntariado e vagas de trabalho, até uma rede de organizações capazes de envolver seus clientes em programas de emprego.
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Síntese Nessa etapa, as diversas organizações que prestavam suporte no projeto Make it Work foram convidadas a participar de uma série de seis eventos organizados pela equipe de design. Nesses encontros, foram apresentadas as conclusões obtidas na fase de descoberta e colocados alguns temas que deveriam ser explorados para o desenvolvimento de soluções em serviços. Um ponto-chave dessa fase foi que, durante essas sessões, dividiu-se as organizações em grupos mistos, com diferentes membros de cada organização compondo cada grupo. Isso facilitou a interação entre as organizações envolvidas, como também ajudou na geração de ideias inovadoras, pois havia a oportunidade de compartilhar ideias com pessoas diferentes daquelas com as quais esses membros estavam acostumados, gerando assim novas conexões. Também nessa fase, foram desenvolvidos protótipos de algumas das ideias geradas e, ao final, foram selecionados nove serviços que seriam colocados em prática, dentro de um universo de 35 possíveis soluções geradas nos workshops.
Execução As agências envolvidas receberam suporte para desenvolver e entregar seus serviços. Foram produzidos diversos materiais promocionais, com o intuito de divulgar o projeto para organizações e usuários. Outro ponto importante foi a construção, em conjunto com as agências envolvidas, do blueprint de serviço. Uma ferramenta que descreve a experiência do cliente, através de seus inúmeros pontos de contato, evidenciando possíveis melhorias no serviço. Para que as relações entre as agências prestadoras de serviço e a prefeitura de Sunderland fossem claramente delimitadas, foi desenvolvido um modelo, ilustrado na figura 6. A figura facilita a percepção do espaço de atuação de cada organização dentro do projeto, que funciona como uma plataforma de suporte e coordenação. 162
Nesse modelo (figura 6), as relações entre a prefeitura e as agências prestadoras de serviço estão divididas em: pessoas, financiamento e informações: • Pessoas (laranja): A prefeitura de Sunderland facilita o acesso a uma rede de suporte entre as agências e seus clientes. As agências ficam responsáveis por alcançar as pessoas de difícil acesso e promover suporte para suas necessidades especiais. • Financiamento (rosa): A prefeitura fornece recursos para diversas agências, que possuem meios para alcançar pessoas difíceis de serem engajadas em programas de emprego. • Informação (azul): A prefeitura disponibiliza um panorama das necessidades de emprego em Sunderland. As agências, em troca, alinham ações e informações para o projeto Make it Work. É importante ressaltar que essa jornada pode levar diversos meses, e que durante esse período o cliente pode ser atendido por diversas organizações, dependendo das suas necessidades. Os nove serviços gerados durante os workshops funcionam de forma coordenada, de acordo com as necessidades de cada usuário. Outro ponto importante é que o cliente pode iniciar sua jornada em qualquer uma das etapas. Resultados e discussão O projeto Make it Work conseguiu unir agências de suporte e governo para a criação de um serviço que atendesse às necessidades de seu público-alvo. Os benefícios alcançados pelo projeto vão além da obtenção de uma colocação no mercado de trabalho. Através da rede de serviços gerada, pretende- se também aumentar a qualidade de vida das pessoas, mesmo das que ainda não consigam completar a jornada de volta ao emprego. Mais de 280 membros da comunidade, colaboradores e clientes contribuíram para a criação desse serviço. Em sua fase inicial, em 2008, o projeto atendeu mais de 1.000 pessoas, com 238 recolocadas no mercado de trabalho e muitas outras ainda em fases iniciais do projeto. 163
O custo total do programa foi de 180.000,00 libras. O custo médio previsto pelo governo britânico para um programa que previa o retorno de pessoas ao trabalho era 435.000,00 libras. Os custos estimados com cada participante do programa foram de 5.000,00 libras, bem abaixo dos custos considerados aceitáveis pelo governo britânico para que uma pessoa voltasse ao mercado de trabalho, que eram de 62.000,00 libras. O projeto Make it Work é hoje um fundo de 5 milhões de libras, com dois anos de duração, chamado Working Neighborhood Fund, da prefeitura de Sunderland. É também um reconhecido case mundial de inovação, que alcançou, em 2010, o reconhecimento do Fundo Nacional para Ciências, Tecnologia e Artes da Grã-Bretanha (National Endowment for Science, Technology and the Arts – NESTA) ao ser publicado em um relatório que celebrava casos de inovações radicais, capazes de alcançar impacto em sociedades, ajudando as pessoas a viverem e trabalharem melhor.
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Considerações acções finais
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O Design de Serviços, ao projetar soluções para organizações e usuários, é capaz de lidar com problemas complexos e oferecer soluções viáveis para quem presta o serviço e eficientes e eficazes para quem o utiliza. O projeto Make it Work foi capaz de solucionar um problema que existia tanto para o estado como para as pessoas que estavam desempregadas. Através de processos de cocriação, as pessoas que utilizavam e que prestavam o serviço foram envolvidas na criação de soluções inovadoras e, assim, sentiram-se parte também do projeto. Como uma nova área do design, ou apenas mais uma expertise da profissão de designer, o Design de Serviço ajuda a dissolver a visão de que o design seria apenas responsável por desenhar objetos “bonitos”. Cada vez mais, torna-se necessário refletir o design como um processo que precisa ser pensado como um todo. Assim, poderão ser encontradas as melhores soluções e estratégias para resolver problemas cada vez mais complexos, tanto nas empresas como na sociedade. Precisam ser realizados futuros estudos na área do Design de Serviços no Brasil. Ainda são poucas as iniciativas e os cursos disponíveis na área, e ainda mais escassas as iniciativas de se pensar nos serviços públicos brasileiros sob a ótica do Design de Serviços. Espera-se que os serviços públicos brasileiros possam ser repensados e projetados para ser mais eficientes e eficazes, do ponto de vista dos governos e dos usuários.
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VII DESIGN E A CIÊNCIA “O conhecimento científico, aquele verificável, demonstrável e erudito, surgeda ruptura com o senso comum ou seja, com o conhecimento vulgar, popular [...]”(BOMFIM, 1994b, p.104).
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Os três momentos do cicloapresentado por BOMFIM são: osurgimento do projeto; aindustrialização da produção; ea substituição da arte pelaciência. Esses momentos sãodeterminados através de duasvariáveis: a primeira dizrespeito aos procedimentosque fundamentam o processode criação da forma dosobjetos e a segunda se refereaos processos de produçãodesse objetos. (BOMFIM, 1990,p.21-22) 1
O conhecimento científico é caracterizado pelo uso de métodos rigorosos, oque permite obter um tipo de conhecimento sistemático, preciso e objetivo. Buscadescobrir relações universais e necessárias entre os fenômenos por ela observados ouestudados, para então poder prever acontecimentos e agir sobre a natureza de maneiramais segura. (ARANHA; MARTINS, 1993).A ruptura com o senso comum teve sua origem no Iluminismo. A confiança narazão substitui a aceitação dos dogmas, mitos e fatalidades. Porém, a busca da verdadeatravés das luzes foi permeada por ideologias. O poder da ciência, sua potencialidadetornou-se num novo dogma e a partir do positivismo lógico a ciência dispensou tambémqualquer fundamento epistemológico. Não mais interessa colocar em questão as suasorigens, mas sim medir seus resultados utilitários (BOMFIM, 1994b, p.104).No campo do design algo semelhante ocorreu. Existem relações estabelecidasentre o conhecimento científico, o design e o senso comum. A manufatura de muitos dosobjetos de uso criados pelo homem, utensílios, ferramentas, por longo tempo foi baseadano senso comum.Com a Revolução Industrial, os meios de produção passaram a exigir umplanejamento mais elaborado; a aplicação da ciência, em forma de tecnologia passouaos poucos a substituir o acaso do artesanato.O design, como atividade responsável pela criação e desenvolvimento deprodutos, tornou-se autônomo somente quando passou a substituir gradativamente asconcepções artísticas por princípios científicos. Para BOMFIM (1990, p.22) a substituiçãoda arte pela ciência caracterizou o terceiro momento da história que completa o ciclo1 de acontecimentos que transformaram o design numa atividade autônoma: “a substituiçãoda arte pela ciência como fundamento do projeto, fato que ocorreu após a SegundaGuerra Mundial em diversos países, mas do qual a HfG-Ulm (Hochschule für Gestaltung= Escola Superior da Forma) é símbolo maior”.ITTEN, MOHOLY-NAGY, ALBERS, KLEE, KANDINSKY, entre outros, já haviamdesenvolvido na Bauhaus teorias da cor e da forma atrelando-as às questões econômicas,políticas e sociais. Na Bauhaus, que a princípio se propunha integrar a arte ao cotidiano,a produção de conhecimentos teóricos que buscavam justificar através de uma lógicacertas decisões projetuais já era tida como um meio para o desenvolvimento de projetos. 168
MALDONADO e BONSIEPE, em 64 efetuaram uma primeira visão retrospectivada fase de transformação em sentido científico da atividade projetual. (BÜRDEK, 1994,p.158). A HfG claramente se diferenciava das outras escolas de desenho que, por seprenderem à tradição artística, tinham dificuldade de diferenciar o design artesanal do design industrial. A Escola de Ulm apresentava um interesse especial pela relação entreciência e desenho. “Esta escuela Superior se ha merecido ciertamente la reputación deser el baluarte de la metodologia. Una característica importante de su programa semanifiesta en el énfasis que se pone en el aprovechamiento de conocimientos y procedimientos científicos en el trabajo proyectual” (MALDONADO; BONSIEPE, 1964).2 Em Ulm, foram desenvolvidas pesquisas que envolviam disciplinas científicas,visando os possíveis empregos de seus respectivos métodos no processo de projeto;entre elas: a cibernética, a heurística, a psicofísica, a ergonomia e a antropologia. Osdebates sobre métodos e metodologia permitiram sistematizar, através de agrupamentos,diversos métodos passíveis de serem aplicados na hora de desenhar os produtos. Haviaum enfoque matemático predominante cuja intenção era acometer metodologicamenteo verdadeiro processo de configuração dos produtos. O aspecto da racionalização foifomentado nos anos 60 mediante as possibilidades tecnológicas da indústria. Foi nesteperíodo que autores como Geoffrey BROADBENT, Christopher JONES, Bruce ARCHER,Morris ASIMOV, Christopher ALEXANDER, entre outros, iniciam uma discussão teóricasobre os aspectos da metodologia e sua aplicação no design e na arquitetura, e queacabou influenciando fortemente várias gerações de profissionais dessas áreas.A linguagem formal resultante da aplicação dos métodos desenvolvidos eadaptados pela HfG, rapidamente se transformou num novo princípio de estilo, “ofuncionalismo de Ulm” (BÜRDEK, 1994, p.159). A HfG foi uma instituição modelar e assim influenciou diversas outras,consolidando as concepções do design orientado pela ciência. No Brasil o ideário de Ulmencontrou acolhida na ESDI. 169
in BÜRDEK (1994. p. 158) 2
A Escola brasileira, por sua vez, originalmente, serviu comoreferência para o ensino no país.A concepção resultante da aproximação do design com a ciência foi o quedenominou-se “ design moderno”. Essa foi a denominação mais apropriada, escolhida pelos designers funcionalistas, para designar os projetos por eles desenvolvidos. Essa substituição de expressões tem naturalmente outro objetivo: em tempos de controvérsiaentre moderno e o pós-moderno, o funcionalismo é alvo fácil de críticas de toda a espécie,enquanto o “moderno” tem um significado mais nobre, complexo e portanto, menosvulnerável. Em outras palavras, os defensores do design funcionalista procuram resgatarsuas origens históricas e com isso salvar o funcionalismo da vulgarização e banalização emque parece ter incorrido nos últimos vinte anos (BOMFIM, 1990, p.20).
A Bauhaus tinha como ideal associar a arte e a técnica na construção de ummundo mais harmônico. Este ideal foi praticamente ignorado pelos meios de produção esufocado pelo regime nazista. A HfG deu continuidade aos ideais da Bauhaus porém,rejeitou a influência artística em prol de fundamentos científicos. “Procurava-sefundamentar o design por meio de critérios objetivos e racionais, mas também estemodelo foi banalizado e reduzido a axiomas simplistas” (BOMFIM, 1994a, p.79). Os homens do século XIX e o do início do século XX, estavam convencidos daexcelência do método científico para conhecer a realidade. Filosofias como o positivismode Auguste COMTE e o evolucionismo de Herbert SPENCER traduziram o otimismo daépoca. A educação, que até então era baseada exclusivamente na cultura humanística,sofre reformulações visando a inclusão de estudos científicos nos currículos escolares.Porém, com o surgimento da geometria não-euclidiana e da física não newtoniana, asconcepções clássicas da ciência são golpeadas, originando o que se pode chamar de“crise da ciência moderna”. A crítica ao racionalismo, em especial a sua forma idealista e ao primado darazão, teve seu início ainda no século XIX, promovida por Sören KIERKGARD (1813-1885)e por Friedrich NIETZCHE (1844-1900). KIERKGARD não aceitava o projeto da fi-
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losofiamoderna. Foi o pensador da subjetividade; para ele, o saber não era algo absoluto e,por isso, não buscava a verdade, mas uma referência para a vida. NIETZCHE, altera opapel da filosofia, deslocando o problema do conhecimento. Para ele, o conhecimentonão passa de uma interpretação dos sentidos e é resultado de uma luta, de umcompromisso entre instintos. “O que ocorreu no início do século [XX] é uma necessidade de reavaliação doconceito de ciência, dos critérios de certeza, da relação entre ciência e realidade, davalidade dos modelos científicos” (ARANHA; MARTINS, 1993, p.162).Karl POPPER (1902) desenvolve uma concepção de ciência baseada na condiçãode refutabilidade do discurso científico. Para ele, quando a teoria resiste à refutação,ela é corroborada, ou seja confirmada. Thomas KUHN (1922) contrapõe-se à teoria dePOPPER; propõe uma nova orientação para a metodologia e para a ciência através daidéia de “mudança de paradigma” . Para KUHN, a ciência evolui através das crisesgeradas por ela mesma. As crises são, para ele, características das mudanças deparadigmas. Sob esta maneira de pensar, os paradigmas são suposições teóricas, leis quesão admitidas em determinado momento por determinada comunidade. Nesta linha deestudo, o pensamento de Paul FEYERABEND (1924), também foi particularmente decisivopara a metodologia. Defendia o pluralismo metodológico em oposição às metodologiasnormativas que segundo ele, não são instrumentos de descoberta. Sob esta concepção,para se chegar a um conhecimento objetivo são necessários vários pontos de vista.FEYERABEND tenta harmonizar as idéias de POPPER - ideal de refutabilidade - e deKUHN.Os representantes da Escola de Frankfurt, Teodor ADORNO, Max HORKHEIMER,Herbert MARCUSE e Walter BENJAMIM, retomam o conceito de razão afastando-se docientificismo materialista, da crença na ciência e na técnica como condições deemancipação social. Os frankfurters, estavam convencidos de que a racionalidade haviasido usada para a dominação da natureza com fins lucrativos e que a ciência e a técnicahaviam sido colocadas a serviço do capital. Para eles a
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emancipação do indivíduo só épossível ao resolver-se os conflitos entre a autonomia da razão e as forças obscuras einconscientes que invadem essa mesma razão. Karl MARX já acreditava na força darazão para combater o obscurantismo no conhecimento.Sob a influência da obra de ADORNO, HORKHEIMER, MARCUSE e BENJAMIM, foramdesenvolvidos, na Escola de Ulm, estudos de design em torno da sua função social e quelevaram a uma crítica da estética dos artigos de consumo (BÜRDEK, 1994). Porém, estaposição crítica não possibilitou um desenvolvimento libertador em relação ao poder docapital e acabou por aumentar a distância entre a teoria e a prática do design, existente ainda hoje.Contra o irracionalismo que vê a razão como uma Por “Il Nuovo Design ”entenda-se: aquelas arma do poder e agente derepressão, surge uma corrente que manifestações contemporâneasno campo do apregoa o iluminismo renovado; busca colocar arazão sempre design que dealguma à serviço da crítica do presente; visa resgatar a atividade crítica forma questionam osmétodos tradicionais da razão.Um dos representantes desta maneira de pensar é deconcepção de objetos e seusresultados. Entre Jürgen HABERMAS. 3
os grupos que iniciaram este movimentoe que são genericamentechamados de pós-modernos,estão: o grupo Archizoom(1966-1974)), Studio Alchimia(1979) e o grupo Memphis(1981).
A relevância do questionamento dos métodos no design e da aproximação delecom a ciência, só adquiriu verdadeira importância nos anos 80, quando o “Il Nuovo Design”3 começou a ganhar terreno. Nesta ocasião, iniciava-se no campo do design ,principalmente na Itália, um processo de mudança de paradigma, no sentido dado porKUHN, na meto-dologia do projeto. Até os anos 70, os métodos utilizados eram de “cortededutivo” isto é, partiam de uma visão geral do problema e chegavam a uma solução específica (do exterior para o interior). O “Nuovo Design” age cada vez mais de formaindutiva percorrendo um caminho inverso dos métodos dedutivos.Hoje, com o desenvolvimento acelerado das comunicações que derrubaramfronteiras de espaço e de tempo; com o surgimento e consolidação dos meios eletrônicose informatizados aplicados à produção; com a mudança de enfoque, passando da produçãopara o consumo e informação; com as recentes transformações políticas, sociais eeconômicas ocorridas a nível mundial - surgimento da sociedade pós-industrial e dacultura pós-moderna - , coloca-se novamente em dúvida os preceitos
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da ciência, seus métodos e acima de tudo, a razão. Um exemplo é o consumo de produtos que não agridam o meio ambiente, cuja realização costuma provocar emoções agradáveis em pessoas que aprenderam o valor do consumo consciente. Ao que parece, a falta de aprofundamento que incomoda a Love diz respeito à maneira como alguns estudos do Design e Emoção têm deixado escapar estes aspectos. Uma vez concordado que as respostas emocionais das pessoas frente aos produtos sejam influenciadas por eventos tais como as experiências pessoais,as empresas que trabalham com produtos e serviços. E não é por menos: afinal conhecendo os aspectos mais favoráveis ao bem-estar subjetivo de seus usuários, as empresas como que aumentam as chances de acertar em cheio ao lançar um produto e as lições culturais de cada sociedade, tornam-se questionáveis as virtudes de qualquer mecanismo que proponha universalidade. Afinal, como falar em parâmetros universais num contexto em que cada pessoa e cada sociedade devam ser tomadas como referências únicas? Talvez por isso as críticas sobre as técnicas e ferramentas utilizadas para se mensurar a relação emocional das pessoas com os produtos sejam tão incisivas. A promessa destes instrumentos, de medir universalmente a emoção provocada por um produto, sensibiliza nitidamente a comunidade de pesquisa de design (basta que se veja a presença do tema nos congressos e nos periódicos de design), e as empresas que trabalham com produtos e serviços. E não é por menos: afinal conhecendo os aspectos mais favoráveis ao bem-estar subjetivo de seus usuários, as empresas como que aumentam as chances de acertar em cheio ao lançar um produto. Somada às duvidas sobre a capacidade destes instrumentos, as críticas também repousam sobre a finalidade comercial das pesquisas sobre o tema. Isto ocorre porque o viés comercial dos estudos acaba por comprometer, em algum nível, a qualidade de vida da sociedade, assim como o bem estar comum, as condutas responsáveis, e a transformação de “realidades existentes em outras mais desejáveis” .
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A controvérsia entre o moderno e o pós-moderno trouxe à tona esta discussão. A condição pós-moderna é envolvente e a arte, a arquitetura e o design, comomanifestações da cultura, não lhe escapam. “Como herdeiro da modernidade, o designsofre hoje do mesmo mal-estar que se abateu sobre o paradigma da ciência moderna”(BOMFIM, 1994b, p.104).
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VIII DESIGN NO ENSINO As disciplinas de projeto nos cursos de desenho industrial são caracterizadas pela aplicação de algumas técnicas e pelo uso de métodos para o desenvolvimento deprojetos, que podem ser ensinados sem maiores dificuldades.
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A sociedade pós-industrial com sua cultura pós-moderna promoveu, mesmonaqueles países em vias de desenvolvimento, um questionamento dos modelos adotadosaté então pela modernidade. Como foi visto no início deste trabalho, este fenômenovem ocorrendo em diversos campos, incluindo aqueles envolvidos com a criação dacultura material do homem. A prática do desenho industrial, bem como seu ensino,foram envolvidos nesta problemática. A preocupação maior, entre os verdadeiroseducadores neste campo, é identificar e desenvolver modelos de ensino que possibilitemtratar a “pluralidade”1com que o design se apresenta nesta nova realidade. A pós-modernidade impõe desafios à educação na virada do século. Ideologicamente, calcar oensino do design sob um único ponto de vista é um risco que não tem mais cabimento.Outro aspecto que tem sido combatido, ao menos no discurso, é a práticasimplista da reprodução de conhecimentos. O ensino do design exige, até mesmo pelaalegação de alguns estudiosos do assunto de que “não há ainda uma teoria do design”(BONSIEPE, 1983, p.193), a aplicação da pesquisa como meio para a produção e construçãode novos conhecimentos. As disciplinas de projeto nos cursos de desenho industrial são caracterizadaspela aplicação de algumas técnicas e pelo uso de métodos para o desenvolvimento deprojetos, que podem ser ensinados sem maiores dificuldades. Porém, quando se tratada conceituação de um produto2 , se faz necessário um grande número de informações econhecimentos que dependem da capacidade que o educando tem de realizar umaleitura do seu entorno e das variáveis sociais, culturais e psicológicas envolvidas noproblema. Não se limita à identificação e ao estudo dos aspectos puramente técnicos ouao atendimento da função prática que o objeto deverá atender. Criativamente, sãolevados em consideração aspectos comunicacionais, semânticos e expressivos. As relaçõesestabelecidas entre o objeto e o usuário, sob este ponto de vista, ultrapassam amaterialidade do objeto e buscam estabelecer ou respeitar as relações afetivas eemocionais envolvidas no uso desse objeto. O peso dado a estes aspectos 176
Por “pluralidade” no design, entende-se, no contexto deste trabalho, as várias maneiras deser que o design acabou assumindo, nos últimos anos,com o surgimento da sociedade pósindustrial. Essas maneirasde ser, foram possibilitadaspelo desenvolvimento datecnologia, da eletrônica, dainformática, da cibernética, da pesquisa de novos materiais epela aplicação destes conhecimentos nos processosde fabricação. A liberdade paraa concepção da forma de um produto hoje é tão grandeque, tomando como exemploum produto eletrônico, elepode assumir infinitas formas.Sua forma não segue necessariamente a função,indica a função. O interesse passa a estar no significadosimbólico assumido pelo objetovalor semântico. O uso da metáfora no design dos produtos é cada vez mais comum e instiga emoções. Éimportante lembrar que hoje,“[...] faz parte dos deveres dodesigner melhorar o mundo material construído pelas pessoas em todos os seus aspectos, funcionais e emocionais” (DORMER, 1995,p.110). 1
e a estasrelações hoje é muito maior do que o design funcionalista imaginava ou era capaz deadmitir.É importante observar que o funcionalismo como alternativa para o design não foi extinto, tampouco ousa-se negar sua utilidade. Seus fundamentos permanecemadequados para a concepção de um grande número de produtos que exigem umtratamento desta natureza. É o caso dos objetos técnicos, nos quais o cumprimentopreciso das suas funções práticas é fundamental. Pode-se tomar como exemplo osequipamentos médico-hospitalares e as máquinas operatrizes destinadas à produção. Ofuncionalismo, como princípio projetual e como estilo, convive com as novas propostas do design e faz parte de sua “pluralidade”, principalmente na âmbito dos produtos deconsumo individual. A produção dos objetos na sociedade pós-industrial é caracterizada pelaquantidade, pela variedade e pela qualidade dos produtos voltados ao consumo. Convivem num mesmo ambiente objetos produzidos em grandes séries pela indústria, com objetos artesanais; produtos com alto custo - e preço - destinados a um consumo elitizado, com produtos baratos e acessíveis; produtos de luxo voltados à ostentação e ao status, comprodutos populares voltados às massas; produtos com alto valor artístico, com outros eminentemente técnicos. No entanto, em todo este universo de produtos e objetos, o design aparece como um meio de configuração e de identificação. O designer passou aser, com muito mais intensidade do que era antes, um manipulador de códigos elinguagens. Passou a ser um elemento que, mais do que se podia imaginar, atribui valores sígnicos ao objeto. Num texto entitulado The standardization of diferences - standardization versusuniqueness. The same objects - different objects3, Juli CAPELLA e Quim LARREA,apresentam um estudo sobre as novas estratégias alternativas para a produção em massae para a personalização dos produtos ocorrida a partir dos anos 80. Neste estudo CAPELLAe LARREA fazem referência às idéias de Hermam MUTHESIUS apresentadas durante aprimeira exposição da Werkbund em Colônia, que exaltavam as qualidades e o poderemancipador da máquina e as vanta177
Conceituar um produto é estabelecer antecipadamente as características que o mesmo terá para atender às necessidades , anseios,expectativas e desejos dedeterminado grupo, e que são significativas para adeterminação da forma físicado objeto. Dar forma aoproduto é materializar um conceito. 2
CAPELLA, Juli; LARREA, Quim(1996, P.49-63) 3
gens da estandardização. Lembram também a posiçãode GROPIUS em relação à criação de tipos “estandar” para os objetos de uso comonecessidade social. E contrapõem a estas idéias, típicas do funcionalismo, as de AndreaBRANZI4, transcritas abaixo: The purpose of traditional design was to design standart objects and products for largemass markets, products which typified a neutral cross-section and were required to beaceptable to everyone. However, in comtemporary society, which we refer to as the “post-industrial society”, the large mass markets have vanished; they have been replaced by polycentric markets, that is to say, different sectorial markets, organized around culturalgroups with different languages, traditions and behavioural styles.
CAPELLA e LARREA sintetizam através de um diagrama, no qual apresentam oscomplexos inter-relacionamentos entre preço e produção, as novas áreas para odesenvolvimento de produtos e os novos caminhos para o design contemporâneo5. O diagrama consiste no uso de um eixo horizontal referente ao preço relativo dos objetose de um eixo vertical que representa a escala de produção destes objetos. Apesar de setratar de um esquema bidimensional limitado, pois não abrange todos os fatores queintervêm na concepção do produto, o diagrama possibilita classificar diversos exemplosde produtos e possibilita a compreensão das relações de valores que envolvem o universode objetos de design numa sociedade pós-industrial. No eixo vertical, num dos extremos tem-se aqueles objetos produzidos emgrandes séries - large run - no outro, os objetos únicos - one-off. No eixo horizontal, deum lado tem-se os produtos com baixo preço - very inexpensive - e no outro, os produtoscaros - very expensive. O processo de industrialização contemplou a produção de objetos a baixocusto, em larga escala e que refletissem um gosto estandardizado - mass-produced object. Em oposição a esta concepção, encontram-se os objetos únicos e caros,assinados por designers - ‘auteur’ art works. O valor trabalhado nestes objetos é o de“assinatura”. Entre estes dois extremos, encontramse os objetos produzidos em “sérieslimitadas” - limited editions
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Andrea BRANZI foi fundadordo grupo Archizoon e representante importante do design radical. Trabalhou para Alchimia e mais tarde para Memphis. BRANZI sempredeixou claro em seus textosque o design deve cumprir, emprimeiro lugar, uma missão social e cultural. 4
Apesar de privilegiar os bensde consumo individual, omodelo pode ser ampliado eabranger também os bens deconsumo coletivo. 5
confeccionados com materiais nobres e sofisticados, e representam a tradição do artesanato refinado - graduate craftsmanship Existem ainda produtos produzidos em grande escala e com preços elevados. São produtos de luxo destinados a um consumo diferenciado que exploram o prestígio e o status por eles promovidos - luxury products. O valor explorado é a “marca”. Em oposição a estacategoria, encontram-se aqueles produtos produzidos a baixo custo e em pequenaescala, que refletem um grau elevado de personalização - exclusive design. Neste extremo, encontram-se também os objetos desenhados para uso exclusivo e pessoal do tipo self design. O que se explora aqui é o valor “sentimental” dos produtos. Entre estes dois últimos pólos encontram-se objetos que se transformam pelo uso e pelaintervenção do usuário, em uma forma popular de artesanato - popular craftmanship. Com preços acessíveis e tendendo às pequenas séries, tem-se ainda um outro subgrupo de produtos denominados de post-industrial new craftsmanship. São objetos que fazem uso das formas de produção semi-artesanais, exploram valores sentimentais e tendem à personalização. A busca de um modelo que possibilitasse a prática de um design “pluralista”, como exige a nova condição da sociedade, e que resultasse num aprendizado mais intensoe abrangente, conduziu o presente trabalho a uma adaptação da proposta de CAPELLA e LARREA ao ensino do projeto de design. .
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O resultado dos trabalhos
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Os resultados dos projetos desenvolvidos pelas equipes em cada tema permitem,se comparados, identificar os quadrantes a que pertencem. Eles apresentam características formais e traços estilísticos próprios que possibilitam os agrupamentos. Os critérios identificados nas primeiras fases do projeto são facilmente observados, poismanifestam-se nos objetos resultantes. O conjunto construído representa a “pluralidade”existente no design contemporâneo e a sua construção foi propiciada pela aplicação domodelo proposto. Sob este ponto de vista os trabalhos, na sua maioria, atenderamsatisfatoriamente os propósitos. Porém, mais importante que os resultados materiais, foram os resultados em termos de aprendizado e de aproveitamento académico. O crescimento humano promovido pelo trabalho foi conseqüência da dedicação, doenvolvimento e da integração da turma, incluindo nela a figura do professor. O trabalho viabilizou a construção coletiva almejada, mas exigiu o estabelecimento de relações deconfiança e credibilidade entre as partes envolvidas. A idéia de que “Em termos cotidianos, pesquisa não é ato isolado, independente, especial, mas atitude processual de investigação diante do desconhecido e dos limitesque a natureza e a sociedade nos impõe. Faz parte do processo de informação, comoinstrumento essencial para a emancipação. Não só para ter, sobretudo para ser, é mister saber” (DEMO, 1996b, p.16) apresentou-se de maneira clara após a experiência. A buscada informação competente, a formação de interlocutores críticos para o debate deidéias, o diálogo e a pesquisa foram os princípios adotados para se tentar superar acondição de reprodução, tão comum nas escolas atuais. Outro aspecto observado e confirmado pela prática é de que “Quem ensinacarece pesquisar; quem pesquisa carece ensinar. Professor que apenas ensina jamais ofoi. Pesquisador que só pesquisa é elitista explorador, privilegiado e acomodado” (DEMO,1996b, p.14). A necessidade de atualização constante em termos de conhecimentosespecíficos do design e de manter-se tecnicamente qualificado para a condução eacompanhamento das atividades académicas, apresentaram-se como condições mínimas necessárias. 181
Pode-se observar que a tentativa de promover uma ação pedagógica comvistas à formação competente do indivíduo é algo que exige muito mais do docente bemcomo do discente, implica dedicação e comprometimento mas é, sem dúvida, muitomais compensador e realizador para quem participa deste processo. Um dos caminhos éa pesquisa. Vale lembrar que a aplicação da pesquisa e seu fomento no campo do design, como alternativa para superar o ativismo no ensino e na prática do projeto, é uma dasboas contribuições deixadas pela HfG de Ulm. O estabelecimento de um referencial teórico e de uma concepção teórica foramoutros aspectos fundamentais para a abordagem da realidade. Foi a partir destes aspectos que tornou-se possível definir os métodos e estabelecer as estratégias para a ação pedagógica e foram estes aspectos que deram sustância ao modelo proposto. O questionamento da realidade e do saber vigente permitiu a descoberta de novas relações entre as informações e resultou na construção de novos conhecimentos.
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IX DESIGN INCÓMODO As emoções no Design “Mantenha ao seu redor coisas e pessoas que te inspirem”
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O tema das emoções vem ocupando um espaço generoso nas discussões sobre o design. Se o seu impacto é notável, como parece ser, ele o é porque mexe em velhos paradigmas. Das colisões que o tema promove, surgem dissidências, formam-se novos grupos de pesquisa, dissolvem-se antigos, aparecem interessados no assunto, fortalecem-se algumas abordagens, e desmoronam-se outras. Provoca-se um movimento de inquestionável fervor. Alguns pensadores preferem desconsiderar a agitação causada, mantendo-se assim fiéis ao que antes vinham estudando e ao cenário costumeiro. Outros se mostram completamente afetados pela nova perspectiva, e a defendem bravamente, agindo sob o lema do “custe o que custar”, como se fossem responsáveis pelo surgimento do tema, e comprometidos por sua longa vida. E ainda outros, estes os mais sensatos (por uma simples questão de equilíbrio e coesão), procuram se apoiar nos problemas que a nova idéia gerou, para ajustá-la devidamente. Assim, confiantes de que somente esta última alternativa seja razoável, procuraremos realizá-la, modestamente. Os primeiros estudos formais sobre o Design e Emoção, promovidos pela International Conference on Design & Emotion, em 1999, eram orientados pela idéia de que caberia ao design levar em conta o impacto emocional que seus produtos e sistemas gráficos exerciam na sociedade. Estes estudos partiam de uma crítica geral de que os produtos não satisfaziam mais por suas “funcionalidades”, e que haviam chegado num nível de “perfeição técnica” em que o “prazer”, o “desejo”, e os “sentimentos inspirados” passariam a levar a melhor (Overbeeke e Hekkert, 1999, p.5). Uma vez identificado este nicho de pesquisa, abriu-se espaço para a exploração de um novo aporte teórico, de novos métodos, e novas ferramentas que assessorassem as práticas interessadas nas questões emocionais de uso. Demir (2008) sintetizou os objetivos destes estudos em dois eixos principais. Um deles, atender as expectativas emocionais dos usuários, de forma a lhes proporcionar uma melhor qualidade de vida (McDonagh e Lebbon, 2000). O outro, entender o impacto emocional dos produtos no momento em que o usuário decide-se pela compra de um produto, de forma a aumentar as chances de venda deste produto. 184
Os objetivos enunciados indicam, por si só, dois núcleos diferentes. O primeiro repousa sobre a qualidade de vida do indivíduo. O segundo, sobre a venda do produto. Ou, em outras palavras, a um interessa o indivíduo, ao outro, o produto. Mas, apesar desta diferença latente, as críticas, ainda assim, recaem sobre ambos os lados. Para Love (2009), ambas as perspectivas falham por não partirem de um “entendimento detalhado das interações entre indivíduos e objetos”. A análise do autor destaca, inicialmente, a superficialidade destas pesquisas, que desconsiderariam o detalhamento de aspectos que lhe seriam fundamentais. E enfatiza, mais adiante, a inversão de suas prioridades, que estariam privilegiando detalhes e recursos dos produtos, ao invés da reação emocional dos designers e usuários em relação ao produto. O detalhamento a que Love se refere, diz respeito aos, não menos genéricos, aspectos biológicos, pessoais, sociais e culturais de uso dos produtos. Damásio pode nos ser de grande serventia para pensar nestes aspectos. Ele nos explica a maneira como as pessoas processam as emoções, e mais precisamente a forma como elas reagem emocionalmente aos produtos com os quais se relacionam. Para o autor, esta reação é influenciada por aspectos sociais, culturais, biológicos e por experiências pessoais, que variam de pessoa para pessoa, de sociedade para sociedade e que não apontam em hipótese alguma, para um denominador comum. Sobre o aspecto da experiência pessoal, imaginemos uma criança que sofre um terrível mal estar provocado por uma briga de torcidas em um estádio de futebol. Quando ela, depois de adulta, retorna ao estádio, é provável que experimente uma sensação semelhante à vivenciada na infância, ainda que a nova ocasião não ofereça qualquer iminência de perigo. O entendimento detalhado da relação das pessoas com os produtos, sob a instrução de Damásio, passa também por uma etapa de avaliação não automática, em que nos postamos frente aos produtos de acordo com aquilo que nos foi ensinado. São emoções que correspondem com o que a cultura postula. São ensinadas, portanto, correspondências emocionais para dados objetos e situações, que não dizem respeito a 185
uma reação inata. Um exemplo é o consumo de produtos que não agridam o meio ambiente, cuja realização costuma provocar emoções agradáveis em pessoas que aprenderam o valor do consumo consciente. Ao que parece, a falta de aprofundamento que incomoda a Love diz respeito à maneira como alguns estudos do Design e Emoção têm deixado escapar estes aspectos. Uma vez concordado que as respostas emocionais das pessoas frente aos produtos sejam influenciadas por eventos tais como as experiências pessoais, e as lições culturais de cada sociedade, tornam-se questionáveis as virtudes de qualquer mecanismo que proponha universalidade. Afinal, como falar em parâmetros universais num contexto em que cada pessoa e cada sociedade devam ser tomadas como referências únicas? Talvez por isso as críticas sobre as técnicas e ferramentas utilizadas para se mensurar a relação emocional das pessoas com os produtos sejam tão incisivas. A promessa destes instrumentos, de medir universalmente a emoção provocada por um produto, sensibiliza nitidamente a comunidade de pesquisa de design (basta que se veja a presença do tema nos congressos e nos periódicos de design), e as empresas que trabalham com produtos e serviços. E não é por menos: afinal conhecendo os aspectos mais favoráveis ao bem-estar subjetivo de seus usuários, as empresas como que aumentam as chances de acertar em cheio ao lançar um produto. Somada às duvidas sobre a capacidade destes instrumentos, as críticas também repousam sobre a finalidade comercial das pesquisas sobre o tema. Isto ocorre porque o viés comercial dos estudos acaba por comprometer, em algum nível, a qualidade de vida da sociedade, assim como o bem estar comum, as condutas responsáveis, e a transformação de “realidades existentes em outras mais desejáveis” (Frascara, 2000, p.19).
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Retomando o que fora dito por Annateresa Fabris a respeito de que todo movimento é um “valor negativo” na medida em que se afirma para anular o já existente, a autora acrescenta que, ao lado deste valor, encontra-se também um positivo, uma vez que com a negação ocorre uma abertura a novos valores, uma disposição propensa à criação de novos rumos. De modo geral, poderíamos dizer que esse valor positivo faz-se mais firme após a Semana, após as incursões polêmicas e, de certa forma, conflituosas pelo futurismo. Na verdade, a noção que nortearia a construção desse valor positivo apareceria já em 1915, com o artigo de Oswald de Andrade Em prol de uma pintura nacional36. Nesse texto o intelectual problematiza a ação do Pensionato Artístico que, ao enviar artistas brasileiros à Paris, não estaria distanciando esses artistas e suas produções de uma arte brasileira, fazendo destes artistas nacionais. Tadeu Chiarelli em Um jeca nos vernissages justifica essa postura de Oswald, pois tal artista, acostumado com a paisagem européia “complacente”, ao voltar, não conseguia perceber a exuberância da natureza local, que poderia ser a base de criação de “uma grande escola de pintura nacional” (CHIARELLI, 1995, p. 96). A preocupação em construir uma pintura nacional se alastraria dentro da obra crítica de Mário de Andrade pela formulação de diferentes proposições. Como foi dito no capítulo anterior, a exaltação do cosmopolitismo, a imitação desenfreada de diferentes aspectos da cultura parisiense, seriam posteriormente questionados por ele. No entanto, esses questionamentos são articulados em torno da busca de um gênio brasileiro – uma espécie de genealogia do caráter brasileiro. Imbricam-se, nessa pesquisa do intelectual, aspectos do afrancesamento da sociedade brasileira, o estudo da arte colonial, o expressionismo alemão, pesquisa folclórica e lingüística (rompimento da distinção entre linguagem escrita e falada, a escrita em “manga de camisa”), entre muitos outros aspectos, já trabalhados em diversas obras críticas posteriores37. Estamos utilizando para esse subcapítulo o livro Pintura não é só beleza – a crítica de arte de Mário de Andrade, de Tadeu Chiarelli.
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Mas apesar de toda a desconfiança depositada sobre o cenário dos estudos do Design e Emoção, não se pode fechar os olhos diante dos avanços que algumas pesquisas têm alcançado. Além disso, o fato de estas críticas recaírem sobre este novo empreendimento do design, não é privilégio do tema. Lembrando Popper, o processo de investigação de um objeto qualquer passa por um exercício marcado por conjecturas e refutações, de que não se pode furtar. Assim, a partir destas contestações, começam a aparecer meios de se sobrepujar os problemas das abordagens incipientes. No caso do tema das emoções no design, encontramos o material das ciências sociais e da antropologia, que, por exemplo, vem revelando grande serventia. Entre eles talvez se destaquem com maior proeminência a etnografia, a observação participante, o grupo de foco, entre outros instrumentos qualitativos. Deve-se destacar, apesar destas agruras todas, que para se tratar adequadamente os problemas de um tema qualquer, é fundamental antes observar seus elementos constitutivos. É somente através deste exercício que podemos identificar os instrumentos pelos quais o campo pede. Estas escolhas não podem ser feitas através de outro sentido, estabelecendo-se os métodos antes de conhecer-se o objeto a ser investigado. No caso do Design e Emoção percebemos, algumas vezes, esta inversão. E nos damos conta de que quando tal operação ocorre, desvirtuada, chega-se a um resultado parcial e fragilizado. E o percurso para avançar-se no tema torna-se, invariavelmente, mais longo e tortuoso.
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X DESIGN SOCIAL Não se pode negar a importância do design para o desenvolvimento económico das organizações e consequentemente para o desenvolvemento do país.
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Passada a euforia das discussões da importância do design no contexto econômico para competitividade de empresas, as atenções se voltam agora para o “consumo consciente”, relativo ao qual Sobral (2002, p. 49), enfatiza: “as pessoas buscam cada vez mais produtos que priorizam o respeito ao meio ambiente e ao ser humano”, e no qual o designer tem competência para atuar com uma vertente explorada de forma estratégica, atualmente, pelas empresas: o papel social. Segundo Schiavo (2003), a área social é um setor da economia que demanda investimentos, tanto em recursos financeiros quanto humanos, e produz retorno econômico e social: este é o novo paradigma que se contrapõe à visão assistencialista até aqui predominante. Na Europa, conforme Ferro (2003), há estudos avançados nesta área, que se intitula design de causas, sob um ponto de vista macro. A publicação, que apresenta estudos recentes sobre design inclusivo, design universal, design sustentável e design social, assegura que o design não atua apenas no contexto econômico, mas aborda mudanças em relação a um design que traga, indiscriminadamente, qualidade de vida para todos. Por essa razão, acredita-se no retorno do design às questões sociais e, conseqüentemente, com a responsabilidade social. Para Sobral (2002, p. 50) “A preocupação social e ecológica é assunto mundial, mas aqui, mais que uma tendência, assume proporções de política nacional”. Essa é uma discussão pertinente no momento em que se retoma a discussão sobre o papel social do design, sem negar sua importância no contexto econômico. Desde a popularização da responsabilidadesocial até às exigências de leis nacionais e internacionais, torna-se indispensável a mudança de atitude das empresas frente à incorporação de critérios de justiça social e sustentabilidade ambiental. Entende-se por responsabilidade social o compromisso da empresa com a ética e com o desenvolvimento económico, o qual gera a melhoria da qualidade de vida de seus empregados, de suas famílias, da comunidade local e da sociedade. Na prática, as questões sociais, razão pela qual o design como atividade se inicia e que ficaram apenas na história, são atualmente condições indispensáveis. 190
Utilizando-se de uma pesquisa exploratória e documentação indireta, este artigo vem corroborar com os aspectos da responsabilidade social, imperativos para as organizações, e, portanto, para a própria atividade do design. Como objetivo apresenta cinco formas de se perceber o Design Social, que são: o design referente à inserção social; o design que manipula as pessoas por meio da imagem de forma intencional; projetos de design que alcancem repercussão social não intencional; a repercussão social intencional (visando lucro); e projetos voltados ao meio ambiente ou ecologia. Espera-se contribuir com os estudos acerca do design social e que ele não seja mais um nome, mas aconteça efetivamente em todo projeto de design.
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Vertente hist贸rica social do design
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Seguindo os rumos que a própria história do design traçou, na Europa, o “bom design” alemão, berço do design, surgiu por questões sociais a partir da influência da indústria inglesa, da revolução industrial e da condenação ao ostracismo do artesão e do artesanato (WICK, 1989, p. 15). Após a Feira Internacional de 1851, no Palácio de Cristal, em Londres, John Ruskin, que abominava as conseqüências da produção em série das grandes indústrias, lutava contra a produção industrial dos objetos. Segundo Denis (2000), isto ocorria porque julgava que os produtos não tinham qualidade, arte e estética, que a modo fabril impunha a marginalização do trabalhador por meio de uma sistemática desqualificação das suas habilidades. Ruskin, unindo-se a sindicalistas, afirmava que “o problema do design residia não no estilo dos objetos, mas no bemestar do trabalhador” (DENIS, 2000, p.71). Foi também um dos primeiros defensores da qualidade total, e previu o limite do crescimento industrial em termos ambientais, sendo atualmente uma referência no assunto. Para Costa (2002, p. 14), “a maior contribuição de Ruskin constituiu em assinalar a responsabilidade social do designer e a repercussão do design na cultura”. O arquiteto e escritor William Morris, seguindo as idéias de Ruskin, funda a primeira unidade de produção dentro dos princípios do design, a Morris & Company, em 1875. Integrando projeto e execução, buscava autonomia com flexibilização na produção e na comercialização. Alguns produtos podiam ser realizados artesanalmente, outros com limitada mecanização e outros projetados pela Morris e Co., mas produzidos por terceiros, concentrando-se na qualidade e não na quantidade de produção. Contudo, “a unidade da produção advinha essencialmente do design, e o estilo Morris foi aos poucos ficando conhecido do público, projetando o designer para uma posição de destaque na valorização da mercadoria” (DENIS, 2000, p.73). Atualmente, as preocupações sociais são inerentes àqueles que entendem a importância da sustentabilidade,mas no final do século XIX esta consciência era defendida por muito poucos. Assim, Morris foi derrotado pela força econômica que co193
mandava a industrialização, já que, nesta época, a preocupação era aliar arte e indústria, proporcionando beleza aos produtos fabricados em série. Principalmente nos Estados Unidos e, por consequência no Brasil, a mão-de-obra especializada e culta inexistia, e a única forma de promover o crescimento econômico rápido era a realização de produtos em grande quantidade por meio de máquinas, impulsionando o trabalhador a ser um mero executante de movimentos repetitivos, impedindo qualquer forma de criação ou desenvolvimento do pensamento lógico sobre o ato de fazer.
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Há pouco mais de um século eclodiu a preocupação com a responsabilidade social após uma série de atrocidades cometidas pelas empresas aos seus empregados. A primeira manifestação foi, segundo Stoner e Freeman (1985, p. 72), por meio do livro Evangelho da Riqueza, que “estabeleceu a abordagem clássica da responsabilidade social das grandes empresas”. Seu autor, Andrew Carnegie, implantava o princípio da caridade e o princípio bíblico da custódia. O princípio da caridade determinava que toda pessoa afortunada deveria contribuir direta ou indiretamente na ajuda aos desafortunados, em espécie ou bens de qualquer ordem. O princípio da caridade “exigia que as empresas e os ricos se enxergassem como guardiãs, ou zeladores de sua propriedade [...] era também função das empresas multiplicar a riqueza da sociedade, aumentando a sua própria através de investimentos prudentes” (STONER E FREEMAN, 1985, p. 72) e incentivando a filantropia. Somente na década de 30, por pressão dos sindicatos, as empresas assumiram interesse com o bem-estar social. Entre 1950 e 1960, os dois princípios anteriores eram aceitos nas empresas americanas, muitas vezes por iniciativas próprias, outras por imposição governamental. Nesta mesma época, esses princípios eram questionados por críticos liberais, defensores do mercado-livre e pelos esquerdistas. “Um dos problemas era o significado da expressão responsabilidade social. Alguns críticos sugeriram que o conceito de ‘responsabilidade social’ não indicava um envolvimento empresarial de magnitude apropriada, nem sugeria como a empresa deveria avaliar suas responsabilidades sociais em relação às suas outras responsabilidades” (STONER e FREEMAN, 1985, p.73), como, por exemplo, a responsabilidade de gerar lucros. Segundo o Instituto Ethos de Responsabilidade Social “a empresa é socialmente responsável quando vai além da obrigação de respeitar as leis, pagar impostos e observar as condi-
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ções adequadas de segurança e saúde para os trabalhadores, e faz isso por acreditar que assim será uma empresa melhor e estará contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa”. A empresa mostra ter responsabilidade social ao envolverse com programas sociais que contribui com o progresso da sociedade, quando investe “em processos produtivos compatíveis com a conservação ambiental e a preocupação com o uso racional dos recursos naturais [...] por serem de interesse da empresa e da coletividade” (INSTITUTO ETHOS). Em complementação ao conceito acima, Montana e Charnow esclarecem que a responsabilidade social abrange apenas as responsabilidades econômicas e sociais, sendo que a última não vai além dos problemas aparentes, sem, no entanto, prejudicar a forma econômica das empresas. Porém, a “abordagem da sensibilidade social supõe que a empresa não tem apenas metas econômicas e sociais, mas que também precisa se antecipar aos problemas sociais do futuro e agir agora em resposta a esses problemas” (2000, p.39). Maximiano lembra que as ações sociais nas empresas podem começar no ambiente em que atuam, por solicitações internas e externas, para atuação dentro, fora ou em torno da mesma, porém, “não há certeza de que uma decisão irá beneficiar uma sociedade mais do que a outra [...]. Os problemas sociais existem por um longo tempo e são à primeira vista complexos e difíceis de solução” (1995, p.262). Para isto, toda ação deve ser avaliada e conseqüentemente acompanhada por prováveis beneficiados, buscando sempre a melhoria política da empresa nesta área. Até então, a abordagem extensa sobre a responsabilidade das empresas faz parecer que somente elas têm o aval para estabelecer ações sociais. Conforme Montana e Charnow, existem correntes na administração que defendem esta proposta, tais como os seguidores das idéias de Keith Davis. Em contraposição, existem os defensores das teorias de Milton Friedman, para quem a tarefa das empresas é otimizar lucros enquanto as ações sociais são próprias para os governos. 197
Seguindo os rumos que a própria história do design traçou, na Europa, o “bom design” alemão, berço do design, surgiu por questões sociais a partir da influência da indústria inglesa, da revolução industrial e da condenação ao ostracismo do artesão e do artesanato (WICK, 1989, p. 15). Após a Feira Internacional de 1851, no Palácio de Cristal, em Londres, John Ruskin, que abominava as conseqüências da produção em série das grandes indústrias, lutava contra a produção industrial dos objetos. Segundo Denis (2000), isto ocorria porque julgava que os produtos não tinham qualidade, arte e estética, que a modo fabril impunha a marginalização do trabalhador por meio de uma sistemática desqualificação das suas habilidades. Ruskin, unindo-se a sindicalistas, afirmava que “o problema do design residia não no estilo dos objetos, mas no bemestar do trabalhador” (DENIS, 2000, p.71). Foi também um dos primeiros defensores da qualidade total, e previu o limite do crescimento industrial em termos ambientais, sendo atualmente uma referência no assunto. Para Costa (2002, p. 14), “a maior contribuição de Ruskin constituiu em assinalar a responsabilidade social do designer e a repercussão do design na cultura”. O arquiteto e escritor William Morris, seguindo as idéias de Ruskin, funda a primeira unidade de produção dentro dos princípios do design, a Morris & Company, em 1875. Integrando projeto e execução, buscava autonomia com flexibilização na produção e na comercialização. Alguns produtos podiam ser realizados artesanalmente, outros com limitada mecanização e outros projetados pela Morris e Co., mas produzidos por terceiros, concentrando-se na qualidade e não na quantidade de produção. Contudo, “a unidade da produção advinha essencialmente do design, e o estilo Morris foi aos poucos ficando conhecido do público, projetando o designer para uma posição de destaque na valorização da mercadoria” (DENIS, 2000, p.73). Atualmente, as preocupações sociais são inerentes àqueles que entendem a importância da sustentabilidade,mas no final do século XIX esta consciência era defendida por muito poucos. Assim, Morris foi derrotado pela força econômica que co198
A idéia aqui não é defender teorias, mas demonstrar a necessidade de ações de responsabilidade social sem o cunho assistencialista. Não só de empresas, mas também de indivíduos.
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Conceito de Design Social
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O designer tem o dever de melhorar a qualidade de vida do homem, idéia defendida por Victor Papanek, para quem o glamour alcançado pelo design esconde suas potencialidades, razões de sua origem, e cujo aspecto carismático relega a segundo plano o sentido de projetos para a melhora das reais necessidades humanas. Para Kuypers, design é uma arte social que nasceu como uma nova profissão, separando a arte de dar forma da arte de fazer as coisas. Sem o contexto social, o design não existe (KUYPER, 1995). “Designers ativos que somos, sabemos hoje que fazer unicamente aquilo que nos pedem - ou seja, obedecer ao cliente sem debater as questões morais e éticas inerentes ao que criamos - é a recusa última das responsabilidades do ser humano” (PAPANEK, 1993. p. 227).Design social é a materialização de uma idéia por meio de análise, planejamento, execução e avaliação, que resultam num conceito e na difusão de um conhecimento, para influenciar o comportamento voluntário do público-alvo (beneficiários), para promover mudanças sociais. A negligência de algumas destas características faz com que se corra o risco de associá-la a outras atividades, como o assistencialismo ou a satisfação individual (vontades e desejos) da corrente econômica, incompatível com a idéia do design social.
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As motivaçþes do Design
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Sob o ponto de vista popular, o designer está ligado à criação de produtos ou serviços de luxo e beleza, pois é entendido como gerador da aparência formal de produtos, ligado a “bela forma” e à arte. Este engano comum, mas indesejado, camufla a função primeira do designer que é facilitar o cumprimento de tarefas e necessidades básicas do homem, por meio da criação de produtos, mensagens ou serviços. A necessidade da maior parte da população mundial é a básica, envolvendo saúde, educação e desenvolvimento, e o designer pode fazer a diferença contribuindo para supri-la ao criar objetos ou serviços que atendam com eficiência e de forma econômica, a melhoria da qualidade de vida. “O objeto produzido pelo design soma a seu caráter funcional, que revela as necessidades de seus usuários e da época em que é produzido, o resultado das concepções e dos valores sobre a cultura e a sociedade de quem o produz - o designer” (MIRANDA, 2002, p.199). O design é uma atividade da ciência social, tem na sua formação o caráter social e portanto, intrinsecamente ligada ao homem. Para Costa (2002, p. 14), “a maior contribuição de Ruskin constituiu em assinalar a responsabilidade social do designer e a repercussão do design na cultura”. Atualmente, as preocupações sociais são inerentes àqueles que entendem a importância da sustentabilidade,mas no final do século XIX esta consciência era defendida por muito poucos. Assim, Morris foi derrotado pela força econômica.
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As ações do Design Social
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Existem duas aplicações do design: a econômica e a social, que não se dissociam, mas se complementam. As empresas que hoje investem no design social conseguem retorno financeiro pela credibilidade que adquirem junto à sociedade, associando-se a uma imagem positiva, “uma vez que essa responsabilidade é vista pelos consumidores como elemento distintivo de confiabilidade e valor da empresa e sua marca” (CAMARGO et al, 2004, p.393). Esse retorno, no entanto, independe de estratégias de marketing social. Para Andreasen, “o marketing social é um processo complexo que envolve entrevistar o público-alvo e convencê-lo se envolver nas trocas que os profissionais de marketing social (e outros) procuram promover [...]” (2002, p. 61). O Marketing social induz uma demanda, a repercussão é planejada mediante um objetivo comercial. Embora as imagens criadas com esta finalidade sejam também desenvolvidas pelo design, elas não se caracterizam como design social, que, ao contrário, não planeja essa indução. A repercussão que causa na sociedade é uma conseqüência da eficiência de símbolos, atividades ou produtos criados. Mattar (2003) afirma “que a sobrevivência das empresas estará cada vez mais ligada à sua capacidade de criar vínculos permanentes de identidade com os consumidores e, por essa via, criar as condições de sustentabilidade para suas marcas”. Neste sentido, as possibilidades de ações do design social se dividem em cinco: Projetos voltados para a inserção social; projetos que visam a manipulação de pessoas por meio subliminar, projetos que alcancem repercussão social não intencional, projetos sociais intencionais e os voltados ao meio ambiente (ou ecologia).
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Projetos voltados para inserção social A cultura popular possui um papel de destaque na identidade portuguesa. Da união de atividades populares, indústria e design, surgem projetos e objetos, “tendo em vista a recente valorização de trabalhos que enfatizam o aspecto social da produção e um potencial mercadológico de vendas, [...]” (MIRANDA, 2002, p.200). A interação entre artesanato, design e inserção social também é uma questão de design social. De acordo com Aguiar e Ferreira, para o design, a realização de um objeto vai desde a idéia até a execução e para um artesão o processo é o “inverso por um pensar distinto” (2002, p.85), já que para o artesão “o objeto surge a partir do fazer” (AGUIAR e FERREIRA, 2002, p. 85). O design pode adequar produtos artesanais, que retirados de sua origem, podem ser reinseridos num contexto urbano e contemporâneo com outros critérios e adaptações, que têm como objetivo transformar essas trocas em iniciativas economicamente viáveis e auto-sustentáveis, promovendo a inserção social e econômica (AGUIAR e FERREIRA, 2002, p.87).
Projetos que visam a manipulação de pessoas por meio de imagem subliminar A partir da conscientização de que o design domina técnicas de manipulação, deve-se voltar à inclusão de valores como: importar-se e aceitar a responsabilidade da qualidade de vida nas diferentes atuações do design. Isso remete a uma reflexão sobre a responsabilidade social do design, já que as imagens utilizadas pelo marketing são também criadas pelo design.A única proteção real para agir de maneira ética é exercer a autocrítica e manter o comprometimento dos objetivos fundamentais do projeto. Neste sentido, segundo Calazans (1992), na programação visual todo discurso gráfico é subliminar: ordenação dos textos, diagramação,
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título, família das letras, cor, tipo de papel. Imagem subliminar é tudo aquilo que não é objeto de foco específico da mensagem, mas todos os aspectos periféricos, aparentes visualmente ou que são absorvidos pelo inconsciente, selecionados de acordo com o foco de interesse pessoal e que passa a pertencer ao repertório cultural do indivíduo. Faz com que, de alguma forma, o que está implícito na imagem seja mais importante do que o foco desejado - uma música, um cheiro, ou imagem, podendo ser negativas ou positivas, que em algum momento pode aflorar.
Projetos de design que alcancem repercussões sociais não intencionais As percepções são individuais, e, portanto, diferentes. Não existe uma resposta fácil para o equilíbrio da ética e eficiência. Segundo Andreasen, “Não importa somente o que pretendemos comunicar, mas o que realmente comunicamos” (2002, p.30). É preciso procurar as conseqüências não intencionais. O autor ilustra essa teoria com uma pesquisa realizada nas Filipinas, de uma campanha que pretendia acalmar o público em relação à disseminação da Aids, e produziu o efeito não intencional de reduzir a empatia da população pelas pessoas contaminadas. O projeto de design social com repercussão não intencional não precisa, necessariamente, ser identificado pela população, mas pode modificar comportamentos, receber aceitação generalizada por um grupo ou local, que o utiliza com familiaridade dentro do significado que lhe é atribuído.
Projetos Sociais intencionais São projetos sociais desenvolvidos por uma empresa com finalidade de obter retorno financeiro e percepção positiva por parte do público. A própria sociedade tem exigido uma postura mais ética com relação aos seus atos, uma cobrança em relação ao retorno social, econômico e ecológico que a empresa deve proporcionar ao meio em que está inserida.
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A responsabilidade social empresarial é a “conduta ética e responsável adotada por uma empresa e toda a sua rede de relações, incluindo consumidores, fornecedores, funcionários, acionistas, governo, meio ambiente e comunidade” (BASTOS, 2001, p.3).
Projetos voltados ao meio ambiente ou ecologia (desenvolvimento sustentável) A indústria de transformação no Brasil depende de uma reorientação aos padrões que já pautam a economia do mundo moderno, devendo partilhar do desafio contemporâneo de planejar e fomentar o crescimento econômico, sem acelerar o esgotamento dos recursos naturais, por meio do desenvolvimento sustentável. Para Mendes (1995) o desenvolvimento sustentável possui seis aspectos prioritários: •
satisfação das necessidades básicas da população (educação, alimentação, saúde, lazer, etc);
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solidariedade para com as gerações futuras;
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participação da população envolvida;
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preservação de recursos naturais (água, oxigênio, entre outros);
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elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança social e respeito a outras culturas;
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efetivação de programas educativos.
Segundo o Boletim Innovation, da Industrial Designers Society of America (IDSA), os princípios do EcoDesign segundo Kaldjian (BARBOSA, 2003), são: •
faça o produto durável,
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faça-o fácil de consertar,
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projete-o de forma que possa ser remanufaturado;
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projete-o de forma que possa ser reutilizado;
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use materiais reciclados e recicláveis;
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faça-o simples, de maneira que os componentes recicláveis e não recicláveis do produto possam ser separados;
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elimine os componentes tóxicos do produto ou torne fácil substituí-los ou removê-los antes do destino final;
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faça produtos mais eficientes no uso da energia e dos recursos;
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use o design de produtos na educação sobre o meio ambiente;
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trabalhe para projetar produtos que induzam à redução de recursos, com menos lixo resultante;
•
ajuste o design de produtos para reduzir embalagens.
Para Santos (2003), a busca por novos modelos de sustentabilidade orientados às reais necessidades sociais da atualidade é extremamente necessária. Os produtos são desenvolvidos para o mercado, e não para a necessidade da população. Este é o ponto fundamental dos designers e o norte para seus projetos – eles assimilam como problemática a falta de algo no mercado, porém nem sempre vão a fundo na real necessidade do usuário. A ameaça para o equilíbrio do desenvolvimento sustentável deve basicamente pela desarmonia na relação entre o desenvolvimento econômico e o social, afetando, por consequência, o ecológico. “Conforme argumentaram Ruskin e Morris, o grande poder do designer de alterar a sociedade reside muito mais na forma das suas relações de trabalho do que nas formas que ele atribui a um determinado artefato” (DENIS, 2000, p.77). 209
Não se pode negar a importância do design para o desenvolvimento econômico das organizações e conseqüentemente para o desenvolvimento do país, porém para o Brasil, seria utópico e demagógico defender um design social “puro”, como Papaneck, considerando os aspectos de competitividade e a aproximação de mercados internacionais. Entretanto, é preciso conscientizar sobre o papel social do design em relação: •
à ética - pela consciência do domínio de técnicas de manipulação, tanto no sentido da facilidade de indução ao consumo exagerado e desnecessário quanto da condução de pensamentos em favor de alguma idéia;
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ao bem-estar da comunidade e qualidade de vida - não só a humana, mas todas as formas de vida;
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às questões ambientais - pela consciência de descarte ou re-uso das ofertas para conservação do planeta;
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ao pensamento global - deve-se ter o cuidado na defesa de um design inclusivo, ou design para todos, evitandose constrangimentos internacionais ou diplomáticos. Os países estão cada vez mais próximos, no entanto, as diversificadas devem ser respeitadas.
Para os projetos de design voltados à inserção social pode-se tomar como exemplo vários projetos que apresentam criações ou interferências de profissionais de design, artes plásticas e moda, baseados nas técnicas artesanais da Coopa-Roca, Cooperativa de Trabalho Artesanal e de Costura da Rocinha, do Rio de Janeiro. Criado há 20 anos, reaproveita retalhos de tecidos e do lixo industrial têxtil de grifes cariocas. Com fuxicos, crochês, nozinhos e patchworks criaram objetos utilitários, de decoração e vestuário especialmente criados para a mostra. Para Maria Teresa Leal, co-fundadora da Coopa-Roca e curadora da mostra, a intervenção de designers profissionais desvincula os produtos da imagem assistencialista, proporcionando geração de rendas e referências culturais brasileiras contemporâneas (LIMA e ANDRADE).
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Não se pode negar a importância do design para o desenJá os projetos de design que visam a manipulação de pessoas por meio de imagens subliminares podem ser exemplificado pelo filme Arquitetura da Destruição, de Peter Cohen, premiado em 1992. Considerado um dos melhores estudos sobre o nazismo, retrata a trajetória do “artista medíocre” Hitler, que tinha como princípio fundamental embelezar o mundo, mesmo que tivesse que destruir parte dele. Para este fim usava um sistema de identidade visual eficiente e eficaz na comunicação com os germânicos, convencendo-os de sua superioridade e inferiorizando certas raças. Para ilustrar os projetos de design que alcançam repercussão social não intencional, pode-se citar o símbolo do Quarto Centenário da Cidade do Rio de Janeiro, em 1964, criado por Aloísio Magalhães, que teve a capacidade de envolver e integrar as pessoas de uma cidade de tantos contrastes, concedendolhe uma identidade. Foi adaptado e aplicado pela população em diferentes suportes como pipas e biquínis. O quarto tipo de projeto de design social, o qual alcança repercussão social intencional, está sendo bastante explorado atualmente. Os programas sociais da empresa O Boticário, como o “respeite a minha natureza”, que conquistou a simpatia da população, através de mensagens visuais dentro de um sistema de comunicação integrada (camisetas, peças promocionais, peças institucionais, produtos, entre outros). E finalmente, para ilustrar os projetos voltados ao meio ambiente, cita-se as embalagens da linha infantil da Natura, que após o uso do produto se transformam em brinquedos, como parte da saboneteira que se encaixa no champô e se transforma num “joão bobo”, demonstrando uma preocupação com a reutilização do produto.
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Também é necessário que os projetos de design estejam afinados com algumas diretrizes de conformidade social, tais como: •
a abrangência de benefícios, com estratégias que resolvam problemas para o maior número de pessoas possível;
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a possibilidade de escolha, defendendo estratégias que permitam às pessoas tomarem suas próprias decisões;
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a proteção à privacidade e particularidades, tais como religiões, culturas, crenças , raças, entre outras;
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não criar comportamentos inadequados, no tocante à seleção de mensagens que não deturpem ou provoquem comportamentos não apropriados, ou que imponham um único estilo de vida como “padrão”;
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a satisfação das reais necessidades do público-alvo sem manipulação de qualquer ordem, encontrando soluções simples eficientes e eficazes;
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a seleção de estratégias eficazes e eficientes e que guardem a responsabilidade moral;
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a avaliação do projeto dentro de um contexto macro, aplicando estratégias que corroborem com os aspectos legais, culturais, sociais e éticos;
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impedimento da exploração de pessoas, não associando sua imagens a produtos inadequados.
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de um design inclusivo, ou design para todos, evitandose constrangimentos internacionais ou diplomáticos. Os países estão cada vez mais próximos, no entanto, as diversificadas devem ser respeitadas.
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Na verdade, a noção que nortearia a construção desse valor positivo apareceria já em 1915, com o artigo de Oswald de Andrade Em prol de uma pintura nacional36. Nesse texto o intelectual problematiza a ação do Pensionato Artístico que, ao enviar artistas brasileiros à Paris, não estaria distanciando esses artistas e suas produções de uma arte brasileira, fazendo destes artistas nacionais. Tadeu Chiarelli em Um jeca nos vernissages justifica essa postura de Oswald, pois tal artista, acostumado com a paisagem européia “complacente”, ao voltar, não conseguia perceber a exuberância da natureza local, que poderia ser a base de criação de “uma grande escola de pintura nacional” (CHIARELLI, 1995, p. 96). As conseqüências geradas pelas ações e projetos sociais que o design pode desenvolver se convertem em benefícios econômicos, desde geração de rendas a comunidades carentes até lucros significativos a grandes empresas, e isso não pode ser visto como um aspecto negativo. Mas se essas empresas não reverterem os lucros para as ações sociais, em pouco tempo poderão ficar à margem e sofrer as conseqüências. Diante do efeito do capitalismo, é preciso mais do que nunca repensar o papel do design. A preocupação em construir uma pintura nacional se alastraria dentro da obra crítica de Mário de Andrade pela formulação de diferentes proposições. Como foi dito no capítulo anterior, a exaltação do cosmopolitismo, a imitação desenfreada de diferentes aspectos da cultura parisiense, seriam posteriormente questionados por ele. No entanto, esses questionamentos são articulados em torno da busca de um gênio brasileiro – uma espécie de genealogia do caráter brasileiro. Imbricam-se, nessa pesquisa do intelectual, aspectos do afrancesamento da sociedade brasileira, o estudo da arte colonial, o expressionismo alemão, pesquisa folclórica e lingüística (rompimento da distinção entre linguagem escrita e falada, a escrita em “manga de camisa”), entre muitos outros aspectos, já trabalhados em diversas obras críticas posteriores37. Estamos utilizando para esse subcapítulo o livro Pintura não é só beleza – a crítica de arte de Mário de Andrade, de Tadeu Chiarelli.
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As conseqüências geradas pelas ações e projetos sociais que o design pode desenvolver se convertem em benefícios econômicos, desde geração de rendas a comunidades carentes até lucros significativos a grandes empresas, e isso não pode ser visto como um aspecto negativo. Mas se essas empresas não reverterem os lucros para as ações sociais, em pouco tempo poderão ficar à margem e sofrer as conseqüências. Diante do efeito do capitalismo, é preciso mais do que nunca repensar o papel do design.
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XI DESIGN NA POLITICA O cartaz político ainda é uma arma?
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É um diálogo entre símbolos, corpos e rostos: Lenine, Che, Otelo, Nixon, Bush, Obama... No Museu do Design e da Moda, Lisboa, em “Ombro a Ombro: Retratos Políticos”. Suscita perguntas. A política portuguesa pode, um dia, produzir um cartaz com o impacto icónico daquele, com o rosto de Obama, da autoria de Shepard Fairey? Os “outdoors” andam nas auto-estradas, as máquinas eleitorais preparam as suas campanhas e os políticos treinam para convencer o eleitorado. Estamos em ano de eleições (uma já passou, duas vêm a caminho) e, com sentido de oportunidade, o Mude - Museu do Design e da Moda, em Lisboa, recebe, até 13 de Setembro, uma imensa galeria de cartazes: “Ombro a Ombro: Retratos Políticos” (exposição comissariada por Christian Brändle, director do Museu de Design de Zurique). Estão lá Che Guevara, Lenine, Mussolini, Hitler, Mário Soares, Otelo, Barack Obama, Mitterrand ou George W. Bush. Encenados por artistas, designers, propagandistas, com e sem assinatura. Os formatos, os estilos e os objectivos das imagens expostas são diversos. Umas fazem o culto da personalidade, outra servem a campanha eleitoral clássica ou a simples propaganda política. Todas, porém, permitem um reencontro do visitante (que na maioria dos casos será, também, um eleitor) com o passado e o presente da vida política. Uma parte de “Ombro a Ombro” também inclui cartazes retratos anódinos, limpos, absolutamente esquecíveis, em particular os portugueses e aqueles produzidos pela publicidade política contemporânea, o que leva a perguntar: há qualidades estéticas no cartaz político? Ou este é (tem que ser) necessariamente pouco criativo?
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As orientações do “marketing”
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Mário Moura, crítico de design e autor do blog ressabiator. wordpress.com, explica a pobreza gráfica da generalidade dos cartazes contemporâneos com o predomínio da publicidade política: “Têm sido muito raros os cartazes políticos dos últimos anos que dão vontade de pendurar em casa. A maioria, mesmo os de partidos com ideologias opostas, acaba por ser muito parecida”. E esta homogeneidade visual tem objectivos concretos, até previsíveis: aponta, claro, ao centro. “Se um cartaz representar uma força de política de modo demasiado evidente arrisca-se a alienar indecisos e pessoas de outros partidos políticos. Por isso, são cada vez mais graficamente neutros e semelhantes entre si”. Neste contexto, onde as orientações são ditadas pelo “marketing” e a publicidade, os designers pouco podem fazer: “Limitam-se a fazer o arranjo final da fotografia e do slogan sobre o papel. Contam-se pelos dedos as campanhas que se apoiam sobre uma ideia gráfica”. A perspectiva de António Costa Pinto, politólogo e investigador do Instituto de Ciências Sociais, não se distancia muito da de Mário Moura, mas parte de outras premissas. A propósito de um par de cartazes, na exposição, que juntam, como casal perfeito, John McCain e Sarah Palin, a dupla republicana derrotada nas presidenciais dos EUA, considera: “São terríveis do ponto de vista estético, mas cumprem bem a sua função. São dirigidos a um eleitorado que é o da América provinciana, dos valores conservadores e religiosos”. E acrescenta: afinal, “os cartazes são instrumentos racionais de conquista de poder, não lapsos estéticos”. Em Portugal, a criatividade no poster político teve o seu período áureo logo após o 25 de Abril. Mas a chegada do “marketing” político alterou o cenário: “Nos finais dos anos 70, os partidos que em Portugal acabariam por dominar a cena política já tinham alguma empresarialização, mas era muito pequena. Foi com as candidaturas presidenciais do [General] Ramalho Eanes e a consolidação da nossa democracia que a profissionalização na propaganda política se concretizou”.
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Apareceram as agências de comunicação e a publicidade e a sua utilização aumentou numa dinâmica inversamente proporcional à militância partidária. A realidade alterara-se: “Os partidos não eram os mesmos de há 30, 40 anos quando eram partidos de militantes.” Determinado como um meio específico, neutro, esvaziado de ideologia, o cartaz político, feito de papel, para estar na rua, tem hoje uma presença mais modesta na actividade política. António Costa Pinto concorda: “Sim, foi predominante entre o final do século XIX e os anos 70 do século XX, mas a tendência para a utilização de outros suportes é cada vez maior. Por outro lado, o mundo é muito diverso. Há camponeses nos Andes que precisam de votar, camponeses chineses que um dia irão votar e nestes casos é a propaganda política mais tradicional que será convocada”. E não precisamos de ir mais longe: “Em Portugal fala-se sempre nas dimensões da inovação, da blogosfera, dos sites, mas a maior parte da propaganda política continua a ser feita nas chanfanas e nas feiras”. Para Mário Moura, onde os designers têm maior liberdade para trabalhar com os cartazes “é nos partidos pequenos e nas causas mais independentes”. As imagens criadas são, talvez, eleitoralmente menos eficazes, “mas a longo prazo podem tornar-se ícones poderosos que são frequentemente apropriados e reapropriados por diferentes grupos, ideologias e partidos ou mesmo produtos. Os cartazes baseados na figura de Che Guevara são um bom exemplo”. Em suma, o cartaz ainda é uma arma. Mais discreta ou eficaz, com poder de fogo diminuído, continua a existir nos “outdoors”, na internet, nas caravanas partidárias. Como uma representação gráfica dos candidatos e da política (que temos).
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Os cartazes que merecemos
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Se o cartaz como elemento da propaganda política tem com objectivos convencer, conquistar, mobilizar, onde entra o design? Mário Moura: “O design é um processo muito sensível a mudanças políticas, mesmo que pequenas, pois é um processo de negociação entre várias pessoas. E o resultado final depende da forma como esse processo se organiza. Numa grande empresa, por exemplo, o objecto final está dependente de uma série de aprovações muito grande”. Os efeitos desta prática são inevitáveis e limitam a invenção. Condenado a ser um produto de uma forma de administração empresarial (associada à ideologia neo-liberal), o design político espelha um desencanto que, segundo o crítico, se descobre no próprio design. “A falta de fé na política está ligada a uma falta de fé no design. Se uma campanha usa design demasiado sofisticado é logo acusada de se preocupar demasiado com a imagem. O que acontece é que a maioria das campanhas políticas são não apenas contra o design vistoso como contra o próprio design. Se neste momento a política profissional precisa de recuperar a sua credibilidade, o design tem certamente algum trabalho nesse sentido”. E, nem por acaso, o panorama visual e gráfico das campanhas eleitorais portuguesas precisa, com urgência, se não de mais credibilidade, pelo menos de mais arrojo. Os cartazes das últimas europeias, com destaque para os partidos do poder, foram soporíferos dirigidos aos olhos. Imagens de fotógrafo de subúrbio, tão risíveis quanto incómodas. Faz falta um pouco mais de verve, imaginação e convicção. A bem da democracia e contra a abstenção. O cartaz Barack Obama, da autoria de Shepard Fairey, é, na opinião de Mário Moura, um dos exemplos raros de um “bom cartaz “ contemporâneo: “De todas as apropriações da imagem de Obama, é a mais bem sucedida. Tornou-se mais oficial que a imagem oficial. Agarrou naquilo que a campanha de Obama procurava transmitir, uma imagem de esperança no futuro, mas também uma nostalgia de uma América mais inocente e sensata”.
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E embora sem inaugurar uma nova forma de criar imagens políticas - Shepard trabalha a partir da apropriação de imagens históricas e a imagem de Obama remete para os cartazes realizados durante o New Deal - veio entretanto recuperar o formato do cartaz, trazendo-o não tanto para a rua, mas para a internet. A política portuguesa pode, um dia, vir a produzir um cartaz com semelhante impacto icónico? António Costa Pinto tem dúvidas e justifica-as com a natureza política da nossa democracia: “Faltam-nos algumas coisas. O nosso sistema político não sendo anti-presidencial, é apesar de tudo menos pessoalizado. Temos eleições para a Presidência da República, mas o cargo institucional do presidente é mais anónimo”. E a esta particularidade acrescenta-se outra: “Falta-nos uma dimensão que é mais difícil de introduzir em Portugal: a dimensão messiânica; ou seja, alguém que numa conjuntura de crise possa protagonizar um modelo de esperança para a sociedade americana”. José Luís Garcia, sociólogo, também investigador do Instituto de Ciências Sociais enuncia outras razões que se encontram com as apresentadas pelo seu colega: “O sistema político da União Europeia, e de cada um dos Estados europeus, não tem tendência a forjar personagens com a força mítica e icónica de um Barack Obama. A primeira porque a sua personalidade mais importante resulta de uma escolha feita pelos directórios dos partidos maioritários nas costas dos eleitores. E do ponto de vista de cada um dos Estados, por razões sociais e políticas de fundo, as oligarquias políticas europeias não permitem que possa surgir um jogador que, nesse terreno, pudesse restituir uma certa esperança nas transformações políticas. E se não aparecem jogadores, não podem aparecer estrelas da política ou um cartaz como aquele.” José Luís Garcia não está, no entanto, convencido da potência crítica (e da longevidade) do poster assinado por Shepard Fairey e coloca-o dentro de um conceito proposto por Siegfried Kracauer, sociólogo e crítico cultural alemão do século XX: o ornamento da massa.
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No entanto, também se observou que com a participação da comunidade local, que conhecia as reais necessidades desse público, isso poderia ser revertido. Outro ponto importante dessa fase foi o diagnóstico dos serviços que já eram oferecidos, tanto pela prefeitura como por outras organizações. Percebeu-se que apesar de existir uma grande oferta de serviços direcionados para desempregados, essa variedade acabava criando uma certa confusão para as pessoas que estavam em busca de uma colocação no mercado de trabalho. Também foi diagnosticado que havia, muitas vezes, uma sobreposição nos serviços oferecidos e uma falta de comunicação entre essas agências. Também se observou nessa fase que os programas de emprego oferecidos pela prefeitura eram muito abrangentes e não eram capazes de atender às necessidades das pessoas que estavam desempregadas por um longo período. A partir dessa análise preliminar, foi feito um esboço do que seria a jornada do usuário em busca de emprego. O mapeamento dessa jornada deveria ser o mais completo possível, unindo, assim, serviços de saúde, bem-estar, treinamento, desenvolvimento de habilidades e a conquista de uma vaga no mercado de trabalho. Nesse mapeamento, ficou evidente que apesar de a jornada desses usuários ser muito parecida, suas necessidades eram diversas e uma abordagem mais coordenada seria necessária. Após a fase de descoberta, em que foram apontados questionamentos e reveladas algumas oportunidades, a equipe de projeto começou a gerar inúmeras ideias para fazer com que pessoas desempregadas por um longo período se engajassem em programas de emprego. As soluções criadas nessa fase variavam de simples ideias incrementais, como um folheto que reunisse informações sobre treinamento, voluntariado e vagas de trabalho, até uma rede de organizações capazes de envol-ver seus clientes em programas de emprego. Neste contexto, onde as orientações são ditadas pelo “marketing” e a publicidade, os designers pouco podem fazer: “Limitam-se a fazer o arranjo final da fotografia e do slogan sobre o papel. Contam-se pelos dedos as campanhas que se apoiam sobre uma ideia gráfica”.
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“Ele prenunciava o torpor contemporâneo diante da inundação de imagens industrializadas e acreditava que esse fenómeno podia destruir os traços decisivos da própria consciência. Creio que este tipo de cartaz se inscreve nessa ideia de ornamento da massa, como uma espécie de padronização de coreografias e de traços”. E propõe um exemplo: “Colocar a face do Obama em traços que podiam servir à representação de jogadores de futebol ou estrelas de cinema significa que estamos a assistir ao fim de fronteiras entre formas de cultura conduzidas por códigos banais e primários”. Então, não há razão para projectarmos esperanças na figura e no cartaz? “Não lhe retiro a força icónica, mas, na minha opinião, a sua força social é efémera. Suscita efervescência, mas de baixa potência. E receio que a personalidade do Obama esteja transformada, através dessa imagem, numa partícula de massa. É um risco, mas não temos alternativa”. O cartaz ainda é uma arma? Sim, mas efémera como sempre foi, antes de passar à condição de documento visual e político.
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XII DESIGN TRANSCIDISPLINAR Design. Desígnio? Desenho? Projeto?
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Se a própria tradução isolada da palavra original em inglês ainda gera certa tensão, o que ocorre então quando esse termo aparece vinculado também a outras áreas limítrofes como a arquitetura e a engenharia? Se pensarmos no design como uma atividade projetual que planeja a existência de algo no futuro, isto pode se manifestar em qualquer área do conhecimento. Não é novidade discutir as relações entre o design, a arquitetura e a engenharia. Como áreas de desenvolvimento de projetos embora similares em muitos aspectos, se apóiam em conceitos, pesquisas, metodologias e formas de concepção distintas, mas que convivem (ou precisam conviver) de forma complexa num ambiente múltiplo cada vez mais exigente. O design é relativamente novo, se considerarmos sua existência de cerca de cento e cinquenta anos (uma idade difícil de precisar historicamente) comparada à arquitetura ou à engenharia que existem há milhares de anos. Então como uma disciplina “imatura” pode contribuir num cenário tão consolidado? Estes três campos – o design, a arquitetura e a engenharia, ora adversários, ora aliados articulam elementos que caracterizam uma transdisciplinaridade. Entender como o conhecimento passa entre, além e através das disciplinas que fazem parte do universo de cada área pode colaborar para uma maior compreensão da realidade que todos buscam. Os objetivos finais são comuns em todo projeto - atender a uma necessidade, solucionar problemas, gerar soluções criativas, inovadoras e viáveis, pensar no meio-ambiente, deixar o cliente ou usuário satisfeito – mas como encontrar caminhos que aproveitem ao máximo as qualidades específicas de cada disciplina, mas que respeitem suas individualidades? Uma disciplina, para ser reconhecida como tal deve ter seu próprio objeto de estudo, sua terminologia (linguagem) específica, sua metodologia (procedimentos) que, juntos formarão sua tradição histórica. A engenharia tem sido identificada por aspectos primordialmente tecnológicos, ligados sempre a uma viabilidade técnica. A engenharia mecânica, por exemplo, está focada no desenvolvimento, manufatura, operação e administração do processo produtivo, enquanto o engenheiro civil 226
planeja, projeta, executa, supervisiona e fiscaliza os trabalhos relacionados com a construção, operação e manutenção de edifícios, pontes, rodovias, aeroportos e obras similares. A arquitetura por sua vez traz uma bagagem cultural que considera aspectos humanos, técnicos e estéticos não necessariamente ligados a uma produção. Refere-se ao projeto e edificação do ambiente habitado pelo ser humano, à organização do espaço e de seus elementos. O design por sua vez está se afastando de uma definição inicial como sendo uma disciplina que simplesmente elabora projetos de produtos que serão produzidos em série para se tornar, segundo o International Council of Societies of Industrial Design: “(...) uma atividade criativa cuja finalidade é estabelecer as qualidades multifacetadas de objetos, processos, serviços e seus sistemas, compreendendo todo seu ciclo de vida. Portanto, design é o fator central da humanização inovadora de tecnologias e o fator crucial para o intercâmbio econômico e cultural. (...) O design procura identificar e avaliar relações estruturais, organizacionais, funcionais, expressivas e econômicas, visando: ampliar a sustentabilidade global e a proteção ambiental (ética global); oferecer benefícios e liberdade para a comunidade humana como um todo, usuários finais individuais e coletivos, protagonistas da indústria e comércio (ética social); apoiar a diversidade cultural, apesar da globalização do mundo (ética cultural); dar aos produtos, serviços e sistemas concebidos com as ferramentas, organizações e a lógica introduzidas pela industrialização - não apenas quando produzidos em série. Assim, o design é uma atividade que envolve um amplo espectro de profissões nas quais os produtos, serviços, gráficos, interiores e a arquitetura participam. Juntas, estas atividades devem realçar – relacionando-se com outras profissões - o valor da vida.(...)” (ICSID)
Atualmente, o universo do conhecimento tem se tornado cada vez mais vasto e diversificado, o que torna necessária uma adaptação da humanidade aos novos saberes. Segundo Basarab Nicolescu, físico teórico do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) e Presidente do Centre International de Recherches et Études Transdisciplinaires (CIRET) em Paris, quando se fala em relacionar várias disciplinas podese fazer uma abordagem multi, inter ou transdisciplinar. Uma abordagem multi ou pluridisciplinar ocorre quando diz respeito ao estudo de um objeto de uma única e mesma disciplina, efetuado por diversas disciplinas ao mesmo tempo (por exemplo, a história do Brasil que pode ser estudada sob o ângulo do design, da engenharia ou da arquitetura). A abordagem interdisci227
plinar refere-se a um determinado conhecimento que transita entre diferentes disciplinas (por exemplo, o cálculo matemático que poderá ser transferido e aplicado em um projeto de um edifício ou de uma máquina ou de um produto). A abordagem transdisciplinar, segundo o autor, envolve aquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de toda e qualquer disciplina. Sua finalidade é a compreensão do mundo atual, para a qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento. Esta nova forma de pensar baseada no “trans” exige um conhecimento e um comportamento que atravesse e ultrapasse a forma como as disciplinas estão organizadas até agora e que coloque como elementos centrais o ser humano e o ambiente que o cerca acima de tudo. “Abordagem Transdisciplinar é a tendência de reunir as disciplinas numa totalidade, ante os Fenômenos Naturais. É a tendência de criar pontes entre as disciplinas, um terreno comum de troca, diálogo e integração, onde os Fenômenos Naturais possam ser encarados de diversas perspectivas diferentes ao mesmo tempo, gerando uma compreensão holística desse Fenômeno, compreensão essa que não se enquadra mais dentro de nenhuma disciplina, ao final.” (SCHULER, 2005)
Será que podemos nos atrever a dizer que o design pode se candidatar para ser um “hospedeiro” dessa nova abordagem? O design, numa trajetória inversa à da arquitetura e da engenharia, ao invés de estar se especializando, se tornando restrito, de limitar sua área de atuação está, justamente ampliando seus horizontes ao absorver, na prática, profissionais com outras formações projetuais. Talvez isto esteja acontecendo pela pouca idade, pela falta de limites rígidos ou pelo fato de que as atividades ligadas ao design antecedem o surgimento da própria figura do designer. Como atividade projetual, o universo de atuação do designer, embora mais amplo, talvez seja menos complexo (o que não significa necessariamente que seja mais fácil), o que acaba permitindo este intercâmbio. Obviamente, nem todos os especialistas estão aptos a desenvolver qualquer projeto e isto se agrava mais no momento em que o risco envolvido no processo aumenta. Esse movimento muitas vezes acaba sendo, portanto, unilateral. Historicamente é mais comum ver arquitetos-designers ou engenheirosdesigners do que designers que se “aventuram” no campo de atuação da arquitetura ou da engenharia.
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Podemos perceber o reflexo da passagem de conhecimento de uma área para outra quando analisamos a produção de alguns profissionais: • Leonardo da Vinci (1452 – 1519): cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, pintor, escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico italiano reconhecido pelo seu talento artístico e pelas suas enormes capacidades de invenção e engenhosidade tecnológica. • Zaha Hadid: arquiteta iraquiana radicada em Londres amplia as fronteiras de uma arquitetura desconstrutivista ao reproduzir uma estética visionária na transição que os ambientes exercem sobre os diversos campos do design. • Philippe Starck: designer e arquiteto de interiores francês que projeta sua irreverência em produtos, ambientes e modernos edifícios, numa grandiosa expressão simbólica de formas e espaços. • Le Corbusier (1887 - 1965): arquiteto, urbanista e pintor francês reconhecia o essencial e atemporal aplicando seu grande poder de síntese nas formas arquitetônicas funcionalistas e em seu mobiliário chamado de equipamento de habitação. • Irmãos Campana: o advogado (Humberto) e o arquiteto (Fernando) que fazem design de produtos, mobiliário, moda, paisagismo, cenografia e projetam espaços tendo uma compreensão de todo o ambiente ao fazer design com arte, utilizando materiais comuns. No cenário atual, o papel do design está mudando: deixou de ser uma mera etapa do processo de desenvolvimento, onde tinha a tarefa de tornar os produtos esteticamente mais agradáveis aos consumidores. Hoje, o design está sendo solicitado a gerar ideias que melhor traduzam as necessidades e desejos desses consumidores. Esse é o conceito do design
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thinking, proposto por Tim Brown, CEO e presidente do renomado escritório americano de design e inovação IDEO. Tratase de “uma metodologia que imbui a todo o espectro de atividades relacionadas à inovação um éthos do design centrado no ser humano”. Posto de uma forma mais simples: “é uma disciplina que usa a sensibilidade e os métodos do designer para combinar as necessidades das pessoas com o que é factível tecnologicamente e o que uma estratégia viável de negócios possa converter em valor ao consumidor e em oportunidade de mercado” (BROWN, 2008).
É através da forma de pensar e de ver as coisas sob os diferentes ângulos do designer que será possível transformar o modo como os produtos poderão ser desenvolvidos: identificando aspectos do comportamento humano, agregando novos valores e significados às soluções do futuro, convertendo tudo isso em benefício ao consumidor e ao negócio. É preciso que haja um pensamento organizador e integrador, que não discuta particularmente cada especialidade comparando suas características e apenas somando informações, mas sim uma corrente que entrelaça esse conhecimento, ampliando as possibilidades de interação, criando condições para a potencialização da criatividade. Afinal, todos nós podemos pensar como designers.
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XIII DESIGN E MÚSICA Duas disciplinas diferentes unidas numa complexa e extensa relação amorosa.
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Dificilmente conseguimos contabilizar a duração deste caso amoroso, uma relação que provavelmente remonta aos primórdios da música tal como a conhecemos. Muito possivelmente, a relação mais directa entre a Música e o Design começa no primeiro disco de música comercializado. Esta relação bilateral foi evoluindo ao longo do tempo, onde diversos estilos musicais foram utilizando diferentes disciplinas, diversos tipos de linguagem e diversos tipos de grafismo, várias formas de comunicar foram sendo criadas para melhor reproduzir visualmente as diferentes sonoridades. Existem dois sentidos nesta via; por um lado, podemos dizer que muitas linhas criativas foram inspiradas na sonoridade de diversos músicos. Também existem muitas correntes musicais inspiradas em estilos gráficos criados por diversos designers ao longo do tempo. Seria de prever que com o passar do tempo esta relação se tornasse cada vez mais forte, quase como uma fusão entre dois mundos. Em 1963, o famoso ícone da Pop Art, Andy Warhol, com o seu estúdio em Nova Iorque The Factory acabou por fomentar ainda mais esta ligação, dando festas onde, não só projectava os seus filmes, como já existiam Vj’s a realizarem diversas experimentações a nível de vídeo/projecção. Artistas relacionados com arte e música eram os convidados. Salvador Dalí, Bob Dylan, Ultra Violet, Lou Reed, Frank Holliday, Billy Linich, Maureen Tucker, Mick Jagger, Ronnie Cutrone, entre outros, eram habituais nas suas festas. Nasce em 1968 o famoso estúdio de Design Hipgnosis, constituído por Storm Thorgerson, Aubrey Powell e Peter Christopherson, responsáveis pela criação de capas icónicas para bandas como Led Zeppelin, Pink Floyd, Black Sabath, Peter Gabriel, Génesis e muitos outras. Este estúdio veio estreitar ainda mais o elo, pois cada vez mais o som necessitava de uma imagem para se exprimir no silêncio.
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Se no início a Arte servia de pano de fundo a este romance, com o nascimento de estúdios de Design que estavam directamente ligados ao mundo da música e que trabalhavam todo o material das bandas foi ficando cada vez mais clara a ligação directa entre os dois. Trevor Jackson é um dos filhos deste longo romance. Designer, músico e produtor, Trevor quebrou diversas fronteiras e abriu o seu primeiro estúdio de Design em 1990, onde desenhou capas para Stereo Mc’s, Jungle Brothers e Todd Terry. Passado um ano, o estúdio passou também a ser uma editora de Hip Hop que rapidamente se tornou num êxito. Sobre o nome de Underdog, Trevor remixou diversos trabalhos de artistas como Massive Attack, U2 e Unkle. Em 1996, Trevor formou uma nova editora chamada Output Recordings, responsável pela introdução de artistas como Black Strobe, The Rapture, Lcd Soundsystem, entre outros, tal como o seu próprio projecto PlayGroup. O sucesso foi tal que a Output recordings foi considerada como a Factory ou a própria Warp Records desta década pela Jockey Slut Magazine. O sucesso no mundo da música em nada invalidou o sucesso no mundo do Design. Trevor é responsável pelo Design da maior parte das bandas da sua editora, tendo também desenvolvido trabalho para a campanha dos Soulwax, extensivamente premiada nos mais altos festivais de Design. A sua lista de clientes, com nomes como Sony, Coca-Cola, Puma, Universal, Virgin ou DFA Records espelha o seu sucesso. A profissão “Músico-ó-Designer” é hoje em dia algo cada vez mais comum. Temos diversos exemplos em Portugal, alguns resultados são felizes outros nem por isso. Pois a verdade é que, embora a Música e o Design estejam fortemente ligados, envolvem engenhos e dedicações diferentes e muitas vezes quando queremos fazer tudo, acabamos por não ser bons em nada.
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Com uma história de vida tão extensa e complexa, que mais se pode equiparar à série “Dallas”, este artigo sem muito esforço se tornaria num livro, pois a verdade é que a ligação entre o Som e a Imagem são tão naturais como a capacidade humana de ver e ouvir como se tratasse apenas de um só canal.
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MĂşsica enquanto ponto de partida
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Neste estudo, a dimensão sonora é abordada tendo como ponto de partida a música. Em termo etimológicos, a música deriva da palavra Grega mousiké téchne, também conhecida como a arte das musas. Na Grécia antiga, são frequentes as referências à música, que assim invade o espaço da mitologia grega, sendo abordada segundo discussões teóricas relacionadas quer com a sua origem, quer com a sua função. Murray Schafer, no seu texto The music of the environment4, destaca dois mitos gregos que acredita estarem na origem do que é ou deve ser a música. O primeiro mito apresentado por Schafer consiste na Décima Segunda Ode Pítica de Píndaro, onde, de acordo com Píndaro, a arte de tocar o aulos5 é inventada por Atena, que ao ouvir as lamentações das irmãs de Medusa quando Perseus a mata, tenta imitar tais hinos fúnebres. Neste mito, a música surge como uma emoção subjectiva que irrompe do peito humano. O segundo mito, Hino Homérico a Hermes, propõe uma origem diferente. Ele relata como Hermes inventou a lira, ao aperceber- se que a carapaça da tartaruga, ao ser usada como corpo de ressonância, poderia produzir som. Aqui a música surge com a descoberta das propriedades sónicas dos materiais do universo, o que, segundo Schafer, sugere a presença de uma harmonia. “Sugere que o universos é mantido unido pelas harmonias de algum design acústico preciso, sereno e matemático.”
Estes dois mitos revelam duas visões importantes e dispares sobre a música: uma mais relacionada com os aspectos derivados da emoção, e outra relacionada com as características sónicas e acústicas dos materiais.Durante muitos anos, foi a visão da música descrita no primeiro mito que dominou o pensamento da Western Music. Contudo, a definição de música sofreu mudanças radicais nos últimos anos. A procura de uma definição de música sempre se revelou num aspecto controverso. Uma das noções mais comuns, consiste em definir a música enquanto organização de sons.
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No fundo, muitas pessoas partilham esta ideia relativamente à definição de música: a ciência ou arte de ordenar e combinar tons ou sons, numa sucessão e relação temporal que proporcione a criação de uma composição que possua harmonia e continuidade. Contudo, o surgimento de formas de música avant-garde no século XX, desafiaram por completo a visão tradicional da música, o que tornou cada vez mais difícil a determinação de uma definição. Assim, deu-se uma aproximação entre a música (algo que opera no domínio cultural) e o som (que pressupõe uma relação com fenómenos existentes). Uma das figuras preeminentes neste contexto foi John Cage, para quem a música consistia em sons, sons que se ouvem à nossa volta quer estejamos em salas de concertos ou não. John Cage acreditava que qualquer som poderia ser considerado como música, e essa ideia reflectiu-se nos seus trabalhos. Os seus comportamentos e ideias enfatizam o som não apenas enquanto meio musical, mas como algo que direcciona a atenção não tanto para além da interpretação, mas na direcção do contexto no qual a interpretação deve sempre ocorrer.
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