Contos de Fuga

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Contos de Fuga Greice Miotello Allan Ortega

Ilustração Allan Ortega


Copyright © Greice Miotello & Allan Ortega

Autores Greice Miotello e Allan Ortega Ilustração de Capa Allan Ortega Pitacos da Fada Madrinha Helena Agalenéa Pitacos com Cerveja Egon Seidler Diagramação Greice Miotello #SCulturemSuaCasa Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida, transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e dos autores.

Greice Miotello; Allan Ortega Contos de fuga. São Carlos: Pedro & João Editores, 2020. 24 p. ISBN: 978-65-5869-096-2 1. Contos na pandemia. 2. Literatura brasileira. 3. Autores. I. Título. CDD – 028.5 Arte da Capa: Greice Miotello Ilustração: Allan Ortega Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito

Conselho Científico da Pedro & João Editores: Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/ Brasil); Hélio Márcio Pajeú (UFPE/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Valdemir Miotello (UFSCar/Brasil); Ana Cláudia Bortolozzi (UNESP/ Bauru/Brasil); Mariangela Lima de Almeida (UFES/Brasil); José Kuiava (UNIOESTE/Brasil); Marisol Barenco de Melo (UFF/Brasil); Camila Caracelli Scherma (UFFS/Brasil); Luis Fernando Soares Zuin (USP/Brasil)



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Bora Fugir?

Bora Fugir? Sair. Respirar o ar de fora. Com certeza é diferente. Só pode! O Ar, aqui, fica parado, dá a sensação de que ele não consegue ultrapassar a linha do muro. O Ar lá fora é livre. Não entra aqui dentro. Ele sabe da proibição. Por isso ele corre, salta e dança lá fora. Quase ri de mim ou para mim. Gosto de pensar que seja para mim, porque assim aquece o convite e por um instante tenho a permissão que tanto quero sentir. Bora Fugir? Estendo o convite. Preciso que seja compartilhado. O Ar entra no outro. Como se o pulmão se rasgasse de energia. Forneci o combustível. Agora era hora de ir. Não podíamos mais voltar para onde estávamos. Respiramos. Juntos. Olhos brilharam. Juntos. Bora Fugir!

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Na calada da noite

Eram 22h, em plena quarentena. Não sabiam que dia da semana, perderam as contas. Tapioca pronta, uma com queijo, alface, maionese e tomate, outra sem queijo, com lentilha, azeite e tomate. Lá pela quinta mordida, e no estalo da latinha se abrindo, a ideia. — Cara, bora fugir? — disse ela. — Bora! — ele respondeu. Os quatro olhos brilharam. — Podemos dar uma volta a pé pela noite, não vai ter ninguém na rua! — Bora! Vamos hoje? — Ai que meu coração até acelerou! — suspirou a idealizadora do plano. Silêncio. Um silêncio adolescente de quem vai aprontar, de quem jogou a ideia mas não esperava que fosse acontecer de verdade. Ambos foram digerindo a sensação... e o final da tapioca. Nessa altura, a primeira cerveja já estava na metade. Ela: — Vamos mesmo?! — Quantas cervejas têm? — Três.

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Contos de Fuga — Ah, estamos sem fazer nada... Agora na primeira cerveja a gente fala que sim, na terceira a gente já tá saindo pelo portão! — É! E se acabar a gente compra mais, a conveniência com certeza está aberta! — Sim! — ele riu — Bora amadurecer o plano então no escritório. Os dois se deslocaram da cozinha para o sofá em apenas dois passos. Sentaram, se olharam e, sem raciocinar, já estavam no portão. Vestiam fantasias para passarem desapercebidos na noite. Por sorte ela tinha uma capa de bruxa em casa. Ele uma camisa de vaquinha. Sem celulares ou documentos. Um plano perfeito. O portão a essa altura se tornava um portal para a liberdade. Atravessaram o portal e partiram pela rua escura. Silêncio. Tsc! Abriram a segunda cerveja e ligaram a TV. Ninguém na rua, como haviam previsto. Caminharam até a beira da lagoa e assistiram a lua crescente aparecer no céu. Aquele clima de ilegalidade, com uma mistura de cenário apocalíptico e romance noturno, despertou o desejo nos dois. Começaram com um olhar de canto de olho, seguido por um beijo de canto de boca. Um carinho gostoso na nuca dela e um aperto na coxa dele. A libido aumentando junto com o brilho da lua. As nuvens se distanciando e a luz branca se refletindo cada vez mais nos dois corpos. Corpos quentes em uma noite fresca. Olhares intensos. Bocas sedentas. Peles arrepiadas. Prazer no ar... Em um mundo paralelo, mal perceberam a luz cada vez mais forte que se 5


Contos de Fuga aproximava. A lua parecia ter passado de crescente para cheia. —Auuuuu! — uivaram. Em seguida apertaram mais os olhos e se depararam com o farol do carro da polícia. Tsc! Chegaram na terceira cerveja e nada os agradava no Netflix. A polícia mandou os dois voltarem para casa. Lá se vão a bruxa e a vaquinha de volta à quarentena. Sem antes se perderem em outro canto da lagoa e se encontrarem novamente no mundo paralelo de prazeres. — Última cerveja! Vamos ou não vamos? — perguntou ele esticando as pernas em cima do banco na frente do sofá. — Vamos! — ela respondeu fazendo o mesmo movimento com as pernas — Hoje? — Se todo mundo estiver dormindo, podemos ir sem ninguém perceber! Eram quatro pessoas na casa: os dois, a filha dela e a amiga que dividia o aluguel, aparentemente ainda acordada no quarto dela. — Tá, então tá! Veja se ela está acordada, a pequena já está dormindo. Ele foi até a frente do quarto fechado, agachou um pouco e não viu nada. Deitou no chão e viu a luz acesa por baixo da porta. Plano abortado. Eram 23h15, em plena quarentena. A cerveja acabara.

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Caipiuísque

Já pelo meio da noite. Umas 23h? Parecia que sempre que entrava a noite era a mesma coisa. Casa silenciada. Comida já encerrada. Como se tudo levasse ao sono da casa. Era sempre quando a noite estava no meio. Já não havia mais cerveja. Havia improviso. Um uísque, limões e açúcar. Nesses dias de quarentena tudo parecia sem pressa, como se tivessem todo seu tempo. Como se pudessem estar ali. Sós. Mas algo os movimentava. Sempre no meio da noite. Ou seriam 23h30? — Bora fugir? — ela falou. Era como se uma necessidade de berro por tudo saísse nessas palavras. Era como se ela pudesse, em poucas palavras, mostrar o caos que estava dentro de si. Com os olhos que pareciam entender, mas que no fundo pareciam reconhecer a pergunta como se fosse dele também. — Bora! — respondeu ele com um copo de caipirinha de uísque, feita num pote de vidro improvisado de coqueteleira, com um cabo de colher de madeira como pilão. Meio da noite... devia ser 24h. Ligaram o GPS. — Pra onde vamos? — ele perguntou. 7


Contos de Fuga — Pro sítio! — ela respondeu, explodindo as palavras da boca. — Podemos levar a galera! Apesar de que tem uns três que não vão mais, perderam esse direito. — Massa! Vamos indo nós e depois o pessoal se encontra com a gente! Eita quarentena, simbora! — Só não podemos deixar que os outros saibam. É muita pressão pra lidar! — GPS, caminho alternativo. — disse ele bem feliz para o carro. Era 1h13 e estavam no segundo copo de caipiuísque, como o chamaram. A noite estava fria. O trajeto era longo. As luzes dos outros carros incomodavam, parecia que todo mundo tinha escolhido manter o farol alto no balango da serra. E o farol dos olhos já um pouco mais baixos. Foi um toque sem compromisso na perna, um pouco abaixo do quadril, que fez tudo mudar. A respiração mudou. Foi como se aquele mundo paralelo fosse chegando devagarinho. A voz do GPS não estava mais em primeiro plano. Podia-se ouvir os corações batendo dentro do corpo. Beijos no pescoço, cintos afrouxados, mãos que percorriam corpos vibrantes. As roupas já não estavam mais em seus lugares. Seios a mostra, iluminados por um ou outro farol alto na mão contrária... Da estrada. Respiração cada vez mais ofegante. Olhos que intercalavam entre a estrada e o outro olhar. Mãos que provocavam e engoliam, boca que acariciava e enlouquecia em posições nada ortodoxas, GPS que dizia "Vire à esquerda". Corpos em desejos e 8


Contos de Fuga prazer. Boca mergulhada em... "traçando novo trajeto". Língua que... espera... GPS? — Que horas são? — ele arregalou o olho. — Nossa... deixa eu ver aqui — ela se debruçou pra pegar o celular e olhar as horas enquanto tomava o último gole do terceiro copo de caipiuísque — São 3h02! — Uau! Bora dormir? — E o nosso plano de fuga? — Deixamos pra amanhã? Ela suspirou. — Amanhã começamos mais cedo? — Amanhã precisamos fazer compras. Função toda de álcool em gel, máscara, distância das pessoas, chegar em casa, lavar as compras, tirar a roupa e ir direto pro banho... — E quem vai? — Par! — Ímpar! Ímpar, par, ímpar, par, ímp...

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Doce ilusão

Ar limpo, verde por toda a parte, um silêncio confortável preenchia o ambiente. Pelo sítio caminhavam com sorriso na boca, acompanhados dos cachorros, sem rumo num final de tarde ensolarado. Parecia um sonho! Cozinha farta, geladeira cheia, fruteira transbordando, o móvel, recém feito para guardar as comidas, era digno de foto, totalmente preenchido. Ao lado, no chão, duas caixas de cerveja, sem contar as que estavam na geladeira! Cada detalhe, enfim, perfeito. Televisão, filtro de barro, varanda arejada com vista para o mato, área para exercícios físicos, piscina, horta, até pote com recolhimento de tampinhas tinha, temperos diversos e, pasmem, ar condicionado. Uma beleza! Abriram a primeira cerveja para comemorar, se olharam pra brindar e... acordaram. Era terça-feira de quarentena. O que significa que não importava muito que dia da semana era. E sim, o sítio permanecia sendo apenas um sonho. Mas uma coisa era certa, a tarde estava sim ensolarad... Calma, era de manhã ainda, e... Que nuvem era aquela? É... O dia estava nublado. — O você vai fazer hoje? — ele perguntou esfregando os olhos.

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Contos de Fuga — Ah, não sei, tenho que ver a questão do pagamento da escola — ela suspirou. — Ah! Que loucura de não saber o que fazer! E você? — Eu sei lá! Tô mais perdido que sei lá o que. Olha essa roupa, nem é minha! — mostrou a roupa emprestada que usava. — Algumas vezes não sei nem aonde estou! PAH! Um barulho alto veio do quarto. Que supostamente era onde estavam. Mas já não estavam mais. O espelho tamanho família se estatelou no chão! — O que foi isso? — ele perguntou. — O vento! — ela respondeu, impressionada. — Fechem as janelas! Recolham a roupa do varal! Se afastem dos vidros! Não entrem em pânico! — corriam os dois de um lado para outro da casa de poucos metros quadrados, gritando para si mesmos em uma cena patética de pânico. Enquanto isso no quintal, sacolas plásticas voavam pelo ar, bancos pesados de madeira pareciam de papel e o telhado do vizinho apostava corrida com as sacolas pelo céu. Um caos de ventania! Uma confusão! Um cachorro usando máscara de proteção, um pneu furado, uma fogueira intacta ao vento, uma piscina iluminada no meio do nada, uma pessoa gritando “ABACATE” na rua, e um último vento nas costas… Silêncio. — Onde estamos? — perguntou ela, pelada. 11


Contos de Fuga — Cadê as minhas roupas? — respondeu ele, também pelado. — Conheço esse lugar! Como viemos parar aqui? — Cadê as minhas roupas?! O que aconteceu? — Estamos no sítio! — Foi aquele vento que deve ter levado as roupas. Não faz sentido! — Uma fogueira. Aproximaram-se para aquecer os corpos nus e entender o que estava acontecendo. Mas, logo a fogueira virou varanda sob a luz de chuva de meteoros no céu, a varanda virou piscina e a piscina virou palco de uma propaganda de perfume: os cabelos dela esvoaçavam ao vento em uma corrida em câmera lenta. Ele emergia da água cristalina com o peitoral todo para fora, balançando as águas dos cabelos, também em câmera lenta. Na varanda, o brilho dos meteoros refletia nos olhares que se cruzavam. E a fogueira aquecia os corpos que se aproximavam suados de calor e tesão. Câmera lenta. Chuva de meteoros. Sedução. Olhares. Beijos. Água. Fogo. Uma energia sexual cinematográfica pairava no ar dos diferentes cenários. Todos no sítio. — No sítio? — Sim, e do nada estávamos lá! Era sexta-feira. Ou... enfim, algum dia. — Telhado arrancado? Câmera lenta? — Risos. — Tá viajando! — ela riu. — Tô falando sério! Quer apostar? — ele perguntou. 12


Contos de Fuga — Isso foi tudo um sonh... — ela parou de falar ao pisar sem querer num espelho quebrado. — A questão é, será que já saímos dele? — Ele a olhou rapidamente.

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Baratas

A rua estava cheia, pessoas caminhavam de mãos dadas, crianças brincando e sorrindo, jovens na calçada com suas longnecks soltando conversas ao vento na beira da lagoa, senhoras e senhores de terceira idade caminhavam como se já não fosse mais a... Como se chama? PANDEMIA. Sim, acabou. Chegou a vacina. Claro que ela e ele não fizeram parte do primeiro lote, só pode! Algo estava estranho, só eles. Só eles caminhavam de máscara e borrifador com álcool. Só eles. — Já chegou a vacina? — ela berrou pra fora da janela do carro indignada com o que via. — Cara, você tá querendo que eles escutem ou não? — ele meio incrédulo. — Sei lá! Mas dá vontade de descer e chacoalhar eles, só pode! Como assim? — Ela com a cabeça fervendo. — Já chegou a vacina? Ah, se liguem! — Olha, uma barata. Um silêncio tomou conta dela, e do carro. Ambos se olhavam e olhavam a barata. A barata olhava para eles. A barata olhava para ela. Ela olhava para a barata. A barata olhava para ele. Ele olhava para a barata. Ela olhava para a barata. A barata calculava o momento que atacaria. Ele calculava como a barata tinha entrado ali. Ela calculava

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Contos de Fuga como pular pela janela com o carro em movimento, sem bater o carro e sem ser vista pela barata. — MATA! Ela gritou e foi como se começasse a guerra. Apareceram mais três baratas, e mais começaram a vir. Uma no banheiro, outra na sala, outra dentro do abê. Baratas apareciam de todos os lados, inclusive uma em cima da outra, aparentemente em um momento íntimo. — MATA! MATA! — MATA! MATA! — Eu não, vai você! — Não, vai você! — É sua vez! — Compra mais quatro! Cinco azul. — Cinco vermelho. — Mais duas! Oito vermelho. — Dois vermelho. — Mudança de sentido. Compra mais dois! UNO! A noite já estava chegando. — A lua está cheia. — ela argumentou. — Vamos tomar um vinho? — Só se for gelado. — ele já querendo pular para uma cerveja. — Já coloquei na geladeira. Os dois se olharam como se fossem invadir o dentro do outro. Num segundo a lua já estava dentro de casa. A lagoa molhava os pés e dançava. O fogo da fogueira fazia os dois correrem para diversos mundos. Ora enfrentando baratas, ora se divertindo ao jogar uno. As taças já 15


Contos de Fuga estavam em sua segunda rodada, fugir lhes parecia a melhor escolha para aquele momento e, juntos, fugiram como sempre.

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Caipiginha

— Deu... Já deu! Hoje a gente foge! — Concordo! Cansei também! — Estamos aqui presos a quanto tempo? — Não tenho ideia, o tempo está tão esquisito de medir... — Eéé! Antes nosso horário era tão mais certo... “No meio da noite”, “cerveja abrindo”, “caipiuísque”, nos dávamos tão bem com aquela sequência... — Velhos tempos... — Velhos tempos... — Então? Bora fugir? — Bora! Mas espera... Tem algo estranho... — O que? — Está tudo muito tranquilo, normal. Estamos muito a sós. Onde está o pessoal que narra esse conto? — É verdade! E são naquelas narrações que as coisas vão ficando surreais pra nós. — Gente! Vocês estão aí? Eu não sei nem se você é ela ou ele agora! — Eu sou ela, acho... — disse ele. — Não, não! Parece que você é ele, então eu sou ela. — disse ela. — Opa! Parece que voltaram! — disse ele numa mistura de felicidade com insegurança. 17


Contos de Fuga — Ixi! Então lá vem, se segura que vai começar a rodar aqui! — Ela segurou na mão dele desesperada, enquanto segurava um borrifador com álcool na outra mão. Como se uma força os tirasse do chão, sobrevoaram por cima da casa, do bairro, da cidade. Cada ponto que paravam, viam outras pessoas. E no começo foi gostoso, afinal, estavam nas nuvens. Mas quando desceram para olhar de perto, as pessoas na verdade eram zumbis! E mais e mais zumbis apareciam de todos os cantos da cidade! Voando de um canto para outro, buscando sabese lá o que. O álcool já tinha acabado (todo tipo de álcool). Uma luz azul cintilante brilhou nos olhos dela, uma luz vindo lá de baixo. Chegando perto, encontraram uma piscina, azul, de plástico, aconchegante o suficiente, meio inclinada de um jeito engraçado, a prova de zumbis. — Onde estamos? – ele perguntou desnorteado. — Parece que... em casa! Olharam-se com um ar de conforto. Respiraram juntos. Bem tântrico. Admiraram o lar com a nova banheira azul no quintal. — Sabe o que eu estava pensando? — ela perguntou. — O quê? — ele respondeu com uma outra pergunta. — Até que aqui está mais seguro que lá fora né? — disse ela abastecendo o borrifador com álcool. — Estava pensando o mesmo. — Ele avistou um resto de gim escondido na cozinha e foi buscar. — Essa história de fugir... No fim tivemos que fugir 18


Contos de Fuga para cá. Melhor deixar quieto. — ela concluiu satisfeita. — Topo ficar e curtir a piscina. — ele falou mostrando dois limões na mão. — Se a vida te dá um limão? — Você faz uma caipiginha.

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Meu pãozinho

Noite de lua cheia. Duas taças de vinho. Conversas ao pé do ouvido. Velas espalhadas pela casa. Seleção de músicas sensuais pelo aplicativo. O desejo foi surgindo e querendo explodir. Ela sussurrou: — Vamos fugir? — Agora? — ele respondeu. — Sim! Sair, viver o que desejamos sem medo. Dar um basta a este isolamento. Sair correndo... — ela embriagada de prazer. — Ai! É que eu tô na primeira etapa do pão de fermentação natural. São doze e eu não posso deixá-lo sozinho. Reticência.

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Uma casa e o melhor era fugir para dentro. Dentro parecia ser mais subversivo que fora. Dentro parecia a maior loucura que se podia fazer. Dentro. Com seus poucos metros debaixo de um teto, com suas velas acesas como abajur, com suas playlists jรก escutadas. Com seu dentro.

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Autores

Greice Miotello Greice Miotello é palhaça, atriz, produtora, mãe e, desde 2014, se aventura na literatura chegando a publicar, em 2019, o livro infantil A Bruxa do Cabelo Branco. Publicou, também, dois artigos em livros da Editora Pedro e João Editores em parceria com o Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso (GEGe/UFSCar). É integrante da Traço Cia. de Teatro, desde 2003, e parceira da Organização Internacional Pallasos en Rebeldía, desde 2012. Devido ao isolamento social causado pela pandemia transbordou sentimentos em pequenos contos junto com Allan.

Allan Ortega Allan Ortega é palhaço, produtor cultural integrante da Bons Ventos Produtora e um dos idealizadores da Esquina Cômica. É formado em Economia pela Unicamp, em 2015, e em Palhaçaria no Circo da Dona Bilica, em 2016. Em sua trajetória artística, já se apresentou em festivais e encontros por nove estados brasileiros. Aceitou o convite de Greice para se aventurar na criação de textos, colocar no papel pensamentos e sentimentos em forma de contos. Durante a quarentena, expandiu, pela primeira vez, seu olhar para a pintura, o que acabou dando imagem à capa do livro.


Uma casa e o melhor era fugir para dentro. Dentro parecia ser mais subversivo que fora. Dentro parecia a maior loucura que se podia fazer. Dentro. Com seus poucos metros debaixo de um teto, com suas velas acesas como abajur, com suas ‘playlists’ já escutadas. Com seu dentro.

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