festival
latinidades
Tema 2013 | Arte e Cultura Negra memória afro-descendente e políticas públicas
F icha T écnica Coordenação Geral Jaqueline Fernandes Organização e Edição Ana Flávia Magalhães Pinto Daniela Luciana da Silva Juliana Cézar Nunes Paula Balduino de Melo Uila Gabriela Oliveira Cardoso Revisão Ana Flávia Magalhães Pinto Design, Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica Chaia Dechen Fotografia Chaia Dechen Tatiana Reis Luiz Henrique Degravação Vany Campos – Degradigi Produção/realização Griô Produções Pretas Candangas
Arte e Cultura Negra memór ia afro-descendente e políticas públicas
Brasília | 2013 Organização | Griô Produções
S umário ..7.. Apresentação
..9.. Agradecimentos
..11.. Programação
..93.. Mesa 3 Mesa Sabor e Saberes
..105.. Mesa 4 O poder feminino nas matrizes africanas
..123.. ..19.. Abertura
..23.. Mesa 1 Políticas Públicas para a Cultura Negra
..45.. Mesa 2 Lançamento do livro: “Igualdade Racial: reflexões no ano internacional dos afrodescendentes”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea.
Conferência Especial com o ex -presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva: Desigualdades de gênero e raça: políticas públicas e ações afirmativas no governo Lula e sua atuação pós-mandato.
..199.. Mesa 7 Inclusão produtiva nos presídios femininos do Centro-Oeste
..233.. Mesa 8 Mulheres Negras Construindo sua História
..245.. Mesa 9 Quilombo das Américas
..133.. Mesa 5 Literatura Negra: nossas letras e vozes ..175.. Mesa 6 Gênero e capoeira: voz, corpo e tradição
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A presentação Esta é a quarta publicação do Festival da Mulher Afro-Latino Americana e Caribenha, que traz debates relacionados ao tema Arte e Cultura Negra: memória afrodescendente e políticas públicas para a cultura negra. O tema foi escolhido a partir do entendimento de que a sociedade e o estado brasileiro tem uma grande dívida histórica no que diz respeito ao fortalecimento e valorização da cultura negra e suas manifestações artísticas. Também por considerarmos a cultura um campo estratégico para discutir e trabalhar questões relacionadas ao machismo e ao sexismo. Certa vez a ativista e filósofa Sueli Carneiro afirmou que tudo o que existe de mais popular e erudito no Brasil diz respeito à cultura negra. De que forma está tratada esta cultura em termos de politíticas
públicas? Como propor e garantir que os saberes orais e ancestrais sejam considerados nos editais, chamadas públicas e outras linhas de fomento e incentivo? Como garantir que as manifestações negras sejam vistas para além da folclorização e exotismo? Que pesquisas temos com indicadores relacionados à economia da cultura afro-brasileira e afro-latina? Como esta cadeia promove, formaliza e agrega atrizes e atores negros? Qual a melhor forma de inserir no mercado de trabalho e tirar da informalidade agentes da cultura negra? Quais programas e projetos preveem capacitação nas áreas relacionadas à cadeia produtiva da cultura e que podem nos atender? Que linhas de crédito específicas temos para empreendedoras e empreendedores negros e que trabalham com cultura negra? O tema de 2013, além de buscar o debate sobre políticas públicas,
pretende dar visibilidade à cultura afro-latina e algumas de suas manifestações, sobretudo considerando o recorte de gênero. Rediscutir a influência da cultura de matriz africana no contexto da produção artístico-cultural, promover e fortalecer a memória identitária negra, trazer à tona origens e nuances sobre nosso imaginário coletivo. Em 2003, a lei no 10.639 passou a exigir que as escolas brasileiras de ensino fundamental e médio incluíssem no currículo o ensino da história e cultura afro-brasileira. O projeto propõe, ainda, forte diálogo entre cultura e educação, por meio de debates, oficinas, rodas de conversa e apresentações artísticas. Como diria o ativista negro, rapper e poeta GOG, “educação sem cultura é treinamento”.
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A gradecimentos A todas e todos que somaram com o projeto ao longo desses seis anos. Em especial nesta edição um agradecimento à nossa homenageada, Conceição Evaristo, e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao poeta GOG, por ser eterno padrinho do projeto. Às trilhas sonoras que embalaram as nossas caminhadas. À resistência manifesta em cada iniciativa artístico-cultural e política do nosso povo preto. A cada palestrante por suas falas inspiradoras. Ao privilégio e à magia de ter contato com tantas pessoas iluminadas e comprometidas com o fim da desigualdade racial e de gênero. Ao público de todos os estados brasileiros, que vem crescendo a cada edição. Às irmãs e aos irmãos da diáspora negra. Às representações internacionais que estiveram presentes em 2013, vindas da África do Sul, Angola, Colômbia, Congo, Cuba, Estados Unidos, Holanda, Inglaterra, México, Nigéria, Venezuela e Zimbabwe. Aos quilombos, terreiros e espaços criados cotidianamente tendo como ingrediente principal a resistência. Às nossas manifestações culturais e suas/seus agentes. Às/aos que vieram antes, às/aos que vem agora e às/aos que só chegarão depois. Aos aprendizados trocados em tantos dias de oralidade e resgate ancestral. Viva a nossa memória afrodescendente!
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P rogramação A rt e
e
C u lt u r a N eg r a –
LATINIDADES 2013
m e m ó ri a a f ro d esc e n d en t e e p o lí t i c as p ú bl i c as
H o m e n ag e a da : C o n ce i ç ão E va r isto Apresentações e Oficinas | Complexo Funarte, de 19 a 22 de julho
19 de julho | sexta-feira Lançamento da Exposição Fotográfica Colaborativa Cabelaço 21h
Show de Mariene de Castro – Lançamento do DVD Um Ser de Luz 21h
Local: Teatro Plínio Marcos (Funarte)
20 de julho | sábado
18h30 Lançamento Literário: Rutas de Tropas, de
Emília Murraín (Colômbia) 21h Show do Ilú Obá de Min (SP) Local: Teatro Plínio Marcos (Funarte)
21 de julho | domingo
14h
15h Oficina de Danças Afro-brasileiras Local: Funarte – Sala de dança
15h30 Oficina: Toques de Angola (atabaque agogô)
18h30 Lançamento Literário: Águas da Cabaça, de Elizandra Souza (SP)
Oficina: Fabricação de Caxixi com Projeto Tem Dendê
com Ogã Rubinho (DF) Local: Sala Cássia Eller (Funarte) 15h Oficina de Penteado Afro com Emília Murraín Valencia (Colômbia)
Espetáulo Latino América: Recital teatral com Cristiane Sobral (DF) & Indianna Nomma canta Mercedez Sosa (DF) 20h
Local: Teatro Plínio Marcos (Funarte)
Vivência: Raça, Identidade e Autoestima e seleção de modelos negras/os para os desfiles do Festival Latinidades 2013 16h
Local: Sala de Dança (Funarte)
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A presentações C ulturais L atinidades 2013 Museu da República, 24 a 27 de julho
24 de julho | quarta-feira 18h Recital e lançamento do Livro/CD A Calimba e a Flauta – versos úmidos e tesos, Allan da Rosa e Priscila Preta (SP). Acompanhados por Giovanino di Ganzá, do Quinteto Abanã (SP), com violino, flauta, balafon, urucungo, berimbau. Local: Restaurante do Museu Nacional
25 de julho | quinta-feira 19h Grande Roda de Capoeira Local: Em frente ao Museu Nacional
26 de julho − sexta-feira 10h às 18h Skate com CUFA/DF 18h Roda de break 21h Las Krudas (Cuba) 22h Karol Conka+Nave (Curitiba) 23h Playing for Change
Local: Área externa do Museu Nacional
27 de julho | sábado 10h às 18h Basquete de Rua com CUFA/DF 10h às 18h Skate com CUFA/DF 14h às 16h Vivência em Capoeira Angola para crianças, com Projeto Tem Dendê 19h Desfile de moda da Coleção Afro-infantil de Santinha Afro-Fashion (DF) 19h20 Show MC Sofia (SP) 20h Desfile GeoD by Samantha J (Nigéria/Gran Brethânia) 21h Dj Chokolaty (DF) 23h El Patito Feo (DF) 1h Black Alien (RJ) 2h30 Dj Donna Local: Área Externa do Museu Nacional
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D ebates
Museu da República, de 22 a 26 de julho
22 de julho | segunda-feira 10h Mesa de Abertura
Luiza Bairros – ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) Introdução: Daniela Luciana da Silva – Coletivo Pretas Candangas (DF) Local: Auditório 2 do Museu Nacional Igualdade Racial no Brasil: reflexões no ano internacional dos afrodescendentes, organizado por Tatiana Dias Silva e Fernanda Lira Goes, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Local: Auditório 2 do Museu Nacional 10h15 Lançamento
do livro:
12h Mesa 1: Políticas públicas para a cultura negra
• Hamilton Pereira - secretário de Estado de Cultura do Distrito Federal • Kleber Ávila - diretor de Programas e de Fundos da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) • Hilton Cobra - presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP) • Viridiano Custódio − secretário da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial do Distrito Federal (Seppir-D Mediação: Larissa Borges - Secretaria Nacional de Juventude Local: Auditório 2 do Museu Nacional 14h
Mesa 2: Cultura, Empreendedorismo e Economia Criativa
14h Mesa 4: O poder feminino nas matrizes africanas
• Vilma Piedade – representação da tradição Iorubá • Regina Nogueira / Makota Mulanji – representação da tradição Bantu • Jandira Santana – representação da tradição Fon Mediação: Daniela Luciana da Silva – Coletivo Pretas Candangas (DF) Local: Auditório 2 do Museu Nacional 15h30 Conferência Especial
com o ex-presidente da
República, Luiz Inácio Lula
da
Silva: Desigualdades de
gênero e raça: políticas públicas e ações afirmativas no governo Lula e sua atuação pós-mandato Local: Auditório 1 do Museu Nacional
24 de julho | quarta-feira 14h
Mesa 5: Literatura Negra – nossas letras e vozes
• Conceição Evaristo − escritora, ensaísta e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) (RJ) • Cris Sobral − Atriz, escritora e arte-educadora (DF) • Priscila Preta – poetisa e integrante de Capulanas – Companhia de Arte Negra (SP) • Roberta Estrela d’Alva – atriz e MC (SP) Mediação: Poliana Martins – poetiza e produtora Local: Auditório 2 do Museu Nacional
25 de julho | quinta-feira 09h Mesa 6: Gênero e capoeira: voz, corpo e tradição
• Cláudia Leitão - secretária de Economia Criativa do Ministério da Cultura (MinC) • João Carlos Nogueira - consultor do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) − Plano Brasil Afro-Empreendedor. • João Bosco Borba - presidente da Associação Nacional dos Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-Brasileiros (Anceabra) Mediação: Janaína Bittencourt - Nosso Coletivo Negro (DF) Local: Auditório 2 do Museu Nacional
• Renata Lima Zabelê − professora da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (UFG) • Mestra Janja (Rosângela Araújo) - Grupo Nzinga (BA) • Mestra Paulinha (Paula Barreto) - Grupo Nzinga (BA) Mediação: Marillia Gonçalves - capoeirista, mestra em Educação pela UnB com foco na educação antirracista e professora da Secretaria de Educação do DF Local: Auditório 2 do Museu Nacional
23 de julho |
14h Mesa 7: Inclusão produtiva nos presídios femininos do Centro-Oeste
terça-feira
10h Mesa 3: Sabor e Saberes
• Iyalorixá Ana Akiní – empresária e baiana de acarajé • Maria Elsy Sandoval − comunicadora social e jornalista da Universidad Central de Bogotá Mediação: Raíssa Gomes – Coletivo Pretas Candangas (DF) Local: Auditório 2 do Museu Nacional
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• Marcelo Dourado - diretor superintendente da Sudeco • Robson Cavalcante de Sousa - Gerente de Produção Agropecuária Industrial da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária e Justiça do Estado de Goiás • Deuselita Pereira Martins - diretora da Penitenciária Feminina do Distrito Federal – Colmeia • Jane Maria Stradiotti - chefe da Diretoria de Operações Femininas da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul 15
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• Deise Benedito - Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH-PR) • Tatau Godinho - secretária de Avaliação de Políticas e Autonomia Econômica das Mulheres, da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) • Douglas de Melo Martins - juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) • Augusto Rossini - Diretor do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen/MS) • Daniele Alves da Silva - Ex-presidiária, Secretaria de Justiça do Distrito Federal • Camila Neri − Ex-presidiária Mediação: Sabrina Faria – Fisioterapeuta e Especialista em sexualidade e gênero Local: Auditório 2 do Museu Nacional
Atividades Formativas em outras Regiões Administrativas do Distrito Federal De agosto de 2013 a janeiro de 2014, foram realizadas atividades em diversas Regiões Administrativas e também no Presídio Feminino do Distrito Federal. Os temas foram relacionados às políticas públicas para a cultura negra;
e, no caso do presídio, foram privilegiados os temas de saúde, cultura, emprego, renda e educação. No mês de novembro foi realizada a I Rodada de negócios e financiamento para empreendedoras e empreendedores negros, em parceria
com a Fundação Cultural Palmares, o Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES), o Sebrae e a Anceabra. A última atividade, no Quilombo Mesquita, foi voltada para oficinas de capoeira e tambores ancestrais.
16h – Mesa 8: Mulheres Negras Construindo sua História
• Lurdinha Rodrigues - coordenadora geral da Diversidade da SPM • Claudia Marques de Oliveira − Programa Ações Afirmativas da UFMG • Conceição Evaristo - escritora, ensaísta e doutora em Literatura Comparada pela UFF (RJ) − homenageada do Latinidades 2013 Mediação: Cecília Bizerra Sousa – Coletivo Pretas Candangas (DF) Local: Auditório 2 do Museu Nacional
26 de julho 10h – Mesa 9: Quilombo das Américas
• Maria Rosalina dos Santos − Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq) • Tatiana Silva - Ipea • Bárbara Oliveira - Seppir Mediação: Paula Balduino - Coletivo Pretas Candangas (DF) Local: Auditório 2 do Museu Nacional 14h – Mesa 10: Moda Afro e empreendedorismo
• Madalena Bispo - Mada Negrif (BA) • Conceição Versesi - Projeto BotuÁfrica (SP) • Samantha J - Geo D (Nigéria/Grã Bretanha) Mediação: Makota Kinsendembu (MG) Local: Auditório 2 do Museu Nacional
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A bertura Daniela Luciana da Silva – Introdutora Coletivo Pretas Candangas (DF) Sabemos que a cultura negra envolve todas as outras dimensões da nossa existência. Nossa cultura sempre foi marcada por essa fala de luta, de grito, de dizer o que nos dói. Cultura é principalmente a expressão do “vai mais fundo na gente”; e a nossa cultura é maravilhosa, é riquíssima. Infelizmente, nem sempre ela foi respeitada, mas este festival é um pedacinho da luta que a gente trava todo dia para que as nossas coisas sejam mostradas de forma digna, bonita, elegante como nós somos e como é a nossa convidada especial que vai fazer a abertura dessas mesas, dessas ações formativas de 2013. É com imensa alegria que nós a temos aqui. Ela que é um dos nossos mais brilhantes espelhos, ela é uma mulher que tem militância, afetos, uma vida produtiva, uma vida acadêmica, uma vida política. Agora ela é uma gestora pública e um dia − nós já brincamos muito aqui sobre isso, chegaremos lá. Eu deixo vocês com a Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da República Federativa do Brasil, Luiza Bairros. Luiza Bairros Ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) Obrigada a todas vocês pelo convite, pela oportunidade de estar aqui, ainda que muito rapidamente. Eu queria fazer na verdade essa minha saudação a todas as organizadoras do Latinidades e a todas as pessoas, os homens e as mulheres que acompanham essa programação maravilhosa que foi colocada à nossa disposição, à disposição do Brasil, aqui em Brasília. Eu queria aproveitar esse momento para lembrar que, como o Latinidades acontece em julho, já está sendo chamado por alguns de julho das pretas, uma vez que no dia 25 nós comemoramos o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Esse 25 de julho é uma tradição que nós inventamos recentemente. O 25 de julho, como muitos sabem, foi criado em função de um grande encontro de mulheres negras dessas duas regiões, realizado por ocasião dos 500 anos das Américas, em 1992, na República Dominicana, perto de onde os primeiros colonizadores chegaram. O mais impressionante é como ele foi capaz de produzir uma repercussão tão grande no continente como um todo. No Brasil, mais especificamente, são muitas atividades que ocorrem em todo país para fazer desse um dia em que nós celebramos a nossa presença na África e, sobretudo, na Diáspora. Penso ser apropriado lembrar isso uma vez que vocês estão falando de cultura. Quando a gente fala de cultura, dificilmente se lembra de que as nossas formas de fazer política são culturais também. Entendo que isso faz parte desse VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
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acervo cultural que a gente vem implementando na região como um todo. Nesse sentido, o Latinidades é um manifesto político, principalmente considerando o fato de que as mulheres negras no Brasil, apesar de todo o progresso que temos experimentado na sociedade brasileira, nós continuamos sendo parte daquilo que chamo de paradoxo do desenvolvimento no Brasil. As mulheres negras são o segmento da população brasileira que soube melhor se aproveitar de todas as oportunidades que foram criadas nos últimos anos. Desse processo de inclusão que o Brasil experimentou nos últimos anos, as mulheres negras, especialmente as mulheres negras jovens, se destacam. Isso na conta da maioria dos analistas dessa história mais recente do Brasil, de 2003 para cá. Porém, mesmo com todo esse progresso, nós ainda continuamos aparecendo nas estatísticas entre os segmentos que têm mais desvantagem na sociedade brasileira. Isso nos dá muito bem a dimensão do nível de contradições que nós mulheres negras temos que enfrentar numa sociedade como a brasileira. Por um lado, os efeitos negativos do racismo se manifes-
tam mais diretamente sobre a nossa qualidade de vida; por outro lado, também somos o setor mais bem aparelhado da população negra para vencer os obstáculos colocados pelo racismo. Eu acho até mesmo que é essa contradição que dá para a luta das mulheres negras sua importância nas ações em defesa da superação do racismo no Brasil. Porque essa posição de desvantagem social nos coloca na sociedade num lugar que só é vivido por nós. Não é vivido pelas mulheres brancas, nem pelos homens negros e muito menos pelos homens brancos. É como se fosse um lugar privilegiado dentro da margem, vamos dizer assim; não encarando a margem como aquilo que está fora, mas a margem como aquele espaço que nos dá a possibilidade de um ponto de vista especial, um ponto de vista que permite enxergar as contradições até o nível do paradoxo no qual o racismo e o sexismo no Brasil nos colocam. Eu tenho dito uma coisa que não tem sido bem aceita por alguns setores, mas eu acho que não vou parar de dizer isso. Eu tenho hoje uma dificuldade muito grande de falar sobre mulheres negras desse lugar da vítima, da oprimida, da mais explorada, etc. Eu tenho uma dificuldade muito grande com isso
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porque eu não acredito mais nisso. Você pode me mostrar todas as estatísticas e eu as consulto com certa frequência e vejo as mulheres negras nos grandes números. Elas permanecem na situação da desvantagem total, mas isso não é o mesmo que dizer que elas vivem uma situação de se deixar abater ou se deixar vencer pelos obstáculos colocados pela sociedade. É por isso que, mesmo a partir da desvantagem social, nós tivemos e temos as condições para criar rumos novos para as nossas vidas; e ao criar rumos novos para as nossas vidas, nós criamos esses rumos também para o conjunto da comunidade negra, para o conjunto da população negra, porque acima de tudo nós continuamos sendo uma comunidade de destino. Portanto, os passos que vamos dando ao longo do caminho são passos que têm que ser dados sempre junto e ao mesmo tempo. Então era isso o que eu gostaria de deixar registrado nesta manhã. Mais uma vez eu gostaria de cumprimentar as organizadoras, aos grupos que organizam o Latinidades pela coragem e principalmente pela oportunidade que temos de celebrar o nosso talento e a nossa contribuição para o Brasil e para toda a região. Muito obrigada. 21
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P olíticas P úblicas Larissa Borges – Mediadora Secretaria Nacional de Juventude É de fato um momento de muita emoção, um processo de muitas lutas, muita coragem, muita resistência até chegar aqui. Então com a licença e a bênção de nossos ancestrais agradecemos a presença de todas e de todos, os que a gente vê e os que a gente sente. Vamos à mesa sobre políticas públicas. Hamilton Pereira Secretário de Estado de Cultura do Distrito Federal Bom dia a todas e a todos. Em primeiro lugar, quero agradecer o convite. Essa não é uma iniciativa para a qual a gente simplesmente chega e faz uma fala protocolar. O que acabamos de ouvir da ministra Luiza Bairros é a demonstração da relevância e do tamanho do desafio colocado para o Estado brasileiro. Por isso, eu quero discorrer rapidamente sobre algumas ideias que me acompanham há muitos anos, seja como militante, seja como dirigente político, gestor público. O Estado brasileiro foi concebido e construído institucionalmente VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
para a
para os ricos. Esse é o seu ponto de raiz. As grandes fortunas que se construíram no Brasil ao longo de 500 anos de colonização estão assentadas particularmente sobre o tráfico negreiro. Essa é a segunda constatação. Terceiro, o processo que vivemos no Brasil se reveste de uma complexidade muito grande no econômico, no social, no político e no cultural que percorre essas classes. Eu escutava a ministra e lembrava que há pouco tempo se desenterrou no Rio de Janeiro o cais do Valongo, que foi o maior entreposto de tráfico negreiro da história que se tem notícia. Ou seja, nós assistimos no Brasil a um esforço que pressupõe décadas e gerações para desenterrar essa memória, e ao Estado cabe uma parcela. Em 1981, Pedro Casaldáliga, Milton Nascimento e eu compusemos o espetáculo Missa dos Quilombos. Nós apresentamos esse espetáculo no dia 20 de novembro de 1981, sob um poderoso protesto da direita, dos setores conservadores. Eles conseguiram pichar o cartaz da Missa dos Quilombos. Era um cartaz vermelho com a fotografia da mão
C ultura N egra
do Milton Nascimento segurando uma cruz. Eles fizeram um C sobre a cruz para dizer que o Milton estava empunhando uma foice e um martelo juntos. A direita é capaz de muita coisa. Mas como isso foi possível fazer aquele espetáculo naquele momento? A arquidiocese de Olinda e Recife era dirigida por um homem chamado Helder Câmara, que apoiou a iniciativa. Segundo uma revista do Ministério do Interior da época, compareceram ao Largo do Carmo cerca de 30 mil pessoas. Nós fizemos essa celebração no lugar onde foi exposta a cabeça de Zumbi dos Palmares quando Domingos Jorge Velho desceu do Quilombo para a capital da capitania, no final do século XVII, em 1697. O que nós estávamos fazendo ali? Nós estávamos trazendo de volta uma memória indispensável para definir a fisionomia da cultura brasileira. Esse ato era feito a partir da sociedade contra o Estado. A ditadura militar ainda era forte e não estava para brincadeiras. Felizmente, entrou num processo rápido de erosão nos anos seguintes. 23
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Naquela apresentação eu escrevi uma coisa que me parece adequada para o estamos vivendo ainda hoje. Nós estamos limpando o espelho da história. Está posto diante de nós a metade negra do nosso rosto. Essa será uma tarefa de gerações. Isso se exemplifica concretamente em políticas, em ações do Estado de preferência em diálogo com a sociedade. Eu sempre digo que quem sente os problemas é quem resolve os problemas. Você pode dizer o inverso, quem resolve os problemas é quem sente os problemas. No fim das contas, a sociedade é protagoniza as mudanças. Não é apenas o Estado que solitariamente encontra soluções.
ainda trabalha serenamente negando as reivindicações dos setores marginalizados na sociedade.
O que vimos construído ao longo do últimos 30 anos e particularmente a partir da instalação do governo Lula em 2003 representa um avanço considerável. Porém, cada problema resolvido nos lança novos desafios, porque a herança é pesadíssima e prolongada. O Brasil paga o preço de ter sido a nação que mais demorou a garantir a liberdade dos escravos. As políticas públicas de cultura devem ser, portanto, inseparáveis das políticas que buscam o resgate da dívida histórica com as populações e culturas africanas e afro-brasileiras. Ocorre que hoje nós estamos à frente de um processo complexo. O Estado não foi modificado. Se formos olhar no Ministério da Cultura, na Secretaria da Cultura ou na Sudeco, encontraremos várias demonstrações de que o Estado brasileiro foi concebido e construído para os ricos. Quando um pobre se aproxima dos espaços onde se disputam os recursos do Estado, encontra essa barreira estabelecida. A estrutura do Estado não concebe a diferença entre o agente cultural urbano e o Quilombo de Alcântara. Ele simplesmente quer o grupo ou a comunidade apresente a nota fiscal como forma de acesso a recursos públicos, a despeito de esses não terem nem identidade formal. Ou seja, o Estado
Eu espero que a velocidade do Estado alcance a velocidade da sociedade contemporânea para que a gente repare as injustiças com mais presteza. No entanto, o conservadorismo brasileiro tem ainda um peso enorme e nós não podemos desconsiderar, sob a pena de perdermos a batalha, a necessidade da construção de laços, de alianças na sociedade, particularmente com a juventude, para que possamos superar o peso do poder personificado numa fisionomia de homens brancos e proprietários. Eles definiram esse patriarcalismo brasileiro, que é definidor em grande medida dos comportamentos sociais, políticos e culturais que nós trazemos conosco.
Nesse sentido, eu quero concordar com a ministra quando ela diz que não podemos tratar as populações afro-brasileiras como coitadinhos, porque não são. Quem age, quem resiste, conquista para si mesmo a sua capacidade de ser portador de direitos não é um coitado. São esses sujeitos que impulsionaram os fundamentos de um conjunto de políticas públicas que seguramente será usufruído por gente que virá depois de nós.
Eu termino dizendo que hoje eu sou muito mais otimista do que era em 1981. Eu acho que nós avançamos. Penso que nós derrotamos uma ditadura que durou 19 anos. Levamos quase 30 anos para fazer o primeiro operário chegar à Presidência da República, para, em seguida, eleger a primeira mulher para o mesmo cargo. Eu acho que isso é um
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avanço extremamente importante e nós não podemos perder de vista o seu significado como uma contestação objetiva a esse conservadorismo. Já não podem nos tratar como menores. Já não podem nos tratar como inválidos. Nós, os trabalhadores, as mulheres, os negros, conquistamos um espaço. Por fim, eu gostaria de agradecer a vocês pela beleza deste festival. Eu assisti ao espetáculo da Mariene de Castro, na Funarte. Parecia que Clara Nunes estava lá incorporada de forma maravilhosa. Eu quero trazer aquela moça para o réveillon da prainha, porque ela é absolutamente fantástica. Muito obrigado. Kleber Avilar Diretor de Programas e de Fundos da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) Bom dia a todos e todas. Em nome do Dr. Marcelo Dourado, nosso diretor superintendente da Sudeco, quero cumprimentá-los. Marcelo estava previsto para fazer parte desta mesa, mas, por conta de uma agenda que nos foi colocada pelo ministro, ele teve que se ausentar. De todo modo, eu quero trazer um abraço fraterno da Sudeco e dizer que para nós é um prazer, que sentimos bastante honrados com esse convite, uma vez que a nova Sudeco tem uma missão muito forte, muito bem definida no seu papel institucional. Além de buscar desenvolvimento econômico, ela também está interessada no desenvolvimento sociocultural. Eu venho de um estado, o Mato Grosso, onde tivemos a honra de ter um quilombo como primeira capital, a Vila Bela da Santíssima Trindade. Quando nós começamos a discutir sobre cultura, eu me lembrei bem dessa cidade por conta do trabalho que ainda hoje é feito. São festas feitas em Vila Bela no intuito
de manter a nossa história, as nossas origens e as nossas raízes. Nós não temos como dissociar o desenvolvimento econômico da questão cultural, uma vez que é isso que nos traz novas possibilidades de inclusão social, inclusão de gênero e inclusão econômica. A Sudeco não ficou alheia a esse processo. Quando começamos a atividade em 2011, uma das nossas preocupações foi trazer para dentro do programa de Financiamento do Centro-Oeste (FCO) uma linha específica para a cultura. Nós temos um fundo constitucional, um fundo público que pode auxiliar e impulsionar o desenvolvimento de ações de produções culturais na nossa região. Nosso recorte é o Centro-Oeste, mas, por estarmos sediados em Brasília, nós passamos a ter contatos e trocar experiências com diversas instituições e entidades do Brasil como um todo. Nessa troca de experiências, nós temos procurado aprimorar nossos instrumentos de trabalho. Recentemente começamos um programa aqui no Distrito Federal chamado “Mulheres na Construção”. Em função dele, nós desencadeamos outras linhas de ação voltadas para a inclusão do gênero, para a inclusão da mulher no setor produtivo. Esse é um grande desafio para a Sudeco. Nós sabemos que não se constrói uma política pública da noite para o dia. O Hamilton falou sobre a questão de acesso aos recursos públicos por parte de grupo com menor poder aquisitivo, menor poder econômico. Eu acho que esses instrumentos que temos hoje, como a Sudeco, a Fundação Cultural Palmares e a Seppir, vêm servir como ferramentas para que possamos fazer essas políticas efetivamente acontecerem. Venho, assim, colocar aqui a Sudeco à disposição deste grupo para a
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gente transformar essas ferramentas de financiamento, capacitação, transferências voluntárias que temos no Centro-Oeste em instrumentos para promover e fortalecer a cultura. Só para fazer um resgate, nós estivemos em início 2011 na comunidade Kalunga, localizada no nordeste goiano. Levantamos as demandas e, por meio da Sudeco, começamos a fazer um trabalho de transformação. Nós conseguimos no primeiro ano fazer uma substituição de ponte de madeira por bueiros celulares, para facilitar o escoamento da produção daquela comunidade. Isso serve como um exemplo de como uma pauta construída pode ajudar a gente a alcançar os objetivos aqui propostos. Do mesmo modo que a gente atua na questão do desenvolvimento econômico, a gente também quer atuar no desenvolvimento cultural. Muito obrigado.
Larissa Borges Muito obrigada, Kleber, é interessante destacar da sua fala a importância da participação da sociedade civil e dos movimentos sociais organizados no desenvolvimento, na elaboração e na efetivação das políticas públicas para alcançarmos a maior efetivação dos direitos e aprimorar os conceitos que estão em disputa: desenvolvimento, desenvolvimento social, desenvolvimento econômico e cultural. Nós precisamos dessa efetiva participação da sociedade nos espaços de decisão e na construção das políticas públicas. Hilton Cobra Presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP) Os homens mataram a nossa mãe. Agora a nossa mãe está em toda parte. Os homens destruíram a aldeia de Awika em busca da fonte da vida e do poder do seu povo, do conhecimento. Eles queriam a fonte da vida, mas a fonte da vida era o solo, era a terra que era de todos e não podia ser dada. O poder era o que dali brotasse e brotava o que era plantado. Se plantassem sangue, brotaria mais sangue. Awika foi tirada dali, foi levada para o mundo dos ancestrais, invisíveis aos olhos dos homens que vieram plantar sangue. Os homens não conseguiram o que queriam. A aldeia foi queimada. Quando Awika foi trazida do mundo dos ancestrais invisíveis só pôde levar do solo o conhecimento, não tinha mais nada. Agora Awika procura outro lugar para plantar as boas sementes do seu povo. As sementes brotam, todos comem, nasce a sabedoria no coração e na cabeça de todos. Com esse pensamento, eu queria agradecer à organização do Festival Afro-Latinidades e dizer que estou muito sensível com o convite. Se não me engano, pela primeira vez, a Palmares de fato, de
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corpo e alma, coração e gesto participa com os colegas também aqui da mesa. Eu quero apresentar para vocês uma nova possibilidade de Fundação Cultural Palmares. Quero invocar duas pessoas, duas mulheres pretas, negras, enegrecidas, empretecidas. Uma delas é a que acabou de sair daqui. Luiz Bairros é a mulher que me fez me perceber homem, homem negro e me fez buscar a consciência do que é ser uma pessoa negra. O que construí a partir daí no âmbito da cultura é o meu universo. Eu sou ator, produtor, diretor de teatro e agora eu sou, sim, um gestor. A outra é Lélia Gonzáles, que pouco tempo antes de partir para outros mundos, como diz a Conceição Evaristo, apresentou para mim as Candaces. Fizemos um espetáculo chamado Candaces, sobre mulheres negras guerreiras etíopes. Esse texto que vou ler tem dedo da Lélia e tem dedo da Luiza Bairros. Gosto sempre de falar isso. As pessoas ouvem melhor. A importância da cultura negra é de tal ordem que ela se explicita na cotidianidade dos nossos falares, gestos, movimentos e modos de ser. Eles atuam de tal maneira que deles, muitas vezes, nem temos consciência. E é isso que caracteriza a cultura viva de um povo. Portanto, a cultura negra é fator de importância fundamental na formação da cultura brasileira em geral. Invocando a Palmares, hoje o que cabe, por parte dessa nossa Fundação, é uma articulação efetiva de caráter institucional que melhor explicite o papel da cultura na formação de nossa nacionalidade. Por isso, é fundamental criar os meios para que a comunidade cultural negra brasileira seja capaz de dar conta de uma realidade mais total, de mostrar o negro e a sociedade, por consequência, discutindo-se, avaliando-se, ocupando lugar de dono de seu próprio destino como protago29
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nista. É necessário promover ações culturais para que a população saia da conscientização e passe atuar e colocar em prática efetivamente uma conscientização adquirida graças aos longos anos de vida do movimento negro brasileiro. Nós da Fundação Cultural Palmares entendemos que só assim, somente assim, por meio dessas ações límpidas e verdadeiras, poderá a cidadã e o cidadão sair encantado, seduzido, indignado, informado, politizado, com sua autoestima elevada e, portanto, fortalecido − requisitos fundamentais para conquista de espaços. Estamos falando de uma cultura empenhada em fortalecer a autoestima do povo negro, sem perder de vista o caráter multirracial da sociedade brasileira e sem perder, sobretudo, a dimensão absolutamente dinâmica, integradora da cultura negra na diáspora. Trata-se de uma cultura que se renovou, por exemplo, através de movimento hip hop, de cunho político-cultural, oriundo dos guetos dos Estados Unidos, e que se renovou nas periferias das grandes cidades brasileira, coadunando-se ao samba, ao candomblé, à capoeira, entre outras manifestações que nascem negras, é verdade, mas que ao longo do tempo histórico são absolvidas, contagiam e enriquecem toda a cultura e a sociedade de nosso país. Acontece que, como maioria da população brasileira, cabe-nos a responsabilidade ética de pensar e propor um projeto democrático que englobe a totalidade do povo desse país sem jamais abandonar as especificidades das questões negras, mas articulando o todo da sociedade brasileira. Sem esquecer que democracia também significa o convívio e o respeito pelas diferenças, jamais renunciaremos às nossas especificidades. Cabe-nos pensar a questão negra articulando-a, por exemplo, com desemprego, sistema de habitação, saúde, educa-
ção. Porque pensar a cultura negra é pensar o Brasil. Este é o pensamento dessa nossa nova Palmares. Mais que um desafio, este é o imperativo histórico e cultural. Quero apresentar nossa Palmares de fato. A Palmares que encontramos estava 70% mergulhada nas questões quilombolas, nos conflitos quilombolas. Você não pode ter uma instituição que cuida da cultura de 100 milhões de brasileiros quase totalmente voltada para as questões quilombolas. Nós temos que criar uma possibilidade de equilíbrio dessas questões. Jamais deixaremos de atuar positivamente em relação às melhorias, aos conflitos, a fim de assegurar condições dignas a essas comunidades que representam 1 milhão de negras e negros brasileiros. Mas e os outros 99 milhões de negros e negras, como fica a cultura desse povo? Nós temos que tratar das questões das produções culturais. Nós temos que tratar das questões artísticas. Temos que tratar das várias expressões de matriz africanas, como as congadas, os reinados, os maracatus, o tambor de crioula, os candomblés, os terreiros, as comunidades tradicionais. Como cuidar dessas coisas numa Fundação absolutamente mergulhada em uma única questão do nosso povo? Além disso, nós não temos orçamento suficiente. Nós trabalharemos 2013 e 2014 com 3 milhões e seiscentos mil reais para a área finalística. Isso nos permite chegar lá na ponta? Absolutamente, não! Vocês sabem, por exemplo, dessa última questão dos editais do Ministério da Cultura para criadores e produtores negros... Por que foram criados os editais exclusivos para produtores e artistas negros? Porque nós não chegamos nos recursos, não chegamos na captação. Não precisamos mais de mecanismos, existem mecanismos espalhados em tudo quanto é lugar, fundações, secretarias, ministérios. Dinheiro também
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existe. O que temos que fazer é garantir que se chegue a esse dinheiro. O que nós queremos agora é dinheiro, é recurso. Se o Ministério realmente está querendo atuar a nosso favor, eu preciso saber qual é a monta, qual é o recurso que tenho. Tento a dimensão dos recursos é que você sabe se realmente existe uma vontade política para tratar desses assuntos. O que os produtores e artistas estão agora reivindicando? Nós quase perdemos os editais porque um juiz promoveu um embargou, alegando ser isso inconstitucional. Agora o que o pessoal está pedindo que 40% da verba do MinC seja dedicada à arte e à cultura negra. Essa é a campanha que vai começar daqui a pouco, caso as coisas não se resolvam. Essa mobilização não é nossa, da Palmares. Nós somos governo. Trata-se de uma ação da sociedade civil. São os produtores culturais e os artistas negros e negras desse país que vão reivindicar 40% da verba do MinC. Como Fundação Palmares, nossa obrigação é articular, é estudar uma forma para que a nossa ministra Marta Suplicy responda de forma positiva, de modo a conseguir os recursos. Que tal propor que, até o final de 2014, se chegue perto desses 40%? Quiçá, depois serão os secretários de cultura que também pensem em como dedicar de fato uma monta maior dos recursos para a arte e a cultura negra? As políticas públicas estão todas prontas, todas pensadas. O que precisa agora é efetivamente implantá-las, assegurar o recurso, distribuir esse dinheiro. Nós temos andado nos quilombos e nas comunidades tradicionais. Não chega um centavo nessa ponta. A Palmares tem que articular uma forma positiva de fazer com que esses recursos cheguem de fato e de forma livre e, portanto, capaz de transformar qualquer coisa.
Muito obrigado! Contem com a Palmares sempre para atuar de forma positiva junto a essa comunidade cultural e artística. Parabéns! Larissa Borges Cobra, muito obrigada. Para nós é uma honra ver esse nascimento de uma nova Palmares no Latinidades. Eu acho que, mais do nunca, a gente vai poder ter retornos importantes, à altura do que a história da Palmares pode oferecer. Você começou falando das Candaces, de Luiza, de Lélia para dizer que o Estado brasileiro em alguma medida tem plantado sangue. Para romper com essa história de plantar sangue, a gente precisa investir recursos financeiros diretamente na população negra, para que o fazer cultural seja possível. Viridiano Custódio de Brito Secretário da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial do Distrito Federal (Sepir-DF) Bom dia a todas e a todos. O Hamilton falou sobre a reflexão que nós temos que fazer sobre o Estado brasileiro. O Estado brasileiro tem uma dívida com nosso povo, porque, mesmo quando todo esse processo escravagista montado na América se esgotou, a aristocracia brasileira inventou uma maneira de excluir a população negra da cadeia produtiva, da educação, da saúde. A escravidão acabou, mas não houve a adoção de qualquer política para fazer essa reparação das violências sofridas pelos negros durante todo esse período. De lá para cá, pouca coisa se tem feito. Trata-se de um Estado eurocêntrico, branco, no qual a cultura negra sempre viveu à margem. Há uma questão ideológica por trás disso. A luta político-ideológica que nós estamos traçando ganha força a
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partir do momento em que nós começamos a avançar em todas as áreas. A nossa presença, a possibilidade de nós ocuparmos um espaço significa que esse espaço terá que ser compartilhado e, portanto, alguém vai ter que sair. Temos que ter consciência desse processo pelo qual estamos trabalhando. Quando um juiz embarga um edital, ele está dando uma demonstração desse conteúdo ideológico. Ele não quer que a população negra avance e tenha espaço, pois com isso vai ocupar espaço e pegar recursos de uma elite branca que sempre é privilegiada. Quando figuras de direita se movimentam contra a política de cotas, fica visível como se trata de uma questão ideológica, porque, a partir do momento em que a população negra começar a ocupar as universidades, em seguida vai começar a ocupar cargos públicos e políticos que sempre foram da elite branca. Em outro episódio do Brasil recentemente, o governo assumiu um compromisso com a reparação de todas aquelas pessoas que lutaram contra a ditadura militar e foram prejudicadas pelo Estado brasileiro, o que eu acho justo. Acontece que, se é possível ser simpático a essas indenizações, como não ser com as demandas da população negra, submetida a 388 anos de escravidão e a todo esse processo de exclusão? A cada dez jovens assassinados no Brasil, sete são negros. Isso é um genocídio que se estabeleceu no país A criação da Sepir-DF foi uma ação fundamental, mas eu acho que temos que estar em outros espaços. Por que não podemos ocupar o Ministério da Educação, o Ministério da Fazenda, vários outros ministérios? Muitas vezes a gente fica satisfeito porque se criou uma Sepir, mas nós temos que discutir a expansão desse espaço que ocupamos. Quando assumimos a Secretaria, encontramos um organismo que é modelo para o Brasil, mas ainda muito pequeno, com orçamento praticamente insignificante, impossível de fazer algum tipo de política. Nós estamos trabalhando, adotamos alguns projetos. Os Polos Negros são um exemplo, cuja proposta é levar, para as dez regiões onde há uma maior presença de população negra, oficinas, eventos de capacitação principalmente de jovens artistas, sobretudo para que eles possam se capacitar para ter acesso ao FAC. Outro projeto é o “Sep33
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pir nas escolas”, voltado a incentivar a implementação da Lei n. 10.639. Além disso, temos recebido muitas demandas das comunidades de terreiros, das comunidades de religião de matriz africana, para o apoio de seus eventos, seus trabalhos, mas que infelizmente não temos condições de ajudar plenamente. Nós queremos no próximo ano trabalhar com um orçamento maior para a gente poder atender a essas demandas. Estamos construindo um projeto de incentivo à arte e à cultura do Distrito Federal. Ainda não temos o nome, mas a ideia seria a de Pontos de Cultura Negra no Distrito Federal, onde, pelo menos a cada dois meses, haveria um espaço para apresentações culturais, oficinas, sarau de poesia, exposição de artistas negros, etc. Enfim, acredito em espaços de debate como este do Festival. Nós temos que realmente trabalhar por um avanço político da sociedade, que envolve cultura, educação, saúde; em resumo, uma transformação social deste país. Nós negros, que somos a maioria da população, temos que ser protagonistas dessa grande mudança. Desejo que meus netos e bisnetos possam usufruir desse grande crescimento que o nosso país vai ter e no qual a população negra vai ser inserida. Muito obrigado. Larissa Borges É muito importante esse processo mesmo da gente reconhecer a nossa história, reconhecer as nossas forças e entender um pouco as dinâmicas, as estruturas, os interesses que estão em jogo no desenvolvimento das políticas públicas e avançar para essa expansão que de fato precisa ser feita porque são vidas que estão em jogo e na história da população negra o fazer cultural foi o que de fato ajudou, colaborou, construiu a nossa resistência enquanto povo não só no Brasil mas em toda
a América Latina, em toda diáspora e acredito que na África também isso tenha sido uma força importante, mais um motivo para a gente estar junto tentando articular diversas áreas e ocupar outras áreas que ainda não são prioritariamente ocupadas por nós, eu acho que esse é um poder muito importante. Eu queria aproveitar e pedir licença ao Cobra para falar do NUFAC que é o edital dos Núcleos de Formação de Agentes Culturais Negros que a Fundação Cultural Palmares está promovendo, é um edital muito importante que está aberto até o dia 30 e vale a pena a gente estar participando, incentivando organizações negras para trabalhar com juventude negra nesse empoderamento cultural, nesse fazer cultural enquanto possibilidade profissionalizante, isso é muito bacana. Agradeço a paciência de vocês, a colaboração e vamos abrir para três comentários, ou falas, ou perguntas, pode ser? Alguém tem alguma colaboração, alguma contribuição? (intervenção fora do microfone) enquanto você vai a gente começa uma rodada de falas. Vamos fazer as inscrições, Tizumba, Jaque, Kátia e Fábio. Vamos nessa ordem. Maurício Tizumba Bom dia. Em primeiro lugar, quero trazer a saudação a todos os nossos orixás, todos os nossos pretos velhos, nossa ancestralidade, agradecer por poder estar aqui neste momento. Quando o Cobra fala da dificuldade de fazer as coisas chegarem na ponta, eu penso na realidade de Belo Horizonte, de Minas Gerais. Quanto mais se está afastado do mar, mais difícil ainda fica de as coisas chegarem. Comparando com lugares mais distantes, Minas Gerais ainda está perto do mar. Se você organiza as coisas nessa fila, uns sempre vão ganhar mais, enquanto outros sempre vão ficar com nada. Atualmente, eu sou curador do FAN − Festival de Artes
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Negras de Belo Horizonte. Eu tive a felicidade de escolher exatamente esse tema da Latino-América, coincidentemente o gancho desse Festival. O FAN é um dos maiores festivais de arte negra que está acontecendo no Brasil atualmente. Estamos partindo para a sétima edição, em outubro. Então, é uma alegria poder estar aqui, principalmente com tantas mulheres importantes. Quando eu falo de mulher, não posso deixar de citar Carolina de Jesus; minha avó Orminda, que foi uma benzedeira e que me ensinou o rosário; e minha mãe, que foi a primeira Ekedi de candomblé de Belo Horizonte, uma das cidades mais racistas desse nosso Brasil. Belo Horizonte foi criada depois de Ouro Preto. Em Ouro Preto havia tanto preto, mas tanto preto, que num dado momento os brancos resolveram criar uma capital para eles. O que eles não sabiam é que eles não tinham condições de caminhar sem a nossa força. Acabou que Belo Horizonte ficou preta também. Eles podem ir para onde eles quiserem que nós estaremos lá crescendo, nos fortalecendo. Quando eu coloco essa fala é no sentido de dizer que a gente está muito preocupado com a nossa juventude na nossa Minas Gerais. Este festival vem abordando o que a gente quer colocar na frente do nosso festival: as mulheres e a juventude. Como a Luiza falou, nós podemos avançar muito mais rápido se colocarmos a juventude e as mulheres na frente dessa nossa historia. 35
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Isso é uma fala antiga, que eu já ouvia na época de Abdias do Nascimento. Hoje eu digo que estamos caminhando para isso. Eu acho que isso que vai nos dar a certeza de um Brasil melhor, um lugar para todo brasileiro negro que construiu essa terra. Agradeço muito e conto com a presença de todos também no FAN de Belo Horizonte. Muito obrigado. Jaqueline Fernandes Eu queria rapidamente agradecer a todo mundo. Ao Secretário de
Cultura eu gostaria de dizer que estamos felizes aqui em Brasília pela conquista de um setor de cultura afro-brasileira. No entanto, há algumas preocupações que queria dividir com vocês. Este é um ano de várias conferências, a exemplo da de Cultura e a de Promoção da Igualdade Racial. Como a gente de cultura negra está mobilizado para Conferência de Cultura? Que condições, secretário Viridiano, nós temos para conseguir um espaço relevante dentro da Conferência, a partir do DF? Pautar cul-
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tura é muito difícil para nós. Temos poucas pernas, e não temos o fomento de fato necessário. Passamos o ano inteiro batalhando para este festival. O senhor falou de Ponto de Cultura... Aqui no Distrito Federal, temos Pontos de Cultura Negros como o Congo Nya, que dizem dos esforços de outros anos. Quanto aos editais, existem outras questões que precisam ser consideradas. É comum esse discurso de que o povo preto precisa aprender como funcionam os mecanismos, como tirar CNPJ. A regra diz que
todo mundo tem que ter CNPJ. A mãe de santo tem que ter CNPJ. O capoeirista ou o Ogan tem que ter registro na ordem dos músicos. Tudo bem, precisamos mesmo aprender a utilizar esses mecanismos. No entanto, eu fico me perguntando sobre a importância de criar editais que respeitem a nossa ancestralidade e as nossas especificidades. No Ministério da Cultura, anos atrás, a gente tinha um edital muito bonito para o qual as pessoas podiam se inscrever através da oralidade. Você podia gravar um
vídeo. Se não me engano, houve um edital para o hip hop e outro para mestres. A gente tem editais tão burocráticos que, se o mestre Pastinha tivesse vivo, ele nunca ia alcançar um edital desse. Então, eu faço essa provocação aos nossos gestores para que não só instrumentalizem os produtores e artistas negros para alcançar esses editais e essas políticas, mas também criem editais que realmente respeitem as nossas especificidades. Gostaria de agradecer à Sudeco, que tem uma parceria com as Pretas Candangas
no presídio feminino do Distrito Federal. Queria até ouvir mais um pouquinho de vocês, porque embora não tenhamos os dados oficiais, sabemos que a maioria das mulheres que está vivendo no sistema prisional é de jovens e negras. Kátia Garcia Cândido Bom dia a todos. Eu sou professora do sistema prisional, sou funcionária da Secretaria de Educação e Cultura e presto serviço no sistema prisional. Sou professora de Geografia e atualmente
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estou dando aula de Geografia e História no presídio feminino. A minha preocupação é quando as pessoas falam que a maior quantidade das pessoas que estão dentro do sistema prisional são negros, são pobres. O perfil da sociedade mudou muito. Eu dei aula todo esse semestre no presídio feminino. O que a gente sente é falta das pessoas lá dentro para oferecer oficinas
para os professores que trabalham lá. Na realidade, o professor hoje é o que trabalha diretamente com o público mais carente, mais negro, mais branco, não interessa. A nossa preocupação é descobrir onde nós professores vamos ser ouvidos e onde o nosso trabalho vai ser visto. Eu como professora fiquei sabendo dessa conferência pela internet. Meu sobrinho me avisou, eu me
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inscrevi e estou aqui. Participei das atividades do final de semana, mas ali não havia espaço para o professor que trabalha diretamente com os alunos fosse ouvido, que pudesse falar das dificuldades enfrentadas, até mesmo sobre como vamos trabalhar essa questão da cor com os alunos. A Ministra falou a respeito da diminuição das distâncias, mas as distâncias no sistema prisional
são muito maiores. Como a gente vai incluir essas pessoas? É isso que eu queria dizer, além de agradecer pela oportunidade. Fábio Borges da Silva Bom dia a todos. Meu nome é Fábio. Eu sou estudante de Doutorado na Universidade de Brasília, militante LGBT, movimento ativo na universidade também. Nesse debate de cultura, o Cobra fez um comentário sobre o qual me pareceu importante acrescentar uma preocupação. Como estudante na universidade, há dois meses houve uma CPI do trabalho escravo que ocorreu no Congresso. O relatório dessa CPI foi impedido de seguir pela bancada ruralista. Isso faz achar que a escravidão permanece. Ela não acabou lá atrás. A gente está ainda nessa luta, sobretudo no Norte do Brasil, nas áreas da mineração... Isso ainda é uma questão muito grave sobre a qual a gente precisa se deter, sobretudo o movimento negro e outros ativistas da sociedade brasileira. Fico pensando que muitas indústrias e instituições que estão ligadas à mineração no Norte do Brasil também financiam a pesquisa científica dos cursos de Geologia, Engenharia de Minas. Então, a gente pode deduzir que a ciência brasileira é parcialmente fi-
nanciada por formas de escravidão que ainda acontecem no país. Na verdade, essa não é uma questão diretamente voltada à cultura, mas eu acho que tangencia, porque no final das contas como é que a gente financia a economia brasileira, a própria estrutura nacional? Hamilton Pereira Eu queria agradecer e reagir um pouco àquilo que pude ouvir. Eu penso que a gente deve estimular mais esse tipo de exercício. Esse é um dos desafios, porque é respeitado que a gente se afirma. Isso é uma coisa bastante simples na história da humanidade: quem se afirma passa a contar com o respeito de quem ouve, de quem vê. O esforço da sociedade que produz um festival como este tem que ser apoiado por parte do poder público. Nós fizemos isso dentro dos nossos limites. É possível fazer, mas temos que ir além dos nossos limites, senão a gente vira conservador. Temos que forçar a porta um pouco. E para forçar a porta, temos que ter movimento, temos que ter rua. Isso é muito importante. O Brasil levou um susto há um mês. É preciso que a gente esteja atento àquilo que ocorre à nossa volta. É preciso compreender, em primeiro lugar, o que se passa, porque há
múltiplas dimensões para a gente estudar e entender a impressionante manifestação que as ruas produziram. E não é para rejeitar ou para acolher simplesmente. É para entender. É preciso compreender o que se passa. Nós estamos vivendo um processo de transformação avassaladora da sociedade brasileira, no econômico, no político, no social e no cultural. Isso a uma velocidade com a qual não estávamos habituados. O Estado brasileiro, como disse aqui na minha primeira intervenção, é pesadão, é conservador e frequentemente reacionário, quer voltar para trás. A partir da posse do Lula, em 2003, foi instalada uma contradição dentro do Estado brasileiro. Eu me lembro do edital por vídeo a que você se referiu. Aquilo foi uma experimentação maravilhosa, porque o Estado não tratou de alfabetizar as pessoas para habilitá-las; em vez disso, impediu que elas fossem alfabetizadas. Então, como a vida segue seu curso, o edital buscou outro caminho, um atalho para que pudesse haver por parte do Estado o reconhecimento dos mestres. Ora, os mestres são os mestres. É preciso que a gente os ouça. Do ponto de vista das políticas públicas, nós temos que trabalhar na democratização. Considero que estamos trabal39
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hando há dois anos e meio aqui no Distrito Federal. No entanto, não temos pernas ainda adequadas para dar conta da enorme diversidade de situações que o fazer cultural nos coloca, nos desafia. Precisamos aprimorar, democratizar mais, ampliar os espaços, organizar o fomento para que ele possa se guiar pelo mérito, sem ignorar que quem está à frente do Estado precisa prestar contas à sociedade. Essa cidade viveu um trauma. O governo eleito no mandato passado terminou melancolicamente os dias na cadeia. Esse fato produziu um colapso nas instituições do Distrito Federal. Com isso, o simples fato de você assumir um posto de gestor público já gera suspeitas a seu respeito: “Alguma coisa ele fez para estar aí...”. Parte-se desse pressuposto. Isso faz parte da contradição. Acontece por outro lado que, na disputa dos recursos públicos, como dizia o companheiro Viridiano, secretário da Sepir, essa disputa é feroz. O Eike Batista tem os seus prazos ampliados para poder pagar o BNDES. Isso não é nem notícia. É algo tranquilo. Isso faz parte da paisagem, porque os recursos públicos são destinados aos ricos. Nós inventamos os Pontos de Cultura na administração do companheiro Gilberto Gil. Oferecemos
recursos para a população pobre do país, e o que aconteceu? O Estado brasileiro penaliza hoje aqueles que receberam recursos. Agora ele está com o CPF sujo porque atendeu ao convite do Estado brasileiro, porque recebeu uma pequena parcela de recurso para colocar de pé determinado projeto cultural. Isso não depende exclusivamente da vontade do gestor, mas também depende dele. É preciso caminhar no sentido de fixar regras que não sejam tão restritivas. Porque para os ricos há exceção, para os pobres há regras. Nós temos que combater isso. Eu terminaria dando um testemunho. Em janeiro de 1974, eu entrei no Carandiru, depois de dois anos de prisão. Estava escrito na entrada da carceragem do pavilhão 5: capacidade desse presídio − 3.400 presos. Naquele dia havia 7.200 presos no Carandiru, sendo que 75% deles eram negros, provavelmente a totalidade era pobre. O que eu quero dizer com isso? Nós somos inseparáveis, nós não somos iguais. O Drummond dizia isso porque somos diferentes e porque somos todos iguais. Nós éramos nesse universo 42 presos políticos. Fomos retirados daquela prisão do Carandiru porque estávamos alfabetizando os presos comuns. O juiz Nelson Machado Guimarães, da auditoria militar da Segunda
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Região Militar, disse: “Eles não estão apenas alfabetizando, eles estão produzindo uma fábrica de terrorista”. O Estado brasileiro reagiu prontamente. Nós fomos retirados do convívio dos presos comuns e colocados em outro presídio. O que foi isso, gente? Foi o Estado brasileiro agindo para separar as pessoas, agindo em defesa da segregação, para que a gente não pudesse contar com qualquer possibilidade de redenção. Nós estamos mudando o Estado brasileiro, muito mais lentamente do que gostaríamos, mas nós temos que perseverar. Muito obrigado. Kleber Avilar Gostaria novamente de agradecer ao convite, dizer que a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste sente-se honrada por essa oportunidade. Reforçar também que colocamos o Fundo Constitucional de Financiamento Centro-Oeste à disposição do setor cultural da nossa região. A pedido da Jaqueline, nós começamos, desde o início do ano passado, um trabalho para desenvolver um projeto de capacitação de mulheres presidiárias. Esse projeto tem o nome de “Reeducandas para a Liberdade” e conta com um termo de cooperação técnica entre o Ministério da Integração Nacional,
através da Sudeco, todos os estados da região Centro-Oeste e entidades civis organizadas. O objetivo desse projeto é promover oportunidades de geração de emprego e renda para mulheres ainda em cárcere, garantir que elas tenham uma poupança que as auxilie após a saída do presídio, e também promover internamente a atração de empresas para que esse projeto possa ser replicado em toda a região. Nós tivemos uma conversa com uma empresa do segmento de confecção de roupas. Isso está bastante avançado. A nossa ideia é trabalhar dentro do aspecto legal o associativismo e cooperativismo, para que essas pessoas possam se fortalecer tanto do ponto de vista da sua valorização pessoal quanto adquirir novas habilidades que lhes serão úteis quando voltarem à liberdade e reinseridas no mercado de trabalho. A gente agradece aos segmentos da sociedade que estão conosco nesse projeto, porque, se não é fácil construir projetos para aquelas comunidades ou para aquelas regiões onde você tem facilidade de acesso, imagine dentro de um presídio? Assim, a Sudeco se coloca à disposição de vocês como um instrumento para o fortalecimento do setor cultural da nossa região. Muito obrigado a todos e uma boa tarde.
Hilton Cobra Eu queria me deter àquilo que você falou acerca das dificuldades dos editais. Eu acho que existem alguns caminhos. Claro que nada vai se resolver amanhã, quarta ou quintafeira obviamente. Mas é preciso começar a criar um planejamento estratégico, um plano, estabelecer data, limite para que as coisas realmente possam caminhar. Primeiro, eu acho que a gente tem que batalhar um aumento de percentual também para a cultura. O Ministério da Cultura não pode atuar com um percentual de 0,7% do orçamento. Segundo, é necessário que se crie uma legislação específica para a cultura. Não pode acreditar se produza uma peça de teatro da mesma forma que se constrói uma ponte, ou se reforma o Maracanã. Temos as nossas especificidades, temos as nossas dificuldades e isso tem que ser levado em consideração. Um pontapé será dado no dia 1º de agosto em Natal-RN, quando ocorrerá, sob a coordenação do secretário Hamilton, o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura, com representantes de todos os estados brasileiros. Conversei com o Albino Rubin, secretário de cultura do estado da Bahia e também gostou da ideia. Informalmente, falamos com a ministra
Marta Suplicy, que também abraçou a ideia e disse: Veja a possibilidade de levar alguém do MinC e alguém da Conjur, que é a jurídica do MinC, para esse encontro, para esse debate. Eu entendo que nós estamos começando a buscar, a partir dos gestores, uma legislação específica para nós. Isso tende a melhorar um pouco essa questão dos mestres. Essa falta de intimidade que temos com a técnica do fazer edital... Aliás, edital virou uma esquizofrenia nacional. Tudo é edital. Ninguém mais pensa em outra forma de fomento se não os editais, mas não temos outra forma agora. Então, nós temos realmente que conviver com isso e melhorar esse sistema. Como? Primeiro, todas essas comissões julgadoras de projeto de estatais e instituições privadas que trabalham com renúncia fiscal − o que se torna dinheiro público − tem que ser obrigadas a ter técnicos, produtores e artistas negros compondo as comissões julgadoras. As comissões da Funarte, da Petrobras, e todas as outras, devem ter uma pessoa preta ou várias pretas ou pretos. Os critérios são outro problema. Não adianta colocar essas pessoas negras nas comissões se os critérios permanecem os mesmos. Os critérios atuais são excludentes, todos eles, com destaque 41
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para os projetos da monta de R$ 500 mil, R$ 1 milhão. Então, tem que mudar realmente. Tem que atender a essa questão da ancestralidade, Tem que entender também que a dramaturgia pode ser absolutamente política, politizada. Atualmente, qual é a empresa brasileira que quer aliar a sua marca a um espetáculo de teatro que vai tratar de reparação? Ela tem que ser levada a fazer porque está usando dinheiro
público. As empresas deveriam ser obrigadas a fazer isso. Funcionaria com o mesmo princípio do sistema de cotas. As empresas não vão aliar a sua marca a projeto étnico se elas não forem obrigadas. Não adianta a gente imaginar que o marketing de cultura dessas empresas irá nos atender, porque não irá. Outra coisa são os tais 40% destinados à arte e à cultura negra no Ministério e nas secretarias estaduais e
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municipais. Se conseguirmos isso, como ficarão as empresas? Quem está falando agora não é o gestor. Quem está falando é o ativista, a figura que há 20 anos batalha por um crescimento maior das verbas públicas e privadas para a arte e a cultura negra. Agora, como falou muito bem o secretário, como gestores, estamos fazendo a nossa parte. Mas não adianta somente os gestores, o secretário. Tem que
ter esse movimento partindo de vocês, como vai se iniciar o movimento dos 40%. Temos que ter uma legislação específica, porque, se conseguirmos os tais 40%, teremos problemas piores ainda com CPF, CNPJ, etc. Uma coisa tem que caminhar junto com a outra. Outra coisa importante para nós, negros e negras das artes e culturas, é derrubar o Decreto Lei 7.568/2011 que impede que os Ministérios da Cultura, do Turismo e do Esporte realizem convênios com instituições privadas, ainda que sejam sem fins lucrativos, ou seja, as ONGs. Isso matou a gente. Todo mundo sabe que a maioria das instituições negras não governamentais trabalha na área de cultura e ficou descapitalizada. A empregabilidade desceu quase a zero por conta disso. Olha quanta coisa temos que fazer! E quem é que está batalhando por isso? É a comunidade artística e cultural negra. É necessário que se derrube esse decreto, o que vai atender fundamentalmente a nós, produtores e artistas negros. A luta pelo percentual de recursos resultará no atendimento a todo universo da cultura.
Quer dizer, nós estamos trabalhando para uma revolução nessa questão do subsídio, do orçamento e da estrutura em cultura e arte. Eu queria finalizar com uma coisa de mulher, porque afinal de contas fomos chamados por elas: Quando Deus criou a vida, a morte, a paz e a guerra, os peixes, rios e mares, as plantas, os homens e as feras, começou pelo princípio, juntando tudo na terra, a terra da moradia, de pau a pique e sape, e dá o comer da gente, dá milho, cana e café. Mas para povoar a terra modelou Deus a mulher! Obrigado pela participação e viva a nossa nova Palmares! Maurício Tizumba Queria agradecer o convite, dizer que foi bastante proveitoso e importante participar desse debate e que nós temos que ter esperança. Eu acho que tudo isso que nós colocamos aqui é um processo que se iniciou há muitos anos e nós temos que, a cada dia mais, ir construindo esse avanço. É fundamental que nós tenhamos gestores negros ou gestores mesmo que não negros, mas que sejam comprometidos com a causa. É
fundamental que a gente comece a trabalhar a mudança da legislação, porque muitas vezes as leis existem para poder nos excluir, para poder nos retirar do processo cultural e de outros mecanismos. O mais importante de tudo isso é a mobilização popular. Nós queremos construir um país melhor, queremos transformar esse país. De nada adianta termos um Congresso que não tem compromisso com a maioria do povo, porque a maioria desses deputados e senadores eleitos é composta por representantes da elite brasileira. Mesmo que a gente tenha esse compromisso, que os gestores tenham esse compromisso, nós temos que mudar esse processo político. Essa mudança só vai realmente acontecer a partir do momento em que nós que estivermos nas salas de decisão. Se a elite brasileira está trabalhando por um retrocesso, eu acho que é o momento da população negra ir às ruas, não só para manter aquilo que conquistamos, mas para fazer avançar. Para finalizar queria dizer a vocês, vamos à luta que nós seremos vitoriosos. Muito obrigado.
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L ançamento ano
do livro :
“I gualdade R acial : reflexões no internacional dos afrodescendentes ”, do I nstituto de P esquisa E conômica A plicada – I pea .
Sra. Tatiana Dias Silva (Pesquisadora do Ipea): A gente sabe que o momento de lançamento, de abertura, é um momento de encontros e muito importante. Em primeiro lugar quero agradecer ao Latinidades, é um prazer estar mais uma vez participando das mesas, participando das atividades culturais. E nesta ocasião, dar um agradecimento muito especial à Jaque, à Dani, pela acolhida da nossa proposta de fazer o lançamento do nosso livro “Igualdade Racial no Brasil” nesse evento que reúne essas discussões, esses debates militantes, gestores, pessoas envolvidas e que a gente gostaria efetivamente de estar falando para esse público. Vou chamar a nossa outra organizadora Fernanda Lira Goes, nossa colega do Ipea, também da coordenação, e falar um pouco sobre o processo desse livro, construído no Ano Internacional dos Afrodescendentes em 2011. Nós do Ipea organizamos um ciclo de debates sobre o Ano Internacional dos Afrodescendentes tratando sobre variados temas, que estão presente aqui no livro. Tivemos a grata satisfação de contar com pesquisadores, gestores, professores, pessoas que puderam nos trazer suas reflexões sobre a questão racial na área de educação na área de segurança, na área da política externa em vários campos e fruto desse debate. Nós não queríamos que esse debate encerrasse por aí, convidamos também esses nossos colegas para escreverem um pouco dessas reflexões e esse encontro resultou nesse livro. Está saindo agora, é o lançamento nacional do VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
livro aqui no Latinidades. Nós, eu e Fernanda, somos da Coordenação de Gênero e Raça do Ipea e dentro da Diretoria de Políticas Sociais. Quero chamar agora nosso Diretor de Estudos de Políticas Sociais, o Rafael Osório, está aqui presente; quero chamar a Lilian Arruda Marques, Assessora Técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos do DIEESE; e a Cláudia Mara Pedrosa, Consultora Técnica do Ministério da Saúde, que trabalhou conosco como pesquisadora do Ipea. Depois teremos mais um grupo de autores que nos deu a satisfação de estar presente, vamos passar a palavra para cada um dos nossos colegas, a gente desfaz a mesa para que vocês possam conhecer um pouco desse trabalho de muitas mãos. Sr. Rafael Guerreiro Osório Diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea (Disoc): Obrigado, Tatiana, eu não sou autor, minha única contribuição com esse estudo foi simplesmente garantir que ele fosse publicado. Mas, para nós do Ipea é uma honra estar aqui lançando esse livro, em particular para mim, esse é um tema muito caro, eu ajudei a criar essa coordenação dentro do Ipea que hoje é tocada com muito brilho pela Tatiana e pela Fernanda que são duas pessoas altamente competentes e organizaram um livro de excelente qualidade. Convido a todos que leiam o livro, temos exemplares sendo distribuídos aí fora. Obrigado! 45
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Sra. Lilian Arruda Marques (Assessora Técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas Estudos Socioeconômicos do DIEESE): Boa tarde a todos e a todas! Meu nome é Lílian, produzi o texto junto com Patrícia Costa, que é uma outra companheira do DIEESE. Quero agradecer muito o convite do Ipea e o fato de estar sendo lançado aqui, acho muito legal. Simbolicamente eu acho que a gente tem que divulgar muito esse tipo de atividade, ampliar e fazer cada dia mais. O DIEESE, eu acho que nem todo mundo conhece, é uma entidade do movimento sindical que vai completar 60 anos daqui a dois anos, é uma entidade mantida e dirigida pelo movimento sindical, entidade única no mundo. Todas as tendências, grupos políticos estão lá dentro. Tudo a gente discute, tem um planejamento realizado pelo movimento sindical e essa questão do trabalho doméstico, o corte da trabalhadora negra é uma coisa que a gente já discute há muito tempo no DIEESE, outros cortes também em relação ao trabalhador negro e à trabalhadora, é uma coisa que a gente tem procurado contribuir com essa discussão E agora teve a vitória da PEC do trabalho doméstico, que eu acho super importante, é um passo, mas não acabamos, a gente vê o preconceito, eu vi as entrevistas, como a gente produz muito dado dentro do DIEESE a gente foi muito procurado por jornalista e a gente vê o preconceito VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
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que ainda há por trás desse tipo de trabalho. O pior quadro é na Bahia onde a população negra é muito presente. Lá é onde está o pior quadro do trabalho, não só no trabalho doméstico. Essa publicação ajuda um pouco a gente a compreender esse quadro, quanto a gente ainda tem que mudar, quanto se avançou mas quanto ainda tem que avançar. Para nós foi um prazer muito grande esse trabalho com o Ipea. Foi muito rico. Agradeço o convite novamente, eu acho que a gente tem que continuar produzindo, e fazendo mais, ainda tem um caminho longo ainda a ser percorrido mas estamos andando, agradeço esse convite e convido vocês a acessar o site do DIEESE que a gente tem muita coisa interessante lá. É um site aberto, está à disposição para qualquer tipo de consulta. Obrigada. Sra. Cláudia Mara Pedrosa (Consultora Técnica do Ministério da Saúde): Boa tarde a todos e a todas! Também gostaria de agradecer à Tatiana e Fernanda pela oportunidade de compor o grupo de autores desse livro e parabenizá-las pelo lançamento num evento dessa magnitude. Diizer da nossa satisfação de poder trazer essa pesquisa, que é um capítulo que nós fizemos um recorte. É uma análise qualitativa de uma pesquisa realizada na cidade de Salvador e no Distrito Federal, com trabalhadoras domésticas, Essa pesquisa foi uma parceria do Ipea com a Cfemea, OIT e a ONU Mulheres e eu busquei nesse capítulo trazer um diálogo das trabalhadoras domésticas contando um pouco da sua realiVI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
dade em relação às desigualdades, iniquidades que elas vivenciam no seu cotidiano de trabalho. A gente sabe que apesar de muitos avanços ainda são muito frequentes as relações de violência, a opressão ao modo como essas mulheres têm vivenciado relações muito antigas, de contrato de trabalho, que estão permeadas de muita opressão. São 26 mulheres que dialogam com a gente nessas entrevistas e o que eu busquei, juntamente com elas, foi fazer uma crítica social dessa invisibilidade que é o trabalho doméstico em relação à fiscalização do trabalho, à questão da denúncia das violências, quais são os canais que essas mulheres não encontram para denunciar a violência. Enfim, fazer um recorte geral, uma busca, um recorte com essas mulheres, mas que estão dizendo muito de muitas outras trabalhadoras que estão vivenciando essa realidade. Eu convido vocês para lerem e fazerem essa leitura crítica em relação ao quanto distante estão a nossa promoção dos direitos, as políticas para essas mulheres em relação ao alcance da superação da desigualdade. É um prazer, novamente, estar aqui e a gente tem o nosso contato para um diálogo mais contínuo se vocês tiverem necessidade de maiores informações dessa pesquisa, que é bastante ampla. Sra. Tatiana Dias Silva (Pesquisadora do Ipea): Mais uma vez quero agradecer aos colegas, à Lílian, Claudinha e Rafael, convidar agora o professor Rafael Sanzio, coordenador do Projeto Geografia Afro-brasileira: Educação & Planejamento do Território (Geoafro), 49
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professor da UnB; convidar o Sílvio José Albuquerque e Silva, Chefe do Gabinete do Supremo Tribunal Federal, diplomata que tem uma brilhante tese sobre o combate ao racismo; convidar a professora Renísia Felício Garcia, professora da UnB, coordenadora do Grupo de Estudos e pesquisas na área de gênero e raça, também autora do livro. Vou falar rapidamente de alguns autores que estão ausentes, mas que com certeza quem tem discutido essas questões conhece um pouco do trabalho deles. Um deles, Joaze Bernardino, professor da UnB, escreveu também sobre o trabalho doméstico e fazendo a reflexão sobre a questão da vulnerabilidade. Eu me lembrei muito quando a Ministra falou que não aceita esse papel subalterno das mulheres negras, porque ele fala que vai trazer toda a trajetória da organização das mulheres negras no sindicato das trabalhadoras domésticas e como essa interseccionalidade de gênero, raça e classe foi utilizada por esse grupo, por essas mulheres negras como forma de superação e de empoderamento. Outros autores que não estão presentes e que vocês conhecem VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
é o Rodrigo Ednilson e a professora Nilma Lino Gomes que escreveram sobre a pesquisa bem extensa que eles realizaram sobre a implementação da Lei 10.639 junto com o MEC. Fizeram um trabalho em rede com vários núcleos, vários Neabs e com várias escolas em todo território brasileiro para identificar o grau de enraizamento de implementação da Lei 10.639. Outro é o texto sobre violência, segurança pública e a questão da juventude negra do Almir, da Verônica, também colegas nossos do Ipea que colaboraram com essa discussão dentro dos debates. Um texto também do Ivo Fonseca, que também muitos devem conhecer, que é nosso colega guerreiro da Conaq, da Confederação Nacional das Quilombolas e escreveu um depoimento muito interessante sobre toda luta de organização e de disputa das comunidades quilombolas em prol dos seus direitos. Tem outro texto, da minha autoria, que é sobre Panorama Social da População Negra. São dados estatísticos e comentários na área do trabalho e da educação. Antes de passar a palavra para os autores, quero agradecer também aos colegas do Ipea.
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Sr. Sílvio José Albuquerque e Silva (Chefe do Gabinete do Supremo Tribunal Federal): Bom dia a todos, boa tarde! Inicialmente, quero agradecer à Tatiana e Fernanda pelo convite, não só ao convite para participar da cerimônia de hoje mas de participar das iniciativas do Ipea voltadas para o debate sobre a questão racial. Eu acho que é um momento de transição extraordinário que o Brasil viveu para a preparação conferência mundial de Durban em 2000,
em que o Ipea teve papel central na desmistificação de uma série de verdades mal contadas em relação à questão racial brasileira, e eu como servidor público, como diplomata, participei do processo de concepção das propostas que o Brasil levou para Durban e pude testemunhar o avanço que o Brasil teve desde então, até os dias de hoje. O meu trabalho basicamente busca, com o mote do ano Internacional dos Afrodescendentes, resgatar aquilo que foi a evolução do tratamento da questão racial pelo Itamaraty na década de 30, 40 até os dias de hoje. É um grande vôo, mas eu procurei nesse trabalho homenagear indiretamente o meu avô, que chamou-se José Bernardo da Silva, foi um parlamentar ao antigo estado do Rio de Janeiro em que eu pego um episódio da vida do meu avô em que ele questiona Getulio Vargas pela inexistência de negros na carreira diplomática. Isso no final dos anos 40. Mostra também a discussão que Abdias do Nascimento promoveu ao longo da sua atuação como homem público, criticando o Itamaraty pela invisibilidade do negro não só na carreira, mas também no tratamento da política externa como um tema relevante e faço um grande avanço buscando demonstrar que as mudanças ocorreram pós 2000 foram produto de uma transformação que o Itamaraty foi obrigado a promover internamente a partir de uma reivindicação histórica do movimento negro brasileiro. Eu mostro claramente no meu trabalho que hoje é importante reconhecer, para que nós tenhamos uma perspectiva do que se busca alcançar a partir de agora, que houve sim avanço no tratamento da questão pelo Itamaraty ao longo dos últimos anos e que isso ajudou a entender melhor a sociedade brasileira. O Itamaraty ainda é uma instituição que se destaca por ter num universo de 1.500 diplomatas não mais do que 20 negros. Um Embaixador, apenas, de carreira, é negro. Um passivo tremendo em
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relação a tudo aquilo que diz respeito à busca efetiva da igualdade racial na composição do quadro diplomático nacional. Eu proponho no meu trabalho, no último parágrafo, que o Itamaraty vá além da política de ação afirmativa que está em vigor hoje, eu proponho que haja política de cotas no acesso à carreira diplomática, algo que até hoje não foi pensado. O Itamaraty, apesar de tudo, é a única instituição pública que tem uma política de ação afirmativa na primeira fase do concurso de acesso à carreira diplomática. Mas, eu entendo que isso é pouco porque o olhar diverso que nós temos que ter sobre a realidade mundial somente será possível a partir do momento que o Itamaraty refletir efetivamente a diversidade racial do povo brasileiro. Isso hoje em dia não é verdade. Eu entrei no Itamaraty em 86, posso dizer hoje, 26 anos depois, que é com muita amargura que eu vejo uma instituição ainda praticamente branca de Terceiro Secretário a Embaixador, mas que busca referências para tornar-se uma instituição mais com a cara do Brasil. Reconheço o grande trabalho realizado pelo Ministro Celso Amorim, reflito isso no meu escrito e eu acho que a partir de iniciativas como essa do Ipea o Itamaraty pode e deve tornar-se uma instituição cada vez mais consentânea com aquilo que é a realidade racial brasileira Sra. Renísia Cristina Garcia Filice (Professora da UnB, Coordenadora do Grupo de Estudos e pesquisas na área de gênero e raça): Olá, boa tarde a todos e a todas que aqui estão! 53
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Um grande prazer estar aqui com vários conhecidos e outros não, que me perdoem os conhecidos, mas os desconhecidos são muito bem vindos. A gente tem visto isso aumentar cada vez mais, isso para nós é algo que nos traz muita felicidade quanto mais parceiros melhor para discutir a questão racial no Brasil. Foi um prazer atender ao convite da Tatiana para participar do seminário. E esse artigo, tanto o trabalho que apresentei, quanto o artigo, é resultado de uma pesquisa que realizei durante o meu doutorado a respeito da implementação da Lei 10.639 e foi um material que foi colhido pelo Núcleo de Estudos Negros de Santa Catarina, o NEM, e esse material estava ainda na fase bruta e foi todo trabalhado por mim durante o meu doutorado e outras pesquisas que fui fazendo também. Trabalho de campo na Conapir, nas pré-conferências que aconteceram aqui em Brasília que antecederam à Conapir. Esse material, esse campo, foi trabalhado muito à luz das correntes historiográficas mais recentes sobre a discussão racial não só no Brasil, mas focando bem o Brasil, e tem umas coisas muito interessantes. Pensar um pouco isso que o Sílvio acabou de falar, que é o peso da cultura na implementação políticas públicas, algo que eu tenho enfrentado muito nas minhas pesquisas. Cultura entendendo como visões de mundo e convicções. Como essas visões a respeito da questão racial no Brasil atuam num processo de implementação de uma lei, de uma obrigatoriedade legal e aí, obviamente, quando estamos falando sobre isso estamos acionando o que Silvio acabou de dizer, recorrentemente as questões são obrigatórias, mas elas não têm sido implementadas. Se são, de que forma são, quais são os argumentos utilizados para implementar ou não o sistema de ensino... então, esse artigo é um fragmento da minha tese de doutorado que foi bem grande também e que também já virou livro que é “Raça e
classe na gestão da educação básica: a cultura na implementação de políticas públicas”. Só para fechar, ele faz parte também de um conjunto de ações que a gente vem tentando desenvolver. Rafael muito antes de mim, com o qual a gente precisa também se aproximar mais para desenvolver essa discussão racial na UnB que é um grupo de pesquisa que eu criei em 2011, mas que já vinha atuando, que é o Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas, História, Educação das Relações Raciais e Gênero (GEPPHERG/UnB). É bem grande o nome, mas eu não deixo que tirem nem uma palavra dele porque todas elas têm um sentido, estão todas amarradas. Nós estamos com uma especialização na gestão de políticas públicas acontecendo na UnB, nós temos um curso pós-afirmativo que é preparatório para negros e negras, isso é algo para nós que é muito caro. Inclusive, tem um artigo aqui que é do professor Joaze. Nós estamos coordenando juntos o preparatório para o ingresso e negros e negras no mestrado e doutorado nas universidades públicas federais e várias outras ações. Só para fechar, rapidamente, nessa perspectiva de uma outra história na sua relação com políticas públicas, nós tivemos também um estudante do GPERG que ganhou um prêmio nacional da Palmares. É isso, é parte de um processo de luta que não é só minha, que é do Rafael que veio antes, das pessoas da Ilma que está ali, da Domair que está há muito mais tempo que todos nós e é muito bom estar aqui nesse momento como foi dito pela mesa anterior, é um momento simbólico para nós, é um momento muito importante. É um texto que é nosso, agradeço a todos e muito obrigada. Sr. Rafael Sanzio Araújo dos Anjos (Autor e Coordenador do Projeto Geografia Afro-brasileira: Educação & Planejamento do Território (Geoafro) Boa tarde a todos. A primeira palavra de agradecimento
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a esta casa que está nos recebendo, recebendo o Ipea, recebendo todos nós, as mulheres do Afrolatinas. Eu estive aqui o ano passado, tive o prazer de estar aqui, uma mesa sobre diáspora, foi muito gratificante Estou eu aqui de novo, isso é muito bom porque os eventos que conseguem sobreviver estão fazendo história e esse já faz história, é um evento muito rico e faz parte do calendário de Brasília, um agradecimento a esse evento. Ao Ipea, porque é importante nós somos de universidade, ela é muito hermética, é muito fechada, muito conservadora e quando a parceria ocorre dentro do governo, instituições governamentais, isso é muito bom, por que o modelão são as instituições não conversarem, cada um na sua caixinha, um modelo para não resolver. Então, muito bom, recebi muito bem o convite do Ipea, a mesa, o texto e está aí o filhote, a filhote, eu acho que é uma menina, um livro é um filho, tem uma gestão. Elas podem contar com detalhes as dificuldades, quantos e-mails, está certo, não está certo, o mapa está bom, não está bom esta vírgula, é o bastidor, é a cozinha do livro que precisa ser contada também, quem fez livro vai fazer, se prepare porque faz parte, isso é só para dizer que vocês estão de parabéns. Sobretudo pelo espaço no Ipea, conquistado, que é um espaço que eu acho pendente desde que o Ipea existe, como mensurar as referências afro-brasileiras de maneira cosmética como historicamente estava sendo feito. Nós precisamos mudar, os métodos de avaliação são cosméticos, tem um
Brasil real que não enxergamos porque o Brasil invisível não tem força ainda é só o Brasil visível, o Brasil formal. O texto que fiz foi em cima dos Quilombos porque eu acho que a questão é muito emergencial, é para ontem, com uma pendência de quatro séculos, é inaceitável a maneira negligente como os territórios quilombolas têm sido tratados. Todo estado brasileiro,
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nós fizemos cinco cadastros desde quinze anos atrás, cedemos ele à Fundação Cultural Palmares que publicou e depois a gente vem trabalhando nessa direção. Esse é o quinto cadastro, fizemos ele no ano passado, 2012, e publicamos alguns dados nesse artigo que está aí. Um anorama da geografia de quilombos, que não são poucos,
são muitos, esse é o ponto chave. Quilombos, no pensamento social do estado brasileiro, não é para ter terra, terra significa poder e poder ainda é para D. Pedro II, é para a oligarquia que está bem representada no que o meu colega acabou de colocar muito bem, não quer largar o poder porque tem medo de perder o território, isso é geografia. O texto passa por isso, é um texto que tem que ser sintético porque é bom o limite. A gente trabalhou nessa direção, quem entrar lá vai ver a referência biográfica e eu não estou mais do que cumprindo a minha função, pesquisar, estudar e mostrar. Obrigado.
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Sra. Fernanda Lira Goes (Coordenação de Igualdade de Gênero e Raça: Boa tarde a todos e a todas! Eu gostaria de agradecer ao pessoal do Latinidades, em especial à Dani, que entrou em contato conosco para nos convidar como Coordenação de Igualdade de Gênero e Raça desse evento em dois momentos: na mesa que Tatiana vai participar na sexta-feira sobre o Quilombo das Américas e outro com lançamento do livro que saiu do forno hoje, aqui conosco. Gostaria de agradecer aos autores que estão aqui, que vieram, aqueles que não puderam vir também, mas a todo mundo que participou das mesas nos seminários no ano internacional, colocar que a gente tem além, dos textos dos autores, dois anexos que são muito interessantes. A carta de Salvador e um anexo curto, mas relevante, que o Sílvio já colocou, sobre a questão das bolsas para afro-descendentes para o concurso do Itamaraty. Convidar a todos e a todas que leiam, espero que gostem, tenham uma boa leitura e que possam conosco agora aproveitar um pequeno almoço, um brunch ali fora para comemorar e se alegrar. Obrigada.
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C ultura , E mpreendedorismo Sra. Janaína Bittencourt Nosso Coletivo Negro (Mediadora): Boa tarde, meu nome é Janaina, vou ser a mediadora hoje da mesa Cultura, Empreendedorismo e Economia Criativa, hoje nós vamos ter a presença de três palestrantes, a senhora Cláudia Leitão que é a Secretária de Economia Criativa do Ministério Cultura; o senhor João Bosco Borba que é Presidente da Anceabra - Associação Nacional dos Empresários Afro-brasileiros e Conselheiro titular da Presidenta Dilma, e o senhor João Carlos Nogueira que é Consultor-Técnico do Sebrae Nacional e Coordenador Executivo do projeto Brasil Afroempreendedor. Depois de apresentar os palestrantes eu queria que cada um sentisse à vontade, nós vamos ter uma rodada de 15 minutos da fala para cada um, depois dessas falas vamos ter 15 minutos de intervenção do público para eventuais perguntas, dúvidas que vocês quiserem colocar e acrescentar ao debate e ao final cada palestrante vai ter 3 minutos para responder às possíveis indagações de vocês. Fiquem à vontade.
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E conomia C riativa
dessa parceria que nós vamos juntos, MINC e MDIC, chancelar territórios criativos a partir de APLs, Arranjos Produtivos Locais intensivos em cultura cada estado do Brasil. Nós estamos começando uma primeira tarefa territorial e aí eu queria saudar aos dois Joões e dizer que estou muito feliz de receber aqui o livro do nosso assessor do Sebrae sobre Patrimônio Cultural Territórios e Identidades porque é essa discussão, João, que temos que trazer para o Ministério da Cultura, não somos só o Ministério das artes mas temos que ter uma compreensão de que a partir da cultura nós precisamos trabalhar cada vez mais numa perspectiva do desenvolvimento local e territorial e isso implica portanto
Sra. Cláudia Leitão (Secretária de Economia Criativa do Ministério da Cultura): Boa tarde, prazer enorme estar aqui no Latinidades, dizer da minha alegria no dia de hoje estar aqui com vocês hoje é um dia bem interessante do Ministério Cultura, nós estamos saindo daqui para primeira assinatura do MinC com o MDIC, Ministério da Indústria e Comercio Exterior, uma parceria importantíssima que, tenho certeza, se fosse vivo, o Ministro Celso Furtado ia estar muito feliz, eu já avisei a Rosa Furtado, viúva do Ministro, VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
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numa ação cada vez mais bilateral do Ministério da Cultura com outros Ministérios. Eu não sei se vocês conhecem a Secretaria da Economia Criativa, a secretaria tem um plano, esse plano está no nosso site no www.cultura.gov.br, vocês podem baixá-lo gratuitamente mas também se vocês quiserem nós temos um plano em livro que a gente também pode mandar para vocês basta então também que vocês entrem em contato com a nossa secretaria. Esse plano foi uma coisa engraçada porque de certa forma ele nasce primeiro do que a secretaria, a secretaria tem treze meses de vida, é uma secretaria muito jovem, mas nós desde 2011 quando chegamos aqui a Brasília com uma pequena equipe muito brava, mas muito guerreira, muito pequena também, nós resolvemos colocar o carro diante dos bois e começarmos um trabalho de planejamento, de uma institucionalidade que nós não tínhamos ainda. A secretaria ainda não existia, ela só nasce no ano passado no dia 1º de junho do ano passado, portanto ela tem 13 meses de vida mas penso que avançamos já bastante, temos hoje com clareza um escopo da secretaria, nossa primeira preocupação em 2011 era darmos a conhecer a nossa preocupação em dividir com especialistas, pesquisadores, professores, gestores, o campo criativo brasileiro, o que nós chamaríamos de secretaria de dinâmicas econômicas do Ministério da Cultura.
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Eu me lembro que o primeiro convite que eu recebi, eu nem nomeada estava, foi para ir ao BNDES e para uma discussão e um debate entre Ministérios de enfrentamento à pobreza eu me lembro, nunca vou esquecer disso, porque foi aí que eu soube que no dia seguinte eu ia estar nessa mesa com o professor Paul Singer, Secretário da Economia Solidária, eu confesso para vocês que eu não dormi, eu fiquei muito ansiosa com esse encontro, o professor Paul Singer para mim não era uma pessoa, era uma referência bibliográfica, eu sou uma professora da Universidade Estadual do Ceará então eu lia os textos do professor Paul Singer, eu sabia quem o professor Paul Singer era e eu dizia mas que audácia criarmos uma Secretaria de Economia Criativa quando já existe no Ministério do Trabalho uma Secretaria da Economia Solidária, qual é a diferença entre uma e outra secretaria, essas secretarias são gêmeas, elas são irmãs mas elas têm personalidade diferente e eu preciso ter muita clareza uma elaboração também teórico-conceitual para que a gente possa discutir isso com o professor Paul Singer e assim foi. O professor Paul Singer acabou virando uma espécie de pai intelectual primeiro da SEC, da Secretaria da Econo-
mia Criativa, nunca vou esquecer daquele dia, era março de 2011 quando eu entrava pela primeira vez numa discussão sobre políticas públicas sobre enfrentamento á pobreza e eu levava junto com o professor Paul Singer a discussão da inclusão produtiva que na verdade é a essência da economia criativa. Nós somos uma secretaria que tem como público a população brasileira mas com uma grande ênfase nos empreendedores criativos brasileiros e o nosso recorte é o recorte do micro e do pequeno. é muito importante porque eu sempre disse em 2011 que eu comecei a construir uma secretaria dizendo que eu não era, isso é uma técnica muito boa de professor que é o que sou, às vezes é difícil dizer o que a gente é, mas fica mais fácil e mais pedagógico a gente explicar o que não é, então eu não era uma secretaria das indústrias culturais porque as indústrias culturais não precisam de secretaria, elas em geral têm lobbies, elas vão ao congresso, elas têm deputados, senadores, formadores de opinião mas na verdade o nosso grande interesse e objetivo já em 2011 era o de construir uma secretaria voltada para o desenvolvimento local, para o desenvolvimento regional com foco
no empreendedorismo dos setores criativos. Os setores, vocês sabem, eles estão definidos pela Unesco e pela Unctad, são praticamente 20 setores com os quais trabalha hoje o Conselho Nacional de Política Cultural então eu estou dizendo que do circo ao software isso tudo é setor criativo passando pelas artes, as artes no sentido tradicional, as artes de espetáculo, pelas industrias do livro, do cinema, do audiovisual, dos games indo à cultura digital, patrimônio cultural, patrimônio imaterial e material. então imaginem as criações funcionais, a moda, o design brasileiro, a arquitetura e o paisagismo, o artesanato, todos esses setores são os chamados setores culturais e criativos. A secretaria trabalha com esses setores com enfoque no desenvolvimento local e com público alvo do pequeno, do micro e do pequeno e do informal, aquele também que não tem CNPJ, essa é a nossa preocupação e a nossa meta evidentemente atrair esse pequeno para uma formalização, agora precisa valer a pena, eu não vou me formalizar se na verdade isso não 61
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reverter em nada para mim então o estado precisa também oferecer contrapartidas que justifiquem essa formalização. Eu já falei o que é o escopo da secretaria, quem é o público alvo preferencial, qual é o recorte dos setores então a dimensão simbólica é fundamental, não me interessa especialmente a confecção no Brasil, me interessa o recorte da moda que é o que dá dimensão simbólica da confecção, não é isso? Não me interessa qualquer movelaria, me interessa o design que pode na verdade trazer para movelaria um olhar brasileiro, de uma identidade brasileira, nós estamos aqui exatamente num encontro de empreendedorismo voltado para mulheres, voltado para países onde essa força dos nossos imaginários é enorme. O que agrega valor a um produto, a um bem, a um serviço é a dimensão cultural, é a dimensão simbólica, é disso que eu trabalho, é isso que me interessa nessa nova secretaria. Aí vêm os princípios da secretaria, quais são os princípios de uma nova secretaria que está ganhando institucionalidade no Brasil? Nós definimos e acho que acertamos isso tudo está no nosso plano, o princípio da diversidade cultural é o mais importante deles, a gente se alimenta da diversidade cultural brasileira mas tem obrigação de retroalimentá-la porque o problema da indústria cultural é que ela acaba com a diversidade, ela pasteuriza a diversidade. Vejam por exemplo, as nossas feiras de artesanato no Brasil, em que estado elas se encontram, foi o que nós fizemos ou que nós não fizemos, pela ausência de políticas públicas de um país que o IBGE diz que é o país cuja maior atividade cultural. É muito importante a gente entender que a diversidade cultural é a matriz primeira e é o maior insumo econômico que a gente pode ter. Sem diversidade não tem economia criativa, esse é o primeiro ponto. VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
O segundo princípio da secretaria é o princípio da sustentabilidade ou da sustentabilidades, vocês podem colocar um s também, não estamos falando somente em sustentabilidade econômica que evidentemente é importante e que há setores que precisam de políticas para terem uma dinâmica econômica saudável. Eu produzo, eu crio para que alguém possa fruir, para que alguém possa consumir, eu preciso portanto de mercados, eu preciso de circulação, eu preciso resolver os gaps da distribuição que talvez seja um dos maiores problemas que nós temos por isso é uma tarefa importante da secretaria, eu sou um criador mas o meu produto não circula então eu sou o túmulo da criação porque se eu não faço circular o meu produto ele não chega em ninguém e aí é dramático. Essa é uma das questões maiores da dinâmica econômica da criação, distribuição, comercialização, quiçá, exportação dos nossos bens e dos nossos serviços criativos brasileiros. Temos aí esse aspecto que é importante que é o aspecto da sustentabilidade. Mas eu não estou falando só em sustentabilidade econômica mas nas sustentabi-
lidades todas, da sustentabilidade ambiental que tem uma relação direta com, por exemplo, aqui pensando nas paneleiras lá do Espírito Santo onde se come o prato mais típico lá do Espírito Santo que é uma espécie de caldeirada de frutos do mar que é feito nas panelas que são de barro preto, um tipo de terra, de barro que tem que existir e que está desaparecendo. Então você percebe que a paneleira só existe porque está lá aquele tipo de barro escuro e aquele tipo de barro escuro é fundamental na determinação do gosto, do prato que é feito dentro, que é a tal da peixada capixaba então vejam as relações entre a sustentabilidade ambiental e a cultural, não é mais possível separar natureza de cultura. Esqueçam a velha visão de que cultura que o homem faz a natureza é o que aí está, na verdade a natureza se culturaliza, a cultura se naturaliza então nós temos que pensar o patrimônio cultural e ambiental do mesmo lugar, esse é outro princípio fundamental para nós. O princípio da inovação é um princípio fundamental, eu não tenho medo da palavra inovação mas eu acho que vamos ter que avançar muito no significado dessa palavra,
inovação não é só a visão da ciência e tecnologia, por exemplo, que diz que um produto que tem mercado é um produto novo e esse produto traz alguma coisa que rapidamente vai encontrar mercado, a inovação no sentido da tecnologia é isso, produto que acha mercado porque na verdade oferece algo que ninguém ofereceu até então, na visão da cultura inovação é muito mais do que isso, até porque na visão da cultura inovação não tem mercado. O estado tem uma tarefa de dar lugar ao novo, isso é muito importante e eu estou sempre dizendo isso para não imaginarem que eu só penso em mercado, A secretaria reconhece a importância dos mercados mas também reconhece que determinados bens devem ser apoiados sem mercado, eles até um dia poderão ter mercado mas nem todos terão e assim foi com todos os grandes gênios das artes e da cultura do mundo, muitos morreram muito pobres porque não tinham mercado, essa é a verdade então nós precisamos também avançar no conceito de inovação. Por último eu acho que um princípio que não poderia estar fora da secretaria é o princípio da inclusão social, afinal o governo 63
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Dilma Roussef é um governo de inclusão social e quando a gente pensa em inclusão social a gente está falando em inclusão produtiva, eu preciso que essa juventude brasileira que hoje não está muito mais a fim, uma parte dela não está mais a fim de trabalhar na indústria tradicional nem está a fim de trabalhar na agricultura tradicional, nem na pecuária tradicional. Eu conheci muitos jovens que me diziam assim: “eu estou aqui plantando mas eu quero ser chefe de cozinha” e entre plantar o milho e ser chefe de cozinha aí nós vamos agregar um valor enorme àquela profissão e é aí que me parece muito interessante o potencial dessa juventude que pode estar conosco recuperando os centros históricos das cidades, trabalhando em novas escolas em artes e ofícios, trabalhando na área de cultura digital, dialogando no seu artesanato com design brasileiro enfim, trabalhando em milhões de profissões que são as profissões desses setores criativos brasileiros então inclusão produtiva me parece que é a coisa mais importante que a gente tem que fazer e que nós temos evidentemente que beber na cultura tradicional popular então a economia criativa tem a ver com a produção da ancestralidade brasileira, com os mestres da cul-
tura, com os mestres griôs, com os quilombolas desse país, com as culturas ribeirinhas, com as culturas ciganas, com as culturas sertanejas dos sertões e das veredas do Brasil mas essa cultura ancestral tem que dialogar com a cultura contemporânea, com a tecnologia, com a cultura digital. Então se eu fosse fazer uma equação de primeiro grau do que é uma economia criativa eu diria que é conteúdo cultural e ciência e tecnologia. Talvez fosse a forma mais simples de vocês perceberem a dimensão ancestral mas é dimensão do século XXI que essa economia comporta. Eu vou por último aqui para os desafios, quais são os desafios da Secretaria Economia Criativa, eu vou enumerar cinco e vocês vão pensar comigo o que isso tem a ver com o que vocês estão fazendo na área do empreendedorismo. O desafio da produção de dados. Nós não temos mapeamentos, nós não temos o PIB dessa economia, o Produto Interno Bruto, nós não sabemos o que é que esses setores produzem de riqueza e é por isso então que nós estamos com o IBGE desde 2011, retomamos uma parceria que havia sido meio que suspensa e estamos trabalhando
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na conta satélite da cultura. Em 2015 vocês terão quanto da riqueza produzida pelo Brasil dos setores primário, secundário e terciário, quanto dessa riqueza é produzida setores culturais criativos brasileiro, isso para nós é muito importante termos essa conta satélite, desagregar dados porque na verdade os dados são todos juntos então nós não sabemos, por exemplo, separar construção civil de arquitetura, é completamente diferente, o Brasil aparece nas pesquisas lá como o país que exporta arquitetura, não é verdade, a gente tem Camargo Corrêa, Odebrecht, grandes empresas de construção que fazem pontes, viadutos, isso não é economia criativa, vocês entendem que estando junto não dá para saber o que a gente está fazendo, ao mesmo tempo a gente está desrespeitando a arquitetura então nós precisamos desagregar, quando a gente tem dados da economia do livro no Brasil sabe de onde saem esses dados? Do que vendem as livrarias no Brasil, elas vendem só livros? Não, elas vendem cartolina, papel, durex, borracha e isso conta, vocês percebem? Temos que desagregar essas informações para termos dados críveis, dados confiáveis, então nós estamos com o IBGE, criamos o Observatório Brasileiro da Econo-
mia Criativa, entrem no nosso site do OBEC, Observatório Brasileiro da Economia Criativa, OBEC, dentro dele tem muita coisa que vai interessar a vocês. Por último agora, há um mês nós publicamos o relatório das indústrias criativas do mundo em português, ele só existe em inglês, ele agora está na nossa língua, que a gente tem que falar português com essa economia então lá no OBEC vocês vão encontrar o relatório da Unctad que é a conferência das Nações Unidas para o comércio e para o desenvolvimento, é um relatório da produção da economia criativa de todo mundo. Aí vocês podem me perguntar, e o Brasil como está nesse relatório? Está muito mal porque o Brasil aparece como um caso, como um case, não há dados sobre a economia criativa brasileira então aparece assim o carnaval brasileiro, o papel do tecnobrega no Pará, enfim, casos, nós não temos séries históricas números de crescimento, comparação por isso criamos o observatório, estamos agora criando observatórios estaduais com as universidades, as universidades são as primeiras parceiras da SEC, nós vamos ter um observatório em cada estado brasileiro aí nós vamos
começar a ter comparações entre os estados., series históricas, possibilidade de termos cestas de dados de indicadores para podermos medir essa economia criativa do Acre até o Rio Grande do Sul, precisamos saber e entender regionalmente, estadualmente, municipalmente essa economia. O segundo desafio é o desafio da educação, nós temos que ter uma educação que forme profissionais para esses setores, nós não temos uma educação adequada, nossa educação é do século XX e essa economia é do século XXI, a gente às vezes tem informações e cursos, bacharelados, a pessoa sai do curso, não entra no mercado de trabalho porque o curso é
completamente inadequado, inoportuno, a gente pensa que todo mundo vai ser estilista mas a gente tem que pensar que tem que ter costureira porque se eu estou falando de um arranjo produtivo o estilista precisa da costureira, do modelista, do chapeleiro, enfim, são várias profissão que têm que ser pensadas conjuntamente, educações técnicas profissionalizantes, tecnológicas, graduação e pós-graduação, é uma nova educação que o Brasil precisa e nós temos que chegar lá.
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O terceiro ponto é o fomento, nós precisamos de bancos, de linha de crédito que apoiem os pequenos, se vocês forem agora ao BNDES ou ao Banco do Brasil vocês não vão conseguir muita coisa e é uma pena porque na verdade nós estamos nesse trabalho com os bancos dizendo para eles se você é pipoqueiro e você vai conseguir um empréstimo no Banco do Brasil sabe-se lá, você vai ter um carrinho de pipoca para dar em contrapartida caso haja algum problema com esse seu financiamento. Ora, se você tem uma ideia na cabeça você não tem um carrinho de pipoca para dar de volta como contrapartida e você precisa apoiar um projeto empreendedor que é apoio à ideia, daí nós temos que ter um outro fundo de participação que apoie o pequeno empreendedor com suas ideias para que a gente possa tratar do risco que é da essência do conceito de empreendedorismo, nós precisamos apoiar o pequeno e as suas boas ideias, as ideias dos pequenos que é o que não falta no Brasil, nós somos o pais das tecnologias sociais, das ideias empreendedoras, nós precisamos só multiplicar e termos políticas públicas para esse empreendedorismo. Eu estou falando de linha de crédito, nós estamos fechando uma grande parceria com a Caixa Econômica Federal, eu acho que vai ser o primeiro banco da criatividade brasileira, mês que vem a gente está fechando isso, graças a Deus, dois anos de luta, o BNDES tem uma longa caminhada, vocês imaginem um programa do BNDES chamado Pró-cultura, é um programa que o menor empréstimo que eles fazem é de 1 milhão de reais, 1 milhão de reais para o pequeno é uma brincadeira então não faz sentido nós estarmos falando em empréstimo do BNDES para empreendedores culturais, eu não tenho como pegar milhões, eu não tenho de forma alguma nem como chegar perto de um ger-
ente de um banco desse então nós temos que mudar essa lógica e pensarmos em microcréditos orientados, modelagens de crédito que é o que a gente está fazendo. Estamos falando também em fomento sobre consultoria e assessoria de empreendimentos, trabalhar com cultura digital, trabalhar com design, com world designer (?), as grandes áreas do século XXI implica num assessor que entenda dessa gestão e eu acho que a gente ainda tem uma grande caminhada para fazer porque nós temos gestores de área tradicionais, o Sebrae também está assinando conosco agora uma grande parceria, o Sebrae Nacional, e eles dizem: “Cláudia, a gente também não entende dessa economia, nós vamos ter que aprender juntos, o carro está andando, vamos trocar o pneu que a gente também não domina áreas novas, nós vamos ter que aprender a ser consultores dessa área”. Nós temos um desafio de formar os formadores, de formas os consultores e por último um grande desafio que são os desafios dos marcos legais, não há possibilidade de dinâmicas econômicas que sejam saudáveis se eu não tenho leis que me permitam produzir, criar, produzir, distribuir, fazer circular, comercializar, exportar e aí eu tenho vários entraves vocês sabem mais do que eu os entraves, hoje eu estava com o pessoal do design que agora está dentro do Ministério da Cultura trabalhando na construção de seu plano setorial de design e a conversa deles é a mesma conversa que tenho com os arquitetos, que tenho com os músicos, que eu tenho com os artesãos que é a seguinte, como é que eu posso fazer alguma coisa com a carga tributária que eu pago, um produtor cultural no Brasil hoje o que ele faz, ele trabalha com serviços, toda vez que ele contrata um serviço terceirizado ele está pagando imposto em cima que é o imposto cascata, é possível
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viver assim? Hoje os designers estavam dizendo: “A minha profissão não existe, Cláudia. Eu sou designer, é preciso regulamentar essa profissão, é preciso que na hora que o próprio governo federal contrata o serviço que ele coloque lá a profissão do designer que eu tenho que aparecer junto do engenheiro, junto do arquiteto, eu sou designer, eu tenho uma formação para isso mas eu não existo, o produtor cultural não existe na classificação brasileira de ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego”. Ou seja, as profissões criativas não existem e vocês existem, nós existimos, então não é verdade que a gente não existe, a gente não existe para a velha visão de trabalho do século XX, para eles isso não existe, então não tem lá chefe de cozinha, não tem lá o produtor cultural, não tem lá o palhaço de circo, não tem lá as profissões que envolvem os setores culturais, elas não existem, além da informalidade elas não existem e nós vamos ter que dar visibilidade para elas então marcos legais para desoneração tributária, para direito trabalhista, uma profissão que eu trabalho de vez em quando, eu não assino carteira, se eu não assino carteira eu não posso ser tratado como profissional pela CLT que é a nossa velha Consolidação das Leis Trabalhistas, eu tenho que ter um direito previdenciário. Uma lona de circo, ela não é brasileira, quando eu importo a lona eu pago uma fortuna de tributo, quando eu compro um aparelho, um software porque eu sou Word designer(?), eu sou fotógrafo, preciso fazer o que ela está fazendo ali tirando uma foto, eu vou pagar o mesmo preço de qualquer pessoa que compro, não é possível, eu sou profissional, eu tinha que pagar menos cadê a desoneração tributária, a questão do super simples, o simples da cultura, são questões em todas as áreas, civil, trabalhista, previdenciária, constitucional, pública, administrativa, as questões de propriedade
intelectual, de direitos de autor, enfim, temos aí quase nada, é uma floresta virgem que nós vamos ter que atravessar com leis, marcos legais e marcos infralegais. Eu diria, caríssimos, que esses daí são talvez as grandes, a ante-sala do que eu estou fazendo no Ministério da Cultura, eu acho que essa secretaria veio para ficar, ela tem uma imensa transversalidade com os bancos, com as universidades, com o sistema S, com os Ministérios. Primeiro momento fiz uma espécie de mapa do metrô, a gente fez lá um desenho dos Ministérios que trabalham com economia criativa, eu até fui modesta, com alguns eu nem procurei porque eu falei não, já estou exagerando e estava até, eu não sei, eu brinquei com isso como João que esteve comigo na secretaria, eu estava comentando o seguinte, aqueles Ministérios que eu não procurei agora já estão me procurando então significa que realmente economia criativa não é um monopólio do Ministério da cultura, semana passada eu tive uma reunião com o Ministério da Pesca, o Ministério da Pesca veio discutir economia criativa lá, então assim, do Ministério da pesca ao Ministério do Desenvolvimento Agrário com o programa Talentos da Cultura, Talentos Rurais e trabalham com território, gastronomia, biomoda, biojoia, tudo isso é economia criativa, Ciência e Tecnologia com os games, os Ministérios como o MDIC que trabalha com a moda, com artesanato também, enfim, essa área é transversal, ela dialoga com todos, a gente precisa ter cuidado também para não se pulverizar porque quando uma coisa está muito transversal ela tem o perigo também de escapar. Eu também não posso dizer que tudo economia criativa porque se tudo for dado será, então nós precisamos ter recortes consistentes e termos políticas que se tornem perenes, eu penso que esse é o nosso desafio, 67
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passamos já pela fase da criação, já nascemos, já passamos por uma fase primeiro de incubação, de gestação, a secretaria já é, tem um ano de vida, mas é um bebê saudável, eu acho que ela já está andando, já está falando e ela está muito animada com o que e ela vai poder fazer, espero que daqui a pouco eu venha para Brasília e a gente faça um novo debate e ela já esteja adolescente, eu acho que a vida é isso, a gente tendo chances como essa de apresentar para vocês a proposta do futuro e falando de um presente tão próximo de todos nós, isso para mim é uma honra e um privilégio estar aqui com vocês. Muito obrigada. Sra. Janaína Bittencourt Obrigada pela fala, ao final nós vamos ter um momento de intervenção e de interlocução, a senhora vai poder contribuir novamente. Eu gostaria de chamar a fala do senhor João Carlos Nogueira que é Consultor Técnico do Sebrae Nacional e Coordenador Executivo do projeto Brasil Afroemprendedor.
novidades embora novidades que se tiver sido pensado economia a partir do ser humano e não a partir da matéria para ser humano a economia criativa certamente teria aparecido muito antes do que nesse momento do século XXI, do mesmo modo a economia solidária, uma invenção praticamente do professor Paul Singer com todos os seus seguidores e apoiadores mas tem algumas palavras que às vezes batem com a gente porque elas não estão ainda muito bem consolidadas e às vezes têm até rejeição. Por exemplo, empreendedorismo não é algo que todo mundo goste porque empreendedorismo que é isso e tal como também inovação porque logo já liga com inovação tecnológica então às vezes o tecnológico parece ter um fim e o tecnológico na verdade não é um fim, é um começo.
Sr. João Carlos Nogueira (Consultor e Coordenador do Projeto Plano Brasil Afro-Empreendedor/Sebrae): Boa tarde a todas e a todos, com absoluta predominância do a todas, a grande maioria mulheres, é um prazer poder restar aqui com vocês no Latinidades nessa versão 2013 e rever, olhar alguns rostos conhecidos e poder conversar, dialogar com o João Bosco que é um histórico nessa discussão de empreendedorismo afro-brasileiro e a nossa animadíssima, entusiasmada e competente Cláudia Leitão que é a nossa Secretária de Economia Criativa que vem já colaborando com o projeto do Sebrae. Ouvindo com bastante atenção vários aspectos que Cláudia levanta, a gente está num momento de muitas VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
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Quer dizer, a ação humana é essencialmente tecnológica, esse movimento é essencialmente tecnológico então quando nós vamos pensar e falar sobre empreendedorismo afro-brasileiro aí sim criamos mais um componente talvez a ser pensado porque por si só quando falamos de negos mulheres, crianças, jovens, já tem uma certa polêmica no ar porque cada um carrega uma espécie da marca então talvez estejamos vivendo um dos momentos mais instigantes no Brasil meio que na contramão da história de outros lugares sobretudo quando a gente pensa os países centrais mas absolutamente na corrente das transformações que vão fazer da humanidade do século XXI talvez muito, muito melhor. do que aquela que a gente acompanhou no final do século XIX e todo século XX ou boa parte do século XX . Particularmente o projeto Brasil Afroempreendedor está dialogando com o passado e com o futuro porque o presente é o que nós estamos fazendo, ele está dialogando com um passado nada animador no Brasil porque nós temos mais tempo de trabalho escravo do que trabalho livre aí então quando a gente vai falar de século XXI e de mercados, de desenvolvimento nós
não conseguiremos dar um salto de qualidade neste conceito de desenvolvimento sem que a gente busque ou olhe para o significado das pessoas que têm essa trajetória, nós estamos falando do passado. O Sebrae não tratava desse tema, o governo não tratava desse tema, a economia tão menos e os mercados, nós éramos e somos consumidores somente desses mercados então o Projeto Brasil Afroempreendedor primeiro mexe profundamente com a ideia de que todo mundo tem oportunidades iguais no mercado e Cláudia falou em vários momentos dos não acessos da economia criativas, dos não acessos, se vocês notarem os não acessos sobretudo quando nós pensamos este universo da produção, do simbólico, às vezes do imaterial, do subjetivo que tudo passa a ser criação, uma parte considerável da população brasileira é afro-brasileira, boa parte dessa criatividade. Clóvis Moura dizia o seguinte, a população negra, o povo negro é essencialmente empreendedor porque sem essa capacidade empreendedora teria sido eliminada pela sua própria incapacidade de sobrevivência, na medida que tinham criatividade profunda e era
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essencialmente empreendedor ele não dependia do estado e nem do senhor pós-abolição, ele não dependeu disso, ele não dependeu de uma carteira assinada para continuar sobrevivendo e no entanto sobrevivemos. Quando nós falamos de comunidades quilombolas eu sempre chamo atenção o seguinte, nós temos que ter um cuidado enorme para tratar com o desenvolvimento das comunidades quilombolas porque elas sobreviveram 300, 400 anos a partir de 1600 e não dependiam necessariamente das nossas criatividades do século XXI. Então é fundamental que a gente respeite o potencial e a criatividade dessas comunidades para que a gente possa aí sim dizer que tem uma contribuição a dar. A primeira coisa é fazer chegar luz, água, esgoto, saneamento básico, saúde, isso se torna um cidadão mais completo, uma comunidade mais completa do ponto de vista da cidadania agora achar que a gente inventa projeto para as comunidades quilombolas não é verdade, nós temos é muito que aprender com as comunidades quilombolas porque elas que mantêm o barro que faz as panelas, elas que mantêm as criatividades daqueles lugares que pode poten-
cializar aquilo que o Sebrae quer ajudar a fazer. Agora um erro seria também achar que as comunidades devem continuar isoladas porque as comunidade não são mais isoladas, nós temos quase 5.600 municípios, nós iniciamos a caminhada de pensar comunidades quilombolas, comunidades remanescentes de quilombos no Brasil já evidentemente início do século XX, mas foi a constituição de 88 que dá, digamos assim, o start mais institucional onde elas passam a ter um valor do ponto de vista uma estratégia do estado para reconhecimento dessas comunidades que é o artigo 68, sem ele dificilmente o estado estaria pensando essas comunidades, mas à época os legisladores imaginavam 80, 100, 200 comunidades negras no Brasil remanescentes de quilombos, nós estamos chegando próximos de 4 mil, estamos chegando próximos ou superando o número de 4 mil comunidades e é uma visão evidentemente carregada de preconceitos mas de um lado também ingênua, pensar que o Brasil com esse tamanho que tem habitado por num determinado momento pela maioria de escravos teria sobrevivido alguns pontos na nossa nação, é claro que temos comunidades quilombolas do Oiapoque ao Chuí e num lugar que nem se imaginava ter comuni-
dades quilombolas ao olhar do sudeste e do nordeste que seria para o sul e particularmente num lugar de onde eu venho que é Santa Catarina, Santa Catarina a ideia presente por muito tempo agora no século XX talvez para alguns no século XXI que não tem negros e também não tem comunidade quilombolas, eu sempre digo o seguinte, a prova que tem negros sou eu porque eu sou de lá então essa já superamos, já soma alguma coisa e comunidades quilombolas porque nós já titulamos 7, nós temos 8 comunidades reconhecidas, uma titulada que é a comunidade Invernada dos Negros e Santa Catarina não foge à curva de população negra no Brasil, nós somos quase 16% de população negra em Santa Catarina, um estado com menos população negra na nossa federação. O Projeto Brasil Afroempreendedor, eu vou resumir alguns pontos estratégicos dele, primeiro, é abrir um profundo diálogo no que diz respeito à participação ativa de micros empresários, micros empreendedores, empreendedores e empresários negros na dinâmica do próprio mercado brasileiro porque aí no nosso caso quando se pensa população negra a gente tem um mosaico de possibilidades. Tem ca-
deias produtivas que praticamente são de domínio da população negra embora não se saiba, não se trabalhe com isso, mas quando a gente pensa, por exemplo, o campo da criação da música nós somos fortes, mas não é quem ganha com isso, quando a gente pensa o artesanato também a presença da população negra é muito forte mas não é quem ganha e vive do ponto de vista de mercado com essa produção, com esses investimentos. O projeto pretende talvez trabalhar em três escalas, a primeira escala, conhecer quem são os empreendedores afro-brasileiros, nós precisamos conhecer, não basta se falar que pode ser maioria, não basta se falar que talvez uma cadeia produtiva, isso nós precisamos conhecer, então a primeira fase nós realizamos 12 oficinas nos estados e aí neste caso talvez tenham pessoas aqui do Espírito Santo, não foi feito no Espírito Santo, talvez tenha pessoas aqui de Sergipe, não foi feito oficina em Sergipe, nós definimos 12 estados a partir de um critério que o Sebrae teria condições de potencializar então nós definimos os três estados do sul exatamente por entender que Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul é fundamental chave entrar no cenário nacional diferente 71
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da forma como sempre entrou e aparece então os três estados do sul estão presentes. Depois São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro; depois Bahia, Pernambuco, Maranhão, Paraíba e lá em cima o Amapá. Esses 12 estados nós vamos trabalhar insistentemente por dois anos, selecionando pelo menos 100 empreendimentos em cada um dos estados, e Goiás que eu esqueci. Quando falamos em empreendimentos nós não estamos falando de um empreendedor, estamos falando de empreendimentos, eventualmente pode ser uma cooperativa que tem vários produtos nessa cooperativa, eventualmente pode ser uma comunidade quilombola,
por exemplo, Calunga, que é um território inteiro ou podemos falar, por exemplo, lá no Maranhão de Alcântara que é a maior concentração de comunidades quilombolas num único município, 170 e poucas comunidades. O projeto pretende primeiro alcançar essas dimensões, 100 em cada estado, por que esse número definido para cada lugar, porque nós podemos ter 100 empreendimentos importantes em São Paulo mas podemos ter no Amapá também 100 empreendimentos importantes exatamente para ter um certo equilíbrio pela busca daquilo que a gente quer fazer, se São Paulo tiver
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1000, as organizações do próprio Sebrae local aí a gente começa a trabalhar diferente mas o fato objetivo é que 100 empreendimentos é o que o projeto vai atender. Como vai atender? A partir de consultores que vão estar em cada um dos estados articulando isso com o Sebrae e os parceiros locais para que a gente melhor identifique os empreendimentos, então vai chegar o seminário que vai iniciar o ano que vem, nós vamos saber exatamente quais são os grandes empreendimentos empreendedores de Santa Catarina, do Amapá, de São Paulo, do Rio de Janeiro para gente começar a fazer os investimentos.
Quais são os investimentos, sobretudo de conhecimento, de informação que é o primeiro dado que aparecer nas oficinas. Quando se fala em empreendedorismo se quer de imediato resolver a questão da gestão, plano de negócio e crédito. Agora, a gente já percebeu que isso não resolve o todo até porque o acesso ao crédito não é algo tão simples, a experiência que tivemos com quilombos no Maranhão endividou muito mais as comunidades, comprometeu CPF das pessoas que pegaram aqueles 2, 3 mil reais e aí o Banco Nordeste recuou para uma outra metodologia exatamente preparando as pessoas, preparando as comunidades, preparando os empreendedores para depois disponibilizar o recurso porque não adianta você disponibi-
lizar o recurso sem que você tenha uma estratégia de uso seja de 10 reais, de 100 reais, de 1000 reais, de 10 mil ou de 100 mil, eu preciso ter uma estratégia de uso do recurso. O dinheiro tem custo e esse custo é complicado para gente trabalhar sem que tenha uma formação, pensando os fomentos, mercados e assim por diante.
mentos e 1200 empreendedores e empreendedoras, deste número nós vamos acompanhar 500 empreendimentos durante todo 2014, então nós fechamos o projeto em 2015 com uma rede formada e essa rede formada tem que ser o alargamento dos embriões que a gente tem no estado, as iniciativas que tiver isoladamente.
A expertise do Sebrae ajuda em algumas coisas e outras a metodologia terá que ser construída de forma inovadora como está sendo feito com o projeto e a política pública da economia criativa. Outro dado importante, a segunda fase, é a realização de seminários, realizam-se os 12 seminários nós vamos ter portanto mobilizados 1200 pessoas, 1200 empreendi-
O Anceabra que depois o João vai falar um pouco teve uma iniciativa extraordinária há 15, 16 anos que foi pensar a organização nacional dos empresários empreendedores afro-brasileiros, isso é uma experiência. No Rio de Janeiro tem incubadora afro-brasileira, é uma outra experiência, vários outros estado têm iniciativas. Essas experiências da sociedade civil
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com a estratégia do Sebrae com a estratégia dos parceiros, o que muda substancialmente, cada vez mais vamos dando densidade para uma política pública, vai se tornando uma política pública justamente para que o crédito não seja uma certa aventura às vezes do empreendedor ter que ir ao banco ou alguma casa, ou alguma cooperativa buscar aquele crédito, que passa ser quase uma aventura. Dos 432 empreendedores que participaram das oficinas 78% não
conheciam o Sebrae e 64, 65% nunca tinham buscado financiamento mas todos sobreviviam, tinham seus empreendimentos, 4, 5, 6, anos, 10, 12 anos, então nós não estamos falando de algo hipotético, nós estamos falando objetivamente de que o projeto iniciativa dessa alicerçada numa instituição de tamanho do Sebrae e com os parceiros no governo federal, nos governos estaduais com as instituições financeiras, nós podemos atingir 6, 7 milhões de pessoas. O teto do Sebrae hoje de micro e pequenas empresas chega a 7 milhões mais ou menos, os empreendedores individuais em torno de 3,
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nós temos uma possibilidade, uma capacidade para alcançar no Brasil 17, 18, 20 milhões de pessoas com esse empreendimentos e sabemos que uma parte considerável é justamente a população negra que não está nesse universo. Vocês imaginem, se final de 2014 ou início de 2015 nós conseguirmos realizar um encontro nacional com 1200 empreendedores afrobrasileiro, pensando a economia criativa, a economia solidária, o cooperativismo, você dá um novo empuxo para essa realidade nacional porque já se sabe que as micro e pequenas empresas e os empreendedores individuais é a base de sustentação da economia brasileira, representa muito na economia brasileira e no emprego e a mão de obra, agora nós sabemos também que ainda a informalidade é muito grande. Iisso que Cláudia falava é fundamental, tem dois fantasmas na formalização, um fantasma é justamente a carga tributária de um lado, o outro é uma espécie da razão por que se formalizar e a razão para você se formalizar hoje você tem que pensar numa estratégia da própria vida, você precisa ser cidadão do ponto de vista principalmente da previdência, tem que pensar na previdência, o caso de Dominguinhos é uma espécie
de dado do século XXI de um número considerável de pessoas da economia criativa, pessoas que são ícones no Brasil, na música e na cultura e acabam muitas vezes... Numa ocasião visitei no Rio de Janeiro o Sindicato dos Artistas e lá você passa a ouvir histórias que não acredita. O projeto tem um início, um desenvolvimento e uma continuidade, não tem um fim, ele teve esse início das oficinas, o meio que são os seminários e tem uma espécie de continuidade porque nós acreditamos que ao chegar 2014 para 2015 a rede vai estar estabelecida, estabelecida essa rede que está sendo denominada a rede nacional dos empreendedores afro-brasileiros nós teremos muitos outros parceiros que são exatamente desse universo da economia criativa, da economia solidária e que produzem localmente, quando se fala de arranjos produtivos, quando nós falamos de cadeias produtivas é onde nós precisamos mexer porque é onde estão exatamente esses empreendedores. Tem um dado importante que a gente não pode evidentemente esquecer, o Sebrae gostaria muito que boa parte de todos esses já estivessem formalizados no mercado, com endereço fixo, numa determinada rua porque mais ou menos a força do Sebrae está muito mais nisso, o Sebrae quando olha um bairro, o estudo que ele faz daquele bairro, quantas quitandas tem neste bairro, quantas padarias tem neste bairro, quantos supermercados tem neste bairro, postos de gasolina, então ali está a força de ação do Sebrae, agora nós estamos falando exatamente de quem não está. Eu tive uma reunião com o pessoal da moda que trabalha com o cabelo crespo, estava lá no Maranhão, tinham 5 na primeira reunião, 6, na segunda, 7 ou 8, e tal, é associação já em São Luís do Maranhão que trabalha com cabelo, só mulheres negras trabalham com cabelo, isso absolutamente compreensível porque no Maranhão, na cidade de São Luís,
nós temos uma população de mais de 80% de negros então seria muito estranho que você não tivesse um mercado para cosméticos, por exemplo, extremamente potencial nesse lugar. Agora você pergunta, como é que elas compram e o quanto são exploradas para poderem exercer essa atividade, elas vão fechando e vão abrindo um grande salão ao lado, elas vão desaparecendo, este é um papel do Sebrae, nós temos que trabalhar com a gestão e potencializar isso que nós estamos chamando de economia criativa que seguramente no caso da população negra boa parte está aí evidentemente que a gente tem também que aceitar com um sentido democrático que tem muitos empresários afro-brasileiros que também não têm a mesma oportunidade que os empresários no Brasil não negros têm, então este empréstimo de 1 milhão cabe para esse empresário, o de 10 milhões cabe para esse empresário, disputar a cadeia produtiva internacional e para outros mercados cabe para os empresários afro-brasileiros porque nós temos 2.7 empresários afro-brasileiros não é porque eles não trabalham todos os dias como às vezes muitos querem, dizem e afirmam, é porque não têm oportunidade justamente de acesso. Nós precisamos ter uma combinação nessa estratégia do projeto, de um lado nós já sabemos onde está o grande público e de outro, onde tem nichos importantes onde o empresário afro-brasileiro precisa estar, entrar e se tornar de fato um sujeito ativo e visível também na economia brasileira. É isso. Muito obrigado. Sra. Janaína Bittencourt Nosso Coletivo Negro (Mediadora): Eu queria chamar a fala do senhor João Bosco Borba que é presidente da Anceabra Associação Nacional de Empresários Afro-Brasileiros e Conselheiro titular da Presidenta Dilma Roussef. 75
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Sr. João Bosco Borba (Presidente da Associação Nacional dos Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-Brasileiros/Anceabra): Primeiramente boa tarde a todas e a todos, dizer que me sinto honrado pelo convite da Afrolatinidades e falar com as companheiras, falar com os companheiros sobre o tema que me fascina chamado empreendedorismo e muito feliz de estar junto com a Cláudia Leitão, nosso amigo Nogueira, a nossa mediadora Janaína, estamos todos aqui construindo um pouco esse modelo. Eu sou um fascinado pelo empreendedorismo e no mês de outubro, em 2013, a minha empresa completa 19 anos, eu tenho 21 anos de Brasília, a minha empresa faz 19 anos, eu tenho uma clínica, eu sou psicanalista e fisioterapeuta e trabalhamos nessa área de saúde, de cursos, palestras basicamente e estamos completando 19 anos de existência e eu sou militante agora mais antigo do movimento negro. Quando eu vim para Brasília eu falava que nós tínhamos um vácuo, a comunidade negra trabalha bem a questão da política, a questão da cultura, a questão de gênero, mas nós tínhamos um vácuo, nós não falávamos sobre dinheiro, economia e empreendedorismo e foi nessa vertente que nós construímos em 12 estados brasileiros os Ceabras, os Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-Brasileiros e depois a Anceabra que é a Associação Nacional dos Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-Brasileiros que tem como objetivo básico preparar, desenvolver e construir uma mentalidade empreendedora.
Eu não sou partidário daquela história de que tudo o que é bom para os americanos é bom para os brasileiros, mas os americanos de certa forma sempre colocaram no bojo das políticas afirmativas deles a questão econômica, a questão empreendedora, hoje os americanos são 9.7% da população americana e hoje eles têm um PIB de 840 bilhões de dólares, é o 12º segundo maior PIB do mundo. Nós fomos construindo vários modelos e o modelo nosso principal é a formação, o diálogo, o desenvolvimento. Temos nesses anos todos uma base de sustentação da importância da relação do desenvolvimento da política propriamente dita, mas nós também precisaríamos ganhar um pouco mais de continuidade nos nossos projetos e mais que isso, ganhar um pouco mais de visibilidade do ponto de vista do número efetivo de empreendedores. O convencimento com o Sebrae não é um convencimento novo, é de quase seis anos porque ele sempre falava que empreendedor é empreendedor, eles não conseguiam entender da importância da gente construir novos modelos que o empreendedor afro-brasileiro é diferente do outro por vários motivos, o primeiro motivo é que a pessoa entra
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na nossa empresa e pergunta quem é o dono da empresa muitas vezes, o gerente quando quem emprestar ele fica pedindo documento e pergunta com o seu CNPJ lá, o seu contrato social, se você é o dono da empresa. São as questões do dia a dia que nós temos construído num Brasil que ainda tem muito para avançar para a democracia racial. A partir disso, nós fizemos um convencimento no Sebrae, por que o Sebrae, muito da metodologia que nós temos feito nos nossos projetos de incubação, de desenvolvimento, foram metodologias criadas por nós mesmos, pela nossa dificuldade, pela nossa característica própria e, a partir disso, nós estamos na parceria com o Sebrae porque o Sebrae tem o que nós não temos, a estrutura nacional ainda, consolidada com metodologia e também o recurso econômico, o projeto nosso tem um recurso econômico relativamente grande que o Sebrae colocou. Nesse sentido, o Nogueira foi destacado num trabalho de desenvolver o projeto afroempreendedorismo e nós vamos construir a partir de 2014, 2015, exatamente o novo modelo de desenvolvimento de sabermos onde estamos, como estamos e para onde estamos indo e a partir disso vamos começar a trabal-
har de fato a linha de crédito, vamos trabalhar de fato novos desenvolvimentos e também vamos trabalhar de fato uma nova fase desse novo Brasil que vem vindo. Só para nós sabermos, dos 40 milhões da nova classe média, 78% são afro-brasileiros e na sua grande maioria mulheres, esse é um dado muito importante. Nós acabamos fechando um pouco a tornaria da Anceabra porque que estrutura não aguentava de tantas pessoas querendo, montando novas empresas, o pessoal da universidade querendo saber de formações nesse sentido. O que nós fizemos hoje, a partir dessa construção desse projeto do afroempreendedorismo, nós vamos dar o salto de qualidade que nós estamos precisando para poder de fato aparecer dentro do mercado brasileiro de desenvolvimento. Esse é um ponto importante, mas hoje eu queria pautar com vocês meus amigos, minhas amigas, duas coisas, onde está o afroempreendedor na área da cultura, isso que é fundamental como importância da nossa forma de trabalhar propriamente dito, nós somos historicamente reconhecidos pelo mundo porque temos uma das maiores culturas da nossa diversidade, da cultura negra brasileira, mas quando nós parti77
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mos para o desenvolvimento disso no ponto empresarial nós estamos fora disso daí. Temos vários exemplos, vamos falar da música baiana que virou axé music que é mais interessante, os grandes nichos de mercado, estavam falando agora do Dominguinhos mas a grande maioria dos grupos de música brasileira de samba morreram na miséria, Cartola, D. Ivone Lara falando agora há pouco tempo está com dificuldade financeira nesse sentido, e tantos, vamos ficar aqui chorando uma tarde toda se for elencar os nomes, e a partir disso temos que entender duas coisas, queremos estar tocando na frente, dançando, queremos estar desenvolvendo nossas atividades culturais mas temos que estar também na estrutura do desenvolvimento disso na parte empreendedora, temos um projeto piloto que está se formalizando esse ano, é a primeira virada cultural percussiva da Bahia que é feita por oito produtores, todos eles negros, que pela primeira vez estão fazendo um projeto onde eles são donos do projeto inteiro, desde o financiamento, da captação de recurso, do desenvolvimento e a partir disso você cria um novo modelo para tentarmos trabalhar isto de forma mais direta e aí nós te-
mos que construir isso daí no dia a dia, é na formação, a nossa cultura é uma cultura de sermos empregados e ser empregado é uma coisa bacana, justa, digna mas também nós temos que construir a cultura de ser o dono do negócio, de ser a pessoa que está dentro dessa possibilidade. Para isso nós temos que de fato construir alguns modelos interessantes, como por exemplo, a questão da gestão, a questão do plano de negócio, a questão de nós sabermos o que é fluxo de caixa, sabermos como nós podemos, quanto custa aquele produto cultural, isso é fundamental porque o nosso objetivo é também dar lucro e saber definir as questões culturais da importância do negócio, das questões da importância pessoal e a partir disso nós temos que entender que temos um mercado tamanho para isso e pouco se trabalha nesse sentido na área da construção de uma forma de modelo. Eu aprendi nos últimos 10, 15 anos e muito na nossa relação com a África de como o africano é empreendedor, ele tem essa vertente mais um pouco direcionada nesse sentido. Eu acredito, Cláudia, que nós temos que construir, eu fiquei muito feliz da sua fala e do Nogueira, o Nogueira semanal-
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mente estamos conversando ou em público, ou pessoalmente, ou por telefone todo dia porque eu vejo que nós temos que construir algumas ferramentas que estão aí prontas no Brasil, por exemplo, vamos voltar a conversar com vocês, vou levar também à Fundação Cultural Palmares, nós temos praticamente que fazer uma PPP da cultura, entendeu, temos que fazer uma parceria público - privada da cultura porque a ferramenta está aí não é só para construir ponte, construir hidrelétrica, construir estrada, a PPP da cultura tem como objetivo uma gestora privada, pode ser uma cooperativa, pode ser um associativo e nós teríamos as estatais como governo porque no meu entender a Lei Rouanet já ficou caduca, com todo respeito a ela, caducou, ela tem que ser renovada como a lei de licitação no Brasil tem que ser renovada porque o Brasil há dez anos era um fusquinha com uma roda murcha, o Brasil hoje é uma Mercedes. Mudou o Brasil, mudou a concepção e temos que mudar também o desenvolvimento e a PPP, ela traria como modelo fundamental essa facilidade dos grupos menores dentro de um guarda-chuva construir um modelo mais rápido de recurso
para se fazer as coisas, não se faz nada sem dinheiro, você pode ter um grande projeto, você pode ter uma excelente boa vontade, você pode ter uma excelente equipe técnica, você não faz se não tiver recurso, isso é uma coisa óbvia e a partir disso nós temos que trazer essa experiência de modelo propriamente dito. Toda vez nós falamos de linha de crédito,a primeira coisa as pessoas falam para gente o seguinte, o banco trabalha com a seguinte óptica, eu vou emprestar dinheiro para você, caso você não pague eu tomo o que de você? Essa é a óptica que os bancos trabalham, é isso, e as garantias obviamente a comunidade negra não tem garantia, não tem herança, isso é uma coisa óbvia, estão falando do dia a dia da gente mas a partir dessa nova relação acredito que nós construímos um modelo, nós temos como construir uma PPP, uma política tendo as estatais que melhoraram os seus trabalhos nesse sentido junto com uma organização, pode ser uma cooperativa, pode ser uma empresa que ela seria como guardachuva para construir essas coisas. A Copa do Mundo trouxe uma novidade para a cultura brasileira de grande massa que são os estádios com uma certa qualidade reformada, só que teremos que melhorar o acesso do público às atividades culturais, ainda 60% da população brasileira não foi ao cinema, entendeu, 75% da população brasileira não conhece um teatro, 85% da população brasileira não conhece um museu, então ainda é um elementos dentro de uma cultura que nós temos muito forte no Brasil que o pensamento da política pública brasileira e o pensamento da elite brasileira é que o Brasil não é para todos, o Brasil é para 20%, esse é o pensamento basicamente do sul maravilha, da elite brasileira, por isso a guerra hoje sobre a questão da saúde, dos médicos, exatamente é isso, hoje a saúde do Brasil é Albert Einstein, não é a saúde do posto de saúde
da Ceilândia, isso vai para todas as áreas, isso tem todo um novo desenvolvimento para isso, a partir disso que a gente pode construir a gente pode trazer alguns fundos culturais para o Brasil, nós temos como construir algumas ferramentas de alguns fundos públicos e privados para a cultura até para facilitar o desenvolvimento do dia a dia nosso e nesse sentido eu acredito que a construção do novo modelo brasileiro, o modelo do século XXI, ele resulta uma nova forma de pensar, de agir, de enxergar ao que nós entendemos de empreendedorismo. De antemão eu quero fazer um convite, nós vamos necessitar também de muitas empreendedoras para esse projeto nosso afroempreendedorismo, nesse sentido nós queremos empreendedoras culturais principalmente porque ainda é muito fraco no cardápio de empresários nossos, mulheres muito poucas ainda e a área cultural quase nada então nós temos que começar a criar esse novo modelo, eu acho que nós temos uma fórmula possível de dar certo, vai dar certo, mas isso depende muito do que nós entendemos, de como vamos construir daqui para frente essas novas formas de trabalho. Encerrando quero dizer duas coisas para vocês, desde pequeno eu escuto, o Brasil é o gigante adormecido, o famoso gigante adormecido, eu acho que ele já acordou, ele acordou por duas coisas que de fato esse país é um país de empreendedoras e empreendedores, de trabalhadoras e trabalhadores. Obrigado. Sra. Juciele Santana (Secretaria do Trabalho do Estado da Bahia): Antes de mais nada, boa tarde todas e todos, eu sou Juci, sou da Secretaria do Trabalho do Estado da Bahia, estou Coordenadora de Empreendedorismo Negro pela Superintendência de Economia Solidária e queria aqui dividir algumas preocupação, na verdade a nossa 79
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participação aqui é numa perspectiva de troca, fiquei muito feliz com as falas que foram colocadas aqui, a Coordenação de Empreendedorismo Negro se inicia a partir do workshop que teve na Bahia em que o João estava presente e na fala de Cláudia ela apresenta aqui alguns gargalos que é o nosso problema, estamos hoje em fase de lançamento de edital, na sexta-feira a gente já tinha encaminhado para a Procuradoria-Geral do estado, foi um edital desafiador, nós começamos pelo lado inverso do que o estado faz, escutamos os segmentos, é um edital para os segmentos de matriz africana. Nós escutamos terreiros, quilombos, hip hop, samba de roda, capoeira, produção cultural, estética, arte, desde março até junho estávamos escutando segmentos e a ideia era lançar um edital extremamente participativo hoje de manhã estava ouvindo uma série de falas, uma das grandes vitórias nossas em relação a recurso, quando a Palmares disse hoje o recurso eu fiquei até com vergonha, nós iniciamos o edital com uma perspectiva de ter 3 milhões para o edital como um todo e hoje o edital vai ser de 10 milhões, 5 milhões para o exercício de 2013 e 5 milhões para o exercício de 2014, e aqui o que eu queria dividir com vocês e a vinda para o festival é na intenção de buscar parceiros e ver outras experiências que é em relação a esses gargalos, pela manhã foi VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
colocado a questão de como esses projetos devem ser apresentados, que pudesse ser colocado pelo oralidade, a gente sabe que pelos marcos legais a gente não pode, pelo menos lá no estado da Bahia a gente não conseguiu isso, e uma série de outras coisas e o principal é a questão das assistência técnica e de parceiros que possam ajudar esses empreendimentos, essas comunidades porque nós só vamos atender aquilo que é coletivo, associativismo, cooperativismo mas digamos uma associação de terreiro como é que a gente faz, com a IAPA escreveu um projeto que tenha condições de estar no estado, entre outras coisas em relação a que forma nós podemos avançar,foi muito importante a fala da Ministra que a gente não está mais no lugar dos coitadinhos, estamos já no lugar de quem está fomentando de fato, como a gente consegue passar por cima desses gargalos que está lá na educação onde a gente lida com público que por muitas vezes é analfabeto, semi analfabeto como a gente vê nas comunidades tradicionais, comunidades quilombolas, a gente foi para o Iguape e as pessoas falaram, a gente vai participar desses cultos e aí, a gente vai pode falar errado? Coisas desse tipo onde a norma culta e uma série de outras coisas exclui e a gente está nesse desafio de fazer realmente política pública de fato para as pessoas que realmente necessitam. Queria aqui parabenizar o evento, o festival, uma comunicação impecável, a única coisa que senti falta como boa baiana é de calor humano, não tem jeito, baiano é terrível, mas está de parabéns, nós vivemos em rede, eu vim para aqui porque na quarta-feira chegou no meu e-mail através do Evolução hip hop que é do
IRDEB falando do festival, eu vi a programação e disse que era de extrema importância para o governo do estado a partir dessa política pública estar presente, queria parabenizar o evento. Sr. Charles Brasil (Universidade Federal do Acre): Boa tarde, eu me chamo Charles Brasil, venho da Universidade Federal do Acre, trabalhador em educação, sou sindicalista, estudante, militante, a gente está na luta diária. Eu vim aqui primeiro fazer uma pergunta ao João Nogueira porque ele falou aí a questão dos 12 estados e eu venho de um estado onde 72% da população é negra, eu queria saber se existe a possibilidade de expansão desse projeto posteriormente, por último quero, inclusive na fala da colega aqui o Instituto Legislativo Brasileiro fez algo interessante que é um pro-
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grama sobre economia, desenvolvendo a economia, ele usa os termos do dia a dia sobre economia ensinando a economia e eu penso que do ponto de vista de educação é fundamental porque aquele economicês que fica muitas das vezes a grande mídia falando, o estudioso falando, a gente não entende. Instituto Legislativo Brasileiro é do Senado federal, tem muitos cursos inclusive gratuitos e é bem organizado. Nessa linha da educação quando o João fala a respeito da receita, do fluxo de caixa, dessa questão de termos e conceitos simples que muitas das vezes fazem uma diferença e tanto
para o empreendedor, os autores do livro Pai Rico e Pai Pobre ele fala que a grande diferença da riqueza seria em saber diferenciar ativo de passivo, muitas pessoas compram um passivo achando que estão comprando um ativo e essa diferença básica, quando você vai para educação do empreendedorismo é de fundamental importância o que é custo, o que é despesa coisas assim que ao final de um projeto a longo prazo com certeza vai depender do sucesso e do insucesso e os dados estão aí mostrando que em poucos anos muitas empresas fecham as portas muitas das vezes pelo próprio empresário que confunde muito a relação dele com a empresa, mistura as coisas, o princípio da entidade já não é observado, essas coisas. Agradeço a oportunidade. Muito obrigado.
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Sra. Paula (Coletivo Pretas Candangas): Boa tarde, sou Paula Balduíno, do Coletivo Pretas Candangas e sou também Antropóloga. Eu achei bem interessante o que o Nogueira trouxe sobre empreendedorismo e comunidades quilombolas e me revi em alguns momentos da minha trajetória de trabalho com quilombos. Entre 2006 e 2008 eu trabalhei Ministério do Desenvolvimento Agrário, a gente apoiou o Ministério na época em que eu estava trabalhando lá foram apoiados entre 30 e 40 projetos com comunidades quilombolas no tocante a apoio produtivo inclusive um com o Sebrae do Maranhão lá em Alcântara, eram vários perfis de projetos, alguns com ONGs, com Sebrae e muitos com associações quilombolas e aconteceu uma coisa parecida com uma coisa com o que o Nogueira relata com acesso ao crédito mesmo sendo fomento que não tem que devolver o dinheiro a fundo perdido mas muitas associações ficaram com o nome sujo, tiveram problemas porque a gestão foi difícil, acho bem interessante a forma como você coloca uma visão madura de que as comunidades não estão isoladas, de fato não estão, estão participando, estão comercializando, estão produzindo, mas ao mesmo tempo é
uma uma lógica produtiva, eu acho que é uma outra lógica produtiva e que exige nesse trabalho de empreendedorismo exige também uma outra linha de trabalho, imagino mesmo com comunidades de terreiro, eu acho que é um pouco parecido, tem um quilombo de São Paulo no Vale de Ribeira, no município de Eldorado que se chama Ivaporunduva, lá tem uma experiência muito interessante de empreendedorismo, comunidades que trabalham com banana orgânica, artesanato com a fibra de bananeira e o turismo étnico, além deles estarem nesse processo de inserção produtiva, de desenvolvimento também acho interessante porque eles têm uma reflexão sobre isso, eles falam e pensam muito sobre isso. Uma coisa legal que eles trazem é muito importante que eles estejam dominando todo processo da cadeia produtiva, isso acho que é uma chave para esse trabalho de empreendedorismo e que eles estejam dominando de forma coletiva, ou seja, eles defendem que os empreendimentos produtivos têm que envolver todas as pessoas da comunidade da alguma forma desde o senhor que planta o alface que vai fornecer almoço para os turistas, até os jovens que transitam mais e podem fazer o trabalho de diálogo, de recepção dos grupos, as mulheres que fazem o artesanato, eu acho que aí eles, não sei se vocês conhecem, imagino que sim, Ivaporunduva, mas eu acho que é um caso bem legal, traz algumas coisas. Obrigada. Sra. Janaína Bittencourt Nosso Coletivo Negro (Mediadora): Quem mais gostaria de fazer uma pergunta, contribuir? Então vou abrir para responder. 83
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Sra. Cláudia Leitão (Secretária de Economia Criativa do Ministério da Cultura): Eu adorei também as intervenções depois vou trocar uns cartõezinhos, eu queria ouvir um pouco mais, você falou aí da Secretaria de Trabalho e Emprego da Bahia. Quando a gente está falando de economia criativa, eu falei isso aqui hoje, é muito importante e essa é uma questão da cultura que nós vamos ter que resolver, a Secretaria de Cultura em geral são as secretarias mais frágeis nos estados e municípios, não sei se vocês concordam comigo, mas é interessante como nós precisamos primeiro empoderá-las mais e elas também precisam sair das suas caixinhas para conversar com a Secretaria de Trabalho e Emprego, com a Secretaria de Ciência e Tecnologia, com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, elas também saírem pouco eu também estou me queixando do meu próprio lugar porque uma das coisas que eu fiz questão de fazer foi sair do Ministério para ir ver os outros Ministérios porque se não fizermos isso as coisas interessantes que vocês colocaram, você viu no MDA, você falou da Secretaria de Trabalho, nós precisamos que as políticas de cultura dialoguem com as outras partes, então a primeira questão aqui que me parece importante é essa porque não vai dar para construir uma economia empreendedora na área da cultura somente com a cultura, isso está claro. O segundo ponto que eu queria colocar e tem a ver com a fala do João é a seguinte, sobre a Lei Rouanet, ela está aí firme e forte, ela não morreu não (intervenção fora do microfone) não, existe aí, tratam ela como se ela estivesse na UTI porque tem uma outra que deveria ir para o Congresso e não foi, não sei para bom entendedor meia palavra basta, ela não está na UTI, ela está funcionando perfeitamente, ela não pegou nem gripe, ela está ótima. Sabe o que ela fez? Ela viciou o campo cultural brasileiro, ela acabou com o protago-
nismo do campo cultural, ela concentrou o financiamento da cultura nas diretorias de marketing dos bancos, ou seja, ela fez um mal danado para o Brasil, eu não estou dizendo que ela não tenha feito bem, há projetos interessantes apoiados pela Lei Rouanet para a gente não querer ser maniqueísta mas ela fez mais mal do que bem, essa é minha visão, eu não poderia estar dizendo isso mas eu digo aonde eu vou porque eu não posso não dizer, se eu não disser eu estaria traindo, eu sou uma professora que estou aqui no Ministério mas eu sou professora, eu não posso negar os meus princípios e as minhas reflexões na universidade para onde vou voltar, eu levo comigo tudo o que eu acumulei na minha vida acadêmica e uma das coisas que eu acumulei sobre financiamento à cultura. Eu acho, viu João, que é preciso que você marque uma reunião com a Ministra Marta, eu vou dizer logo aqui em público porque é até melhor, vou lhe dar uma sugestão, acho muito importante. a sua fala é perfeita quando você diz assim, fala-se da Memória, a Ministra vai fazer um Museu da Memória, importantíssimo mas não basta, não basta, porque se fizer só o museu nós vamos ficar sempre naquela lógica da valorização da memória que é fundamental mas a gente precisa fazer a memória do futuro e a memória do futuro que não tem nada de contradição nessa minha fala é exatamente a possibilidade de dar protagonismo a essa juventude negra brasileira que vai achar legal ir ao museu mas não está preocupado com museu também não, entendeu, então nós precisamos trabalhar a dimensão empreendedora e econômica e aí diga lá à Ministra que ela tem uma secretária que está às ordens dela, ela é minha chefe, se ela me mandar eu vou mas eu preciso muito que ela mande também, a liderança é dela, eu estou fazendo a minha parte e essa questão que você disse também sem recurso fica difícil fazer, a minha secretaria tem pequeníssimos recursos mas nós lança-
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mos um edital de incubadora. Eu fui lá na Finep muito prosa, me achando muito importante porque eu vou lançar agora no dia 31 de julho o primeiro edital de incubadora do Ministério da Cultura, nunca antes nesse país teve um edital de incubadora, aí eu cheguei na Finep, o presidente da Finep olhou para mim, é, secretária quanto é o seu edital:? Eu disse 5 milhões. Ele disse para uma incubadora, não? Não, é para o edital todo, é todo dinheiro que eu tenho para incubadoras que vão incubar empreendimentos culturais e criativos entre eles empreendimentos culturais negros, cinco milhões, eu vou lançar sabe onde? Eu decidi que vou para a favela da Maré, vou lá para o observatório de favelas lançar o meu edital lá, vou tentar levar as universidades para lá as instituições, nós vamos lançar no edital para incubadoras e para formação em gestão de empreendimentos porque a carência é a gestão. Nós temos que resolver essa questão, a ideia de pensar cadeia produtiva todinha é fundamental, isso que você falou porque o atravessador é a cara do que nós vivemos, alguém produz, cria e alguém atravessa, na metade do caminho havia um atravessador. Posso fazer uma brincadeira aqui com vocês, eu trouxe de propósito só para fazer confusão. Eu sou cearense, pelo sotaque não sei se já me revelei, mas eu sou nordestina do Ceará e essa figura aqui é o Padre Cícero, para você que é baiana não tem nada de mais, talvez algumas pessoas todos conhecem o Padre Cícero e a importância desse ícone da cultura religiosa brasileira nordestina que fica lá no meu Cariri, na região do Ceará, uma cidade específica lá onde existe uma Secretaria de Cultura e das Romarias, eu adoro o nome dessa secretaria, eu acho que é a única do Brasil que tem esse nome, Secretaria da Cultura e das Romarias porque ela cuida das romarias do Padre Cícero Romão Batista, aí vocês vão dizer e daí o que é que tem o Padre Cícero tão bonitinho aqui, não
é? (apresentação de filme) Ele é chinês, aí em não preciso dizer mais nada para vocês porque ele é made in China, os padres Cíceros estão acabando nas feiras do nordeste do Brasil e aí estou respondendo um pouco da tua questão, João, porque no momento em que não houver políticas para nossa própria cultura brasileira na sua dimensão regional nós todos vamos comprar e já estamos fazendo isso, comprando produtos chineses. Quando eu conheci a Ministra Marta, eu estou aqui desde a primeira Ministra, a Ministra Ana, toda vez eu dou de presente um Padre Cícero, quando me levam para me conhecer eu levo esse Padre Cícero, eu tenho uma série de mestres da cultura em Juazeiro do Norte, amigos, entre eles o Mestre Expedito Celeiro que trabalha com couro, não sei vocês o conhecem, o Mestre Expedito tem um amigo, eu criei lá no Ceará uma lei dos Mestres da cultura popular, graças a Deus, tenho o maior orgulho porque é a primeira lei de Mestres do Brasil e aí ele me manda os padres Cíceros pelo sedex e eu vou guardando, um dia eu vou entregar par área Presidenta Dilma tenho fé em Deus que ainda entregarei para ela ou fé no padre Cícero, é melhor ter fé no padre, por que, porque isso é muito sintomático da ausência de políticas públicas que nós mo Brasil temos e a visão às vezes assistencialista de pouco protagonismo de um financiamento enviesado por Lei Rouanet, eu acho que nós precisamos criar alternativas para um outro financiamento e uma outra sustentabilidade que não seja de um lado edital e de outro lado Lei Rouanet, precisamos resolver essa questão. Por último, eu queria propor aqui também, João, além da ida à Ministra acho fundamental, é um grande momento e é importante, pensar na visão empreendedora, entendeu, ela está fazendo os Céus, ela está correndo atrás do Vale Cultura, tem várias questões que ela precisa tratar que é a questão empreendedora porque ela é fundamental. Nós estamos 85
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fazendo no dia, vocês sabem que a Terceira Conferência de Cultura Nacional vai ser aqui em Brasília estou dizendo para quem não sabe ainda, mas é do dia 25, se não me engano é uma segunda-feira de novembro, 25, 26, 27, 28, 29, é a última semana do mês de novembro, o Brasil vai estar aqui. Nós vamos fazer de 24 para 25 eu queria já pensar, João e João, se a gente não poderia construir isso juntos, nós vamos fazer um encontro dos países africanos de língua portuguesa aqui, eu perguntei à Ministra e ela aceitou esse desafio, se der abrirmos no dia 24 à noite trabalhar o dia 25 e a conferência começa no dia 26, nós já poderíamos fazer algum tipo de apresentação dessa rede empreendedora afro-brasileira no próprio encontro para que os países africanos já encontrassem também com esses cases, vamos trazer o case lá, eu não conheço, fiquei louquinha para conhecer (intervenção fora do microfone) pronto, que fica em que estado? Em São Paulo. (intervenção fora do microfone) quero ir lá ver, eu acho que a gente já poderia pensar numa ação conjunta envolvendo esse encontro que na verdade é um encontro para falar de economia em português na mesma língua porque é tudo inglês, é tudo inglês, australiano, agora é mandarim, é tudo em mandarim (frase interrompida)
ter uma defasagem, mas ela não pode ser o motor das nossas dificuldades, por que estou falando isso, porque a história nossa desde termos que trocar o pneu do carro andando só que nós temos que entender o seguinte, eu aprendi e eu acho que a idade e o tempo de vivência aprendi o seguinte, não resolvemos tudo, vamos ver o que é possível resolver que possa dar continuidade, as pessoas ficavam brigando comigo, o BNDES não tem crédito para negro, não tem crédito para o negro, gente nós só vamos conseguir que o BNDES tenha cota para negro quando nós tivermos uma pesquisa bem embasada, nós não temos dinheiro para pesquisa, hoje nós vamos ter um projeto que vai funcionar dois anos que
com certeza os bancos estaduais, a caixa econômica,o banco do Brasil, ela vai criar linhas de créditos específicas para isso então às vezes falta um pouco mais de estratégia e como lidar com a problemática porque de modo geral nós temos um mundo para resolver mas nós não conseguimos resolver o mundo, vamos resolver as pequenas coisas, crescer e dar continuidade, eu acho que esse é um caminho como aconteceu lá no quilombo, trouxemos água, fizemos um curso e a partir disso eles por conta própria para capacidade constitucional deles eles fizeram um negócio fantástico, tem até uma pousada lá, não sei se vocês conhecem.
Sr. João Bosco Borba (Presidente da Associação Nacional dos Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-Brasileiros/Anceabra): Cláudia, não quero atrapalhar só dando ideia, só nessa última da questão dos países de língua portuguesa, eu levei uma proposta e está sendo discutida com o pessoal da faculdade (ininteligível) do Ceará a ideia de eles terem um verniz empreendedor a partir desse sentido, eu acho que a gente poderia juntar isso, não juntar nesse sentido, posso continuar? Sr. João Bosco Borba (Presidente da Associação Nacional dos Coletivos de Empresários e Empreendedores Afro-Brasileiros/ Anceabra): Serei breve. Um perigo falar para gente falar, é um perigo. Deixa falar duas coisas, só falar um pouquinho o seguinte, nós estivemos lá no Vale do Ribeira em 1998, aí chegaram os empreendedores afro-brasileiros para montar uma cooperativa de doce de banana, fomos lá com a instrutora e tal, a primeira pergunta que eu fiz, aqui tem água? – não tinha água, não se monta uma história sem isso. O que nós fizemos, nós demos um curso lá para os quilombos da região sobre educação empreendedora daí começou esse projeto fabuloso que tem lá, foi um projeto que começou com a gente, com essa discussão educação empreendedora e foi a primeira ação nossa junto à Funasa para ter água na comunidade quilombo, isso não tinha no programa da Funasa, colocamos isso no PPA e virou uma política pública logicamente nesse sentido. Só que minha querida amiga baiana, duas coisas são importantes, sempre nós vamos VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
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Sr. João Carlos Nogueira (Consultor e Coordenador do Projeto Plano Brasil Afro-Empreendedor/Sebrae): Vou começar por você Juci, se a gente for pensar João do ponto de vista do desenho, você diz do isolamento às vezes a Secretaria de Cultura, lá foi de uma sabedoria metodológica muito grande até porque tem um secretário de planejamento que foi um homem muito importante no Brasil que é o Gabrielli, quem chamou esse seminário, quem liderou esse processo foi o Gabrielli, então ele pegou a Secretaria de Cultura, a Secretaria de Planejamento, a Secretaria da Fazenda, a Secretaria do Trabalho, a Secretaria de Mulheres, a Secretaria de Promoção de Igualdade Racial e fez a tarefa de casa que é exatamente essa. Quando eu fui secretário da SEPPIR nós tínhamos uma estratégia evidentemente de articulação com os Ministérios, agora a diferença talvez seja exatamente o resultado orçamentário lá na ponta porque na conversa que tive lá com ele a expectativa era elevadíssima, eu até disse para ele, eu quero fazer parte, o meu nacional aqui quer fazer parte desse bolo aí porque era muito grande. Para a Bahia, primeiro, a hora se a gente de fato, se der certo
a estratégia der correta, no mínimo a gente vai pensar cinco estados porque o desenho institucional foi perfeito, eu só acho que talvez aí tem as questões políticas que todos sabem mas aquele é o desenho que quatro ou cinco estados, a gente está mais ou menos conversando, eu acho que vai ser uma espécie de modelo por que, porque saiu num curto espaço de tempo amarrado uma proposta muito concreta, eu só acho que no caso de Salvador não daria para pensar só cooperativas e alguns arranjos produtivos porque Salvador, Bahia, tem o chamado empresário negro, tem o empresário afro-baiano ali você teria que ter uma estratégia porque a concentração de recursos de poder na Bahia em relação a um grupo muito pequeno, elevadíssimo 70, 80, não faz o menor sentido você ter a estratégia para empresários negros quando você olha uma concentração de renda e de poder e de recursos com 5, 6, 7 empresários então não tem disputa justa e correta, não adianta você ter um programa, você precisa ter uma estratégia que mexa com a estrutura produtiva com inserção desses empresários com oportunidade deles botarem senão em pé de igualdade criar uma política pública que permita isso sobretudo quando o gov-
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erno toma iniciativa, os empreendimentos do governo. Ivaporunduva é um exemplo, eu acho que Crioulas é um outro exemplo, lá no Maranhão inclusive teve a iniciativa do Jorge, não sei se você ouviu falar, João, do Jorge que era uma troca da moeda lá em Alcântara, eu não acompanhei muito de perto mas era uma tentativa, mas o que acho que está por trás de tudo isso que deveria levar em consideração e ficar muito atento, eu iniciei falando das grande mudanças. Eu vi uma pesquisa hoje que saiu como resultado na Folha de São Paulo que a juventude americana de 18 a 24 anos deixou de consumir, não quer mais aprender a dirigir em números de 20%, a juventude americana não quer mais dirigir, isso já tem um impacto de 20% no que representa a juventude. Dos 24 aos 28 anos aumentou para 40% das pessoas que não querem mais dirigir, vejam bem, nós estamos falando de pessoas jovens que não querem ter o carro, eles não querem nem dirigir então nós estamos num momento muito importante que é para perceber qual é a lógica do desenvolvimento das economias que nós devemos atacar. Eu não estou mais tão empolgado em achar que nós temos que apoiar
BMW lá na minha cidade que é a estratégia do governo do estado é apoiar a BMW, eu acho que a estratégia talvez fosse reinventar a nossa Caloi, de fato talvez bicicleta faça muito mais sucesso do que os carros no futuro. Este debate do ponto de vista de concepção da economia criativa, da economia solidária, do cooperativismo consequente é onde nós temos que buscar fazer a conversa com quem disponibiliza recursos. Essa reunião que precisamos fazer com a Ministra Marta é urgentíssima, por que, porque a partir da cultura, a partir dessa visão da estratégia da cultura, nós podemos conversar com o Ministro Guido, com o Coutinho no BNDES porque tem que mostrar que a lógica inclusive para o desenvolvimento do futuro do país está se expressando nos lugares esgotamento não é essa da gente ter mais e mais e mais automóveis, por exemplo, que é o que a gente está falando aqui. Detroit pediu concordata, faliu, o município inteiro fica em Michigan, faliu, faliu por que, porque vivia única e exclusivamente da indústria automobilística. Até outro dia brincando num debate com o pessoal do governo do
meu estado, dizendo para ele, olha, a estratégia de você ter duas, três montadoras no estado e a vida do estado se segura por quatro, cinco anos, por essas montadoras tudo subsidiado, amanhã estaremos todos falidos . Eu disse, bom, eu não vou mudar do município, o meu estado agora, vai ser falência. Em Santa Catarina pelo menos lá pelos convênios, vai ser moleza você acessar uma BMW porque vai ser um carro popular, muito mais popular e você vai acessar BMW então é estratégia mesmo, você faz falir um estado, pede concordata, certamente agora a população americana vai financiar para recuperar esse estado lá e as montadoras vem parar lá na minha cidadezinha, na beira da praia, a BMW que vai acabar com o nosso estado mas eu acho que estamos, quando eu falei no início que a gente está com estratégia no momento correto, as ruas estão indo bem, o debate no governo está fruindo bem melhor e o debate com a sociedade sobre a questão da economia, lembrando por final o nosso companheiro e sábio , ele está dizendo o seguinte – Economia e democracia é uma combinação perfeita se você não tendo essas duas coisas combinadas você não tem nem uma nem a outra
porque a política dá conta de uma série de coisas mas a democracia e a economia é fundamental. A população negra está fora da economia e tem, portanto no campo da democracia muito frágil, por isso nós avançamos muito na discussão política em regra porque a gente está fora de dois universos importantes que é do poder, da participação e da economia, por isso o projeto Brasil Afroempreendedor é uma iniciativa importantíssima nessa perspectiva. Muito obrigado. Sra. Cláudia Leitão (Secretária de Economia Criativa do Ministério da Cultura): Deixa dizer para vocês o seguinte, existe uma ação da Secretaria que começa agora a acontecer nos estados, eu queria dizer que vai chegar na Bahia que é o Criativa Bureau, está em implantação. O Criativa Bureau é um escritório virtual e físico que é fruto de convênio do governo federal da Secretaria de Economia Criativa com os estados e com a Secretaria de Cultura que a gente tem que fortalecer e que tem que dialogar com as outras secretarias nos estados e que vai atender o empreendedor cultural e criativo dos estados desde a dinâmica de criação até a dinâmica de exportação. 89
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O Criativa Bureau do Rio inaugura agora, deve ser meados de agosto aí depois é uma escadinha de Criativa, vem o da Bahia, do Pará, do Rio Grande do Sul, vamos até março inaugurando 12 e vamos deixar mais 12 em implantação até acabar a nossa gestão então a gente quer ter em cada estado um escritório que vá apoiar gratuitamente qualquer empreendedor que seja lá da comunidade dos povos de terreiro e que exatamente tem dificul-
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dades de tratar com projetos, nós vamos estar lá para ajudar então é muito importante que a Secretaria de Trabalho e Emprego esteja bem juntinho da SECULT da Bahia e isso em todos os estados do Brasil nós estamos chegando com o Criativa Bureau. Por último, dizer o seguinte, quando eu coloquei o Padre Cícero para tocar aquilo ali são benditos de meninos que cantam com cantadores e violeiros no Horto onde fica a estátua do padre. Ninguém nunca havia pensado em gravar aquilo e colocar num chip. É essa ação da China e eu acho importante terminarmos essa conversa com isso, havia só a estatuazinha do Padre Cícero mas alguém que foi um brasileiro que levou para China e fez o chip lá e trouxe já o padre Cícero pronto que agora canta, então é entender como a inovação tem um relação também que a gente às vezes é capaz de pensar a solução mas vai resolvê-la alhures, fora do nosso país, essa é que é a coisa mais surreal e que eu acho que é um pouco a temática tão brilhantemente aqui colocada por todos, um abraço, é um prazer enorme.
Sr. João Carlos Nogueira (Consultor e Coordenador do Projeto Plano Brasil Afro-Empreendedor/Sebrae): Eu só não falei do lançamento do projeto, vai ter um lançamento formal em São Paulo dia 5 de agosto na Câmara municipal, Salão Nobre, vai ser lançado o projeto Brasil Afro-ermpreendendor com a participação de autoridades e também lá a gente vai apresentar uma pouco mais detalhadamente esse projeto. Quem puder estar por lá vai ser muito importante. Obrigado. Sra. Janaína Bittencourt Nosso Coletivo Negro (Mediadora): Gente, obrigada pela participação de todos, foi importante, o diálogo foi tão bom que acabou se estendendo. 91
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M esa S abor Ana Akini: Iyalorixá do Ilê Axé Logun Cetomi Bom dia a todos e a todas. Gostaria de fazer uma pergunta e que todos respondessem. Filho de peixe é o quê? Filho de gato? Cachorro? Elefante? Mosquito? E vocês, que são filhos de Deus? São Deusinhos, mas ninguém respondeu junto, todo mundo tem receio, não é? Digamos que eu era milionária, cada uma de vocês estava para ter um filho e eu não tinha herdeiros. Então, para cada uma de vocês, botei R$ 10 milhões na conta do filho do Deus que ia nascer. Eu morri, os pais de vocês morreram e seus filhos ficaram com a conta só que ninguém deu o número da conta para eles, então morreram pobres sem saber que eram milionários. Trata-se da parte divina que habita em nós, da qual muitas vezes não temos consciência. Por não ter consciência, não se alcança essa conta e não se evolui espiritualmente. Em minha concepção, sabores estão ligados à divindade, divindade ao saber e vice-versa. A ONU fez o tombamento da religião espírita africana, o Candomblé, como a religião mais antiga da humanidade. Ao mesmo tempo, a gente fica triste, porque não se divulga isso: não saiu em jornal, em televisão, em lugar nenhum. E acho uma coisa tão importante, deveria ser divulgado. Também acho que não é de se espantar, porque se o homem nasceu na África, nada mais justo do que a religião, a sua procura pela divindade, partir de lá também. VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
e
S aberes
A evolução do homem começa quando ele domina o fogo e usa-o para a proteção contra as feras e contra o frio. Com este fogo depois, ele aprende a cozinhar e assar seus alimentos, misturar várias coisas na panela de barro e pedra. Daí para frente não parou mais de evoluir, modificando seu meio e fazendo descobertas. E ali já começavam as oferendas para agradecer à caça, o peixe, as frutas: uma pequena porção do seu próprio alimento era oferecido como agradecimento aos deuses, aos deuses da mata, da caça, aos deuses da água pelos peixes e assim por diante. Antes de saber do tombamento pela ONU da religião africana, já achava que todas as religiões do mundo têm um pouco da nossa religião. São muito poucas religiões que não usam incenso, velas e que não fazem oferendas. Infelizmente nossa religião é discriminada, enquanto outras que o fazem, talvez não na mesma proporção, não são discriminadas. O Budista, por exemplo, tem um pequeno altar onde há imagens para meditação e mantra ou cânticos. Faz oferenda de flores, arroz, velas, lamparinas, incensos, pó de sândalo, água, chá, frutas. Quem é da religião espírita africana Candomblé ou Umbanda sabe que a gente faz essas oferendas para alguns Orixás. O judaísmo oferece frutas, trigo, pão. Católicos e evangélicos antigamente faziam oferendas de cordeiro, ovelha, cabra, bode, vinho e porção de colheita. O vinho ou o suco de uva, que é o sangue, continua e o pão ou a hóstia, que é o trigo, é sagrado no ritual da missa ou do culto. O Corpo de Jesus Cristo há dois mil anos é invocado em um ritual, onde é feita a oferenda para todos os membros da igreja. 93
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Então algumas religiões oferecem alimentos para os seus ancestrais, parentes mortos. Oferendas para os Orixás são comidas de santo ofertadas quando a gente agradece, quando a gente pede Agô (licença), ou pede desculpa, quando se festeja o nascimento do Yaô (filho de santo) ou quando se festeja o aniversário de nascimento dentro do Axé, como se faz um Bori (oferenda à cabeça, ritual de iniciação), se tira uma parte que se oferece a Orixá e todos os presentes sentam a ceia para comer. Pode também ser feito em casa ou até para vender, que é o meu caso, que sou baiana de acarajé, uma comida à deusa Africana Iansã. Sra. María Elsy Sandoval (Comunicadora Social e jornalista da Universidad Central de Bogotá): Estou muito interessada em conhecer a comida afro-colombiana e por isso vim aqui compartilhar com vocês um pouco de minhas vivências e pesquisa nesse campo. Venho de um pequeno povoado chamado Villa Paz, no Vale do Cauca, uma região no interior da Colômbia. Sempre me chamou atenção ver minha mãe, tias e minha avó dedicando muito tempo na preparação das comidas. Hoje, além de me chamar a atenção, me preocupa o fato das novas gerações, os jovens, não estarem envolvidos na preparação desses alimentos, justamente por serem processos que demandam muito tempo e energia. Em minhas indagações, identifico semelhanças entre as formas de preparar os alimentos e as matérias-primas utilizadas, em várias regiões habitadas pela população negra na Colômbia. Também os utensílios e VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
processos usados no preparo desses alimentos são parecidos, como pilar o arroz, salgar e fatiar a carne, defumar e secar o peixe ao sol. Percebi também que nessas formas de preparo, nas várias regiões, se usavam ervas, pimentas, condimentos picantes, alguns deles vindos da África. Identifico nas cidades com predominância negra na Colômbia e em outros lugares da América Latina a prática de venda de comida na rua. Em Cartagena, que é uma cidade na Costa Caribe, Oceano Atlântico/Colômbia; em Havana, capital de Cuba; em Salvador, na Bahia; e em Cali, que é uma cidade bem próxima ao povoado de onde venho, onde as mulheres vendem chontaduro, o fruto de uma palmeira, a pupunha brasileira. Percebi que o preparo dos alimentos consiste em um ritual. Acompanhando minha mãe, tias e avó, notei que a forma de ensinar a preparar os alimentos seguia esse ritual, o passo a passo. Isso tem a ver com a oralidade. Não existe receita ou livros; se aprende fazendo e assim se transmite oralmente o conhecimento. Na medida em que avançou a pesquisa, percebi que africanos escravizados chegados à América não apenas serviram de mão de obra nas fazendas de café, de cana, na mineração, como também nos proveram de conhecimentos relacionados à arte da culinária. Com os Africanos escravizados chegou o gado, a banana, a banana da terra (plátano ou maduro), o inhame, melancia, quiabo, a Galinha d’Angola (gallineta). Também o Óleo de Palma Africana, que hoje em dia representa muitos problemas na Colômbia. Abro um parêntese para comentar um pouco dos problemas políticos contemporâneos da Colômbia. As terras onde está semeada a palma africana são terras que foram tomadas a ferro e fogo com derramamento de sangue de
populações colombianas, muitas delas populações negras. Muitas dessas terras eram de populações afrodescendentes que foram expulsas de seus territórios por grupos paramilitares. Hoje em dia nessas terras é semeada a palma africana por fazendeiros e grandes empresas. Fechando o parêntese. Junto com os navios chegou a matriz alimentícia e também as ervas medicinais e aromáticas, que hoje conformam a base da culinária afro-colombiana. Existem semelhanças entre as ervas cultivadas pelas mulheres nas várias regiões da Colômbia. Azotea é o modo de cultivo tradicional praticado por mulheres negras da Costa Pacífica Colombiana. Cultiva-se no fundo do quintal da casa, se utiliza madeira ou qualquer utensílio que já tenha perdido a sua utilidade inicial e aí se semeiam e se cultivam as ervas medicinais. O coco é um elemento importantíssimo. Os mariscos são parte importante da culinária afro-colombiana, especialmente na Costa Pacífica e Costa Caribe. E o coco é um elemento muito importante na preparação desse tipo de comida. A comida afro se diferencia de outros tipos de comida por ser amante dos condimentos. Há muitas qualidades de batata (papa), mandioca (yuca), malanga, inhame, mandioquinha ou batata-baroa (arracacha). Na Costa Caribe se prepara a Carimañola1; na Costa Pacífica é o Patacón2, compartilhado também pela 1 Alimento frito, a base de mandioca e recheado com carne moída ou frango desfiado temperados ou ainda queijo costenho. Vide: http://es.wikipedia.org/wiki/Carima%C3%B1ola, consultado em 04.11.2013. 2 Alimento frito, a base de banana da terra verde. Vide: http://es.wikipedia.org/wiki/Patac%C3%B3n_(comida), consultado em 04.11.2013. 95
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Costa Caribe. Na Costa Caribe não falta o tubérculo inhame, o arroz branco, o arroz-coco, o arroz com marisco. Em São Basílio de Palenque, que é um quilombo localizado na Costa Caribe, próximo a Cartagena, se prepara um guizo com o marisco, o inhame, mandioca e malanga3. No Arquipélago de San Andrés preparam deliciosos caracóis. Também há um prato típico das Ilhas de San Andreas, que se chama Rondón. Fazem um vinho de tamarindo muito gostoso. Esses arquipélagos estão localizados acima da Costa Caribe, é um lugar onde acabamos de perder parte de nossas águas para Nicarágua. Tem dois estados próximos um ao outro que é o Vale do Cauca e o Cauca, onde a comida também é muito parecida. São pratos típicos daí o Tamal4 e Patacón. O hogao é um molho feito com cebolla larga5, tomate, alho; pode ter também cebolla cabezona6, são dois tipos de cebolas muito usadas na Colômbia. Nessa região tem ainda as empanadas. O Sancocho é típico das regiões afro, mas em cada uma se prepara de forma diferente. É uma sopa que tem como base sempre a mandioca, a batata e a banana da terra. Valluno é o que é feito no Vale. Há também bebidas, algumas preparadas com milho de canjica e outras com arroz. A população negra tem o prazer de compartilhar com os indígenas, como base da alimentação, o milho, que foi domesticado por povos indígenas. O envuelto, bem parecido com a pamonha, é feito com o milho. Uma prática muito afro é essa de preparar as comidas envolvendo-as em folhas, isso é uma coisa herdada dos afros que chegaram às Américas. Dentre as ervas tem laurel que é louro. Tem alecrim. O Poleo, poejo ou hortelãzinho no Brasil, é uma planta que se usa para condimentar, mas também com fins medicinais. 3 Nome científico: Colocasia esculenta. Vide: http://en.wikipedia.org/wiki/Eddoe, consultado em 05.11.2013. 4 Alimento cozido a vapor ou férvido num invólucro em geral feito de folha vegetal, a base de milho e recheado com frango, carne de porco e legumes. Vide: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tamal, consultado em 04.11.2013. 5 Nome científico: Allium fistulosum. Vide: http://es.wikipedia.org/wiki/Allium_fistulosum, consultado em 04.11.2013. 6 Popular cebola brasileira. Nome científico: Allium cepa. Vide: http://es.wikipedia.org/wiki/Allium_cepa, consultado em 04.11.2013. VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
Tem ainda os doces típicos da região, como o doce de mamão verde, feito com rapadura, a cocada. Doce de figo (breva). Manjar blanco que é doce de leite. Há muitas formas de se fazer doce de leite. No Vale do Cauca é feito numa grande panela de cobre e se cozinha por até 12 horas. Tem os biscoitos negros ou Cuca, doce de mamão (dulce de papaya e dulce de papayulea). Têm as bolas da tamarindo, muito típico da Costa Caribe Colombiana, são deliciosas. Então agora os utensílios. Uma cozinha de afro que se respeite tem que ter um fogão de lenha e um forno de barro. Tradicionalmente os fogões de lenha ficam dentro das casas, ao redor deles é aonde se semeia o amor, se tem a convivência familiar. Por algum motivo hoje em dia se faz o fogão e o forno de lenha do lado de fora das casas. Há um utensílio para ralar o coco: se senta sobre o banquinho e ali na extremidade tem um ralador de metal. A batea é um recipiente de madeira, usado para assar arepa, que é um produto a base de milho. A pedra de rio antigamente era usada para moer o milho, hoje em dia ela continua sendo usada para macerar os condimentos usados nas comidas. O cântaro de barro, mais ou menos como uma moringa, porém grande, que antigamente era usada também para armazenar a carne. A gamela, além de servir para amassar a massa, também é usada para guardar os produtos vendidos na rua. É uma grande capacidade das mulheres afro de carregar essa gamela na cabeça e nunca cai. Tem a panela de cobre onde se fazem os doces. Tem o pilão. A panela de barro era usada para armazenar as carnes, se tampava com um pano e a mantinha em condições de consumo e também evitava que as moscas depositassem aí seus ovos. Terminamos com algumas frutas que encontramos
nessas regiões, não só que já tinham na Colômbia, como também aquelas que a população afro domesticou no país. Mamão papaia, manga, mexerica (mandarina), banana, goiaba, graviola (guanábana). Tem o corozo7 típico da Costa Caribe usado para fazer suco. Melancia e coco. Níspero8, parecido com pêssego. Zapote9. Mamei10. São da mesma família, são sabores muito diferentes e deliciosos. Abacate, tamarindo. Gostaria de fechar a apresentação mostrando Maura, que é uma mulher de Cali, ícone da culinária afro-colombiana, quando se come a comida dela a pessoa vai e volta, porque quer comer mais vezes. No seguinte vídeo, a leitora pode se deleitar olhando essas comidas que são muito ricas e isso compartilhamos entre Brasil e Colômbia. Sra. Raíssa Gomes (Mediadora): Gostaria de propor uma conexão entre as falas de nossas palestrantes. Primeiro, Ana colocou como o saber e os sabores são coisas divinas, estão realmente ligadas às divindades. Depois María Elsy falou sobre a possibilidade do desaparecimento de algumas comidas da culinária afro, por conta da necessidade de tempo e dedicação para prepara-las. Então o risco de desaparecimento dessa culinária pode estar ligado ao risco do desaparecimento das formas de culto e das diversas formas de enxergar o sabor e os saberes como dádivas ou como atributos das divindades? 7 Fruta parecida com uma uva, vide: http://es.wikipedia. org/wiki/Corozo, consultado em 05.11.2013. 8 Nome científico: Manilkara_huberi. Vide: http:// es.wikipedia.org/wiki/Manilkara_huberi, consultado em 05.11.2013. 9 Vide: http://es.wikipedia.org/wiki/Zapote_(fruta), consultado em 05.11.2013.
10 Vide: http://www.e-jardim.com/produto_completo.asp?IDProduto=288, consultado em 05.11.2013. 97
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Sra. Daniela: Agô Yá. Eu gostaria muito de ouvi-la falar desse percurso de quando a senhora era pequena até agora. Como a senhora foi se envolvendo com comida, a ponto de falar de comida, fazer comida, viver de comida? Iyalorixá Ana Akini: Eu me lembro mais da minha avó cozinhando do que minha mãe e a gente não tinha nem fogão a gás, era fogão de lenha dos mais simples. Isso era no interior de Minas, que eu vivi uma época lá. E ela falou dos potes com a carne dentro, minha avó fazia isso, fritava a banha de porco, cozinhava a carne de porco, fritava e colocava em latas de 18 litros. Era a geladeira da época e durava até seis meses. Aí ia tirando aos pouquinhos a carne, fritava e fazia com verdura, fazia farofa, fazia o arroz, fazia feijão. Toda vida eu gostei muito de cozinhar, gosto de criar, de inventar. Para mim, ir para a cozinha fazer comida apenas para mim ou para 50 pessoas é o mesmo prazer e faço super rápido. Na roça, no barracão, eu também gosto da cozinha. Então quando eu estou na roça, fico indignada quando alguém fala que vai acender um gás para fazer um café ou para cozinhar um milho. “Só podia ser de Xangô, porque ela só aparece com o pau na mão botando fogo o tempo todo”. Mas lá na roça geralmente eu vou chegando, tomo banho, coloco roupa de ração e já vou lá para a cozinha acender o fogo. Então eu fico o tempo todo fazendo a comida de santo, fazendo comida de povo. Aquela roupa de ração fica mais preta do que a Ana dentro dela. E a comida feita no fogão de lenha, mesmo que não seja com gordura de porco, que seja com óleo de soja, tem um sabor diferente.
Eu sou daquelas cozinheiras que tem mania de cozinhar lavando o tempo todo, então não gosto de deixar a pia cheia de louça. Eu tive seis filhos, mas tive muitos agregados dentro da minha casa, era quase como um barracão. Se tiver um grupo em casa e se tiver uma energia ruim, depois que todo mundo come, se você pegar a louça e levar para pia e você começar a mentalizar que está tirando os resíduos daqueles pratos e está levando toda a energia ruim. E, à medida que você vai levando, se você conseguir se lembrar quem comeu naquele prato, com certeza, quando você terminar de lavar a louça, a energia vai mudar, ou, mesmo se as pessoas forem embora, você vai notar a diferença na energia.
E a energia. Não só quando se está na roça fazendo a comida, mas também em casa, você tem que estar com a mente pura, o coração muito bom para preparar, mesmo que seja um café. Porque você pode emanar energia naquele alimento e um copo de água energizado pode curar, pode levantar o astral. Então, quando a gente está chateada, não está a fim de cozinhar, come um pão, toma uma água, toma um chá, vai à esquina e compra comida. Não faça comida com raiva, porque é uma oferenda: é uma energia para o seu corpo, mas é uma comida que você oferece para os deuses. Então a gente não deve nem comer com raiva e muito menos fazer. Você está carregando a bateria daquele alimento, pode ser com coisas boas ou ruins. Cozinhando, independente de onde se esteja, mentalizando isso, dá energia e felicidade.
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Senhora Lydia Garcia: O nosso feminismo negro começou lá atrás; a partir da senhora Iyalorixá Ana Akini, recupero o papel político das baianas do tabuleiro vendendo acarajé, cocada, abará. Porque se vendia para comprar a alforria de muitos negros e negras escravizados e também para passar os recados por baixo do tabuleiro. Eu queria pedir à senhora para falar um pouco da questão da cozinha do axé que ultrapassa o espaço do terreiro e vai para fora, porque alimenta muita gente no entorno do terreiro: o católico, o evangélico, o povo do terreiro. Isso é importante para pensar a questão de abates dos animais. Enfim, é tudo consumido e é tudo alimento para dentro e para fora do terreiro. Iyalorixá Ana Akini: Outro dia eu estava questionando justamente isso: a perseguição atual com as oferendas, com o sacrifício de animais, dizem que é tortura. E as galinhas, bodes e cabritos que se matam na roça são para fazer a festa.
Como por exemplo, no nascimento de uma Yaô, ou aniversário de nascimento de filho de santo, que se faz a comida para todo mundo da casa e os visitantes, independentemente de religião. E agora estão querendo, inclusive, proibir. Agora quem tem uma chacrinha, independentemente da religião que tenha, e cria galinha, como é que mata a galinha? Se for proibir matar galinha, então ninguém vai poder ter chácara, nem criar galinha, nem ter bode ou cabra. Lá na roça mesmo, por exemplo, tem uma advogada que frequenta a roça assiduamente, é evangélica e da Igreja Universal. Ela dá assistência jurídica na roça e ela tem uma credibilidade no boiadeiro da Yá, todo ano ela dá o boi. É um contraste absurdo. É a primeira a chegar na festa do boiadeiro e a última a sair. Não existe coisa que eu mais adoro é estar com roupa de ração e joiada, com todas as contas. Cara, eu me sinto com dois metros de altura, sabe, com tudo que tenho direito. Quando dei obrigação de 14 anos, na sexta-feira eu saía da Asa Norte de busu (ônibus) toda joiada, só não ia de pé no chão, mas de roupa de ração com conta e com tudo. Eu pegava o ônibus até o Pistão, Taguatinga Sul, ali perto da Católica, e pego um circular para entrar para a roça. Quantos ônibus eu dava sinal, eu acho que o cara de longe parava, quando ele chegava na porta que me via, o cara virava um vento. Todo dia que eu descia lá eu ia a pé, ou então ligava para alguém lá na chácara ir me buscar no Pistão de Taguatinga Sul. Mas eu dava um azar que eu acho que os horários eram só evangélicos. Para você ver como que é a ignorância, é um absurdo. Eu sou enfermeira, não tive condições de fazer uma faculdade, mas fiz um curso técnico de enfermagem. Eu sou baiana de acarajé e sou cabeleireira, tenho um 99
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salão afro em casa. Sou meio polivalente, como todas as mulheres negras. Quando eu estava fazendo estágio no HUB (Hospital Universitário de Brasília), eu trabalhava das 7h ao meio-dia. Na época, eu era bem mais gordinha, porque eu fiz redução de estômago, eu às vezes pegava o ônibus ali no HUB junto com duas, três enfermeiras. Dificilmente alguém não perguntava se eu lia mão, mas não perguntavam para as brancas, às vezes uma colega que estava do lado. Porque eu negra, vestida de branco só podia ser macumbeira, a branca do lado podia ser doutora, enfermeira, qualquer coisa, mas eu não. Assim é o preconceito, o absurdo que é. Participante não identificada (Secretaria de Estado do Governo da Bahia): A partir da apresentação da nossa convidada da Colômbia, percebe-se a similitude e se vê também a perversidade da escravidão. O que me encantou muito foi a semelhança. Todos os alimentos que estavam sendo apresentados me remetem a coisas que têm na minha terra, a questão do uso da folha da banana, do milho. Eu vi muitas coisas que pareciam um abará. Tive uma dúvida em relação ao que vi no vídeo: parece que teve o uso de dendê. Como é o nome do dendê, não sei se é a palma africana? Em relação à questão do empreendedorismo das mulheres negras e as negras de partido alto. Porque, após o período da escravidão, a alimentação é o que coloca a
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gente no mercado de trabalho. Na sociedade brasileira nós, negras e negros, fomos os protagonistas e, se não fosse essa pujança, talvez o Brasil não seria o país que é. A gente teve algumas vitórias em Salvador. Por exemplo, em relação à questão do sacrifício de animais. Na Câmara Municipal, havia uma lei de um vereador do Partido Verde que queria acabar com o sacrifício. O projeto de lei foi considerado inconstitucional, em relação à manutenção, preservação e resgate da história. Estamos lançando um edital voltado à geração de renda, seja através do material e do imaterial, e conseguimos contemplar como um dos pilares do edital a questão da cultura. Todo e qualquer projeto apresentado tem de ter dentro de seu recorte a preservação e manutenção da história. No campo da culinária, fizemos um processo de escuta dentro de casas de axé e sempre aparecia a questão dos cantos, da alimentação e das folhas também. Então temos um grande projeto, Mandala das Folhas, onde a gente tenta preservar algumas folhas, de uso religioso e medicinal. Vamos buscar os botânicos para apoiar o trabalho de preservação.
Vindo por aqui percebemos que estamos no caminho certo.
o acarajé é uma comida que se oferece para Iansã.
Sra. Nick (Nigéria): Meu nome é Nick, sou africana, da Nigéria. Na Nigéria a gente tem Acará, o que é Acarajé?
Sra. Nick (Nigéria): Então acarajé aqui está relacionado com a questão religiosa, enquanto para a gente é normal, é uma coisa que se pode fazer em casa. É uma comida, é bem gostoso comê-la com pão. Também se oferecem coisas para Deus, também se pede, a gente também usa nesse mesmo sentido. Porém, para nós não é necessário vestir do jeito vocês se vestem.
Iyalorixá Ana Akini: Lá na Nigéria o Acará é só o bolinho do feijão frito no dendê, no azeite de palma. O ajé, por nossa conta, abre e aí coloca vatapá, caruru ... Falo que é hambúrguer baiano. Sra. Nick (Nigéria): Às vezes a gente também abre, coloca cebola e pimenta, porque africano come muita pimenta. Não se coloca camarão, quiabo, essas coisas que vocês colocam. Lá para vender, ou para fazer o acará, não precisa vestir assim, a gente fica normal. Aqui vejo que a pessoa sempre se veste com roupa branca, assim como baiana, para fazer ou vender acarajé. Queria entender se tem algum sentido religioso nisso. Iyalorixá Ana Akini: Aqui, como foi tombado, tem que estar vestida a caráter, com a roupa típica para montar o tabuleiro. Não necessariamente você precisa ser do Candomblé, pode ser católica, ou até evangélica. No candomblé,
Participante não identificada: Eu que sou professora vou levar muita coisa para as minhas alunas quando voltar a dar aula. A minha preocupação é com a questão ambiental. Você falou que o milho está ocupando várias áreas lá, o gado também na Colômbia, e a gente sabe que aqui no Brasil também está acontecendo isso. Então manifesto minha preocupação com a questão de preservar essas áreas para preservar a cultura, preservar a comida também. Por exemplo, no Brasil e no mundo, a Monsanto está apoderando-se das terras. Qual é o movimento que estamos fazendo? Como estamos transmitindo a cultura?
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Sra. María Elsy Sandoval (Comunicadora Social e jornalista da Universidad Central de Bogotá): Em movimentos de conservação ambiental, conservação da cultura e preservação dos costumes, as mulheres são um elemento central, uma peça chave, porque são as herdeiras da tradição. É uma preocupação do grupo de mulheres que as mais velhas estão morrendo e com elas estão indo embora os conhecimentos, porque a juventude está envolvida em outras coisas, tem pouco interesse em manter essas tradições.
rentabilidade nesse empreendimento. A Colômbia já foi grande produtora de café e banana, e agora as terras, seja à força ou por compra, têm sido destinadas à palma africana, especialmente as terras das populações negras, que vivem na beira dos rios e nas montanhas. Na região de onde venho, o principal cultivo é a cana de açúcar. Agora está sendo plantada em
larga escala, como biocombustível. A moda é alimentar os carros e não as pessoas. Há uma crença de que se está à beira de uma crise alimentar, para essa e próximas gerações. Aponto para a necessidade de implementar e fortalecer culturas de auto consumo, com vistas a prover a base alimentar das famílias. Creio na necessidade de voltar a cultivar sementes tradicionais,
do contrário, seremos vítimas de empresas como a Monsanto, que desenvolve sementes transgênicas que não se pode cultivar da forma tradicional, com faziam nossos avós, e aí sim estamos no cenário de crise. Na Colômbia já se estão empreendendo pequenos projetos, acho que por aí se deve começar.
Eu vivo em Bogotá, mas toda minha família mora no Vale do Cauca. Recentemente sentei com minha avó para um bate-papo e comecei a gravar o que ela dizia. “Avó me ajude nesse processo, você e outras mulheres mais velhas, estou interessada em registrar estes conhecimentos”. Vou tocar esse projeto de registrar os costumes da herança ancestral, seja sozinha ou com quem estiver interessada. Vai ser importante, não apenas para essas populações do Norte do Cauca e Sul do Vale, como para a população afrocolombiana de maneira geral. Respondendo à colega da Bahia sobre o azeite da palma africana, a população afro não tem sido uma grande cultivadora da palma, mas o governo e setores empresariais enxergam alta VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
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O
poder feminino nas matrizes africanas
Sra. Vilma Piedade (Iorubá) Boa tarde, motumbá a todas e a todos, motumbá minhas mais velhas, meus mais velhos, os mais novos e as mais novas. Falarei da questão do poder feminino focando a tradição Iorubá. As representações sociais das mulheres na tradição ocidental, desde os primórdios, são de que nós fomos feitas da costela de Adão, somos mulheres de função, fizemos Adão comer aquela infeliz maçã e perder o estado de graça. A humanidade toda perdeu e hoje vivemos em pecado horroroso. O lema “mulher parirás com dor”, que está lá na tradição judaica cristã, acompanha até hoje as mulheres negras que, segundo a Organização Mundial de Saúde, recebem menos anestésico na hora do parto. Na mitologia grega Pandora, que é a primeira mulher criada, era aquela que tem a caixa de todos os males do mundo. Platão diz que a mulher seria a reencarnação de um homem que teve muitos erros no passado, então voltou mulher. No século XIX, Rousseau disse que a gente tem uma condição esquizofrênica: está entre a santa e a prostituta, porque a mulher ideal é aquela cujo corpo é interdito, encarnado. Trata-se de uma discussão política pela figura da Virgem Maria. Pai, filho e Espírito Santo. A mulher não aparece, esse poder feminino inexiste, não é? As representações sociais da sexualidade feminina que circulam em nossa sociedade estão ancoradas em discursos da tradição judaica cristã, daí a luta em torno da questão do aborto. Até hoje nós temos uma luta muito grande de trabalhar a questão do aborto na luta das mulheres. E o corpo feminino vai ser considerado interdito, ele não pode ser exposto, porque ele pertence ou a Deus, ou ao demônio, de acordo com essa tradição. Isso está presente em várias culturas: é o uso da Burca, são as roupas. O corpo feminino tem que estar coberto porque ele é tentador ou pode o tempo todo cair em tentação. No caso das mulheres negras é um corpo - objeto sexual: pronto para ser consumido, como herança da escravidão. VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
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Segundo os mitos africanos, a luta pela supremacia entre o sexo é constante, estando simbolizada no Ibadú, que é a cabaça da criação e a cabaça da existência. Mas, até no Ibadú, o poder de cima, Obàtálá, Oxalá, é masculino e Oduduwa, que representa o feminino, fica abaixo. Orixá-Oduduwa: de onde tudo se cria, representação coletiva das ancestrais. De novo, a gente não está em posição de igualdade. Uma mediação que inclui o Cosmo e o
outro próximo, dotado de possibilidade de ações e de respostas. Nisso reside o significado de humano. O nosso pensamento é circular: eu me reconheço no outro; eu sou porque o outro existe; eu sou porque você me reconhece. Todas aqui falamos de tradições diferentes, mas nos reconhecemos; há coisas, ícones, símbolos que nos une. Seja a valorização do coletivo, entendimento e aceitação desses processos, que passa pelo domínio da língua e da
linguagem corpóreas, rítmicas e musicais para identificação e para o reconhecimento da identidade. Hoje trabalhamos um conceito que é do Paulo Siás Oliveira, Pai Paulo Arerepim: nós somos povos tradicionais de terreiro, tiramos a palavra religião, porque o racismo institucional é muito grande, não nos deixa caminhar quando se fala em políticas públicas. A tradição está intimamente ligada ao conceito Wá-chê-chê, origem de passagem, contido no cântico usado pelo Povo Iorubá nos ritos de morte, significando a própria origem.
Falarei do poder feminino pegando Iansã, que é minha mãe, é nossa mãe. Iansã vai lá e cá, ela é o princípio e o fim: (♫Música♫) e ela circula (♫Música♫). Minha mãe é minha origem, assim como meu pai, Olorum. Portanto, adorarei minhas origens, adorarei a minha ancestralidade. As mulheres são portadoras de muito axé na nossa tradição. O nosso corpo dança, o nosso corpo é a morada dos deuses, é a morada dos Orixás, é um corpo liberto. Iansã faz muito isso com a sua dança espantegun. E ela dança e ela se mexe, é a própria transformação, o próprio movimento. Isso é circular para todo o axé, por isso temos o Xirê, a roda onde as mulheres entram. Através das danças rituais as mulheres incorporam a força cósmica, criando possibilidades de realização e mudança, fazendo de seu corpo um território livre. Então esse corpo que foi marcado a ferro e fogo é um território livre, próprio do ritmo liberto de correntes, quando eu me reconheço no outro de dentro do axé e trago isso de dentro para fora, criando possibilidades de realização e mudanças. O mito é o discurso em que se fundamentam todas as justificativas da
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ordem e da contraordem a nível do simbólico. Conceito da Helena Theodoro: através das festas do axé a gente reatualiza os mitos. Corpo morada dos deuses e deusas, que representa o lugar do saber ancestral. A construção e manifestação do sagrado passam pelo nosso corpo, compreendido como síntese do universo. Precisamos da dança e movimento do corpo para saudar os Orixás. Sem o poder feminino, sem o princípio de criação nada acontece, nada nasce. Por exemplo, tem muitas Itans de Oxum, muitas fábulas, em que o rei foi consultar o Oluô e chega lá, não, Oxum está irritada, ela está insatisfeita, então secou tudo, então vamos dar presente para Oxum. O princípio feminino é o princípio da criação e preservação do mundo. Sem a mulher, na nossa tradição, não existe vida, por isso a mulher deve ser reverenciada. Eu vou falar muito rapidamente do Culto das Iamis, culto de Geledés. As principais manifestações desse culto são as máscaras rituais, que simbolizam o espírito das nossas mães ancestrais femininas em seus diferentes aspectos. As máscaras são usadas por homens que fazem parte de sociedades controladas e dirigidas por mulheres, que pos-
suem segredos e poderes. Há uma inversão aí. São homens em uma sociedade cultuada e dirigida por mulheres. E aí estou chegando bem perto de Iansã. Ancestrais e feiticeiras, tal o caráter duplo das Iamin Oxorongá, faz-se importante, pois ressalta a especificidade do papel feminino representado por elas. A concepção africana da maternidade, da força espiritual feminina, torna-as símbolo da adaptação e luta entre as forças masculinas e femininas, fundamentais para a manutenção da continuidade da vida. Até na nossa tradição a desigualdade, a luta entre o feminino e o masculino, sempre se deu, mas nós temos outra resposta que resvala no nosso cotidiano. A supremacia do poder feminino ainda existe. O medo da ira das Iamis nas comunidades é tão grande que nos festivais anuais da Nigéria, em louvor ao poder feminino ancestral, os homens se vestem de mulher e usam máscaras com características femininas, dançam para acalmar a ira e manter, entre outras coisas, a harmonia entre o poder masculino e o poder feminino. Aqui é Oyá-Iansã e o poder feminino na tradição em Yorubá. “Eparrei oyá”. Ela está presente no 107
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tempo, no espaço, é a mãe das nove partes do céu. Oiá missa urum. O ar em movimento caracteriza a sua essência. É o orixá que faz as coisas simultaneamente, graças à sua agilidade de espalhar seu axé no mundo dos vivos e dos mortos. Deusa guerreira, divindade dos ventos, das tempestades, dos raios, dos redemoinhos. Oiá, representando o vento, o fogo, a pele de búfalo, a Iámissamori, Missa orum. Na tradição se diz assim: Cosi euê, Cosi orixá. Sem folha não tem orixá. E, por isso, conta uma lenda, Xangô e Oiá eram apaixonados. Xangô teria dito para Oiá o seguinte: “Olha Iansã, só Ossain detém o poder das folhas, porque ele tem uma cabaça com todas elas. Você faz uma coisa. Pega essa cabaça e traz para mim”. Iansã fez um vento forte, quebrou a cabaça e socializou as folhas. É o uso coletivo. A partir daí, cada orixá passou a ter a sua folha, o seu fundamento. Então, a tradição propõe trabalhar o poder dessa forma, a socialização de poderes. Vamos falar de avanços e conquistas das mulheres negras olhando Iansã. Ela teria percorrido muitos reinos. No reino de Irê, o Reino de Ogum, aprendeu com ele a manusear a espada. Então, ela trouxe o segredo
da espada. Em Oxobô, com Oxaguiã, ela aprendeu a usar o escudo para se defender como nós. Com Logum-Edé ela aprendeu a pesca. Com Oxóssi, Odé, ela aprendeu a caçar e a usar pele de búfalo, que é muito interessante essa transmutação. Um caso particular sobre a transmutação: eu era criança e a minha mãe não era de candomblé. Toda vez que eu saía a minha mãe falava assim: “Essa garota, ela parece que tem alguma coisa que não bate”. Eu sempre botei uma roupa dentro da bolsa. E eu dizia: “Não, é porque vai sujar”. E eu faço isso até hoje. É uma pele de búfalo que eu trago. Porque a gente precisa da pele de búfalo para enfrentar a nossa luta diária de desigualdade de gênero e raça. Com Exú, ela aprendeu a usar o fogo e a magia. Mas, ela também é o próprio fogo. Com Obaluaê ela tem o culto da ancestralidade, a chave do Ibaré. Oyá, uma qualidade de Iansã, é a única figura feminina reverenciada no culto da sociedade Eguguns. Porque as mulheres não entram. Eparre Oiá! Laróyè Exú! As filhas de Iansã carregam um estigma horroroso. Você deixa cair uma coisa, ela é de Iansã; você
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separou, ela é de Iansã; tem dois namorados, ela é de Iansã. A orientação sexual dele é assim, é porque ele é de Exú. Aí, se a mulher tem uma orientação sexual diferenciada: se eu sou lésbica, ela é de Xangô, tem um monte de mulher. Quer dizer, tem um preconceito que também percorre por dentro a nossa tradição. Que Iansã e Oyá nos guie no enfrentamento das desigualdades de gênero e raça, a partir de uma maior mobilização que leve mulheres negras a participar de instâncias voltadas para a garantia dos direitos das mulheres. O Arcano três no tarôt, que é imperatriz, único Arcano feminino, é uma mulher sentada com um escudo. Ela representa aquele arquétipo que a qualquer momento se levanta. Isso é Iansã, essas somos nós, levantando para a luta para superar desigualdades que nos percorre e nos assola até hoje, frutos do racismo, que faz nosso salário ser o menor na escala salarial, segundo os dados do IPEA. Carlos Moore fala do “racismo à brasileira”: “Quanto mais preto, mais racismo”. Quanto mais preta a minha pele, mais racismo eu sofro. Em 90% dos casos de mortalidade materna, segundo a Organização Mundial da Saúde,
a morte seria evitável. 6 entre 10 mulheres são negras. E elas morrem em trabalho de parto, porque não conseguem ter acesso, porque moram longe, porque às vezes até para fazer um exame de câncer de mama, o médico não toca aquele peito negro. E, com isso, o racismo institucional nos devora. E, nós, mulheres de matriz africana, não podemos entrar assim no SUS, isso aqui tem que ser retirado. Mas, em qualquer hotel que eu chegue, há uma Bíblia dentro da gaveta. Por fim, agradeço a vocês, a Silvani, Pai Paulo Arerepi, a toda a mesa, todo mundo, por estar
aqui. Conclusão: eu acho que a gente tem que ter a tradição como modelo na construção de políticas públicas para a promoção e garantia dos direitos das mulheres. Eparrei, minha mãe hoje e sempre. Sra. Regina Mulanji: Minha benção aos meus mais velhos, minha benção aos meus mais novos. Este é o primeiro momento em que se discute a leitura do poder feminino a partir de África, mas reconhecendo a África com as diferenças que ela tem. Debatemos nesta mesa o poder africano de sobreviver com as suas diferenças.
Meu nome é Makota Mulanji Monaquelembequeta. Nós, o povo Banto, temos certo problema de autoestima. Eu peço a paciência de vocês e vamos lá. Tem uma contradição quando a gente fala “povo Banto”. Porque Banto é um povo que reúne diferentes formas e troncos linguísticos. Primeiro ressalto a questão de gênero e a questão do poder, a partir de diferentes olhares, porém de uma matriz única.
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Apesar de nós falarmos de troncos linguísticos diferentes, vocês vão reconhecer alguns princípios invariantes nessa fala que nos remete a uma matriz única, que é a própria África. Quero falar de tradição de matriz africana, mas levando em conta a hermenêutica do cotidiano feminino, o que se está vivendo em África e no Brasil. Para não reforçar algo do passado, mas valorizar o que é vivenciado e o futuro. A tradição não é estática, ela se adequa. Nenhuma tradição é cristalizada, toda tradição é transformada, já que ninguém pode, simplesmente, voltar ao passado. Não se trata, a tradição é mutante, migrante e, por isso mesmo, ela caminha, ganhando outra face de expressão. As mulheres Banto, tanto em Cabo Verde, Moçambique, como Angola, a maioria delas é do meio rural. Tem uma condição educacional extremamente baixa. No Cabo Verde, por exemplo, a mulher representa 64% dos analfabetos, são a maior parte das que chefiam as famílias. Angola é um dos países que mais crescem em África, mas a situação da mulher continua tão semelhante quanto no Brasil ou nos outros países. O que o coloni-
zador fez com a escravidão aqui do Brasil ou em África, foi o mesmo processo. Como diz Jairo, “quando se educa uma mulher, se educa uma nação. Quando se educa um homem, se educa um homem.” São as mulheres que levam e transmitem as informações, através do seu fazer, através da sua prática, através principalmente da alimentação, do som melódico, hipnotizante. Veja a capoeira no Brasil: ela veio de uma forma altamente masculinizada e nós tínhamos que galgar espaço dentro da capoeira sendo que, na maioria das comunidades Banto, quem toca o berimbau é a mulher. Nós não tocamos N’goma (tambor), que é outro poder, um poder masculino. Eu tenho muita dificuldade hoje de discutir a questão de gênero por dentro da tradição. Orixá e Odum não vêm a Terra sem comida e sem tambor. Então, os dois são poderes diferenciados, estabelecidos a partir de uma questão de gênero, mas são poderes. A cozinha é um lugar de poder para a mulher banto. E a alimentação é uma discussão feminina, é um pod-
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er. Kota Quitanda, aquela que tem o poder de falar com as divindades através da alimentação. A cozinha é um espaço de poder feminino. Na cozinha não entra homem, porque é um poder meu, nosso, das mulheres e não está subserviente. Agora, o colonizador adentrou os nossos territórios de tradições Banto africanas. Os poderes masculinos e femininos em igualdade: uma tradição colonizada e perdida dentro de nós. Hoje, o branqueamento e embranquecimento dos terreiros têm levado que muitas das mulheres brancas não queiram ir para a cozinha, porque vêm carregadas de um poder que acha que estar na cozinha é diminuição. Eu lembro o dia que minha mãe disse: “Kota, assuma a cozinha”. Eu chorava copiosamente. Primeiro pelo terror de saber, será que eu vou conseguir falar com Nkissi, ele vai me ouvir e me entender? Se ele me escolheu, eu tenho este poder. Em África, quando a gente passa e tem uma nega veia com um cachimbo, todos abaixam a cabeça e sabem que daquela fumaça sai poder. Não somente a mulher é considerada a base da família, mas ela é transmissora, através dessa cantiga, é por onde ela passa a informação e a tradição. Mulher e criança.
Começamos a fazer um distanciamento do feminismo europeu. Eu entrei Regina Nogueira para dentro de um útero coletivo, carregado de água, e nasci Kota Mulanji. Eu nasci criança, uma criança imponderada, por ser Kota, de nascer de pé, de ter um parto difícil. Nasci já sentando ao lado da minha mãe. Eu sou criança e sou respeitada. Ser criança não implica em desrespeito. Ser criança não é sinal que eu possa bater. Ela está em aprendizado por isso eu sou responsável por ela; por isso ela senta abaixo do meu pé; por isso eu cuido dela. E criança significa tudo o que é humano, tudo está na criança. Ela é pequena, o que ela carrega é enorme. Na cultura Banto, a vida é contínua, é como se fosse uma conta bancária, em que eu carrego aquilo que foi acumulado. Eu posso gastar, como qualquer conta bancária, ou eu posso aumentá-la. E eu posso, às vezes, retirar da conta bancária para engrandecer, para eu crescer.
que vocês cresçam”. Porque, ao me espichar, eu busco e pego o território do outro. Avanço território. Quando eu cresço, eu aprendo. Eu tenho dentro de mim um aprendizado. E é isso o que as crianças e as mulheres têm colocado para nós. Então, a criança tem um papel primordial. Falar de aborto para uma mulher de Oxum, Pediatra, mulher de Dandalunda, é sempre um problema. Porque, para nós, a criança é tudo. O coletivo, para a criança e para a mulher, é o que importa. Se o coletivo estiver ameaçado, o coletivo define o aborto. E é um segredo do coletivo. Essa história de que somos favoráveis ao aborto porque somos donas do nosso corpo, não é um discurso de mulheres de tradição Banto. Nós não somos donas do nosso corpo, o nosso corpo é da divindade.
Água é um elemento feminino. Os Bantos, diferente do povo Iorubá, do povo jejumasei, não humanizamos tanto as nossas divindades. Água é água. Que simbie. Todas as águas estão colocadas, todas as águas são mulheres e todas as águas são sagradas, portanto, respeitadas. E, sem essas águas, nada fertiliza, nada tem vida. E, essa água é aquela onde todos, homens e mulheres, estão mergulhados e vão se constituir. A saliva, a palavra úmida, a oralidade, a água feminina: purificadora e vitalizadora. Vai. A água parada tem repuxo. Água e terra. Terra, outro elemento feminino, outro poder feminino. Terra que não fica no chão, mas se transforma em grande montanha. O estar no útero representa todos esses elementos. Quando mergulho, vou em busca da matriz água.
Minha mãe costuma dizer que desenvolvimento é se espichar. Ela costuma dizer às crianças: “Eu não quero que você se espiche, eu quero 111
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Nós temos que calar a boca rapidinho, afinal, tem um homem poderoso (Lula) para falar logo em seguida. Acho que uma questão importante dessa mesa é deslocar a tradição de um lugar do passado, que não tem perspectiva de futuro. Também é desconstruir as visões negativas que o racismo colocou. Demonstrar que a saída de todos os problemas apontados são essas mulheres e essa visão de mundo. Porque, se a água é sagrada, nós não estaríamos enfrentando um problema de falta de água. Temos que resgatar essa radicalidade dentro de nós mesmos, dos povos tradicionais de matriz africana. O fato de termos transformado nossas tradições em religião faz com que eu abaixe a cabeça desesperada a Oxum, Dandalunda, mas quando eu abro o chuveiro, esqueço que aquela água que está saindo é a mesma mãe que eu estava cultuando antes. – “Vou economizar água porque os ambientalistas mandaram”. Eu estou pouco me lixando para o ambientalista. Para fazer uma cerveja, para fazer um queijo, se gasta milhões de água. Eu economizo água porque 70% do meu corpo é minha mãe, onde eu fui criada e é minha vida. Se eu não tiver água, eu deixo de existir. É uma questão de vida.
A gente esqueceu do poder feminino alimentar, quando transformou isso em religião e só come aquilo que é nutritivo, que alimenta, que não tem açúcar. A alimentação que divido com Nkissi tem poder, não tem açúcar, nem sal, tem um monte de cebola que é diurético e dendê, que tem um pingo de colesterol, é vegetal e tem a mesma quantidade de calorias que o azeite de oliva ou qualquer outro tipo de azeite. Vou hoje ao terreiro, vou comer direito, amanhã eu como vitela que é um animal que sofre para me dar comida, mas é rico, eu me sinto bem quando eu entro em um restaurante, isso me dá poder. Então, o poder que nós estamos colocando aqui, ou a gente ressignifica e assume na radicalidade, ou se não essa mesa passa a ser tão folclórica, como tudo o que tem sido feito na nossa tradição. Para terminar, o nosso grande exemplo de poder feminino, Banto, Nzinga. Uma mulher do reino de Matamba, então, que tem uma proximidade com o elemento da Iansã e Obá. Tem uma competição familiar (com o irmão) pelo poder. Sem medo e com a certeza de que ela poderia assumir seu território, ela negocia com o povo português a manutenção do seu reinado e re-
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lação com sua catequização. Ela diz: “Eu assumo a religião católica e vocês deixam o meu povo viver em paz”. Logo eles a traíram, ela fez uma estratégia de guerra e venceu. Quando ela se vai, com 92 anos, sua irmã Cambul assume o reinado. Somos mulheres angoleiras no Brasil. Somos Banto, poliglotas e não somos puras, somos miscigenadas. Nascemos miscigenados a partir de uma resistência no Brasil. Sou a manifestação e a preservação de Nzinga e de toda essa tradição que demonstra que nós temos o poder e carregamos a força vital. Ungu usa força vital. Fertilizamos a vida, nosso corpo é sagrado, é de Nkissi, frente à violação de qualquer um dos nossos, podemos morrer ou matar. Queremos discutir a dupla cidadania, porque seguimos uma tradição no Brasil. Todo mundo que fala metade da língua italiana tem dupla cidadania, é alemão, português, espanhol... Pois eu quero dupla cidadania com a Angola porque eu carrego a Angola todos esses anos. Princípio Ubuntu: sou, porque somos, enquanto uma mulher no mundo sofrer, for violada, agredida, nós não podemos dizer que somos felizes e que alcançamos alguma coisa nessa vida. Enquan-
to uma sofrer, sofro eu também. Muito obrigada por este espaço. Sra. Jandira Santana Boa tarde. Eu me chamo Jandira Santana Malci. Malci significa a que pertence a Maú, filha protegida de Maú. Maú Liça, na minha nação, é Deus. Como Olodum Maré, Oduduwa, Zambi em outras nações. Primeiramente, eu quero saudar a todas as mulheres que construíram Latinidades, a todas as mulheres da SEPPIR que trabalharam para que esse evento acontecesse e a todas nós mulheres afrolatino-americanas e caribenhas que estão aqui coletivamente. Nós, povos do antigo império de Daomé, atual República do Benin, falantes da língua Fon, reconhecidas como nações Jeje, costumamos dizer que todas as vezes em que se ouve o silêncio, como agora, é sinal que o povo Jeje está conspirando pela coletividade. Como mulher Jeje, que permanece respeitando e cultivando a tradição, aqui peço licença a toda a nação Daomeana, a todas as mulheres da tradição Jeje Mahi, na Bahia. E, falando de Bahia, quero citar alguns nomes de mulheres do terreiro do Bogum, que fica em Sal-
vador, na comunidade Jeje, Vale da Federação, portanto, Quilombo urbano. Ludovina Pessoa, Gaiaku Emiliana Guessi, Gaiaku Romaninha de Possú, Doné Runhó de Sogbô, Doné Nicinha de Loko, minha atual matriarca Nadoji Vodum Nodoji, e como não falar também da nossa Ronçó de Sogbó, do Bogum. Em Cachoeira, quero citar sinhá Maria Angorense, de Besen; Sinhá Abali, de Besen; Gaiaku Paralaci, Gaiaku Aguessi, Gaiaku Gamalocussi. Falar ainda de Gaiaku Luiza do Hunkpame Huntololoji. Eu digo Sinhá porque naquela época costumavam chamar as mulheres mais velhas de Sinhá. Como não falar também da Ekedi Romilda, que vem mantendo a tradição Jeje Mahi, em Cachoeira, enquanto não aparece sua sucessora. Quebrando esse silêncio e também pedindo com todas elas: me ilumine e ilumine o nosso discurso, a fim de promover a nossa coletividade. Quero também pedir a benção às mães, aos pais, às Ekedis, Makotas e a todas as pessoas que estão nessa plateia. Não posso falar da importância das mulheres Jeje na atual sociedade, sem antes falar de seu legado, mais especificamente das mulheres Jeje Mahi. Por isso, quero recuperar a
memória de algumas dessas mulheres também. Ludovina Pessoa participou da fundação da nação Jeje Mahi na Bahia, dando início aos terreiros do Ventura, que fica em Cachoeira; é o terreiro do Zoogodo Gbogun Male Cejá Houndé. E o terreiro do Bogum, que fica em Salvador e assina com o nome de Zoogodo Gbogun Male Cejá Hundó. Quero recuperar a memória das mulheres da Boa Morte, que no mesmo barracão no terreiro do Ventura fizeram a primeira reunião sobre a fundação da Boa Morte em Cachoeira. Aí nós estamos percebendo o poder feminino totalitário. Quero recuperar a memória de Luísa Mahi, mulher Jeje, que teve papel fundamental na ação política de agitação e articulação do levante Male, por volta de 1835, que parou toda a cidade. Há quem diga também que ela participou do levante no Rio de Janeiro, como confirma seu perfil revolucionário. A contribuição política e social dessas mulheres, atos de resistência que não se restringem ao fazer religioso. A partir daí, podemos constatar a importância dessas porta-vozes femininas para construção e manutenção da política, do social, do cultural, para toda a nação brasileira. Não só brasileira ... Nessa lembrança, não posso deixar 113
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de citar alguns vultos históricos, lideranças também desses dois terreiros. Eu estou citando-os porque falar de nação Jeje é muito amplo, existem outros Jeje. Jeje Valu, por exemplo. Então eu decidi focar no Jeje Mahi. Falando ainda das mulheres do terreiro do Bogum: no século XIX, período de profunda repressão policial, elas tiveram papel decisivo no combate e resistência às invasões da polícia nos territórios dos terreiros, como também contribuíram para a organização social do candomblé como manifestação civilizatória, afirmando as comunidades de cultos africanos como territórios de reserva genuína, Jeje Mahi. Relatos orais atestam que a saudosa Emiliana Guessi ficava entrelaçada de idãs, que são as cobras, e desciam a ladeira do Bogum para enfrentar a polícia, impedindo as investidas policiais. Para quem não conhece, o terreiro do Bogum fica no final da linha do Engenho Velho e tem uma ladeira chamada ladeira do Bogum. Como ninguém resiste ao poder das idãs, o embate era bastante...
guiu manter a tradição Jeje na característica do silêncio, com sua discrição e simplicidade. E deu prosseguimento à tradição Jeje e iniciou uma série de voduncis, no Ogum. E conseguiu manter a casa no lugar de credibilidade, respeito e visibilidade sóciorreligiosa. No terreiro do Ventura, Sinhá Bali Angorense, Maria Angorense, conseguiu manter o culto e as referências civilizatórias como uma forma coletiva de resistência ao racismo. Nessa época, século XX, inspirada pelas teorias raciais do século XIX, a polícia, pela delegacia de jogos e costumes, estava autorizada a invadir os
Sempre é bom lembrar a fabulosa dimensão territorial do terreiro do Bogum, no século XIX. Registros orais afirmam que as terras dos Jeje iam desde o início da Cardeal da Silva, no bairro da Federação, até a Avenida da Vasco da Gama, onde fica o terreiro da Casa Branca, o terreiro Ketu. Uma impressionante estruturação de um autêntico Quilombo urbano. Outro registro histórico importante é que o terreiro da Casa Branca, quando sai da Barroquinha, iria também para o Engenho Velho, na Federação, sendo assentado em terras do Bogum. E, já na década de 70, temos minha bisavó Runhó. Apesar de tanta perseguição, ela conse-
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terreiros que não tivessem alvará de funcionamento. O terreiro do Bogum, nessa época, recebia o maior numero de batidas policiais. Terreiros eram invadidos pela polícia, as pessoas eram espancadas e presas e seus objetos sagradas, religiosos, eram prendidos, levados pelos próprios policiais e entregues ao Museu Estácio de Lima. Museu que guardava fetos deformados e cabeças degoladas daqueles que eram considerados pela República Brasileira como criminosos, a exemplo do lampião e seu bando e qualquer negro vítima do rac-
ismo praticado pelo estado brasileiro, nessa época. A exemplo do atual processo de genocídio da juventude negra. Visibiliza-se assim a importância da articulação das mulheres Jeje na construção da identidade política, social e cultural, nacional, que não está reduzida a um engessamento do conceito de nação brasileira tendo como legado apenas a contribuição lusitana colonizadora. Em Cachoeira, essas mulheres conseguiam, de forma brilhante, manter o seu legado, sua tradição e saberes em que pese a sociedade racista cachoeirana. Observamos a estratégia de sobrevivência dos terreiros, a exemplo do terreiro do Ventura, que se localiza na região mais distante do centro da cidade, em área de mata virgem salvaguardando as suas tradições e fazeres religiosos. Eu estou fazendo esse registro, reconstruindo essa memória, para lembrar do poder nosso, mulheres de nação Iorubá, de nação Banto ou Bantu, de nação Jeje, ou seja lá qualquer outra nação, o poder que está aqui. O poder feminino na nossa tradição não é diferente do poder feminino nas outras nações e tradições. Como as Tobossis, as Iritobossis, as Iricaiás, as Nanãs, as Oiás, as Oxuns, as Iansãs, as Dandalundas... Elas têm o poder de fazer, refazer, criar, recriar e dar a vida. Por isso, não existe nenhum outro poder se não existisse o poder delas e de nós mulheres negras. Muito obrigada.
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Sra. Daniela Luciana (Pretas Candangas) - Mediadora: No candomblé a gente aprende duas coisas muito importantes, na minha perspectiva. Uma, é que as nossas qualidades não são exatamente nossas, porque tem mesmo algo que nos habita, que é maior que a gente. Quando se conquista algo, rapidamente se sabe que essa conquista não é só nossa. E a outra coisa é que a gente não faz nada sozinho, porque não existe candomblé de um, existe candomblé de muitos. Não existe Babá nem Yá sozinho, nem Abiã sozinho, nem Makota sozinha. Em todas as tradições, nós somos coletivos. Como a Ministra Luíza Bairros falou na abertura das mesas Latinidades 2013: nós somos um povo que fomos retirados juntos, trazidos juntos e misturados. Aqui estamos vendo três nações e eu sou de outra, eu sou Ketu. Então, não caminhamos sós, nossos passos são realmente juntos e vêm de longe. Esse é um momento de profunda sabedoria e transmissão oral de conhecimento. Estamos usando toda a tecnologia, mas a coisa mais preciosa que nós temos aqui são vocês, suas vozes, nossas vozes. Muito obrigada. Agora vamos abrir para perguntas. Sra. Dalila Negreiros: Eu não entendi a parte que a senhora, mãe Kota, falou do aborto como uma escolha coletiva, eu nunca ouvi falar disso e fiquei muito na dúvida. Exatamente, o que significa isso? E como se daria na prática? VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
Sra. Kota Mulanji: Quando fomos trazidos da África, muitos abortos foram feitos coletivamente, já que se sabia que não existia nenhuma perspectiva para aquela criança. Nas tradições de matriz africana, não nascemos sem função, nós temos uma função ao nascer, quando recebemos o nosso nome. Quando Jandira colocou o seu nome, ela se apresentou: eu sou Mulanji, eu sou combatente. Nascer na escravidão para quê? Qual a função para o coletivo? Quando se faz o aborto, não é o meu corpo que eu estou violando, eu estou violando o cosmos. O próprio cosmos está sendo colocado. Então, muitas coisas há de se fazer para se resgatar e restabelecer o equilíbrio com o cosmos. E isso a tradição fez, sabendo que esta mulher teve que definir pelo aborto para aquele coletivo, ela fez por isso. E, quando falo da escravidão, falo com muita tranquilidade, porque ainda somos escravos, vivemos no século XVIII, somos seres ainda tratados sem reconhecimento da nossa humanidade. Portanto, quando uma mulher não tem um apoio coletivo para criar o seu filho, seja do Estado, seja de quem for, eu entendo o aborto necessário coletivamente. Se ela chegar a mim ou a qualquer uma de nós, a acolheremos, fare-
mos tudo o que é necessário para restabelecer o equilíbrio. Porque este coletivo necessitou deste aborto, inclusive nem o coletivo existiu para apoiá-la, quando ela engravidou. Porque, na tradição Banto, a gravidez ou a criança é compartilhada. Ela não é meu filho, ela é filho do coletivo. Então, quando eu aborto, eu aborto coletivamente também. Quando uma criança não pode vir ao mundo, ela não veio porque aquela mulher não quis, é porque aquele coletivo não lhe deu condições de aguentar. Porque uma tradição que tem tantas mães ou pais quanto nós temos, não importa se a mãe terá condição ou não de sustentar porque eu sou Kota, ela é mãe, ela é Ekedi: é filho de todo mundo e todo mundo vai ter que criar. Então, o aborto também é por uma necessidade coletiva. Sra. Vilma: Saindo um pouco da tradição, mas falando do aborto, falando das representações da tradição judaicocristã que coloca a mulher entre santa e pu... entre o bem e o mau ... Se a gente observar bem, há um aborto coletivo praticado pelo SUS, porque 90% das mortes de mortalidade materna seriam evitáveis.
É um número inenarrável de mulheres negras que morrem por falta de acesso ao serviço no meio do caminho. Isso é um aborto, porque as mulheres perdem fetos com sete, com seis meses, só que ninguém fala nisso. A assistência está sendo péssima. Muitas mulheres estão perdendo os seus filhos. Estão no hospital, passam cinco dias com a bolsa, a bolsa estoura no quinto dia, não se faz o procedimento e o feto vem a óbito. Então isso é aborto. E é um aborto institucionalizado. Sra. Regina Mulanji: Nós temos uma proposta de política pública para isso, a partir dos povos tradicionais de matriz africana. Uma maternidade compartilhada acaba com isso porque aí todas nós somos. É o que eu digo, tem que ser radical na tradição. Sra. Andreia: Olá, boa tarde. Eu gostaria de fazer um pequeno comentário. Vilma de Oiá falou da dicotomia da mulher por Rousseau, essa questão da mulher sendo santa e prostituta ao mesmo tempo. Vê-se a tremenda sexualização da mulher, principalmente da mulher negra na sociedade. Os homens querem muito a mulher negra em sua beleza e em seu esplendor, como um objeto de 117
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admiração sexual, mas não uma mulher para um relacionamento ou para configurar um casamento em si. Como é visto isso dentro da tradição de vocês, de educação religiosa de vocês? A gente é muito podada sexualmente, na cultura judaico-cristã. Sra. Regina Mulanji: O sistema capitalista sempre vai fazer formas de ter lucro, com interesse em ganho de lucro real, então nosso corpo passa a ser um objeto dessa questão. E a nossa tradição também. Quando a gente consegue superar o endemoniamento das divindades, tipo Iemanjá, que passa a ser popular e brasileira, ela se transforma em uma mulher sexualizada e branca, como são todas as representações hoje de Iemanjá no Brasil. Quando você fala desse corpo e a relação do homem, se tem algo que o colonizador plantou literalmente, foi essa relação com as mulheres. A dominação de um povo começa pelo domínio do corpo feminino, daí a violação. A violação do corpo da mulher negra se dá, muitas vezes, não no estupro, ato físico, mas o estupro como destruição da representação do corpo como ele é e como ele é visto. Por exemplo, a poligamia é colocada em várias comunidades, em uma forma diferenciada da questão poligâmica, que também é institucionalizada no Brasil e no mundo Ocidental. Mas, mesmo em África o colonizador hoje tem sido vitorioso. Porque a proposta de ter uma relação poligâmica em África era construída em outras bases. Então, ter várias mulheres para procriar, tinha vários filhos e tinha a responsabilidade VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
coletiva de manutenção econômica e manutenção do coletivo. “Porque o homem africano sustenta”. Não tem essa compreensão, essa é uma compreensão geo-ocidental. Nós, homens e mulheres negros, temos carregado dentro de nós esse colonizador e fazendo disso, muitas vezes, a nossa prática. Sra. Vilma: Tinha um ditado, que vem desde o século XIX, que é assim “Mulher branca é para casar, mulata para fornicar e preta, negra para trabalhar”. Então, isso é uma herança que vem desde a escravidão. Essa violência, essa expropriação já aconteceu lá atrás, só que isso está a nível do simbólico, porque o racismo é estrutural, percorre e atravessa o tempo. Há um, dois ou três anos atrás, a cerveja Devassa fez uma propaganda em que aparecia uma mulher negra linda e a dizia: “É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra”. E aí, nós fomos, lutamos e fizemos retirar a propaganda de circulação. Então, isso é muito sério. Dentro da tradição dos povos tradicionais de matriz africana, o corpo carrega axé. A dança de Iansã vai com toda a sensualidade, mas esse
corpo ainda é interdito aqui do lado de fora. Esse corpo ainda sofre as marcas do racismo, nos impede de ganhar um salário equiparado à população branca, nos impede de uma série de coisas. Esse corpo negro, de jovens e meninas e mulheres, é muito mais vulnerável a estupro, a violências, e é muito mais banalizado. É esse corpo que percorre, que está na periferia, é o corpo dessa mulher preta, dessa jovem negra que é expropriado o tempo todo. É o corpo da juventude negra que está sendo morta, dizimada. Porque nós éramos vendidas a metro, há bem pouco tempo atrás nós éramos peças. Até hoje nós ainda temos elevador de serviço. Eu tenho uma amiga que é dentista e há muitos anos atrás, quando ela se formou, todo mundo chegava ao consultório dela e dizia assim: “Eu quero falar com a Doutora Regina”. Ela fez um jaleco e gravou do tamanho assim, “Doutora Regina.” Porque as pessoas não entendiam, aquele corpo, aquela pessoa estava fora do lugar histórico dela. Como nossa tradição está ficando branqueada, essa mulher negra é mais objetificada, no samba, na ala da bandeira... Está saindo de cena também. Na mídia, nós não
aparecemos: todas as meninas que dançam são brancas, aí tem uma negra, para dizer assim: “Olha, nós temos a cota.” Como tivemos a Glória Maria, aquela repórter que foi negra. 500 anos na TV Globo. A Globo resolveu o racismo com a Glória Maria, botou ela lá e declarou: “nós não somos racistas”. Então, é mais ou menos isso. Sra. Jandira Santana: Esse corpo negro feminino está tão sexualmente abusado, violentado, que isso se reflete até nas imagens das mulheres do candomblé, dos Odús, dos Orixás e dos Nkissis. Sempre se vê uma Iansã com os seios rijos, com a bunda, com o corpinho. Você não vê uma imagem de um orixá como uma mulher gorda, como em muitos países da África, o seio da mulher caído, o corpo da mulher rechonchudo é valorizado aqui... A gente não vê nada disso, entendeu, é só um corpo... Sra. Regina Mulanji: O colonizador foi vencedor com os nossos homens da tradição; é isso o que precisa ser dito. Infelizmente, os tatás e ogãs fazem incesto com Muzenza e Iaôs, e com as próprias mães. Desrespeitam, e muitas vezes pela manutenção da tradição, nós 119
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traímos o futuro porque não temos coragem de chamar e dizer que está sendo desrespeitado o maior princípio feminino da tradição. Sra. Daniela Luciana (Pretas Candangas) - Mediadora: Somos uma casa bem jovem de tradição Ketu. Na nossa casa, tentamos fazer coisas diferentes. Não ferindo a tradição, mas buscando não repetir erros. Ninguém faz obrigação sozinho, ninguém gasta sozinho, ninguém compra vela sozinho. Sra. Vilma: Mas isso é tradição. Sra. Regina Mulanji: A economia é coletiva. Participante não identificado: Ketu é uma cidade na língua Iorubá, que fica, hoje, no atual Béna, antigo Daomé. Aí se fala Iorubá e é descendente de Olodum e Oramiã, e cultua Xangô e Ioiô... Iorubá, na verdade, é a língua do povo Ketu. Sra. Vilma: Chamo atenção para a importância de nós, mulheres, na manutenção dessa diversidade linguística que temos dentro das tradições de matriz africana.
Sra. Regina Mulanji: Nós somos uma tradição de matriz africana porque mantemos processos civilizatórios da economia, que é uma economia coletiva. A solidariedade é o principal princípio africano. Nós, do povo banto, acolhemos dentro desse grupo linguístico o povo da umbanda. Quanto a outras expressões, como a Jurema, cabe definir que parte do que eles transformaram nos carrega ou não. Poder feminino é nós estarmos aqui. A destruição da camada de ozônio, a falta de água e outras questões ambientais atingem diretamente a nós, tradição de matriz africana. Não nos manteremos nessa terra globalizada se não mantivermos a tradição. Quero deixar duas solicitações: sejam parceiros e parceiras da radicalidade para a tradição de matriz africana, da retirada de todos os nossos processos civilizatórios da linha de demônios. Sempre quando falarem isso, lembrem que a gente trouxe aqui todos os elementos positivos, os quais esse mundo ocidental roubou e disse que são bons. Porque até descarrego, que para nós é do diabo, para eles é sessão importante, tem hora marcada
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e tudo. Temos que reivindicar legislativamente que não se possa usar aquilo que é nosso e é do mal na linguagem deles. E que se possa, então, desfolclorizar e desmitificar essas questões. E dizer a todo mundo que a tradição de matriz africana, a partir do poder feminino, tem uma proposta para o mundo. Uma proposta que pode, literalmente, preservar a água, manter as matas, distribuir alimento a todos, fazer um processo educacional que respeita os mais velhos e os mais novos, cujo princípio é a circularidade, e não salas como essas, que colocam o saber em frente ao outro, mas coloca um do lado do outro, e que nós podemos com isso fazer a transformação. Nós estamos sob o regime de Oxumarê, de Dãn, de Angorô. Estamos aqui para fazer essa transformação. É com essas águas e com a cobra que morde o próprio rabo que nós pudemos nascer e voltar à terra diferentes. Muito obrigada. Sra. Jandira Santana: Quero pedir que, ao sairmos daqui, levemos a coletividade para as nossas casas, para os nossos trabalhos, para as nossas famílias e que a terra, que a chuva, que o vento, que as águas nos fortaleçam e nos conduzam verdadeiramente para
uma nação mais humanitária, com respeito a nós mulheres, todas as mulheres, especificamente, nós mulheres negras. Porque sabemos e ouvimos aqui relatos, histórias e memórias de grandes mulheres do invisível, que aqui não estão, e de nós mulheres que estamos fazendo essa sociedade. Então não podemos mais ficar dentro de nossos terreiros, de nossas casas, das universidades e escolas caladas, sem pedir, sem juntar a coletividade e vir para a rua, para o Congresso, pedir respeito e garantir nosso espaço. Porque nós fazemos muito, criamos, recriamos, damos vida e respeitamos. Então, eu peço a nós mulheres de candomblé de todas as nações – Iorubanas, Bantos e Jejes, de caboclos –, que a gente deixe um pouquinho de lado a nossa vaidade. Hoje eu ousei e vim falar, mas pela coletividade, não posso falar por Jandira Santana Maoci, sozinha. E espero que no próximo Latinidades, outras irmãs possam vir também falar um pouquinho do que elas pensam sobre esse poder feminino. Que Maú Liça, que Ododum, que Olodumaré nos acompanhe e nos fortaleza agora e sempre. Muito obrigada.
Sra. Vilma: Eu acho que tem um principio que une todas as tradições, o princípio do acolhimento. Quero agradecer o acolhimento de vocês, da plenária. Também tem outro princípio que nos une, que é a palavra. Palavra que realiza, que é a palavra de dentro do axé, que realiza o ofó, aquela palavra que tem poder. Espero que as nossas palavras, todas juntas, tenha esse poder da transformação.
Nascimento, Angela Davis e por aí vai. E, que Iansã, eparrei minha mãe, continue nos guiando nessa transformação. Não podemos esquecer que tramita a PEC-99, que, se passar, não vamos poder estar aqui discutindo nada porque a igreja, CNBB e outras, que poderão fazer intervenção nas decisões do Supremo Tribunal Federal.
Nem putas, nem santas, somos mulheres. E, como nós temos a marca da ancestralidade, agradeço a todas as mulheres negras que nos antecederam nessa luta, como Luíza Mahim, Lélia Gonzales, Isabel
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C onferência E special com E x -P residente L uiz I nácio L ula da S ilva É uma grande alegria estar com vocês nesta 6ª edição do Latinidades, e comemorar o “Dia da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha”. As grandes lutas, como a das mulheres e dos negros contra a desigualdade, são ocasiões para comemorar e fazer um balanço das conquistas alcançadas. Este festival nos permite renovar compromissos e olhar com mais confiança para os desafios que temos pela frente, que não são poucos. Na edição de 2011 do “Latinidades” vocês apontavam que os piores índices de acesso a políticas públicas diziam respeito às mulheres negras em geral. Em 2012, vocês chamavam a atenção para a situação da juventude negra. Agora, em 2013, vocês foram muito felizes ao escolher como tema “A Arte e a Cultura Negra”. Vocês participam deste encontro desde sábado e provavelmente já trataram de todos os temas. Venho aqui cheio de orgulho me somar a vocês na construção de um Brasil mais integrado com nossa América Latina e mais solidário com a África.
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Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, além de Laura Chinchilla na Costa Rica. E, se Deus quiser, logo mais uma, no Chile, com a companheira Michelle Bachelet. E comemorar também duas presidentas negras na África, no Malauí e na Libéria, as companheiras Joyce Banda e Ellen Johnson-Sirleaf, além da presidenta da União Africana, Dlamini Zuma. São avanços muito importantes, mas ainda é muito pouco. Se olharmos para os dois continentes vamos perceber que as mulheres, e em particular as mulheres negras, estão muito longe de ocupar os espaços que merecem na política e na vida profissional. Nos ministérios, no Congresso, nas prefeituras. Nas direções das empresas, nos meios de comunicação. Por exemplo: quantas jornalistas negras estão cobrindo este evento? Nossas elites irrigaram sua riqueza com o suor e o sangue dos escravos africanos e foram as últimas a aceitar o fim desse regime odioso. Assim mesmo, não cuidaram de oferecer qualquer oportunidade de vida digna aos libertos.
Estamos juntos na luta contra a desigualdade, contra o preconceito e a injustiça, onde quer que se apresentem e de todas as formas que se apresentem.
Opressão, discriminação e preconceito perpetuaramse sob outras formas no século republicano. As organizações sociais dos negros foram perseguidas, assim como suas manifestações culturais e religiosas.
Hoje podemos comemorar a existência de tres presidentas na América Latina, minhas companheiras
Mesmo constituindo mais da metade da população, negros e negras ocuparam um espaço reduzido, 123
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para não dizer invisível, nas instituições políticas, no comando das empresas e até no meio artístico – em contraste com sua contribuição inestimável para a formação cultural e material do Brasil. Nosso país chegou ao Século XXI sem que sucessivos governos reconhecessem o lugar de destaque da população negra em nossa história e na construção do futuro do Brasil. Mas já faz alguns anos que o Brasil decidiu acabar com a fome e com a miséria, as faces mais cruéis da desigualdade entre nós. E decidiu que a ação dos governantes deve ouvir a voz da sociedade civil e garantir sua participação. É por isso que eu fico muito satisfeito ao saber que vocês têm discutido aqui, temas da mais alta relevância tais como a situação da mulher no mercado de trabalho em quase todas as profissões. O cotidiano das mulheres negras que trabalham no campo e em particular daquelas pertencentes às comunidades quilombolas. Soube que discutiram também as condições das trabalhadoras domésticas na América Latina, tema que assumiu grande importância no Brasil ultimamente. A sociedade brasileira decidiu viver num país soberano, do qual pudesse se orgulhar, que tivesse relações altivas com os poderosos, e solidárias com quem mais precisa. Estamos construindo, juntos, esse novo Brasil, com a participação decisiva dos movimentos sociais na definição de políticas públicas. Em 2011, a presidenta Dilma, participando de um evento para discutir o Ano Internacional dos Afrodescendentes, em Salvador, dizia que a pobreza
no Brasil tinha a face negra e feminina. Ela disse também que “a invisibilidade da pobreza e da miséria constituem-se como a herança mais marcante da escravidão e que atrelada a essa herança veio a visão das elites de que o país poderia crescer sem distribuir renda e incluir”. E eu estou, mais uma vez, completamente de acordo com ela. Minhas amigas e meus amigos, vocês conhecem bem os resultados do nosso modelo de desenvolvimento com inclusão. Em 10 anos, tiramos 36 milhões de brasileiros da pobreza extrema, criamos mais de 20 milhões de empregos formais, e 40 milhões ascenderam à classe média. Essa transformação só foi possível graças a uma combinação de políticas de transferência de renda, valorização dos salários e democratização do crédito. Nós alteramos a lógica que considerava os pobres um problema estatístico, excluídos do processo econômico. Fizemos o país crescer aumentando o poder de consumo dos pobres e dos assalariados, combatendo a miséria, o desemprego e a inflação. Os pobres deixaram de ser um problema e passaram a ser tratados como parte fundamental da solução. Os programas sociais que construímos e a elevação da renda média dos brasileiros – que foi de 66% para as famílias mais pobres, certamente atuaram para reduzir a desigualdade entre negros e brancos nestes dez anos. Cerca de 70% das famílias brasileiras atendidas pelo Bolsa Família são chefiadas por negras ou negros. De acordo com o IPEA, a renda da população negra cresceu cerca de 45%, entre 2002 e 2010,
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em comparação com 21% da renda dos brancos. Dos 40 milhões de brasileiros que ascenderam à classe média, muitos deles são negros. O percentual de negros entre os empregadores passou de 23% para mais de 30% nestes 10 anos (Pesquisa do economista Marcelo Paixão sobre empreendedores negros). O que fizemos foi articular políticas sociais amplas com ações voltadas para superar desigualdades de gênero e de raça. Porque soubemos reconhecer que a desigualdade não se resume ao fosso entre ricos e pobres em termos de renda, de acesso à educação, saúde e outros direitos. Nosso país sempre tratou desigualmente homens e mulheres, e foi profundamente injusto com a população negra ao longo de séculos. Por isso iniciamos nosso governo criando a Secretaria Especial de Políticas Para Mulheres e a Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial. Essas duas secretarias especiais, influenciam positivamente todos os demais Ministérios, agregando uma visão de gênero e de raça às políticas públicas de um modo geral. Os exemplos são muitos e vou lembrar alguns. As mulheres são as titulares do cartão do Bolsa Família, têm preferência na titulação de terras e acesso direto ao financiamento da agricultura familiar. 125
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O Ministério da Saúde implantou na rede do SUS o atendimento de doenças que incidem sobre a população negra, como a anemia falciforme, por exemplo. O ensino de História da África e Cultura Negra foi incluído no ensino fundamental. O Itamaraty abriu vagas para formar diplomatas negros e negras. O Prouni facilita o acesso de estudantes negros e negras ao ensino superior.
A lei de cotas nas universidades públicas, sancionada pela presidenta Dilma, reserva metade das vagas para estudantes de escolas públicas. Nunca tivemos tantos jovens negros e negras nas universidades. De acordo com o IPEA, entre 1999 e 2009, o tempo médio de educação formal das mulheres negras que trabalham passou de 5,6 anos para 7,8 anos. Ainda é bem menos que o tempo médio de estudo formal de uma trabalhadora branca, de 9,7 anos,
mas o fosso da desigualdade está finalmente diminuindo entre nós. Outro resultado importante das políticas afirmativas que adotamos está nas estatísticas oficias da população. O número de brasileiros que se declaram negros passou de 45% da população em 1995, para 51% em 2009. Isso significa que cada vez mais pessoas assumem sua condição de afrodescendentes, sentem orgulho do que são.
Devo lembrar ainda três conquistas institucionais dos movimentos de mulheres e de negros no Brasil, para as quais contribuíram a Secretaria de Mulheres e a Seppir. A Lei Maria da Penha, que tive o privilégio de sancionar, é considerada internacionalmente uma das mais eficazes legislações para deter a violência contra mulheres. O reconhecimento dos direitos dos habitantes de terras remanescentes dos quilombos e a criação do Estatuto da Igualdade Racial constituem marcos significativos da luta dos negros no Brasil. Minhas amigas e meus amigos, este festival das mulheres afro-latino-americanas e caribenhas se assenta sobre dois pilares que também são prioridades da nova política externa brasileira.
Em primeiro lugar, o Brasil se lançou decididamente no processo de integração regional, fortalecendo laços comerciais, sociais, políticos e culturais com os países vizinhos como nunca se ousou antes. Nas décadas recentes, compartilhamos com outros países da América Latina e do Caribe um momento histórico especial, de reencontro com a democracia e, em seguida, de superação de modelos econômicos neoliberais. Por se tratar do maior país da região, o Brasil deve assumir responsabilidades também maiores no processo de integração e de apoio ao desenvolvimento dos vizinhos. Demos um importante passo político em 2004, com o lançamento da Comunidade Sul-Americana de Nações, que abriu caminho para a constituição, em 2008, da Unasul e do Conselho Sul-Americano de Defesa. Ampliamos nossa articulação regional com a criação, em 2010, da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos, a Celac. Há dificuldades, é claro, mas isso é natural nos processos de integração. O importante é que estamos determinados a consolidar a América Latina e o Caribe como região de paz, democracia, prosperidade e justiça social. Nessa conjuntura histórica especial, estamos tornando cada vez mais real o sonho de tantos heróis libertadores da Nossa América. Hoje saio da mesmice e relembro a heroína Manuelita Saens, conhecida como a libertadora do libertador, por ter salvo Simon Bolivar de um atentado mas acima de tudo por sua participação ativa nessas lutas no Equador, Venezuela, Colombia e Perú.
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Minhas amigas e meus amigos, a política externa brasileira nestes 10 anos intensificou a aproximação com os países da África. O Brasil, assim como alguns países da América do Sul e do Caribe, não seria o que é hoje sem o sacrifício que custou a liberdade e a vida de tantos negros africanos e de seus descendentes ao longo de três séculos. Quando visitei o Senegal, em 2005 – uma das muitas viagens que fiz à África em meu governo, junto com meu querido amigo Gilberto Gil ministro da Cultura – fiz questão de conhecer a ilha de Goré, porto de
onde partiram milhões de escravos para a América.
os conflitos internos diminuem a cada ano.
Lá em Goré, em nome do povo brasileiro, pedi perdão pelo que foi certamente um dos maiores crimes já cometidos contra a humanidade.
A nova situação do continente africano, combinada com uma etapa de desenvolvimento econômico e de diminuição das desigualdades sociais no Brasil, abriu uma nova fase nas nossas relações.
Até pouco tempo, quando se falava de África, a maioria das pessoas já associava a palavra à miséria, às guerras, aos conflitos. Outros ainda tratavam o continente como se fosse um único país. Não viam que ano após ano, desde o começo deste século, o continente africano cresce a taxas de 5 a 6% ao ano. Que mais de 300 milhões de africanos, já compõem uma classe média. Que se sucedem eleições democráticas no continente e que
Em meu governo, eu fiz 33 viagens à África e visitei 26 países. Tive oportunidade de abrir ou reativar representações do Brasil em 19 países africanos. Hoje temos relações diplomáticas com os 55 países do continente, mantendo embaixadas em 38 deles. Em Brasília há 33 embaixadas de países africanos. E eu já fiz mais 12 viagens para a África depois de sair do governo.
Nestas viagens, uma das coisas que eu constatei, também, foi que a quantidade de embaixadoras brasileiras não para de crescer. São mulheres as nossas representantes na Etiópia, em Gana, na Guiné Equatorial, Namíbia, Angola, Moçambique, Zâmbia, Zimbábue, Quênia e Senegal. Dez mulheres embaixadoras! No terreno da economia, quero lembrar que as transações comerciais entre Brasil e África passaram de 5 bilhões de dólares em 2002 para 26 bilhões em 2012. s Contribuímos para o desenvolvimento de técnicas agrícolas, por meio da Embrapa, e da agricultura familiar, por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Apoiamos ações na área da saúde, dentre as quais destaco a implantação da fábrica de antiretrovirais em Moçambique, fundamental no apoio às pessoas infectadas pelo vírus HIV na África Austral. O Brasil está ajudando a implantar programas similares ao Bolsa Família em sete países: Gana, Mali, Nigéria, Serra Leoa, Maláui, Zâmbia e Moçambique. Este mês participei de um grande fórum, organizado pela União Africana, pela FAO e por nós do Instituto para discutir novas abordagens para erradicar a fome no continente até o ano de 2025. Foi um evento da maior importância, que contou com a presença de chefes de Estado e de Governo africanos, ministros de todos os países do continente, dirigentes dos principais organismos multilaterais, das grandes ONGs e da sociedade civil. Entre eles várias entidades representativas de mulheres africanas.
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Este Encontro aprovou um plano de trabalho e formou uma coordenação para realizar uma série de atividades para concretizar seu objetivo. Eu acredito que seria muito bom que todos vocês tomassem conhecimento destas decisões, pois o papel da mulher na sociedade africana é um dos grandes desafios que ali se coloca. Certamente vocês sabem que a mulher africana é a principal responsável pelo trabalho no campo e pela produção de alimentos em quase todos os países do continente. Minhas amigas e meus amigos, ainda quero lembrar aqui dois símbolos muito fortes da nossa política de integração latino-americana e de aproximação com a África. Um é a criação da ASA, que consiste numa articulação entre a América do Sul e a África e que já realizou três reuniões, a mais recente em Malabo com a presença
da nossa presidenta Dilma Rousseff. O outro são as três instituições de ensino superior criadas pelo Brasil para servir aos povos de muitos países, contribuindo para a integração efetiva da América Latina, do Caribe e da África: a Universidade Federal da Integração Latino-Americana – Unila, em Foz do Iguaçu; a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – Unilab, em Redenção, no Ceará; e o campus da Universidade Aberta do Brasil em Maputo, Moçambique. Minhas amigas e meus amigos, além de sangue, suor e trabalho, os escravos nos legaram a riqueza de culturas milenares, nos valores, na religião, na medicina, na culinária, nas artes e na música que nascia dos tambores africanos. O Oceano Atlântico que nos separava tornou-se a estrada que nos uniu, como disse o querido embaixador Alberto Costa e Silva. Por
essa estrada o Brasil recebeu a influência das mulheres negras, tão determinante na história africana quanto na de nosso país. Desde a rainha Nzinga, que governou Angola e guerreou para defender seu povo, no século 17, até a princesa Aqualtune, que foi uma das heroínas do Quilombo dos Palmares, sem esquecer as anônimas que lutam no cotidiano por uma vida mais digna.
Nós avançamos muito nessa caminhada, e vamos avançar muito mais no governo da companheira Dilma. Eu tenho a convicção de que ela está no caminho certo, a despeito de todas as dificuldades que enfrenta e das tentativas de alguns em desqualificá-la.
A eleição da primeira presidenta em nosso país mostrou ao mundo – e a nós mesmos – a contribuição decisiva das mulheres para a construção democrática da sociedade. É para saudar a força dessas mulheres e render-lhes homenagem que estamos aqui hoje.
Eu quero agradecer às mulheres negras do Brasil, da América Latina e do Caribe pelo papel que desempenham na construção de um novo mundo, melhor, mais justo, sem preconceito e sem discriminação. É com este projeto que eu sigo comprometido. Muito obrigado.
Muitos dos rostos que protagonizaram e que seguem protagonizando as lutas por melhores condições de vida são de mulheres negras que encontraram o caminho de sua afirmação no campo da cultura, religião e artes. Muitos dos rostos que protagonizaram e que seguem protagonizando as lutas por melhores condições de vida são de mulheres negras que encontraram o caminho de sua afirmação no campo da cultura, da religião e das artes.
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L iteratura N egra – N ossas L etras Sra. Poliana Martins (Mediadora): Boa tarde meninas e meninos. Hoje é um dia bem especial por que essa tarde vamos falar sobre o que move muitas pessoas no mundo, que é a escrita, toda vez quando vou falar de escrita me lembro muito bem de um texto da Bárbara Christian que diz que escrevendo ela tem a certeza de que tudo que ela faz e que ela pensa não é um monte de besteira, é a maneira de ela existir nesse mundo. Hoje vamos contar com a presença de quatro poetisas de gerações diferentes que vão falar sobre os seus processos, as suas estéticas e o pensamento dentro da literatura negra e como chegaram nesse percurso de poetisa e por que encontraram dentro desse contexto uma saída para se revelar. O meu nome é Poliana Martins, tenho vinte e sete anos, sou capricorniana, estudo português e me meto à besta de ficar escrevendo um monte de poeminhas imagéticos. Escrever é a conexão que eu tenho com o mundo e com as pessoas que estão perto de mim. Para sentar aqui com a gente eu queria convidar a Conceição Evaristo; Cristiane Sobral; Priscila Preta e Roberta Estrela D’Alva. A ideia é que cada VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
uma das poetisas possa conversar com vocês sobre a produção delas, vamos começar com a Conceição. Sra. Conceição Evaristo (Poetisa): Boa tarde meninas e meninos, com todo o direito eu posso chamar todo mundo mesmo de menina e de menino, a minha idade me permite, enquanto você anunciava que tem vinte e sete anos, eu orgulhosamente eu anuncio que tenho sessenta e seis. Eu fico muito feliz, quero agradecer à organização do Afrolatinidades, e dizer que é muito simbólico eu estar com as meninas por que nós viemos de uma geração em que em muitas vezes por todas as lutas em dado momento, momentos às vezes de desespero, a gente pensa que escrever não vale a pena, então quando eu vejo pessoas bem jovens que têm idade, inclusive, para serem minhas netas, nesse mesmo percurso, isso nos dá uma alegria muito grande. Na verdade eu tinha pensado outra coisa, um texto até escrito, isso é uma mania acadêmica, quer dizer, o que eu tenho mais na cabeça é essa questão do texto escrito, mas não quero mais esse texto escrito
e
V ozes .
não, estou vendo que vai ser alguma coisa bem íntima mesmo. A primeira coisa que eu gosto de afirmar em relação à literatura e que para mim também é uma afirmativa muito orgulhosa, por que quando eu tenho a oportunidade de estar com outras escritoras de outros status social, sempre há uma afirmativa muito grande da parte dessas escritoras que na idade tal ganharam a biblioteca, ou que nasceram cercadas de livros, e coisa e tal, e eu tenho uma necessidade muito grande de estar afirmando, eu não nasci cercada de livros, eu nasci cercada de palavras, então o primeiro contato com a literatura é um contato que se dá através de palavras, numa ambiência onde a maioria das pessoas era semialfabetizadas, mas o meu gosto pela literatura vem justamente daí, a partir das histórias, e que principalmente as mulheres de minha família contavam, minha mãe, minha tia, vizinhos, tios mais velhos, sempre pessoas mais velhas. Esse contato que eu tive desde a infância com essa palavra oralizada, que é a marca da cultura afro brasileira que na verdade que vai me 133
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sedimentar essa possibilidade depois da literatura. Outro dado que eu gosto de afirmar e eu afirmo, não é inocente essa afirmação minha, essa afirmação é para mostrar a capacidade que nós temos de virar o jogo, apesar de tudo, então eu gosto de dizer também a literatura me persegue, e ela me persegue a partir do fato das mulheres, várias mulheres de minha família trabalharam para grandes escritores em Belo Horizonte, trabalharam para a família de Otto Lara Resende, trabalharam para a família de Alaíde Lisboa de Oliveira, para a família de Luzia Brandão, então eu gosto de dizer isso também ironicamente, essas mulheres que me antecederam trabalharam em casas de grandes escritores, então eu acho que isso demonstra a nossa capacidade de virar o jogo, provavelmente, essas famílias esperavam que aquela menina continuaria nessa posição de subalternidade, eu acho que nesse sentido também para mim esse carmim pela literatura é muito simbólico. A literatura, sem sombra de dúvida, ela também foi a válvula de escape que eu encontrei. Desde de menina eu escrevo, não sabia bem o que ia acontecer, não sabia bem para o que escrevia, mas a literatura era aquele momento também de eu tentar resolver, de eu tentar encontrar as dúvidas que eu tinha na minha fase de criança, na minha fase de adolescência, quando eu saio da favela onde eu nasci, me criei e vivi até um certo período da minha juventude e vou para uma escola pública de Belo Horizonte, isso ainda no primário, que VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
era uma escola que era a nata belo-horizontina que frequentava essa escola, então a questão racial e a questão social se apresentou para mim de uma forma muito contundente. Então foi através da escrita, através da reflexão, através das perguntas que eu consegui suportar realmente o mundo. Hoje a literatura me coloca numa outra relação com o mundo. Eu saio de Belo Horizonte em 1973, porque lá não tinha um concurso, eu tinha terminado o normal, mas não tinha concurso para professores, então eu não queria continuar trabalhando como doméstica, fui para o Rio de Janeiro e fiz concurso para magistério. Hoje, quarenta anos depois, eu volto a Belo Horizonte como professora convidada de literatura brasileira na UFMG. Aí eu volto a dizer nessa capacidade que nós temos de virar o jogo, apesar de, sem sombra de dúvida, a literatura está aí esse tempo todo me dando esse suporte. Quando você diz que a literatura é a maneira de você acessar o mundo, para mim também, vou dizer, a literatura é a maneira de eu acessar o mundo, até por que eu sou uma pessoa tímida, eu só não sou tímida para dar uma aula, para fazer uma palestra eu não tenho timidez não, mas nas relações cotidianas eu sou uma pessoa tímida e a literatura realmente é essa maneira de acessar o mundo.
Como escritora eu acho que tem e dessa capacidade de mudança do jogo, acho que sempre que a gente falar ainda é pouco, nós nunca podemos esquecer de Carolina Maria de Jesus, que para mim, como mulher que mudou o jogo, que impôs a presença dela como escritora, contra tudo e contra todos, foi Carolina Maria de Jesus, a partir de um status que ela dá a si própria porque a primeira pessoa se reconhecer como escritora foi Carolina, porque se dependesse do entorno, o primeiro trabalho dela que foi publicado, que foi Quarto de Despejo, pelas críticas que ao mesmo tempo que foi um boom tremendo, ela sofreu várias interdições, mas a Carolina nunca desistiu, ela se afirmava veementemente, ela se considerava como escritora, ela teve audácia porque naquele momento que Carolina Maria de Jesus estava escrevendo, ela estava escrevendo no mesmo momento que Jorge Amado estava escrevendo, ela estava escrevendo no mesmo momento que Clarice Lispector estava escrevendo e que já eram escritores e escritoras que já tinham o seu papel sedimentado como escritor, e Carolina não. Então acho que o maior exemplo para a gente de afirmativa de que uma mulher negra pode e tem esse direito de escrita, é Carolina Maria de Jesus, e a gente se prepara porque ano que vem, se Carolina estivesse viva, estaria completando cem anos, então ano que vem a gente está comemorando o centenário, não a primeira escritora, porque antes também já teve, por exemplo, Maria Firmina dos Reis, que escreveu Úrsula, Auta de Sousa, mas eu acho que como afirmativa, brigar contra uma 135
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concepção de literatura, que inclusive existe até hoje, porque nós sabemos muito bem da dificuldade dos textos de autoria negra passarem pelo crivo acadêmico de merecerem pesquisa, de merecerem crítica literária, nós sabemos muito bem também da dificuldade disso, mas eu acho que a Carolina foi a mulher que nos deu, dentro do que ela foi possível fazer, mas foi a Maria Carolina de Jesus que realmente nos deu essa possibilidade, nos mais diversos lugares pelo Brasil, de hoje nos afirmarmos como escritoras, é ela que realmente imprime na literatura brasileira essa autoria de mulher negra.
Sra. Poliana Martins (Mediadora): Antes de iniciar a mesa eu estava falando para a Cris que recentemente escreveu um trabalho sobre um poema dela, da Conceição e da Tatiana Nascimento aí eu falei para ela, eu também escrevo, mas um dia eu estava pensando e lendo umas coisas de uma poetisa norteamericana estadunidense. Tem um texto dela que fala para a gente, se você não se definir, lá fora vão fazer de uma maneira muito ruim, então eu acho que a afirmação começa partindo da gente, precisamos acreditar que somos essa pessoa, e eu acho que a Carolina, diferente do que eu li por aí, ela não estava simplesmente escrevendo um diário de memórias não, o que ela estava fazendo era literatura e o trabalho dela não tem merecido uma revisão ortográfica, uma revisão de texto que valorizasse mais a escrita dela, é só mais uma marca de como é tratada a poesia da gente. Um dos grandes teóricos da literatura, Baudelaire, vai dizer que emoção, vivência é apenas material poético para a literatura, não é poesia em si, eu acho que sem esse material poético não tem possibilidade da gente fazer literatura, e a Conceição estava aqui dizendo que ela não dança, mas eu acho que dançar por dentro é outra coisa. Eu vou ler um poema aqui de um livro dela que se chama Poemas de Recordação e Outros Movimentos. De Conceição Evaristo. “A noite não adormece nos olhos das mulheres”, em memória
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de Beatriz Nascimento. “A noite não adormece nos olhos das mulheres, a lua fêmea, semelhante nossa, em vigília atenta vigia e nossa memória. A noite não adormece nos olhos das mulheres, há mais olhos que sono onde lágrimas suspensas virgulam o lapso das nossas molhadas lembranças. A noite não adormece nos olhos das mulheres, vaginas abertas retêm e expulsam a vida donde Ainás, Nzingas, Ngambeles e outras meninas luas afastam delas e de nós os nossos cálices de lágrimas. A noite não adormecerá jamais nos olhos das fêmeas, pois do nosso sangue-mulher, do nosso líquido lembradiço em cada gota que jorra um fio invisível e tônico pacientemente cose a rede de nossa milenar resistência.” Conceição Evaristo. Para continuar falando de resistência vou falar com a Cris. Sra. Cristiane Sobral (atriz, escritora e arte-educadora): Muito obrigada. Boa tarde a todos e todas. Eu queria em primeiro lugar saudar a Conceição Evaristo, é muita emoção porque no domingo eu estive apresentando o espetáculo lá na Funarte com textos da Conceição Evaristo, com textos meus, e foi um momento muito especial e também saudar todas as minhas companheiras de mesa, aqui do nosso Quilombo das Letras, sabemos que nossa luta é todo dia, toda hora. Eu quero também dizer que escrever para mim é um movimento muito fértil, e aí nesse sentido eu digo
para vocês que depois que eu me tornei mãe as coisas mudaram porque as águas que já circulavam em grande expressão passaram a circular como furacões e ondas maiores e menores, quem é mãe sabe. Agora, também tem um aspecto particular, porque eu passei por uma experiência de infertilidade não diagnosticada pelos médicos durante alguns anos e passei por muitos, muitos médicos que não conseguiram descobrir o que eu tinha, e eles decretaram mesmo, você não vai ser mãe, você não vai poder ter filhos, nessa vida você não vai ter filhos e eu, como sou uma pessoa muito determinada decidi que não seriam os médicos que iriam dizer o que eu iria e o que eu não iria fazer na minha vida, e que o quilombo lá de casa podia ser construído de qualquer maneira, e realmente nós temos no nosso país 137
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muitas crianças lindas que esperam por nós, eu sou uma dessas crianças porque eu fui adotada quando recém nascida, então acreditei que podia fazer esse movimento novamente então tudo o que eu vou falar hoje aqui quero dedicar para as... sem palavras, para quem escreve é difícil dizer, Malik Jorge e Aiana, as duas riquezas da minha vida. Então acredito que quando eu comecei a escrever e comecei a escrever literatura negra eu fui me enegrecendo cada vez mais, então eu acredito na literatura como um
instrumento de empoderamento e um instrumento de escurecimento, eu costumo dizer até escurecimentos necessários para a gente fazer. Quero falar também desse meu livro, Não Vou Mais Lavar os Pratos, de uma outra história, bem rapidinho, de quando eu fui fazer um lançamento em São Paulo fui procurado por uma moça que disse que queria que eu dedicasse o livro para ela porque ela era empregada doméstica, trabalhava numa casa em São Paulo, e um dia fazendo a limpeza das estantes caiu o livro Não Vou Mais Lavar os Pratos, ela abriu, leu o primeiro poema do
livro, e então chegou para o patrão e disse que não queria mais trabalhar, que queria demissão e que queria fazer alguma coisa diferente por que ela realmente estava insatisfeita com a condição de vida que ela tinha naquele momento. O patrão disse, o que você, uma mulher negra, feia e pobre, cheia de filhos vai fazer a não ser limpar a minha casa? Aí ela disse que não queria nada, só queria levar o livro, e sai pelas avenidas de São Paulo, desempregada com o livro debaixo do braço dizendo, essa Cristiane Sobral é uma mulher muito louca. Ela entra numa igreja e resolve se confessar, e o padre diz, olha, eu vou te ajudar de duas maneiras, eu vou te dar uma cesta básica por mês e vou te indicar um pré-vestibular para negros, se você estiver interessada, ela respondeu que era a coisa que ela mais queria naquele momento, e aí ela interrompe a história para me entregar o cartão de visita onde está escrito o nome, Ordem dos Advogados do Brasil. É uma história muito bonita que fala do meu ponto de vista enquanto escritora, porque eu acredito que a literatura é um instrumento político, não é artesanato, não é decoração, uma coisa que a gente faz para enfeitar, não é um exer-
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cício de mulheres, como em muitas décadas também se acostumou a algo sem fim, apenas para ficar em cima de uma mesa de estar, como objeto de decoração, eu acredito na escrita como um instrumento de libertação, e eu digo que escrevo como quem monta um quebra-cabeça de imaginação e sensibilidade, escrever é o meu grito de liberdade. Eu falo do quebra-cabeça porque alguns dizem que a literatura negra é um terreno inaudito, que ninguém sabe como vai ficar, eu já vejo o contrário, eu vejo nesse universo da diáspora milhões de histórias, milhões de acontecimentos, memórias dos nossos antepassados que estão aí por escrever e também por reescrever, porque muitas vezes as nossas histórias são escritas, mas não são escritas com o nosso ponto de vista. Eu queria citar também os dez anos da Lei 10.639, agora 11.645/08, que é um dos fenômenos também que acho que justifica esse nosso papo aqui, como um país com tanta história, tanta memória, com mais de 92 milhões de afrodescendentes pode ainda não incluir voluntariamente as nossas questões nas salas de aula, então isso é um ponto que eu gostaria também de afirmar aqui. Eu não vou falar de
mim, eu sou atriz, sou escritora, estou na segunda edição do Não Vou Mais Lavar os Pratos, tenho um volume de contos também, Espelhos Miradouros, escrevo nos cadernos negros já em mais de 12, acho que 15 edições que eu escrevo desde 2000, os Cadernos Negros foi assim o primeiro espaço que encontrei para publicar e a partir daí encontrei grandes mestres como Conceição Evaristo, Cuti, Esmeralda Ribeiro, que vêm alimentando e orientando a minha escrita durante esse tempo, acho que nós temos que estar próximos das nossas referências enquanto escritores.
banco escolar a vida inteira para estudar, inclusive com os desenhos horríveis que vemos nos livros escolares, não me representa.
Falando de literatura negra, não sei se vocês já pensaram um pouco sobre o que seria essa literatura negra, a que se propõe, acho que é interessante a gente levantar alguns pontos. Esse ponto de vista como sujeito e não objeto da história é o primeiro ponto que eu acho importante destacar, e buscar também outras formas de representação para a história única, essa história que a gente senta no 139
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A gente quer representar a realidade e também, ao contrário do que dizem os autores de novela, porque a melhor novela não está na tela atual, a gente quer representar também para a realidade, isso significa que a gente pode contar as nossas histórias, até mesmo alguns fenômenos e acontecimentos que ainda não ocorreram, por que não uma escrita futurista, pensando em como seriam os nossos cenários daqui a 100, 150 anos, incluindo a nossa população, e como isso incluindo outros cenários, isso me motiva pra caramba, exaltação da africanidade, eu me coloco como escritora, me reconhecendo como negra, porque tem muitos escritores, autores negros que não se reconhecem e não representam essa africanidade na sua escrita. Não sei se vocês também vão lembrar de alguns, o autor, na minha concepção, é um porta-voz da coletividade, a gente escreve, e querendo ou não, essa nossa antena da raça fica ligada aí dentro do nosso cotidiano. Nesses textos eu vou mostrar alguns textos rapidinho para a gente reconhecer isso, expressões como banzo, o zumbi, entre outras, e uma coisa que eu que eu gosto muito de fazer é inverter o sentido negativo que algumas palavras têm, tem um poema que se chama Pixaim, então fala, “Naquele dia o meu pixaim elétrico gritava alto, provocava sem alisar ninguém, meu cabelo estava cheio de si”, então eu ouvi a vida inteira essa palavra pixaim sendo utilizada dentro de um contexto negativo, acho que dentro desse tecido literário é interessante provocar essa inversão também. Público leitor vai se identificar, vocês não imaginam a quantidade de gente que nos escreve, que manda histórias, que manda depoimentos, porque se vê, de uma maneira ou de outra, começa a ler, alguns meninos dizem, não gostava de ler porque muitos livros que li nunca falavam, nunca contavam nada que me
representasse, de repente descobri um livro onde eu podia, como os meninos de escola dizem, dos super heróis negros que não estão no nosso imaginário, então acho que isso também aparece na nossa literatura. E aí vamos chegar no Cuti, gente, eu queria compartilhar com vocês esse pensamento do Cuti que vai dizer que “no Brasil a literatura feita por brancos quase sempre arrasa com a autoestima negra, seja invisibilizando-a, seja tratando-a com descaso e desumanidade”, então esse é o estado das coisas que a gente tem. Alguns livros trazem assim, três mulheres, Maria, Augusta e uma negra, essa negra não tem nome, não tem família, não tem história, não tem memória, nesse pequeno texto vai desafiar um pouquinho isso aí, eu coloquei a referência, depois se alguém quiser, eu posso passar, é uma entrevista muito interessante do Cuti. Minha primeira publicação individual, eu fiz essa imagem por que quando a gente fala de literatura negra a gente pensa, o que é isso, existem autores de literatura negra? Só para mostrar um pouquinho para vocês algumas das minhas publicações, inclusive antologias que incluem muitos outros escritores e escritoras negros também que mostra a nossa existência aí dentro do cenário literário, ao contrário do que o mercado editorial defende. São algumas dessas publicações que vocês têm acesso aí, estão disponíveis e que contam com textos muito interessantes. Essa aí é recomendadíssima, são quatro volumes que tiveram uma longa caminhada. Eu separei
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dois trechos, um da Esmeralda Ribeiro que utiliza essa sensação do pertencimento do povo negro, principalmente referenciando e reverenciando os nossos ancestrais aí eu separei para vocês esse texto onde ela diz, “Ressurgir das cinzas”, Sou forte, sou guerreira, tenho nas veias sangue de ancestrais, levo a vida num ritmo de poema-canção, mesmo que haja versos assimétricos, mesmo que rabisquem às vezes a poesia do meu ser, mesmo assim tenho este mantra no meu coração: “nunca me verás caindo no chão”. Sou guerreira como Luíza Mahin, sou inteligente como Lélia Gonzáles, sou entusiasta como Carolina Maria de Jesus, sou contemporânea como Firmina dos Reis, sou herança de tantas outras ancestrais, e com isso despertem ciúmes daqui e de lá, mesmo com seus falsos poderes tentem me aniquilar, mesmo que aos pés de Ogum coloquem espadas de injustiças, mesmo assim tenho este mantra em meu coração: “Nunca me verás caída ao chão”. E o ferro, gente, o Ferro não é brincadeira, não é, gente? O ferro do Cuti diz assim: “Primeiro o ferro marca a violência nas costas, depois o ferro alisa a vergonha nos cabelos. Na verdade o que se precisa é jogar o ferro fora, é quebrar todos os elos dessa corrente de desesperos”. E aí eu vou suavizar um pouquinho com Lentes de Contato que diz, “Será que você pode olhar no fundo dos meus olhos, será que você pode acreditar na sua visão? Esquece que o seu pai disse, vê se muda essa situação, sou negra, estou aqui diante dos seus olhos, esperando você despir o seu preconceito, para gente encontrar um jeito de ser feliz. O meu cabelo, natural, isento de culpa, vai bem, obrigado. Que bom você ter sido cutucado pela consciência, que bom você ter sido espetado pela consistência. Será se dá para você tirar essa lente distorcida que tanto atrapalha o nosso contato?” Aí eu coloco, em ritmo de maratona, várias sugestões de sites, de espaço onde vocês podem conhecer mais, porque eu tenho falado muito, e eu agora digo, tem que trazer outras referências, porque as pessoas perguntam onde é que eu posso encontrar mais informações e tudo, então eu estou deixando aí várias referências para vocês, podem ter acesso depois no final. Vou falar das ilusões do capital não porque seria uma outra discussão, mas ali, por melhor que seja um livro com temática negra, isso é uma questão que eu sinto na pele, ninguém garante que haverá um público enorme para ele, pois o grau de impregnação de uma realidade negra que o escritor quer propor não existe na sociedade brasileira, isso é Osvaldo de Camargo quem diz, e é uma discussão muito atual quando a gente fala de um tecido literário negro, e o leitor negro e toda a discussão sobre essa identidade negra que a gente está tanto a levantar, mas aí o Cuti vai dizer, se o racismo as avessas é um risco nós vamos correr esse risco, 141
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para realizar a nossa humanidade, não há o que temer no momento em que nós estamos seguros, cientes de que a nossa causa não é racista, nossa convicção não é racista. Não temos medo de correr esse risco, a gente tem que aparecer mesmo, tem que colocar a cara preta. Temos que escrever com escurecimentos necessários sobre a realidade para a realidade, eu digo, a escrita expressa um novo modo de conceber o mundo, e aí a questão, eu como fui a primeira negra formada lá no Departamento de Artes Cênicas da UnB e depois também a primeira professora negra nesse departamento, ouvi no momento de implantação do sistema de cotas questões como, mas eu não sou a favor das cotas, porque quem é que vai continuar trabalhando de empregada doméstica na minha casa. Isso é muito grave, e isso denuncia essa questão de perspectiva, é a partir do momento que começamos a escrever as nossas histórias também começamos a desenhar novos passos de existência, começamos a dizer que nós que vamos escolher o texto da nossa peça de teatro que é a nossa vida, que não é o opressor que vai dizer qual é o espaço que temos que ocupar nessa sociedade, e isso começa a incomodar o sistema aí a gente volta lá na minha primeira reflexão, que fala das ilusões do capital, então aí tenho conseguido melanina a mais, escrevendo, quanto mais eu escrevo mais eu vou me enegrecendo como eu comecei falando para vocês. Pixaim Elétrico, vou fazer em sua homenagem para acabar. “Naquele dia o meu pixaim elétrico gritava alto, provocava sem alisar ninguém, meu cabelo estava cheio de si. Naquele dia preparei a carapinha para enfrentar a monotonia da paisagem da estrada e segui de cara pro vento, bem desaforada sem esconder volumes nem negar raízes. Pura filosofia, meu cabelo escuro,
crespo, alto e grave, quase um caso de polícia em meio à pasmaceira da cidade, incomodou identidades e pariu novas cabeças. Abaixo a demagogia, soltei as amarras e recusei qualquer relaxante, assumi as minhas raízes, ainda que brincasse com alguns matizes, confrontando o meu pixaim elétrico com as cores pálidas do dia. Pixaim elétrico”. Eu acabo com isso dizendo que cabelo é coisa muito poderosa, que querem mexer na nossa cabeça porque sabem o estrago que isso faz na nossa personalidade, então quem está incomodado com o pixaim dá uma ligadinha no 220 que vai ver ele potencializar e vai ver o mundo começar a girar a seu favor. Cabeça feita galera, valeu, muito obrigada, estamos aí.
aqui com o livro da Priscila, que se não me engano, tem um lançamento aqui no Latinidades, ela vai falar um pouquinho para gente, é um livro dela com Alan da Rosa, um outro poeta de São Paulo. Sra. Priscila Preta (Capulanas Companhia de Arte Negra): Boa tarde. Queria agradecer muito o convite à Jaque que fez esse contato, é muito bom estar aqui, muito bom ter várias referências, acho que a gente se alimen-
ta uma das outras, então é bom estar pareada. Eu sou atriz também, minha primeira formação é em teatro e sou dançarina, e escrevo. É engraçado, quando a Conceição falou sobre a dança, porque a gente fez um espetáculo em São Paulo com a companhia do Irineu, Alumeia, e tinha uma poesia sua que eu falava, a poesia era vamos dizer a música para o solo do outro bailarino, então quando você falou da dança me veio esse momento, infelizmente eu não lembro mais a poesia de cor porque já faz alguns anos, mas a sua poesia já foi dançada. Foi significante.
Poliana Martins (Mediadora): Obrigada Cris. Bom. Injeção de ânimo, acho que agora todo mundo vai chegar em casa e vai escrever. Eu ia ler um poema seu, mas acho que você já leu bastante, deu para a galera sentir um pouquinho da sua poesia, a Cristiane Sobral é isso, resistência em palavras, gente. Estou
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Pensando em literatura negra e nesse tema de vozes, de romper o silêncio, eu acho que a gente pode, essa escritura que a gente faz, ela parte de vários lugares, ela parte do corpo, ela parte da letra, ela parte da voz, ela parte da nossa identidade, ela parte do que a gente veste, ela parte de como a gente sai na rua, então acho que quando isso faz a gente um pouco escrever nesse mundo que vivemos, e eu faço parte de um coletivo, que se chama Capulanas Companhia de Arte Negra, somos eu mais três mulheres negras, nós iniciamos esse pensamento de fazer um grupo de teatro em que contássemos as nossas histórias e que estivéssemos representadas por conta de não se reconhecer em todas essas escritas que vemos por aí, então, hoje estamos em uma pesquisa sobre saúde da mulher negra, iniciamos essa pesquisa pensando no silêncio, pensando doença como silêncio, o que é esse silêncio, o que nos cala, o que faz a gente não ter voz, onde está a nossa voz e o que isso vai produzindo nódulos, doenças, coisas físicas mesmo, pressão alta, aí nos baseamos muito em um texto da
Audre Lorde, que chama O Silêncio que se transforma em linguagem e ação. Então quando você acessa essas vozes, essas letras, você acessa sua saúde, você se acessa. Todas essas coisas me movimentam a realizar essas escritas, seja no teatro, na dança, na literatura, então eu iniciei uma pesquisa e uma produção de poesias eróticas, esse livro A Calimba e a Flauta, é um livro de poesias eróticas meu com Alan da Rosa, é um livro CD, nós gravamos algumas poesias com a música do Giovane de Ganzá, que está ali sentadinho, essa literatura para mim é um aprofundamento dessas relações, porque como a gente é visto na relação afetiva, sempre com esse olhar do objeto sexual, da negra que é a mais gostosa na cama, do negro que tem o mito do super negão, que nunca vai falhar; então todas essas coisas, todos esses mitos vão rodeando a gente, vão aprisionando a gente nesse silêncio de não encontrar quem somos nesse encontro, não se encontrar para encontrar o outro, para mim essa poesia com esse cunho erótico tem essa cama, essa sombra, essa vida e esse sol de uma mulher falando sobre suas relações, o que significa isso para uma mulher negra, o que significa as pessoas enxergarem a minha poesia e não o meu corpo. Eu tenho uma poesia que escrevi em outra ocasião que fala disso, eu quero ser mais que tetas e bundas, eu quero ser mais que isso, eu sou mais que isso. Romper esse silêncio de anos históricos de sempre ser objeto, sempre estar nesse lugar de submissão, de serviço ao outro, tem para mim esse viés político que passa pela estética, que passa pela voz artística, mas que é político, onde estamos
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nessas relações, o quanto o corpo da mulher negra não foi castrado por conta desse olhar carnívoro para nós. Para mim é um pouco segurar nesse lugar de poder e falar, não, agora quem vai falar disso sou eu, é assim que eu acho que é, é o meu olhar que está em jogo nessa relação. Hoje à noite vamos fazer o lançamento, um recital, a gente decidiu fazer o CD para que a poesia conseguisse atingir diversos lugares e tal, e essa coisa também do erótico, de você poder ouvir, de trazer um pouco não só a visão, mas audição e no recital a gente também usa cheiros para um pouco acessar esse corpo, se acessar e discutir esse erótico um pouco mais ampliado, um pouco mais além do pornográfico, enfim, também não estou dizendo que sou contra, mas o que é esse erótico, o que é essa literatura negra erótica, o que é esse encontro nosso, como que dizer de um carinho num cabelo crespo pode ser erótico, já que o nosso cabelo não é uma escrita bem vinda na sociedade que a gente vive. Eu não vou falar nenhuma poesia do recital porque aí vocês vêm à noite, então eu vou ler que eu não sei de cor. Chama-se Água na Boca. “Regado a vinho nosso jardim floresceu o desejo de sua raiz penetrar minha terra. Plantei nos seus olhos eu mesma em posse de você. Suas mãos trepadeiras cresceram nos muros do meu corpo e o orvalho dos meus poros folhas correm e escorrem. Correm na língua pêssego do nosso apego, me pega com gosto da mordida derretida de pera madura com deslizar da manga rosa entre os
dentes. Regado a vinho vi numa brisa com cheiro de bem-me-quer, o doce da tâmara, o gosto do toque do suco de melancia com limão. Regado a vinho fiz meu ninho no seu caule. Na sombra do seu olho lua cheia e do seu sorriso sol. Regado a vinho escorri pelos seus dedos feito uva pisada, fermentação. Regado a vinho plantei desejo morango, colhi encontro, fui semente do seu fruto, floresci mulher com gole de sua seiva. Adormeci no entre dos seus galhos. Regado a vinho nasci flor preta, alvorada. Regado a vinho fui amada. Bom, é isso, obrigada, espero que vocês venham à noite no recital. Sra. Poliana Martins (Mediadora): Obrigada, Priscila. Ouvindo você falar eu posso recorrer novamente a um texto da Audre Lorde que se chama Poder, usos do Erótico, exatamente nesse texto ela vai fazer uma analogia do erótico e da pornografia, vai falar como a gente pode trabalhar dentro dessa linguagem e deixar de lado a história de que pornografia é necessariamente feio e quando que a gente pode atribuir o uso do erótico dentro das relações entre mulheres e como essas mulheres são vistas dentro do erotismo e dentro da pornografia. Acho que é um texto que super dialoga com o trabalho de vocês. E agora para esquentar a gente vai falar de uma menina, Roberta Estrela D’Alva, que anda fazendo uma coisa que para mim é super nova, que é o islã, ela vai falar para a gente, acho que ela é tipo uma espécie de MC Poetisa. Sra. Roberta Estrela D’Alva: Muito obrigada pelo convite, é muito bom estar aqui, quase não deu, mas deu inclusive vou sair daqui, voar para trampar em São Paulo. Eu sou atriz e MC porque eu faço parte de uma companhia que mistura teatro com hip hop, então os atores são chamados atores MCs, além disso eu dirijo lá, também escrevo roteiro, 145
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escrevo dramaturgia, sou islãmer, que faz parte do islã, vou falar o que é o islã, na verdade é islã de poesia, não é islã do islamismo muçulmano, é islã de campeonato, às vezes as pessoas dizem, é islã? Não, é o islã de poesia. Além do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, que é essa companhia que mistura teatro com hip hop, eu faço parte da frente 3 de fevereiro, que é um grupo de 22 pessoas que trabalha a questão do racismo, da negritude dentro da sociedade brasileira e todos os afluentes. Para mim a literatura chega muito porque eu tenho formação de atriz através do teatro, de transformar a literatura ou a dramaturgia em voz, o poema em voz, então o que eu li muito durante a adolescência e quando eu estava me formando como artista, nunca me perdi ainda, a gente está sempre se formando, foi teatro e transformar isso em corpo, depois do Bartolomeu, por causa de um personagem que eu fiz, que era o Segismundo, é um texto do Caldeirão da la Barca que se chama La vida es un sueño, A Vida é um Sonho, era uma metáfora do povo brasileiro preso nessa prisão, da ignorância, só com a televisão. O Segismundo é um príncipe que fica numa torre, e era essa a metáfora. E aí eu estava pesquisando, estava dando aula no Jardim Ângela, que na época um dos bairros mais violentos de São Paulo, no Heliópolis, lidando com os moleques lá o dia inteiro, e a gente procurando uma linguagem, o Segismundo não deveria falar como os outros personagens, mas a gente não queria que fosse gíria, ficamos dialeto, dialeto, aí o Brown ginga e fala gíria; gíria não, dialeto; que dialeto é esse? E chegamos no Yorubá. E aí eu fui estudar com um professor de Yorubá para essas palavras entrarem como um dialeto que aquelas pessoas do palácio não entendiam, e aí foi uma experiência muito forte com a literatura oral, tem toda uma discussão sobre literatura no papel, literatura oral, que era sentar num quintal com o professor nigeriano, e eu na aula já querendo pegar, cantava, contava, e eu fui entendendo como se ensina na África dessa maneira circular que língua, religião, poesia, comida, o jeito que você cuida dos seus filhos, é tudo uma coisa só, aí foi o processo inverso, trazer da oralidade para virada da dramaturgia, para misturar com o português Yorubá e virar texto, virar uma terceira coisa, que é um conceito também que a gente trabalha muito, que é, da amostra que vem do DJ que vai pegando pedaços de coisas, pedaços de histórias, reconfigurando isso e criando um novo significado. E aí fiz esse papel, e aí a Frente 3 de Fevereiro estava se formando, a Frente 3 de Fevereiro foi formada por causa que a mãe do Eugênio Lima, que é um DJ, dona Marinete Lima, que também é uma senhora que está chegando nos seus setenta... mataram o dentista, o Flávio Ferreira de Sousa, em São Paulo, e ela com a notícia ligou para toda a família, saiu ligando, e falou assim, uma reunião aqui em casa hoje à noite, não é possível que nós não vaVI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
mos fazer nada; muita gente na época falou, “mas morre gente todo dia; por que a Frente 3 de Fevereiro por causa desse acontecimento se formou?” Porque para ela, e depois para a gente, era a prova, era a deixa que o racismo não era um problema de classe, como muitos diziam, era um problema racial, porque o Flávio era um cara casado com uma menina branca, com carro, dentista, pai policial, e ainda assim ele foi perseguido por policiais, ele parou, ele foi tirar o RG do bolso e foi baleado, confundido com bandidos então era a deixa para falar, não é social, vamos parar de tirar esse mito da democracia racial, é racial.
“Os Zumbis somos nós”; a ideia do “Zumbis somos nós” é, ok, tem o Zumbi, tem todos esses caras, mas hoje, o Brecht falava, “infeliz da terra que precisa de herois”; quem são os zumbis? A gente tem o Zumbi como..., mas só que cada um de posse do seu Zumbi interior, sabendo quem é, ou no mínimo procurando, olhando para trás para vislumbrar o futuro, traz essa força, e daí só aqui nessa sala são 100 Zumbis, é o Zumbizão lá e nós. Então nessa esteira a gente fez uma série de intervenções e o que eles queriam, na época, porque eles me
chamaram? É porque eles iam nessa possibilidade do ator MC, eles precisavam muito de alguém que não fosse um MC, mas também não era ator, era alguém que pegasse uma entrevista do Noel Carvalho, que é um cineasta, sociólogo, e transformasse aquela entrevista num texto teatral, e aí eles já tinham visto esse trampo e me chamaram. Aí eu vi o Noel Carvalho, eles me mostraram a entrevista e eu falei, putz grila, como é que eu vou transformar isso em teatro? E começou de novo do oral para o escrito, e daí eles me apresentaram um negócio, que é o ponto; e é uma linguagem. Quando eu vi aquele negócio eu chapei, o islã é uma competição de poesia falada que tem no
Então se forma, a gente começa a fazer uma série de intervenções, de pesquisas, durou três anos isso, que culminou com umas intervenções que a gente fazia nos estádios com bandeiras que abríamos na hora em que as câmeras da televisão estavam, “Brasil negro, salve-o”, ou “Onde estão os negros”, ou a última que a gente abriu que era 147
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mundo inteiro, hoje tem mais de 500 comunidades no mundo inteiro, então, onde você imaginar tem islã, Israel, Polo Norte, Gabão, Ilhas Maurício, países da África, Guiana Francesa, aqui no Brasil a gente faz, o primeiro já está pipocando, que é simplesmente um encontro onde tem três regras, poemas próprios, no máximo três minutos, sem acompanhamento musical, e tem jurado, a gente podia fazer um islã aqui agora, escolhe aqui na plateia que levantam notas de 0.0 a 10.0, ele é um esporte da poesia falada. Isso assim pode parecer, ué, mas competição de poesia, que negócio esquisito, mas isso tem fomentado no mundo, como é um esporte, tem fomentado a questão de atletas da poesia falada, gente que está se esmerando uma escrita e na arte da performance por causa dessa competição; é competição, desse concurso, desse es-
porte, eu gosto de falar esporte, porque esporte envolve atletas, e jogo também. Então a gente já viu acontecer de um tudo, eu estive na Copa do Mundo de Islã representando o Brasil em 2011 e é um universo paralelo por que vão 16 poetas campeões de vários países, cada um falando na sua língua, tem um cara de Moscou, um cara da Escócia, um cara do Gabão, um cara do México, e tudo aquilo lá junto, poesia o tempo inteiro, escrevendo, improvisando, do papel para a letra, da letra para o papel. E por que o islã e esse sarau, esses encontros, por exemplo, lá em São Paulo a gente tem a Cooperifa que é um sarau que chega a reunir 400 pessoas num bar, no meio da periferia, no meio de um bairro barulhento, de um bairro que muitas vezes é definido pelo o que não tem, a periferia é um lugar que é definido pelo o que não tem, não tem escola, não tem centro comunitário, e ela inverte, é um lugar definido pelo o que tem, então tem sarau, numa quarta-feira à noite, silêncio, todo mundo para, ouvir outra pessoa falar, isso é uma avanço, porque é uma Ágora, e extremamente político, não é só um encontro simplesmente de poesia, é um fórum de discussão, é uma Ágora onde os problemas, as questões, as vontades e os desejos são colocados, só que de maneira poética, esse é o avanço, é cultura. Você quer debater com alguém, você elabora um pensamento de uma maneira poética e coloca ali, faz o seu depoimento e coloca ali, e a gente avança no sentido racial, trazendo para a questão da negritude, da raça, por que, 400 anos de es-
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cravidão são 400 anos, é um processo cultural, por isso que é tão difícil de tirar, não dá para chegar, gente, acabou o racismo, decreto, está decretado, Brasília fez uma lei e põe uma lei porque ela está no que eu converso, ela está no jeito de educar o filho, ela está no jeito de cuidar de doença, ela está no que eu vejo, no que eu como, no que eu escuto, então como ela foi dada culturalmente, só culturalmente que essa situação vai mudar, e a poesia, a literatura tem um papel fundamental, porque como diz, o Barthes, a literatura subverte a linguagem para mais dizer, torce, entorta, trabalha com matéria, tortura, essa palavra é ruim, mas transforma, como é que trabalhar a palavra como um pedaço de barro, esculpindo, forjando, com volume, com temperatura, e traz chaves, a gente tem a poesia e a literatura, tem esse catalisador, tem essas chaves de portal, às vezes numa palavra, numa só frase do Brown, ele libertou o cara de um complexo de inferioridade que o cara vinha desde que ele tinha sete anos de idade por que ele viu aquele MC materializar em uma frase poética e que só a poesia dá conta de falar aquilo, ele pega uma chave e plá, e o complexo do cara, uau. Quantas vezes a gente já pegou um livro, você abre, lê e quando termina você sai, transformou, você viveu uma vida, você viveu quinze anos ali, quinze em 300 páginas, por causa desse poder da literatura, dessa combinação de palavras-sentimento e tudo o que está ali, de mais dizer, de transpor essa pequenez da nossa vida, da matéria, e daí tem uma questão espiritual mesmo, os momentos desses islãs, dessas competições de sarau, também da oralidade, da poesia em presença também, não é puxando a sardinha para o meu lado, esse rasgo, é um conceito que um autor que chama Hakim Bey, ninguém sabe quem é ele que é um rasgo no tempoespaço que se chama Zona Autônoma Temporária, é um livrinho assim que se chama Taz, uma época anda-
va no bolso de tudo quanto era cara ativista, Taz, é um livrinho assim, e ele fala que essa Taz é isso, essa festa, é esse churrasco, esse momento de celebração da utopia, você vive um mundo possível e ela se desfaz no tempo. Então esse momento que isso aqui, essa Taz aqui que a gente abre, estamos quase em outro lugar, e ela vai se desfazer e a gente leva o que tem daqui. Para terminar, eu acho que isso aqui, o que é a literatura, o que eu poderia falar desse assunto raça, racismo, a gente fazer, se eu estou com o microfone, então fazer, vá lá, não tem na faculdade, por exemplo, não tinha teatro hip hop, então nenhum crítico ia ver o Núcleo Bartolomeu, imagina, hip hop, aquela pecha, coisa de preto, quer dizer isso por trás, quer dizer isso, aí o cara não ia então beleza, eu vou lá na faculdade que ninguém vai escrever, eu escrevo, vou lá, faço dois anos, vou à aula e eu escrevo, o meu livro está lá na perspectiva para sair. Então a gente vai fazer, ninguém vai fazer pela gente, Michel, está bom, vamos lá, ganha a porra pro Michel, sobe lá de dread, uma plateia majoritariamente branca e dá o seu recado. Então, gente, vamos correr, está todo mundo correndo aqui, está todo mundo aqui já. Então, axé, é muito bom estar aqui porque se a gente está aqui agora todo mundo já está nessa pegada de vummm, fazer agora e já. Eu estou zoada porque ontem eu apavorei, não devia ter feito isso. Eu vou fazer uma aqui ao final do filme Zumbi Somos Nós, do 3 de Fevereiro, tem inteirinho na internet, se vocês quiserem procurar. Sra. Poliana Martins (Mediadora): Obrigada, Roberta, muito obrigada. Bom, acho que é isso, a gente não tem dúvida de que a linguagem modela o pensamento, eu costumo dizer mesmo que estamos cercados e rodeados por textos. Textos são imagens, exemplo disso, vamos falar de várias linguagens, 149
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vamos falar da música, do cinema, do texto escrito, de fotografia. Quando eu percebi que tudo inclusive era texto foi quando eu estive com uma professora super bacana, que está bem aqui, Edileusa Penha, fizemos um curso com ela que se chamava Cinema Negro, é sempre legal quando vamos falar literatura negra, cinema negro, teatro negro, e uma vez na qualificação da Deise, na defesa dela da monografia, a gente estava lá e conversamos sobre, mas o que é de fato que vai resolver o que é uma produção negra, qual é a estética que vai resolver, eu acho
que com os depoimentos e com as histórias que cada uma dessas poetisas trouxeram aqui, acho que a gente consegue agora conversar e perguntar dentro desse universo de literatura negra o que é mais importante para gente, o que mexe com o coração da gente, e nesse momento o microfone fica aberto para quem quiser fazer perguntas para a Priscila Preta, Conceição Evaristo, Roberta e Cristiane. Sra. Daniela: Boa tarde. Seguindo essa energia, ficou todo mundo aqui arrepiado com a sua apresentação, eu queria saber, não uma pergunta, mas sim um desabafo, que eu como uma professora da escola pública de língua portuguesa, essa dificuldade que a gente tem de encontrar material, existe uma lei e a gente vai atrás para divulgar isso na sala de aula, a gente tem essa dificuldade meramente, falar assim, que realmente o preconceito é muito, muito, muito grande, então você quando começa a falar na sala de aula sobre... você vai falar mitologia grega.... legal, é cult, nossa que bacana, mitologia grega, mas se vai falar de Oxalá, se vai
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falar de murió, é assim uma carga..., a gente sofre isso diariamente, e também que é uma questão religiosa, que é uma coisa muito grave. Eu faço sempre tambor de crioula nas escolas, e a primeira coisa que os meus alunos fazem, mas isso é coisa do demônio. Gente, assim, é cansativo, é uma coisa absurda a ignorância, a que ponto ela pode chegar. Em determinada escola a gente ia fazer concurso da miss negra, na época, e a coordenadora falou, não pode por que vai causar muito alvoroço por parte da escola. Então é mais um desabafo, parabéns por essa iniciativa, acho que estamos no lugar certo mesmo, e como você falou, tem que fazer, esperar acontecer não, a gente fazer diariamente. Obrigada por essa oportunidade de estarmos aqui. Luciana: Minha pergunta e acho que uma informação, é para a Roberta, mais direcionada à fala da Roberta. Eu queria saber se eles têm alguma inspiração no repente, na literatura de Cordel, quando ela estava falando eu me lembrei, eu sou piauiense, eu estudei lá, e me lembro que a gente fez uma reportagem, sou jornalista, na verdade um mini documentário sobre o repente, o Cordel, exatamente por aquilo que ela falou, que
a professora também falou, é um tanto discriminado, na academia também nem se fala muito, e por conta também de ser uma cultura mais rural, mais voltada para a questão rural, é muito antiga, pessoas mais idosas, e a gente foi atrás disso, e uma das coisas que marca bastante o repente é a questão do improviso, e eles têm um festival que acontece lá em Teresina há muitos anos, tipo assim, 30 anos, 40 anos, que é tipo batalha mesmo, batalha de repente, eles dão um tema, vão inventando, criando, criando ali com os violeiros, é uma semana de festival, vem gente do país inteiro sobretudo do Nordeste, e é bem essa raiz do que você está falando, do Islã, claro, que pelo o que você falou, o Islã tem uma pegada mais urbana, mais jovem, o repente, ao contrário, é mais rural, mais regionalizado no Nordeste, e tem mais pessoas idosas fazendo, mas é uma pegada que achei bem parecida, queria saber se tem alguma inspiração na literatura de cordel, no repente.
Participante não identificada: Vou falar muito do meu lugar, acho que a gente sempre fala do lugar que nos afeta, vamos dizer, a questão do afeto, resgatando um pouco de Renilda Brito, do que afeta a gente. Compartilhando com algumas parceiras, tenho muita dificuldade de escrever, e acho que essas dificuldades vem desde a tenra idade mesmo e de alguns espaços que a gente ocupa, parece que a própria universidade, ela te trava e te enquadra, te engessa, e especialmente falando de um lugar de mulheres negras, isso às vezes é bem traumático para algumas. Esse momento é um momento muito familiar por que eu me vejo no poema de Cristiane, que ela fala de pixaim,
Sra. Roberta Estrela d’Alva: O Islã na verdade começou em 86 nos Estados Unidos, então não tem diretamente ligado com o repente, mas claro que o uso de MC, de tudo que é oralidade, tem a ver com isso, na verdade competição de poesia, na Grécia, tem na África, tem no Brasil tem os repentistas, em vários momentos da cultura do mundo isso se manifesta, eu acho que a raiz é essa necessidade de colocar essa voz porque voz é voz, mas é vós com outro, vós, você, a relação, o encontro com o outro, mas tem o rapadura, bem nessa linguagem, eu estava fazendo um curso lá com o Gaspar, do África/Brasil no Santo Eduardo lá, ele dá um curso que é Rap e Repente, o canto falado, tudo tem a mesma raiz que é essa coisa do homem daqui, se encontra aqui e sai, vem de cima, o que vem daqui, se encontra no meio e vós, você, e voz também; vós e voz; voz que vem de vós e vai para voz. 151
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e me trazem outras afetividades, outros lugares, outros afetos, outros personagens. Fico muito feliz de encontrar a Roberta e descobrir que é você que toca no meu celular, tipo, Frente 3 de Fevereiro, quem policia a polícia, pare e olhe para a base e essas conexões, Conceição, enfim, Preta, acho que esse espaço, muito mais do que respostas, a gente está buscando, estabelecendo pontos e trocas. Tem a dança que a gente consegue se comunicar, tem a música que afeta a gente, toca a gente cotidianamente, como estreia. Para reinventar a escrita, mesmo para resgatar aquela escrita, que eu sei que às vezes tem alguns momentos que a escrita flui, ela brota, mas são momentos bem pontuais.
Eu queria saber de vocês o lugar da poesia de vocês, como fazer para que essas fontes sejam mais recorrentes, mais rotineiras, para que as letras estejam mais presentes nas nossas vidas mesmo, como que pode ser esse exercício, qual foi o exercício de vocês, enfim, para escrever, cada uma no seu lugar. Sra. Conceição Evaristo: Parece que a primeira dificuldade que a gente tem com a escrita, primeiro é o lugar que é dado à escrita, por exemplo, ou mesmo o lugar que é dado à língua, normalmente a gente não tem muita dificuldade de dizer que a gente não sabe matemática, mas falar que a gente não sabe português, ou que a gente não escreve, isso causa um certo
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constrangimento, então eu acho que também é muito isso, acho que a escrita foi colocada num status tal que nós comuns, mortais, achamos que não damos conta. No caso da literatura, eu acho mais grave ainda porque a literatura passou a ser de pertença de determinados grupos, e se a gente olha então, nós negros, você pensa então na questão das mulheres, por exemplo, quando a gente pensa na literatura brasileira, primeiramente vem nomes de autores, homens brancos, depois vem nome de mulheres brancas e depois então começa a surgir nomes de escritores e de escritoras negros então a literatura acabou também sendo de pertença de determinados grupos sociais, eu acho que isso tudo também dá uma inibição em nós. Outra questão que eu acho muito séria também, eu acho que nós somos muito severos, por exemplo, agora foi uma
surpresa muito grande esse concurso que a secretaria, que a SPM fez do Mulheres Negras contam a sua História, que teve uma inscrição muito grande, foram várias mulheres, foram quatrocentos e tantos trabalhos, e que foi uma surpresa muito grande porque a gente não esperava receber tanto material assim também. Então acho que somos muito rígidas com os nossos textos e que isso parte de uma descrença justamente disso, nós sabemos tudo, sabemos cozinhar, sabemos lavar, sabemos cuidar bem de uma casa, mas a escrita não, a escrita é um negócio meio misterioso, nós mesmas achamos que não damos conta. Agora, escrever também é um exercício, acho que a gente tem que estar escrevendo, como a dança também é um exercício, você treina, quem dança não resolve dançar de uma hora para outra, é um exercício, acho que a escrita também, é esse exercício que temos que fazer sempre, mas acho que antes de tudo é a gente ter certeza desse direito que nós temos, do direito da escrita, porque eu acho que quando você tem certeza desse direito que você tem, desse bem cultural que te pertence também, eu acho que você se lança com mais coragem, quando você se apossa disso, acho que mais do que nunca nós temos que apossar desse
exercício da escrita porque senão vão continuar escrevendo sobre nós, vão continuar fazendo as nossas histórias. Sra. Priscila Preta (Capulanas Companhia de Arte Negra): Então Daniela, acho que isso é uma crítica que a gente tem o tempo inteiro, depois de escrever esse livro lá em São Paulo, a gente lançou em dezembro do ano passado e eu fiquei um tempão sem escrever, dei uma travada assim, não sei, só que tem uma coisa que eu penso sempre sobre a escrita por isso eu voltei a exercitar por que como atriz eu faço treino três vezes por semana das 3 às 9, então como escritora também tem que acontecer isso, então tem um caderninho que vou escrevendo, escrevendo, escrevendo, só que tem uma coisa para mim que é importante, da escrita, o que é a nossa escrita, acho que o tempo inteiro a gente, como diversas coisas, a gente vê uma escrita em que a gente não cabe, que não foi feita para nós, e não vamos caber, porque aquela escrita lá é quadrada e o nosso princípio é circular, só a partir disso já não orna, já não casa, já não conversa, já não dialoga, então quando a gente entende esse lugar da escrita que é nosso, que pode até dialogar com essa escrita que está posta aí, acho que a gente já amplia aí parte
disso, desse trabalho que a Roberta estava falando, da oralidade, porque, eu, por exemplo, se fosse registrar tudo que minha vó escrevia com a voz dela, sendo benzedeira e tal, eu teria um livro lindo, mas a minha vó também era semi-alfabetizada e ela não pôde colocar em papel, então como é esse olhar, como que a gente consegue acessar essas nossas escritas e a gente que conseguiu criar outras trajetórias e circular em outros mundos, como podemos beber dali de onde viemos, circular lá e recriar, e fazer a arte, porque a arte é isso, transformar a realidade. Tem um professor da educação da USP de São Paulo que se chama Marcos Ferreira, ele tem um site, indico para todo mundo, ele é lindo, chama-se marculus.net, tem vários trabalhos dele, ele pesquisa mitologia comparada, e ele fala que a voz é a nossa ligação com a ancestralidade, então eu acredito, me guio muito por isso, enquanto estou escrevendo, estou ali materializando a minha voz eu estou acessando a minha ancestralidade, ele diz que ancestralidade não é algo que está lá fora de você, quanto mais você está perto de você mais você acessa a sua ancestralidade então acho que partindo daí, um pouco ignorando esse olhar externo e fazendo esse mergulho você consegue florear essa escrita. 153
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Sra. Cristiane Sobral: Daniela, não é? Essa pergunta é muito capciosa, por que eu acho que me coloco como operária, sabe, acho que escrever é um trabalho braçal mesmo, de sentar, escrever, jogar papel fora, rasgar um monte de coisa, dedicar algumas horas do dia, você vai descobrir quais as horas que te favorecem mais, se são as primeira da manhã, se são as da madrugada porque cada um tem
um fluxo, e esquecer um pouco desses comentários, que já foram falados aqui, sou membro da Academia de Letras do Brasil, imortal, ocupo a cadeira 34. Quando eu fui receber a minha cerimônia uma moça disse, você, vou te contar, hein! negra, escreve e ainda diz que não vai mais lavar os pratos, meu Deus! Eu acredito nesse poder diabólico da escrita, o que eu chamo de diabólico? Uma vez eu ouvi essa frase e nunca mais esqueci, que diabólico, essa energia do diabólico, é aquela que inverte a ordem sem fazer desordem, então quando a gente se coloca nesse espaço da escrita a gente está fazendo um movimento de subversão, eu imagino que língua é o que eu tenho dentro da minha boca, então eu posso utilizar a minha língua do jeito que eu quiser, para fazer o que eu quiser, então quando escrevo eu penso nesse movimento, que é circular, eu vejo o meu filho começando a falar, é língua o tempo todo, língua para tudo quanto é lado, o problema é que temos a língua e tem o ouvido, e aí o ouvido fica te dizendo, não, como a Conceição falou, quem é você para escrever, ou umas coisas que eu acho meio ridículo assim, que é essa coisa de escritor, aí, é chique, não fica perto dele, cuidado, ele é deus, e isso tem muito a ver com essa coisa de separação, de transformar mesmo as pessoas num outro patamar para que elas não sejam.... e eu não quero estar longe do meu povo, eu não quero estar longe do meu Quilombo, eu não quero estar longe, porque quanto mais eu escrevo, como eu sempre falei
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aqui o tempo todo, esse enegrecer é estar próximo dos meus, então eu quero esse encontro com o meu leitor, ele é quem me fortalece para ficar sempre na fábrica, botando lá tijolo, cimento, água e pensando, poxa, eu não fiquei lendo hoje, não fui fazer o meu exercício de escrever, que às vezes é só para jogar coisa fora mesmo, passa por essa destruição, como o exercício da criança, para poder construir, e aí acho que importante nessa caminhada ter algumas pessoas confiáveis que sempre são muito más contigo, assim, eu gosto mais dessas, que fazem um movimento de dizer que não está bom, que você precisa dizer o que você está, no caso o meu companheiro aqui é o meu fiel escudeiro nessa hora por que ele é o que mais critica tudo que eu faço, então eu não quero me separar dele nunca mais, porque ele vai sempre dizendo, não, o que é isso, que coisa ridícula, tem que ter isso, eu acho, mas de alguém que tenha, como você falou, a questão do afeto, que você sabe que essa pessoa está falando isso porque o ser humano gosta do confortável, do cômodo, do gostosinho, e esse lugar do gostosinho, do cômodo e do confortável faz a gente ficar imóvel, não vamos mais pra frente, começa a levar tapinha nas costas e aí imortal, beleza, então assim, não é por aí, esse não acreditar nas críticas não quer dizer que a gente também não vai ficar o tempo todo falando, gente, que porcaria, vai por aquele desfragmentador, acho muito legal, você coloca o papel, não tenho ainda não, mas, enfim, você coloca e vê o papel se dissolvendo ali. E acreditar que assim, é como o exercício da criança, a gente pode se divertir, ele me falou, se diverte, então acho que podemos se divertir escrevendo, pensar sempre, para quem que estou escrevendo, porque isso orienta muito o que estou fazendo, sei que tem um monte de gente que vai colocar o dedo num papel, mas essa gente tem uma tela branca na cabeça, e eu não, eu tenho uma tela preta, e ela que orienta o meu universo. Então, é por aí.
Sra. Roberta Estrela d’Alva: É uma frase, só que para mim, assim, eu comecei escrever depois, eu sou atriz e MC antes de tudo, mas vem da urgência, tinha essa palavra urgência, quais as urgências. Ator épico, o MC juntando, o que eles têm em comum? Ponto de vista, o mundo que ele vive, ele tem uma visão que ele coloca, os dois, e autorepresentação, eu conto a minha história, não precisa que ninguém conte para mim, então o MC o Taíde escreve uma letra, nessa chave da auto-representação, meu nome é Taíde, meu corpo é fechado e não aceita revide, não tenho CIC, não tenho RG, nasci numa favela..., e assim vai; não tem outro MC que pega a letra dele e canta, meu nome é Taíde, porque é muito autoral, não dá para cantar uma letra de um MC, até numa licença poética dá, a gente brinca, canta, mas é um negócio muito pessoal. Então, acho que visão de mundo e urgência, acho que as coisas mais foda que tem é aquela letra de amor, assim, de cortar o pulso ou de política que o cara não aguentava mais e não podia mais conter, aquilo era urgente, sai de outro lugar. A Jorgete Fadel, que é uma atriz, tem gente que tem uma voz que você ouve, sai aquela voz assim, que não sai daqui ela é, não sai daqui, ela sai da ancestralidade, ela sai de lá, ela passa por baixo, pela raiz, e aí ela sai, e ela entra por você e conecta lá com a sua lá embaixo, é tudo lá embaixo e lá em cima, onde conecta esses pontos. Sra. Conceição Evaristo: E aí, aproveitando, quando você disse que ela vem da urgência, eu quero voltar outra vez a Carolina Maria de Jesus, Carolina era mulher semi-alfabetizada, ela escrevia por que ela estava com fome, ela dizia, não tem nada para comer, eu vou escrever, estava faltando a água na favela ela escrevia, um cigano gostava dela, mas ela não era uma mulher de ficar com homem porque 155
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ela não queria apanhar de homem, ela escrevia, então o tempo todo ela procurava justamente resolver a urgência, inclusive a urgência existencial dela, o que mais me entristece nas leituras que são feitas sobre Carolina é como se aquela mulher estivesse falando só da fome física, e aí quando eu volto a dizer que ela escrevia na mesma época de Clarice, todo mundo lê o texto de Clarice e vê que Clarice fala de um drama existencial e lê o texto de Carolina e está pensando que Carolina está falando só do barraco dela lá na margem do Tietê, mas o tempo todo, se vocês pegaram pelo menos esse livro mais conhecido de Carolina, que é o Quarto de Despejo, quantas vezes aquela mulher interrompe o tudo e o nada para escrever, o tempo todo a Carolina escreve, é impressionante como ela escreve, quer dizer, é a escrita mesmo que vai te dar a escrita, é escrevivência. Sra. Roberta Estrela d’Alva: (...) da fome, esse é o ponto, fome, que não é a fome de comida, o ator falava, fome..., porque o artista precisa para sentir fome? Fome não se ensina, você não ensina ninguém ter fome, ou você tem ou você não tem, como se ensina alguém ter fome? Então quando chega um ator preguiçoso, não sei o quê, tio, não
tem que fazer mais com você, meu irmão, você não vier com fome, se você tiver o que dizer, você está morto véio, não tem como te ensinar, o motivo que é ser artista. Sra. Poliana Martins Eu acho que a pergunta da Dani é uma pergunta urgente também, todas as vezes que estamos falando sobre escrita sempre rola essa pergunta, mas como fazer se eu não consigo escrever. Eu também concordo, eu acho que o treino é primordial, e a gente também tem que entender que os textos encomendados são mais difíceis, a gente vai para a universidade para fazer um monte de textos encomendados sobre uma teoria que a gente nem gosta muito, sobre um autor que a gente nem.... agora, o exercício quando você vai escrever sobre uma parada que você acredita e que você se dispõe a falar a respeito, aí é outra história, e se pensarmos bem estamos conectados ao contexto o tempo inteiro, no seu trabalho, com certeza, você deve produzir vários textos. Eu estava até comentando com a Helen que eu vi uma publicação que o Marcelino Freire organizou, uma ideia super legal, ele convidou vários escritores e escritores para que mandassem para ele histórias curtinhas, que não ultrapassasse 50 caracteres,
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eu li, das 100 que tinha lá, 4, 5 eu achei super, super, super legal e é isso, tem lugares que o nosso texto é bem vindo, vai ter lugar que o texto não é bem vindo, vai ter texto que a gente vai ter uma super empolgação para fazer, só que acho que escrever a gente só aprende escrevendo mesmo. Sra. Lorena: Meu nome é Lorena. Eu só queria que... até com a pergunta da Dani mudou muito o foco, foi super interessante ouvir, acho que o meu comentário aqui ficou um pouquinho perdido, mas retomando, algumas colegas aqui falaram sobre o distanciamento da academia, das universidades, e aí eu queria trazer um pouquinho do que tem acontecido aqui na UNB, sou doutoranda aqui da Universidade de Brasília, e a gente tem colegas lá trabalhando, como Carolina Maria de Jesus, eu estou trabalhando com a Conceição Evaristo e com duas escritoras caribenhas, a Amélia, que trabalha com os Cadernos Negros, a Cristina trabalha com a Conceição Evaristo também, a outra colega que estava aqui trabalha com literatura marginal periférica, tem um colega que trabalha com Rap, tem uma outra colega que acabou de defender, a Andressa, acabou de defender uma
dissertação que tinha, entre outras coisas, versos escritos por mulheres negras do Distrito Federal, pelas meninas aqui do DF, tem uma colega que terminou um trabalho de conclusão de curso sobre a obra da Cristiane Sobral, então temos um caminho, um caminhar que eu acho que pode contribuir para mudar essa cara da Academia Brasileira e para a formação dos novos professores, os novos intelectuais, as áreas de letras, da área de literatura, e eu só queria contar para vocês. Sra. Renata: Boa tarde. Meu nome é Renata, sou jornalista do Portal EBC, um dos objetos aqui desse encontro é essa questão do fomento de críticas públicas de incentivo à questão da latinidade, da cultura negra. Então, eu gostaria de saber de vocês, há o desafio aí da produção, que já foi colocado, de se sentir à vontade, de sentir capaz de escrever, mas também eu gostaria de saber das palestrantes, das participantes, como é que está a questão da divulgação, da adoção desse material, dessa literatura negra dentro dos espaços públicos de educação e de formação do indivíduo, então, como é que está a adoção de livros e da poesia dentro das escolas no panorama do Brasil.
Sra. Conceição Evaristo: Partindo um pouco do que a Lorena fala, na verdade o que acontece também com a literatura, porque o texto escrito, o texto produzido, ou o texto editado é uma história, a instituição literária é outra, e muitas vezes as nossas coisas se perdem ou elas não tomam corpo quando elas esbarram justamente na instituição literária que aí já entra o trabalho do crítico, já entra o trabalho do pesquisador, entra o trabalho da política pública de distribuição desse material, e o que nós temos percebido isso já há bastante tempo, até quando você dizia, a gente quer trabalhar a 10/639, mas não tem material, tem muito material sim, material bom e material razoável, e também material que você deve jogar fora, agora o que acontece, grande parte desse material é produzido por editoras pequenas ou então a própria pessoa banca esse material, paga para a produção desse material à editora pequena, então não há uma facilidade de circulação, o nosso material muitas vezes circula entre nós mesmos, poucos são os escritores afro-brasileiros contemporâneos que têm trabalho produzido e que seja, inclusive, adotado nas escolas ou como material didático distribuído pelo Governo, se bem que até a partir mesmo da implantação
da 10/639 já houve uma tendência de procura desse material, uma tendência de distribuição deste material para as escolas públicas, agora, é realmente fundamental que enquanto política educacional esse material seja produzido ou por editor.... Agora houve a história dos editais também que acabaram dando uma parada, mas havia inclusive uma proposta dentro das políticas de publicação de autores afro-brasileiros, que eu não sei, parece que em função até dessa coisa também, edital, a coisa ficou mais ou menos parada. Agora, o que a gente não tem ilusão é no sentido, na verdade, as grandes editoras querem cumprir um mercado capitalista, interessa é o que vende, hoje, quando há esse movimento de algumas editoras se debruçarem na busca de material afro-brasileiro não é por uma questão ideológica, é se o material for vendido, então se o material for vendido, se tiver um apelo comercial a coisa acontece agora, se esse apelo comercial nos for necessário nós queremos estar dentro desse apelo comercial sim, quer e teria esse direito também, o grande impulso, sem sombra de dúvida, foi a Lei 10/639, por exemplo, (ininteligível) ficou no vestibular da UFMG, a gente não tem nenhuma ilusão que foi em função dessa lei, eu acho que a 157
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política pública, principalmente na área da educação, seria a grande responsável pela divulgação desse material porque enquanto nós estivermos bancando a nossa publicação, ou então publicando em editoras pequenas que não têm o poder mercadológico e nem o poder de divulgação, de estar na mídia, e nem o poder de distribuição, acho que as coisas vão continuar muito
entre nós, por exemplo, você deve ter publicado também com uma editora pequena, eu desconheço, não sei se você sabe de alguém, de algum escritor afrobrasileiro que no momento esteja publicando por uma editora grande. (intervenção fora do microfone) a Ana Maria conseguiu realmente publicar pela Companhia das Letras, mas é a única que a gente sabe nesse momento, (intervenção fora do microfone) na perspectiva, a Geni Guimarães já há muito tempo conseguiu publicar o livro dela, ainda é bastante acolhida, ela publicou pela FTD, mas há essa dificuldade também e que a gente sabe que isso é significativo, quando há esse impedimento nós sabemos que outros impedimentos que tem por trás, essa interdição à literatura negra simboliza a interdição, a discussão e uma série de interdições que o negro sofre na sociedade brasileira, isso não é um fato isolado. Sra. Poliana Martins Vou pedir para Cris falar e a gente passa para a próxima, eu vou pedir para vocês direcionarem as perguntas para não ficar um tempo longe de respostas. Sra. Cristiane Sobral: Só complementando a Conceição, acho que o caminho está mesmo nas políticas públicas porque do ponto de vista da sociedade há uma aceitação muito boa, há organização de vários eventos literários em universidades, no meu caso, uma vez, duas vezes, até três vezes ao mês eu tenho viajado por vários estados para fazer lançamento, sessão de autógrafos,
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onde eu encontro sempre pessoas muito interessadas, o meu livro De Mão em Mão a primeira edição em seis meses vendi mil livros, e assim, não um esforço meu, mas o acolhimento da nossa comunidade mesmo, e a dificuldade é muito grande por conta do gigante que é o mercado editorial e que ele realmente ainda é resistente. Para vocês terem uma ideia, o meu livro está na Livraria Cultura, mas o que acontece, para ele continuar hoje na Livraria Cultura e entrar em maior quantidade é preciso que.... liguem lá na Livraria Cultura e fala assim, é só falar isso, aí tem o livro Não vou Mais Lavar os Pratos, é verdade, gente, se isso acontecer eles vão entender que tem uma procura pelo livro porque hoje as pessoas procuram para comprar o livro comigo, a gente tem que ser empresário, escritor, barraquinha de cachorro quente, tudo, para podermos conseguir fazer o nosso livro caminhar, porque lá eles fazem um processo de 15 dias para fazer a entrega para a pessoa que procurar o livro, no momento que você chega lá não tem o livro naquela livraria, ele só vai começar a aparecer se eles entenderem, segundo os critérios capitalistas, que tem um mercado suficiente.
Então quer dizer, para a gente caminhar dentro desse mercado ainda é uma novidade, eu tenho até começado a fazer alguns cursos nessa área, gente, é difícil, se não começarmos a entender do nosso negócio como é que eu vou colocar esse negócio que é tão nosso na mão de uma outra pessoa que de repente não tem o interesse de divulgar, um editor que me procurou queria que eu fizesse, eu tenho um livro Espelhos, tem vários contos e um dos contos chama Afrodisíaco, ele queria justificar que o nome que o livro tinha que ser Afrodisíaco porque isso é uma coisa que remete ao apelo sexual da negritude e que por isso ia vender muito, então eu saí desesperada, eu falei - meu dá o meu livro aqui, você não pode fazer esse negócio não, como é que é isso - que queria justamente, quer dizer, se fosse dentro dessa proposta estaria contemplado, como é que eu vou entrar numa escola com um livro chamado Afrodisíaco, gente, para poder fazer uma discussão com estudantes e tudo o mais. Quer dizer, estou também participando agora de uma antologia erótica, mas dentro de uma outra perspectiva, nós temos também que ter esse cuidado, de como que vamos trabalhar esse material para
não acabarmos tendo um resultado contrário daquilo que procuramos, quando falamos de política. Então acho que quem é interessado em trabalhar nessa área, gente, acho que é assim, um grande mercado que tem aí porque tem muitas escritoras, tem muitos escritores escrevendo hoje, e nós temos um nó que está aí nessa questão do mercado editorial que faz com que a gente não consiga mesmo publicar. Estou com um livro prontinho aí, já tem uns seis meses e ainda estou esbarrando na questão da editora, então acho que isso aí não é o meu caso, é o caso de todo mundo com quem eu tenho conversado - ah! é assim, como é que a gente faz, vamos reunir, vamos pensar -, para ver como é que a gente coloca para fazer mais um parto aí, e ainda é pelo SUS e no corredor, tem que mudar essa realidade. Sra. Ellen Oléria: Boa tarde. Meu nome é Ellen, sou cantora. Queria fazer uma pergunta à Estrela, sei da sua pesquisa também no qual eu queria, se você se sentisse a vontade para falar sobre, a pergunta vai muito na linha do que a Renata fez agora, falando de produção, de reprodução, de difusão, todos os meios que eu tenho passado, não só o literário, 159
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eu como cantora também encontrei várias pedras nesse sentido, se a gente não reproduzir o que já está posto a gente tem uma dificuldade muito grande de chegar até o momento da produção, porque o que a gente quer de fato, trazer o nosso olhar, todos os passos que eu tenho passado como cantora negra também, entendendo que a nossa expressão, a nossa visibilidade acaba sendo muito limitada também, independente da área de atuação onde estamos, sendo na literatura, na música ou na dança, a não ser que a gente seja um rapaz e jogue futebol muito bem e consiga ter a alegria de ser eleito também por um olheiro e chegar num grande time, a gente não consegue dar continuidade para a coisa, é tipo isso, os olheiros. Eu tenho passado em lugares onde eu percebo que a gente se coloca muito a partir da negação porque a gente já chega sendo negada nos espaços de poder, e aí a gente só é negada porque não dialoga com os cânones, entendendo a canonização como um processo importante também para conseguirmos difundir. Ouvi a Dani falando sobre o olhar dela sobre a sua própria produção e tem essa carga de negação também, ela já chega sendo negada, eu só me identifiquei como escritora depois da minha passagem pela universidade e escrevo desde criança, conseguia dizer que era cantora, conseguia dizer que era instrumentista e não dizia que era escritora. Aí eu queria saber de vocês o seguinte, sobre a coisa da reprodução, porque a nossa intenção é também que a obra que a gente escreve seja vista, seja ouvida, seja compartilhada, chegue até as pessoas, como é possível fazermos circular uma produção literária para gerar espelhos, reconfigurar, despaginar e tratar estética como política, entendendo o texto como imagem, como a Poli falou, sem necessariamente precisar passar pelo crivo desses olheiros, como que a gente faz o nosso texto chegar, como que você tem feito o seu texto chegar
até às pessoas antes da sua publicação acontecer, sei lá, vocês podem falar um pouco para a gente sobre isso? Sra. Roberta Estrela d’Alva: Na verdade de fato o meu texto é muito ainda eu falando ele, porque, por exemplo, estou agora com uma editora publicar o Vai Te Catar, que é um espetáculo meu de Spoken Word, poesia falada, e eu estou assim sempre nesse medo de gravar voz nesse disco, foi um custo assim para gravar porque o controle que você tem quando você está falando e precisa de você. Mas como ele chega, como eu vejo chegar nos saraus com esses meninos é fazendo, fazendo, eu estou há treze anos no Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, por exemplo, ou 3 de Fevereiro que demorou quatro ou cinco, Os Zumbis Somos Nós, como chegou essa música até você? O que é isso, baixar, internet, internet é o cara, só que não adianta colocar lá, por que eu já coloquei coisa lá, se você não tem rede então é quem são os caras, identificar quem são os caras que estão na mesma energia da construção, na paridade da construção, é claro assim, pode parecer maniqueísta, mas tem duas forças próximas, coisas que quer destruir e coisas que quer construir, uma força de construção que quer o progresso e uma coisa que quer a involução, então é a gente somar com esses caras em todas as diversidades, politizar a diversidade e botar lá, por exemplo, o diáspora, isso que eu fiz aqui, tinha um vídeo lá aliados, eu fui para a França, estava indo sozinha, uma pessoa - vamos comigo - uma amiga minha que é cineasta, você pode ir? Vamos. Colou, fez, botou na internet, daí você também ... quem são os caras? Fiote, é um cara Fiote, olha isso aqui, ele mandou para o Leandro,
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para o MC, eu estava no Rio de Janeiro e o MC - tum, tum, tum - Roberta, você pode vir abrir - quando ele lançou o (ininteligível), abrir o show no Ibirapuera, eu, o quê? Fala o que você quiser, e saiu o diáspora, não sei quantas mil pessoas. Porque é isso, esses caras têm 900 mil pessoas, ele fala, olhe isso, por favor, pau, 900 mil pessoas estão vendo então é usar essas brechas, que são brechas nesse sistema tão amarrado, que é da gravadora, que também já...., da editora que também já..., o Allan tem Edições Toró, que é uma editora própria, que eles fazem os livros deles, edições chuvisco, que é das crianças, e circula, e daí também você começa a criar um negócio que é paralelo, então você vai no sarau todo mundo fala o diáspora, todo mundo fala o poema do Rodrigo Siríaco, sabe, uma cara vai de fora ele fica fora daquilo, que está num círculo separado, - estou por fora, hein, como é que 400 pessoas sabem isso e eu não sei - começa criar um negócio que é um mercado, outro mercado, que não é esse formal, a gente vai abrir, vai ter outro jeito de se relacionar, inevitavelmente vai sair da mão, não adianta segurar, o cachimbo vai cair, porque democratizou, abriu, os moleques pegam o PC, abre, faz música aqui, não precisa mais levar num produtor, isso não depende de ninguém, escrevo aqui, faz Sanzine, volta, é Punk, toda essa estética do do it yourself, faça você mesmo, eu pego e faço, não tem, o cara bambata, islã, ele sabe mais do que eu porque é mais rápido e consegue chegar nuns lugares que eu nem consegui por que sou do...., comecei agora, a molecada nasce já com a mão no bagulho. Então eu acho que é isso, é um negócio de afirmar, não tem mais, não dá e nem ficar dando mole para Kojak falando, sou contra o racismo, eu sou contra a guerra, não, você é a favor do quê, também tirar o contra, porque se não você dá ibope, eu sou contra o racismo, você fica plasmando essa palavra,
você é a favor do quê? Eu sou a favor da democratização, usar esse poder que é a mesma energia para o não, tira o não e positiva a ação, está bom, você é a favor de quê? Por que também isso é difícil, se não é isso, o que você propõe? É fácil também ficar fazendo coisas só lascando o pau, eu mesma já fiz e faz o maior sucesso, eu tenho um negócio do (ininteligível) que, nossa, eu quase ganhei a Copa do Mundo com isso daí, só que o que você propõe? É difícil propor, difícil, pensa então, sem falar do outro, que, não quero saber, que eu estou vendo, você vê, o que você propõe. Sra. Poliana Martins Para mim é bem fácil ser dadaísta, é bem fácil agir com a negação. Tem pouquíssimo tempo, pouquíssimo tempo mesmo que eu comecei a perceber que escrevo, que sou poetisa, foi um encontro com um texto. Há alguns anos atrás eu tive encontro com um texto que, é o que toda vez quando eu quero partilhar uma coisa com uma pessoa nova na minha vida eu sempre dou esse texto, é um que eu fiz de uma chicana, Glória Andalzúa, Uma carta para mulheres escritoras do terceiro mundo, esse texto para mim foi a revelação nítida de que para escrever eu preciso escrever e preciso dizer que escrevo e pronto. Essa parte de publicar, de dar visibilidade para a minha produção é também um esquema que está chegando agora, tenho contado com as minhas aliadas, com as minhas amigas porque eu acho que quando a gente tece essa rede, que você coloca lá timidamente a sua poesia, mostra para elas e você tem uma parceira, um parceiro que pode te dizer se aquilo é realmente bom, se aquilo é suficiente ou está faltando, se é legal mostrar, a gente fica um pouco mais segura porque todo mundo que produz tem uma insegurança porque, obviamente, seria mediocridade da minha parte dizer que eu escrevo para ninguém, 161
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mentira, todo mundo escreve para alguém, então a gente quer que a nossa produção seja reconhecida e que seja uma produção boa, o que eu tenho feito mesmo é dividir, compartilhar dentro das minhas redes. Recentemente eu escrevi um poema depois de uma noite, eu fui para um show e fui para casa, estava meio insana e resolvi escrever, eu também já sei qual é a hora que eu tenho que escrever, Cris, a minha hora é a madrugada, por isso que eu adoro esse poema, para mim, realmente, uma noite ela não dorme nos meus olhos e é um momento em que eu quero escrever,
escrevi um poema e mostrei, e quando eu mostrei ele logo me disseram - ah! por favor, deixa eu usar esse poema e tal, uma abertura de uma coisa -, vai ser a primeira aparição, tipo pública, que várias pessoas vão poder dizer, ah! eu fui num lugar tal e ouvi um poema tal, assim que eu tenho feito. Tem uma poetisa que se chama Emily Dickson, uma poetisa branca de muitos anos atrás que tem vários poemas super reveladores, e ela nunca fez nenhuma publicação, eu não sei como esse poema dela chegou até a mim, inclusive a ideia dela era não publicar, tem um poema dela
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que diz “eu não sou ninguém”, e ele é bem bacana. O caminho para poder fazer a produção valer a pena que eu tenho feito é isso, um grande exercício é acreditar que a produção é boa, um grande exercício mesmo porque uma das primeiras vezes que eu comecei a compartilhar as minhas escritas eu nunca me esqueci de um cara que me falou, ah! mas escrever poeminhas assim tipo revista de fofoca, pegando pedacinhos de textos de revistas de fofoca é muito fácil, aí eu entendi, então o que eu escrevo é um monte de merda mesmo, e aí Glória Andalzúa e a
Bárbara Christian falaram no meu ouvido, não, o que você escreve é muito importante, a Elisa Lucinda foi e falou no meu ouvido, não, porque escrever é uma maneira que eu tenho de existir. Acreditar para mim ainda é muito difícil, mas eu tenho feito esse exercício. Sra. Conceição Evaristo: No nosso caso, não só meu, mas de vários escritores afro-brasileiros, e a Cris Sobral falou que ela começou pelo Quilombhoje; eu acredito na força do coletivo, embora muitas pessoas falam que o coletivo acaba te massificando e você perdendo a sua individualidade, acho que não, acho que o Quilombhoje, o próprio nome é muito simbólico, ele congrega vários.... agora nós já vamos para o 36º caderno, então 36 anos, não existe na história da literatura brasileira nenhuma publicação literária que tenha sobrevivido há tanto tempo, então nós temos que pensar no Quilombhoje um coletivo de escritores afro-brasileiros em que os próprios escritores se bancam, então na história da literatura brasileira está aí o Quilombhoje, trabalhar no coletivo eu acho que, para mim, foi a minha porta de entrada, a minha primeira publicação foi através do Quilombhoje, antes do Quilombhoje, no Rio
de Janeiro, eu pertenci ao Grupo Negrícia, que reunia escritores negros do Rio de Janeiro, e a gente fazia também uma intervenção na associação dos moradores, nas penitenciárias com Vanda Ferreira, fizemos várias apresentações nas penitenciárias também, tinha o Coletivo de Escritores Negros, que inclusive Elisa Lucinda também nos primeiros anos fez parte conosco. Então eu acho que é essa força do coletivo e se hoje alguns escritores, aliás, muitos, conseguiram essa projeção individual, passou pelo coletivo primeiro, foi o Quilombhoje o primeiro lugar que meu trabalho apareceu, o grupo mesmo, esses grupos de São Paulo, eu acho que a força do coletivo ainda é a nossa salvação. Sra. Poliana Martins Roberta, acabei de receber um aviso que você tem que partir, acho que você pode se despedir. Sra. Roberta Estrela d’Alva: É que eu tenho que trampar lá em São Paulo, obrigada muito, muito a todo mundo, é um aperto, estou com o coração partindo assim de não poder trocar ideias, ficar aí hoje, mas é nós, estamos juntos, vamos falar nas redes, trocar ideia, que isso aí vai pra frente. Só vou
falando com o Eugênio, que é o meu irmãozinho lá de São Paulo, o Spike Lee, que é um p... cineasta, tem os filmes de referência que é o Faça a coisa certa, para mim, falava assim, você é um dos maiores diretores negros dos Estados Unidos, ele falou, não, eu não sou um dos maiores diretores negros, eu sou um dos maiores diretores dos Estados Unidos, isso é que é almejar, chegar um dia que isso daí, essa questão esteja transcendida a esse nível, mas por enquanto ainda é necessária a afirmação. Muito obrigada a todo mundo, valeu, foi um prazer. Sra. Priscila Preta É rapidinho, esse negócio da circulação eu acho que vai tomando uma proporção que você nem imagina, mesmo parecendo uma coisa caseira, então, só dando um exemplo, o meu Grupo Capulanas inscreveu um livro que se chama Engoma, contando um pouco da experiência que a gente teve apresentando o nosso espetáculo em Quintais das periferias de São Paulo, e aí um dia chegou um vídeo no meu e-mail falando assim [meu, olha isso], era uma mulher do Suriname falando sobre a gente no Copene no Rio de Janeiro, aí eu falei, meu Deus, 163
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o que aconteceu, acho que uma pessoa que gosta ela já conta para um monte de gente, no meu trabalho, por exemplo, na época que estava tendo o The Voice, o meu chefe estava falando, ah! é a Priscila Oléria porque antes do The Voice eu já te escutava e eu falava para todo mundo, e o meu trabalho inteiro ficou torcendo por que eu ficava falando, gente, vamos ouvir uma música e colocava sua música e aí todo mundo já ouvia, e aí a família deles e aí vai indo, vai crescendo, vai ampliando, quando você vê tem alguém na rua que te para e fala, meu, fiz faculdade por causa do seu livro, e você fala, meu Deus, mas acho que ainda é muito pouco por tudo que tem, tudo que a gente tem para falar, acho que é muito pouco ainda, e um minuto de uma coisa assim, um dia a gente apareceu três minutos no SPTV e o nosso blog bombou, assim, de visualização, tem algumas coisas que são muito cruéis, que engolem a gente mesmo, e que temos que tentar acessar ao nosso favor mesmo, acho que temos que ocupar os lugares, porque é pouca visibilidade. Sra. Poliana Martins Eu acho que o espaço aqui do afrolatinas que está promovendo esse encontro aqui com a gente, é uma maneira de articular mesmo essa produção, temos esse festival aqui em Brasília que é o festival mais amado das minhas parceiras, é o que a gente acha super fera e com orgulho a gente vai para os outros estados e diz, olha, gente, tem em Brasília um grande festival em que a gente reúne artistas que produzem várias coisas e conseguimos dialogar, assistir, conhecer o trabalho de cada uma dessas pessoas, acho que articular é a maneira mais sábia de promover o trabalho mesmo. Participante não identificado: Boa tarde. Eu gostaria de dizer um pouco sobre a
minha emoção do que ouvi a Conceição dizer, eu nasci em Belo Horizonte e costumava colocar no cantinho do quarto da minha mãe um colchão para ficar ouvindo as conversas que ela mantinha quando as minhas tias iam visitá-la em Belo Horizonte. Elas vivem ainda hoje, uma boa parte, no norte de Minas então todo o imaginário da cultura popular e a influência nordestina, sobretudo de formação cultural muito ligada e vinculada à cultura do nordeste de modo geral, eu também localizo nessa experiência o meu gosto pela literatura. Há vinte anos mais ou menos eu venho me enamorando da literatura, há mais ou menos, estou no doutorado agora, aqui na UNB em Literatura também, estudo Guimarães Rosa e Osman Lins, o tema da poesia. Ouvindo você falando sobre essas coisas eu fiquei pensando um pouco sobre, não só a presença de mulheres nesse espaço da oralidade, como é que isso demarca o fazer literário, eu gostaria muito de ouvir você um pouco nesse sentido sobre de que modo você presentifica no teu texto essa marca da oralidade, isso é um ponto, eu gostaria de tratar de outro ainda. Um segundo ponto é outra mulher que eu acho que na estrada brasileira ela ainda não recebeu a estatura devida, se chama Rosa Egipcíaca, e eu não vejo muito, nos encontros feministas de movimento negro, não vejo ninguém tratar do nome da Rosa, ela foi uma escrava, para quem não sabe, no século XVIII, vindo ao Brasil, comprada por um padre, educada, aprendeu a ler outras línguas e escrever, e foi desconfio eu, a primeira mulher negra que se apropriou da escrita na história do Brasil, ela foi levada pela Inquisição a Portugal, foi julgada, morta, também o padre que a comprou, um historia-
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dor há dez anos atrás encontrou na Torre do Tombo os manuscritos da Rosa, ele resolveu fazer então uma publicação, eu fiquei um ano lendo isso numa biblioteca porque eu não podia retirar, então no horário de almoço eu ia lá uma hora por dia para poder dar conta de ler o livro que é bem insultuoso. Nesse sentido de pensar uma espécie de tradição de mulheres negras na literatura brasileira, porque quando você situa a Carolina de Jesus, em relação à Clarice, eu também fico pensando Lima Barreto em relação a Machado de Assis, porque a história é muito parecida, até hoje eu acho que o Lima Barreto não conseguiu alcançar o status que ele deveria alcançar, salve engano pelo esforço, talvez, do Osman Lins, que foi um escritor que fez uma tese em doutorado sobre o espaço romanesco na obra de Lima Barreto, tentando, inclusive, colocá-lo diante do cânone e daquilo que a tradição literária brasileira reconhecer como fazer literário. Isso é outra coisa que fiquei pensando na sua fala. Por fim, a questão do Monteiro Lobato, porque recentemente nós vivemos numa querela e que aí acho que é muito importante ser colocado porque há um debate sobre racismo em torno
da obra dele, e aí você fica pensando que houve então um movimento que ocorreu sobretudo por dentro do Ministério da Educação onde nós passamos a ver o Caçadas de Pedrinho do Monteiro Lobato como um livro que traz discurso racista, e aí eu fico pensando na posição do professor, porque no meu ponto de vista, como alguém que estuda literatura já há algum tempo, eu particularmente sou contrário a qualquer tipo de corte ou de inclusão de outrem no texto de alguém, acho que isso é uma das infrações mais agudas e graves; agora, como professor eu posso com os meus alunos 50, 100 anos depois de Monteiro Lobato fazê-las entender o problema que está sendo posto e que está sendo discutido hoje nacionalmente ainda. Eu gostaria na verdade de fazer uma provocação nesse sentido, para a gente ainda pensar esse debate sobre o racismo na literatura brasileira. E uma sugestão, tem um amigo que é escritor sobretudo de temas LGBTs, ele resolveu criar uma editora chamada Escândalo, ele estuda com a gente lá no Téo, lá na UNB, o Roberto Muniz, ele conseguiu, inclusive, com o trabalho dele fazer com que a Cultura passe a distribuir os livros que são publi-
cados pela editora dele, eu não sei se isso também poderia não ser um caminho interessante para os escritores negros, as mulheres sobretudo e se articulando do ponto de vista desse debate que vocês estão fazendo sobre articulação, se isso não ajudaria a pensar um caminho de, inclusive, dialogar com o financeiro, com o mercado, no sentido de ter uma autonomia e de que possa ser um trabalho não só de promoção do trabalho do literário, mas, sobretudo, garanta àquele que trabalhe condições, inclusive continuar produzindo e feita na vida das pessoas. Gostaria muito de falar contigo sobre a ideia de literatura, se literatura é política ou se ela quando tem ornatos, adornos, molduras, onde é que está o debate do político, porque acho que aí entraria numa seara sobre a relação entre conteúdo e forma, eu, por exemplo, que estudo escritores que são completamente fascinados pelo problema da forma, como Guimarães Rosa, Osman Lins, eu fico tentado a ver uma oposição nessa ideia de se a literatura tem que ser ou não política, porque aí eu acho que é um debate sobre a relação entre conteúdo e forma. É um pouco isso, me desculpe ter delongado. Obrigado. 165
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Sra. Conceição Evaristo: Nossa! foram tantas coisas que com certeza não vai dar tempo de pegar por agora. Bom, a Rosa Egipcíaca, realmente eu já li pouquíssimas coisas dela, pouquíssimas mesmo, acho que essas figuras vão sendo resgatadas através do tempo, e Rosa, não só Rosa, acho que uma série de mulheres negras aí, mulheres históricas que precisavam de um resgate a partir do ponto de vista negro. Como essa oralidade e como a presença dessas mulheres, como isso se dá na minha literatura, acho que só lendo mesmo. Eu acabei de lançar o ano passado, sei lá, Submissas Lágrimas de Mulheres, que é um livro de contos, talvez amanhã alguns volumes estejam aí para vender, uma história que eu vou contar no final também, acho que demonstra muito toda essa minha experiência, toda essa vivência minha com essas mulheres, ou toda a marca dessas mulheres na minha escrita. Quanto à divulgação de textos afro-brasileiros, essas tentativas já foram feitas algumas vezes, Quilombhoje mesmo já conseguiu aqui mesmo, acho que em São Paulo com a prefeitura de São Paulo, tentou-se alguma coisa com a prefeitura de Belo Horizon-
te, foi publicado um livro de contos e algumas editoras, por exemplo, em Belo Horizonte, que é a Editora Mazza e Editora Nandyala têm conseguido vender livros de escritores afro-brasileiros em kit que a prefeitura compra para distribuir para as escolas, a prefeitura compra dessas editoras e distribui para as bibliotecas escolares, é o que a gente fala, ainda é pouco, a gente quer muito mais. Eu acho que esta questão do conteúdo e da forma, acho um pouco complicado a gente pensar, desvencilhar o conteúdo da forma, até por que, por exemplo, no caso dos escritores afro-brasileiros, com certeza, a nossa escolha estética, não só a escolha estética, como que você vai trabalhar o texto, que linguagem você vai escrever esse texto, ela está também profundamente relacionada com o conteúdo, com aquilo que você escolhe para dizer, então eu não vejo muito, no nosso caso, não sei se você concorda, eu não vejo muito essa separação, acho que a gente não pensa nessa separação do conteúdo e da forma não, acho que se está muito marcado nos nossos textos. Não tem como o nosso texto, até por que o texto literário eu acho que quando você pensa que um
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texto, acho que não há uma posição não política, acho que não há uma posição não política, assim como não há uma.... aí eu vou omitir, a minha escolha é pela omissão, então já foi uma escolha, a omissão também é uma escolha, então eu acho que não há um texto apolítico, acho que quando você pega o próprio Guimarães Rosa, que você pega Grande Sertão Veredas, não dá para você pensar, por exemplo, naquele texto só como um texto em que Guimarães trabalhou só as formas, aliás, belissimamente bem, e eu gosto, para mim Grande Sertão Veredas é um dos livros mais bonitos que eu já li da literatura brasileira, agora, nem por isso também eu vou deixar de ver que tem rasgo ali de estereótipos contra negros, você está entendendo, a obra de João Guimarães Rosa não nega isso.
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Quanto a Monteiro Lobato é interessante que essa discussão de Monteiro Lobato que é levada, que ganhou toda essa veemência agora, é uma discussão que há uns quinze anos atrás Rogério Barbosa de Andrade que trabalha com literatura infanto-juvenil, ele já havia levantado a lebre, não só com Guimarães Rosa, mas com vários escritores brasileiros, escritores inclusive que os textos estavam sendo dirigidos para um público infanto-juvenil, não sei se aqui vocês.... vários professores aqui conhecem aquele livro da Ana Maria Machado, Menina Bonita de Laço de Fita, a primeira versão daquele livro nós conseguimos através de várias argumentações com a editora mudar a capa daquele livro, a primeira capa daquele livro era uma menina negra que você olhava o rosto você não sabia se era o rosto de uma menina, se era o rosto de um coelhinho ou se era um rosto de um macaquinho. Quanto a Monteiro Lobato não há como negar que Monteiro Lobato teve realmente o texto dele laivos racista, agora, quando isso for colocado no ministério também, inclusive, quem puxa isso é Nilma, que é aquela pedagoga de Belo Horizonte, em termos institucionais, não era vedar a obra de Monteiro Lobato, era discutir como essa obra chegava na escola, agora, há uma questão seriíssima também que acho que isso já é questão do racismo brasileiro, toda vez que a comunidade negra resolve discutir alguma coisa a mídia muda todo o rumo da conversa, então eles não pegaram na verdade, assim como A Caçada de Pedrinho, saiu um apêndice dizendo que naquele momento era comum à caça e coisa e tal, o que se queria também era que explicasse que a obra de Monteiro Lobato em determinados momentos deveria ser discutida a partir disso, disso ou daquilo, não era para vedar porque entraria a questão da censura, e até por que se a gente
fosse vedar a obra de Monteiro Lobato nós íamos vedar a obra literatura brasileira, agora o que compete seria realmente essa discussão; mas como é muito interessante, inclusive, acusar nós negros de fazermos racismo, aí o Cuti vai falar se então vamos pagar esse preço, agora, essas discussões não podem passar em brancas nuvens porque nós sabemos muito bem que a literatura, o texto literário acaba sendo também um meio de exclusão de determinadas.... a representação literária também exclui ou inclui determinados grupos sociais, e também não podemos deixar de pensar que a literatura, essa literatura que está aí, essa literatura canônica é produzida por meio de uma hegemonia cultural e essa hegemonia se julga no direito de se representar e ainda inventar a representação do outro. Então era isso, em momento algum o propósito seria vedar a obra de Monteiro Lobato, mas discutir a obra de Monteiro Lobato tomando como perspectiva essa literatura que tem essa questão que traz esse preconceito, esse racismo, e aí não só ele, isso aí são vários escritores, inclusive o próprio Rosa. Quanto a Lima Barreto e a Machado de Assis, hoje já há uma perspectiva também de estudo literário, inclusive com o próprio professor Eduardo de Assis, de Belo Horizonte, de fazer uma releitura de Machado de Assis para ver até que ponto também Machado de Assis seria esse cara omisso, esse autor omisso, como muitos críticos literários apontam diante do escravismo brasileiro e nós sabemos que Machado de Assis passou por um processo de branqueamento, que independeu, inclusive, muitas vezes dele. E quanto ao Lima eu hoje vejo realmente uma outra,, hoje as pessoas leem Lima de uma outra perspectivas, agora, sem sombra de dúvida, Lima foi o sujeito que pôs o dedo na ferida do racismo brasileiro, e que teve também as suas con-
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tradições, porque se hoje, acho que tem que se pensar, se hoje é difícil para muitos negros ou para muitos mestiços assumirem a sua origem africana, imaginem na época de um Machado de Assis, imagina o próprio Lima que nasce, acho que sete anos depois a assinatura de Lei Áurea, então acho que a gente também não poder perder essa perspectiva histórica, e também no sentido realmente pensar que Monteiro Lobato, em muitos aspectos, ele foi um homem à frente do tempo dele, mas no que tange às relações raciais brasileira, não, ele parou, ou ele foi como muito branco brasileiro ainda é hoje. Sra. Poliana Martins Temos a última pergunta ali para finalizar. Gente, vamos ter que fechar. Participante não identificada: Só uma contribuição como público reprodutor com cumplicidade. conhecer a Cristiane Sobral, quem apresentou foi a Lídia Garcia através de Não Vou Mais Lavar os Pratos, Conceição Evaristo foi com a professora Edileusa, Pensamento negro, então isso nos faz ter cumplicidade na reprodução, hoje nós estamos como coordenadores intermediários na divulgação da
10639 ali na Ceilândia, e temos 92 mil alunos, 5.411 professores e quando chegamos na escola e nos deparamos com toda aquela decoração que tem somente a representatividade branca, aí dizemos no coletivo, precisa-se mudar a decoração dessa escola, onde está representado o nosso aluno negro, e a porta dos armários das professoras, e as professoras negras, aí é onde entramos na mediação com Conceição Evaristo, Cristiane Sobral, vocês têm sido nossas companheiras dessa mediação porque isso tem feito, remete uma intimidade tal que quando trazemos para a sala de aula Cristiane Sobral e Conceição Evaristo a energia é completa, o poder da linguagem e da imagem é realmente transformador para novos comportamentos, novas posturas, nós temos visto os nossos adolescentes se deliciando com toda aquela leitura, isso tem sido magnífico para nós, e nos enobrece de tal forma como professor que levar hoje 10639 e trazer esse instrumento de auxílio tem sido formidável e muito positivo para nós educadores. Sra. Renata: Boa tarde. Meu nome é Renata, sou professora, hoje atualmente eu trabalho como chefe de núcleo
numa coordenação de diversidade da secretaria, e quando a Dani fala do lugar de fala, quando criança eu não tinha um lugar, não tinha uma fala, não tinha uma voz porque eu não era vista e muito menos a minha voz era ouvida, eu era uma criança muda, a minha inquietação é como professora, como criança que fui, porque quando penso em educação penso na minha infância e na minha história de vida, e aí quando a gente se coloca, aqui todas as mulheres negras que estão aqui têm histórias de vida que algum momento se distancia, se afasta uma das outras, são semelhantes, momentos de dor, sofrimento, mas de prazer e satisfação, momentos de desamor e amor, enfim, nós partilhamos isso, e exige essa conexão com outras mulheres, com as nossas mães, tataravós, nessa questão da ancestralidade; mas por que estou dizendo isso? Porque essa história, como criança, eu fui estuprada quando criança, e hoje como professora adulta eu tenho um racismo institucional aí para contribuir e essa violência simbólica que a gente sofre diariamente, mas tentando ser mais direta por que sei que o horário já passou, eu gostaria que vocês contribuíssem para dizer como é que 169
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a gente desconstroi, ressignifica e rompe essas barreiras, porque eu também acredito na Roberta, acho que não é tempo mais de falarmos do preconceito, mas sim romper e mostrar que é possível fazer outro olhar. Há pouco tempo a Cristiane esteve conosco ofertando uma oficina que foi muito bacana no seminário Cor da Cultura, eu gostaria que vocês colocassem isso, eu tive umas professoras que me influenciaram ao longo da minha vida, que tenho que citar, que é Lídia Garcia que foi minha primeira professora negra, e há pouco tempo conheci a Edileusa, que foi uma pessoa extremamente significativa, ela fala quanto tempo você vai ficar nesse processo de completudes, quanto tempo você não vai acreditar que você pode, na questão do mestrado, a gente fica patinando, fica querendo ser, querendo estar no mundo, querer acreditar e muitas vezes a gente desanima, então assim, esse diálogo entre a escola institucional que fere, que mata, que mutila, muitas vezes a gente dialoga, e a gente, já matei, já fez isso, e a universidade, que é um diálogo ainda, eu diria, pequeno, mas que já está acontecendo. Como é que a gente faz para ver isso acontecer nas escolas, porque se educação liberta, nos forma, porque que ai-
nda a gente.... eu como professora tenho alguns momentos que eu ainda me sinto impotente, estar com vocês aqui hoje é aquele momento do coletivo, do fortalecimento, da nutrição, e de ver, poxa, é possível, porque estar nesse lugar que vocês estão a gente precisa ser muito boa sempre. Então é isso. Obrigada, eu saúdo a vocês e as minhas professoras queridas Edileusa, Penha e Lídia, e Adelina e Simone que a gente trabalha junto. Sra. Cristiane Sobral: Agradecendo a presença, o carinho de vocês durante todo esse tempo que estamos aqui juntos, eu queria mesmo agradecer também as menções que foram feitas aqui para esse trabalho que é nosso, considero que é nosso. A sua questão sobre forma e conteúdo é muito pertinente, eu vou te explicar, eu sou professora de artes visuais e professora de artes cênicas, quando eu estive na academia gostei muito e leciono com muito prazer sobre Shakespeare, Calderon de la Barca e todos esses autores que muito me ensinaram, inclusive sobre ferramentas para escrita, acho que nós não temos que fazer esse exercício da negação, o que nós queremos é aumentar o espaço de expressão, fazer com que outras informações também cheg-
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uem dentro desse espaço acadêmico, acredito que todo homem é político porque política são todas as ações então forma e conteúdo, no meu trabalho eu sou bem obcecada pela questão da forma, porque eu acho que não adianta a gente produzir o grito, a questão do discurso, abaixo o racismo, o que é isso, acima de tudo me coloco como esteta, acho que tem que ter essa preocupação de produzir. A minha vida foi colocada aqui no planeta como artista e eu sempre vou defender esse espaço de representação, e, Renata, acho que esse espaço da arte, como foi colocado aqui em algum momento, é o espaço que rompe, que faz com que a gente possa superar todas as nossas dificuldades, todas as nossas dores, eu tenho um poema pequenininho chamado Flor que diz: - “Tenho uma cicatriz incandescente de dor, mas é só por dentro, por fora desenhei uma flor” - eu finalizo mesmo dizendo isso porque acredito que as nossas dores podem ser superadas, podem ser transformadas, e a resposta que a população negra tem para dar para esse país é uma resposta positiva, uma resposta de luta, uma resposta de transformação, não é uma resposta de vitimização, não é uma resposta de
sofrimento que é paralisado, muito pelo contrário, acho que todos nós estamos desafiando a história, mostrando possibilidade de reinvenção a partir inclusive dessas cicatrizes para tentar construir um novo mundo para a gente, e não há outro caminho senão fechar as nossas trincheiras, caminhando juntos, assim como eu quando estava aqui em Brasília quis escrever, fui para São Paulo para conhecer Os Cadernos Negros e lá sentei e falei, deixa eu ouvir os meus mestres, deixa eu ouvir os meus mais velhos, sempre me refiro a Conceição, quando estou numa mesa, minha mais velha, porque acredito que essa sabedoria é que vai nos fortalecer mesmo na nossa caminhada, inclusive para quando a gente leva esses sustos aí pelo mundo afora, então não dá para a gente caminhar sozinho, não dá mais para a gente acreditar, assim como um evento como esse que já está na 6ª edição, a força desse evento é a força do coletivo, é uma frase que foi repetida inúmeras vezes aqui, é preciso uma multidão para criar uma criança, termino dizendo isso, para construir esse mundo que a gente quer morar vai ser todo mundo aqui dando a mão e pensando, eu seguro a sua mão na minha para que juntos possamos fazer aquilo que
eu não faço sozinha, ai de mim. Quero deixar mesmo esse axé para vocês, da força do coletivo, é nessas águas aí que eu quero continuar bebendo, e agradeço toda energia boa que vocês me deixaram aqui nessa tarde. Muito obrigada. Sra. Priscila Preta Toda vez que a gente fala sobre produções negras e racismo a gente sempre vai para esse campo da educação, também sou professora e há pouco também ouvi coisas como.... perdi crianças porque a mãe falou que eu estava ensinando coisas do diabo, mas em contraponto também tive uma turma de adolescentes de diversas religiões que produziram uma encenação sobre respeito religioso, e aí eu acho que é mais importante dizer respeito do que tolerância porque quando a gente tolera a gente não respeita, só estamos tolerando porque o outro está falando que aquilo não pode ser feito, e respeito não, você vai conviver com aquilo de uma forma orgânica, com amor, independente de diferenças e aí citando de novo o professor Marcos, que é uma referência muito grande para mim, ele fala que o passado é uma coisa que está a nossa frente, nós enxergamos o passado e o futuro está para trás, então acho que trabalhar com essas
questões na educação, na arte, na nossa vida é agora, mais do que denunciar, mas anunciar, o que queremos anunciar, o que a gente quer fazer, eu trabalhei na comissão julgando projetos, educar pela igualdade racial no CEERT, e aí tinha professores super engajados e tal, e aí você via, por exemplo, um teatro de um menino negro lá no tronco apanhando, eu também faço teatro e o meu grupo, nós já decidimos que isso não é o que a gente quer mostrar, eu quero mostrar outras coisas, eu quero mostrar que eu sou bonita, quero mostrar que sou forte, quero mostrar outras culturas, eu quero mostrar Adinkras, eu quero mostrar escritas que ninguém nunca me contou, eu quero mostrar outras histórias, quero mostrar tecidos, o que é isso? Quando a gente vai falar do branco historicamente não falamos - ah! é porque ele foi colonizador e tal -, só falamos que - ah! é porque teve, sei lá o quê - conta diversas histórias, e a gente tem cinquenta mil, novecentos milhões de coisas para contar que não essa cabeça baixa, essa mão para trás, essa chibata, eu estou cansada disso, então acho que trabalhar com a questão racial vai passar pela dor, mas o que é ampliar esse corpo, o que é criar essa identidade que é trabalhar com 171
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esse educando que tem formas de medicina, tem formas de arte, tem formas de matemática, tem formas de escrita, ele tem também, que não é legal, que tem o outro, mas você também tem; eu também tenho essas aflições e acho que esse exemplo desse semestre, que eu tive essa finalização agora em junho, para mim deu uma zipada desse pensamento que foram cinco, mas ficaram quinze que estão se propondo a pensar esse mundo de uma forma diferente. Queria agradecer de novo, convidar vocês para ficar um pouquinho aí depois para ver o nosso recital, vai ser muito bom ter vocês, pensando que essas vozes são nossas, quando a gente escreve ou quando qualquer coisa que fazemos estamos falando por muita gente que veio atrás e muita gente que está por vir. Muito obrigada, que o nossos caminhos estejam sempre abertos para os encontros, que a gente sempre consiga se fortalecer para quando estiver “sozinha”, a gente está com um olhar de todo mundo que está aqui, que é isso que deixa a gente preparado para a luta e pronta para o amor também. Axé. Obrigada. Sra. Poliana Martins Obrigada Priscila, obrigada Cris, agradeço a vocês que estiveram aqui com a gente, vamos acreditar na força do coletivo. Para encerrar eu vou passar a palavra para a Conceição Evaristo que vai nos contar uma história. Sra. Conceição Evaristo “Uma noite eu acordei e uma estranha pergunta vazou de minha boca, de que cor eram os olhos de minha mãe, atordoada eu não conseguia reconhecer o quarto em que eu estava dormindo, e a pergunta, de que cor eram os olhos de minha mãe. Aquela pergunta havia surgido há meses, há tempos entre um afazer e outro eu me pegava pensando de que cor seriam os olhos de
minha mãe. Interessante que até então aquilo tinha sido uma mera pergunta, mas naquela noite tomou um tom acusatório, então eu não sabia de que cor eram os olhos de minha mãe? Eu achava tudo muito estranho por que eu tinha lembrança de vários detalhes do corpo dela, da unha encravada, do dedo mindinho do pé esquerdo, de uma verruga que tinha no alto da cabeleira dela às vezes mãe, de lavadeira que era, deixava a lavação, o passa a passa de roupa e se tornava uma grande boneca negra para as filhas. Um dia nós penteando o cabelo dela nós descobrimos uma bolinha, pensamos que fosse carrapato, uma de minhas irmãs aflita querendo livrar a boneca mãe daquele padecer puxou rápido a bolinha, a mãe e nós rimos, e rimos, e rimos de nosso engano, a mãe riu tanto das lágrimas escorrerem, mas de que cor eram os olhos de minha mãe? Ah! Eu me lembro que às vezes no final da tarde, a mãe assentava conosco na soleira da porta e nós ficávamos olhando as artes das nuvens nos céus, umas eram cachorrinhos, outras gigantes adormecidos, outras carneirinhos, e havia aquelas nuvens que eram só nuvens. A mãe espichava o braço que até o céu puxava aquela nuvem,repartia em pedacinhos, enfiar rápido na boca de cada uma de nós. Tinha de ser tudo muito rápido antes que a nuvem derretesse, e com ela os nossos sonhos derretessem também. Mas, de que cor eram os olhos de minha mãe? Havia uma brincadeira preferida, principalmente nos dias de pouco ou nenhum alimento, era aquela brincadeira que a mãe se tornava uma grande rainha para as filhas, ela sentava num banquinho de madeira, que era o trono, e nós colhíamos flores que davam num terreninho que cercava o nosso barraco; aquelas flores eram colocadas nos cabelos, nos ombros, nos braços de mãe; em volta dela nós dançávamos, corríamos, cantávamos, a mãe só ria, um sorriso triste, molhado e havia um momento que nós deitávamos e batíamos cabeça
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para a grande rainha. Mas, de que cor eram olhos de minha mãe? Eu achava muito estranho porque havia tempos que eu estava fora de casa, eu tinha saído para uma cidade em busca de uma melhoria de vida, mas eu nunca tinha esquecido do valor da minha mãe na minha vida, não só de minha mãe, mas de todas as mulheres da família, aliás, eu não tinha esquecido nem o valor das outras mulheres, as nossas ancestrais que haviam ficado na África e por que então eu não conseguia lembrar os olhos da cor da minha mãe? E atordoada com aquela pergunta eu resolvi que eu teria que voltar a minha casa, eu teria que voltar a minha cidade e contemplar os olhos da minha mãe para nunca mais eu esquecer a cor dos olhos dela, eu precisava jogar novamente o meu olhar no dela, e assim eu fiz, voltei à minha casa, e depois de dias e dias de viajem, quando eu cheguei na minha casa
e eu olhei os olhos de minha mãe, vocês não sabem o que eu vi, vocês não sabem o que eu vi, eu vi tantas lágrimas, mas tantas lágrimas nos olhos de minha mãe que eu pensei que no lugar de olhos ela tivesse rios sobre a face, mas no entanto ela sorria feliz. E foi então que eu descobri, a cor dos olhos de minha mãe era a cor de olhos d’água, águas de mamãe Oxum, águas tranquilas, serenas, mas profundamente enganosas para quem contempla a vida só pela superfície. E hoje que eu descobri a cor dos olhos da minha mãe eu busco descobrir a cor dos olhos de minha filha e às vezes nós ficamos numa brincadeira em que olhos de uma se tornam espelho para os olhos da outra e outro dia quando eu estava neste doce brincar, quando a minha menina jogou o olhar dela dentro do meu eu escutei quando ela me perguntou, mas ela me perguntou tão baixo como se fosse alguém que
tivesse no momento de decifrar um grande mistério, eu escutei quando a minha filha me perguntou: mamãe, qual é a cor tão úmida de seus olhos?” Esse conto se chama Olhos d’Água, ele está em Cadernos Negros, acho que era 28, e ele nasceu primeiro oralmente, num dia deu um clic, eu contei, contei, aí eu contava, contava, as pessoas diziam, onde eu posso ler? Aí que eu vi que eu não tinha publicado. Então acho que isso marca bem essa presença da oralidade na nossa forma de escrever. Sr. Poliana Martins: Obrigada Conceição. Bom, a Cris quer falar do livro dela. Não? Quem quiser adquirir tem esses dois volumes, estão lá fora, e acho que da Conceição deve estar por aí esses dias, e a Priscila daqui a pouco tem um lançamento. Gente, muito obrigada, prazer enorme estar com vocês, e até mais.
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G ênero e C apoeira : V oz , C orpo e T radição Sra. Marília Gonçalves – Mediadora: Eu gostaria de chamar para compor esse nosso bate-papo a mestra Janja, que é professora na Universidade Federal na Bahia, a mestra Paulinha, que também é professora na Universidade Federal na Bahia, e a Renata Zabelê que é professora na Universidade Federal de Goiás. Vamos pedir para as professoras, começando pela professora Renata, que falem um pouco sobre a trajetória delas na capoeira e sobre a importância da mulher na capoeira. Professora Renata Zabelê (UFGO): Queria primeiramente agradecer o convite, já tinha ouvido falar das outras edições desse evento com muita curiosidade. Como a Marília falou, eu sou professora da Universidade Federal de Goiás, trabalho no curso de Licenciatura em Dança e sou uma profissional da dança também. Mas hoje eu queria falar como capoeirista. Acho que ao longo da minha trajetória com capoeira eu passei por outras experiências, por outros grupos, mas o “Angoleiro sim sinhô” é um marco na minha história porque me potencializa muito como uma figura que não só se beneficia da capoeira, mas como pode colaborar com o processo de manutenção e recriação da capoeira. Esse grupo tem sede na cidade de São Paulo e eu moro em Goiânia. Mudei para Goiânia em 2010 e cheguei com essa identidade de “Angoleiro sim sinhô” muito marcada. Encontrei um cenário de capoeira muito convidativo, grupos pequenos, mas muito coesos e articulados. Grupos que se visitam, que realizam festas, que realizam rodas semanalmente e eu passo a integrar essa cena da capoeira na cidade de Goiânia. Dessa integração surge o interesse de orVI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
ganizar um movimento de mulheres. Tudo começou com uma roda no Dia Internacional da Mulher. Foi uma experiência bacana. Criamos o Ginga Menina, que teve a primeira edição em 2012 com a presença muito especial da mestra Janja, madrinha do evento. O Ginga Menina surge como um projeto de algumas mulheres que participam de grupos de capoeira ali da cidade de Goiânia, em articulação com o projeto de extensão da UFG, mais especificamente da faculdade de Educação Física e Dança na qual eu trabalho. Mas o interessante disso é que o Ginga Menina, dentro desse programa que foi o Corpopular, acabou criando uma força própria. Ele se deslocou do programa Corpopular mais vinculado à universidade e começou a caminhar com as próprias pernas. Dessas experiências começa a se desenhar no cenário da cidade, especificamente da capoeira, um coletivo social historicamente excluído: mulheres e praticantes de capoeira. São diferentes grupos diferentes e de cidades diferentes com histórias distintas e construídas em diferentes tempos e espaços que se encontram com interesses de ampliar as possibilidades de vivência com a Capoeira Angola e de colocar suas experiências como mulheres na capoeira em debate, todavia sem negar os seus lugares de origem, os grupos de capoeira e a relação com os mestres. Uma coisa que a gente considera importante é que os nossos mestres participem do Ginga Menina e estejam ali participando desse debate porque a nossa ideia não é criar um movimento paralelo de capoeira e, sim, contribuir para essa reflexão da mulher dentro da capoeira, fora e dentro dos espaços oficiais da capoeira. A ideia do evento é bem essa, mulheres organizando evento, mulher armando o berimbau, afinando a bateria, mul175
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her coordenando a roda, mulher cantando e jogando para que as mulheres capoeiristas tenham um espaço de vadiação e crescimento dentro da capoeira, para que os homens capoeiristas possam perceber a importância dessas mulheres na capoeira, para que as mulheres que ainda não começaram a praticar a capoeira vejam que existe um espaço reservado para elas, para que os homens que ainda não começaram a praticar capoeira percebam desde já que capoeira é para homem, menino e mulher. Acho que a ideia mesmo é que o Ginga Menina seja um espaço político, sobretudo educativo, sobretudo um espaço de formação. Estamos todos nós mestres, nós aprendizes, nós mulheres, nós homens pensando e refletindo sobre como a mulher pode se encaixar nesse espaço e pode assumir papéis de liderança e participações significativas. O Ginga Menina é então um espaço político, mas, sobretudo educativo e é nesse sentido que eu quero também abrir um espaço especial para as crianças. A ação Gingerê, realizada no evento de 2013, chama atenção para o fato de se reservar um espaço especial para as mulheres da capoeira é também reservar um espaço para seus filhos, razão pela qual muitas vezes as mulheres abandonam a prática. No meio da mulherada quase todo mundo tem filhos e isso é sempre uma questão: quando a gente tiver jogando capoeira quem vai ficar com as crianças? Então a gente resolveu deixar de tratar essa questão como uma questão individual e levar essa demanda para o evento. Organizamos oficinas, atividades especiais para as crianças e elas puderam participar de todo evento. Isso foi um ganho do evento em 2013. O primeiro Ginga Menina aconteceu dentro do programa Corpopular que foi o projeto de extensão contemplado pelo Proeste, um projeto de fomento à extensão. Já em 2013 ele aconteceu totalmente independente, aconteceu na garra mesmo. Agora esse ano a gente foi contemplado no-
vamente com esse edital, o ano que vem – 2014 - ele vai acontecer de novo com um pouco mais de estrutura, um pouco mais de subsídio financeiro e eu já deixo o convite aí para todos vocês. Acho que quando eu comecei a fazer capoeira, isso foi em 94, o primeiro dia que eu entrei numa academia que era uma aula de capoeira regional, o meu Mestre me falou que eu tinha jeito para ser angoleira e eu fiquei procurando essa tal Capoeira Angola e não consegui encontrar porque realmente era um momento em que as coisas estavam se organizando em São Paulo com a Capoeira Angola. O Nzinga começou em 95, o Angoleira começando em 93, mas do outro lado da cidade. Quando eu achei, se eu não me engano foi no morro do Querosene, uma roda que o Nzinga estava organizando, aí para mim foi muito forte eu já vi a Capoeira Angola pela primeira vez em minha vida sendo coordenada por uma mulher que era a Janja. Acabou a roda eu fui perguntar como é que era, quanto que era, onde é que era. Eu lembro bem dela segurando assim o berimbau, me falando, me dando o endereço e tal. Tenho até hoje o cartãozinho com seu bip. Ela me deu o cartãozinho com o bip dela para eu entrar em contato. Isso foi muito forte porque a minha vivência com capoeira até então eu mal tinha acesso, eu mal via o berimbau e quando eu fui ver o berimbau numa roda de Capoeira Angola eu já vi na mão de uma mulher. Isso para mim foi muito representativo, eu acho que isso marcou muito toda a minha trajetória na capoeira. Eu vim parar aí no Ginga Menina que está começando, um bebê, está engatinhando, mas eu acho que ele tem
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muita força e potencial para acontecer. Estão todos convidados, ele acontece tradicionalmente no mês de março na cidade de Goiânia aqui pertinho, as capoeiristas de Brasília, por favor, cheguem lá. 177
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Sra. Marília Gonçalves Mediadora: Agora vamos ouvir a mestra Janja. Eu acho que foi muito representativo essa fala da Renata. A primeira pessoa que você viu segurando um berimbau foi uma mulher, a mestra Janja. E hoje em dia, infelizmente, em alguns momentos, em alguns grupos, a gente ainda não consegue ter essa imagem. Mas vamos trabalhar para fortalecer isso cada vez mais. Mestra Janja (Grupo Nzinga) Vou começar fazendo uma afirmação aqui bem pesadinha. A capoeira hoje poderia ser considerada uma comunidade internacional, que a despeito de todas as diferenças culturais, é um espaço extremamente sexista, homofóbico e lesbofóbico. O que significa ser mulher dentro da capoeira sendo uma mulher dentro de uma cultura machista, homofóbica, lesbofóbica. Eu e Paulinha temos trilhado esse caminho juntas. Desde
o primeiro grupo onde nós entramos, na Bahia, e depois a fundação do nosso grupo, que de certa forma é um grupo para a trajetória de luta de mulheres no interior da capoeira. É um grupo que tem uma responsabilidade muito grande. Eu vou falar disso no final, até porque independente das poucas, raríssimas mulheres que têm conseguido alcançar esses espaços de poder dentro da capoeira na promoção aos espaços de Trenel, de Contramestre, Mestre de capoeira, ainda assim, a grande maioria delas está atrelada a grupos que são conduzidos e dominados por homens, portando carecem de autonomia, esse não é o nosso caso, por incrível que pareça não é o nosso caso. Nós somos de um grupo fundado por mulheres, que tem três Mestres,
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duas mulheres e um homem. Então nós temos aqui uma comunidade desafiada permanentemente a revisitar em princípios, olhares, e entender esse papel político e histórico que a capoeira busca evidenciar. Se a capoeira nas últimas décadas conseguiu de certa forma traduzir o seu compromisso com a luta antirracista, o que nós queremos agora através da interseccionalidade dessa própria luta, é dizer que não pode ficar de fora a luta antissexista. Responda rápido: como se faz uma capoeirista? Primeira opção: treinando capoeira várias vezes por semana, incorporando a capoeira como uma tripla, quádrupla jornada de trabalho? Segunda opção: aprendendo tudo o que os homens aprendem jogar, cantar, tocar e, mais importante, deixando de lado essa coisa de ser mulher? Ou a terceira opção: enfrentando
o preconceito de amigos e familiares por estar no mundo dos homens? Parabéns! Se você respondeu as três, acertou. Uma capoeirista se faz conciliando possibilidades, vivências e práticas. Se tem uma coisa que nós, sobretudo da Capoeira Angola, temos uma dificuldade muito grande é de traduzir a capoeira: é luta, é dança, é jogo, o que é, é tudo isso e mais um bocado disso. Politicamente chega para nós de uma maneira desafiadora, mas ao mesmo tempo confortável em podermos dizer: é filosofia de vida. Enquanto filosofia de vida ela passa a atuar como um espaço de autoconhecimento de autorreconhecimento, e portanto, de formação e às vezes de reforma. Então é necessário que a gente produza essa compreensão. Por que é importante falar de capoeira? A gente não tem dados precisos hoje no Brasil com relação ao número de praticantes de capoeira. Vários são os ministérios envolvidos nessa temática, vários são os universos aqui dentro presente brigando, dialogando e às vezes conciliando nas teias culturais, mas o importante é que, se 179
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a gente levar em conta dados produzidos pelo Ministério da Educação, devemos ter hoje em média no Brasil algo em torno de 9 milhões de praticantes da capoeira nos dois estilos. E alguns dados através de levantamentos muito difusos de alguns órgãos de governo e de iniciativas particulares nos levam a acreditar que nós mulheres somos hoje algo em torno de 35% desses praticantes. Poderíamos estar aqui dando pulos de felicidade, comemorar, porque você pensar em 9 milhões, pensar 35% de 9 milhões é algo significativo. Mas sem sombra de dúvida, se não fossem algumas propagandas, alguns folhetos de divulgação, pensaríamos que as mulheres da Capoeira Angola não prestam muito para essas coisas não. Primeiro porque jogam a
capoeira com o corpo todo coberto, camiseta dentro da calça, não tem aquela coisa daqueles topzinhos, o corpo de fora, barriga de fora, a calça aqui embaixo. Então a gente não serve muito para esse universo midiático. Algumas revistas que surgiram no Brasil da década de 90, uma delas a de maior circulação durante as quatro primeiras edições, traziam na capa as Ronaldinhas, Paula Burlamaqui, Tiazinha. Tivemos que fazer uma grande pressão e dizer: olha a comunidade de capoeira quer informação sobre a capoeira. Não acreditaram até o dia que, depois de muita insistência nossa, eles lançaram a quinta edição com o Mestre João Grande na
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capa e a revista esgotou num piscar de olhos. Com o avanço da internet, essas revistas foram perdendo força, mas o fato é que a gente tem uma quantidade muito grande de mulheres. Poderíamos estar dando pulos de felicidade? Sim, não fossem as ocorrências que fazem com que essas mulheres sejam invisibilizadas. Poderia dizer com muita tranquilidade que não existe nenhum tipo de violência contra as mulheres dentro da sociedade mais abrangente que não exista dentro do interior da capoeira. A violência física, psicológica, sexual, patrimonial, todos os modelos de violência que estão na sociedade mais ampla estão no interior da capoeira. Por que as dificuldades de nós mulheres lutarmos contra essa amarga realidade? Primeiro, porque nós somos prisioneiras da tradição. Toda capoeira ela é estruturada, você tem uma roda, tem um ser dentro de uma roda que é o capoeirista, o ritmo e o jogo. As mulheres passaram a se organizar exatamente no mesmo momento em que elas se viram em condições de reconstruir a sua trajetória dentro dos movimentos sociais mais amplos. Da mesma forma que a capoeira começa a se reorganizar no fim do regime militar buscando uma exceção junto às demais atuações no cenário das lutas políticas do Brasil, as mulheres também dentro da capoeira passaram a compreender a necessidade de se organizar. A presença dessas mulheres deve ser compreendida como resultado de muitos esforços, e, portanto, estar na roda, sem sombra de dúvida, é algo que deve ser extremamente valorizado. Não é o que acontece normalmente, e as formas como a maioria das mulheres acaba sendo valorizadas dentro da capoeira passa inclusive por questões de relações interpessoais. Estou falando de um cenário de uma forma muito genérica, mas a partir de uma série de instrumentos que venho reunindo ao longo de muitos anos, de cartas, de correspondências de mulheres capoeiristas, que
de certa forma tem em mim uma pessoa da sua confiança e relatam episódios de extrema violência. Fora isso, é a forma simbólica como essa violência ainda se encontra materializada no espaço aparente. Porque uma coisa é o espaço não aparente, aquele que é interno ao cotidiano dos treinamentos em que a mulher normalmente ela fez ali um movimento errado. Se o Mestre, se o mais velho não tem uma perspectiva de produtividade sobre aquele corpo que está ali treinando, ele olha que está errado, mas tudo bem, coitadinha ela conseguiu chegar até aqui então vamos deixar. Os elementos formativos dela são totalmente incorporados de maneira diferenciada dos elementos formativos dos homens. E isso muitas vezes está atrelado ao fato de ainda, por incrível que pareça, existir uma compreensão da capoeira que prevalece o sentimento da capoeira enquanto luta. Eu preciso formar a minha tropa de elite aquela que na hora que aparecer alguém por aquela porta ali e tirar uma onda de engraçadinho aqui dentro do meu grupo, eu possa pegar a minha tropa de elite e colocar ali à disposição para poder fazer aquele enfrentamento. Por outro lado, é exatamente a presença da mulher e o avanço da presença da mulher no interior da capoeira que mais possibilidades facultou à própria capoeira para o questionamento e até mesmo as rejeição às manifestações de violência no interior da capoeira. Com o avanço do número de mulheres no interior da capoeira, a gente também consegue avançar com o número de crianças no interior da capoeira. Não mais aquelas crianças vinculadas especificamente a projetos socais, aqueles que precisam tirar a criança da rua, nada disso. Mas de comunidades, grupos com formação iniciática. Essas comunidades têm sido grandes responsáveis por repensar esses espaços e os aspectos de desigualdades que estão ali de certa forma balizando vias distintas de formação de crescimento dessas pes181
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soas no interior da capoeira. As mulheres capoeiristas começaram a discutir de que forma se podia enfrentar isso. Se nós estamos posicionadas como herdeiras de uma tradição, não apenas aquela que diz: mulher não pode abrir roda, mulher não pode ir na mata cortar berimba para fazer berimbau, mulher não pode isso, mulher não pode aquilo. Não apenas essa, mas de dizer que muitas das ideias ou muitas das inovações trazidas por essas mulheres para o interior da capoeira são imediatamente recusadas porque não comporta numa tradição. E aí a gente está de certa forma anulando com o princípio da dinamicidade com as próprias tradições africanas. Isso é muito preocupante. A solução encontrada foi exatamente constituir dentro da comunidade comunidades a partir dessas comunidades, ou seja, é muito difícil para um monte de mulheres do mesmo grupo fazer um enfrentamento a violência dentro do seu grupo. Até porque muito provavelmente na roda seguinte ia aparecer aquele pé na cara, aquela mão da bunda, aparecer várias formas de se tentar dizer para ela “ache e volte para o seu lugar”. A estratégia foi exatamente criar coletivos de mulheres capoeiristas formada por mulheres de vários grupos
como a gente tem o Ginga Menina de Goiás que, mesmo sendo uma atividade do âmbito acadêmico, vem também com proposta de reunir mulheres. Primeiro porque a gente reconhece que tem aspectos da nossa trajetória que são facilmente conciliáveis, obviamente que tem outros que não. Se a gente aponta uma série de dificuldades para a mulher no interior da capoeira, obviamente essas dificuldades serão muito maiores para as mulheres negras, hoje minoria no interior da capoeira, o que para mim também é um outro dado alarmante com o qual nós temos lidado nas nossas reflexões. Quando eu falo isso sempre exige aquela fala: ah, não tenho nada contra a presença das pessoas brancas. Mas não é por aí. Chamo todas as pessoas que estão no interior da capoeira a refletir inclusive sobre o pouco número de mulheres negras hoje no interior da capoeira. O que está acontecendo com a capoeira hoje é a mesma coisa que está acontecendo com todas as demais expressões das culturas populares, sobretudo, de matrizes africanas no Brasil. E todas elas com a rubrica nefasta da universidade: jongo universitário, cacuriá universitário, forró universitário, capoeira; começou com universitário agora
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chegou o do Senhor, capoeira do Senhor, capoeira de Jesus. Então se apropriam, tiram os instrumentos, tiram os referenciais de maior profundidade “litúrgica” para nós e transformam as músicas, a nossa literatura de resistência, em versões gospel absurdamente violentas para a memória dos nossos antepassados. Esse é o cenário que a gente tem vivido. Agora, entre outras grandes contribuições, não podemos deixar de citar o fato de as mulheres estarem produzindo pesquisas sobre a capoeira. Nós estamos preocupadas com o registro. Essas questões que envolvem a presença da mulher na capoeira precisam ser melhor posicionadas e qualificadas. Não é aquela coisa de achar que a gente quer fazer grupos exclusivos de mulheres. Para mim seria o nirvana, mas ainda não é por aí. Até porque eu sou angoleira, aliás eu não sou 100% angoleira, eu sou 200% angoleira, porque sou iniciada concomitantemente na Capoeira Angola e no Candomblé de Angola, e não defendo que as nossas tradições passem por esse modelo de transformação. Então não significa fazermos grupos específicos e exclusivos de mulheres, mas significa dizer ao contrário do que disse Mestre Pastinha: “eu nasci para a capoeira”. As mulheres
estão dizendo: eu escolhi a capoeira. E a escolha hoje na vida de qualquer mulher é uma atitude extremamente revolucionária. Dar conta de tudo o que a gente tem que dar e ainda por cima estar nos grupos de capoeira, recusando estar naquele lugar de quem escreve projeto, de quem varre o chão e de quem serve salgadinho no final dos eventos. Podemos até fazer isso, mas não só isso. Não nos interessa mais apenas os instrumentos periféricos da capoeira. Não que eles não sejam importantes, todos são. Mas nos interessa a possibilidade de tocar o gunga que é um instrumento representativo do poder no interior da capoeira, puxar o canto, entoar um processo interpretativo, seja daquele momento que a gente está vivendo, seja daquele momento que a gente queira trazer para ser vivenciado. São atitudes que precisam ser pensadas no ponto de vista dessa mudança de paradigma. Tem que ensinar para as meninas tocar o gunga e não apenas o recoreco. Uma das primeiras áreas que a gente colocou bastante a nossa atenção foi a questão das músicas. Existiam músicas no interior da capoeira extremamente sexistas. Diziam para a gente que não pode mexer nas músicas porque são tradicionais. Eu digo: epa, epa, epa,
menos aí, porque a tradição é dinâmica e da mesma forma eu posso provar que existe uma música de capoeira que é cantada de um jeito na Bahia, e eu vou encontrar de outra forma interpretativa em vários outros lugares do Brasil. Mas dizer mulher cabeça de vento, juízo mal governado, assim como Deus não mente, a mulher não fala a verdade, coisa desse tipo. Ou dizer exatamente quem toca pandeiro é homem, quem bate palma é mulher, coisinhas assim simples ou até aquelas que são provocativas e que de certa forma anunciam o lugar de exploração sexual da mulher na capoeira, a gente tem buscado evitar e evitar isso é exatamente a ação desses coletivos. No início eu perguntei o que era preciso para formar a capoeira, agora a pergunta que a gente faz para a comunidade da capoeira é essa: a capoeira seria melhor sem a presença das mulheres? Por que tem tantas mulheres que treinam capoeira e tão poucas Mestras? De que forma esse momento aqui pode colaborar para o processo de enfrentamento a violência contra as mulheres? Só para finalizar, dizendo que a formação desses coletivos têm sido responsáveis pela realização de vários eventos de capoeira espalhadas pelo mundo todo e a gente sempre bus-
ca conectar esses eventos. A despeito das lutas mais amplas das mulheres na sociedade nós já fizemos várias conferências de mulheres em Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, pelo menos umas 15 delas nos Estados Unidos e outros países europeus. Fizemos uma conferência às vésperas da Copa do Mundo na Alemanha discutindo com a organização de mulheres que trabalham com o direito das mulheres refugiadas que nos ensinaram pra caramba a ampliar o nosso conceito de refugiadas. Trabalhamos com mulheres das associações de prostitutas daquele país, hoje nós pensamos os megaeventos esportivos no Brasil, esse que já passou das Confederações, e a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Você toma uma rasteira numa roda de capoeira antes que você saia dela a rasteira já está na China, já está na Rússia porque um celularzinho deu conta de colocar isso ali no youtube, e todo mundo sabe da rasteira que você tomou. A gente quer fazer valer esse processo comunicacional da capoeira hoje numa campanha que é de enfrentamento ao tráfico de mulheres e exploração sexual de meninas e mulheres voltadas para esses eventos. E dizendo isso vou me despedir já deixando o convite para vocês 183
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quando ficarem sabendo dessas campanhas busquem os grupos de capoeira ou se conhecerem grupos de capoeira entrem em contato com o pessoal do Nzinga, do “Angoleiro sim sinhô”, para a gente construir esse processo coletivamente. Obrigada. Sra. Marília Gonçalves Mediadora: Muito agradecida mestra Janja por sua fala, pelas questões postas. Eu acredito que as partir dessas questões nós todas que somos mulheres capoeiristas, podemos pensar e repensar o nosso lugar também enquanto mulheres capoeirista, repensar a nossa posição dentro dos grupos aos quais nós fazemos parte, se é capoeira regional, capoeira de Angola e pensar em que nível esses grupos estão nos valorizando enquanto mulheres e como é que nós estamos também nos posicionando enquanto mulheres capoeiristas. Eu acho que a fala da mestra Janja traz isso muito nítido para a gente, para a gente fazer essa reflexão mesmo acerca do nosso posicionamento enquanto mulheres capoeiristas. Mestra Paulinha, a palavra é toda sua. Mestra Paulinha (Grupo Nzinga) Obrigada pelo convite gente. É a segunda vez que eu estou participando do festival. É um prazer muito grande. O objetivo é que a gente tenha uma troca hoje aqui, e não façamos apenas palestras. Então vou me beneficiar muito pelo que já foi dito por Renata e por Janja. Primeiro o comentário sobre a importância de reunir as mulheres capoeiristas para ouvir o relato das mulheres e para saber mais a trajetória dessas mulheres. Eu acho que documentar VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
a trajetória das mulheres na capoeira vai ajudar a gente a responder a pergunta sobre como construir a igualdade de gênero no cotidiano. Vamos falar um pouco de outra iniciativa que nós temos na Bahia que são os eventos “Chamada de Mulher”. O que a gente já viu a partir dessa experiência? Primeiro, o fato de que nós temos iniciativas intergrupais. Não quero falar de maneira assim teórica do que deveria ser feito, de como deveria ser feito, eu quero falar do que está sendo feito a partir de experiências concretas. Concretamente o que tem acontecido mais repetidamente nas últimas duas décadas têm sido iniciativas intergrupos. As mulheres que estão participando de vários grupos de capoeira têm encontrado nessa estratégia uma maneira de fortalecimento coletivo e tem realizado muitos eventos que, aí já avançando um pouquinho a reflexão, tem talvez, encontrado uma maneira de lidar e de reinventar a tradição no contexto da capoeira no que diz respeito especificamente à estrutura de grupos, o grupismo no mundo da capoeira. De alguma maneira essa estrutura de grupo trouxe dificuldades e precisou de certa maneira ser superada, é o que tem mostrado a experiência das mulheres. Dessa forma, essas fronteiras
entre os grupos que de alguma maneira embora tradicionais acabavam tendo um efeito reforçador da desigualdade de gênero, essas fronteiras elas têm sido atravessadas, têm sido pressionadas por essa iniciativa dessas mulheres. Outra coisa interessante é essa reescrita do universo musical da capoeira. Na verdade é a reescrita pela releitura, reinterpretação das letras das músicas no sentido que Janja já comentou aqui mas como essas músicas são cantadas. Vai além da reescrita e alcança um outro nível que é parte também de uma característica fundamental da capoeira que é o fato da capoeira ser uma performance, ser também performática já entrando um pouco aqui na área da Renata, profissional da dança. Ao praticar, ao experimentar com o corpo com a voz e ao forçar os limites da tradição reinventando a tradição, executando tudo isso através dessa maneira, a capoeira ela se constitui numa performance com caráter libertário e transformador. Aqui eu estou usando o performance muito no sentido de prática que por si só ao ser executada cria a realidade. Ao você falar, ao você cantar, ao você executar, ao nomear algo e mais ainda ao executar com o corpo como movimentos da maneira que a gente pratica a capoeira, a
gente está já criando realidade, interferindo no real e o transformando. Esse aspecto é um aspecto que merece uma atenção bem especial porque é um tipo de empoderamento que vai muito além do racional, desse sentido performático, é mais do que você falar sobre, denunciar, dizer que você quer fazer, é você executar com o corpo. Outra característica da capoeira que requer de certa maneira um modo também particular de provocar transformação. Não se pode promover, praticar igualdade de gênero na capoeira apenas falando sobre isso. Embora esse espaço de conversa de troca aqui seja bastante importante. Mas a minha provocação é mais no sentido de destacar o quanto a prática de tudo isso tem um caráter por si só transformador. Daí que vamos chegar numa situação complexa em que temos como se fosse uma mesma moeda com as duas faces. Por um lado toda a realidade da violência em todas as suas formas como a Janja bem mencionou aqui, e por outro lado a transformação ocorrendo pela própria presença das mulheres. A presença física, o corpo presente e em movimento das mulheres nos espaços da capoeira pela tradição de terem se constituído como os espaços de construção da mascu185
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linidade já é por si só transformadora. Imagine o quanto isso pode ir longe à medida que você começa a ter grupos liderados por mulheres. Agora como interpretar esses episódios de violência que continuam acontecendo na capoeira ao mesmo tempo em que você tem mais mulheres presentes, inclusive liderando? Poderíamos pensar nessa relação complexa entre avanço e retrocesso. Eu diria que esses episódios
de violência podem ser respostas, reações, maneiras reativas de lidar de certa maneira, de responder ao avanço que as mulheres já estão pela sua própria presença, forçando, realizando na prática. Isso tem acontecido em vários contextos em que as mulheres ou mesmo grupos subordinados de maneira mais geral pressionam por mudanças. Não é raro que em seguida a períodos ou episódios de transformação você tenha a tendência ou tentativas de retroceder, reações às vezes muito mais conservadoras justamente para retirar aquele espaço que esses
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grupos subordinados estão alcançando que no caso aqui estamos falando das mulheres. O cenário que a gente tem hoje é assim complexo com as mulheres avançando ocupando espaços, provocando com a presença mudanças muito além do discurso, mas com sua prática, com sua presença, com o seu próprio corpo em movimento. As forças reativas conservadoras tentam retroceder, nessa linha do que Janja comentou, às vezes apelando para a tradição. Essas tentativas falham e a gente avança com dificuldade, mas avança. E com isso eu queria fechar aproveitando como exem-
plo para mostrar imagens do último evento “Chamada de Mulher”, realizado em Salvador, com iniciativa de mulheres de vários grupos organizando, liderando o evento, ocupando os espaços na roda de capoeira, dando aula, sendo protagonistas dentro dos espaços da capoeira. Essa é a sede do nosso grupo lá em Salvador, criando laços, fortalecendo as redes ao convidar e reunir num mesmo espaço mulheres de outros estados, de outras cidades, mulheres que no cotidiano não se encontram regularmente, juntando gerações diferentes de mulheres. Ver mulheres como Renata representando aqui uma outra geração de mulheres que já estão liderando, coordenando e sendo referência para outras. Estou cada vez mais me sentindo bem realizada ao ver esse tipo de experiência e de protagonismo de outras mulheres.
Ocupar os espaços públicos da rua como estamos fazendo nesse caso aí para alcançar um público mais amplo, para além desse público, vamos dizer assim, que pertence e participa do universo da capoeira, que a gente precisa se comunicar também para fora e para além dessa comunidade, participando de outras lutas das mulheres que não são capoeiristas como fizéssemos com essa iniciativa de uma roda, com uma caminhada num local bastante simbólico que é o Dique do Tororó que tem grandes esculturas dos orixás levando uma faixa que dizia: mulheres unidas pelo fim da violência contra as mulheres.
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Com a participação de Mestres, com a participação dos demais participantes desse mesmo grupo. É com essa mensagem que eu concluo, com a bênção dos orixás e vamos abrir para as perguntas. Sra. Marília Gonçalves Eu quero dizer que estou até sem fôlego por conta de toda essa contribuição. Enquanto vocês vão pensando nas contribuições de vocês eu gostaria só de colocar algumas
coisas aqui. Foi muito bacana a Renata trazer a questão do coletivo de mulheres dentro da capoeira e representatividade que essas mulheres têm e que o movimento dessas mulheres juntas tem no universo capoeirístico. E logo mais a mestra Janja veio e trouxe para nós a questão da violência contra a mulher, a importância de nós lutarmos e preservarmos o espaço da mulher dentro da capoeira considerando todas as especificidades que as mulheres têm para elas permanecerem no universo capoeirístico. E aí a mestra Paulinha traz para a gente a complexidade desse uni-
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verso capoeirístico, principalmente quando a gente fala da inserção da mulher nesse universo, nas dificuldades que ele apresenta para essas mulheres, para nós mulheres adentrarmos e permanecermos nesse espaço porque às vezes entrar na capoeira não é tão difícil, o difícil é a gente permanecer, e permanecer como mulheres capoeiristas, nós não estamos simplesmente treinando capoeira. Capoeira para nós não é um esporte qualquer, na verdade capoeira para nós, como a mestra Janja falou, se torna uma filosofia de vida. E aí a gente pensar nisso tudo e repensar o nosso lugar, repensar o nosso papel enquanto mulheres capoeirista é um desafio para os homens capoeiristas pensarem em nós mulheres dentro desse universo. E pensarem também nas posturas que eles precisam ter em relação à nossa inserção nesse universo. Porque afinal de contas, assim como a luta antirracista não é um papel só da população negra, a luta antissexista não é um papel só das mulheres, mas é um papel da sociedade inteira. Nós estamos falando de uma sociedade na qual nós buscamos esse respeito ao plural. É um desafio para os homens também repensar o lugar que eles têm e repensar o lugar que construíram no imaginário deles e da socie-
dade principalmente do universo capoeirista. Vamos começar com as contribuições de vocês. Sr. Charles Brasil (Universidade Federal do Acre): Boa tarde, eu me chamo Charles Brasil, da Universidade Federal do Acre, e também sou militante do Movimento Negro. Primeiramente gostaria de parabenizar vocês Mestras. Está sendo um momento de grande aprendizado. Eu gostaria de fazer duas perguntas à mestra Janja, que ela falou sobre o instrumento o gunga. Ela fala que esse instrumento é um instrumento de poder na capoeira. Eu gostaria que você falasse um pouco mais dele e porque que ele é um instrumento de poder. E você falou também sobre as Mestras, e aí eu pergunto como se dá a formação? E queria finalizar dizendo que eu ando nas universidades e na oportunidade eu falo que a luta contra o machismo, o sexismo, o racismo é uma luta diária, contínua, mas eu penso que um elemento fundante para combater ainda mais esses males poderia ser, como se fala tanto em reforma atualmente, reforma política, poderia se começar a fazer uma reserva de 50% do Congresso Nacional para as mulheres. Não poderia mudar o mundo com isso, mas já seria uma iniciativa fundante para combater essa discriminação, essa desigualdade de gênero e de raça nesse país. Eu finalizo dizendo que o lugar de mulher é em todo lugar. Muito obrigado.
Sra. Carol: Na verdade eu acho que vocês quatro falaram sobre o que eu quero perguntar. Mas qualquer pessoa que responda para mim vai ser um grande ganho. Tem seis anos que eu não treino capoeira, então o depoimento que vou fazer aqui agora é de seis anos atrás. Há dois anos que eu estou tentando voltar para a capoeira e tenho uma filha de três anos. Das experiências que eu vi de pais e mães que treinavam capoeira na época que eu treinava, eu vi uma solidariedade muito grande com pais no espaço do treino; não necessariamente com mães porque eu via mais pais do que mães que levavam as crianças para os treinos. E aí a professora Renata falou de quando tem os eventos que rola todo um coletivo para que as crianças participem e aí os pais e mães possam participar. E aí eu fico pensando assim: como é a permanência de mães na capoeira, na verdade
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eu me sinto meio culpada de levar minha filha para uma atividade que eu não sei se ela vai gostar. A gente tem um machismo já incrustrado na nossa mente. Eu queria saber se vocês têm algum depoimento de mães que conseguiram permanecer nos treinos e de levar as crianças e que o coletivo abraçasse a causa como eu já vi abraçarem as causas de pais. Estou com vontade de voltar a treinar. Sra. Andréia Eu fiz capoeira, comecei em 94, parei e depois reiniciei também o ano passado e também parei, pretendo retornar agora. Estou re-
tornando, estou conhecendo um grupo de Angola. Vocês relataram a questão sexista na capoeira e nas duas vezes que eu tive essa parada foi exatamente por esse motivo. O papel do Mestre na capoeira, penso eu, é um papel de primordial importância, assim como em outras artes. O Mestre teria que ser uma pessoa, um mentor para um aluno que entra porque ele não só vai fazer uma dança, uma arte ou uma luta, ele vai fazer também uma filosofia de vida. E eu me senti muito oprimida quando a gente entra e “ah entra uma aluna bonita”. Se você não dá moral para ninguém você é tida como sapatão. Se você
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se encanta com alguém, eu estou dizendo coisas que eu vi, “ah, você é uma mulher fácil, você é uma mulher não sei o que”. Eu presenciei esse tipo de coisa em grupos, eu vi esse tipo de comentário de outras garotas: “ah, porque ninguém leva aquela menina a sério porque ela é uma menina assim, assado, ela é uma mulher fácil”. Eu não gostava desse tipo de coisa. Acho que as mulheres devem ser respeitadas. O corpo pertence à mulher e ela pode fazer do corpo dela o que ela quer. Foi me questionado que isso não é ético, que a mulher não é a mesma coisa que os homens. Eu falei: “isso para mim não é ética, isso para mim é moralismo”. Então foi mais um motivo que me fez deixar a capoeira. Fico muito feliz quando eu vejo que tem esse tipo de discussão na capoeira porque eu realmente saí muito chateada, muito triste. Queria perguntar se vocês já tiveram esse tipo de experiência, e se vocês viram alguma aluna com esse tipo de experiência e se foi vencido, se isso é passado ou se foi um caso isolado. Muito obrigada.
Sr. Eloi: Boa tarde. Eu quero começar parabenizando à mesa. Eu sou africano. É uma pergunta rápida que quero fazer dirigida para a Senhora que falou que já tiveram várias vezes nos Estados Unidos, na Alemanha e demais países europeus. Vocês já tiveram uma experiência com grupos africanos? Porque eu sou africano e vivo isso. Os ensaios das matrizes da cultura que resultaram da capoeira brasileira ainda permanecem na África e são totalmente masculinos. Vocês pensam levar essas experiências dessa afirmação feminina que está surgindo? Muito obrigado.
muita conversa eu consegui com que todos participassem. Mas eu tenho muita dificuldade na questão de como direcionar o trabalho porque sempre surge, já é natural da criança e do adolescente, o homem se sentir superior no momento da movimentação, do jogo. Eu queria que vocês falassem um pouco desse direcionamento de se fazer um trabalho. Obrigada.
Sra. Clara: Boa tarde, meu nome é Clara, faço parte do grupo Nzambi de capoeira Angola da mestra Elma. Qual a mestra que tenha sido reconhecida formalmente como mestra mais antiga? É uma informação que eu tenho muita curiosidade de conhecer para trabalhar em cima delas, as origens delas, desse primeiro reconhecimento formal.
Mestra Janja (Grupo Nzinga) Antes de eu responder as perguntas eu queria só dizer que neste último evento que nós fizemos em Salvador “Chamada de Mulheres” nós aprovamos um documento chamado a Carta de Salvador, repudiando a violência
Sra. Marília Gonçalves Obrigada. Vou pedir que as nossas Mestras e que a Renata respondam as questões utilizando 3 minutos cada uma, pode ser? Ótimo, então vamos lá.
Sra. Isis: Eu vim de longe, vim de Uberaba, Minas. Estou muito feliz porque tenho certeza que vou sair daqui com bastante aprendizado, bem renovada. Eu trabalho nas escolas estaduais e quando eu entrei eles queriam que eu desse capoeira só para os meninos. Diante de 191
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contra as mulheres. Encaminhamos ao poder público a nossa solicitação de que Mestres e grupos de capoeira nos quais os Mestres ou as lideranças desses grupos estejam envolvidos em episódios de violência contra as mulheres não tenham mais acesso aos benefícios de editais públicos. A nossa luta não é porque nós somos capoeirista que deixamos de ser mulheres. Charles, você pergunta do gunga. O gunga são três berimbaus, gunga, média e viola. O gunga de certa forma dentro da nossa tradição é um instrumento que estará sempre em mãos de um mais velho, de um Mestre daquela pessoa com capacidade de coordenar aquela roda, de coordenar aquele momento em que ele estiver com o gunga na mão. As mulheres sempre ficaram na periferia das rodas. A música dizia quem toca pandeiro é homem e quem bate palma é mulher, depois elas pararam só de bater palma e chegaram a alguns instrumentos que não necessariamente os berimbaus. Eu ressalto o gunga porque é um instrumento que também faculta, normalmente a quem o executa, a possibilidade do canto. E a gente sabe que o canto da capoeira tem a ladainha, chula e corrida, você interpreta mensagens, você provoca, você faz uma série de
ações na entonação dos cantos, e, portanto, a gente sempre destaca o gunga como um instrumento uma representação dos espaços de poder dentro da capoeira. A formação das Mestras elas deveriam se dar como se dá a dos Mestres. E aí eu gosto de falar de Mestra mesmo. Nós hoje temos uma geração de capoeiristas, de crianças dentro dos nossos grupos que não imagina, não passa pela cabeça deles e delas que uma mulher que chega a essa posição possa ser chamada de Mestre. Então a gente vem falando de mestra ao longo de muitos anos e eles vêm aprendendo. Nós temos uma série de dificuldades que interferem mais na permanência do que na entrada das mulheres no interior da capoeira. São dificuldades extremante complexas, algumas são “pontuais”, outras dizem respeito às questões estruturais ou mesmo à sua impossibilidade de permanecer expostas a um verdadeiro arsenal sexista no cotidiano desses grupos. Temos um grande avanço hoje das mulheres nas discussões sobre os seus próprios direitos. E se a gente tem avançado do ponto de vista dessas discussões na sociedade, as mudanças produzidas no interior da capoeira elas são muito mais lentas. Não resta dúvida de que a gente poderia in-
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corporar uma coisa que no passado não existia, mas que hoje existe e é extremamente gigantesco, que é a economia da capoeira, o mercado da capoeira. Nós estamos falando também de disputa de territórios. Durante muitos anos me vangloriei de dizer: eu aprendi capoeira no lugar em que meu Mestre dizia aqui não tem nem homem, nem mulher. Eu achava aquilo o máximo e depois a ficha começou a cair. Tem uma armadilhazinha aqui em ter aberto mão de minha condição de mulher nesse processo que agora eu quero recuperar e correr atrás do prejuízo. Nós temos uma experiência no continente Africano, o nosso grupo tem um núcleo em Moçambique já, 8 anos por aí. Nós temos uma preocupação muito grande também com esse trabalho, eu já estive em Angola, Tanzânia, África do Sul, Moçambique. Em Angola nós fizemos um trabalho, eu e o Mestre Cobra Mansa. A gente deu aula para um grupo e no dia seguinte não tinha ninguém do dia anterior. Aí disseram: não é porque era tal grupo que estava aqui e hoje é tal grupo e amanhã será tal grupo. Eles não se encontram no mesmo lugar. Foi muito triste, mas em Angola nós tivemos a oportunidade de estar num espaço com uma média de 200 crianças e adolescen193
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tes capoeiristas e já tinha quatro meninas naquele contexto com muitas dificuldades. Realizamos um trabalho em Moçambique há algum tempo em um festival cultural, reunindo Mestres do Chitende, um ancestral do berimbau. Pouco tempo depois nós retornamos lá e fizemos um festival cultural chamado Capulana Cultural Capoeira, onde a gente conseguiu trazer de várias províncias mulheres que são lideranças culturais na preservação de expressões culturais, hoje também tão ameaçadas quanto as nossas aqui no Brasil. E naquele momento o que a gente queria era discutir isso com elas, a necessidade de elas estimularem as mulheres a participarem dessas comunidades. Clara, se você me perguntar quais foram as primeiras Mestras, a Mestra mais antiga a ser reconhecida no universo da capoeira, eu poderia dizer Maria Doze Homem, Júlia Fogareiro, Pau de Barraca, Júlia Endiabrada. Eu não vou cair na armadilha aqui que você colocou para mim de dizer que foi fulana e beltrana, aluna daquele e daquele Mestre. Existem formas e formas de reconhecimento. Tem gente que o Mestre chegou e colocou um símbolo de promoção que pode ser um cordel, pode ser um diploma, uma carteirinha, seja lá o que for, e essas pessoas não tem nenhum tipo de reconhecimento. Eu estou apaixonada por uma tal de Catu que foi presa aí no início da década de 20 no Pará. Estou estudando a vida dela e fiquei encantada com isso. Mas olha, Júlia Fogareiro, Maria Doze Homens, Pau de Barraca, para mim está de bom tamanho e eu quero passar também, convidar todas as mulheres capoeiristas a chamá-las Mestras. Mestra Maria Doze Homens, mestra Júlia Fogareiro, a gente se comprometer aí com essa reescrita da história da capoeira. Concordo
com você, mais mulheres em todos os lugares e, sobretudo no poder e perto de quem está com a chave do cofre porque poder sem a chave do cofre não serve nada. Sobre grupos exclusivos de mulheres, eu defendo a capoeira no contexto das nossas africanidades e não acho que a gente tenha o direito ainda de fazer essa radicalidade, embora eu considere o nirvana.
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Mestra Paulinha: Eu vou fazer assim os comentários rápidos sobre o seu depoimento, também o de Carol e já tentando fazer um link ali com a pergunta sobre a capoeira nas escolas. Seu caso não é único, não é raro, pelo contrário pegando um pouco como exemplo daquela situação que eu disse, justamente porque tem mais mulheres indo para capoeira a reação de alguns homens que já estão dentro dos grupos é de usar e tratar de maneira, vamos dizer assim, violenta e com esse tipo de violência essas mulheres que chegam nesse grupo. O grupo de capoeira se tornou mais um atrativo porque ali é um bom lugar para pegar mulher, isso é parte da realidade, está no nosso cotidiano. E você já apontou um pouco o caminho quando disse que os Mestres deveriam ter um papel mais ativo para evitar que esse tipo de coisa aconteça, mas o que você vê aí são os rótulos: se não quer nada com os homens que assediam é sapatona, como se isso fosse uma coisa negativa, e se aceita ter o relacionamento é uma mulher fácil, como se isso também fosse negativo. E é o caso nas escolas essa dificuldade e essa tensão para você querer separar é por causa dos rótulos. Esses papéis de gênero que são tão bem delimitados e que a gente desafia porque a dança ainda é aceita como uma atividade feminina, um espaço feminino, mas o componente de luta da capoeira já torna a capoeira um lugar onde não se vê como sendo um lugar feminino. É um desafio para a gente. Eu volto aquele ponto que eu tentei destacar: nós estamos ensinando a construir igualdade de gênero no cotidiano. Ao incentivar as mulheres para fazer uma atividade que tenha um componente de luta, que era tida como só masculina e ao fazer isso junto homens com mulheres e não separados como acontece muitas vezes nas escolas. Atividades físicas nas escolas segrega por gênero normalmente, que é algo que a gente desafia com a capoeira. Não
tem uma fórmula, mas é algo que a gente vai tendo que resistir para não aceitar esses papéis de gênero que já estão aí dessa maneira rotulados, que é a luta para o homem e a dança para as mulheres. E que atividades físicas têm que ser feitas separadas por gênero. E um rápido comentário em relação ao que Carol colocou, a gente tem que encontrar formas, o caminho talvez seja esse de acolher coletivamente e não deixar cada mãe com o seu problema individual sem saber como resolver. Eu tenho assistido essa solidariedade das pessoas dos grupos em geral no acolhimento, eu acho que é isso que tem que acontecer e nos eventos ter uma organização mesmo em torno desse acolhimento das crianças para que não fique uma coisa dependendo da vontade da disposição de um e de outro. Porque tem uma coisa que é um pouco difícil, aquele que ajuda a tomar conta tem que sair da atividade ou deixar de estar na roda para acolher e aí todo mundo quer participar. Então como é que fica? Então se você cria uma maneira, organiza, facilita para todo mundo e evita que aconteça esse viés. Você parte também do pressuposto que a mulher já sabe lidar com essas coisas, a mulher já lida com isso todo dia. E quando se vê um homem que é pai solteiro ou que está ele com as crianças aí todo mundo fica com aquela pena, coitado, e corre para ajudar o homem. Então ajuda ele e, a mulher, não. Mas vamos resolver coletivamente no caso das crianças de todo mundo que aí eu acho que fica mais fácil de resolver. Professora Renata Zabelê: Tem uma pergunta clássica capoeira que é: menino e quem foi seu Mestre? Eu acho que nesse contexto a gente pode inverter um pouco e perguntar: Mestre, quem foi seu aluno. E aí a gente pensar que esse processo de ensino e aprendizagem na capoeira se dá de 195
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uma maneira muito dinâmica. Eu sinto educando meu Mestre ao mesmo tempo em que sou educada por ele. Então quando eu chego ali como mãe eu coloco também as minhas necessidades e posso criar o espaço e para acontecer como mãe nesse espaço. Apesar de a capoeira ser um espaço muito opressor, a gente não pode perder a oportunidade de criar, de ocupar esses espaços com jeitinho, com mandinga, chegando ali no miudinho a gente vai propondo e vai criando espaços assim. Eu acho que foi assim que eu consegui me manter na capoeira com meus filhos e fazer com que meus filhos se interessassem por capoeira, praticassem capoeira e se interessassem por capoeira. O fato é que o poder está aí, está na mão dos homens. Se nós mulheres perdemos a oportunidade de ocupar ou de minimamente reivindicá-lo a gente vai continuar nesse lugar da margem e da invisibilidade. Eu gostei muito que a Paulinha trouxe que é esse processo de construir a história dessa atuação das mulheres porque veja bem, essa história ela já existe, já está lá desde a Maria Doze Homens, desde a Júlia Fogareiro, a gente precisa é contar e recontar essa história. Isso que a gente está fazendo aqui é afirmar essa história, começar a apagar essa história de invisibilidade e construir uma outra história. Eu acho que isso é importantíssimo na VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
escola, seja a escola formal, seja a escola da capoeira. Quando você chegar lá no seu espaço e você vê só o homem tocando, só o homem armando o berimbau, só o homem, enfim, fazendo as atividades essenciais ali para a capoeira acontecer, você vai achar que aquele não é o seu espaço porque você não tem uma imagem. Por isso que eu fiz questão de dizer dessa imagem que eu tinha da mestra Janja, sei lá quando eu tinha 15, 16 anos, segurando o berimbau porque eu construí essa imagem. Eu disse: não, olha ali é o meu espelho, eu acho muito importante que a gente não deixe pra lá a oportunidade de ocupar esses espaços de uma maneira propositiva e criativa fazendo com que o ensino e a aprendizagem da capoeira se deem em sua plenitude, na roda de uma maneira circular.
Mestra Janja (Grupo Nzinga): Só dizer uma coisinha rápida, que a Renata citou aqui e é isso mesmo, não é todo homem que sabe ser Mestre de mulher, não é, tem uma coisa a mulher não é sujeito da história, da política, da filosofia, de nada, para muitos esse ser precisa ser inventado. Nós escutamos o nosso Mestre dizer isso numa conferência de mulheres do outro lado do mundo. Ele dizendo “com essas duas aqui nós aprendemos o que era ser Mestre de mulheres”. Então é uma frase que aparentemente ela é boba, ela é ingênua, mas ela é dotada de muita complexidade. O desafio é exatamente esse de acolhimento de um sujeito histórico que se reinventa permanentemente e para o qual muitos de vocês podem ser parceiros qualificados.
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I nclusão Mestre de Cerimônias: Nós convidamos para tomar assento ao palco os expositores desta manhã, Dr. Marcelo Dourado, Diretor Superintendente da Sudeco, programa Reeducandas para a liberdade; o Sr. Robson Cavalcante de Sousa, Gerente de Produção Agropecuária Industrial da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária e Justiça do Estado de Goiás; Dra. Deuselita Pereira Martins, Diretora da Penitenciária Feminina do Distrito Federal – COLMEIA; Dra. Jane Maria Stradiotti, Chefe da Diretoria de Operações Femininas da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul. A Dra. Tatau Godinho, o Dr. Douglas de Melo Martins, Juiz Auxiliar
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produtiva nos presídios femininos
da Presidência do CNJ; Dr. Augusto Rossini, Diretor do Depen. Antes de darmos início aos pronunciamentos, nós convidamos também ao palco a Sra. Sabrina Faria, do Grupo Pretas Candangas, do Distrito Federal, para fazer a mediação dos trabalhos. Dando início aos pronunciamentos, tem a palavra o Dr. Marcelo Dourado, Diretor Superintendente da Sudeco, programa Reeducandas para a liberdade. Sr. Marcelo Dourado (Diretor Superintendente da Sudeco): Em meu nome, em nome do Ministro Fernando Coelho, da Integração Nacional, em nome da Presidenta Dilma Rousseff, enfim, de todas as pessoas que direta e indiretamente participaram
desse sonho que se transforma em realidade, eu gostaria de dedicar um momento muito especial em função desse programa finalmente sair do papel e começar a atingir seu objetivo principal, que é a inclusão produtiva de mulheres presidiárias ou Reeducandas para a liberdade nas unidades prisionais que compõem os estados do Centro-Oeste, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, esse programa, está acontecendo em função de uma grande parceria, foram sentimentos, ações e objetivos, que se somaram nessa caminhada que nós estamos começando agora e o projeto foi ganhando corpo e formato
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com a participação fundamental do Conselho Nacional de Justiça, queria aqui citar o Losekan, que sempre nos estimulou nessa parte, o Ministério Público, através do Dr. Rossini, Diretor do Depen, que quando teve contato com o programa ficou entusiasmado, ele é tão pilhado ou mais do que eu, na questão de que as coisas aconteçam, a Associação Pretas Candangas, que sempre participou das reuniões, o Ministério Público do Distrito Federal, que tem um papel fundamental de orientação e participação em relação à formatação da portaria e desse acordo que nós estamos assinando, os diretores, eu queria citar aqui a Diretora Deuselita, que quando nós visitamos o Projeto Colmeia no Gama, ela foi uma das incentivadoras de todo esse processo, e agora nós estamos agregando também as unidades prisionais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul A ideia da construção dos galpões nas unidades prisionais, a capacitação desse contingente, desse populacional feminino que é tão importante no sentido da ressocialização de todo esse processo, isso é fundamental para que a gente consiga efetivamente a inclusão produtiva dessas mulheres, não preciso nem dizer que nós vivemos num país e num mundo em que as mulheres
ainda lutam para conquistar direitos com certa isonomia em relação aos homens, eu me lembro o ano passado quando estava no evento da Embrapa, O papel da mulher, ele é absolutamente fundamental no sentido de nós desenvolvermos políticas públicas de inclusão produtiva e eu conversando com o pessoal do IPEA e do IBGE, eles me passaram um dado extremamente relevante no sentido das camadas mais pobres e carentes da sociedade brasileira, as classes “d” e “e”. Nessas classes “d” e “e” nós temos o que nós chamamos de chefa de família, de cada 15 famílias uniparentais no nosso país são aquelas famílias em que você tem a desagregação familiar, a separação, na realidade de 15, 14 famílias você tem a chefa de família, a mulher com a responsabilidade da criação dos filhos, da sobrevivência e da manutenção da casa e do lar, e mesmo a mulher de forma discricionária recebendo em torno 20 a 25%, 30% menos do que o homem, exercendo a mesma função, ela que investe basicamente na educação dos filhos, na formação das crianças, e na manutenção da casa e do lar.
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É fundamental que a Sudeco tenha um olhar de gênero diferenciado para o resgate e inclusão produtiva da mulher e inserção como um setor produtivo e ressocialização na sociedade. Após essas palavras, eu gostaria de agradecer a O programa Reeducandas para a liberdade, tem na realidade o DNA e a marca de vários entes aqui reunidos, o governo federal, o governo dos estados, a sociedade civil organizada, pessoas individualmente e por isso que a chance de sucesso dele é tão grande, é um somatório de ações, um somatório de vontades para que as coisas aconteçam, e quando você tem um grupo de pessoas remando com o mesmo objetivo, a chance de sucesso e de realização é muito grande. Sr. Marcelo Dourado (Diretor Superintendente da Sudeco): O programa Capacitação Mulheres Reeducandas para a liberdade está
aqui. Não precisa nem dizer a questão do diagnóstico enfrentado pelas mulheres hoje, eu acho que uma imagem, ela fala muito mais do que mil palavras, está aí, a situação hoje é, prisional no Brasil é uma situação grave, que precisa ser enfrentada, encarada. Aqui é a reflexão, existem certas condições de recuperação da infratora que são muito importantes, o cumprimento justo da pena, os presos na sua maioria são jovens oriundos de camadas sociais mais pobres, já marginalizados socialmente e aqui é interessante um dado que o CNJ e o Ministério Público passaram para a gente. Qual é esse dado? As mulheres, quando elas estão apenadas, elas estão cumprindo uma pena direta ou indiretamente esse ilícito foi cometido às vezes não por elas, mas pelos seus parceiros, pelos homens, então um número considerável dessas mulheres que estão hoje apenadas, é em função de um ilícito cometido não por elas, mas pelos parceiros e elas obviamente indiretamente participam nisso, mas estimuladas ou levadas ao
ilícito pelo parceiro, pelo homem, são pessoas que estão numa situação já delicada e se encontram em devidas condições necessárias nos presídios, jamais poderão voltar à sociedade como cidadãs de bem. O objetivo do programa obviamente é a área de atuação da Sudeco, são os quatro estados, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. A ideia é justamente a gente ter uma visão da situação dos presídios como um todo, e um programa que vise à criação de trabalho, de capacitação, de qualificação, nos complexos prisionais e atração de mão de obra exclusivamente carcerária visando a ressocialização das mulheres custodiadas, o que a gente quer com a capacitação, elas começarem a produzir, inseri-las no mercado de trabalho, no sentido de uma integração com a iniciativa privada, vamos começar com o ramo de confecções, e obviamente elas vão aferir pecúnia, quer dizer, vão receber dinheiro, salário, em função disso, e isso pode ser repassado para as famílias, etc., etc. Aqui é o objetivo, nós criamos um grupo gestor que tem a participação da Sudeco, CNJ, a Codeplan, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, a Agência Goiânia, a Secretaria de Estado de Justiça de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, e o
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Coletivo de Mulheres Pretas Candangas, representando a sociedade civil. A proposta está aqui, construção de galpões, nós já assinamos dois convênios com a unidade prisional do Gama, feminina, e de Aparecida de Goiânia, e vamos estender para Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, esses galpões já estão em vias de serem construídos, o projeto já está na Caixa Econômica Federal, o recurso já está garantido, então vamos construir os galpões laborais nos presídios, para que comece já a capacitação a partir do segundo semestre. Oficinas de capacitação de corte e costura para mulheres presidiárias, criação de uma marca, de um registro, para as confecções produzidas dentro dos presídios , promoção de eventos culturais, abertura de oportunidades em feiras para a comercialização dos produtos, avaliação, monitoramento e manutenção, e remuneração e remissão. As ações gerais das diretrizes, o problema social no Brasil é uma questão de políticas públicas também. A condução das oficinas de capacitação de corte e costura para as mulheres presidiárias e a inserção de toda essa produção no mercado de trabalho e a comercialização, os equipamentos que serão utilizados para a realização de oficinas poderão ser adquiridos ou disponibilizados pelo governo de estado do DF, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Abertura de oportunidades em feiras para a comercialização de produtos, e aqui, há 15 dias a Sudeco abriu um box na feira de artesanato da Torre de TV, e esse box já está à disposição para as primeiras peças que essas mulheres vão VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
produzir para a comercialização dessas peças, que é um box de artesanato na feira da Torre que vocês todos conhecem, já está aberto para isso também. Avaliação, monitoramento, e manutenção, e aqui tem um trabalho da Codeplan, do Distrito Federal, que vai fazer todo esse acompanhamento para saber se a coisa está indo bem ou não, isso é fundamental isso aqui está explicando tudo, citando o artigo 126, a remuneração estipulada que dá 80% para a família do preso, da presa, selecionado o projeto, percentual de 20% depositado em conta poupança que poderá ser sacado no fim da pena, então ela vai ter uma poupança e 80% para a família, para quem ela indicar. E eu quero terminar citando Cora Coralina . “Semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça, digo o que penso com esperança, penso no que faço com fé, faço o que devo fazer com amor, pois bondade também se aprende, mesmo quando tudo parece desabar cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar, porque descobri no caminho incerto da vida que o mais importante é o decidir e eu concluo e ajudar as pessoas.” Cora Coralina. Obrigado. Sra. Sabrina Faria (Coletivo Pretas Candangas): Eu faço parte do Coletivo Pretas Candangas, do Distrito Federal, um coletivo que se propõe a debater e a problematizar e lutar contra o racismo, e o festival afrolatinas, ele tem esse compromisso, o compromisso pela igualdade racial, o compromisso de inclusão das mulheres, da representação afirmativa e positiva das mulheres negras, que são invisibilizadas no Brasil, que é um país estruturalmente racista, e onde a gente hoje vê a situação de mulheres em situação de prisão, que são a maioria dentro dessa triste realidade, então o festival latinidades, ele tem esse compromisso, é um
festival que é um serviço a nossa sociedade, é o maior festival da mulher afrolatina do país, e nesse sentido eu me sinto muito orgulhosa de estar aqui hoje com vocês para tratar sobre esse problema, que é um problema de todos nós, de todas e todos nós, o combate ao racismo, e a violação de direitos humanos, enfim, tudo o que implica essa, que interfere na vida dessas mulheres que estão em situação de prisão, o festival latinidades se propõe a discutir, a debater, e a convocar a sociedade civil, as instituições do estado, para a gente, para pensarmos juntos e construirmos juntos e juntas, então hoje aqui esse assunto é um assunto que mexe profundamente não só comigo, mas como todo o coletivo de mulheres negras do pretas candangas e desse festival, porque é uma população que é invisibilizada, é uma população que está numa condição de desvantagem social, política, e afetiva, excluída de toda o pedaço do bolo que todos nós deveríamos ter direito e acesso, nesse sentido eu gostaria de passar a palavra para Robson Cavalcante de Sousa, que é Gerente de Produção Agropecuária Industrial, seja bem vindo. Sr. Robson Cavalcante de Sousa (Gerente de Produção Agropecuária Industrial da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária e Justiça do Estado de Goiás): Eu sou um agente penitenciário de Goiás, estou fazendo 11 anos de carreira, agente efetivo, trabalhei por 4 anos na atividade fim como agente penitenciário, e desses 4 anos, eu fiquei 3 anos na casa de prisão provisória em Aparecida de Goiânia, lá são 4 blocos, no bloco onde tinha um público masculino e feminino, então foram 3 anos que eu pude experimentar de perto o sofrimento, a característica peculiar que é o público feminino, o quão elas sofrem muito mais do que os homens, o fenômeno da prisionalização, que é tudo aquilo que o ambiente de cárcere leva àqueles que estão, 203
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afeta aqueles que estão cumprindo pena, para a mulher ele é muito mais intenso, a família da mulher, ela é a primeira a se afastar das mulheres, sobretudo os homens. A proposta da Sudeco está de parabéns, os estados ao abraçar essa proposta também igualmente é louvável, porque é um público hoje no Brasil são 520 mil presos, mais ou menos de 520 a 550 mil presos, a população feminina é menos de 10%, e é a mais carente, a gente vê isso com certeza é a mais carente, então o estado de Goiás abraçou a proposta desde os inícios das reuniões eu também tive a oportunidade de estar acompanhando o então presidente, hoje Secretário Dr. Edmundo, o convênio já foi firmado realmente com o estado de Goiás, onde a gente tem um projeto pensando grande entre as duas penitenciárias tem mais de 3.500 presos de construir 20 galpões de trabalhos para os reeducandos, proporcionando abrir vaga para 100% dos presos aptos a trabalharem, No complexo prisional de Aparecida de Goiânia a gente tem em torno de 150 presas, entre condenadas e provisórias, e a gente então vai focar nesse público feminino, aos maquinários para a confecção, que é a proposta, já estão lá no complexo prisional, em parceria com o Depen, em parceria com o Ministério dos Esportes, um projeto que foi desativado, a gente já está dando andamento a esse projeto lá, falta apenas destravar as burocracias de licitação e construção desses galpões, a proposta do seminário, ela é bastante interessante, é louvável, e o estado de Goiás abraça com muito carinho e a gente vê que a mulher realmente encarcerada precisa de uma atenção especial. Dra. Deuselita Pereira Martins (Diretora da Penitenciária Feminina do Distrito Federal – COLMEIA):
Eu sou delegada de policia, estou à frente da direção da penitenciária há cerca de 4 anos, e antes de falar sobre o projeto Reeducandas para a liberdade, eu gostaria de fazer uma apresentação rápida para vocês terem noção de como funciona a penitenciária feminina. Hoje nós temos 682 mulheres reclusas em regimes prisionais diversos. O presídio feminino é uma unidade mista, então ela possui mulheres e possui homens, os homens são aqueles submetidos a medidas de segurança, que ficam numa ala separada, separada assim mais ou menos em termos, hoje nós contamos com 85 homens e 682 mulheres. Essa é uma visão de cima da penitenciária feminina, como vocês podem ver, é um presídio adaptado, não foi construído para uma unidade prisional, antes de 87 funcionava ali um centro de orientação para menores, antigamente falava menores infratores, e tanto que vem daí o apelido de Colmeia, é porque era Centro de Orientação a Menores Aprendidos – Comeia, e daí quando saiu o centro e a penitenciária foi levada para lá, antes era uma ala feminina que existia dentro do complexo penitenciário, e aí continuou com essa chamando Colmeia, e hoje todo mundo conhece a penitenciária feminina como Colmeia.. O que é o sistema prisional semiaberto? São as mulheres que têm condições de saírem e trabalharem, que já estão num regime mais avançado, mas que ainda não estão com o trabalho implementado, estão na fila aguardando emprego, hoje são 45 mulheres nessa situação, 82 já trabalham fora, a maioria dos trabalhos são via Funap, e dos homens temos 25 sentenciados trabalhando, esses homens, apesar de possuir o trabalho externo, eles estão contratados pela secretaria de segurança para trabalhar no presídio feminino, porque a nossa mão de obra não é adequada. Nós temos serviços pesados que não podem ser feitos pelas mulheres e nem pelos homens submetidos a medidas de segurança por uma questão às vezes até de capacidade para tal.. Como no quadro anterior nós temos presos
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diferentes dos presídios masculinos aqui no DF que possuem presos por categorias, ou seja, provisórios, sentenciados no regime fechado, sentenciados no semiaberto e aqueles que já trabalham fora que ficam no galpão, a gente não tem essa separação, então a gente abriga todos os regimes, além das provisórias, e como eu falei duas agravantes, a ala de tratamento psiquiátrico e uma ala maternidade que fica dentro do bloco misturado com as outras presas. Aqui é o banho de
sol do bloco 3, é onde se concentra o maior número de internas. A ala maternidade hoje tem 33 mulheres no total, 14 internas com bebês e 19 grávidas, os bebês permanecem na penitenciária apenas até os 6 meses, período de aleitamento, quando então elas são repassadas ou para a família para poder com a guarda provisória, em caso não havendo família eles são encaminhados para abrigos.
A capacitação na questão de ressocialização, hoje nós temos 187 internas matriculadas no núcleo de ensino, esse ensino é via Funap - Fundação de Amparo ao Preso, ele vai desde a alfabetização até o 2º grau, temos 23 internas que concluíram o curso de recepcionista agora recentemente, 9 internas concluíram o curso de maquiagem, temos 10 internas que estão fazendo do curso de maquiagem mais 10, 252 internas estão classificadas para o trabalho interno,
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então vocês vejam que em termos de trabalho o nosso número é bem avançado apesar de toda a estrutura precária. Além de colocá-las para trabalhar evidentemente, verificar o que elas estão fazendo e quanto elas tem direito a receber, uma parceria que eu não gosto muito de parceria com privado às vezes, mas uma parceria que tem dado muito certo, hoje nós temos filas de espera para essa oficina, e por que, porque eles são muito comprometidos, além de pagarem rigorosamente de 15 em 15 dias, fazerem um acerto, eles também de 15 em 15 dias levam lanche especial para as internas, então isso é um motivador. Aqui é uma costura dentro do Nuem é uma micro-oficina de costura, também uma parceria privada, elas confeccionam para uma microempresa do Gama, e elas recebem também, só que elas recebem de acordo com o que a lei de execuções penais preconiza, que aí é 3/4 do salário mínimo. Um salão de beleza onde as internas são classificadas, é um salão que funciona dentro do presídio, as mulheres, as internas trabalham e recebem para cuidar das outras. Aí é uma oficina de patchwork, nós também possuímos um box na fei-
ra da torre para poder comercializar os nossos produtos, essa oficina é de iniciativa da penitenciária, nós tentamos a princípio fazer uma parceria com a iniciativa privada e não deu certo, e nós, para poder não deixarmos as mulheres, fizemos, demos continuidade, então assim a princípio é uma oficina que começou com doação, hoje ela se autossustenta, então o dinheiro das vendas é revertido uma parte para pagar as mulheres o trabalho, e a outra parte para poder comprar material para dar segmento na atividade, é uma oficina que já funciona há 3 anos assim e a verdade é que a gente não consegue hoje nem suprir a demanda, a procura pelo material, a gente tem uma lista de espera às vezes pelo produto. A parte de floricultura e plantio, que é feito pelas internas do semiaberto que estão aguardando um trabalho, enquanto elas aguardam um trabalho, elas ajudam a cuidar dessa parte de jardim. Temos agora do masculino, nós temos uma oficina de serralheria que começou a princípio para poder suprir a nossa demanda, construção de grades, faz um puxadinho aqui, outro puxadinho ali, a gente trabalha com material reciclado, e hoje a gente tem parceria com várias ad-
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ministrações regionais, do Gama, a gente faz é uma troca de favores, a gente fabrica alguns produtos para eles, como lixeiras, estrutura para telhado, enfim, são vários objetos, em contrapartida nos fornecem materiais que nós não temos, então que tem dificuldade a questão de licitação, então hoje a gente tem assim uma boa relação com quase todas as administrações regionais de Brasília. Essa estrutura toda aí para vocês terem ideia é toda feita com material reciclado, e de onde vem esse material, são das placas de trânsito que são inutilizadas, então a Secretaria de Transporte doa essas placas para a gente, e a gente faz esse trabalho. Alguns dos projetos que nós temos em andamento hoje são a reforma dos blocos 4 e 5, que nós chamamos, são os blocos abandonados, quando o centro de orientação de menores saiu de lá, houve uma rebelião e eles colocaram fogo nesses blocos, , a intenção é passar toda a parte administrativa para aí, com isso a gente consegue espaço para mais oficinas de trabalho, que hoje a gente não tem espaço nenhum sobrando dentro do presídio para poder continuar. Projetos em andamento, nós temos esse da Sudeco, que é uma política
pública, eu gostaria de ressaltar realmente voltada para o gênero feminino, quando se fala de políticas públicas, principalmente voltadas para o sistema prisional, nós temos várias, mas não com essa definição de gênero, o que eu tenho visto nos últimos anos, de 2 anos para cá, é a tentativa do Depen em fazer essa gestão, tem se empenhado muito, as meninas estão de parabéns no empenho delas de fazer essa distinção realmente e agora essa parceria com a Sudeco que é bastante importante. A intenção a princípio, aqui é o espaço onde vai ser construído o galpão, seria capacitar 120 mulheres, e como bem colocou o Dr. Marcelo, que elas já começassem a produzir ainda no regime fechado, enquanto presas, e desde então já terem garantia de uma remuneração e quando saírem elas continuarem com o vínculo de trabalho, que a grande dificuldade é quando sai. A Funap garante para as mulheres um trabalho, e hoje a Funap tem garantido quase que para 100%, então algumas ficam esperando alguns dias, mas rapidamente elas saem para trabalhar, mas é temporário, porque a partir do momento que acaba a pena, acaba o contrato de trabalho. Então é justamente aonde ela precisaria de um
incentivo é onde ela não tem, acabou a pena, acabou o trabalho e aí é onde acontece a questão da reincidência, então esse projeto a ideia é que, não é, Dr. Marcelo, que ele se estenda para além dessa questão da pena para poder realmente inserir essas mulheres na sociedade. O espaço. E também gostaria aqui de ressaltar a questão, hoje a penitenciária feminina sofre como quase todos os presídios com a questão da superlotação, mas graças a uma parceria do Depen, com a contrapartida do GDF, já está em fase de licitação, inclusive já na escolha da empresa que vai construir, a construção de duas unidades, de dois blocos de convivência, cada qual com 200 vagas, isso vai resolver o nosso problema de superlotação. Então o que eu digo hoje a penitenciária feminina dentro pelo menos do Distrito Federal é o presídio que tem mais perspectiva de melhorias, a gente acredita que até o final do ano que vem pelo menos 90% dos nossos problemas estarão resolvidos. Isso aqui é onde vão ser construídos os dois blocos. Por último, nós fizemos uma parceria com o IFB - Instituto Federal Brasileiro, para cursos através do Pronatec para 50 mulheres internas na área de estética, inclusive já com bolsa de estudo, que é um incen-
tivo para que elas permaneçam até o final do curso. Sra. Jane Maria Stradiotti (Chefe da Diretoria de Operações Femininas da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário de Mato Grosso do Sul): Agora eu vou passar aqui um pouco do nosso diagnóstico institucional, na área dos femininos nós temos na capital duas unidades, uma de regime fechado e uma semiaberto, e no interior concentram 11 unidades, totalizando 13 dentro do complexo, no regime fechado são 7 unidades, semiaberto 6, a capacidade hoje nossa é para 754, estamos com 1.171 custodiadas, também sofremos do problema nacional que é a superlotação, nós encontramos um déficit de 417 vagas em nosso parque prisional, estamos almejando a construção de uma unidade na capital, que vai concentrar 230 vagas e nós vamos equacionar um pouco essa demanda, e os semiabertos, todos nós somos superavitários, quer dizer, tem vagas em excedente, então aqui está a nossa realidade, um déficit de 62,5% infelizmente, nós precisamos correr atrás aí de toda essa reconstrução da política como um todo. E aqui os semiabertos nós temos 48 vagas em sobra, o que é bom, está tudo equa207
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cionado. Dentro da nossa realidade eu trouxe do fechado porque o semiaberto se preconiza que para a pessoa estar no semiaberto, ela precisa do trabalho, é pré-requisito, todos estão nessa condição trabalhando, mas nos fechados nós temos hoje deste grupo um total de 56, no fechado são 949 custodiadas, sendo processadas 49% e 51% condenadas, nós precisamos trazer esse número, porque nós sabemos que as processadas, elas não são obrigatoriamente inseridas na questão de trabalho e de escolaridade, elas fazem por opção, nós temos que trabalhar com esse número das condenadas, e lá no nosso estado 80% delas são pelo tráfico de entorpecentes, e elas geralmente aguardam até um ano, um ano e pouco para terem a sentença, elas ficam no aguardo dessa situação e às vezes elas não querem realmente participar dessas atividades, nós temos também um número bom, eu acho relativamente bom, de custodiadas na questão de estudo, são 216, 23% hoje do efetivo. Nesse projeto foram 275 capacitações, ele foi estruturado dentro um ambiente para o semiaberto, o recorte foi para o grupo de homens e mulheres do semiaberto, e com a construção civil, um conjunto habitacional Ramos Tebet, em Campo Grande, lá estão concentradas 500 casas, onde foi feito o prático, eles receberam toda a formação de carpintaria, marcenaria, enfim, e aí fizeram a parte prática nesse ambiente, foi um projeto bastante significativo, com êxito, e nós tivemos uma sobra depois porque a demanda não atingiu, e a dificuldade era o raciocínio de levar esse trabalho para o fechado, e aí nós levamos para a máxima, e para o feminino da capital, e lá eles fizeram curso de pintura e pintaram todo o estabelecimento, e esse projeto recebeu um prêmio que foi esse selo de mérito em 2009, pela Associação Brasileira de Cohabs, e Agentes Públicos de Habitação, foi uma resposta bem positiva. E o projeto Vestindo a liberdade, que esse é existente lá no estabelecimento penal Irmã Zorzi, que eu acho que nós podemos aqui socializar um pouco do que o senVI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
hor falou, nós fizemos uma campanha interna onde elas participaram e batizaram o projeto, e ficou denominado projeto vestindo a liberdade, foi premiado, entre elas foi feito uma campanha e escolhido, e aqui ficou o mártir da campanha, responsabilidade social é isso, puxar as pessoas para cima, oferecendo novas oportunidades, aí é uma cela. Sra. Deise Benedito (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República): meu nome é Deise Benedito, eu trabalho na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, fico feliz de me encontrar com umas pessoas da minha trajetória de vida na militância de São Paulo. Falar sobre a questão das mulheres presidiárias, principalmente no que se refere às mulheres negras na prisão, e principalmente a questão da remissão da pena, é também dar uma volta no passado, na nossa história, principalmente na história do Brasil, na história do Brasil em que a maioria de todos vocês sabem do processo de 400 anos de escravização, e esses corpos dessas mulheres negras que vieram na condição de escravos, de bens semoventes, elas sempre foram usadas, abusadas, exploradas, e a liberdade, a essência do que se concebe como liberdade, durante 400 anos foi totalmente ceifado, com as reformas do código penal em 1.830, com o pós-abolição, nós reconhecemos a dificuldade dessas pessoas semi reconhecidas ainda como humanas e no seu sentido, da sua plenitude. Eu tenho esse powerpoint, eu sempre começo as minhas falas quando eu vou me referir às mulheres, à liberdade, eu sempre falo das primeiras mulheres que chegaram nesse país, que estavam nesse país quando chegaram os africanos, e os colonizadores, que é a população indígena, nós não podemos falar de violência, nós não podemos falar de aprisionamento, nós não podemos falar de qualquer tipo de violência ao corpo, ao espírito, à humanidade das pessoas se não reconhecermos quem foram os que primeiro chegaram aqui, que já estavam aqui quando nós chegamos, que é a população indígena 209
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e as mulheres indígenas em toda a América Latina e Caribe, e todo o processo que eu estava falando para vocês que foi o processo da escravização. Em cima de todo esse processo, quando nós falamos das mulheres presidiárias, nós temos que refletir também quem são essas mulheres, em condições que essas mulheres vivem, eu tive a oportunidade dentro dessa militância de trabalhar com esse tema de mulheres nas prisões e as prisões, até por conta dessa invisibilidade, e essa invisibilidade, ela tem que ser quebrada a partir do momento em que essas mulheres tem uma trajetória de vida e dentro dessa trajetória de vida, essas mulheres
cometem um delito, um deslize, e esse deslize tem que ser punido, conforme é previsto em lei, então quem são as mulheres, quem são as presidiárias brasileiras? Mulher presa não faz a regra do perfil geral do encarcerado em uma sociedade, como já foi dito, é patriarcal, racista e capitalista, são mulheres jovens, pobres, e negras. A mulher negra, pobre, em condições de exclusão social e exclusão no mercado de trabalho torna-se mais vulnerável ao sistema penal e que em sua função seleciona aqueles que não atendem às necessidades do capital. De acordo com a CPI do sistema carcerário, elas tem de 20 a 35 anos, são chefes de família, pouco
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estudo, ou pelo menos 2 filhos a menos de idade. A pesquisa acima referida foi feita em 2012 e mostra a realidade nas penitenciárias femininas brasileiras e latino-americanas, é grave, acompanham certamente a mesma situação de descaso da superlotação, e diz respeito aos direitos humanos que observamos em todo o sistema penitenciário, mas há aspectos que dizem respeito à exclusão e à reclusão da mulher. Aí a gente vê algumas disposições sobre a remissão da pena, que é previsto na Lei 7.210, de 84, houve uma grande Resolução 03, de 11 de março de 2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que associa a oferta
de educação às ações complementares de fomento no contexto prisional, então não é apenas estar presa, é também remir pena, mas essas mulheres tem que ter as condições de fazer essa remissão de pena. Então o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária tem sempre essa preocupação, através dessa resolução. Quando a gente fala dessa remissão de pena pelo estudo, também está a caminho para ser votado no conselho do CNJ a remissão de pena também por atividades culturais. O que é isso? Significa que aquelas mulheres que para além de estarem estudando, fizerem teatro, alguma coisa voltada à cultura, essa
pena também pode ser remida. E aí quando a gente fala dessa remissão de pena, é bom lembrar que a maioria das mulheres que se encontram em situação de prisão, são mulheres que cometeram um crime ligado, delito ligado ao tráfico de drogas, elas estão em cima do artigo 33, ou em cima do artigo 35, elas diretamente são atacadas, principalmente porque muitas vezes elas são envolvidas pelos seus companheiros, quando não são envolvidas pelos companheiros ou amigos, ou então numa situação de sufoco, tem que ter um corre, tem que fazer uma padaria, tem que fazer um mercado, é aquela situação que se apresenta, as condições que as mulheres
vivem são subumanas, porque tem alguns estabelecimentos que a água quente se torna um privilégio. O teor da súmula do Superior Tribunal de Justiça, da (ininteligível), proclama a frequência no curso de ensino formal é a causa de remissão de parte do tempo de execução de pena, sob o regime fechado ou semiaberto, o que preconiza o artigo 3º da Resolução nº 2, da Câmara de Educação Básica – o CEB, Conselho Nacional de Educação que insistiu nas diretrizes curriculares para o ensino fundamental e procura valorizar os diferentes momentos e tipos de aprendizagem, isso ainda está em estudo. Só para encerrar para vocês, que
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o CNJ vai propor que para fins de remissão de estudo sejam valoradas e consideradas atividades de caráter complementar, assim é entendido aquelas que ampliam as possibilidades de educação nas prisões, tais como a natureza cultural, esportiva, capacitação profissional, saúde, entre outros, conquanto integradas a um projeto político-pedagógico da unidade ou do sistema prisional, local que sejam oferecidas por instituição devidamente autorizadas ou conveniadas, para serem reconhecidos como atividades de caráter complementar e assim possibilitar a remissão pelo estudo, os projetos desenvolvidos pelas autoridades complementares devem conter sempre que for possível todas as coisas nos parâmetros. Eu acredito que essa iniciativa também do CNJ, juntamente com a iniciativa da resolução do Depen, vá ajudar na, não digo ressocialização, eu não gosto de usar o termo reeducação, eu não gosto de usar o termo ressocialização, você não reeduca quem não teve a primeira educação, você não foi ressocializar quem nunca foi incluído socialmente numa sociedade, então essas pessoas não deixam de ser da sociedade, essas pessoas não deixam de ter educação, porque a educação vem de casa, na escola, nos locais você adquire o conhecimento, você amplia os seus conhecimentos, e essas mulheres tem um papel muito importante na nossa sociedade e não é porque elas estão invisíveis que não deixamos de reconhecêVI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
las como visíveis e participantes na construção de um mundo melhor. Quero aproveitar a oportunidade também informar para vocês que está aqui, já estou indo, que também está aqui a diretora do presídio Madre Pelletier, Maria José, que foi uma das diretoras do presídio Madre Pelletier, e que a semana retrasada eu estive lá fazendo uma palestra na primeira conferência de igualdade racial de mulheres em situação de prisão que ocorreu no Brasil, eu acho que é uma iniciativa inovadora, o primeiro presídio que abre as portas para que presidiárias, agentes penitenciários, e a sociedade civil, discuta junto novos rumos para o fim da discriminação, preconceito e o racismo, e a carga valorativa dos direitos humanos, de conviver junto e reconhecer-se como humano diante da plenitude que é a existência das pessoas... Sra. Tatau Godinho (Secretária de Avaliação de Políticas e Autonomia Econômica das Mulheres, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República): O objetivo fundamental desse trabalho, nesse debate aqui de hoje, o que a Secretaria de Política para as Mulheres quer trazer para vocês e conversar com vocês é que nós temos tido e esse último período a ministra Eleonora Menicucci tem enfatizado muito a necessidade de que a gente possa fazer parcerias para trabalhar com a ampliação das possibilidades de trabalho, emprego e renda para as mulheres. Nós sabemos que não tem igualdade, não tem possibilidade, não tem emancipação, se a gente não tiver formas de se sustentar, de construir uma perspectiva de vida, uma perspectiva profissional. Isso depende no caso das mulheres de várias questões, uma primeira questão e a experiência dos presídios nos mostra é que nessa perspectiva profissional isso venha combinado com as condições da ma-
ternidade, é muito importante e é muito positivo que a gente veja como os presídios também essa política no Brasil vem combinando as condições das mulheres com os berçários, com a parceria com creches e institutos de educação infantil para permitir que a mulher encarcerada tenha a tranquilidade de que o seu filho e sua filha está sendo cuidado como um cidadão integral, que ele tem todo o direito de ser, e obviamente a gente chama atenção para isso porque o Marcelo sabe o quanto nós numa parceria que fizemos, como ele mencionou, buscamos convencer os nossos parceiros, não é, Marcelo, que não adianta fazer curso de capacitação para as mulheres se a gente não cria um ambiente para as crianças no momento em que a mulher está fazendo curso, a experiência nossa tem sido o oferecimento de cursos de capacitação sem o acompanhamento de uma sala de acolhimento para as crianças, a evasão das mulheres é muito grande, porque elas não podem fazer aquilo se não há essa combinação de uma responsabilidade pública neste caso com a questão da maternidade, é claro que a gente quer também ampliar a responsabilidade masculina, porque esse é um problema real, as mulheres acabam assumindo uma responsabilidade incomparavelmente maior com a situação familiar e isso também faz com que elas tenham menos oportunidades profissionais, ou tenham menores condições para se dedicar ao desenvolvimento no trabalho, a ter uma renda, e tudo isso se combina para que sair de uma situação complexa que é a saída do sistema penitenciário seja difícil porque ao mesmo tempo em que é correto a definição de que para entrada no regime semiaberto haja necessidade do trabalho, nós também temos que buscar oferecer essas oportunidades de trabalho, porque elas não são automáticas. A Secretaria de Política para as Mulheres tem diversas ações junto com o Ministério da Saúde, com o sistema penitenciário, 213
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que vão desde as políticas para o combate à violência contra as mulheres, mas também políticas que trabalham para a melhoria das condições das mulheres presidiárias, a Secretaria de Política para as Mulheres, para aquelas pessoas que não conhecem, nós trabalhamos fundamentalmente com parcerias, o nosso papel no governo é exatamente fazer com que as pessoas percebam o quanto construir igualdade entre mulheres e homens faz parte de uma sociedade mais justa, e é, portanto, uma política que tem que ser construída, como a senhora mencionou, no cotidiano, mesmo que a gente às vezes não pareça uma coisa automática, a gente tem que ir convencendo as pessoas devagarzinho de que isso é uma política necessária, é fundamental que isso já faça parte do nosso cotidiano de políticas públicas. Sr. Douglas de Melo Martins (Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça - CNJ): eu penso que essa questão do nosso modelo atual de sistema prisional é fracassado, nós temos dito e repetido isso por onde passamos, o esforço para a mudança, para melhorar, ele tem que ser encarado como uma questão do estado como um todo, e não só de órgãos específicos, com atribuições específicas para tratar do assunto do sistema prisional, ou da política para mulheres, ou direitos humanos, é por esse motivo que a nossa ênfase maior para essa homenagem à Sudeco, ao Ministério da Integração Nacional, nós estamos muito satisfeitos com essa iniciativa, por isso o colega do DMF lá, nosso colega Luciano Losekan, com certeza foi pelo mesmo motivo que ele tanto incentivou também essa iniciativa, parabéns, mas como vocês estão chegando agora, eu tomei o cuidado de perguntar ao Marcelo se já havia outras experiências, como eu não sabia, eu não conhecia, e eu já andei muito Brasil afora e não conhecia essa iniciativa, um outro exemplo patrocinado pelo Ministério da Integração Nacional, ou outro que não tenha atribuição específica, é importante que eles saibam das dificuldades que iniciativas como essas aparecem, eu fico muito triste quando chego num presídio, especialmente presídio feminino no meu estado, eu sou do Maranhão, estou só temporariamente aqui no Conselho Nacional de Justiça, mas lá cada vez que eu chegava no presídio feminino, encontrava as máquinas lá paradas e sem funcionar e que alguém dizia, esse foi um projeto que iniciou em tal época, mas por uma questão burocrática alguém sem tanta vontade assim resolveu criar VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
algum tipo de empecilho e não funciona mais, mas temos esperança de que um dia volte, essas coisas nos entristecem, então vocês vão encontrar problemas como esse pela frente, não tenham a ilusão de que é algo fácil, trabalhar com sistema prisional, mesmo nos presídios femininos, não é uma tarefa das mais fáceis, de certa forma a participação de entidades da sociedade civil, como o Coletivo de Pretas Candangas, do DF, a participação de vocês de certa forma funciona como uma fiança de que isso vai funcionar, é preciso que tenha um acompanhamento, é preciso que nós estejamos todos por perto, incentivando, apoiando e ajudando naquilo que certamente vai aparecer dificuldade para que o projeto tenha sequência e avance, progrida, e não esbarre em algum momento naqueles problemas que nós já estamos acostumados a ver quando as iniciativas são nossas, daqueles que temos atribuição específica, parabéns, tenham ciência das dificuldades que encontrarão pela frente, e já nos colocamos aqui à disposição, participamos através do colega Luciano no momento de incentivar e queremos continuar acompanhando, e tomando conhecimento de todos os obstáculos e aqueles principalmente que nós tenhamos condições de dar algum tipo de contribuição para que as coisas possam avançar. Parabéns. Obrigado. Eu acho que em pé eu consegui não extrapolar o tempo. Sr. Marcelo Dourado (Diretor Superintendente da Sudeco): Eu queria quebrar aqui a ordem da fala, para a gente já preparar a parte de perguntas, isso é super importante, então eu queria passar a palavra para um dos grandes parceiros desse projeto e coautor também, o Dr. Augusto Rossini, e deixar os depoimentos para o final porque aí a gente já aproveita e faz as perguntas e respostas, vou passar a palavra para o Dr. Augusto Rossini, que é o diretor do Depen, do Ministério da Justiça.
Sr. Augusto Rossini (Diretor do Depen, do Ministério da Justiça): Bom dia a todas e todos, eu não sei se vou ser tão rápido quanto os outros que me precederam, eu acho que nós temos que inicialmente fazer os agradecimentos sinceros no sentido da acolhida e da parceria, não esquecer que os ministros, os três ministros, os dois diretamente envolvidos, o ministro Fernando Coelho e José Eduardo Martins Cardoso, e aqui também a ministra, que você representa da Secretaria Especial das Mulheres, de modo que os Ministérios estão trabalhando bastante, aqui também passou a Secretaria Especial de Direitos Humanos, ou seja, são quatro pastas do governo federal que estão se preocupando com isso, não é por outra razão, porque esse é um problema que também nos foi colocado por uma pessoa que conhece 215
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o sistema prisional de um outro ângulo, tanto a presidenta, quanto a sua ministra, que conhecem o sistema prisional na voz passiva e não na voz ativa, nós vamos nas unidades e saímos das unidades, elas ficaram, então esse olhar é um olhar que nos impõe hoje como chefa, como nossa grande orientadora, a presidenta Dilma Rousseff, nos faz ter uma sensibilidade e uma obrigação bastante grande com relação à mulher encarcerada, ao encarcerado de forma geral, mas à encarcerada de forma muito especial. Nesse grupo de trabalho, que é da questão da mulher encarcerada, é um grupo holístico, eu diria, transversal, dentro das linhas do Depen, então tem que ter essa transversalidade, porque a mulher presa tem que ser pensada não só na questão da unidade prisional, mas em todos os seus aspectos, e ela é diferente, dentro da igualdade a mulher é diferente, essa diferença tem que
ser respeitada também na questão prisional, só um exemplo, as mulheres normalmente elas vão para as unidades desocupadas pelos homens, isso é uma prática, para a nossa tristeza, e essas unidades não são pensadas em razão das peculiaridades da mulher, o banho da mulher é diferente do banho do homem, a intimidade de uma mulher presa é diferente da intimidade de um homem preso, isso tem que ser pensado inclusive na arquitetura prisional, isso faz com que esse grupo trabalhe também nesses aspectos, que se você deixar você só faz um padrão construção prisional e não se preocupa com o detalhe da criança, da família, da intimidade da presa, então isso tem que ser pensado, então o próprio Depen no seu projeto referência construiu seis projetos referências, sendo três masculinos e três femininos, porque você tem que pensar a arquitetura prisional e não ser um puxadinho, ou a mulher presa ser levada para onde não prestou para o homem pre-
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so, então tem que mudar inclusive tem que começar do começo, não começar do fim. Os investimentos que nós fizemos nessa região é horrível falar que ainda o Brasil precisa das vagas, mas o Brasil precisa das vagas, porque nós temos 550 mil pessoas presas e nós temos 310 mil vagas, portanto o déficit carcerário é enorme, então nós temos que pensar. Então no Distrito Federal há 4 mil vagas, que nós estamos repassando recursos, sendo 400 femininas; Mato Grosso do Sul, sendo 1.400 vagas, 407 femininas; Mato Grosso, 1.680 vagas, sendo 672 femininas; e Goiás, 1.588 vagas, e nenhuma feminina, porque parece que lá não tem déficit carcerário feminino, ou se tem não foi passado para a gente, porque os projetos não foram apresentados, não sei, a gente vai ver o detalhe, O que acontece é que a Presidenta determinou que não haja em 2014 déficit feminino, se nós temos uma população carcerária feminina de 6, 7%, acho que é uma missão que nós temos que cumprir, então é nesse sentido que houve investimentos maciços e essa parceria, ela complementa isso, não adianta só ter o espaço de convivência, ou de vivência, mas tem que ter espaço de trabalho já que a remissão pelo estudo e pelo trabalho, a remissão pelo trabalho já
existia, mas a remissão pelo estudo foi consolidada neste governo, por iniciativa do governo federal e o legislativo aprovou, então a ordem de 12 horas trabalhadas, nós temos um dia abatido, então é uma manifestação clara da política deste governo, no sentido de enfrentar essa Diagnóstico sobre o encarceramento feminino, 7% das pessoas presas no Brasil são mulheres, nós tínhamos na última estatística, das 550 mil pessoas presas no Brasil, 36 mil mulheres. Déficit de vagas, nesse universo de 240 mil vagas que faltam no Brasil, nós temos 14 mil vagas faltando para as mulheres encarceradas. Aumento da população carcerária nos últimos 12 anos, isso é chocante, esse retrato, nós tínhamos há 12 anos 10 mil mulheres presas, em 12 anos nós temos 36 mil mulheres presas, isso foi um estouro, isso não acontece só com a mulher encarcerada, mas a mulher encarcerada, se a gente olhar, 200, se houve um incremento da prisão de homens de 130%, nós temos 256% de incremento de mulher presa, isso é assustador, é único no mundo, é único no mundo, então isso tem vários estudos sociológicos, mas também é o reflexo da mulher na sociedade, ou seja, quando ela se coloca em todos os
espaços, também se coloca para a nossa tristeza também no mundo da criminalidade, é um fato, uma demanda para a nossa tristeza hoje o sistema penitenciário federal há uma ala para mulher no sistema penitenciário federal, que só tem lugar para homem, a Rosângela trabalhou com isso, você sabe disso, por que, por que há lideres do crime organizado também do sexo feminino, eu não vou fazer uma análise se é bom ou se é ruim, mas é uma demanda, é um fato, que aí está por conta de tudo o que nós sabemos. O perfil da mulher encarcerada, ela é jovem, vocês vão ver daqui a pouco, fragilizada em sua escolaridade, como foi dito aqui, a classe econômica, eu não sei se essa é a denominação pelo IBGE, mas são das camadas excluídas da sociedade, envolvimento com o tráfico de drogas, isso é um detalhe importante, a mulher encarcerada, ela é raramente envolvida com crimes ou ilícitos com violência e grave ameaça, ela negocia coisas que não podem ser negociadas quando negocia, ou em muitas vezes ela é envolvida numa situação de continuidade da atividade do parceiro, é tanto que o tráfico de drogas é o grande ilícito que a mulher protagoniza, muitas mulheres presas nas fronteiras, como mulas, mui217
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tas mulheres presas nas unidades prisionais como traficantes que levam para os companheiros, para os irmãos, para os familiares, drogas para dentro das unidades prisionais, aí são carimbadas de traficante, o magistrado, eu sou promotor de carreira, o senhor é magistrado, o senhor sabe que se a lei não tiver um avanço nesse sentido, e é isso que nós temos que fazer uma reflexão, no Brasil tem 137 mil pessoas presas por tráfico de drogas, com tanta gente presa por tráfico de drogas naturalmente o tráfico acabou, acabou, então nós temos que repensar essa situação, quem a gente vai prender, o custo do preso/ mês, custo que eu falo mês, é custo de água, comida e roupa, 2 mil
reais, sem contar a questão do servidor prisional, então é muito caro, o Brasil gasta um bi e 100 milhões por mês só de comida, você sabe disso, você está lá no sistema, só isso, 1 bi e 100 por mês de custeio direto com a pessoa presa, é um investimento que o Brasil podia fazer em outras coisas, se nós tivéssemos, então nós sabemos que o Brasil encarcera muito e encarcera mal, 70 mil pessoas presas por furto não é sensato, 137 mil pessoas presas por tráfico, sendo pequeno tráfico não é sensato. Tem que ser preso o traficante? Tem, naturalmente que tem, nós sabemos disso, agora todo o tratamento, tudo isso tem que ser dessa força? Então nós temos que fazer uma reflexão, e o gov-
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erno federal tem feito essa reflexão porque isso já não é só problema do executivo, a companheirada sabe do que eu estou falando, é do legislativo, e é do judiciário, então é um problema nacional que nós temos que começar pela mulher é fundamental por que, porque dá certo. Quando você envolve a mulher, você tem sucesso, você tem sucesso, quando a gente trabalha com a questão da mulher encarcerada, vira paradigma para o homem, por isso que nós construímos e nós nos empenhamos muito para tratar com a mulher encarcerada, com a mulher, porque dá certo, e dando certo com a mulher, naturalmente, ou seja, você tem paradigma, você tem condições de falar, deu certo,
então vai ter que dar certo com homem também. Exercem atividades laborais informais, são trabalhadoras, as mulheres que são presas, são trabalhadoras, mães e chefes, ou chefas de família. Perfil da mulher presa, eu acho que tem a idade, se a gente olhar de 18 a 34 anos, nós temos praticamente 2/3, se nós elevarmos a 45 anos, nós temos 90%, a população da mulher presa, a mulher é jovem, ou quase jovem. Escolaridade, o analfabetismo é grande, mas o ensino fundamental incompleto, quase metade, então nós temos as jovens, as pobres, as não escolarizadas, e aí nós vamos ver a questão que nos toca muito aqui, branco, 37%, negro, 16%, pardo, que é assim que o IBGE trata, é estatística, 45, portanto, a mulher negra é muito mais encarcerada que a mulher branca, então é pobre, é não escolarizada, e é negra, é o retrato da exclusão do país, é isso, por isso que trabalhar na prevenção e também na oportunidade da prisão, ganhar o tempo perdido, recuperar o tempo perdido naquele gap, porque não é inclusão, como disse a Deise aqui, não é reinserção, é inserção, porque a mulher tem que voltar para o mercado de trabalho, tão ou mais qualificada do que a que ficou solta, e esse discurso é muito, naqueles programas policialescos fica, - e aí o trabalhador não tem apoio? - tem sim, tem as políticas para os trabalhadores, mas é a história do filho pródigo, você tem que dar mais esforço para o filho que foi, a própria bíblia nos dá um exemplo de como nós temos que nos empenhar bastante com a pessoa que eventualmente ou trilhou outro caminho para recuperar, porque inclusive é um sinal claro de que nós, o nosso esforço tem que ser maior para aquele filho que em algum momento tergiversou, então vem para cá e vamos fazer tudo o que nós fizemos para os outros, para essas pessoas também. Trabalho externo, 4%, não é isso? De mulher? Trabalho interno, 78%, então (intervenção fora do microfone), oi? (intervenção fora
do microfone), 22? Desculpa, eu sou meio ruim com números, por isso que eu fiz Direito. Reprodução da subalternalização feminina, e desigualdades de acesso aos direitos, critérios disciplinares de méritos de distribuição de vagas de trabalho, desvinculação de atividades intramuros, com a realidade do mercado de trabalho informal, isso é uma coisa que nós temos que, nós pensamos muito, não é, Dourado, porque não adianta nada você fazer um curso que sai para o mercado e o mercado não assimila, então essa pessoa tem que competir na rua em pé de igualdade com qualquer outra pessoa, e por isso que esse acordo foi celebrado, para a gente dar efetividade a essa energia da presa, e de quem está também no sistema Espaços físicos adequados e proporcionais ao número de mulheres presas atendidas, e integração do trabalho das presas, rotinas de procedimentos, administração prisional, isso é importante entender a presa também na rotina prisional, escopo de formação, capacitação continuada com habilidades globais a partir de interesses individuais e perspectivas de mercado, como eu já disse, vinculação dessas perspectivas, empregos e alternativas de trabalho autônomo, é um problema que nós temos que pensar, porque aquela pessoa que passou pelo sistema de justiça criminal, ele tem o estigma dos antecedentes, não é doutora, a gente puxa a folha de antecedentes não tem jeito, e as empresas também puxam, e se você tem ali uma concorrência de 2 ou 3 pessoas e uma vaga só, é natural, é natural para a nossa tristeza, por mais qualificada essa pessoa vai ser excluída, então também fomentar trabalho que essas pessoas consigam sair de lá, tirar o carnezinho do INSS, trabalhar por conta, ter emprego, e ter renda, também é uma solução, porque nós temos que qualificar essas pessoas 219
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para que elas trabalhem, com registro em carteira, ou sem registro em carteira, mas que elas trabalhem e tenham a dignidade de não, e uma oportunidade ou não, de não voltar para o crime; avanços em modelos de redes cooperativas e economia solidária, isso parece que casa com essa necessidade, e aí investir nisso; necessidades do trabalho feminino nas prisões, desenvolvimento de atividades intramuros com perspectivas de continuidade. Firmamento de parcerias, atendimento de diversidades de regime, idade, nacionalidade, muitas estrangeiras presas, é muito triste a situação das estrangeiras, especialmente no Mato Grosso, é só Distrito Federal e Goiás não tem a fronteira, mas os dois estados, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, tem a boliviana, a paraguaia presa e mais, como a gente diz na linguagem de cadeia, cumpre de testa, vai inteira a pena, elas cumprem inteira a pena pela falta de domicílio no Brasil, então é uma tragédia dentro da outra tragédia que é a estrangeira presa, tem filho lá na terra delas. Essa compatibilidade de integração no trabalho das presas com a oferta de outras atividades de tratamento penitenVI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
ciário, saúde, educação formal e profissionalizante, entre outras, com fins de institucionalização efetiva por parte da administração prisional. A lógica do Depen é levar as políticas públicas já existentes para dentro dos presídios, abrir as portas dos presídios para as políticas públicas que já existem, isso parecia um desafio, continua sendo um desafio, até porque os nossos parceiros não pensam que a pessoa presa é cidadã, quando eu falo nossos parceiros, eu estou falando de todos os parceiros, de todos os poderes, certo, nós temos que entender que o preso, a presa, ele tem que ser incluído, porque o nosso olhar, tem que ter um olhar de raio x e atravessar o muro da unidade e ver que ali dentro tem pessoas, Sra. Daniele Alves da Silva (Presidiária): Bom dia, meu nome é Daniele, tenho 25 anos, e infelizmente cai lá dentro e nessa brincadeira já tem 6 anos que eu estou lá, tive uma filha lá dentro, não é fácil porque tem um certo tempo de ficar com um bebê lá dentro, enfim, sofri muito, mas eu gostaria de agradecer também essa oportunidade, porque esses projetos são muito importantes para a gente, muito importante, porque lá dentro realmente não é fácil, é muito difícil, enfim, gostaria de agradecer, estou um pouquinho nervosa. (intervenção fora do microfone). Estudei, estudei lá dentro, trabalhei, remi muito lá dentro, fiz vários cursos também lá dentro que hoje está me beneficiando muito enfim, agora estou trabalhando na Secretaria de Justiça, um ótimo lugar também para a gente, uma maravilha lá também, (intervenção fora do microfone), ah, é, fui miss em 2009, fui miss penitenciária, um projeto maravilhoso também, que me ajudou bastante. Eu fui presa em 2007, no 157, e passei 2 anos lá dentro, sai de PD, fiquei um ano na rua, e tive que voltar porque soltou um mandado para mim, voltei grávida,
então foi mais sofrido ainda que na primeira vez porque eu já estava grávida de 6 meses, ganhei minha filha lá dentro, terminei o pré-natal lá dentro, e com 6 meses de idade eu tive que me separar da minha filha, até hoje só vejo ela de 15 em 15 dias, ela já tem 2 aninhos, não é fácil, é muito difícil, porque eu já estava reintegrada à sociedade, eu já estava trabalhando, eu estava estudando e tive que voltar depois de 1 ano e 2 meses que eu estava na rua eu tive que voltar por um crime que eu cometi em 2007 e estou pagando até hoje, agradeço assim pela oportunidade que eu tive depois que minha filha foi embora a diretora me ajudou muito, aí comecei a trabalhar no patchwork e remi minha cadeia, agora eu estou no trabalho externo, trabalhando na Secretaria da Justiça, como já falei, falta muito pouco para mim ir embora de vez, ficar com a minha filha. Sra. Camila Neri (Presidiária): Bom dia a todos, eu sou a Camila, vai fazer 4 anos que eu estou no sistema penitenciário, fez um ano que eu estou no trabalho externo, eu fui presa por tráfico de drogas e não porque eu praticava, mas sim por estar juntamente com a minha mãe, porque a minha mãe desde que eu nasci, foi a vida que eu conheci, então assim não tinha como eu sair de perto, porque, enfim, foi a vida que meus pais escolheram, então eu estou pagando assim não porque eu praticava, mas por atos dos meus familiares, mas eu não vejo de uma forma negativa, porque lá dentro da penitenciária eu nunca levei pelo lado negativo, sempre procurei estar me esforçando, estudando, fazendo alguma coisa para ocupar o meu tempo, antes de eu ir presa, eu tinha a minha filha que estava com 6 meses e meu filho, eu tenho um casal, aí eu não tinha visita frequentemente, isso é uma coisa que dificulta muito lá dentro, não ter o apoio dos familiares, mas o mais importante foi que eu tive forças para lutar até hoje e ter vontade de vencer, 221
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lá dentro da penitenciária sempre tem o Fest Art, que é um festival onde eles dão incentivo para as pessoas mostrar o que elas sabem fazer, uma arte que eu descobri lá dentro foi a arte do desenho, eu não sabia que eu tinha essa habilidade, e eu sempre tirei primeiro lugar no festival, o último ano eu tirei primeiro lugar no desenho, e no artesanato eu tirei 3º lugar, e poesia também 3º, agora eu estou trabalhando na Funap como apoio administrativo, consegui autorização judicial juntamente com a Funap para mim poder estudar, estou terminando o
meu ensino médio, e procurando me profissionalizar. Eu tenho muito a agradecer à Dra. Deuselita que sempre está buscando levar cursos para dentro da penitenciária onde quem está lá dentro, as internas, possam se profissionalizar para ter uma oportunidade melhor quando sair. Sabrina Faria (Mediadora) Agora nesse momento a gente vai abrir a plenária para a gente poder debater, discutir, e eu gostaria de fazer uma provocação para dar início a nossa discussão, ao nosso de-
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bate, é que de acordo com as falas das palestrantes, dos palestrantes, os relatos, eu observo que é incrível como a questão de gênero e a questão do racismo, como isso gera impactos diferentes em relação às mulheres, em relação aos homens, de como a situação das mulheres fica numa condição de vulnerabilidade, de fragilidade, muito mais, que merece um olhar e uma problematização profunda porque acaba que essas mulheres ficam numa situação de desvantagem, desvantagem social, política, invisibilizadas e numa condição
geral realmente muito séria, até a forma que essas mulheres, eu vi no relato da não visita, os homens eu vejo que a situação é totalmente ao contrário, as mães estão lá, as esposas estão lá, fieis, leais, e quando isso impacta, quando isso acontece na experiência feminina, da mulher em situação de cárcere, em situação de prisão, essa configuração muda absolutamente, geralmente essas mulheres são abandonadas muitas vezes até pelos familiares, por seus companheiros, o impacto do machismo, do sexismo, e o racismo, impacta de forma diferente, quando a gente trata da questão de gênero, isso é acho que é um ponto muito importante para a gente refletir e é uma provocação que eu estou fazendo aqui e abrindo a plenária para a gente debater.
Participante não identificada: Bom dia a todos, eu sou professora, eu trabalho no sistema prisional de Brasília há 9 anos já e assim eu queria primeiro falar um pouco do que aconteceu comigo, eu era professora aqui do plano piloto, mas a gente sabe que a maior parte do público que estuda na escola pública no plano piloto não são moradores do plano piloto, vem de outras cidades para estudar no plano piloto e na medida em que foi aumentando o número de escolas particulares e que o perfil dos moradores de Brasília foi mudando, eles foram para a rede privada,
e aí o que aconteceu comigo, eu saí de uma escola aqui do Gan, que eu trabalhava com criança de 5ª a 8ª série, e fui trabalhar no presídio. A princípio eu chorei todos os dias quando eu entrava no sistema, porque a gente, quando você fala da capacitação, o professor, ele precisa ser capacitado para trabalhar com outro perfil de público, se ele não for capacitado, ele vai ter que se adaptar de alguma maneira
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para trabalhar com esse público, e o primeiro local que eu fui trabalhar foi no CDP, eu falo assim abertamente para vocês, quando eu entrei na sala, que fechou a grade, eu olhei para os alunos, olhei para o quadro, falei, gente, desculpa, eu vou chorar muito, e chorei muito, chorei um tempo assim, uma meia hora chorando na frente deles, e os alunos olharam para mim e falaram, professora, espera aí, professora, calma, e tal, e aí até que eu fui, eles me deram força, me deram condições para eu conseguir superar essa questão do sistema prisional para poder desempenhar uma atividade com os alunos lá, com os estudantes, e é bom esse retorno que eles dão para a gente porque se a gente não tiver esse retorno, a gente não consegue realmente incentivar a esse público a achar que a escola é a porta de salvação para eles, a educação é a porta de salvação. Quando você falou da questão da continuidade, todo dia eu entro num presídio, mas eu saio, mas eles ficam, então se você não tiver continuidade de todos esses projetos maravilhosos que eu vi aí, a necessidade deles realmente ser incluídos não vai existir, eu tenho algumas alunas e alguns alunos meus que já voltaram para o sistema uma, duas, três vezes, porque quando termina
um convênio, e o salário que eles recebem lá, eles automaticamente eles ficam soltos, e a primeira oportunidade que eles têm para poder ganhar dinheiro é o tráfico, e acabam voltando para dentro do sistema também, e atualmente agora eu estou trabalhando em duas unidades prisionais, no primeiro semestre eu trabalhei no CDP e também trabalhei com as mulheres, com as minhas alunas inclusive tem, eu acho que, eu não sei se eu dei aula para vocês duas, para a Daniela eu dei aula, e assim eu estou atualmente dando aula de geografia, e história, a gente tem que pensar também na possibilidade do que o mercado está querendo, não adianta nada você criar um curso lá dentro se esse mercado aqui fora não for absorver esse público, então assim tem que pensar no que está acontecendo global, gente, quais são as mudanças que estão acontecendo no planeta para a gente incluir essas pessoas, a minha angústia maior é que se a gente tiver uma escola boa, de 1ª à 4ª série, de 5ª à 8ª, e de ensino médio, a gente não vai ter que criar mais prisões. Eu comecei a trabalhar no presídio feminino tinha 200 mulheres, agora já tem 900, será que daqui até 2020 a gente vai ter quantos, quan-
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tas vagas a gente vai ter que criar? Se a gente não criar mecanismo de escola boa na base. Se a gente conseguir fazer essa proposta inicial de pensar na criança, em pensar numa escola boa a princípio a gente vai realmente reduzir esse quadro assustador e preocupante porque além das pessoas estarem presas elas estão morrendo também e os filhos estão entrando também no mesmo ciclo vicioso. Sr. Marcelo Dourado (Diretor Superintendente da Sudeco): Eu vou tomar a liberdade de responder parte da tua pergunta, eu tenho uma ideia porque eu fui muitos anos professor também, eu queria dizer para você só para você entender um pouquinho o programa, a nossa preocupação lá na Sudeco é que esses programas de inclusão produtiva de gênero, eles tem que ter obrigatoriamente uma porta de entrada e uma porta de saída, não é capacitar por capacitar, ou qualificar por qualificar, independente da população que você está agindo, a gente teve essa experiência no mulheres na construção, e eu chamei os empresários da construção civil e falei, meu amigo, é o seguinte, eu estou capacitando aqui 440 mulheres, vocês garantem que depois que eu capacitar essas mul-
heres, vocês vão contratar? Os caras me garantiram, o que aconteceu foi o seguinte, só não foi, não teve o emprego, quem não quis, do universo mais de 80% está empregado, então você tem que fechar, você tem que fechar todo o ciclo, se não, não adianta, é a mesma coisa que a gente quer fazer com esse início de capacitação que são 390 se não me engano, 310, desculpe, 310, divididos nos 4 estados, que é um projeto piloto, é a mesma coisa, a gente está entrando em contato com os chamados empresários do ramo de confecções, Hering da vida, o Sindivest aqui em Brasília, o pessoal lá de Goiás, por que, porque não adianta capacitar por capacitar, o que a gente quer é o seguinte, a gente quer a garantia da inserção do mercado de trabalho e do emprego, independente da mulher estar dentro do presídio ou fora, e isso a gente tem que ter esse compromisso, é isso que a gente está fazendo, a ideia não é essa simplesmente você capacitar e deixar ao sabor do vento que aí a coisa não vai para a frente, então na Sudeco esse programa que a gente tem, que são várias capacitações, a Tatau aqui é parceira numa parte desse programa, primeiro, a gente tem uma preocupação em capacitar as mulheres em atividades econômicas que são majoritariamente masculinas, que já é um preconceito, para a gente combater isso, e o resultado tem sido surpreendente, como é o caso da construção civil, mecânica de automóveis, operadoras de máquinas agrícolas, e assim nós vamos, e também capacitar em áreas que são tradicionalmente existe uma experiência feminina, que é o caso da confecção. Você pode estar certo que essas 310 que vão ser capacitadas, eu já estou cutucando os empresários, eu falei, meu amigo, eu vou capacitar e sem preconceito, porque elas vão ser muito bem qualificadas, você me garante a inserção? Aí os caras falaram que sim, por isso que a gente está capacitando, porque se não é como você disse, é perder
tempo, isso que a gente não quer, se você não der essa garantia financeira e não der essa garantia de empregabilidade, é perda de tempo, perda de recurso, esforço. Eu pediria só essas próximas perguntas a gente ser mais objetivo para a gente aproveitar essa mesa fantástica que está aqui, essa turma fantástica, aí você já perguntar e falar logo Tatau, Rossini, Deuselita, a Camila, para você fazer pergunta direta ou para mim ou quem quer que seja para a gente objetivar. E a palavra está aberta. Sra. Maria José (Agente Penitenciária do Rio Grande do Sul): Eu sou Maria José, eu sou agente penitenciária do Rio Grande do Sul, e hoje estou na coordenadoria da penitenciária da mulher, na verdade não é uma pergunta, é até um reforço, eu gostaria de parabenizar o Depen, através da Gisele e de todo mundo pelo esforço que vem fazendo junto conosco, e reunindo todos os estados para que a gente reconstrua o sistema prisional no Brasil, à Sudeco por tudo o que nos passou e com certeza a toda a equipe de homens e mulheres que provavelmente trabalharam e vão continuar trabalhando em todos esses projetos e outros, eu não poderia deixar o dia de hoje, então reforçar a questão de que nós precisamos sim trabalhar com as mulheres negras do sistema penitenciário, como foi mostrado, são maioria, somos maioria, nós temos que ter garantia para essas mulheres, nós temos que resgatar a cultura de matriz africana dentro dos estabelecimentos prisionais, a religião de matriz africana tem que entrar de uma vez por todas dentro dos estabelecimentos penais, nós temos que garantir para quando essas mulheres negras saiam, ou lá dentro nos parques, eu não sei como chamam aqui, nós temos que ter garantia de vagas para essas mulheres trabalhar porque dentro do sistema prisional elas acabam sendo excluídas também de algumas vagas, pela aparência como dizem, que não condiz com o car225
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go que está sendo oferecido, com o trabalho que está sendo oferecido, uma das outras questões que eu acho que a gente tem que trabalhar muito, e a gente tem que mudar o nosso discurso de que elas estão envolvidas, as mulheres estão sendo aprisionadas pela violência, são obrigadas a violar o corpo e a levar droga para os seus maridos através da violência, nós estamos hoje aprisionando mulheres que apanham e aí é exatamente por isso que elas estão sendo aprisionadas, então a gente tem que ter isso muito firme e a gente tem que levar esse grito muito adiante. Quando o senhor falou na questão de trabalhar com mulher, para a gente levar o exemplo para os homens, isso também é prevenção, porque somos nós mulheres que cuidamos dos filhos e das famílias, é através dessas mulheres, é cuidando delas, é empoderando essas mulheres para a saída delas que nós vamos com certeza estancar a questão desses filhos virem para o sistema prisional, porque são as mulheres que cuidam dos filhos, quando elas estão na prisão são as mães, muitas vezes sem saúde, sem condições financeiras, então é trabalhando com as mulheres, é empoderando, é fazendo com que elas saiam de lá melhor, porque presídio é a porta de entrada e a porta de saída, é que nós vamos sim conse-
guir muitas mudanças na segurança pública desse nosso país e agradecer esse momento, da gente ter vindo de tão longe e com certeza levar bons exemplos e muita coisa boa para a gente continuar trabalhando lá. Sra. Jamila (Assistente Social): Bom dia, meu nome é Jamila, eu sou assistente social, no momento gerente de estudos e análises transversais na Codeplan aqui do Distrito Federal, na companhia de planejamento, e a gente tem participado de algumas discussões com a Sudeco sobre esse programa e a gente também tem entrado em alguns outros temas próximos desses, no momento a gente está fazendo um estudo sobre os adolescentes em medida socioeducativa no Distrito Federal e a gente está tentando fazer um censo dos adolescentes, a gente está em campo nesse momento inclusive a gente tem uma equipe agora em campo fazendo uma parte dessa pesquisa. Na verdade eu tenho algumas perguntas, uma para a Deuselita em relação à questão da família, que foi inclusive citada pela Camila, a questão de não haver visita, dessa dificuldade das mulheres serem vistas como cuidadas, porque o papel social
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sempre de cuidadoras, quando elas mudam de lado há uma resistência da família em aceitar a mulher saindo desse papel de cuidadora para ser a cuidada, e eu quero saber como é que está sendo dentro do presídio, como que é feito esse atendimento, ou algum tipo de atendimento psicossocial e participação da família, algum tipo de incentivo, se existe isso, algum tipo de incentivo à participação da família, ou algum tipo de apoio, enfim, à família enquanto as mulheres estão lá. Ao Dr. Augusto Rossini eu queria saber uma primeira coisa, por conta dessa participação com a Sudeco no programa, a gente deu uma pesquisada, a gente queria utilizar dados do Infopen, e a gente queria saber como é que está sendo feita a atualização e a gestão desses dados, porque a gente quando foi discutir sobre isso, ah, vamos utilizar os dados do Infopen para a gente aprofundar algumas coisas, as pessoas falam, não use, porque eles não são confiáveis, ou não sei, não estão sendo atualizados, e aí eu queria saber como é que está sendo isso, para saber se de fato não estão sendo, como que está sendo essa gestão, se eles são ou não confiáveis. Outra coisa, se existe, ou se tem a possibilidade de haver algum tipo de estudo específico sobre a
população carcerária, algum censo, se existiu recentemente ou se tem possibilidade de haver algum por agora, para essa população, se não para a população carcerária como um todo, para a população carcerária feminina Dra. Deuselita Pereira Martins (Diretora da Penitenciária Feminina do Distrito Federal – COLMEIA): É verdade, é fato que as mulheres são muito menos visitadas do que os homens presos, para se ter uma ideia, nos presídios masculinos o número de visitantes a maioria é do sexo feminino, no presídio feminino também, a mulher quando ela é encarcerada, ela é visitada pela mãe, irmã ou amiga, na verdade são muito poucas que são visitadas pelos seus companheiros, normalmente os companheiros abandonam, nós temos cerca de 100 mulheres que não recebem qualquer tipo de visita, e sim, existe nada, são ações individuais, por exemplo, nós temos o assistente social da Secretaria de Saúde, que faz alguns contatos com as famílias tentando trazer a família para perto da presidiária e outras ações feitas por grupos religiosos, como a pastoral carcerária e outras instituições, mas não existe nada assim um projeto nesse sentido, então essa é a minha resposta. Sr. Augusto Rossini (Diretor do Depen, do Ministério da Justiça): Os estados se comprometem, eles mandam os dados para nós todos os meses, só que nós temos que checar esses dados, é difícil falar disso, mas assim, nós confiamos nos dados que os estados nos mandam, mas por que nós checamos, esse é um outro problema, e é por isso que tem um gap de 6 meses. Quando você estabelece uma política, eu vou 227
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dar um exemplo, o ano de 2011 nós tínhamos o projeto de cadeias públicas, nós soubemos e documentamos isso, virou procedimento que uma unidade prisional que estava escrito assim delegacia de polícia, que preso não pode ficar em delegacia de polícia, ou não deveria ficar embora 50 mil estejam em delegacia de polícia no Brasil, 10% da população presa está em delegacia ainda, delegacia é um lugar de investigação, não é um lugar de prisão, o que aconteceu, como aquilo lá era uma cadeia pública e não delegacia de polícia, para obter o recurso, o estado pintou a parede e escreveu assim, cadeia pública e delegacia de polícia, ah, então eu tenho preso em delegacia de polícia, se virou, maquiou-se a informação para poder pegar o recurso, isso é sério, isso está documentado, nós temos que checar muito fortemente esses dados, mas esses dados são confiáveis, se você tiver alguma dificuldade, nós estamos reformulando o Infopen porque o Infopen, tem Infopen números e Infopen gestão, o que está aberto para a comunidade é o Infopen números, se divide estado por estado, unidade, agora o Infopen gestão, são 16 estados que aderiram ao Infopen gestão, alguns estados, ou por viés político, eu tenho que dizer isso, ah, o governo é de um partido, o governo federal é de outro partido, nós temos dificuldades, nós sabemos disso, temos dificuldades mesmo, então eu não vou dar esses dados que são sensíveis, e só 16, eu não vou nominar quais os que não entraram, vocês podem fazer um juízo de inferência de quais não entraram, então 16, nós somos 27, falta aí quanto, estão faltando 11 estados, não é isso, e eles não vão entrar, e eles só mandam para o Infopen números, agora, se você tiver uma pesquisa e precisar, você está aqui em Brasília, vá no Depen, porque muitas vezes a gente dá um desdobramento, um detalhamento que não dá para ter e nem está no Infopen, que a gente vai poder falar dos recursos investidos, nós vamos falar dos projetos envolvidos, por exemplo, nós temos que punir alguns
estados, colocando no Calc, projeto que era de 2005, 2004, que não executaram, assim, a nossa relação, ela é boa, mas ela tem as suas vicissitudes, certo, o que está lá é o que o estado nos mandou, quem te disse isso, desculpa, tem que fazer uma (intervenção fora do microfone), isso, (intervenção fora do microfone), atualizar, não é? (intervenção fora do microfone) é, nós estamos, até porque tem uma lei que está na vacatio, a 12 quatrocentos e alguma coisa, que nós estamos criando um sistema para acompanhamento de execução direto, e nesse sistema de acompanhamento de execução, o magistrado está aqui e sabe do que eu estou falando, isso vai agregar algumas informações, algumas atualizações automáticas, até para poder gerar as notificações eletrônicas para as varas criminais, foi elaborado uma proposta para a inserção, criação, de banco de dados com especificidades femininas, as meninas fizeram essa demanda, nós estamos pensando porque não dá para pensar, porque veja, como as mulheres são só 7% da população carcerária, você não, só que esses 7% são 36 mil pessoas, a população carcerária de Portugal é de 11 mil pessoas, nós temos a população carcerária feminina no Brasil o que a alemã tem de presos, então assim, é um problemão para nós. Qual que era a outra pergunta mesmo? (intervenção fora do microfone). Nós temos um censo em São Paulo, está saindo agora, está quentinho, nós temos vários censos, inclusive da mulher encarcerada ou do encarcerado, encarcerada nos manicômios, nos hospitais de custódia, e nós temos várias pesquisas lá e nós falhamos na comunicação, dizem que a galinha e a pata botam, mas só a galinha cacareja, a gente não cacareja não, é uma pena, mas se você nos procurar e nos mandar, desculpa, nós não fazemos mal a propaganda, até porque esse assunto é um assunto tão sério e tão complexo, que a gente fica até um pouco ressentido, é difícil colocar na mídia notícias boas do sistema prisional como essa aqui, mas
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quando morre, quando tem rebelião, quando tem um problema, isso na hora sai, agora quando a gente consegue qualificar milhares de pessoas aí não sai, quando os servidores prisionais estão se qualificando para se transformar em professores, tem 110 mil servidores prisionais, ser honesto, trabalhador, digno, dar aula no sistema prisional, isso não dá ibope, o que dá ibope é quando acontece um problema, a gente tem que tentar também com a ajuda de vocês reverter esse quadro de negativismo, porque as pessoas saem de lá, é como um professor de São Paulo diz, hoje ele está contido, amanhã ele está contigo. Participante não identificada: Eu queria fazer assim uma pergunta em síntese, não vou entrar em depoimento pessoal, não vem a questão, mas assim a nível de integração nacional, saindo um pouco dessa questão da Sudeco, estão chegando notícias constantemente agora pela mídia, os veículos de comunicação, de encarceramento de mulheres, mais precisamente no estado do Pará, mulheres sendo presas em presídios masculinos e sem nenhum tipo de assistência, correndo o risco de violações, estão sofrendo ameaças, violências, e não é a primeira vez que o estado do Pará tem feito esse tipo, nós tivemos há um tempo atrás uma menina que foi encarcerada dentro de um presídio masculino, sofrendo tipo de abuso de todos os detentos daquela cela, e a punição foi branda a nível judiciário para quem colocou aquela mulher, aquela menina naquela situação de risco, e novamente o estado do Pará, mais uma vez em flagrante estado de inconstitucionalidade, porque está na Constituição que tem que haver a individualização da pena, principalmente pela questão do gênero entre homens e mulheres, e eu queria saber a nível de integração nacional dos outros estados, saindo um pouco da questão da região centro-oeste, o que tem sido feito para evitar e coibir que
estados como o estado do Pará parem e acabem com esse desrespeito em relação às mulheres presas que estão sendo encarceradas de qualquer forma, de qualquer jeito, em presídios masculinos, sofrendo todo o tipo de violação, Sr. Douglas de Melo Martins (Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça - CNJ): Esse caso eu acho que não é só no Pará, tem outros estados que tem esse mesmo problema e a separação que é feita às vezes não é razoável, você encontra delegacia que diz, não estão misturados, mas está ali numa cela, cela “a” é feminina, a cela “b”, enfim, não é só um problema do Pará, de qualquer forma, essa denúncia específica que, eu estive na semana passada em Belém para uma reunião com as instituições lá do estado do Pará, o executivo, o judiciário, o Ministério Público também, a defensoria, tivemos uma reunião para definir um mutirão carcerário no estado e geralmente o momento de mutirão carcerário, ele também serve para esse diagnóstico, para dar visibilidade a esses problemas, acaba gerando de certa forma uma discussão, um debate e oportunidades também para solução deles, mas se existe um específico, eu gostaria que chegasse ao CNJ, Sr. Augusto Rossini (Diretor do Depen, do Ministério da Justiça): Posso agregar? O último artigo da LEP, da Lei de Execução Penal, diz que os estados que não cumprirem as exigências da LEP, eles não receberão recursos federais, ou recursos, e aí você tem um problema sério, porque em tese ninguém receberia, todos os estados têm em alguma medida, de alguma maneira não vêm cumprindo todas as exigências da LEP, há situações que são muito graves, e há mecanismos de verificação, 229
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de apuração, primeiro são os organismos locais que nós temos que fortalecer, há instituições que têm obrigação de trabalhar com isso, ou o Ministério Público, ou o juiz e o defensor, tem que visitar mensalmente a unidade prisional, e nos surpreende quando isso não acontece, então isso já começa dali. As instituições tem corregedorias, tem corregedor, todo sistema prisional brasileiro tem corregedoria, nós temos que fortalecer as ouvidorias,
que as ouvidorias são o sal da terra, que elas recebem informações que a institucionalidade muitas vezes não permite que aconteça, existe uma estratégia de fortalecimento da ouvidoria, nós temos a nossa ouvidoria nacional, do Depen, que recebe 17 mil reclamações ano, é a segunda ouvidoria em demanda do Brasil, só perde para a do SUS, e vem cartinha, não vem e-mail, porque o preso não tem acesso à internet, e nós temos que lembrar que nós temos um controle social do sistema prisional, que é amesquinhado que são os conselhos de
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comunidade, que muitas vezes são os integrantes desses conselhos de comunidade que não podem ser chapa branca, e não pode ser longamanos do juiz tem que ter uma clareza na investidura que vá fazer as denúncias que muitas vezes nossos parceiros estão equivocados. No caso do Pará, a denúncia que nos chegou, e nós estamos apurando, a nossa ouvidora está em vias de ir para lá, porque tem que trabalhar a agenda, não é só isso, é um pouco pior, e nós estamos colhendo as informações, até porque tem que ter contraditório, você tem que ter
tranquilidade para apurar, porque se não aí o que a mídia nos faz, com todo respeito à mídia, pode não ser exatamente aquilo, então não nos seduzimos com o que a mídia fala, nós temos que apurar o devido processo legal, que também é constitucional, nós soubemos que houve uma rebelião numa unidade feminina lá no Pará e o castigo foi levar essas moças para a unidade masculina, que é muito pior, que é muito pior, e isso está sendo apurado com rigor, até conclamo o CNJ quando estiver lá para verificar esse fato porque é mais grave do que só colocar numa unidade mista, porque
muitas vezes aquele princípio do fato consumado em determinadas circunstâncias você tem que pernoitar mesmo uma mulher numa carceragem, numa cela “a”, numa cela “b”, fazer o quê, mas tem que imediatamente após, porque assim a lei determina, ir para uma unidade específica, agora o castigo, o suposto castigo, não quero afirmar aqui, porque se não seria leviano da minha parte, o suposto castigo, isso sim é odioso e vai ser se confirmado, punido com rigor, tenho certeza, com rigor, eu tenho certeza, até porque esse estado e tantos outros que ofendem os direitos humanos
recebem verbas federais, e para nós é tranquilo você não mandar uma verba federal por cumprimento puro e simples do último artigo da lei de execução penal, então assim, obrigado por trazer essa informação também, agora fortaleçam nos seus lugares os conselhos de comunidade, as ouvidorias, e as corregedorias, porque só assim tendo um sistema de, e mesmo assim nós temos tortura, vide um estado grande aí, que nós acabamos de testemunhar.
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M ulheres N egras C onstruindo Coordenadora: A mesa vai tratar de relatos de mulheres, de suas vivências, de suas experiências. É um desdobramento de um prêmio promovido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres: “Mulheres Negras Contam sua História”. Convido todas para viverem junto conosco as histórias dessas mulheres. Convido a mediadora, a Preta Candanga Cecília Bizerra. Sra. Cecília Bizerra Sousa (Mediadora): É com muita alegria e orgulho que a gente começa essa mesa “Mulheres Negras Construindo sua História”, com a presença da nossa homenageada, Conceição Evaristo, mas também com a Cláudia Marques, de Minas Gerais, e da Lurdinha Rodrigues que vem falar, em nome da SPM, um pouco do prêmio “Mulheres Negras contam sua História”, diferente da mesa, mas um trocadilho interessante. Eu queria convidar para compor a nossa mesa, a escritora e poetisa Conceição Evaristo, a homenageada desse Latinidades 2013, e integrante da comissão julgadora da primeira edição do Prêmio Mulheres Negras Contam sua História. Eu vou adorar ficar do seu lado. Queria convidar também a Cláudia Marques de Oliveira, do Pro-
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sua
H istória
grama Ações Afirmativas da Universidade Federal de Minas Gerais e vencedora, na categoria ‘Ensaio’ do Prêmio Mulheres Negras Contam sua História, promovido pela SPM. E Lurdinha Rodrigues, Coordenadora Geral de Diversidade da Secretaria de Políticas para as Mulheres. Ela vai fazer uma saudação em nome da Secretaria que viabilizou esta mesa e também promoveu o Prêmio Mulheres Negras Contam sua História. A Lurdinha veio como porta-voz, como um pombo-correio, digamos assim, trazendo um recado da nossa querida Raquel Trindade, que comporia também esta mesa, mas que por motivos de saúde não pôde estar aqui hoje. Ela mandou uma carta . Sra. Lurdinha Rodrigues (Coordenadora Geral da Diversidade da SPM): Antes de fazer a minha saudação, eu queria ler uma carta enviada pela companheira Raquel Trindade, uma das nossas convidadas para esta mesa. A Raquel foi uma das premiadas no primeiro Prêmio Mulheres Negras Contam sua História. Ela foi premiada na categoria Redação, com a “Minha História” e comoveu a todas que leram. A Raquel mandou uma carta que diz o seguinte:
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Embu das Artes. São Paulo. 25 de julho de 2013. Prezadas e prezados, Estava certa da minha ida para o Latinidades, Festival da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, porém é com contrariedade que venho pedir desculpas por não estar presente como havia acertado. Eu e meu neto, Marcelo Tomé já estávamos próximo do aeroporto quando comecei a me sentir muito mal, tremendo muito, com ânsias, muito frio e com a impressão de que iria entrar em um transe espiritual. Não en-
tendi porque fiquei assim e achei melhor voltarmos. Não tinha condições, nem físicas e nem espiritual, para continuar a viagem e como já tenho 77 anos não quis dar trabalho a vocês. Sinto muito! Esta seria a segunda vez que eu faria parte deste indispensável evento que já faz parte do calendário dos eventos que não podem faltar e que contribuem para dar a necessária visibilidade ao histórico de lutas e resistência da mulher negra na América Latina e traz a reflexão de temas relacionados ao racismo, sexismo, machismo e superação das desigualdades com recorte de gênero e raça. Gostaria de agradecer a todas as organizadoras e a
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todos os organizadores em nome da Griô Produções, da Irmandade Pretas Candangas e em nome da Ministra Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, agradecer o convite e todo o empenho para viabilizar a nossa ida. Em 25 de novembro de 2011 fui homenageada com muita honra e muito carinho e desde já espero receber e participar com vocês deste lindo Latinidades. Desejo de todo o coração que o evento seja um sucesso, um forte abraço a todas. Raquel Trindade.
É uma pena mesmo, a Professora Raquel é um ícone das mulheres negras na história da resistência, do enfrentamento ao racismo e na construção do nosso país. Mas, estamos aqui brindadas com duas grandes mulheres, a Conceição Evaristo e a Cláudia Marques. Em nome da Secretaria de Políticas para as Mulheres eu queria cumprimentar a comissão organizadora do Latinidades, o Festival de Mulheres Negras da América Latina e Caribe, que vem demonstrando ano a ano, a força das mulheres no enfrentamento ao racismo. Nós da SPM nos orgulhamos em apoiar este ano, esse evento que hoje é o maior festival de mulheres negras do país. Eu queria parabenizar a toda a organização, a todas e todos, mas em especial à Jaqueline e à Daniela que nos convidaram e desde o primeiro momento não mediram esforços para que a gente pudesse selar essa parceria nessa 6ª edição do Latinidades. Muito obrigada! Por que essa mesa, por que esse título? No primeiro momento que nós conversamos ― SPM e a Griô Produções, Lurdinha e Jaqueline – pensamos numa iniciativa que tinha acabado de acontecer pela SPM em parceria com a Seppir, que é o Prêmio Mulheres Negras Contam sua História, lançado
em novembro de 2012, durante as comemorações da Semana da Consciência Negra. Diz a Ministra Eleonora que ela teve um sonho e acordou com a decisão de buscar parcerias para construir esse prêmio que foi muito importante, teve uma participação de mais de 600 mulheres negras inscritas, nas categorias Ensaio e Redação, e tivemos cinco premiadas em cada uma das categorias. Essa iniciativa buscou resgatar o anonimato das mulheres negras na resistência, na construção da nossa história no Brasil contra o racismo, a partir das suas próprias histórias de vida e de outras. Eu queria só mencionar as premiadas, na categoria Redação nós tivemos uma primeira premiada com o título “Minha Luta é para Ver Tornar-se Real o Sonho do Trabalho Doméstico Decente” que é de autoria da Creuza Maria de Oliveira. Ela narra a vida de uma órfã pobre do interior da Bahia vindo para Salvador aos 10 anos, trabalha em casa de família apenas por casa e comida e até chegar a receber salário passam-se muitos anos. Hoje ela é uma líder das trabalhadoras domésticas brasileiras, Presidenta da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos. Nossa homenagem a essa grande mulher batalhadora, Creuza Maria
de Oliveira. Eu não pretendia ler todos, mas posso ler sinteticamente as vencedoras. Outra redação premiada teve o título “O Direito ao Narcisismo”. A redação utiliza a psicanálise para discutir o preconceito contra os afrodescendentes e emprega a metáfora do espelho para desnudar o preconceito, o significado do rosto materno para o desenvolvimento do bebê a partir desta que é a primeira imagem da criança. Figurativamente, a sociedade é a grande mãe e o preconceito explode através do choque vivido pelo afrodescendente quando se percebe aquém dos desejos desta mãe, uma pátria que não reconhece seu rosto negro. A autora é Eliana Aparecida da Silva Pinto. Outra redação se chama “O Bullying e a Criança Negra da Escola Pública: Até Quando?”. Ela relata o sofrimento de uma menina negra numa escola atingida pelo preconceito, como as crianças viveram isso e o fato de que muitas carregam o estigma pelas suas vidas porque o bullying é a continuidade do apartheid que acompanha a população negra. A autora é Glória Maria Gomes Chagas Sebaje. Outra redação se chama “Do Luto à Luta: A História de Três Continentes Marcados pelo Racismo”, da angolana Marisol Kadi235
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egi. Essa angolana foge da guerra, exila-se em Portugal e finalmente chega ao Paraná como empregada doméstica. O estudo é sua moeda de troca com a patroa e é por meio dele que, depois de fugir para Cuiabá, no Mato Grosso, ela evolui para o trabalho em escritório. Em Brasília, forma-se em jornalismo, contata a Embaixada de Angola e revê a família. Hoje é repórter da TV Angolana. A autora é Marisol Adelaide Correa. Por último, a redação que viria representada por Raquel Trindade, que tem o título “Minha Infância” e retrata a pernambucana, filha de militante poeta negro. O seu duro dia a dia incluiu a escola de uma ativista na qual as dificuldades impunham merenda à base de mate com angu, motivo para que todas e todos ali fossem cruelmente apelidados de ‘mate com angu’. A autora é Raquel Trindade de Souza. Palmas para todas as cinco vencedoras dessa categoria. Na categoria “Ensaio”, nós tivemos outros cinco títulos. O primeiro é também sobre o “Trabalho Doméstico”. O texto traz o depoimento de Laudelino de Campos Melo, liderança negra que fundou, em 1936, a primeira Associação de Domésticas do Brasil. Por meio dele conhecemos a trajetória das lutas das empregadas domésticas pelos seus direitos trabalhistas e sociais. A autora é Claudenir de Souza. O segundo ensaio tem o título “O Risco de Ser Mulher Negra: Entre a Razão e a Emoção”. A autora está aqui presente. A autora, de origem afroindígena, apresenta a história dos gorutubanos de Janaúba, inVI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
terior de Minas, no cotidiano nas roças produtoras de farinha, biju, tapioca e rendas gorutubanas. Seu texto costura a história do Quilombo de Pimentel e Guardas de Congado, hoje nomeadas comunidades quilombolas, acompanhando sua vida, estudos e luta por uma sociedade sem racismo. É de Cláudia Marques de Oliveira, que está aqui com a gente e vai falar um pouco mais sobre ele. O terceiro ensaio, intitulado “Teias da Memória e Fios da História: Laços e Entrelaços”, revisita as memórias de uma infância pobre na periferia da terra batida e sem saneamento de uma grande capital, para reordená-las à luz da universidade e da cultura africana. Agora pedagoga, a autora tece o reconhecimento da afrobrasilidade, até há pouco desconhecida para ela mesma, com a necessidade analisar o racismo e as desigualdades sociais que vivenciou. A autora é Doris Regina Barros da Silva. O quarto ensaio, intitulado “Universidade Pública, Sonho, Direito ou Pretensão”, é de Patrícia Lima Ferreira Santa Rosa, uma estudante da USP na época. A filha de nordestinos, nascida na periferia de São Paulo, persegue seu sonho maior de chegar à USP. Já no Curso de Enfermagem, percebe que ali, de negros, só os estudantes e mesmo assim apenas 10%. A autora compara o antes e depois das políticas afirmativas do Governo Lula para a população negra. Por último, o ensaio “Vozes Mulheres” analisa as vozes de mulheres que caminharam na contracorrente da oficialidade histórica para retirar de suas entrelinhas as histórias de vidas duplamente subjugadas em uma sociedade etnocêntrica e falocêntrica. O poema de Conceição Evaristo, “Vozes Mulheres”, foi o fio condutor desse ensaio, por meio do qual a autora faz e refaz a sua história familiar. Esse ensaio é de Tássia do Nascimento e foi o quinto ensaio premiado no “Prêmio Mulheres Negras”. Nós tivemos também, pela qualidade dos trabalhos, dois ensaios que
tiveram menções honrosas. O primeiro é de Jurema Pinto Werneck, com o título “Macacas de Auditório: Mulheres Negras, Racismo e Participação na Música Popular Brasileira”. O outro é de Ângela Maria Benedita Bahia de Brito, com o título “Negra Angola: exceção à Regra”. E tivemos também duas redações com menções honrosas. A primeira é “Dita ― Identidade Quilombola”, de Leila Regina Lopes, que é aqui de Brasília. A outra é “Para Além das Expressões Perversas do Racismo: Uma História de Conquistas”, de Valdenice José Raimundo. Então, esse é o conjunto de obras premiadas no I Prêmio Mulheres Negras Contam a sua História. Pelo sucesso, tanto a SPM quanto a Seppir já decidiram pela continuidade do Prêmio. Sra. Cecília Bizerra (Mediadora): Muito obrigada, Lurdinha. É com muita alegria que a gente recebe essa notícia de que o prêmio vai continuar. Esperamos que essa iniciativa realmente continue e que surjam outras, que a nossa história não seja mais negligenciada, como foi por tanto tempo. Eu gostaria de me apresentar. Eu sou Cecília Bizerra Souza. Sou da Irmandade Pretas Candangas, mas também sou jornalista de formação e militante do Movimento pela Democratização da Comunicação. Estou na Academia porque não (?) pretendo ir adiante, sou Mestranda no Programa de Comunicação da UnB e peço permissão às minhas outras Irmãs Pretas Candangas, quero me apresentar com o meu principal crachá, o que me acompanha desde sempre e vou morrer com ele, o de mulher negra piauiense. Para honrar esse crachá, que eu visto agora, já que o título de nossa mesa é muito poético, como todo esse festival é muito lindo e muito poético, “Mulheres Negras Construindo a sua História”, eu gostaria de contar bem rapidamente a história de uma mulher negra, piauiense, chamada Es237
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perança Garcia. Ela é autora da primeira carta que se tem notícia escrita por uma mulher negra escravizada à época. Talvez também seja a primeira carta de denúncia de maus tratos contra escravos no Brasil todo. Olhem a ousadia dessa mulher! Ela escreveu essa carta ao então Governador do Estado do Piauí, no dia 6 de setembro de 1770, ou seja, cem anos antes da Abolição. Essa data é o “Dia Estadual da Consciência Negra” no meu estado, o Piauí, por conta da data da carta de Esperança Garcia. Cem anos antes da Abolição ela escreveu uma carta denunciando os maus tratos do feitor da fazenda onde ela vivia à época, uma fazenda próxima de Oeiras, que foi a primeira capital do estado e fica mais ou menos a 300 km de Teresina, a atual capital. Ela denunciava os maus tratos contra ela, contra o filho
dela e contra suas companheiras escravizadas. Não faz muito tempo que essa carta foi descoberta por historiadores e ela é de rara importância. É uma mulher negra contando um pedaço pequeno de sua história. É uma mulher negra ousada que sabia escrever nos anos 1770 e é por isso que eu resolvi registrar esse fato e, é claro, por ela ser também do meu estado natal. Hoje, essa mulher negra, que antes era escravizada, dá nome a uma maternidade numa cidade próxima à antiga capital do Piauí, Oeiras, e dá nome também a um coletivo de mulheres negras chamado “Esperança Garcia”. Eu tenho uma história particular com esse coletivo. Eu fazia a sexta série, devia ter uns 12 anos de idade, morava num bairro da periferia de Teresina e fazia natação no Centro Social Urbano. A gente pagava cinco reais para
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fazer natação lá. Eu ia com uma grande amiga minha, a Laiane, que também é mulher negra que mora e estuda em Campinas. Nós éramos como tampa e panela porque andávamos sempre grudadas. Nós tínhamos uma professora de natação que se chamava Valcirana Maia, não sei se algumas de vocês chegaram a conhecer a Valcirana. Ela era professora de educação física, mas era militante. Ela abriu os nossos olhos, a Laiane, assim como eu, pouca tinta - que a gente brinca - é mulata, e ela nos emprestava Revista Raça, e dizia: ‘Vocês não são morenas’. Nós dizíamos: ‘A gente é morena. Meu pai é preto, mas a minha mãe é branca. ‘A gente é morena’. Ela dizia: ‘Existe raça morena? Não existe. Você é negra, Cecília!’. Aquilo foi impactante para mim e para a Laiane também. Nós éramos crianças de 11 ou 12 anos e foi assim que nós despertamos para a nossa negritude e para o nosso empoderamento enquanto mulheres negras porque a Valcirana fazia todo esse trabalho de formação. Eu reencontrei a Valcirana, depois de 11 anos, como jornalista. Eu fui entrevistá-la enquanto militante do Coletivo de Mulheres Negras Esperança Garcia. Eu falei para ela da importância que ela teve na minha trajetória, no meu reconhecimento de raça. Acho que há seis ou sete anos, poucos anos antes de eu vir para Brasília, eu soube que a Valcirana faleceu. Ela morreu muito jovem e por uma bobagem, ela teve apendicite, foi para o hospital, mas faleceu. Eu queria pedir licença a vocês, principalmente à nossa homenageada e à outra integrante desta mesa para fazer uma homenagem a essas duas mulheres piauienses, negras: Esperança Garcia e essa militante Valcirana, do Coletivo de Mulheres Negras Esperança Garcia, que ajudou a me despertar e a construir a minha história de mulher negra também. Muito obrigada, Esperança Garcia. Muito obrigada, Valcirana! Então vamos iniciar a nossa mesa ― Mulheres Negras Construindo a sua
História. Nós vamos trazer aqui vivências, reflexões sobre as nossas trajetórias que desemboquem, tragam, exemplifiquem o empoderamento feminino. Contar história é se empoderar também. Eu queria começar com a Cláudia Marques de Oliveira, uma das ganhadoras do prêmio e que é do Programa de Ações Afirmativas da Universidade Federal de Minas Gerais. Sra. Cláudia Marques de Oliveira (Programa Ações Afirmativas da UFMG): Boa tarde a todos. É com muita honra e lisonjeamento que eu estou aqui hoje fazendo parte desta mesa com a Conceição Evaristo, com a Raquel Trindade, tão iniciante na escrita como eu sou. Você vai ter que me policiar porque eu costumo falar muito e, por esse motivo, eu gostaria de iniciar a minha fala pela parte final porque não deu para contar no ensaio, e muito menos aqui agora, em vinte minutos, a minha vida. Mas, algumas questões e alguns momentos que foram mais marcantes. Eu vou começar pelo final para não correr o risco de acabar o tempo e não chegar lá. Na verdade, esse “final” é o que me desperta e me coloca na luta enquanto mulher negra e quilombola, descendente do povo gorutubano, do norte de Minas. Estudando e pesquisando, no meu mestrado, as crianças negras e congadeiras da cidade de Pedro Leopoldo, que tem dez Guardas de Congado, a história da cidade não demarca a história dessas Guardas, não demarca a história do povo negro dessa cidade, encontro uma comunidade chamada Pimentel. Essa comunidade estava em processo de entendimento e autorreconhecimento enquanto remanescente quilombola. Eu me aproximo dessa comunidade, exatamente por estar lendo naquele momento o contexto racial da cidade de Pedro Leopoldo e também por ser um encontro com quilombolas com os quais eu me identifico porque sou quilombola. 239
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Nesse processo, a comunidade começa a entender, envia a documentação para a Fundação Palmares e recebe a certificação. A gente inclusive descobre que a Conceição Evaristo e a Macaé, que é prima da Conceição, são descendentes do Quilombo de Pimentel. Então, para mim, esta mesa está sendo uma conjuntura muito especial. Essa comunidade foi silenciada durante séculos. A comunidade tem mais de 200 anos, a cidade de Pedro Leopoldo tem apenas 89 anos. Existe um livro chamado “Memória Histórica de Pedro Leopoldo”, que não faz menção, em nenhuma linha, em nenhuma palavra a essa comunidade, que já teve 3.000 moradores, no Quilombo de Pimentel. Há dois anos, eram menos de 50 moradores e agora estamos com menos de 30. Há um esvaziamento dessa comunidade e não é à toa. Eram 10 alqueires e hoje a comunidade está ocupando menos de dois alqueires. Era um processo que parecia ser muito tranquilo com os fazendeiros vizinhos, não havia conflito que fosse perceptivelmente divulgado ou falado, foi essa linha que eu encontrei. Era esse o encaminhamento e a comunidade estava sendo contada, estava sendo falada dessa forma. Isso me intrigou muito. Eu me
aproximei, acompanhando as reuniões, acompanhando a luta e conversando com as pessoas, conversando com os mais velhos, começamos a perceber que não era bem assim. Ao contrário, havia uma pressão muito forte dos fazendeiros do entorno para a saída da comunidade de lá. Primeiro, o uso da mão de obra. Estrategicamente, foram terras doadas por ocasião da Abolição da Escravatura para que os negros continuassem ali com a única opção de trabalhar nas fazendas que, antes eram escravistas, e agora pagariam o preço que quisessem, mudando apenas de nome. É uma outra escravidão ou, como a gente costuma dizer, uma Abolição “para inglês ver”, porque era a Inglaterra que pressionava. O Brasil não queria abolir a escravidão. Nesse processo percebo que as pessoas que estavam no apoio e na condução dessa documentação não estavam percebendo a necessidade desse povo se empoderar da sua história e da sua luta. Então, eu passo a levar informações sobre o contexto racial, o contexto quilombola, o que é que significa isso. É um termo novo e que não se falava nas comunidades. Quando criança, o meu pai lutou pela não desapropriação da margem esquerda do Rio Gorutuba, enfrentando os
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coronéis do norte, não existia o termo “quilombola”, não existia o termo “luta quilombola”. O meu pai lutava porque ele sabia que já haviam desapropriado a margem direita e ele via as pessoas irem para a cidade sem ter o que fazer, muitos entrando em depressão ou no alcoolismo. Quando eles falam disso meu pai entra nessa luta, e o termo “quilombola” não existia, ele é muito recente para as comunidades até mesmo porque, em um dado momento da nossa história, se reconhecer quilombola era se entregar para a perseguição policial, política, porque os quilombos eram proibidos. Não foi à toa que o Quilombo de Zumbi de Palmares foi destruído e o seu corpo esquartejado. Quem iria se reconhecer quilombola, socialmente falando? Comecei a levar essas informações, essas discussões, eu sou da área de educação, eu sou professora, meu mestrado é na área de educação. Começo também junto - a aprender, buscar e ler mais sobre as questões quilombolas. E esse povo começa a entender o que é essa luta, o que é ser quilombola, começam a aparecer as histórias, as situações de conflito, o que eles passavam ali durante séculos. Era uma comunidade silenciada, mas não era uma comunidade
que não tinha consciência do que eles viviam, eles têm consciência do que eles vivem até hoje. A pressão começa a vir, a pressão do contexto dos fazendeiros, do contexto político atrelado também, na verdade, a gente não tinha muita certeza que chão era esse que a gente estava pisando, quem era favorável à luta, ou quem só estava ali para dizer que era e, de repente, puxar o tapete. Isso não estava claro para a gente, mas era muito claro o sentimento da possibilidade de isso acontecer,
de puxarem o tapete da luta desse povo. Eu terminei o mestrado junto a esse contexto de pressão. Foi dado um tiro na janela da minha casa, havia ligações telefônicas e houve um vídeo que foi veiculado nacionalmente de um fazendeiro que estava ameaçando um vereador negro que apoiava essa comunidade. Eu costumo dizer que o meu maior problema, o meu maior defeito é não ter medo consciente. As pessoas começam a chegar para você e dizer: ‘Cuidado! Isso acontece
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mesmo! Eles matam! Eles fazem isso!’ As pessoas não têm noção do quanto isso mexe com a gente. Então, do ponto de vista consciente, eu não tinha medo, mas o meu corpo começou a gritar. O que a consciência não via, o corpo gritava e eu fiquei afastada durante um ano em tratamento médico, continuo, graças a Deus eu já dei conta de voltar para a sala de aula. As questões do Quilombo estão com as autoridades competentes. A Comissão de Direitos Humanos esteve lá, o Ministério Público Federal já abriu vários processos, o INCRA já está iniciando o trabalho e a comunidade está tocando a luta. Eles estão agora realizando, em parceria com a Associação de Mulheres Negras de Pedro Leopoldo, um projeto maravilhoso de resgate da cultura e da história. Eles trabalhavam o barro e a renda e têm suas histórias do tecer a renda, os bordados e várias outras coisas, os seus cantos, as suas danças. Pedro Leopoldo tem um histórico do samba muito forte e que vem dessa comunidade, mas isso não está contado, não está registrado. Aí, eu me deparo com o edital do prêmio num momento em que eu pensava que a comunidade já estava encaminhada, as autoridades têm que fazer as suas obrigações e agora eu
tinha que voltar a focar um pouco a minha vida, nesse compromisso de voltar o foco para a minha saúde, para a minha formação acadêmica, porque eu terminei o mestrado junto a todas essas questões e não deu nem para pensar em algo mais, e também o meu trabalho como professora, fazendo o movimento de fazer uma leitura disso tudo que aconteceu. O edital do prêmio veio para mim como um momento de fazer isso, de focar na minha vida, na minha história e também de fazer essa leitura. Não com pretensões da premiação. Não! Muito pelo contrário! Eu não me coloco como escritora e não tenho pretensões enquanto escritora de literatura. Eu escrevi um pouco da minha história. O título diz muito sobre isso: “O Risco de Ser Mulher Negra: Entre a Emoção e a Razão”. Depois das ameaças, perseguições e desse meu adoecimento pelo excesso das emoções, a razão nos grita e eu tinha que retomar a minha vida profissional, a minha vida acadêmica. E escrevo isso num exercício de catarse mesmo, de tentar entender esse processo internamente para poder dar seguimento à minha vida e também num momento de muitas interrogações para mim: vou continuar nessa linha ou agora não vou
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pensar mais nisso e vou fazer outra coisa? A razão grita muito isso. Muitas colegas diziam: “Mas é isso que você quer para a sua vida? Não dá retorno financeiro!”. A luta da mulher negra, a luta do povo negro brasileiro não dá retorno financeiro. Eu era a primeira graduada e mestra da família e a expectativa que a família cria é de melhoria de vida, de melhoria das condições econômicas principalmente. Isso não estava acontecendo! Essa luta não dá esse retorno, ela dá outros retornos, muito mais importantes do que o retorno econômico. Mas eu tinha que tomar uma decisão e registro nesse ensaio a minha história, falando do povo gorutubano, do que eu vivenciei enquanto criança gorutubana, das coisas que eu aprendi com as minhas tias velhas, com as minhas avós e que ainda aprendo: o batuque, o fazer a farinha, o coletivo. Juntava-se a comunidade toda para fazer a farinha e se não houvesse a união não haveria a farinha para ninguém. Então, o prêmio veio me dar essa resposta. A vontade não era de deixar. Eu estava numa situação meio de dúvida sobre qual encaminhamento ia dar para a minha vida. De repente, eu fui premiada. “Meu Deus! E agora?” Eu estava no holofote junto à
comunidade quilombola e para retomar a minha vida eu tinha que sair do holofote. Eu sabia que a repercussão desse prêmio iria me trazer novamente para os holofotes da luta junto à comunidade e da luta étnico-racial que a gente tem todos os dias. Uma amiga até colocou lá no Facebook: ‘Cláudia, você é a premiada do Prêmio Mulheres Negras Contam a sua História?’. Eu levei uns três dias para processar se eu ia responder. Pedro Leopoldo tem o Movimento KDÊ PL que usa o Facebook como militância para acompanhar o Poder Executivo, o Poder Legislativo, é ali que circula e se você quiser saber o que está acontecendo na cidade de Pedro Leopoldo é no Movimento KDÊ PL. Esse é o nome do movimento. A interrogação é, por exemplo, KDÊ o IPTU? KDÊ os direitos? KDÊ o asfalto? KDÊ nossa educação? KDÊ Pedro Leopoldo? É nesse sentido o Movimento KDÊ PL, que foi também um parceiro e apoiador dessa luta lá de Pimentel nesse enfrentamento, nesses conflitos que foram pesadíssimos. Eu só dei uma passada por alto aqui. Aí, eu pensei: ‘É, Cláudia! Eu acho que a resposta é essa. Você tem que continuar’. É lógico que em outro contexto e com novas estratégias porque nos aspectos principais a comunidade já
está encaminhada. Como eu sou da área da educação, nós temos o desafio da implementação da Lei 10.639, que é necessária não só para os negros, sobretudo para as cidades que têm quilombos porque é a partir do entendimento da história dos negros no Brasil que se vai ter o fortalecimento e o entendimento desse pertencimento quilombola. O que é se reconhecer enquanto quilombola? O que é ser gorutubano? O que é ser quilombola de Pimentel? Esse é o meu link. Em Pedro Leopoldo, eu sou professora de crianças que são descendentes de Pimentel, mas nunca passou pela cabeça de seus pais o que é isso, o que é ser negro, o que é ser quilombola. Em Janaúba, estando lá em visita aos meus pais e em visita às comunidades, porque são várias, o povo gorutubano é o maior povo quilombola do norte de Minas Gerais, de toda Minas Gerais, na verdade. Brejo dos Crioulos faz parte, são gorutubanos e, do outro lado ainda tem mais 30 pequenas comunidades que compõem o que eles chamam do Gorutuba, que são os povos que se fixaram ali às margens do Rio Gorutuba. Nesse sentido, eu estou nesse desafio e estou canalizando a minha atuação nessa luta quilombola, via educação, via implementação da Lei 10.639. Inclusive, a Ma-
caé, que é Secretária da Diversidade do MEC, é descendente de Pimentel. Pimentel tem que mostrar um diferencial nesse sentido de implementação da lei, de fortalecimento desse pertencimento, de entendimento, primeiramente, e a partir do entendimento, o fortalecimento dessa identidade. É um pouco disso. Eu não sei se falei tudo, mas a Lurdinha até comentou para eu falar um pouco do ser gorutubano porque tem especificidades, tem um linguajar. Eu coloco no relato que, quando criança, as minhas tias falavam de uma maneira que muitas vezes eu não entendia e tinha que ficar perguntando. Elas adoravam, riam de mim e eu ria com elas. No contexto da cidade, esse linguajar era tido como errado, falar errado, mas na verdade, um pouco mais à frente, em 2007 ou um pouco antes, uma turma do curso de letras de uma faculdade em Janaúba pesquisou e fez um glossário do povo gorutubano. Eu coloco aqui a ideia para os pesquisadores de plantão que esse é um bom objeto de pesquisa porque eles ainda estão lá. As tias mais velhas de que eu estou falando já faleceram todas, mas os seus filhos, meus primos, estão lá e estão na luta quilombola hoje. O presidente da Associação Quilombola, que engloba cinco comuni243
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dades, é meu primo. É o Maurício Marques, sobrinho do meu avô. Eles estão na luta do povo gorutubano. Esse linguajar nada mais é que resquícios de línguas africanas e indígenas que se mesclaram. Então, é importante valorizar esse linguajar, resgatar um pouco e, como indicativo de pesquisa, levantar quais línguas e quais povos. Quem sabe? Eu tenho muito essa interrogação. No momento, eu ainda não posso mergulhar nisso como pesquisa porque eu ainda estou na militância em termos da minha profissão também, para formar professores para a Lei 10.639 e estou nessa militância em Pedro Leopoldo e agora também em Janaúba, pelo pedido de auxílio desses lutadores que estão lá, dos meus primos, dos meus parentes gorutubanos. É isso que eu estou tentando fazer agora. Inclusive, já encaminhei algumas coisas e estou em conversa com a Diretoria da Diversidade porque já fez 10 anos da lei e, na verdade, ela só está iniciada em alguns lugares. Então, é isso aí, gente! É um pouco disso! Se houver oportunidade de debate, talvez a gente consiga falar um pouco mais. Essa é a Cláudia Gorutubana. Agradeço muito a oportunidade de estar aqui hoje. Sra. Cecília Bizerra (Mediadora): Obrigada por nos trazer um pouquinho da sua história. Vai haver espaço para debate, nós vamos continuar nessa contação de histórias. Agora, eu queria convidar a nossa próxima integrante desta mesa, a Conceição Evaristo. Eu estava até comentando com ela ali fora, brincando, que eu acho que esta mesa já começou onVI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
tem. Eu saí daqui com a síntese ‘Escreva. Não tenha medo de escrever. Confiança! Vai, escreve!’. Eu saí daqui com esse imperativo ― escreva! Então, escreva sua história, conte sua história, construa a sua história. Ela vai nos trazer contribuições também com vivências, experiências e reflexões para esse empoderamento feminino negro de construção de sua história e de contação da sua história. Ela é a homenageada de Latinidades 2013, muito justamente. Conceição Evaristo, por favor! Sra. Conceição Evaristo Poetisa (RJ) – Homenageada Latinidades 2013: Boa tarde a todas e a todos. Eu quero agradecer, mais uma vez, ao Latinidades pela distinção, agradecer à SPM pelo convite e por me trazer, e também agradecer novamente a oportunidade que me foi dada de fazer parte da equipe que leu os trabalhos. Já aviso que, no caso da classificação da candidata que usou o Vozes Mulheres, esse texto não foi lido por mim porque os trabalhos foram divididos. Então, outras pessoas leram esse texto e eu nem sabia. O seu texto também não foi lido por mim porque houve uma avalanche muito grande de trabalhos, o que surpreendeu a todos nós. Escutando toda a história de Cláudia, uma história que não está escrita, de uma região que tem memórias de Pedro Leopoldo, em que essa histórica quilombola passa distante, eu acho que, mais uma vez, há essa nossa preocupação da necessidade de escrever a nossa história. Você termina falando na possibilidade de outros pesquisadores, os pesquisadores de plantão, e eu pediria que os pesquisadores de plantão não fizessem isso porque a gente sabe quem são esses pesquisadores de plantão. Eles já pesquisaram, já falaram muito de nós, já falaram muita besteira, então, eles têm mais é que se retirarem do campo porque nós estamos chegando. Até podem ser outros pesquisadores também, 245
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mas pelo menos pesquisadores que tenham uma cumplicidade conosco. Eu acho que isso é muito bom no sentido da necessidade que temos de escrever a nossa história. Eu quero contar um fato que acontece na região de Pedro Leopoldo, onde tem essa comunidade quilombola, tudo indica que a minha família é descendente dessa comunidade quilombola e eu mesma não sabia disso. Eu mesma fui conhecer essa comunidade quilombola quando eu fui a Pedro Leopoldo por conta de um dos livros indicados no vestibular lá de Pedro Leopoldo. Até então, as informações que eu tinha de Pedro Leopoldo são informações que minha mãe e minha tia me contaram. Tem um episódio que acontece em Pedro Leopoldo com as mulheres negras, que eu gosto muito de contar, no sentido de afirmar cada vez mais a necessidade de a gente se apropriar das nossas histórias e escrever essas histórias. Eu acho que uma das primeiras posturas quando a gente vai escrever é justamente escrever sem pensar na consequência enquanto publicação. Escrever é uma coisa, publicar é outra. Então, escreva! Publicar pode acontecer, mas vamos pensar em escrever primeiro. Eu tenho usado muito esse fato no sentido de mostrar a necessidade que temos de escrever e esse texto,
que não tinha sido escrito até agora, já aparece em dois artigos que eu escrevi. A minha mãe, que está viva aos 90 anos, e a minha tia, que se foi com 85 anos, contavam que num dado momento, nessa região de Pedro Leopoldo, Confins, Serra do Cipó, onde hoje está o Aeroporto de Confins de Belo Horizonte, após a assinatura da Lei Áurea, os fazendeiros tinham que fingir um pagamento e já havia mulheres que estavam acostumadas a trabalhar no eito, na terra. Minha mãe e minhas tias também passaram por essa experiência de trabalhar na lavoura. E aí, algumas mulheres que já tinham experiência de trabalhar no eito se candidatavam também a ir trabalhar nas fazendas. Os fazendeiros não aceitavam o trabalho dessas mulheres porque diziam que o trabalho das mulheres não era rendoso e davam preferência aos homens e essas mulheres ficavam sem ter mais essa oportunidade de sobrevivência. O que é que essas mulheres decidiram? A minha família vai para Belo Horizonte, me parece, nos anos 20 ou 22. Isso era antes dos anos 20, pouquíssimos anos depois da assinatura da Lei Áurea. O que é que essas mulheres decidem? Elas decidem trabalhar em mutirão. Elas lavram a terra juntas, semeiam juntas, plantam juntas e colhem jun-
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tas. Resultado, no final do dia, elas apresentavam maior produção do que os homens porque cada um trabalhava individualmente. Assim, essas mulheres reconquistaram ali em Pedro Leopoldo o direito novamente ao trabalho. É claro que isso não está escrito na história de Pedro Leopoldo. Quando você pensa também na história da mulher no Brasil, quando você vai pesquisar textos de lutas feministas no Brasil, nunca vai aparecer isso. O que era isso? Eram mulheres negras, descendentes de mulheres escravizadas, que encontraram, desde aquela época, maneiras de enfrentamento contra os fazendeiros. É lógico que esse é um fato importantíssimo na história do feminismo brasileiro. Alguém já leu isso em algum lugar? Se minha família não me conta, quem quiser ler isso vai encontrar na minha dissertação de mestrado e num texto que eu acho se intitula “Entre Sorrisos e Falas”. São dois livros que foram publicados pela UFPB, eu escrevi dois artigos e isso está lá. Quer dizer, nós temos que nos apropriar das nossas histórias para contar essas histórias e isso é um ensaio. Algumas de nossas pesquisadoras ou pesquisador, por meio desse fato que eu dou, pode ir muito mais adiante. Mas, se essas histórias nunca aparecerem escritas por alguém, e esse alguém tem que
ser uma de nós, elas vão continuar desconhecidas. Quer dizer, quando um discurso feminista brasileiro, de classe média, de mulheres brancas não citam esses fatos porque elas desconhecem, a história do feminismo brasileiro está incompleta. Então, todas essas histórias que nós temos aí são histórias incompletas. A História do Brasil são histórias incompletas. Eu me lembro muito do que você estava dizendo ontem, Ceiça, lá naquele outro momento, que enquanto a caça não contar a sua história, serão sempre os caçadores que contarão sob o ponto de vista deles. Na verdade, para a gente, escrever é um ato político porque quando você pensa em grupos sociais que foram sempre representados, que foram sempre inventados pelo outro, que foram sempre descritos pelo outro, quando esses grupos são chamados minorias... No caso das mulheres não somos mesmo a minoria e no caso dos negros já está também comprovado que não somos minoria. Quando nós tentamos nos apropriar da escrita e buscamos também esse direito de nos representar... isso é um ato político de uma significância muito grande porque esse direito de representação é negado na medida em que o outro, autoridade, se coloca como nossos autores. Então, a escrita
nossa significa também uma luta contra essa autoridade/autoria. É por isso que é uma escrita que incomoda, é uma escrita que tem dificuldade para encontrar publicação, é uma escrita que tem dificuldade para encontrar divulgação, é uma escrita que tem dificuldade para ganhar prêmios. Que escritores negros na contemporaneidade ganharam prêmios? O Wellington ganhou o Prêmio Jabuti escrevendo sobre Cruz e Souza; a Geni Guimarães, com ‘A Cor da Ternura’ ganhou o Prêmio Jabuti de Autor Revelação; o Salgado Maranhão ganhou também como Escritor Revelação com seu livro de poemas; Ana Maria Gonçalves ganhou o Prêmio Casa das Américas em Cuba. É uma escrita que vai ter uma série de dificuldades de ser apresentada, mas eu acho que isso parte justamente do que está sendo escrito e quem está escrevendo. Se você também for pensar nessas dificuldades desde o princípio, a gente não vai ter essa iniciativa de escrever. Eu posso falar, a partir da minha experiência, que ‘Becos da Memória’ foi um livro que ficou guardado 20 anos. Primeiramente ele ia ser publicado em 1988 pela Fundação Palmares, no centenário da Assinatura da Lei Áurea. Depois, não foi. Eu mandei para umas três editoras, inclusive uma editora
do Rio de Janeiro, que era muito famosa na época e que tinha como linha de publicação textos de mulheres, era uma editora que trabalhava eminentemente com textos de mulheres. Eu pensei: ‘Essa editora vai se interessar pelo trabalho’. Três meses depois eu recebi de volta os originais. Inclusive, pareceume que o envelope não tinha sido nem aberto e não me deram satisfação por que não publicavam e coisa e tal. Então, ‘Becos da Memória’ ficou 20 anos guardado. Ponciá Vicêncio ficou oito anos guardado. Diante dessa dificuldade de publicação, eu acho que há um outro processo cruel e nós compactuamos com ele. É essa autocensura, essa autocrítica. Essa autocrítica com a nossa escrita também é reflexo desse desmerecimento que nós temos conosco mesmo. É essa auto-estima machucada da gente. Houve um momento na nossa vida em que muitas de nós nos consideramos feias, que o cabelo era estranho, que a bunda era grande, que o peito era assim, que a boca era assado. Eu acho que isso também passa por esse processo de escrita. A gente olha a nossa escrita e imagina: ‘Não, mas a Marina Colasanti escreve tão bem!’ ‘A Lígia Fagundes Teles escreve tão bem!’ Eu não sou Lígia Fagundes Teles, não sou Marina Colasanti, eu sou Con247
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ceição Evaristo. Cada uma de nós, com certeza, tem as suas potencialidades e a gente fica inibida. Eu acho que esse é um outro valor da nossa escrita. Quando Cláudia contava a história dela, a Cláudia não está contando a história dela. Ela está contando a história de um povo, ela está contando a história de uma comunidade. Eu acho que a nossa escrita, mesmo quando é debruçada sobre as nossas questões pessoais, mesmo quando é uma catarse, ela é uma catarse coletiva. Quantas pessoas já chegaram perto de
mim e falaram: ‘Quando eu li Ponciá Vicêncio, eu lembrei da minha avó, da minha tia, de mais não sei quem’. Então, Ponciá Vicêncio somos nós. Muitas pessoas se reconhecem nas histórias de ‘Becos da Memória’. Quantas mulheres já vivenciaram ou souberam dessas histórias de ‘Insubmissas Lágrimas de Mulheres’, que são 13 contos de 13 mulheres? Para a gente, escrever não é um ato de pura catarse. Eu acho que é um ato em que nós estamos querendo resolver a nossa vida sim, mas uma vida que não é só nossa. É uma vida que, sem sombra de dúvida, revela, é como um espelho de outras vidas. Então, nesse sentido também, eu acho que a gente tem que ser corajosa e tem que ter esse compromisso de soltar essa história pessoal, que não é minha, é a história do outro. Enquanto a gente não fizer isso, outras pessoas estão exercendo as autoridades, as autorias, sobre o texto de nossa vida, sobre um texto que é nosso. Era isso. Depois, a gente continua. Sra. Cecília Bizerra (Mediadora): Obrigada, Conceição. Ficou realmente o mesmo imperativo de ontem: escrever com confiança. Essa questão da auto-estima, da autocrítica, é sempre recorrente. Em todos os encontros de mulheres negras que você participar, seja um encontro na casa de alguém ou seja um encontro como esse, essa questão sempre vai ser colocada. Eu particularmente fico com essa mensagem: sem tanta rigidez, sem tanta autocrítica, escreva! Nem que seja só como exercício, não necessariamente para publicação. Agora, vamos começar o debate.
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Sra. Maria Paula: Eu sou Maria Paula. Sou jornalista. Escutando a Conceição falar, a gente sabe o tanto que é difícil essa autocrítica. Essa minha autocrítica é muito forte dentro de mim. É muito difícil escrever. Você não tem ideia! Mesmo quando é uma reuniãozinha pequena, como a Cecília falou, na casa de uma amiga. Agora, ela se torna muito mais fácil quando é a Maria Paula que pega o microfone e fala em público ou então na TV como eu faço. Eu queria saber em que momento da sua vida você conseguiu colocar essa sua história para fora porque não é só a minha história. Vem da minha família, da minha mãe, da minha filha, a nossa história. É o que você falou. A gente é que tem que falar. A gente é que tem que se apropriar porque ela é nossa. Senão, outros vêm e contam de outras formas totalmente atravessadas. Quando é que você teve essa coragem, escreveu e conseguiu mostrar. Escrever a gente escreve, mas mostrar é que é o cerne da questão, a dificuldade.
e ler com liberdade. A fala é o exercício do que a gente escreve. Quando a gente começa a escrever e começa a falar demais, eu acho que a gente esquece um pouco da própria saúde. Eu acho que a saúde da mulher negra tem que ser repensada, a gente se dá muito para o coletivo. Por exemplo, eu sou da Ceilândia, mas minha família é de Paracatu. Lá em Paracatu é todo mundo
Sra. Thanísia Marcela: Gente, meu nome é Thanísia Marcela. Eu sou estudante de Letras Português/Francês e sou moradora da Ceilândia. A Ceilândia é uma cidade periférica, de maioria de população negra. Lá é assim: se nasce um que dá certo, as fichas são todas depositadas naquele que deu certo. Minha tia me criou e, na casa dela, eu podia escrever. Minha tia é professora, minha mãe também, minha família é de professores. Na casa da minha tia eu tinha liberdade para escrever, para fazer muitas coisas e não tinha essa autocrítica e censura porque eu era uma criança. Agora, eu sou estudante de Letras. O meu coração é da Antropologia e da Sociologia, mas com as falas compiladas, eu comecei a entender que eu tinha que ter entrado nas Letras porque assim eu teria facilidade para entrar nos outros campos e a gente pode pesquisar 249
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junto, então, a gente pensa muito no outro. Eu falo que eu sou mineira mesmo, mas a gente esquece da saúde. Eu tenho 21 anos, mas todo o dia eu tenho um problema. Eu tenho problema renal, tenho problema de um monte de coisas porque a gente fica escrevendo, quer falar e não pensa. Também tem o problema do estudo. A criança negra não tem acesso a um estudo de qualidade porque enfrenta o racismo dentro da escola e tal. Então, quando vocês falam ― Escreve! ― eu fico pensando qual seria a grande dica para uma estudante negra, que é de Letras ou seja, de Sociais, e que escreve. O nosso texto pode ser publicado e a gente vai estar falando por outras vozes. Qual seria a grande dica? Vocês já deram várias dicas, mas qual seria ‘aquela dica’? Obrigada. Sra. Ana Flávia: Eu sou Ana Flávia e faço parte do coletivo Pretas Candangas. Sou nascida e criada em Planaltina, no Distrito Federal. Eu estou aqui muito emocionada. Estou de olho inchado porque retornei hoje de madrugada do Congresso da ANPUH, que é a Associação de Historiadores, e é emocionante. Eu saí de um espaço onde um GT era formado por uma maioria de his-
toriadores e historiadoras negras e chego aqui nesse espaço e escuto a fala da Cláudia e da Conceição. Ontem eu conversava com três colegas que participaram da mesa e nós falávamos: ‘A gente tem uma missão!’ Nós temos um compromisso com os nossos ancestrais, com as nossas ancestrais. Isso que você coloca, Conceição, é muito emblemático porque é um desafio que não é só para ser realizado no âmbito da ficção, no âmbito do texto jornalístico, no âmbito do texto das memórias. É um desafio para todos os espaços. Uma das coisas que mais me marcou nos últimos tempos foi um trecho de uma fala sua que diz: ‘Sempre perguntam para uma mulher negra se ela sabe dançar ou cantar. Quando me perguntam isso, eu falo que eu não danço, nem canto, eu escrevo’. Eu acho que a gente tem que de fato assumir isso porque a experiência que eu vivencio na historiografia é algo que a gente compartilha, tanto no âmbito acadêmico, quanto no âmbito ficcional, e a gente tem que fortalecer essa rede de auto-reconhecimento porque um dos grandes desafios não é a nossa não-produção. Se existe um sistema literário brasileiro é porque pessoas, sobretudo homens brancos, souberam se autoreferenciar e se auto-empoderar.
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Assim, eles formaram o cânone. A gente precisa assumir esse desafio de reconhecer, divulgar e fortalecer porque nenhum desses nasceu gênio. A genialidade não existe. Existe um esforço criativo, um esforço reflexivo, que é dado vazão ou é sabotado. Eu acho que essa questão da auto-crítica é extremamente necessária. Nós temos que ser, de fato, rigorosos porque a nossa missão é árdua. O que nós precisamos aprender é romper com o processo de auto-sabotagem. Eu fico muito agradecida e parabenizo vocês, sobretudo a Conceição, pela sua existência que tem nos iluminado de tantas formas. Vida longa para as suas palavras, para as suas idéias, para a sua força! Obrigada. Sra. Cecília Bizerra (Mediadora): Vou passar a palavra agora para as duas convidadas e depois temos mais uma rodada. A Ceiça já se inscreveu. Alguém mais se inscreve? Sra. Conceição Evaristo Poetisa (RJ) – Homenageada Latinidades 2013: Respondendo à primeira pergunta, sem sombra de dúvida, Maria Paula, eu acho que isso é conseqüência de tudo o que nos foi imposto até agora. Eu acho que você achou o termo exato. É a
auto-sabotagem. Essa autocrítica nossa acaba nos levando a uma auto-sabotagem. Você perguntou quando. Eu me lembro que quando eu terminei a 4ª série primária eu ganhei um prêmio de literatura infantil com uma redação que eu fiz. Eu sempre escrevi. Eu sempre escrevi muito mesmo e desde criança a escrita para mim era uma maneira de eu me organizar, tanto a escrita, quanto a leitura, era uma maneira de eu me organizar diante de um mundo, diante de algumas coisas, diante de muitas coisas ou de tudo, até, que eu não entendia. Então, a escrita e a leitura para mim funcionavam como pergunta e tentativa de resposta, mas gosto de falar muito também, tenho certeza absoluta disso. Esse desejo de escrita minha nasce muito do acúmulo de coisas que eu ouvia. A minha mãe contava muita história, minha tia, meu tio... eu fico vendo... era um verdadeiro griô, era de congada, eu tinha uma vida de experiência com a palavra, com as histórias, com a tradução do mundo, com a tradução dos acontecimentos. Eu tinha uma vida muito intensa, mas muito intensa mesmo, as coisas chegavam com muita intensidade e quantidade para mim. Era como seu eu precisasse organizar aquilo tudo, mas a minha experiência, o meu primeiro contato com a literatura foi através da oralidade. Eu sempre escrevi e naquela ideia de nem saber o que ia acontecer, eu nem pensava, eu nem imaginava. Em 1968 eu tive uma crônica publicada num jornal católico de Belo Horizonte quando em 1990, junto com o coletivo de escritores negros no Rio de Janeiro e com outro coletivo. Alguém me falou do grupo Quilombhoje de São Paulo. Eu mandei uns textos para o grupo Quilombhoje de São Paulo e foi onde aconteceu a minha primeira publicação, a partir daí, fui 251
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publicando sempre no coletivo. Um dia uma professora dos Estados Unidos, que era brasileira e estava lendo o meu texto, me aconselhou a publicar alguma coisa individualmente. Eu já tinha tentado com ‘Becos da Memória’ e não tinha conseguido e aí resolvi publicar Ponciá Vicêncio. Agora, me convencer ou assumir o papel de escritora é ainda um exercício que eu faço no dia a dia, dificilmente eu me apresento como escritora. Às vezes quando as pessoas vão fazer a minha apresentação, eu digo que sou professora aposentada e as pessoas me pergunta: ‘E escritora, você não vai colocar não?’ Eu falo: ‘Então, coloca’. Muitas vezes as pessoas colocam em primeiro lugar. Esse é um exercício também que eu faço, eu não tenho sombra de dúvida de que, se eu ainda necessito fazer esse exercício, é porque alguma coisa ainda não está muito convicta em mim, por que, nós todos até sabemos o porquê. A uma mulher negra é dado cantar, cozinhar, dançar e coisa e tal então até eu dizer que eu escrevo é um processo de convencimento. Quem tem até me ajudado a convencer é o retorno do leitor. É muito importante estar no meio de pessoas que leram os meus textos, que estão discutindo, isso é muito impor-
tante porque você não constrói essa auto-estima isoladamente. Vocês podem ver que, quando todas nós falamos de auto-estima, é um processo que mais ou menos acontece dentro de um grupo. Quando algumas mulheres que nem se imaginavam como negras falam ― ‘Eu descobri a minha negritude’ ― normalmente elas têm uma referência, ou foi a escola, ou um evento a que ela foi, porque essa auto-estima não é construída sozinha, tem sempre um intermediário, essa possibilidade de o outro estar lendo o meu texto, estar citando o meu texto, estar me reconhecendo como escritora também tem me ajudado muito. Eu acho que é essa a importância do coletivo. Eu acho que no nosso caso o coletivo nos sustenta na medida em que eles reconhecem a nossa individualidade e essa individualidade é vista também dentro de uma positividade, eu acho que há esse processo também. Por isso a necessidade que nós temos, se a gente quer empoderar-se e empoderar a outra falando especificamente da escrita, de estar lendo os textos que outras mulheres negras estão produzindo. Quando a Ana fala que um sujeito se torna um canônico, ele não nasceu gênio. Por exemplo, a gente entra para fazer um curso e recebe a
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bibliografia, determinados cursos já elegeram determinados textos. Você fez um curso em 1970 com aquela bibliografia e quando você chega em 2011 é a mesma bibliografia. Isso acontece mesmo! Se nas nossas pesquisas, nas nossas aulas, a gente começa a ler o texto de uma autoria negra, de uma mulher ou homem, se a gente começa a utilizar e citar esse texto, seria quase como uma política de citação, mas a gente também tem que tomar conhecimento do que nós estamos produzindo, a gente não pode deixar isso de lado. Eu acho que essa auto-estima também vai sendo construída aos poucos porque ninguém é resolvido, isso não adianta dizer mesmo. O público tem-me convencido, quando retorna com os textos que eu escrevo. Thanísia, você me pergunta sobre a dica. Pois, é minha filha, a dica! Para mim, o que aconteceu é que eu escrevia e mostrava para uma pessoa ou outra Aí eu vou voltar outra vez para o coletivo. Lá no Rio de Janeiro, a gente fazia parte do grupo Coletivo de Escritores Negros e saía publicamente para falar os nossos poemas. Nós íamos às associações de moradores, escolas, penitenciárias, outro dia nós tivemos uma alegria muito grande porque naquele momento em que fomos à
penitenciária um brasileiro que havia cumprido 17 anos de vida prisional fundou o Centro Cultural Nelson Mandela dentro da Penitenciária Frei Caneca. Nesse momento a gente trocava também essa possibilidade de recital de poesias com eles dentro da Penitenciária Frei Caneca. Eu fui dizendo as poesias, um dizia, eu dizia, Semog, a Elisa Lucinda esteve conosco nisso num determinado momento, você vai avaliando pela reação do público porque você precisa também desse olhar. Depois, Deleide Acarini, veio o Grupo Quilombhoje, Hermógenes também estava na época, onde o seu texto passa por um processo de avaliação, antigamente era entre todos os participantes. Hoje eles sorteiam determinado participante e o texto passa por um processo de avaliação, seu texto volta para você mexer no texto porque esse olhar do outro também é importante. Você precisa desse olhar do outro. Se você tiver oportunidade de trocar seus textos, só com a tia não porque eu já vi que a tia é coruja, é suspeita, é um ato de coragem, é um desnudar-se, mesmo quando não é um texto em que você está falando de você, mas você colocar uma coisa que você escreve para o outro ler é um ato de coragem. Outra história, ainda bem que você foi para o Curso de Letras, mas não pense que o curso de Letras vai te incentivar para você ter uma escrita literária. Não vai não. Um dos problemas que eu mais tive na minha Tese de Doutorado era que a professora dizia o tempo todo: ‘O teu texto está muito literário! Você está fazendo uma tese!’ Olha que eu estava fazendo uma tese de literatura. Não pense que pelo fato de você estar no curso de Letras esse vai ser o local propício para incentivar a sua escrita. Pode ser no sentido de quando você vai ter um olhar mais crítico sobre a escrita do outro, você também vai ter um olhar mais crítico sobre a sua escrita, pode ser tão crítico que você até pare de escrever e acabe entrando nesse pro-
cesso de auto-sabotagem. O primeiro passo para escrever é escrever e depois ver o que acontece com isso. Acontecer dinheiro não vai não. Não pensem que vai, a não ser que você vire um Paulo Coelho da vida, aí é diferente. Eu estou brincando, se não fosse a literatura, eu não estaria aqui, a literatura não me rendeu dinheiro, mas ela me rendeu outras situações, encontros e assim por diante. Todas as viagens que fiz para fora do Brasil foram por conta da literatura porque o meu dinheiro não sobraria nem para sair do eixo Belo Horizonte/Rio de Janeiro. A literatura me deu essa possibilidade de encontro com o outro. Quando você vê o outro se sensibilizando diante do seu texto, isso não tem preço. Sra. Cláudia Marques de Oliveira (Programa Ações Afirmativas da UFMG): Eu acho que a Conceição nos deu o rumo. A dica, eu acho que talvez a gente não venha a ter.. porque não existe receita, mas existem experiências e encorajamentos. Eu sou um exemplo disso, eu não escrevi com pretensões de premiação e, de repente, me vi premiada. Talvez eu me arrisque a escrever mais um pouco, não sei, eu tenho outras escritas antes do relato da minha história. Eu escrevi um relato sobre um contexto de mulheres negras lá em Pedro Leopoldo também, mas era um contexto que tinha um cunho pessoal, com uma amiga minha, e ela não deu conta, eu jamais iria enviar para qualquer outra pessoa sem a aprovação dela porque tinha um contexto de dor, de perda. Uma dessas mulheres negras tinha falecido há pouco tempo, eu engavetei, guardei, quem sabe num outro momento, ou numa releitura, eu reescreva de maneira que fique menos sofrido para as pessoas que vivenciaram isso inclusive eu nem me recordava, eu terminei o meu ensaio dizendo que a vida é um convite e a gente aceita 253
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ou não o convite, os desafios e as lutas da vida. É um pouco isso que eu acho que a Conceição quis dizer para a gente. Sra. Renata Parreira: Boa tarde, meu nome é Renata, eu sou professora e queria agradecer muito esse momento. Vou fazer esse agradecimento na figura da Cecília, por esse festival maravilhoso! Queria agradecer a todas as pessoas que estão aqui e a quem organizou este evento. Eu acho que é o momento em que a gente se aquilomba, na verdade, a gente se aproxima, se aprochega. Eu fico muito à vontade de falar aqui porque você colocou aqui “eu despertei para a escrita porque ouvi muitos ‘causos’, ‘causos familiares, causos da minha avó, da minha mãe”, e nós também temos muitos ‘causos’ nas nossas vidas. Ontem eu vivi uma experiência interessante que gostaria de partilhar, que foi estar uma meia hora com a Conceição Evaristo, no carro, a gente passou aqui depois eu fui levá-la ao hotel e a gente foi para a casa da Edileusa,o que achei mais interessante, nós somos muito falantes, eu gosto de inventar termos e falo ‘blabatório verborreico’. A gente está sempre querendo falar muito, achando que a nossa fala é muito politizada e eu fico ouvindo muito isso: ‘Você tem que ter uma fala mais politizada! A sua escrita tem que ser mais politizada’. Isso me violenta muito. Eu achei interessante, eu sou curiosa, vai falando, eu que não gosto de falar, eu fui falando... – e sua infância, e isso, e aquilo – eu sou assim, aborto as ideias e a gente já falava disso, falando de uma coisa, passando para outra, enfim, foi um momento maravilhoso e, no final ela me disse duas frases que resumiram tudo. Eu estava falando da questão do adoecimento, da saúde mental, de experiências vividas, que eu tenho algumas coisas em prelo, mas ao mesmo tempo algumas pessoas tinham me desaconselhado a
tratar desses assuntos e externá-los porque seria muito difícil para mim porque eu estaria remoendo coisas, se você olhar as letras da palavra ‘remoer’ é morrer de novo. Aí, ela falou assim para mim: ‘Por que você não cria um personagem? Ao invés de você falar de você, cria um personagem e vai colocando essas coisas todas que você me falou. Escreve’. Na verdade, a gente tem essa escritora dentro de nós, só que a gente foi tão negada que está no momento de a gente se ressignificar, de a gente acreditar na nossa beleza, nessa coisa maravilhosa que nós somos e realmente registrar isso de forma positiva e não utilizar essas marcas como algo... sabe aquela coisa do bandeidinho ou das marcas cruéis que a gente tem e que todas nós temos, a gente
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sabe dessa história? É isso, essa conversa que a gente teve, eu falei daquela coisa da crítica. Quando eu entrava nos lugares, desde cedo, eu sempre fui muito criticada, com aqueles olhares e isso incomoda muito e a gente vai ficando insegura. Às vezes, você cria uma máscara de levantar o nariz porque é uma forma de você se resguardar. Daí, ela colocou: ‘Renata, não se preocupa muito com isso não, senão você adoece!’. Que bom que eu ouvi isso porque, na verdade, eu já adoeci em outros momentos! Que bom que é a Renata renascida, ressurgida Fênix!
Sra. Cecília Bizerra (Mediadora): Antes de voltar para as próximas perguntas, tenho uma proposta de encaminhamento, nós temos quatro pessoas inscritas ainda. Eu sugiro que a gente já faça as quatro perguntas agora para voltar para a mesa e elas fazerem as considerações finais.
Sra. Maria Elsy: (traduzida por Paula) Ela se apresenta, agradece por estar aqui, ela é colombiana e está afinando o ouvido para entender as apresentações, as falas. Ela gostou muito de escutá-las e trouxe questões sobre a situação dela como mulher afro-colombiana e das mulheres negras colombianas
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de maneira geral. Quando uma pessoa busca a sua história, reconhece a sua história, o que se encontra é um protagonismo de homens. É uma história onde aparecem os homens. Ela pergunta: será que ao lado de um grande homem há uma grande mulher? A questão é: onde estão as mulheres negras que construíram essa história ao lado de seus homens, dos homens negros que chegaram escravizados nas Américas, fugiram e resistiram aqui. Recentemente no Centenário da Colômbia foi lançada uma publicação pelo Ministério da Cultura Colombiano trazendo as vozes de algumas mulheres afro-colombianas. Mas, essa é uma parte dessa história e ela questiona o interesse do grosso da população em conhecer de fato essa história. Ela começa falando do passado, dessa história das mulheres negras
escravizadas que estão invisibilizadas na história, mas também as mulheres negras hoje estão invisibilizadas no cenário das políticas públicas. Aqui existe a Seppir e lá existe uma coisa parecida, que é decorrente da Lei 70/1993, mas essa lei ainda está inconclusa. Ela diz que sai daqui com uma carga pesada de buscar visibilizar essa história. É uma história que deve seguir sendo contada de família em família, mas deve ir além da tradição oral e deve estar registrada nos livros. Hoje não está nem nos livros escolares, nem universitários. Ela é comunicadora social e está trabalhando no relato da sua história, da história das mulheres do seu povo, do seu povoado, da sua comunidade. Ela traz essa necessidade de registrar a história das mulheres negras na Colômbia. Sra. Maria Elsy: De todas maneras se ha hecho un esfuerzo y la tarea está por hacer. Creo que estamos en mora de concluirla. Muchas gracias por haber me invitado y por permitirme compartir este espacio con todas las mujeres afro brasileñas.
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Sra. Ceiça Ferreira: Na verdade, eu não quero fazer uma pergunta. Eu gostaria de fazer um comentário. Meu nome é Ceiça Ferreira. Eu sou jornalista e estou fazendo doutorado na UnB. Sou colega da Cecília, a gente faz o mesmo programa. Esse momento me fez lembrar algumas coisas e relembrar mulheres negras que foram muito importantes na minha vida. Primeiro, a Raimunda Montelo, eu sou de Goiânia, e mulheres que eu tenho conhecido. Este ano eu tive o prazer de conhecer pessoalmente algumas mulheres importantes. Eu já conhecia a Edileuza, a Dona Lídia Garcia e tive o prazer de conhecer a Conceição Evaristo em Minas. Tem sido um incentivo estar aqui neste momento e ouvir histórias, não só dessas mulheres que eu falei, a Cecília e outras mulheres negras, porque eu estou vendo um momento de um pouco de insegurança quando ouvi a Renata e outras mulheres falando. No doutorado há essa cobrança: ‘Seu texto não é acadêmico. O seu texto é militante’. Isso é militância! Essa cobrança gera uma insegurança. Não é que tudo tenha sido fácil até agora, mas como é tão incisivo agora, parece que tem pesado muito para mim. Aí, encontrar essas mulheres, tê-las como referencial
e estar aqui compartilhando tem sido um incentivo, tem sido um espaço em que eu posso me identificar também com outras histórias. Eu conheço a Renata lá de Goiânia e também a história da Conceição e de todas essas mulheres e acho interessante esse desafio que nos é colocado cotidianamente. O espaço da academia não é um espaço diferente dos outros, é um espaço que coloca as relações de poder, que tenta o tempo todo nos convencer de que a gente não deve construir a nossa história, de que a gente não deve escrever a nossa história. Como eu falei, isso gera insegurança, enquanto militante, nesses quase 10 anos, eu não sofri tanto essa cobrança, mas estou sentindo isso no doutorado. Eu tenho percebido também, não sei se é receita, eu tenho sentido mesmo nesse momento de dúvida, essas mulheres me mostrando que é possível. Eu lembro que a Conceição Evaristo, na sua fala lá em Belo Horizonte, se referiu ao mito de Oxum. A minha pesquisa de doutorado é estudar o feminino negro no cinema brasileiro, o tempo todo é colocado que devemos enxergar além da invisibilidade, além do silenciamento. Aí, a gente tem as dificuldades de praticamente criar porque pouca coisa tem escrita e o que está escri-
to não é necessariamente pelo nosso olhar, é o desafio de buscar essas mulheres, esses protagonismos, essa capacidade de subversão, como diria a Lelia Gonzáles, essa microrresistência. Eu gostei muito da fala da Renata quando menciona essa coisa de, às vezes, você não ir pelo enfrentamento e ir pela mandinga, eu achei isso muito bacana. Como militante, às vezes, a gente quer o enfrentamento e nos é exigida essa capacidade de subversão. Agradeço estar aqui com vocês e agradeço a todos. Sr. Charles Brasil: Meu nome é Charles Brasil, eu trabalho na Universidade Federal do Acre. Sou estudante e militante também do Movimento Negro. Vou ser bem breve. Tenho uma pergunta pontual para a Cláudia. A gente faz essa discussão a respeito da Lei 10.639, por que ela não avançou, por que ela não foi implementada? Essa é a pergunta para a Cláudia. Eu também quero dizer que, embora sendo minoria aqui hoje, eu me sinto muito à vontade, muito tranquilo para estar aprendendo com todas vocês e para ter até esse olhar mais feminino das relações, esse olhar que, muitas vezes o machismo e o racismo nos impedem de enxergar. Quero 257
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aprender com a sua simplicidade aqui, nesse olhar, na maneira de ser, na maneira de falar. Eu quero contar um relato quando a senhora fala que a dica é ‘Escreva!’. Eu venho de um estado que alaga praticamente todos os anos. No ano passado, nós tivemos uma das maiores alagações do Estado do Acre e eu escrevi um texto sobre isso, só por escrever mesmo, sem a intenção de publicar nada. Lá na universidade, uma colega leu o meu texto, achou interessante e pediu autorização para colocar em apreciação. Essa poesia chamada ‘Pátria Minha’ foi aprovada para publicação num calendário que roda o mundo todo, foi algo bem interessante. Quando se fala de autocrítica, eu, particularmente, sou muito autocrítico, até aprendi aqui que tenho que ser um pouco menos, mas a gente que escreve às vezes acha que tem sempre alguém que é melhor, isso é algo que a gente tem que perder de fato. Para finalizar, tratando dessa questão da invisibilidade, eu quero relatar que o Professor Jorge Fernandes me contava que queria escrever um livro sobre o racismo. Só que, quando se fala do Acre, as pessoas imaginam os índios, aquela coisa indígena, ele queria contar a história do negro aqui no Acre, no nosso estado. Então ele viajou
os 22 municípios do Estado do Acre e contou a história no livro ‘A História do Negro na Amazônia Acreana’. É um livro que dá bastante visibilidade e promoção. Ele foi recém-publicado agora pela editora da UFAC. Então é um livro cuja leitura recomendo e, quem sabe, numa próxima oportunidade eu possa estar presenteando todos vocês. Muito obrigado. Sra. Bruna: Boa tarde, meu nome é Bruna. Eu concluí o meu Mestrado em Sociologia na UnB, estudando ‘Gênero e Raça’. Eu sou pesquisadora da UnB também. Para mim é muito especial estar aqui hoje, ainda mais ouvindo o que todas as integrantes da mesa falaram. Principalmente quando a Conceição falou a questão da autoria e autoridade, isso ressoou muito fortemente em mim. Ontem, na pós-graduação de Sociologia, nós conseguimos aprovar as cotas por unanimidade, para mim esse é um processo emocionante porque a gente entra na Academia e é um caminho sempre muito solitário. Estar aqui nesse espaço de troca é fundamental para a gente angariar forças para as nossas lutas. Geralmente, estamos em espaços onde nos vemos muito sozinhas e desacreditadas de várias
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formas, de formas sutis, de formas muito abertas. As pessoas dizem ‘seu texto é militante’, ‘você é muito literária’, ‘você é muito rebelde’, ‘você não se encaixa’, ‘não é o intelectual que a gente quer’. Eu me sinto muito bem aqui no Latinidades, é o segundo ano que eu venho e para mim é uma festa chegar aqui porque acho que é tudo bonito. Para mim, essa preocupação estética é realmente deslumbrante e, as coisas que a gente ouve aqui e as experiências que a gente troca, acho que esse é um evento revolucionário para cada uma de nós. É um foco subversivo num mundo racista e machista e é impressionante a gente ter a oportunidade de partilhar desses espaços. Isso é fundamental. Eu queria fazer uma pergunta para vocês duas. A Cláudia tocou num assunto sobre o qual eu venho pensando há algum tempo. É essa questão que muitas histórias, nas famílias e nas comunidades negras, ficam um pouco retraídas. Elas dependem de um início em que se pergunte sobre elas para que elas sejam narradas. No caso da minha família, o meu avô tem 80 anos, é uma pessoa que sempre falou muito e eu fui descobrir uma trajetória da família dele muito recentemente. Para mim, isso é impressionante! É quase um
trabalho arqueológico mesmo. A Conceição disse que a mãe e a tia já tinham mais essa prática de falar, mas eu queria saber como é a experiência de vocês com isso, com essas descobertas, como elas aconteceram, se em alguns momentos isso veio de uma forma espontânea das pessoas mais velhas. Eu também queria saber da Conceição, na sua trajetória, você falou que na 4ª série já ganhou um prêmio pela redação, isso aparece muito depois na sua trajetória como um incentivo, que alguém te incentivasse a escrever. Isso foi muito surpreendente no sentido de que a gente sabe como as coisas são, mas eu queria que você falasse um pouco como vieram esses incentivos e quais eram as restrições, mesmo durante a escola, nesse processo de escrita, como é que foram essas idas e vindas, quando apareceram obstáculos e apareceram incentivos. Eu ia justamente perguntar à Cláudia se você pretendia continuar a escrever, mas você já respondeu. É isso. Obrigada. Sra. Cecília Bizerra (Mediadora): A gente vai voltar a palavra às nossas convidadas para que respondam às perguntas e peço que já façam também suas considerações finais. Vou só aproveitar um pouquinho da minha condição privilegiada de mediadora. Na verdade, não é bem uma pergunta, eu gostaria que vocês comentassem, ou sugerissem, aproveitando o espaço que a gente tem aqui de reflexão e proposição também, já que temos um representante do poder público, vamos aproveitar esse momento. Você falou que escrever também é um ato político. Falou na questão da autoria e da autoridade e que, para nós, escrever é ousadia, é quebrar esse ciclo de auto-sabotagem, da auto-crítica. Mas, já que você falou em ato político, que políticas nós poderíamos ter para a viabilização, não só da publicação, mas da produção intelectual, literária e política das mulheres negras? Tem a iniciativa do Prê-
mio, que é interessante, mas está ainda na primeira edição. Acho que há ainda muito por fazer e nós poderíamos aproveitar esse momento para pensar, refletir e sugerir que políticas nós poderíamos ter para viabilizar e estimular essa produção. A gente falou muito sobre o criar, o escrever, o ter coragem, o ato político de colocarmos nossas histórias, nossas letras no mundo. Mas, para viabilizar isso na prática mesmo, tecnicamente, palpavelmente, a gente sabe que o processo é dolorido, você até falou um pouco sobre isso ontem e hoje. Eu sugiro que a gente aproveite esse espaço para também refletir um pouco sobre isso. Sra. Cláudia Marques de Oliveira (Programa Ações Afirmativas da UFMG): Eu gostaria de começar para a Conceição fechar para a gente. Temos que aproveitar porque não é todo o dia que ela está aqui. São três questões. A Taci tinha falado da questão do adoecimento, que é um grande desafio para mim, foi mais forte e agora o desafio maior é o não cair de novo, o não adoecer novamente. Uma coisa que eu sempre observei e sentia é o coletivo. É lá que a gente busca força. Eu fiz o mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais pelo Programa Ações Afirmativas. A Nilma era a minha orientadora e ela faz esse movimento de que todos os orientandos dela têm que fazer parte do Programa Ações Afirmativas, tanto do ponto de vista das ações, como do ponto de vista da formação dos novos bolsistas que vão entrando. Ali é que era a nossa força porque, eu acho que não é novidade para ninguém, não só a Universidade Federal de Minas Gerais, mas no Brasil como um todo, o quanto a Universidade Federal de Minas Gerais é conservadora. A gente não tem dimensão disso enquanto a gente não está lá dentro. Quando a gente entra, você fala: ‘Meu Deus!’ Já existe uma linha de pesquisa na 259
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pós-graduação que inclui um grupo que acompanhava esse trabalho. A Nilma não está lá mais, ela está na UNILAB, mas deixou seus seguidores, o Ações continua. Esse coletivo é o momento onde você vai explicitar aqueles olhares de ontem que você não entendeu, mas que incomodaram muito. É lá que você vai conseguir colocar para fora e não guardar isso para si porque quando você guarda para si aquilo vai te corroendo de alguma forma. Esses espaços de discussão, esses coletivos de engajamento, de ações, nos fortalecem e evitam um pouco esse adoecimento, é um aprendizado que, na prática, funciona até determinado ponto, foi o meu caso, funcionou até determinado ponto, mas pensando bem, não foi até determinado ponto porque, quando eu fiquei de certa forma mais mergulhada, quando fui sugada, na verdade, pelas questões do quilombo, eu não tive pernas, não tive forças e não tinha nem tempo para continuar o link com o Ações da forma como era, de certa forma, eu fiquei sozinha, nesse sentido. Eu não estava só porque tinha o grupo da comunidade, mas aquele grupo que me ajudava a ter mais força, quando eu me distancio, eu sinto o baque maior. O coletivo faz muita diferença e não é à toa que o cole-
tivo está presente em África e vem se ressignificar de outras formas no Brasil. Como pesquisadora do Congado, eu vejo e identifiquei isso como um espaço coletivo de ressignificar esse pertencimento perdido, tanto o pertencimento familiar, quanto o pertencimento enquanto grupo, enquanto laços afetivos e laços de identificação de uma negritude, de uma corporeidade, de uma musicalidade que é própria dos povos negros porque somos múltiplos. Vou responder agora à pergunta do nosso colega Charles, da Universidade Federal do Acre, eu tenho uma amiga que saiu de Minas e foi para o Acre porque seu marido trabalha na universidade. O Charles coloca que a Lei 10639 é da educação, mas ainda não conseguiu visualizar muito e, trabalhando no Acre, ela não enxerga muito a questão racial do negro, mas do índio. É interessante essa sua fala e espero que esse livro chegue à Secretaria Estadual e às Secretarias Municipais e que possa ajudar nesse primeiro entendimento de que ― ‘Opa! Temos negros também no Acre!’. Por onde começar a Lei 10.639? Vocês conhecem essa lei? Quem conhece, por favor, levante a mão. Que ótimo! Na maioria das vezes é um, dois ou três no máximo que con-
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hecem a Lei 10.639 que torna obrigatória o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira no currículo brasileiro, em todas as alçadas e, posteriormente, com uma Resolução do Conselho Nacional, incluiu também a formação dos professores em nível superior. Faz 10 anos da lei, em 2013. Por que ela não está implementada, não está efetivada da forma como gostaríamos? Primeiro, a gente tem que lembrar um pouco da história dessa lei. Foram décadas! Talvez a Conceição até saiba falar mais disso. Foram décadas do Movimento Negro batendo na tecla para chegar ao ano de 2003 com a obrigatoriedade. Então, ela não foi uma lei de governo, não foi uma lei que saiu do nada, ela tem toda uma história de luta. São as nossas lutas, a luta do Movimento Negro Brasileiro que é a luta dos negros do Brasil. Eu tenho algumas questões. Primeiro, os entraves racistas, que não são vistos, não são falados, não são explicitados. O racismo brasileiro, principalmente o institucional, se dá nas entrelinhas. Ele se dá no silenciamento e nas perguntas para as quais não se tem resposta. Não dão as respostas. Quando você pergunta: ‘E aí? Pedro Leopoldo vai implementar a Lei 10.639?’ Ninguém responde. Eu falo no sentido de
quem deveria estar fazendo isso ― os gestores públicos. Ninguém responde. Inicialmente, a pergunta foi em 2009, junto com a certificação da Comunidade Quilombola de Pimentel. Até hoje, em 2013, não tivemos respostas. Estou com esperança agora porque temos uma Secretária que está muito interessada nesse sentido. Além dos entraves permeados pelo racismo, eu vejo também uma insegurança muito grande porque a educação que ainda impera no Brasil, ao contrário, não só não traz a história do negro, como é moldada de forma a negar essa história, de forma a negar esse pertencimento, de forma com que as crianças negras, que vão se tornando jovens e adultos negros, não se sintam negros ao ponto de terem orgulho e força para a luta, reivindicação de seus direitos e registro de suas histórias e valorização de suas histórias. Quando alguns dizem ― ‘aquela professora é negra e não trabalha a Lei 10.639!’ Nós temos que fazer a leitura de qual foi a educação em que ela foi formada. Então, para além do trabalho com os alunos, é emergente e urgentíssimo um trabalho com os professores. Eu vejo que a gente não pode também ficar esperando que haja primeiro uma formação para os professores para
depois chegar nos alunos. Não! Eu entendo que isso tem que acontecer. O Ministério Público Federal já começa a agir em algumas questões, em algumas escolas e instituições. Ainda é insuficiente, mas ele já começa e a gente tem que também estar cutucando e denunciando. Qualquer pessoa pode denunciar porque é uma lei federal que tem que ser cumprida e que altera a LDB. Se ela não está sendo cumprida, isso tem que ser denunciado, mas a gente acaba não fazendo isso, a gente acaba se calando e só reclamando, reclamando. Nós temos que partir para a ação, é agir, é colocar que tem que implementar essa lei. Se não têm conhecimento, vamos buscar! Tem uma Secretaria da Diversidade do MEC, específica para a diversidade, para as relações étnico-raciais, indígenas e quilombolas e a educação inclusiva. Temos que focar e trabalhar de uma forma mais intensiva na formação dos professores. A dificuldade que a gente encontra lá em Pedro Leopoldo é que essa formação tem que ser paralela. Foi o que aconteceu comigo. Eu não aprendi, mas faço isso com os meus alunos desde 2005, quando fui empossada no concurso de Pedro Leopoldo. Iniciei em 2006. Desde então, eu já trabalho na perspectiva da Lei
10.639, só que eu não estava pronta, como não estou, é um processo. O trabalho que eu iniciei em 2006 não é mais o trabalho que eu faço hoje. Graças a Deus, já melhorei muito, mas ainda está muito longe de ser não diria o ideal porque o ideal não existe, mas ainda tenho muito que aprender. Essa minha formação se deu em conjunto porque o que eu ia trabalhar com os meus alunos, eu também estava aprendendo ali. Eu trabalhava com eles e aprendia com eles. Inclusive os alunos eram da Comunidade Quilombola de Pimentel, em 2007, e não existia ainda a discussão desse reconhecimento da Comunidade de Pimentel enquanto quilombola. Mas, as crianças estavam lá, vivendo, sentindo e mostrando. Quando eu comecei a discutir as questões raciais, a levar recortes de jornais e leituras, problematizando, devolvendo para eles e eles também me devolviam inúmeras coisas, começaram a surgir várias questões. Eu recebi um aluno, que é morador da comunidade até hoje, ele está no ensino médio, eu recebi esse aluno no 4º ano, ele com 14 anos. Eu pensei: ‘Esse aí não sabe nada. Ele tem que passar porque a lei agora obriga. Ele não pode ficar retido, não pode ficar levando bomba!’. Eu o recebi nessa 261
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perspectiva, quando eu vi a escrita dele, eu pensei: ‘Ele faz de conta que escreve!’ Ele fazia o que nós podemos chamar de garatujas. Eu adoeci, comi alguma coisa que me fez mal e fiquei dois dias de atestado, mas era um período em que eu tinha devolver as notas, fechar o bimestre com a correção das provas bimestrais. Eu fui pedir ajuda a uma amiga minha que é professora também e ela foi me ajudar nessa correção. Eu estava rolando de dor, tomava remédio e voltava a sentar, então, ela foi me ajudar. Nisso ela pegou as escritas desse aluno, que não sabia ler nem escrever, mas ela não tinha recebido essa informação. Como eu recebi, eu tenho certeza que eu não ia ter o olhar que ela teve. Ela começou a circular, decifrando as palavras para poder conseguir entender o contexto. Gente! A escrita dele era difícil sim, mas quando conseguimos traduzir, eu estou toda arrepiada neste momento porque para mim isso foi muito significativo. Era uma das respostas mais bem relacionadas, com inferências e para além do que a gente tinha discutido. Ele sentava lá no fundo, usava um capuz, só faltava se enfiar debaixo da carteira! Era essa a postura dele na sala de aula. Eu falei: ‘Esse menino está ligadíssimo em tudo o que a gente está discutindo! Ele só tem que melhorar a escrita dele para que a gente possa entender melhor’. Foram realmente algumas das melhores respostas do que a gente tinha discutido em relação às questões raciais, embutidas no conteúdo. Eu valorizei esse aluno, levei ele para frente, chamei todos para baterem palmas para ele e disse: ‘Mas, você tem que melhorar a sua letra, melhorar a sua escrita. Você deve exercitar mais, escrever mais’. Foi surpreendente a guinada que ele deu na vida dele. Tem outros casos dessa mesma turma que foi um caldeirão, mas não posso me alongar. Nesse sentido, não sei se te respondi sobre a lei, mas é um movimento água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Não
podemos ter a ilusão de que vamos chegar ao ponto de dizermos que a Lei 10.639 está implementada em todo o Brasil. Não! Essa luta vai ser árdua durante muito tempo ainda pela frente. Eu vou encerrando aqui a minha fala para a Conceição fechar para a gente, não posso tomar o tempo dela. Eu também estou aqui para ouvi-la. Obrigada a todos. Sra. Conceição Evaristo Poetisa (RJ) – Homenageada Latinidades 2013: É uma responsabilidade porque parece que eu tenho as respostas. Não tenho respostas! Eu vou tentar seguir mais ou menos a ordem das colocações. Renata, quando você estava falando, falando, falando, e eu sou muito bisbilhoteira, eu fico escutando, escutando, escutando e depois dá em ‘Submissas Lágrimas de Mulheres’. Eu acho que, para você escrever, antes de tudo, você tem que ficar assuntando as coisas. Eu adoro ficar assuntando! Então, pode falar que eu deixo. Quando a Maria coloca a questão das mulheres afro-colombianas, ela está colocando também a questão das mulheres afro-brasileiras. Eu desconheço algum lugar, tanto na África como na diáspora, em que os africanos ou afrobrasileiros, ou afro-colombianos, ou afro-americanos estejam totalmente à vontade. Quando você fala também aonde estavam as mulheres nessas lutas, mulheres africanas escravizadas, os homens sempre aparecerem como protagonistas na História. Com certeza, o fato de essas mulheres não aparecerem como protagonistas na História não significa que elas não sejam protagonistas. Na verdade, essas mulheres, sustentando os homens, estão sustentando essas lutas. É interessante que, na História do Brasil, poucas mulheres aparecem como heroínas. Poucas mulheres, em geral, aparecem como heroínas. Por exemplo, a mulher brasileira que me veio agora na cabeça como heroína é a Anita Garibaldi mas
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poucas vezes as mulheres aparecem como heroínas. Com certeza, tem mais mulheres brancas como heroínas na História do Brasil. E as mulheres negras, na História do Brasil, é que não aparecem mesmo como heroínas. As mulheres negras não mereceram, da História do Brasil oficial, esse registro histórico. O mais interessante é que a única mulher negra que recebeu um registro histórico na História do Brasil foi a Chica da Silva. A gente vê também como ela passa para a História do Brasil. Na verdade, a heroicidade de Chica da Silva, na maneira como está escrita, é uma heroicidade que a gente questiona porque, na verdade, Chica da Silva aparece escrita muito mais através de estereótipos, por uma negatividade, do que como pessoa, como sujeito histórico dentro de uma positividade da história brasileira. O que é que o Movimento Negro, não só as pessoas que estão engajadas no Movimento Negro, mas alguns historiadores também tentam fazer, na verdade tem um trabalho também de resgate dessas personagens históricas. Há um trabalho de pesquisa muito grande a ser feito, no sentido de visibilizar a atuação das mulheres negras. Por exemplo, quando a gente fala dos Quilombos de Palmares, quem
está no centro do Quilombo de Palmares é um homem, é Zumbi. Coube muito ao Movimento Negro, e principalmente ao Movimento de Mulheres, trazer para a cena histórica mulheres quilombolas que não aparecem registradas, como Dandara e Aqualtune. São mulheres quilombolas que não aparecem registradas. Então, eu acho que isso, na verdade, tem que ser da nossa autoria. Com certeza, a experiência da Maria mostra uma maior necessidade que a gente teria também de conhecer a América Latina porque, por exemplo, nós do Movimento Negro conhecemos muito mais o Movimento Negro Americano, o Movimento Afro-americano. Até por conta de assistir as lutas de libertação das excolônias africanas, nós conhecemos um pouco mais até dos líderes africanos e não conhecemos muito do que acontece na América Latina, com a luta dos negros latinoamericanos. Eu acho que a gente tem uma responsabilidade muito grande porque as ações afirmativas desencadeadas no Brasil têm sido também um exemplo para as nações latino-americanas. Eu acho que esse é um momento de diálogo, de importância muito grande, e a gente deveria aproveitar esse momento. Eu tive pouco contato
com você, ou nenhum, mas, com certeza, a tua presença e a tua troca aqui, para quem teve mais contato e nesses poucos momentos que nós falamos, com certeza foi muito importante. Acho que poderia ficar aqui um compromisso de nós, enquanto mulheres negras, nos interessarmos mais sobre o que se passa com as mulheres negras da América Latina. Acho que a gente poderia assumir esse compromisso de troca. Eu queria agradecer particularmente a sua intervenção. Depois, a Ceiça pontuou a nossa falta de lugar na Academia. Eu acho que, nesse sentido, as ações afirmativas vão ser interessantes porque, quanto mais alunos negros chegarem às universidades, vai chegar um momento de uma exigência muito grande, os professores vão ter que ficar alertas. A nossa presença nas universidades vai exigir também uma reciclagem dos professores. Muitos já fazem isso até conosco mesmo. Na verdade, quando nós chegamos na Academia, nós temos tido a experiência de que quem está ensinando somos nós. Nós é que estamos dando a esses professores elementos de pesquisa, inclusive, bibliografia. Eu estou cansada de professores me pedirem bibliografia. Isso é bom! Eu acho que a gente tem que dar e é o momento 263
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também de a gente ir tomando, aos poucos, os nossos lugares. Você perguntou como eu resolvi escrever e publicar. Eu sempre escrevi o tempo todo, mas eu precisei de muito incentivo para publicar. Eu escrevia, escrevia e quando eu fui para o Quilombhoje, a Professora Maria José Somerlate e outras pessoas acharam que era o momento de eu fazer uma publicação individual. Aqui, eu queria retomar uma questão. Se a gente for escrever pensando em publicar, você pode querer parar pelo meio do caminho então escreva primeiro e depois resolva. Mas, tem um dado momento também em que publicar se torna um ato político porque você tem que colocar esse material aí. Como exemplo de que publicar se torna um ato político, eu não posso deixar de citar as duas editoras brasileiras, coincidentemente de Minas Gerais, a Mazza, que é especializada em publicações de temática negra, e a Nandyala. São editoras pequenas, mas que nascem com esse propósito ideológico e com essa linha política de publicar autores negros. Eu precisei de incentivo para publicar, para escrever, eu já estava indo. Outra questão que eu queria comentar também, em cima da fala do Charles, na verdade, nós temos mania de achar que o Brasil é Rio de Janeiro e São Paulo. O que acontece no Rio de Janeiro e em São Paulo, normalmente, nós estamos sabendo. No caso dessa publicação que você mencionou, nós não temos a mínima referência, eu não tinha referência dessa publicação. Eu acho que esse deve ser o nosso esforço de pesquisador, de correr atrás desse texto, de ler esse texto e de divulgá-lo. Quando a gente falar no povo africano, são os povos africanos, quando a gente falar no negro brasileiro, são os negros brasileiros. Quer dizer, as coisas estão acontecendo no Acre e saiu do eixo São Paulo/Rio de Janeiro ou Minas um pouco. A gente também tem muito pouca informação sobre o que acontece no sul, devemos ter essa
perspectiva também de tentar esse diálogo assim como é necessário um diálogo com a América Latina, temos que tentar um diálogo dentro do próprio Brasil. Para encerrar, eu queria dizer da minha alegria de estar com todo mundo, mas não me deem tanta responsabilidade assim não porque eu não aguento! Muito obrigada pela acolhida. É só convidar que eu volto sempre. Sra. Maria de Lourdes Rodrigues Vou falar umas palavrinhas só. Primeiro, queria dizer que eu fiquei extremamente feliz de estar aqui compartilhando e ouvindo. É bastante emocionante esse momento com a Cláudia e a Conceição, mas para mim também é uma emoção poder rever a Cecília, minha amiga companheira de muitas lutas, especialmente na Frente pelo Direito à Comunicação. O Charles me entregou um papelzinho com uma pergunta e eu queria compartilhar a resposta com todo mundo. A pergunta é se a SPM disponibilizou para consulta on-line as redações premiadas. A resposta é que está em processo de organização a publicação de todos esses trabalhos para que possam ser acessados por todo mundo. Um dos objetivos do Prêmio além de resgatar as histórias e fortalecer as mulheres negras na luta contra o racismo e trazer à tona as suas histórias de vida e de enfrentamento ao racismo é também visibilizar essa luta, essas mulheres e essas escritas. Com isso, talvez a gente possa estar incentivando isso que a Conceição tanto reforçou que é a possibilidade de escrever, escrever, escrever e tornar isso um ato político. Essa publicação deve ser lançada no momento do anúncio do próximo Prêmio. Eu não sei se isso vai acontecer em novembro ou em outro momento. Além disso, está em discussão também a riqueza dos trabalhos não premiados. É muita coisa boa que pode ajudar inclusive a construir e visibilizar essa história invisível da luta do povo negro e
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principalmente das mulheres negras na construção de um país sem racismo, sem machismo, um país diferente do que a gente tem hoje no Brasil. Eu queria deixar aqui um agradecimento, em nome da Secretaria de Políticas para as Mulheres, de estar aqui nessa atividade. Nós esperamos que essa seja a primeira de outras edições do Festival Latinidades. Muito obrigada. Sra. Cecília Bizerra (Mediadora): Muito obrigada a todas e todos que resistiram nessa belíssima mesa, essa belíssima contação de histórias, vivências, reflexões, inclusive, políticas. Nós encerramos agora a mesa “Mulheres Negras Construindo a sua História”, nessa data que para nós é especial e emblemática, 25 de julho, o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha. Fechamos as atividades e o seminário de hoje, mas ainda vai ter uma apresentação lá fora de roda de capoeira. Então, sigamos o nosso encontro! Muito obrigada a todas e todos!
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Q uilombo Paula Balduino − Mediadora Coletivo Pretas Candangas Bom dia a todas e todos. Bom, então, como a Dani falou, essa nossa mesa é sobre os Quilombos das Américas. Eu queria convidar para compor aqui o cenário a Maria Rosalina dos Santos, representando a Conaq; a Bárbara Oliveira pela Seppir; e a Tatiana Silva, pelo Ipea. Agradecer à presença de todas as pessoas que vieram, especialmente o pessoal de Mesquita que veio dar o ar da graça, e a gente vai começar assistindo o vídeo que sintetiza um pouco da primeira etapa desse projeto chamado “Quilombo das Américas – Articulação de comunidades Afro-rurais” que como a Daniela comentou, é coordenado pela Seppir, então, a gente começa aqui assistindo o vídeo. Não sei se dá para vocês verem, o pessoal que está aí tem boa visão daqui do cantinho? Então a gente vai aí para ver melhor. (apresentação de vídeo) Esse é o vídeo do projeto “Quilombo das Américas – Articulação de comunidades afro-rurais” e acho que ele vai nos ajudar a refletir e colocar coisas aqui para o debate, para nossa conversa. Gostaríamos de agradecer a VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
presença da Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial do Distrito Federal na presença do secretário Viridiano Custódio Brito e agradecer também o apoio da Seppir DF na realização do evento, assim como agradecer o apoio da Seppir nacional aqui na pessoa da Bárbara, essa mesa então é uma parceria do Latinidades com a Seppir nacional. Passo a palavra para Maria Rosalina dos Santos que vai iniciar aqui as explanações. Maria Rosalina dos Santos Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq) Bom dia. Falaram um bom dia muito distante. Bom dia, pessoal! Ah tá. Então, com Paula já colocou, eu sou Maria Rosalina, eu sou de um Quilombo por nome de Tapuiu no município de Queimada Nova no Piauí e faço parte da Coordenação Nacional de Articulação nas Comunidades Quilombolas do Brasil, a Conaq, nesses 15 minutos de início quero agradecer a oportunidade e quero aproveitar para partilhar com quem aqui está um pouco quem somos, onde estamos e o que fazemos. Hoje a Conaq existe uma coordenação a nível na-
das
A méricas
cional com representante em 90% dos estados do Brasil, essa coordenação tem a missão de fazer um trabalho de mobilização, sensibilização, articulação e defesa dos direitos das comunidades Quilombolas, para isso, a gente hoje conta com avanços e desafios. Os avanços talvez se a gente for medir acaba sendo menos que os desafios, mas uma coisa é certa, acho que quem acompanhou um pouco o vídeo deu para perceber que ali tinha relatos de comunidades de outros países, mas também do Brasil, e deu para perceber no vídeo que esses desafios estão postos na história e na vida das comunidades quilombolas nas Américas, não é só no Brasil. Por isso que são essas identificações que nos dá essa resistência para continuar a luta, por entender que há essa necessidade de encampar essa luta em defesa dos nossos direitos. Então hoje a gente conta com um escritório não tão estruturado aqui em Brasília, mas a gente sentiu a necessidade de ter uma referência, um ponto de referência a nível nacional porque hoje é a Conaq que tem a legitimidade de falar, de defender, de lutar e de representar as comunidades quilom267
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bolas no Brasil, então não dava para ser essa representação legítima das comunidades sem ter um ponto de referência e hoje a gente está aqui no Conic, tem uma secretaria com o mínimo de estrutura, mas já temos esse ponto de referência no Brasil onde a gente pode estar realmente tendo esse endereço de nos encontrar, de encontrar a Conaq. Mas também não podemos ignorar e deixar de relatar nesse espaço onde estamos fazendo esse balanço do projeto Quilombo das Américas de colocar que para nós da Conaq a gente hoje, olhando um pouco o contexto a nível nacional e olhando a conjuntura em que a gente está vivendo, a gente traz também como avanço as oportunidades que a gente tem conquistado, não que nos deram, mas que a gente conquistou. Uma delas é essa, de está aqui fazendo esse balanço em uma atividade, em um evento que não é só do Brasil, que não traz a realidade só do Brasil mas também as oportunidade de a gente ir para o debate para um diálogo com o setor governamental. Nós não fazemos um debate só para nós da sociedade civil, mas nós fazemos um debate em todas as instâncias a nível nacional. E através desses debates, dessas oportunidades que hoje a nível nacional a gente conta com alguns programas ou com algumas ações voltadas especificamente paras comunidades Quilombolas. É claro que foi uma luta muito suada e ainda temos muito o que lutar, mas já existe alguns sinais de dizer “é preciso continuar para avançar mais” e uma delas é esse diálogo que a gente tem com a Seppir. Hoje a Conaq tem assento no Conselho Nacional de Promoção de Igualdade Racial da Seppir que é o conselho que tem como missão de fazer essa escuta de todos os seguimentos, principalmente da sociedade civil, e não só uma escuta, mas também de a partir da escuta articular as ações junto aos outros segmentos do governo. E através dessa nossa participação, não só no conselho da Seppir, mas em outros conselho do Governo Federal e outros conselhos nacional, a gente tem conseguido garantir algumas ações que venha trabalhar espeVI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
cificamente com esse recorte racial, seja na área da educação, da saúde, da comunicação, enfim, é claro que é uma coisa muito tímida ainda. Por outro lado, para gente conquistar essas oportunidades, a gente tem que encarar vários desafios. A gente sabe que vivemos numa sociedade moderna onde o desenvolvimento é o eixo principal nesse contexto social. O governo federal e os governos têm trabalhado muito essa questão do desenvolvimento e alguns até pregam o desenvolvimento sustentável, mas esquece de acrescentar o solidário na ponta, trabalha, desenvolve grandes ações de desenvolvimento sustentável, mas ainda não trabalha a questão do desenvolvimento sustentável e solidário e é essa parte que nos afeta e é esse o desafio que nós estamos enfrentando na sociedade hoje, é o desafio de viver em meio de uma sociedade que é impactada pelos grandes empreendimentos de desenvolvimento sustentável e não solidário. As comunidades quilombolas do Brasil hoje estão sendo afetadas pelos grandes empreendimentos do agronegócio, pelos grandes empreendimentos das mineradoras, das hidrelétricas, das ferrovias. A gente tem várias comunidades quilombolas hoje no Brasil que elas estão deixando de existir porque os grandes empreen-
dimentos passaram por meio da comunidade e levou a vida da comunidade, deixando apenas a vida das pessoas que sem a comunidade não tem vida. Esse é um dos grandes desafios que a gente tem enfrentado como Conaq, como movimento Quilombola no Brasil hoje é essa questão dos impactos. Isso eu estou relatando tanto aqui para as comunidades quilombolas que aqui estão como também para agir mais pessoas que aqui estão para dizer assim “uma comunidade Quilombola é lá onde está a nossa vida, o nosso modo de vida, o nosso modo de viver, de fazer, de ser” e quando arranca a gente dela, mesmo que a gente continue com vida, para nós a vida deixou de existir porque lá ficaram nossas raízes, nossa cultura, nossos costume, ficou nossa tradição. Não adianta tirar nós de uma comunidade Quilombola e mandar para uma periferia de uma cidade porque ali nós não vamos conseguir mais ter esse prazer de viver, esse sentido de viver. Acho que quem tava aqui acompanhou aquele senhor bem idoso, já de uma fala um pouco arrastada, mas ali a vida dele está começando porque ele está lá no Quilombo, mas se tirar ele de lá e trazer para cá a vida dele deixa de existir, mesmo que ele continuar vivendo. E é isso que está acontecendo nas comunidades
quilombolas aqui no Brasil. Muitas delas estão passando por esse processo de deixar de viver mesmo continuando vivo. Então, diante disso, olhando, percebendo o que foi relatado nas comunidades de outros países, a gente percebe que é uma realidade talvez com alguns pontos específicos, mas é uma realidade idêntica à da gente aqui no Brasil. Então, para isso, o “Quilombo das Américas”, e aqui na pessoa de Bárbara que é quem tem mais acompanhado essa questão, a gente sente necessidade, Bárbara, de um intercâmbio, de uma troca de experiência, de uma troca de saberes e de um conhecer as comunidades de outros países para sentir de perto e até quem sabe na medida que há essa troca a gente se recebe mais energia e mais força para continuar lutando porque a gente percebe que não é só a gente, mas as outras comunidades têm o mesmo modo de vida da gente. Então, a distância não impede esse espírito de irmandade então as realidades são idênticas. Diante disso, promover esses espaço, pena que o público aqui está pouco, mas eu espero que o pouco que está aqui possa sair daqui com esse compromisso e abastecidos para continuar essa luta cada vez mais, principalmente nós mulheres. Para nós mulheres, o desafio é dobrado, por que, porque a 269
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sociedade inculturou que o ser mulher é parte frágil, que nós não temos capacidade de pensar, que nós não temos capacidade de administrar, que nós não temos capacidade de decidir. Foi esse modelo de sociedade que foi construída, que foi pensada, foi com esse olhar para nós mulheres. E nós mulheres negras temos que encarar esse desafio para dizer que nós juntamente com os companheiros somos capazes de pensar, somos capazes de decidir, somos capazes de administrar, somos capazes de lutar e defender a causa Quilombola, a causa da mulher negra Quilombola lá no Quilombo rural, por mais distante e por mais sofrido que seja. Hoje eu tenho vivenciado algumas experiência na minha militância de trabalhar com a juventude, de fazer parte de um movimento de mulheres para defender a questão da participação da mulher, para discutir a questão de gênero, para trabalhar essa questão da participação conjunta e hoje eu estou vivendo uma experiência de assumir um mandato de vereadora no meu município dentro de uma conjuntura preconceituosa, racista, só somos 2 mulheres vereadoras, entre essas duas só eu que sou negra e eu sou a única negra na câmara municipal dentro de uma conjuntura que ainda vem naquela prática tradicional e a única que tem esse olhar social sou eu. Diante disso para mim é um desafio ir para o embate para defender a questão racial, a questão do ser mulher, a questão de não ter um estudo acadêmico, a questão de ser rural. Então para a sociedade capitalista, preconceituosa e racista eu tenho que encarar todos esses desafios, mas digo para vocês, são experiências que acredito que cada uma de nós era interessante que experimentasse porque a partir dali que você percebe que ainda tem muita estrada para andar, é a partir dali que você percebe que a sociedade é possível ser transformada, basta que você tenha coragem de encarar os desafios, de renunciar algo na sua vida e de se colocar a serviço do outro principalmente de quem mais necessita. Um pouco isso. Tatiana Silva Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Bom dia a todos e a todas, é um prazer estar de novo nesse sofá aqui do Latinidades. A gente teve a oportunidade de estar aqui na abertura, na segunda-feira, onde pudemos em parceira aqui com o Latinidades que bem nos acolheu, fazer o lançamento duma VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
publicação do Ipea que é “Igualdade Racial no Brasil, reflexões no ano internacional dos afrodescendentes”. É um livro que foi lançado aqui no Latinidades, está disponível no site do Ipea, ele foi construído a partir dessas reflexões no ano internacional dos afrodescendentes que nós realizamos em 2011 uma série de palestras e a questão Quilombola foi um dos temas tratados. Na ocasião, a gente teve a oportunidade de contar com uma rica discussão, um rico debate junto com o professor Rafael Sanzio da Universidade Federal da Bahia que trabalha há muito tempo com a questão dos Quilombos e a cartografia dos Quilombos no Brasil e tivemos também a oportunidade de ter uma representação da Seppir e uma representação da Conaq, foi o Ivo Fonseca que trouxe para gente também uma série de elementos e contribuiu de uma forma muito especial para essa discussão. Depois desse debate nós convidamos os autores, esse Quilombo foi um, mas nós falamos sobre segurança e população negra, sobre a educação das relações étnico-raciais, sobre a política externa e o Brasil no ano internacional dos afrodescendentes, sobre uma vasta gama de temas e convidamos autores a escrever e temos nessa publicação dois artigos sobre a questão Quilombola, uma do professor Rafael Sanzio, uma atualização do levantamento Quilombos, geografia e cartografia que ele vem realizando e também que ficamos muito satisfeitos de
ter um depoimento do Ivo, temos um artigo do Ivo que também pertence à direção da Conaq como a Rosalina que nos falou agora, apresentando... até o subtítulo do artigo é “Um caminho de muitas curvas” com os avanços como foi colocado e também todos os desafios da luta Quilombola no nosso país. Então convido a todos e todas a acessar essa publicação, acessar também o nosso site ipea.gov.br/igualdaderacial em que nós concentramos as publicações do Ipea com foco na questão racial e na questão Quilombola. E com certeza, dentro dessa nossa trajetória, eu faço parte da coordenação de estudos na área de igualdade de gênero e raças no Ipea, dentro da diretoria de políticas sociais, uma das nossas funções, além de estar juntos com os órgãos executivos com a Seppir assessorando, desenvolvendo trabalhos e desenvolvendo trabalhos também para o público em geral sobre a situação social 271
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da população negra, população Quilombola também de forma específica, onde o nosso trabalho era acompanhar como as políticas públicas vêm se desenvolvendo ao longo do tempo e a gente tem tentado também fazer isso para a questão Quilombola e com certeza essa análise corrobora muito com a avaliação muito própria da Rosalina e do Ivo sobre esse caminho de muitas curvas, sobre essas dificuldades que infelizmente não são exclusivas das comunidades quilombolas no Brasil, mas pelo projeto “Quilombo das Américas” a gente pode ver que tanto as especificidades são compartilhadas dentro das suas particularidades nos Quilombos que foram estudados, mas também as dificuldades se replicam e se intensificam em determinados ambientes e dentro dessas eu acho que a gente pode colocar como a dificuldade central o acesso à terra. A terra que é um bem tão disputado e central em uma série de conflitos que a gente tem desde os tempos vivenciados dos tempos coloniais e até agora e que para as comunidades quilombolas a assunção desse direito constitucional também não tem sido livre desses desafios históricos e dessas lutas por um elemento tão central de poder no nosso país. Os colegas que par-
ticiparam diretamente do projeto “Quilombo das Américas”, infelizmente não puderam estar aqui presentes, talvez com certeza têm muito mais elementos para falar sobre o projeto dos Quilombos que é a Fernanda Lira que está viajando hoje que esteve presente junto com a equipe de pesquisa no Quilombo em Maraú do Empata Viagem e nosso colega também Josenilton Silva que está de licença e teve oportunidade de vivenciar, segundo ele, experiência ímpar o momento de estar nos Quilombos do Equador e do Panamá. Fruto disso houve uma série de reflexões e levamos essa discussão também para outros colegas dentro da nossa instituição e foi uma oportunidade riquíssima junto com os outros parceiros, junto com a Seppir, com a Segib, a Dani está aqui representando também, junto com o IICA, a Onu Mulheres, a Embrapa, de poder sair um pouco dessa avaliação, pelo menos dentro da nossa perspectiva de um instituto de pesquisa, que a gente trabalha muito com os dados agregados, com dados censitários, com pesquisas amostrais, com estatísticas, com esse levantamento. Então, à medida que você tem oportunidade de ir num ambiente, estar vivenciando, convivendo, foram 15
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dias em cada Quilombo que os pesquisadores não só do Ipea, mas todo o conjunto de pesquisadores ficaram, então isso é uma experiência totalmente diferente da nossa rotina, mas que traz e enriquece bastante essa rotina porque você começa, por mais que a gente busque estar em contato e conhecer a realidade para além dos números, ter essa experiência vivencial nos abre outras perspectivas de análise, outras perspectivas de entendimento desse próprio levantamento de dados e análise de política que nós realizamos. Salientar a riqueza da pesquisa e as possibilidades que provavelmente a Bárbara vai falar de fortalecer essa rede e essa articulação para que as dificuldades e os aprendizados desses Quilombos que guardam a história das Américas, porque quando com certeza nós estudamos muito pouco sobre a construção e desenvolvimento das Américas e muito menos ainda sobre a permanência, a luta e a resistência dos Quilombos nessa região. Então muitas vezes quando a gente mencionava o projeto, quando falava do projeto em determinados ambientes, as pessoas se surpreendiam sobre as essências das comunidades quilombolas cada um com os seus nomes nos diferentes países e como
isso nos foi sonegado em parte a história do continente em que vivemos, nós acabamos no nosso currículo básico estudando muito pouco, estudamos muito mais dos reis e das princesas de além mar e muito menos ainda da história das comunidades quilombolas no nosso país e muito menos ainda dentro das Américas. Além da possibilidade de articular essas comunidades como está previsto no projeto, a oportunidade da visibilidade, a existência, a resistência dessas comunidades reforça tanto esse sentido mais amplo do papel e da resistência das populações da diáspora negra nas Américas como também nos traz outras reflexões para o nosso contexto nacional. Dentro dessa discussão que a gente tem feito sobre acompanhamento das políticas, tem alguns autores que colocam de uma forma bem interessante duas vias bem delimitadas que têm sido adotadas para o reconhecimento das comunidades quilombolas e todas as políticas que têm sido voltadas. Uma é um pouco disso que a gente está falando de reconhecer que a invisibilidade que foi imposta às comunidades quilombolas pela história, pelo Estado ao longo do tempo e como isso repercutiu não só em visibilidade em si, não foi só uma postura neutra nesse sentido, mas um próprio racismo institucional, a própria discriminação relegando esse grupo à situação de menos acesso às políticas públicas e aos progressos que vinham sendo comungados pelo resto da população. Uma linha das políticas tem trabalhado a partir desse reconhecimento, dessa vulnerabilização, dessa invisibilidade por parte do Estado e tem desenvolvido políticas específicas para que esses bens universais, esses acessos às políticas públicas cheguem às comunidades Quilombolas, outra via é um reconhecimento das próprias especificidades das comunidades quilombolas que a política de saúde, a política de educação ela não deve chegar necessariamente 273
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para esse grupo como chega para um grupo urbano, ou grupos que tenham outras trajetórias porque isso também é uma forma de violência contra toda essa cultura que foi preservada e essa história ao longo do tempo. Outra política procura reconhecer também essas especificidades e reconhecer que essas políticas precisam chegar, identificando essas particularidades desses grupos, o que alguns têm chamado do direito étnico de reconhecer a história, a territorialidade, a cultura, o passado, os hábitos e que isso possa ser incorporado tanto nas políticas como destacado também em ações específicas. Dentro desse rol, eu destaco uma conquista recente, vai fazer um ano mas ainda podemos dizer que é recente em termos da implementação, que é a aprovação das diretrizes nacionais curriculares para educação escolar quilombola que vem exatamente nesse sentido de reconhecer as especificidades, a particularidade, o direito das populações à sua história, à sua territorialidade também no campo da educação regular, não só para as escolas situadas nos territórios quilombolas, não só para as escolas que recebem alunos quilombolas, mas para que esse conteúdo e essa história, essa vivência também seja tratada também nas outras modalidades de ensino. Então, dentro dessa diretriz você trabalha tanto a questão tão somente do currículo, mas do projeto político pedagógico da escola, da forma como a escola deve abrir a participação da comunidade para discutir as suas diretrizes, as suas orientações, tanto na parte do currículo, valorizar as pessoas e as histórias da própria comunidade, valorizar dentro também do programa de alimentação, os costumes e os alimentos que são as tradições da própria comunidade. Eu acho que essas diretrizes agora também abrem um leque de desafios para o nosso sistema forma regular de educação e para as comunidades também em ampliar, em dar mais esse diálogo, essas orien-
tações já estavam presentes lá nas diretrizes para educação étnico-racial das relações étnico-raciais, mas elas se intensificam agora e eu acho que é um grande exemplo de aprendizado e de escuta e que vai nos render ao longo desses próximos anos também muita discussão e muito aprendizado. Mais uma vez agradecer o convite e a oportunidade de estar aqui dialogando sobre essa temática que nos é tão cara. Muito obrigada a todos e a todas. Bárbara Oliveira Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) Eu vou ficar em pé até porque eu trouxe alguns slides também fica melhor para ver todo mundo. Quero agradecer inicialmente à Griô Produções que organiza o Latinidades que é uma parceira importante de algumas ações que a Seppir faz e que organiza um festival que já é uma referência nacionalmente e até internacionalmente para pauta do dia da mulher afrolatina e caribenha, então o Latinidades de fato é um festival que orgulha todas nós mulheres negras e eu me sinto muito honrada de estar aqui compartilhando desse espaço. Infelizmente a gente teve um problema no deslocamento de parte das lideranças, mas, enfim, é sempre uma honra pautar o tema das mulheres quilombolas, especialmente na festival da magnitude do Latinidades. Queria também agradecer às Pretas Candangas, em nome da Paula Balduino que está aqui na mesa, que é um grupo de mulheres aqui de Brasília de mulheres negras que pauta a questão racial e de gênero com muita qualidade. Queria agradecer mais uma vez e ratificar o agradecimento à Seppir DF em nome do Viridiano Brito que também tem nos apoiado em diversas atividades e nessa atividade de hoje também deu um apoio muito importante. Saudar o Ipea que é um parceiro do projeto, um parceiro importante, e obviamente à
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Conaq e a nossa relação com a Conaq vai para muito além desse projeto, mas o papel da Conaq na concepção do “Quilombo das Américas” lá no início, nas discussões foi fundamental na execução e ao longo da minha fala eu vou inclusive complementar algumas coisas, dialogar com algumas provocações que a Rosalina nos fez. O contexto, até atualizando alguns dados que apareceram no próprio vídeo, o contexto que situa o projeto “Quilombo das Américas” é exatamente o contexto da diáspora africana, a gente tem uma presença dos afrodescendentes muito significativa nas Américas, a estimativa é que a população negra nas Américas represente cerca de um terço do total da população de 902 milhões hoje, obviamente isso traz uma herança cultural e tradicional muito significativa e que os Quilombos representam uma parte importante disso não só para o Brasil, mas pras Guianas, para Colômbia, para o Equador, para Belize, a Guatemala, por exemplo, tem comunidades afro-rurais extremamente organizadas e que por um contexto local de acesso a direitos se reconhece como indígenas que são os garífonas. Você percebe na organização de comunidades negras rurais ao longo de toda América até a América Central assim, de fato isso traz uma conexão diaspórica muito impactante, muito importante e o “Quilombo das Américas” visa fazer uma articulação do que nos aproxima, do que nos diferencia, principalmente do que nos une em relação à luta por direitos e dentro da luta por direitos obviamente a principal luta é a luta pelo acesso ao território. Fazendo agora uma conexão do Brasil, mas só para mostrar a presença negra, a presença das comunidades quilombolas o quanto que é impactante também no Brasil, aqui a distribuição das comunidades quilombolas no Brasil. Exatamente pela invisibilidade histórica da população negra, não só no Brasil, mas nos outros países, a gente não tem um mapa semelhante a esse ainda com relação ao Equador e ao Panamá que eram os parceiros do projeto, enfim, o governo especialmente do Equador tem trabalhado no reconhecimento dos povos e etnias que constituem o estado equatoriano, mas a visibilidade espacial desses grupos ainda está em construção. Acho que daqui 275
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uns 5 anos a gente pode ter um retrato diferente e nesse diálogo com os países, uma coisa que ficou muito presente é que a gente no Brasil tem desafios muito maiores inclusive do que os avanços, concordando com aquilo que Rosalina fala, mas os avanços já são significativos especialmente no que se refere à visibilidade e aí o Ipea, um parceiro importante nesse processo, e o próprio censo, quando disseram esse quesito raça-cor e quando a gente começa a fazer denúncias da situação da população negra, não só por experiências locais, mas com dados sistematizados, por exemplo, início dos anos 2000, apontando que 2% dos universitários eram negros enquanto se tinha a maioria da população negra. É óbvio que o Estado tem que se organizar e que a qualificação da informação é muito importante para própria luta e para militância. Essa conversão em forma de resistência negra que nesses países se reflete também nos Quilombos, nos cumbes, nos palenques é exatamente essa articulação que nos une nesse contínuo de resistência. Quando a gente estava construindo o projeto, quando a Seppir e os demais parceiros que eu vou citar daqui a pouco estavam construindo o projeto, a gente foi levantando e é muito interessante observar a história dos Quilombos no Brasil, dos mocambos, dos palenques na Colômbia e em Cuba, dos cumbes na Venezuela, no Haiti, enfim, na Jamaica, as diferentes histórias, as diferenças na relação com o estado nacional e como é que isso se refletiu na organização desses grupos. No Suriname, por exemplo, os palenques, ainda no período da escravidão, conseguiram autonomia dos seus territórios, o reconhecimento dos seus líderes, e até hoje eles são tidos como estados autônomos, eles têm territórios reconhecidos no Suriname. A perversidade da discriminação é tamanha que apesar deles terem territórios autônomos, eles não têm orçamento próprio, eles pagam imposto para o Estado Nacional do Suriname, e não têm serviço público nenhum porque o estado do Suriname diz que como eles são autônomos eles não têm responsabilidade sobre eles. E hoje a gente está acompanhando um processo violentíssimo de garimpeiros que cotidianamente assassinam pessoas, VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
cobram propinas absurdas e o Estado do Suriname se isenta de qualquer relação. Isso pensando no processo do Suriname. No processo da Colômbia, por exemplo, a distribuição das comunidades afrorurais se deu de forma mais localizada, né, no Pacífico, a Paula até está lá, no Pacífico e na região ali do norte da Colômbia, próximo à Cartagena então você tem um processo de ocupação, inclusive diferenciado. No Haiti a gente costuma brincar que o projeto de resistência Quilombola na verdade foi o vitorioso e virou projeto de nação, projeto de tomada de poder de fato, mas a gente percebe a situação que o Haiti vivencia hoje. A resistência negra ela também necessariamente impacta numa contrarreação do poder dominante muito séria e a gente vivencia isso hoje no Brasil de forma muito marcada. No debate que a gente fez do lançamento do livro do Quilombo das Américas, a gente vinha debatendo... foi exatamente o período em que a PEC 215 estava sendo colocada em pauta, a PEC 215 tira do Executivo a competência de concluir o processo de titulação de território Quilombola e de demarcação de terra indígena. Isso é uma violação muito grave porque quem vai passar a fazer isso é o
Congresso. Então o título da comunidade de Rosalina Tapuio, por exemplo, para ser emitido, precisa de uma lei do Congresso. Na conjuntura que a gente tem hoje é possível facilmente concluir que pouquíssimos títulos, ou nenhum, vai ser expedido se a PEC 215 for para frente. Então a PEC eu estou dando um exemplo, mas tem vários exemplos desse envolvimento do poder dominante em impedir qualquer avanço. Hoje temos duas mil e cem comunidades certificadas pela Palmares no Brasil e apenas 10% desse número total tem o título assegurado territórios. Então a gente percebe o tamanho do nosso desafio ainda para seguir e com esse pequeno avanço o tamanho do incômodo que isso já gera no poder dominante, enfim, nas elites do Brasil. Então esse contexto de certa forma é muito compartilhado pelos 3 países que participaram do projeto, que foram Panamá, Equador e Brasil. Contexto da diáspora africana, elementos culturais, linguísticos e religiosos muito semelhantes, a dimensão da resistência, e aí vem esse outro ponto que é exatamente o resultado do racismo do estado colonial e do estado póscolonial, que é a situação de exclusão e vulnerabilidade social muito marcada em todos esses gru-
pos. A invisibilidade histórica, aqui no Brasil eu já ouvi de várias lideranças, Rosalina sabe disso bem, “Quilombola, carambola? Não, aqui não tem Quilombo não, imagina!” E aí você vai conhecer mais a fundo e tem uma comunidade Quilombola super importante no município, por exemplo. No Equador eles estão num processo de afirmação disso, mas historicamente o estado do Equador também negou veementemente a existência dos Cumbes no país. E no Panamá não existe sequer nenhuma lei, nenhum marco legal que situe o direito das comunidades afro-rurais. Tanto que o Palenque que aparece ali no vídeo do Panamá, não sei se vocês percebem que ali aparece junto com os indígenas, na verdade há um reconhecimento mais recente dos direitos indígenas, o território é demarcado para os indígenas, os quilombolas estão lá dentro, e eles não têm reconhecimento nenhum do estado panamenho. Você percebe essa invisibilidade histórica também no marco legal, também na atuação do estado. A luta por direitos e pelo território tradicional é uma coisa que perpassa os três países de forma muito presente e obviamente existem níveis diferentes de organização dos movimentos, mas a luta 277
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pela terra é central porque assegurar o território e assegurar a identidade é assegurar a existência dessas comunidades, como a Rosalina falava. Nessas comunidades também é possível perceber a enorme importância das mulheres quilombolas, ontem na Plenária Nacional de Comunidades Quilombolas a gente por dois momentos saudou as mulheres quilombolas e eu quero novamente saudar com base no 25 de julho. Alguns papéis que as mulheres desempenham nessas comunidades que são muito importantes, o das parteiras, apesar do avanço aí da biomedicina, a presença de mulheres quilombolas no nascer e no morrer, no cuidar, é muito impactante, a gente percebe a presença de parteiras nesses territórios tradicionais e o importante do ponto de vista da organização é que essas parteiras se tornam mães da comunidade pelo resto da vida, elas são uma referência fundamental, uma liderança fundamental na organização dessas comunidades. A tradição oral que é o meio pelo qual o conhecimento e os saberes são passados de geração em geração e que nessa passagem de conhecimento as mulheres também desempenham um papel fundamental. O surgimento de muitos Quilombos que no seu (ininteligível) de ori-
gem traz as mulheres como a referência fundante, concessão das Crioulas, por exemplo, nasce da organização de seis mulheres que viviam na situação de escravizadas, que conseguiram comprar a sua alforria e logo depois concebiam que a liberdade absoluta só seria possível com a compra do território e a liderança política que esteve presente lá atrás e que continua presente hoje e a importância das mulheres no movimento Quilombola. O projeto envolveu esses 3 países, e ele abarca 3 principais eixos, que é a soberania alimentar, a alimentação, assim como em outras comunidades tradicionais negras como as de matriz africana, a alimentação é um eixo central agregador da existência desses grupos mas a gente percebe, exatamente pela situação de visibilidade e de racismo que historicamente essas comunidades vivenciaram, uma situação de insegurança alimentar em muitos desses casos e é por isso que um dos eixos importantes, e a Embrapa foi uma parceira, a Embrapa e o Ministério do Desenvolvimento Agrário foram parceiros importantes para trabalhar esse eixo. O eixo dos direitos, que trabalhou identidade e direitos sociais, econômicos e culturais e fortalecer a dimensão da articulação entre os países. A primei-
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ra etapa, como a Tatiana mesmo mencionou, ela focou muito a parte de diagnóstico, de levantar dados, de iniciar as articulações com os governos e com as comunidades afro-rurais e a ideia é que numa segunda etapa do projeto que está previsto para ser iniciada em 2014, ela efetive de forma mais concreta a articulação entre as comunidades. As etapas que foram realizadas foi o seminário de lançamento em Salvador, que já reuniu os países todos e os parceiros, uma reunião de nivelamento conceitual que fez o planejamento conjunto também com os países todos envolvidos, as pesquisas de campo que envolveram todos os parceiros, que foi realizada no segundo semestre de 2011, uma oficina já com o retorno desse material, dessa oficina de campo, em dezembro de 2011, o seminário do Quilombo das Américas com a presença de todos os países em março de 2013, e finalmente o lançamento do vídeo e da publicação em março desse ano, trouxemos alguns exemplares, a gente queria presentear a Griô, a Seppir DF, as lideranças de Mesquita que vieram. O objetivo principal é construir uma rede de articulação de políticas públicas para as comunidades afro-rurais do Brasil, Equador e Panamá, com foco
na promoção da soberania alimentar e ampliação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Essa foi a rede de parceiros e estabelecer uma articulação entre tantos parceiros assim para essa pauta foi um desafio, a gente passou anos nessa articulação, enfim, a Seppir, estabeleceu a coordenação do processo, a Codae, que é um órgão de igualdade racial da Presidência do Equador, o CEEM, que também é uma secretaria dos afro-panamenhos, também vinculada à Presidência da República do Panamá, semelhante ao que a Seppir representa no Brasil, mas com uma estrutura um pouco menor, a Agência Brasileira de Cooperação, do Ministério das Relações Exteriores, a Conaq, a Embrapa, Fundação Cultural Palmares, Incra, a ONU Mulheres, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a Segib e, por fim, eu queria agradecer mais uma vez a equipe de consultores que acompanhou o projeto e que a coordenação dessa equipe foi feita pela Paula Balduino, que de forma muito aguerrida tocou o projeto. Agradeço mais uma vez a oportunidade de estar aqui dialogando com vocês sobre o Quilombo das Américas, e a nossa expectativa é que em 2014 o projeto ganhe força e a partir do subsídio levanta-
do na primeira etapa ele consiga avançar na articulação de mais comunidades. Especialmente pelo contexto que a gente está entrando, apesar de ainda não haver uma formalização da ONU com relação à Década dos Povos Afrodescendentes, a Década já foi aprovada na OEA, e é um período importante para a articulação dos povos afrorurais. Ainda não existe uma declaração das comunidades afro-rurais, então uma das coisas que foi muito debatida e que foi uma demanda que as comunidades trouxeram ao longo do projeto é exatamente a articulação para a construção desse marco normativo que fortalece os direitos dessas comunidades em todos os países. Obrigada. Paula Balduino Agradecer à Bárbara, obrigada. Registrar a presença da Daniele pela Secretaria Geral Iberoamericana, presença muito querida aqui em vários dias do Festival. A Rosalina vai ter que sair já, já, para pegar o voo, então eu queria fazer pequenas observações aqui, juntando um pouco do que as companheiras falaram e em seguida passar a palavra para vocês, pedir então que vocês priorizem intervenções, perguntas, comentários para
a Rosalina, porque ela vai ter que se ausentar logo em breve. Então em relação ao território, que ambas as 3 palestrantes nos chamaram a atenção, o projeto eu acho que de forma muito acertada ressaltou duas dimensões em relação ao território. A primeira é o reconhecimento da posse ancestral, que as nossas palestrantes aqui falaram do acesso à terra, e a segunda é a questão da soberania alimentar, que são duas dimensões muito juntas da questão territorial, por exemplo, acho que a Bárbara tem razão quando ela fala que o Brasil avançou muito na visibilização das comunidades negras, especialmente das comunidades negras rurais. Por outro lado, a Colômbia, ainda que não reconheça a magnitude da presença negra no estado colombiano, titulou muito mais comunidades proporcionalmente que o Brasil. E isso é impressionante porque o estado colombiano ele é deficitário em inúmeras dimensões, em muitos aspectos mas eles realmente titularam muito mais comunidades lá do que aqui. O Equador, por exemplo, ainda não titulou, mas tem uma legislação em curso que é extremamente interessante, assim, que aponta para um avanço muito grande, que foi comentado no vídeo pelo Dom Salomão, que é 279
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a questão das circunscrições territoriais, então esse é um projeto de lei que está em trâmite no Senado do Equador e se ele for aprovado isso significa a autonomia dos ter-
ritórios, a autonomia política e administrativa. Eles vão funcionar como se fossem municípios, com recursos próprios, com seus próprios gestores, governantes escolhidos pela comunidade, é como se a Associação Quilombola fosse uma prefeitura, mais ou menos isso, esse é o projeto da circunscrição territorial no Equador, que me parece muito interessante, digo isso para apontar que esse diálogo tem muito a enriquecer a todos nós porque existem avanços e dificuldades em caminhos diferentes nos países latinoamericanos em relação a essa questão dos Quilombos, em relação à soberania alimentar, a gente encontra coisas muito parecidas, eu acho, nos vários países entendendo soberania alimentar como mais do que produzir para a sua própria subsistência, mais do que o autoconsumo, entendendo, por exemplo, a questão do comércio, como uma questão importante também da construção da soberania alimentar, um arranjo produtivo que envolve cultivos ali de quintal, coisas que se produz na roça, coisas que se produz para vender e com esse dinheiro se com-
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pram gêneros alimentícios, roupas e tal, que são importantes para a subsistência das famílias Quilombolas. Por exemplo, nessa região do Pacífico que junta o norte do Equador e o sul da Colômbia, as mulheres são protagonistas na questão produtiva e lá como aqui a grande dificuldade está nos atravessadores, que foi comentado também o Quilombo de Empata Viagem em uma experiência muito interessante com o PAA que consegue sair um pouco dessa perversidade dos atravessadores vendendo sua produção pelo programa de aquisição de alimentos. Então lá também um dos grandes gargalos, eu acho que também no Equador, é a questão do comércio, dos atravessadores. Em relação à questão específica de mulheres, vale ressaltar que o território do Vale do Chota, onde o projeto trabalhou, hoje as mulheres desse território estão fazendo um trabalho muito bonito de combate à violência contra a mulher. Junto com uma parceria com a ONU Mulheres, com outros organismos internacionais, elas estão fazendo um debate dentro desse território que agrega 38 comunidades, debatendo a situação de violência contra a mulher, isso também é um tema delicado, mas ao mesmo tempo importante. Eu vou abrir aqui para as intervenções,
vamos ver quem tem perguntas especialmente para a Rosalina, aí a gente segue no debate. Vamos só ver se alguém quer fazer algum comentário para ela? Não? A Juliana. Juliana Bom dia a todas. Queria parabenizar a mesa, falas emocionantes e incríveis que acrescentam muito para a reflexão. Eu queria para a mesa toda, para as palestrantes todas, mas especialmente para a Rosalina, eu ouvi muito todas vocês falarem sobre visibilidade das comunidades quilombolas no Brasil. De que maneira que vocês acreditam que essa visibilidade foi de fato alcançada perante o Estado, se o que a gente percebe é que os meios de comunicação, a mídia tradicional do Brasil não foi parceira nesse sentido. O que foi que motivou essa visibilidade, a força dos movimentos e hoje, de que maneira, Rosalina, você percebe que as redes sociais, a internet, agregam na luta de vocês, já que a mídia tradicional continua no polo oposto. Maria Rosalina dos Santos Quando a gente fala de visibilidade, infelizmente essa visibilidade ainda não está na mídia. Quando a gente fala de visibilidade realmente é que a gente consegue ir para esses espa-
ços. Infelizmente os meios de comunicação ainda não foram feitos para a gente, é um outro desafio é de ocupar esses meios de comunicação, realmente para a visibilidade não ser apenas de notícia, mas ser da nossa própria história. As redes sociais é um meio de comunicação que dá visibilidade, mas nem todas as comunidades quilombolas têm acesso porque esse meio de comunicação ainda não chegou até lá na ponta, quando a gente fala de visibilidade significa dizer a nossa participação, a nossa voz dizer que nós existe e que realmente estamos exigindo respeito, estamos exigindo os nossos direitos efetivados. Infelizmente o tempo é corrido e não dá para gente aprofundar, eu estou vendo, estou indo. Eu vou ficar devendo, espero que vai ter outros momento de debate para a gente aprofundar melhor, detalhar melhor em relação à questão das comunidades quilombolas para o Brasil é agradecer o pouco tempo de debate e é dizer que a Conaq está aberta para convite dessa natureza, a gente sente a necessidade de ocupar esses espaços para a gente ocupar o debate e, claro, construir juntos propostas e alternativas de superar os desafios que está posto na nossa frente, principalmente em relação às ameaças que a gente tem
recebido em relação à questão das leis legais, que dá garantia aos nossos direito, que como a sociedade racista e preconceituosa, ela ignora a nossa existência e não quer ceder esse espaço, devolver o que tirou da gente, então as poucas leis que existem de amparo às comunidades quilombolas estão sendo ameaçada principalmente aqui no Congresso Nacional, no Senado. Agradecer a todos vocês que tiveram essa tolerância de escuta, pedir desculpa por ter que sair rápido, mas dizer que a Conaq, na medida do possível a gente está também divulgando as nossas ações através da internet, através do site, através de email, e que no final vocês podem estar deixando o endereço da Conaq para quem quiser entrar em contato com a gente, infelizmente não vai dar tempo de eu estar anotando essas coisas, mas eu peço à Bárbara que deixe o endereço aí para vocês e muito obrigada, e desculpa também. Juliana Se vocês percebem que essas mobilizações assim das redes sociais pressionam de certa forma o poder público, por exemplo, caso de Rio dos Macacos, se a mobilização que eles conseguiram fazer pela internet deu efeito, apesar da situação continuar complicada em relação 281
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à titulação das terras deles, mas se isso mobiliza os gestores públicos. Paula Balduino Então, Juliana, isso que você menciona eu acho que é muito sintomático porque infelizmente a Rosalina tinha um compromisso na comunidade dela amanhã e o último voo para ela nesse horário agora, próximo. Os Quilombos são constantemente atacados pela grande mídia, os grandes veículos de comunicação, seja televisivos ou impressos, eles, quando abordam a questão Quilombola, abordam sempre na perspectiva dos fazendeiros, dos latifundiários que se sentem violentados, enfim, como se os Quilombos e os povos indígenas fossem uma grande ameaça “às famílias de bem, a quem produz e gera riquezas para o Brasil”. Esse debate do grande capital versus as comunidades tradicionais ele é muito presente e muito violento na grande mídia, obviamente isso rebate constantemente para os órgãos que atuam com essa política. A gente tem vários casos em que a Palmares ficou na berlinda por ter emitido certificação, inclusive, de Rio dos Macacos, a Seppir, o Incra, mas quem de fato é extremamente penalizado são as comunidades Quilombolas, assim, mas a
grande mídia em uma ação, uma atuação muito violenta e aí não é só para as comunidades Quilombolas, mas para a própria população negra, com muita dificuldade se consegue que um ator ou uma atriz negra entrem em cena, o Joelzito tem um documentário que é bem interessante sobre as telenovelas, não sei se vocês já viram, que a presença negra na televisão, especialmente nas telenovelas, ela em geral é acessória, são personagens sem famílias, sem vínculo, em grande maioria exercem funções subalternas, subalternizadas, de fato o debate sobre a democratização dos meios de comunicação eu acho que ele ainda está carente de avançar, especialmente em quem faz os marcos regulatórios no Brasil, que é o Legislativo. Existem alguns projetos de democratização dos meios de comunicação, mas pelos interesses que obviamente estão colocados, não se tem avanços nessa pauta e aí a gente percebe um grande foco de retrocesso e de impedimento da construção de uma consciência crítica, de uma consciência de quem nós somos, os grandes meios de comunicação, enfim, o que você fala das redes sociais, eu acho que elas, de alguma forma, estabelecem uma mudança na forma como as comunicações
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vêm se dando nos últimos tempos, porque é uma fonte totalmente dispersa, hoje todo mundo pode postar vídeos, textos e a amplitude que isso toma, ninguém tem necessariamente a dimensão, tanto que aqui no DF, por exemplo, teve um estudante de 17 anos que começou a chamar algumas das manifestações de junho, você percebe o quanto que as redes sociais elas podem tomar uma dimensão muito maior e de fato elas representam a democratização do acesso à informação. Apesar disso ocorrer, a gente ainda percebe uma dificuldade de acesso à internet, as ferramentas digitais, especialmente pelas comunidades Quilombolas. Tem uma iniciativa que é muito interessante da Rede Mocambos, eu não sei se vocês conhecem, que estimula essa conexão entre as comunidades, mas são iniciativas ainda pontuais, dada a imensa demanda. Com relação ao que você perguntou especificamente de Rio dos Macacos, eu tive até uma reunião com a comunidade há cerca de um mês e meio atrás, mais ou menos, nas reuniões a gente relatou um pouco do histórico da comunidade. Em 2011 eles receberam uma ordem de despejo de trinta dias, teriam que sair de lá, enfim, e eu acho que as vitórias que a mobilização tam-
bém na internet fizeram foram muito consideráveis. De lá para cá eles foram oficializados como comunidades quilombolas pela Fundação Cultural Palmares, foi concluído o relatório de identificação do território, até a VAS(?) fez campanha para Rio dos Macacos, os movimentos sociais, de uma forma muito integrada, pautaram a questão de Rio de Macacos, e a gente percebe, especialmente na comunidade, o fortalecimento imenso das lideranças. Apesar dessa articulação toda com várias organizações, elas pautam as suas demandas, elas estabelecem o diálogo, elas estabelecem a priorização e isso tem trazido para o governo uma demanda premente de solucionar a questão ou pelo menos não dá para botar embaixo do pano e tirar as comunidades de uma forma violenta, o governo está tendo que lidar com essa força de comunicação que a comunidade Rio dos Macacos e os vários movimentos que os apoiam têm trazido para o cotidiano. De fato é uma ferramenta de luta também as mídias sociais.
países citados, Brasil, Equador e Panamá, ou se isso seria uma primeira etapa e que se tenha previsão de estender esse trabalho para outros lugares da América Latina, contemplando San Basílio do Palenque na Colômbia e também a Venezuela, e que tem uma expressão forte afro-rural. Bárbara Oliveira María Elsy, o projeto quando nasceu a Colômbia fazia parte do rol de países onde a gente atuaria. Na época houve uma mudança no Ministério da Cultura da Colômbia e acho que por causa da transição eles tiveram dificuldade de resposta, na primeira etapa aca-
María Elsy Sandoval Comunicadora Social e jornalista da Universidad Central de Bogotá (Tradução Paula Balduino) Pelo que ela nota há uma aliança de defesa dos Quilombos e palenques. Ela entende que a Seppir, que é a entidade encarregada dessa rede de aliança está trabalhando no Brasil, Equador e Panamá. Apesar de que San Basílio do Palenque ganhou um importante reconhecimento por parte do governo nacional, e foi reconhecida pela ONU como patrimônio histórico e cultural. Ela pergunta à Bárbara quais são as condições para que esse trabalho seja, nos 3 283
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bou que a Colômbia não entrou por uma circunstância política local. Só é possível trabalhar nos países quando se estabelece uma relação oficial com os governos, e a gente conseguiu estabelecer com o Panamá e com o Equador, com a Colômbia houve uma dificuldade circunstancial naquele período. Para a segunda etapa, nos diálogos que já foram feitos, existe um interesse muito grande da Colômbia em se integrar ao projeto, mas enfim, para a segunda etapa a ideia é que ele tenha uma articulação maior, que ele envolva mais comunidades e que a pauta dos direitos ela entre com mais força pensando na Década dos Povos Afro-Descendentes, e como se estabelece a articulação das comunidades nesse âmbito internacional, a ideia é que a articulação do projeto ela seja reforçada a partir de 2014 mesmo, enfim, a Colômbia já tem apontado, não só o governo colombiano, mas algumas organizações como a Fundação Acqua, por exemplo, tem apontado interesse grande em apoiar iniciativas de articulação das comunidades quilombolas das Américas, especialmente entre Brasil e Colômbia. A Colômbia sempre esteve no nosso horizonte, a Venezuela também é uma referência nesse debate dos palenques, enfim, a primeira etapa ela refletiu também o tamanho do orçamento e das possibilidades que os parceiros todos tinham para aquele momento específico. Já foi um marco importante porque, como iniciativa de governo, é a primeira iniciativa que se tem de articulação de comunidades afro-rurais nas Américas, pelo menos na perspectiva do Brasil, nesse sentido já é um projeto inovador mas de fato ele demanda uma continuidade que só será possível com o compromisso efetivo dos outros países membros, é muito importante a sua observação, eu conheço o Palenque San Basílio, é incrível a história do Palenque San Basílio. Isso que a Paula coloca é impactante também porque qualquer pessoa que vai para a Colômbia percebe uma presença do exército muito difícil na rua, uma pressão muito
grande. Eu por várias vezes fui revistada de uma forma muito violenta na estrada, assim, e tem os paramilitares que desempenham um papel muito difícil de violação, inclusive dos movimentos sociais, no período que eu fui lá teve uma professora que foi assassinada pelos paramilitares ali próximo à Cartagena, isso é muito marcante, não que aqui não seja, aqui também é, mas enfim, a configuração é um pouco diferente. Então você percebe uma relação do Estado Nacional difícil com os palenques, por outro lado, isso que a Paula coloca é sintomático porque a efetivação do direito, né, que é o reconhecimento do território, na Colômbia avançou muito mais. No Brasil, a gente tem cerca de um milhão de hectares regularizados para comunidades Quilombolas. Na Colômbia nós temos 5 milhões. A Colômbia tem um número de comunidades afro-rurais muito menor do que o Brasil, é escandaloso o avanço do Brasil, é muito pequeno, entendeu, dado a dimensão das comunidades quilombolas no Brasil. Por isso que esse intercâmbio é muito interessante, quais são as estratégias de luta que os palenques na Colômbia estabeleceram, como é que é a relação com o Estado Nacional? O Palenque San Basílio, o reconhecimento que eles tiveram com o patrimônio cultural foi um processo de luta da comunidade, a comunidade ela preserva até hoje o palenqueiro, eles falam palenqueiro, tem uma organização da comunidade interessantíssimo. Eu acho que Palenque San Basílio de fato é uma referência muito importante e é uma honra estar uma afro-colombiana aqui trazendo essa lembrança do Palenque San Basílio. Participante não identificada Bom, queria registrar aqui a presença da Silvany Euclênio, que é Secretária de Comunidades Tradicionais da Seppir, e agradecer, a Bárbara está aqui representando a Seppir, mas também agradecer à Silvany pelo
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apoio na organização dessa mesa, desse debate. Queria perguntar se alguém tem mais... o pessoal de Mesquita não quer perguntar ou comentar nada? Participante não identificado A Seppir também como é grande parceiro nosso, junto com a Conaq, e o processo nosso, nós estamos na barba do poder, como a Bárbara sempre refere Mesquita como nós estamos na barba do poder, acho que não é por ser melhor do que ninguém, mas o processo nosso está bem parado também, somos alvo de muitas especulação imobiliária, aquele processo todo, condomínios de luxo na comunidade, aquela coisa toda. Mas assim, se vocês sabem como anda o processo, eu pessoalmente não tenho acompanhado o Incra como anda o processo, sobre nossa titularização na verdade, porque eu acho que o tempo certo é esse. Eu acho que o Brasil está com todos os avanços, inclusive o movimento negro, inclusive, mas assim, de fato a gente precisa saber também, eu acho que em primeiro lugar parabenizar, eu estou um pouco ofegante aqui, é claro, mas assim, parabenizar pelo evento e saber o processo da nossa comunidade, porque nós estamos praticamente no DF, então é uma proteção, nós precisamos dessa proteção, que é a nossa titularização, eu acho que a comunidade vem sofrendo grandes perdas aí com o passar do tempo e cada vez perdendo mais mas a gente quer estar assegurado. Eu não sei se a Bárbara está informada de como anda a nossa situação de Mesquita.
Bárbara Oliveira Mesquita de fato é uma comunidade que está aqui colada no DF, na Cidade Ocidental. Eu fui a Mesquita pela primeira vez num festejo de vocês, tem uma organização comunitária super interessante e essa coisa que eu estava falando da segurança alimentar é importante em Mesquita, tanto que um dos símbolos da comunidade é a marmelada, o marmelo, e o preparo do marmelo que é coletivo. Mesquita de fato é uma comunidade 285
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bem emblemática. Ali próximo a Mesquita, seguindo no território a gente tem diversos fazendeiros e alguns deles com bastante poderio político, digamos assim, o que dificulta muito, são essas contradições do Estado Brasileiro na efetivação dos direitos da população negra, porque é isso, a efetivação do título ou a demora por outros interesses não reflete anda além do racismo institucional. Eu não posso te passar em detalhes, assim, mas já tem o RTID publicado, falta a portaria, não é isso? Eu acho que tem que ser de fato um diálogo direto com a Presidência do Incra, a Conaq tem feito alguns diálogos diretamente com a Presidência, tem um monitoramento dos processos, a Sandra, como representante de Mesquita nesse processo ela está acompanhando isso, mais detalhes eu não tenho como passar agora, mas só queria ressaltar a importância desse monitoramento contínuo da Conaq nesse processo não só de Mesquita mas dos outros Quilombos. Paula Balduino É, eu acho que isso que a Bárbara fala é bem importante, a Carol está na Secretaria da Conaq trabalhando lá também e eu acho que essa dobradinha aí da Associação com a Conaq é possível demandar diretamente da Presidência do
Incra sim, ocês têm a possibilidade de pedir uma reunião com o presidente para falar sobre o caso, enfim, eu acho que aproveitando justamente a proximidade do DF, a incidência tem que ser contínua e um pouco ostensiva também, eu acho, para funcionar. Tem uma pergunta ali. Participante não identificado Da divulgação que a moça levantou sobre redes sociais, eu queria saber da posição da organização do Festival, como é que foi a divulgação em termos de mídia, grande mídia, e a repercussão dessa divulgação, repercussão da coberta, eu sou jornalista, vi muito pouco divulgado, como é que vocês percebem se todo esse movimento que houve em junho repercutiu de alguma forma aqui no Festival. Se houve alguma repercussão do movimento das redes sociais aqui no Festival, porque a gente percebe que a participação não foi tão intensa, lembrando que naquela época teve também aquele movimento lá no Rio, no Quilombo lá da Lagoa, eu não sei o nome, que foi bem paralelo, foi bem simultâneo, assim, com todo esse movimento. Paula Balduino Aqui pelo Latinidades a gente tem uma Assessoria de Comunicação
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que cuida dessa parte de divulgação midiática, a gente usa bastante as redes sociais, então o Festival tem um perfil, por exemplo, no Facebook, onde a gente divulga a programação, faz chamadas a partir das atrações culturais, tem cerca de dois meses que têm sido feitas chamadas nos veículos da rede social, veículos de mídia como o Facebook e outros, e esse ano eu acho que a gente avançou bastante na questão da cobertura com a mídia mais ampla. A gente teve presença aqui do SBT, da Rede Telesul, que entrevistou nossas palestrantes, nossas convidadas, acredito que o quórum de participação é muito variado. Por exemplo, essa mesa de hoje a gente teve um quórum baixo, ontem na mesa da capoeira, por exemplo, estava muito cheio. Eu acho que isso tem a ver também com a capacidade das pessoas interessadas nos debates de se mobilizarem, como a gente está aqui debatendo a questão Quilombola, Mesquita é uma das comunidades quilombolas que tem próximo ao DF, mas muitos outros Quilombos não estão aqui próximos e então eu acho que também tem um pouco a ver com isso. Já a questão da capoeira Angola que tem um grande público praticante no Distrito Federal, ficou muito cheio. Então eu não atribuo essa questão do quórum, não atribuo
isso à capacidade ou incapacidade de divulgação, acho que é sempre um desafio, além do que é um festival de mulheres negras, são temas marginais, a gente está na marginalidade, o que não significa que a gente não esteja atuando ou protagonizando processos como a Ministra falou aqui na abertura. Ela falou exatamente isso, a Ministra Luiza Bairros, ela falou sobre o lugar da margem como uma mirada privilegiada, e não uma condição de vitimização. Eu acho que aqui a estrutura do Festival um pouco reflete isso, não sei se as meninas querem complementar alguma coisa? Participante não identificada Só para informar, já que ele falou das mobilizações anteriores em redes sociais, que os movimentos negros no DF estão se mobilizando, criamos uma campanha chamada A Cor da Marcha, exatamente fazendo esse trocadilho, A Cor da Marcha, Acorda Marcha, para linkar também a questão racial em todas essas mobilizações, não deixar de trazer esse recorte, não deixar de trazer esse olhar para essas mobilizações que estão ocorrendo. E a gente está com atuação nas redes sociais, sobretudo no Facebook, tem lá A Cor da Marcha, quase todos os dias ou todos os dias se publicam textos próprios,
posicionamentos, por exemplo, recentemente o posicionamento em relação ao PL da... como se chama? Auto de Resistência. Enfim, estamos atuando também nas redes sociais para além da atuação de cada coletivo. Cada coletivo, se você for buscar, o Pretas Candangas também tem atuação em blog, em Facebook, tem as blogueiras negras que a gente também tem parceria com elas. Então não estamos paradas, estamos atuantes sim.
Turbantes, o movimento quilombola de que a gente já estava acordado há muito tempo, estava na rua, na caminhada há longa data é um pouco nessa perspectiva, não é desmerecendo as mobilizações que aconteceram em junho, que elas vão render quilos de teses e dissertações, mas em busca de entender o que aconteceu, porque está todo mundo assim ainda meio perdido mas eu acho que para gente a luta não é nova.
Participante não identificada Não, uma coisa que eu acho importante, além disso que a Paula ressaltou, por exemplo, esse debate aqui tem um baixo quórum porque as comunidades quilombolas estão mais distanciadas, é também uma dificuldade muito grande da sociedade, por todos os motivos que foram colocados, de se identificar, solidarizar e vir junto nessa luta, você vê a comunidade quilombola, ontem mesmo, na manifestação que teve em Recife, no Rio, e tal, presente, mas quando a gente vai fazer uma marcha quilombola na Esplanada, quem faz marcha contra a corrupção não chega junto, por que, isso não é uma coisa à toa, é um recorte de raça, de classe, de interesse, de perspectiva de sociedade e de luta. Então quando a gente fala A Cor da Marcha, a Revolta dos
Paula Balduino E assim, só para complementar nesse cenário de mobilizações mais recentes, eu acho que é um momento muito rico e que já rendeu alguns espaços de visiblidade importantes. Então, por exemplo, setores dos movimentos negros do Brasil tiveram recentemente uma reunião com a Presidência da República, com a própria Presidenta, uma das nossas companheiras Preta Candanga estava nessa reunião. E isso eu acho que é fruto já desse esforço de mobilização e especialmente de um esforço dos movimentos negros de fazer o recorte racial dentro das pautas mais amplas de mobilização social. Participante não identificado Eu não sou ligado diretamente ao movimento e não tenho uma atua287
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ção direta nisso, mas pelo que acompanho vem melhorando bastante a atuação do governo e todo esse intercâmbio que tem resultado no Festival e em outras iniciativas, eu estava preocupado realmente em saber qual a repercussão, eu procuro entender o que está acontecendo, o que esses movimentos estão de fato representando para o país, fico preocupado, essa pulverização me preocupa muito, e o que eu vejo é que o Festival não tem uma representação muito grande dessa participação que houve tão intensa há menos de um mês aqui em Brasília. Estamos num mês de férias, o pessoal podia estar participando aqui, não participou como poderia estar participando. Eu lamento muito. Paula Balduino Eu tenho que discordar, eu acho que tem uma participação interessante. Eu não sei se você veio nas outras atividades do Festival. É, então. No final de semana as oficinas tiveram um quórum super grande. Eu acho que depende muito, vou repetir o que eu falei, os interesses das pessoas, o que
elas buscam no Festival. Eu acho que uma coisa, por exemplo, legal do Latinidades é que ele agrega um esforço reflexivo com um esforço de diversão, o componente cultural é muito importante. Eu acho que isso é super importante para chamar pessoas que não estão necessariamente num ambiente de militância, no ambiente do ativismo. Ao mesmo tempo, as atividades culturais não são carentes de dimensão política, a gente tem uma proposta de agregar cultura e política. Então no final de semana teve oficina de penteados afro, com 60 pessoas participando. Agora esse fim de semana a gente tem rodas de break, começa hoje à noite, tem basquete de rua, amanhã tem uma programação voltada para o público infantil porque grande parte das mulheres negras são mães, isso também eu acho que é uma questão que se coloca, a gente vem tentando a cada ano fazer uma programação que permita que as pessoas que nos interessam estejam aqui. As mesas de manhã são sempre mesas mais esvaziadas, especialmente durante a semana porque as pessoas
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estão trabalhando, as mesas de tarde, quando começa às 4, em geral têm um quórum maior porque o pessoal consegue fugir do trabalho e vir participar. No final de semana tem uma participação muito grande, como as meninas colocaram, boa parte do nosso público que está aqui é o público envolvido com essas manifestações. Então a campanha A Cor da Marcha está em peso participando aqui das atividades, pessoas de vários coletivos, enfim, eu acho que sempre é um desafio, trazer pessoas sempre é um desafio, eu entendo. Queria passar para as nossas palestrantes para elas darem uma palavra final. Primeiro agradeço muito a presença delas aqui, foi um prazer, como sempre. Tatiana Silva Queria agradecer mais uma vez o convite, a acolhida do Latinidades, sempre há discussão, ao trabalho que o Ipea tem realizado, na segunda-feira em relação ao lançamento, que foi bastante prestigiado tanto a mesa de abertura como o lançamento e até hoje a gente houve “ah, que pena que a gente não
pôde estar lá”, muitas pessoas que não tiveram essa oportunidade, e desejar a todos ainda boas discussões, ainda temos uma mesa à tarde, boas atividades culturais, nos colocar à disposição tanto do Festival, como do público, como do projeto Quilombo das Américas e mais uma vez agradecer a oportunidade. Bárbara Oliveira A Seppir também agradece imensamente a Griô Produções, a coordenação toda do Latinidades, às Pretas Candangas, a Seppir DF mais uma vez pelo apoio, a Conaq, a comunidade de Mesquita que esteve aqui presente. Dizer que esse projeto só foi possível a partir dessa interlocução com a Conaq e com os demais parceiros como o Ipea, a gente espera que a oficialização da Década dos Povos Afrodescendentes na ONU traga um novo panorama para as comunidades afro-rurais e o fortalecimento desse debate é fundamental nesse sentido, a oportunidade de debater esse tema é sempre muito rica. Obrigada.
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M oda A fro Makota Kinsendembu Mediadora Madalena Bispo Mada Negrif (BA) Boa tarde, gente. Mada, mais conhecida assim como Negrif porque hoje eu tenho uma marca que trabalha, eu sou de Salvador, a marca está se expandindo a partir de Salvador, mas tenho alcançado outros polos, inclusive estar aqui significa isso, a expansão da Negrif. Eu sou design de moda, minha especialização é gestão e produção de eventos porque eu acredito assim, a moda para mim é algo que tem movimento, a Negrif é algo que tem movimento. Dentro da marca Negrif eu tenho vários eventos, eu tenho a sexta das pretas que acontece dentro da loja, eu tenho a sexta do amarelo. Moda para mim, essa coisa de lidar com roupa para mim significa movimento. Depois eu falo mais um pouquinho. Conceição Versesi Projeto BotuÁfrica (SP) Meu nome é Conceição, eu sou de Botucatu, estado de São Paulo, eu vim contribuir um pouquinho com a nossa experiência com essa VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
e empreendedorismo
relação de moda e de empreendedorismo através da prefeitura municipal de Botucatu. Eu sou Assessora de Promoção da Igualdade Racial na cidade de Botucatu, nós tivemos uma experiência muito legal lá enquanto política pública e gostaríamos de compartilhar com vocês. Samantha J (Nigéria / Grã Bretanha) Tradução simultânea por: Aline Maia Olá, boa tarde. Meu nome é Samantha J. Eu vim de Londres, do Reino Unido. Tenho uma marca de moda que é conhecida como Samantha J. Comecei essa empresa dela há 4 anos. Minha família é da Nigéria, mas nasci na Inglaterra. Meu objetivo com a marca é fazer com que a estampa africana fosse comum dentro da sociedade britânica. Meus pais nasceram na Nigéria e faço parte da primeira geração da nossa família nascida na Inglaterra, em Londres. Madalena Bispo Como falei, eu sou filha de costureira e aí eu levei muito tempo para saber o que eu queria saber enquanto academia, eu vivia em
meio às máquinas, os tecidos que era o ambiente da minha casa, mas eu não pensava em fazer pedagogia, medicina, engenharia, nada disso, eu levei um tempo para poder entrar na faculdade que foi justamente quando surgiu o curso de moda em Salvador, então eu disse é agora, aí comecei a fazer o curso e foi justamente um período assim... minha mãe faleceu, na verdade não teve esse prazer que era uma vontade dela porque com 60 anos minha mãe ainda estava estudando, concluindo o 2º grau, mas na verdade ela sempre levou a caminhada dela trabalhando ali, costurando e ela era funcionária pública e sempre deu para gente, eu tenho mais dois irmãos, escola particular, uma boa educação. Então assim, ela não era uma mulher negra militante, mas ela era uma mulher que queria que a gente aprendesse a se colocar. Desde pequena se hoje eu pego a minha foto da alfabetização eu vejo que eu era a única negra no meio de todos os brancos que estavam ali, ela sempre quis dar para gente uma educação, a gente sempre estudou em escola particular e essa coisa de andar com a cabeça erguida. Acho que hoje estar aqui 291
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sentada, falando para vocês, na verdade, é um presente assim para ela que não alcançou o que hoje a filha dela vem alcançando. Eu comecei na verdade como sacoleira, sabe, eu comecei a produzir moda acho que por instinto, eu não tinha formação acadêmica e a gente sabe que tem muita gente no mercado que é assim, que é autodidata, então eu comecei a criar, eu acho que isso,
com o que eu já trazia no meu subconsciente que eu vivi nesse ambiente de máquina, de linhas, de agulhas, então eu comecei a dizer “Não, eu quero assim” porque eu não tinha o hábito de comprar roupa pronta, a gente não tinha aquela ideia “ah, vamos pro shopping, vamos para isso” não, as roupas eram feitas dentro de casa. Um dia quando eu resolvi fazer algo, eu pelo menos sabia “Não, isso aqui é modelagem de uma calça, mas eu não quero esse bolso, va-
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mos desconstruir, vamos fazer uma coisa diferente”. Eu acho que a Negrife é isso. Eu hoje tenho uma marca que o meu maior ponto de vendas é através do Facebook, eu hoje tenho uma loja e essa loja não fica num ponto em que eu atenda um público passante. O público que vai à minha loja vai por conta do que eu divulgo no Facebook, eu tenho 5 mil amigos e na minha fanpage hoje eu tenho mais de 11 mil pessoas e a cada dia que eu abro a página tem 30, 40, 50 pessoas pedindo para adicionar. É como eu falei, ter chegado até aqui é justamente isso, é a forma em que a Negrife vem se espalhando pelo Brasil e até pelo mundo. Eu já tinha clientes aqui em Brasília, tem gente aqui na plateia que já tem roupa minha e por esse contato, Facebook, “não, eu estou vendo, eu quero, como é, você envia esse tamanho”. Então foi um crescimento, a rede social proporcionou um crescimento que eu não esperava porque eu comecei assim tudo muito lentamente, eu não tinha essa ambição de ter uma loja, não era um grande desejo, como eu falei no início, moda para mim, essa coisa de lidar com o público para mim significa movimento, eu não queria uma loja em que eu ficasse atrás do balcão e o cliente, isso para mim não era o que
eu esperava. Eu queria ter uma casa que pudesse ser um centro cultural, que nela rolasse gastronomia, música, eu termino fazendo isso dentro do espaço da minha loja, eu termino fazendo essa construção, eu venho conseguindo hoje num espaço pequeno eu consigo. O dia em que eu resolvi abrir uma loja foi esse impulso veio por necessidade, eu coordenava um curso de moda afro numa ONG e aí essa ONG fechou e quando essa ONG fechou foi justamente quando o meu pai faleceu e meu pai detinha as contas maiores da casa, aí o curso fechou, eu coordenava o curso e eu tinha meu salário, mas mesmo assim eu era sacoleira para complementar a renda.. Eu resolvi mesmo com medo alugar uma loja, aí eu disse “eu vou levar um puff, vou tirar o puff da minha sala, vou levar um puff e uma arara e vou entrar” eu já tenho 1 ano e meio nessa loja e é difícil um dia que eu saia de zero Quando o curso de moda chegou em Salvador eu resolvi fazer, primeiro eu fiz Senac, produção de moda e estilismo, aí eu sou formada pelo Senac, quando abriu uma faculdade eu me graduei em design de moda, fiz um curso de 4 anos, mas ao estar na faculdade como se eu estivesse aqui apresentando o trabalho para vocês, eu ouvi “você
é preconceituosa porque você só quer falar de negro”, “mas por que eu sou preconceituosa? Eu tenho que falar do padrão europeu? Eu tenho que falar de Gisele Bündchen o tempo todo? Porque vocês fazem isso eu tenho que fazer igual? Não. Eu quero ter a minha identidade, eu quero ter o meu produto. E aí olhando para trás elas hoje estão trabalhando em loja de shopping como vendedoras, elas cursaram a faculdade, mas na verdade elas não tinham um objetivo, não tinham, sabe, um ideal, então elas ficaram para trás e eu ouvi isso. “Você é preconceituosa porque você só faz trabalho falando de negro”. Eu disse “Não, é porque eu quero criar uma identidade. Roupa comum você encontra em qualquer esquina” e não era isso que eu queria, tanto que eu não gostava de trabalhar com malha porque malha para mim sempre foi uma coisa comum, é modinha, é o que você encontra em qualquer esquina. E aí eu disse “Não, malha não, tem que ser tecido plano porque aí dá para você fazer várias intervenções e tal”. Mas um dia eu disse “Não, é possível modificar a malha”. E aí eu comecei a trabalhar com minhas estampas que são essas estampas que estão aqui, uma delas essa que está aqui no meu vestido e depois eu vou
mostrar outras estampas para vocês. Hoje eu tenho mais de 40 estampas que são estampas de mulheres negras que eu vou variando o tipo de cabelo, é cabelo rastafári, é cabalo black, é com turbante, eu tenho São Jorge black, eu fiz a minha releitura em cima da moda. Eu acho que isso na verdade foi algo que deu certo, que tem dado certo, porque para mim o comum não adiantaria eu ter caminhado tanto para fazer o que tava em cada esquina, para trabalhar com a malha ou mesmo com moda como estava em cada esquina, então isso não me interessava. E aí a minha intenção era essa, alcançar o diferente, era misturar, tanto que assim, o meu trabalho de graduação eu fiz em cima do tecido de algodão cru, de comprar mesmo o pano de chão e abrir aquele pano de chão e fazer uma roupa. Então eu digo que é um tecido que vai estar no meu banheiro e no meu guarda-roupa porque eu sou capaz de transformar ele para ir para qualquer evento. O que eu gosto é disso, de você experimentar e de você poder inovar mesmo, descobrir. Essa coisa do algodão foi o meu trabalho de graduação foi feito em cima disso, eu misturo ele, eu estampo, eu trabalho muito assim, a minha preferência é trabalhar com tecido 100% algodão, seja tri293
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coline, seja malha 100% algodão. Com isso eu venho alcançando essa coisa de venda, é como se a gente vai matar um leão a cada dia. Tudo acontece por que, porque ao longo do tempo a gente vai criando estratégias, então essa coisa de fotografar e postar no Facebook isso na verdade terminou sendo o meu cartão de visita, a minha venda parte disso aí. Eu não faço uma coleção como geralmente as grifes elas fazem, outono inverno, primavera verão, não, eu produzo pouco e produzo toda semana. Então se você chegar na minha loja toda semana você vai encontrar peças novas porque eu vou produzindo aos poucos, mas sempre levando novidades, isso aí é algo que atrai o cliente, porque se o cliente volta aí ele pode ter um evento amanhã. E aí? Se ele resolve procurar a Negrife “ah não, só tem o que eu vi semana passada, só vai chegar nova daqui a 1 mês, 2 meses”, não, hoje é sexta-feira, a gente faz sempre esse anúncio, dia de sexta-feira tem roupa nova, então provavelmente agora a loja deve ter clientes que estão lá buscando essas novidades. Eu dividi, trouxe algumas coisas aqui para Brasília porque é como eu falei, eu tenho clientes aqui, então já que eu viria para cá eu teria que trazer produtos. Eu trouxe algumas peças para
cá e separei uma parte da produção para ir para loja também, você vai ganhando no mercado suas características, essa característica de estar fotografando, as pessoas já chegam na loja dizendo “eu quero aquela que eu vi” ou as pessoas quando mandam uma mensagem “Não, eu quero aquela que está na foto, eu quero assim, meu tamanho é esse”. A minha caminhada enquanto empreendedora está sendo feita desta forma, as minhas maiores vendas saem através do Facebook, apesar de que eu ainda tenho que caminhar. Eu recebi há 15 dias um grupo de pesquisadores americanos que estavam justamente pesquisando estética negra e eles foram na loja e me disseram “você pode entrar nos Estados Unidos facilmente. Seu produto lá vai ter uma boa aceitação, mas você precisa de um site, você precisa de um bom site”. Então assim, lógico, eu vim dessa visão sacoleira, mas graças a Deus eu fui para academia, então a academia me deu essa coisa de pesquisa, de outros olhares, de outras dimensões. Esse passo de ter um site, de ter uma loja virtual, isso se faz claro a cada dia pela demanda mesmo que a marca vem tendo, eu preciso na verdade alcançar esse novo passo.
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O medo de abrir uma loja, de você ter o compromisso com um aluguel. provavelmente não terei necessidade de passar porque venho expandindo, venho amadurecendo, venho entendendo o que é o mercado, como é que ele funciona. Então essa coisa dessa estratégia de você produzir pouco, não preciso ter estoque, eu não tenho estoque, e o que eu produzo em tecido plano eu produzo uma peça de cada. O que eu produzo em malha eu vou variando de acordo com as minhas estampas, mas como eu tenho hoje mais de 40 estampas, eu vou distribuindo isso que às vezes até é difícil você encontrar 2 peças iguais. Eu faço o mesmo modelo, por exemplo, eu faço o mesmo modelo, mas ele sempre vai ter uma estampa diferente ou alguma interferência, seja um bolso, minhas roupas também têm características de ter bolsos, mas bolsos muito grandes, bolsos diferenciados. Eu sempre misturo, misturo caça, misturo tecido estampado, então, sabe, eu acho que isso não esgota. Esse poder de você está criando, de você estar inovando não esgota. E aí como eu falei essa coisa da loja ela vem a cada dia me dando novas ideias. Um dia de domingo eu estava no face e eu tinha fotografado um vestido amarelo e aí eu estou vendo não sei quantos “curtir” naquele vestido. Eu digo “Poxa, o povo en-
louquece por amarelo”. E aí, sexta do amarelo, lancei no face a sexta do amarelo. E as mulheres vão lá “ah, eu quero, eu quero. Que dia é? E vamos e vamos” por que as pessoas gostam mesmo do amarelo por conta do tom de pele e tal então eu criei a sexta do amarelo. Foi um dia em que eu levei uma quantidade maior de peças amarelas para loja e deu super certo porque todos os dias tem gente, não tem peça amarela, então é assim é a cor mais procurada. Tem muita gente que procura branco, até por conta de religião, mas o amarelo enquanto, eu acho, que paixão ele até bate no vermelho porque as pessoas gostam do tom amarelo. Criei o desfile infantil Negrife, eu desenvolvi estampas infantis e aí era uma coisa que eu tinha pensado em produzir no corredor da minha loja. Eu digo “Não, 15 crianças, os pais na escada e a gente faz”. Eu tive mais de 1500 crianças inscritas no face. Gente me ligando de outros estados e perguntando “vocês são agência? Eu quero inscrever meu filho. Como é?”. E eu tive gente que foi pro desfile que não morava em Salvador, morava em outras cidades e mesmo assim levou o filho. Foi um sucesso, eu levei o desfile para uma praça no Pelourinho, eu tinha pensado em fazer o desfile com 10 crianças, na verdade fiz com 20, produzi uma coleção infantil que na verdade foi difícil parir essa coleção infantil porque eu ficava pensando “lacinho, moranguinho, bonequinho” isso era o comum e lógico que minha coleção infantil também não poderia ser comum. E aí um dia eu disse “Não, eu posso trabalhar as mesmas estampas ou a mesma explosão de estampas que eu trabalho para o adulto, só que com um ar infantil” e na verdade deu certo. Além de criar estampas, eu fiz uma coleção e o resultado foi que as crianças saíam da passarela e já iam para casa com as roupas porque as mães compraram as roupas e eu tinha feito camisetas e as pessoas chegavam no desfile tiravam as camisetas que os filhos tinham ido e compravam as camisetas com estampas que na verdade eram estampas diferenciadas, estampas de crianças com black power, com outras propostas e as mães compravam as camisas para vestir nos filhos. Agora eu estou pensando na segunda edição desse desfile infantil que teve um resultado muito positivo. O ingresso era um brinquedo em que eu doei para instituições e na verdade eu nunca tinha feito esse trabalho voluntário assim de você ir a uma instituição de conhecer e foi uma coisa que assim para mim teve um valor muito grande. 295
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Eu acho que a gente assim enquanto empreendedor essa coisa hoje em dia de estoque, de você trabalhar com estoque com a quantidade grande para ficar ali não, porque a cada dia eu recebo clientes novos. Eu preciso estar olhando para esse cliente para poder saber o que ele quer. Hoje eu produzo roupas do PP ao GG e tem gente às vezes é XG e é uma roupa em que as pessoas dizem “Poxa que legal que a gente não ficou parecendo um saco de batatas”. Então é assim, a Negrife na verdade é isso, ela vem trilhando aí a caminhada dela desta forma, sempre com movimento e inovação. Conceição Versesi A nossa experiência em Botucatu tem sido assim muito gratificante. Na verdade, o projeto BotuÁfrica surgiu em Botucatu com uma proposta de fazer uma atividade diferenciada no dia da consciência negra. Eu vim do movimento negro e o movimento negro lá batalhou muito, acho que desde 45, 1942, 45 já existiam as entidades, mas a cidade só tinha uma entidade que era a União Cultural Negra e o movimento algumas ações, mas muito tímidas, e cada um na sua distante. Política pública, esse debate de política pública, conferência era totalmente desconhecido, quando nós assumimos a direção de uma entidade, logo em seguida nós já organizamos as conferências municipais e daí por pressão da conferência criou organismo da prefeitura municipal de Botucatu que é assessoria de políticas de promoção da igualdade e ações afirmativas. A partir daí então eu sentei com o pessoal, nós VI Latinidades - Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha
começamos a trabalhar o plano municipal, as atividades, enfim, todas as ações que envolviam a população negra e que precisavam urgente de uma ação política, de uma ação de governo, mesmo porque na ocasião, vocês podem até ficar chocados, mas eu preciso dizer que na ocasião o único trabalho que existia com relação à população negra era feita através da Secretaria municipal de Segurança e aquilo para mim era uma mensagem muito ruim, aquilo para mim gritava e houve a sensibilidade também do prefeito de que isso precisava mudar, enfim, resumindo nós tínhamos que fazer um projeto ali rápido que pudesse dar visibilidade, que pudesse ao mesmo tempo atrair o movimento negro porque como eu disse estava espalhado, desanimado, desarticulado e que ao mesmo tempo fizesse a diferença. Era muita coisa, era muita situação ali para dar conta, aí conversando com algumas pessoas que já estão aí na estrada caminhando há muito tempo nós pensamos então no projeto BotuÁfrica, conversamos com os parceiros, o Instituto Botucatu se aproximou e identificou os profissionais que poderiam nos ajudar nesse processo e aí nós criamos então o projeto BotuÁfrica que na verdade trabalha oficinas de estamparia. Essas
oficinas são divididas em etapas e essas etapas são assim: nós temos a primeira etapa onde nós passamos noção de África, as conquistas da população negra, aquele todo trabalho de autoafirmação, das pessoas se autoidentificarem porque Botucatu é uma cidade formada por imigrantes italianos e portugueses, então a população negra que tem ela é muito reservada, ela é tímida e acha que o que ela faz não é bonito e não interessa em alguns aspectos. A gente tinha que ter todo esse trabalhar e as oficinas a primeira parte das oficinas era justamente isso. Nós criamos um momento de desfile, de exposição, as pessoas que vão para as oficinas, as mulheres, alguns rapazes que vão pras oficinas necessariamente não sabem desenhar, mas a proposta é assim, diga, faça um desenho que represente alguma coisa para você e que te reporte à África e aí as criações são as mais diversas possíveis e são lindas. A partir desse desenho se trabalha a estamparia, o conceito de estamparia o que é, depois vai para estamparia, vai para cortar as máscaras de estêncil porque é uma prática artesanal muito simples, barata, as pessoas podem fazer em casa, vamos dizer assim, a riqueza do trabalho está na padronagem naquela perfeição que a pessoa vai
buscar para deixar o trabalho bonito. Essa é a diferença. Enfim, eu estou falando bem rapidinho para resumir. E com isso nós tivemos um trabalho maravilhoso, acabamos fazendo exposição no Museu de Arte Contemporânea, aí o resultado foi marcar a segunda edição. Nós marcamos a segunda edição, só que aí a segunda edição veio com a seguinte proposta, nós vamos realizar em bairros. Nós fizemos 2 oficinas, procuramos os bairros onde tinha a maior população, a maior concentração da população negra e levamos as oficinas para esses bairros e em 4 meses, em 2 bairros diferentes, nós identificamos as pessoas que tinham ali as habilidades e as características e aí em um bairro nós identificamos um grupo mais cultural, mais voltado para parte de dança e tudo mais e no outro as mulheres mais preocupadas com a confecção, isso foi legal porque nós conseguimos juntar tudo isso depois no resultado final. E aí as meninas daquele bairro que tinham um grupo de dança elas fizeram as suas estampas, fizeram as suas roupas e se apresentaram e as mulheres que já eram um pouquinho mais recatadinhas um pouquinho fizeram seus produtos, as sacolas, os vestidos aqui que um deles eu estou usando, enfim, a 297
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gente conseguiu perceber também as características das pessoas que estavam passando pelo projeto e acabamos direcionando para que cada um pudesse fazer aquilo que realmente iria abraçar. O espaço público é muito difícil e para o movimento negro, eu sei, a gente tem essa questão aí eu ouvi muito isso de manhã, a questão da vulnerabilidade, do racismo institucional, mas toda a máquina pública ela é extremamente fechada para algumas questões. Os questionamentos eram “mas precisa tudo
isso, mas precisa fazer isso, mas será que as pessoas vão gostar?” e o que eu queria é que assim a valorização e a identidade da cultura africana tivesse o mesmo nível, estivesse no mesmo patamar, estivesse naquele mesmo espaço de visitação, de veneração, vamos colocar assim, como tem as outras culturas europeias. Eu queria que as nossas coisas, eu vou colocar assim dessa forma, estivessem nos mesmos lugares, que a referência e a reverência que as pessoas tinham pela sua cultura japonesa, pela sua cultura italiana, pela sua cultura portuguesa, que as pessoas em Bot-
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ucatu tivesse esse olhar também e que as pessoas vissem o continente africano realmente como parte da população de Botucatu, que Botucatu não era formada só por imigrantes italianos, portugueses, mas que era formada por uma população negra e o BotuÁfrica foi perfeito nesse sentido porque o resultado foi uma exposição fotográfica que vocês vão conhecer através do documentário, estamos fazendo essas exposições constantemente, as meninas, eu falo meninas, são senhoras, as mulheres que têm passado pelo projeto elas têm se apropriado, elas viram assim “Puxa, eu não tenho estudo, não tenho nada, mas o meu desenho ficou bonito,
eu posso fazer isso” e pode fazer em casa com os filhos ali por perto a qualquer momento. Existe sempre as pessoas que se destacam, os meninos que fizeram o documentário para gente também são pessoas que acabaram se destacando nesse processo e logo, enquanto gestora ali da prefeitura, eu consegui inseri-los nessa questão de prestação de serviços, de valorização também do trabalho deles e de reconhecimento. Então, envolveu hip hop, envolveu capoeira, envolveu uma série de grupos lá e isso foi muito legal. Recentemente nós tivemos alguns convites, algumas propostas, né, e no início desse ano nós comercializamos cerca de, eu não vou recordar agora, nós conseguimos comercializar, o grupo, não a prefeitura, porque os grupos são associações agora que gerenciam essa comercialização, eles exportaram para o Japão e lá no Japão houve uma pessoa que veio, ela conheceu o trabalho em Botucatu e lá no Japão ela fez o mesmo trabalho que a gente fez da exposição, de mostrar as fotos e todos os processos, então elas estão comercializando diretamente para o Japão. Estamos também em contato com Los Angeles porque há ali um interesse na comercialização dos produtos, mas aí o canal é direto do
grupo, nesse momento a prefeitura não interfere mais, o contato, o canal é direto e existem mulheres que passaram pelo processo, pelas oficinas e estão comercializando diretamente com alguns fornecedores. Então, todas essas dificuldades que muitas vezes o movimento negro enfrenta e que nós enfrentamos porque uma coisa é você estar no movimento negro e outra coisa é você mudar de lado e ir para máquina do governo e ver que as coisas não são assim, não são um mar de rosas, é tudo tão simples, você não vai conseguir fazer tudo que você sempre quis fazer. Então você vai para sua formação, para sua capacitação e eu sempre reforço isso que o combate racismo institucional que a gente sabe que tem por aí é competência no sentido de compete a quem fazer o quê então é competência e eficiência porque sem essas ferramentas a nossa voz fica meio que no eco. É preciso ter essa direção bem centrada de que você está ali para fazer a diferença e não para fazer a diferença só no movimento, mas para impactar uma sociedade, para impactar uma cidade para dizer que há um povo que construiu uma nação, há um povo que construiu uma cidade e que ele tem que ser referenciado também e que ele tem que ser lem-
brado. Eu vou resumir aqui para gente ver o documentário.Outra coisa que vocês vão notar é que no documentário as pessoas que foram os principais palestrantes, as principais pessoas que fizeram o curso elas não são negras, mas elas têm experiências tremendas e são profissionais excelentes, eu falo isso porque às vezes as pessoas olham assim e falam “Puxa, mas por que não está lá fulano, fulano e fulano?” porque naquele momento, até isso foi pensado, naquele momento essas pessoas seriam estratégicas para conseguir fazer com que o projeto chegasse aonde chegasse, para conseguir e não é uma segregação, não é um apartheid cultural, foi só uma necessidade mesmo ali profissional, mas que a gente vê que com essa experiência hoje nós estamos vendo as pessoas se apropriando do conhecimento e as pessoas ensinando outras e mulheres negras, mulheres não negras, mais negras se apropriando dessa capacidade intelectual e desse potencial que está escondido que não foi relevado no momento da escola porque não estava na escola e que não foi revelado numa aceitação de trabalho, enfim, todo um potencial, todo talento que cada um tem, mas que é preciso alguém assim despertar. Entendam essa questão porque nós 299
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passamos por um momento muito complicado no movimento negro e às vezes eu falo assim a gente vê a situação realmente está melhorando, está avançando, mas está avançando ainda em passos lentos, mas a gente tem que olhar também para as propostas e para aquilo que está trazendo esperança aos nossos olhares e seguir nesse momento. Então, as
portas realmente elas muitas vezes estão fechadas, mas quando a gente pode, e eu sou essa pessoa que está do outro lado da porta que o movimento negro colocou lá porque o movimento negro me colocou na prefeitura então eu consegui entrar vamos dizer assim do outro lado da porta, eu abri essa fechadura e coloquei um peso muito grande para essa porta não fechar mais, esse é o meu papel, exatamente esse, de colocar ali um bloqueio para que essa porta pro movimento negro não se feche mais. Samantha J Também como ela já disse ela é inglesa, nascida em Londres, e a família dela veio da Nigéria e ela faz parte da primeira geração que nasceu na Inglaterra da família dela. Ela realmente tem uma relação com a cultura da Nigéria só que como ela mora em Londres é muito complicado você mudar totalmente de ambiente porque a Nigéria é uma cultura afro e na Inglaterra somente 2% da população é negra, então é muito difícil ela aproximar essas duas culturas. Ela pensou que era muito impor-
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tante para ela falar da cultura dela, mostrar a cultura nigeriana e ela pensou que a melhor forma de fazer isso ia ser pela roupa, pela moda, e ela também achou isso porque a cultura ocidental europeia é totalmente baseada na moda então seria uma forma de se mostrar. Ela está falando que a porcentagem de pessoas negras é realmente pequena, nos últimos 50 anos aumentou um pouco, mas ainda é insuficiente e não tem muito da cultura deles, a cultura que é realmente negra dentro da Inglaterra. O que ela realmente via era indianos, chineses, realmente mostrando a cultura deles e fazendo mercado com a cultura deles nessas centenas de anos e ela não percebia isso com a cultura negra, a cultura negra não conseguia se impor, se manter dentro da Inglaterra. Por mais que ela viva na Inglaterra e tenha sido influenciada pela cultura inglesa, a família dela é africana, é da Nigéria, os parentes, os pais, ela tem essa necessidade porque ela sempre conviveu com a cultura africana, com as cores, com os flamboyants, com as estampas africanas, isso faz parte da cultura familiar dela. Ela sempre precisou mostrar isso também, não só a cultura que ela aprendeu ou absorveu na Europa. Ela pensou que a melhor forma que ela podia mostrar
a cultura dela era por meio das roupas, mas ela encontrou uma resistência dentro da sociedade inglesa porque eles não gostam de cores, eles não estão habituados a usar cores fortes, eles não têm o desejo de se misturar com essa cultura de cores fortes, de novas estampas, e ela sente que eles têm uma dificuldade de se aproximar com essa cultura negra. Ela está dizendo que também foi difícil porque como ela faz parte dessa primeira geração, os pais dela eram nigerianos, vieram da Nigéria, ela nasceu em Londres, então ela usava as roupas como se eles estivessem na Nigéria, chapéus grandes, roupas grandes, volumosas, coloridas, e essa era a forma como eles se vestiam e ela enfrentava essa dificuldade de convivência mesmo porque não era a roupa que eles estavam habituados a ver. Quando ela resolveu trabalhar com moda ela pensou que poderia adaptar para as mesmas cores, as mesmas estampas ao invés de continuar naquela padronagem africana que é grande, ela colocou isso no molde europeu, então roupas mais justas, não justas, mas mais ajustadas e também criando saias, blusas, calças. Ela está inserida dentro de uma população que mais de 90% são de pessoas brancas, ela não pode como empresária se voltar to-
talmente para o mercado negro, ela tem que se adaptar às expectativas do mercado branco que é a maioria da população mostrando, trazendo essas raízes africanas que como ela diz está sempre baseado na moda dela, nas cores, nas estampas. Foi muito difícil começar porque era difícil encontrar um modo em que ela pudesse agradar esse público que não é o público para o tipo de roupa que ela produz, ela preferiu começar de um modo mais personalizado. Ela também percebeu que na Inglaterra o que você tem é uma produção em massa de roupas feitas na Ásia nessa modelagem, nessa padronagem de fábrica. É muito difícil você encontrar roupas feitas à mão de uma forma mais personalizada, ela também enxergou nessa falta de roupas feitas à mão uma oportunidade, ela começou a apostar nisso porque ela considera que daqui uns anos praticamente isso não vai existir porque na Inglaterra já não tem e ela também percebeu que as pessoas se interessavam e se in-
teressam por ter alguma coisa feita à mão que é uma coisa que não existe mais. A avó materna dela que estava na Nigéria que infelizmente ela não chegou a conhecer porque a avó dela faleceu antes do seu nascimento era uma costureira que tinha contratos de produção de uniformes, por exemplo, com colégios e mesmo não tendo
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conhecido a avó ela acha que essa herança da avó ter sido costureira, ter trabalhado diretamente com a produção de roupas está muito ligada no próprio DNA, então é como uma forma de mostrar à avó dela, a herança da família dela por meio do que ela faz, como se fosse uma recuperação dessa herança familiar de produção de roupas feitas à mão. Ela está dizendo que a mãe dela foi praticamente sozinha da Nigéria para Inglaterra e que ela cresceu vendo essa mulher forte carregando uma família, ela tem outros irmãos, uma família com muitos filhos praticamente nas costas e sozinha, então ela sentia a responsabilidade de no trabalho dela produzir coisas que realmente pudessem impactar e mostrar à família. Ela diz que ama costurar, quando ela está costurando ela se sente muito bem, muito feliz, e é uma forma de recuperar toda essa relação que vem desde a avó que costurava com a mãe que era uma mulher forte e é isso que ela quer ser e que ela se considera hoje. Ela está falando que não é muito difícil começar um negócio na Inglaterra, especificamente em Londres, mas é muito difícil manter esse negócio, quando ela fez a primeira coleção dela ela levou essa coleção para um mercado e existem vários mercados
em Londres, é um mercado só de roupas e ela levou as roupas nesse lugar específico como se fosse uma feira e sem ter muitas expectativas, ela queria saber o que as pessoas iriam achar daquele trabalho que ela fez. Ela sentiu medo de que eles não gostassem, como ela já falou, da padronagem, que eles achassem “nossa, talvez é muito grande”, mas também dentro dela vinha um medo que eles não gostassem do que ela tinha feito, do que ela tinha produzido. Foi um medo, realmente foi muito difícil começar e manter o negócio, foi um trabalho semanal, semana após semana produzindo e acreditando, e ela começou com o que seria mais ou menos uma pessoa jurídica com um telefone e uma caixa postal onde as pessoas poderiam encontrá-la. Ela manteve essa primeira loja que criou e sempre buscou trabalhar em parceira com outras pessoas, outras mulheres negras, chegou a trabalhar nas lojas que montou com o esforço dela com mulheres negras que produziam
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bolsas e também que produziam outros tipos de acessórios e outros tipos de coisas que representassem a cultura negra. Hoje ela tem uma loja no sul de Londres que é muito conhecida, muito popular, muito buscada pelas pessoas. Ela começou pequena, realmente não é uma grande empresa, mas tem clientes em praticamente toda Inglaterra, em Londres, no Brasil, nos Estados Unidos, na França, na Ásia e ela acha que ainda pode alcançar outros mercados e o que ela acha primordial é você ter autoconfiança, se ela não tivesse tido autoconfiança o negócio dela teria parado e que foi a autoconfiança essa determinação que a levou para onde está hoje. Muito obrigada pela oportunidade.
Makota Kinsendembu Antes de passar para vocês a bola, eu quero fazer aqui algumas considerações. Basicamente quase todas as três aqui são de famílias de pessoas de mãe ou avó que são costureira e isso é um ponto. A moda afrobrasileira e a moda afro em geral sempre são quase em todo canto do mundo ela é produzida por mulher. A Mada focou muito a questão da comunicação e uma coisa que a gente achou que não servia para nada, de início muita gente achou, que é o Facebook, boa parte de nós mulheres, vamos dizer assim,
acima dos 30 anos, principalmente que temos nosso negócio, descobrimos nele um ponto, um lugar da gente fazer negócio. A comunicação a serviço da moda e a moda a serviço da comunicação porque ela também colocou que moda para ela é movimento e isso é comunicação. Ela falou também que foi se capacitar. Eu sempre coloco muito
isso, que ser autodidata é muito bom, é maravilhoso, mas ter capacitação é muito importante. Não que às vezes aquela capacitação vai dar para gente o que a gente não tem, mas também ela vai dar para gente também visibilidade no mercado, que às vezes ter essa captação e ter o diploma é importantíssimo 303
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às vezes para gente se coloca bem no mercado. Ela falou que fez a sexta do amarelo, quer dizer, ela teve uma visão muito grande de mercado, do que é bom, do que é proveitoso, do que está ali é retorno e do que a população quer, além de que ela falou muito da roupa dela com bolso, com isso, que ela também vai vendo o que as pessoas querem, o que desejam e ela também com a visão dela de moda vai também criando em cima disso. Ela (Conceição Vercesi) falou também de que usuram ali não pessoas diretamente negras visivelmente negras para conseguir atravessar as fronteiras e chegar onde se quer e ela falou que ela é uma pedra bem colocada na porta daquela secretaria lá para que todos nós possamos passar por aquela porta que é coisa que devia estar aqui um monte de gestores para ouvir bem isso aqui que ela disse porque isso é importante ela é uma pedra bem colocada numa porta para que aquela porta não se feche mais, que nosso povo possa passar por ela. Renata Parreira A pergunta que eu queria dirigir para Mada é com relação à política de empreendedorismo. Como é que você vê essa questão em Salvador na questão do apoio, a gente sabe que o Sebrae agora está há al-
gum tempo e tem vários projetos que ele capacita aquele profissional não só na questão do talento, mas a questão dos recursos para que ele saiba gerenciar o negócio dele, essa pergunta é para Mada. Para Conceição de Botucatu, eu queria te perguntar o seguinte: nesse projeto há uma preocupação em profissionalizar as pessoas que ali estão, eu observei que nos ensaios fotográficos, são todos modelos negros. Eu aos 14 anos fui manequim, eu fico muito feliz 28 anos depois de participar de um evento onde eu tenho mulheres negras bem afirmadas com uma identidade que eu não tinha, não conseguia me reconhecer aos 14 anos. Então, o que eu observava é que no mercado a negação era muito grande. No casting existiam 2 negras, então quando eu entrava eu já sabia que ou era eu ou era a outra. Então, era psicologicamente complicado “não, não, não” e às vezes 200 nãos e 1 sim. E como é que vem sendo feito isso em relação se há um curso de estilismo, se há uma associação desses profissionais, por exemplo, do manequim ser inserido no mercado, como é que o projeto de vocês vê isso. Samantha J A Niki também é nigeriana e ela está muito feliz de ver a Saman-
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tha aqui e ela quer saber como os africanos, os nigerianos vêm a Samantha na Inglaterra. Mas quando ela começou como foi isso? Como ela era enxergada, o que ela levava? Não? Ela quer saber como a comunidade nigeriana recebeu as roupas e o trabalho e o início do trabalho da Samantha. Conceição Versesi Respondeu a sua pergunta: eu tenho insistido muito com os ministérios e com a Fundação Cultural Palmares para que o projeto BotuÁfrica ele alcance um outro nível que é exatamente isso da formação. O nosso desejo é transformar o projeto BotuÁfrica numa universidade com todos esses estágios. Eu entro naquele Sinconv, eu mando projeto, eu estudo emenda parlamentar, eu converso com um, entra edital no FAC, sai edital, estou mandando projeto, estou mandando projeto, estou mandando projeto, estou mandando projeto, um dia há de acontecer alguma coisa, porque esse é o nosso desejo, de ter realmente uma universidade, uma universidade da negritude ou universidade BotuÁfrica, mas focado exatamente para essas ações que nós estamos fazendo. E aí sim abraçar tudo aquilo que enquanto prefeitura ainda é difícil, falta orçamento, então aí eu acredito que
seja possível. As modelos, os modelos foram por acaso, foram pessoas assim que participaram do processo de formação da estamparia, nós tivemos esse momento do ensaio fotográfico e aí nós redescobrimos um outro potencial. Uma das integrantes ela para nossa surpresa ela acabou perdendo o ônibus para vir pro ensaio fotográfico aí ela ligou, eu falei assim “Não, não, nós vamos te buscar aí onde você está aí você volta”. Aí ela falou “Sabe o que é Conceição? Eu saí, eu catei limão o dia inteiro, eu tava toda suja, então queria tomar um banho para ir até lá e participar do ensaio”. Aí eu falei “Mas com o maior prazer”. Nós fomos buscá-la e ela tirou uma das fotos mais imponentes, pode se dizer, que ela está sentada num tambor assim, é lindo de ver. E aí nós fizemos uma exposição no bairro onde ela mora e para surpresa dela ela não tinha conhecimento daquela foto, ela sabia que ela tinha ido pro ensaio fotográfico, mas ela pensou assim que a gente tinha retirado um retratinho dela. A hora que ela viu o painel imenso e todos os moradores ali, os vizinhos dela e começaram a me cercar e vinha “Ângela, Ângela”, gente, olha, eu acho que valeu todo o choro, todo o esforço, todo o sacrifício que nós tivemos de ver toda família ali reunida vendo a mãe, a vizinha, a tia,
a avó que eles tinham ali. Acho que valeu todo o esforço. E com relação a Patos, olha, não sei o nome da senhora, não deu para entender, mas se houver um movimento negro, se houver uma associação, se houver alguma pessoa assim que tenha essa sensibilidade, por favor, pede para entrar em contato, nós encaminhamos todas as formas de inscrever o projeto porque é dinheiro público, é política pública, é orçamento público do município tem que ser compartilhado com todos as culturas que existem no município. Não pode privilegiar a festa A, festa B, festa C. A senhora pede para entrar em contato comigo e a gente encaminha um modelo, formato, não é caro, se houver possibilidade, porque as facilitadoras que passaram pelo processo hoje estão formando novos grupos, estão montando as oficinas também e se houver a possibilidade de leválas até lá nós levaremos com certeza para fazer uma oficina lá. Pode ficar tranquila. E aí vai ser Pato de Minas África. O que a gente quer é africanizar Botucatu então vai Minas também. Samantha J Ela vem de uma nação cheia de cores, mas a marca dela lida mais com as cores primárias que vocês vão me ajudar que eu já esqueci que
é o amarelo, vermelho, verde, vocês que são da moda, laranjado que são as cores primárias, amarelo, azul, verde, vermelho. O resto é combinação. E é lógico que ela vem do oeste da África então ela tem mais relação com as cores do oeste da África que é da onde ela veio. As estampas que são tradicionais são baseadas nessas cores primárias e essa estampa que ela está usando aqui é uma estampa moderna, não é uma estampa tão tradicional e essa estampa aqui já traz um pouco do movimento porque já mudou um pouco, a moda na África também muda, também está em movimento. Aqui ela já tem uma coisa muito mais contemporânea, muito mais moderna. Ela está falando que a comunidade nigeriana em Londres a recebeu muito bem, as roupas dela, também porque eles queriam mostrar a cultura deles por meio das roupas, mas ao mesmo tempo eles também queriam ter o estilo europeu. Eles encontraram na roupa dela, as pessoas mais velhas, mais novas, da mesma idade, aquilo que eles realmente buscavam. Ela também falou que foi muito gratificante para os avós, para as avós, para as pessoas mais velhas verem que eles nunca se vestiriam mesmo como os avós e que eles encontraram uma forma de se vestir levando a cultura deles da forma deles, de uma forma 305
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mais jovem, você não precisa usar a roupa do seu avô para demonstrar a sua cultura. Ela disse que com certeza vai ajudar à senhora que ela se sente muito motivada a ajudar outras mulheres nessa questão do empoderamento da cultura negra e que com certeza ela vai manter contato com a senhora, vai passar os dados, vai te ajudar para que a senhora possa passar para as suas filhas tudo que a senhora precisa sobre a cultura africana que é uma coisa que ela gosta muito de passar. Madalena Bispo Certo. Responder a pergunta de Renata quanto ao Sebrae. O Sebrae é uma instituição muito bem conceituada, inclusive eu estou para fazer o Empretec que é um curso que pelo que eu soube a ONU criou esse curso, ela fez um estudo porque tantos negócios abriam e fechavam em tão pouco tempo e aí eles fizeram essa pesquisa e criaram esse curso chamado Empretec. O Empretec é um curso que tem um valor para você fazer e você fica e eles dizem até você fica confinado uma semana. Tem coisas que acontecem no Empretec que diz que não saem de lá, mas todo mundo fala com muita referência do Empretec que é um curso para empreendedor. E assim, eu já fui pro Sebrae fazer curso para você
aprender a colocar preço, sabe, eles oferecem muitas coisas e oferecem plano de negócio para você aprender a fazer plano de negócio e agora eles criaram o Empreendedor individual e aí eu até fui ao Sebrae para poder saber como seria essa política de ser empreendedor individual, só que empreendedor individual você só pode, não sei se aumentou agora, mas quando eu fui a sua média de venda era 5 mil por mês, eu quero vender 5 mil por dia. Então, assim 5 mil por mês com o total de 60 mil ao ano era muito pouco para você manter uma loja com aluguel de 1000 e tantos reais você vender 5 mil no mês era impraticável. Na verdade eu não me cadastrei enquanto empreendedor individual. Tem muita gente, foi assim uma coisa que aconteceu um boom, todo mundo foi ser empreendedor individual, tanto que hoje, não sei se acontece aqui, mas você pega um ônibus em Salvador, tem um vendedor de escova de dentes que aceita cartão de crédito para te vender uma escova de dente. Isso é por conta do empreendedor individual, muita gente conseguiu ter hoje máquina de cartão de crédito, camelô aceita cartão de crédito, isso na verdade é um crescimento para o negócio, mas eu pelo menos tinha uma visão aquém disso aí porque vender 5 mil por mês não daria principal-
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mente com o aluguel que eu teria que estar pagando e tal. O Sebrae é uma instituição que está ali para atender o empreendedor, eles têm palestras, eles têm cursos e cursos de uma semana, de 3 dias, tem cursos maiores também. O que eu sei do empreendedor individual é que na verdade eu não cabia nessa proposta porque o momento que eu peguei uma loja para alugar então eu tinha outros pensamentos. Mas tem muitas pessoas que se tornaram empreendedores individuais e que de qualquer maneira isso facilita para você tirar uma nota fiscal, para você poder apresentar um trabalho. Eu também dou aula, eu coordeno cursos de moda, então eu não posso dar a nota fiscal pela Negrife porque eu trabalho com confecção, essa parte de ensino é outra, eu tenho que ir tirar uma nota fiscal. Tem pessoas que já são empreendedores individuais e que podem trabalhar e fornecer essa nota fiscal. Eles têm várias modalidades que você pode estar se encaixando em uma daquelas modalidades para poder está seguindo a sua linha de trabalho. Infelizmente já está acabando, a gente fica com aquele friozinho na barriga para poder está aqui diante de uma plateia apesar de ter aqui pessoas conhecidas e tal, isso já dá uma relaxada, e até pelo próprio cenário, uma coisa de você
está no sofá, parece que você está na sala de casa, então isso também facilita. Mas eu digo assim que dá um friozinho mesmo na barriga de você ter que pegar um microfone e aí eu disse “Não, tenho que na hora se pegar linha as palavras vão sair e tudo vai acontecer”. Para finalizar eu acho que sou mulher e a minha força vem da mulher. Como eu falei aqui, eu falei de minha mãe que era costureira e a senhora que eu não lembro o nome, representou aqui muito bem as nossas mães, as nossas avós. Minha avó faleceu com 100 anos então eu tive dentro da minha casa 3 mulheres porque minha mãe e minha avó moravam com a gente e uma irmã de minha mãe. Você tem uma mulher que nasceu em 1904 convivendo com você isso é muita coisa. Eu tive essa herança de ter uma avó e de saber o que é isso, de ver uma mulher e como eu falei de minha mãe. Minha mãe foi estudar com 60 anos, fez um curso que tinha chamado Mobral e na verdade ela nunca deixou de dar a gente coisas interessantes, coisas boas. E aí eu vou passar para vocês um slide que na verdade é como eu falei, dá aquele friozinho na barriga, eu disse “na hora que eu pegar o microfone, as palavras vão ter que sair” e depois eu liguei para Salvador e disse “manda aí o slide para mim porque eu não fiz
e tal”, mas assim, para pelo menos eu mostrar para vocês alguma das minhas estampas, essa forma de trabalhar. E aí assim, como eu falei, a minha força vem da mulher e como eu disse hoje eu tenho mais de 40 estampas e a cada estampa eu vou dando o nome de uma mulher da minha família. Então as estampas vão tendo nome de minhas tias, o nome de minha avó, ainda não tem nenhuma estampa com o nome de minha mãe, mas ela vai chegar. Eu acho que isso é importante porque eu acho que todas elas me acompanham na minha trajetória e isso é ancestralidade, elas estão no meu dia a dia, essa coisa de ter uma estampa e saber que aquela estampa tem o nome de minha avó, que aquela estampa tem o nome de uma tia, de pessoas que me ajudaram a construir a minha história de vida, então isso é muito importante. Na verdade agradeço a oportunidade de estar aqui falando para vocês, compartilhando na verdade, dividindo nesse festival, foi muito emocionante tanto que quando eu recebi o convite e tal, Daniela falou comigo, eu disse “poxa, não tava acreditando 100%”, eu disse “eu não posso divulgar ainda. Deixa a coisa acontecer, deixa a passagem está ali que aí eu divulgo”. Quando chega o dia que eu abro o Facebook está lá Negrife em Brasília já tin-
ham não sei quantos “curtir”, não sei quantos comentários. Eu digo “Poxa, isso ainda era tão meu e de repente já tava ali na rede divulgada” porque eu ainda estava aguardando para poder falar no momento certo e ontem que foi o dia 25 que era o dia da mulher afro-latina e caribenha então eu escrevi um comentário no face porque eu acho que no caminho a gente precisa de pessoas que acreditem na gente e eu quando ia comprar tecido o vendedor me emprestava o cartão dele para que eu comprasse tecido. Então ontem eu escrevi esse texto no face, eu fiz um agradecimento para as pessoas que fazem parte da minha caminhada como esse vendedor. Quer dizer, eu chegava na malharia, eu era a cliente em que ele precisava da comissão para estar ganhando o salário dele no final do mês, mas eu não tinha condições para comprar o que às vezes eu me encantava e como é que eu ia fazer e dizia “Mada, meu cartão está aqui”. Ele tinha um limite maior no cartão, ele dizia “Meu cartão está aqui”. Graças a Deus eu nunca falhei e tive essa oportunidade de começar.
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Tema 2013 | Arte e Cultura Negra memória afro-descendente e políticas públicas