entrevista
por Bola Teixeira // tradução: Denise Aielo // fotos: Michael Freeman
O olho e a mente de Michael Freeman O fotógrafo e escritor britânico conversa com a P&I com críticas e uma revelação
F
Finalmente chega ao Brasil três dos mais famosos livros assinados pelo fotógrafo Michael Freeman:
O Olho do Fotógrafo, A Mente
do Fotógrafo e Exposição Perfeita, com o selo Bookman. Com a contribuição de Denise Aielo, assessora de imprensa da BRSA, a reportagem da P&I “conversou” por e-mail com Freeman, autor de mais de 15 livros e mais de 2 milhões de exemplares vendidos. Ela fala de seu assunto predileto, a composição e faz uma revelação exclusiva: o Brasil foi a locação de seu primeiro trabalho como fotógrafo. Acompanhe: Você é um reconhecido fotógrafo documental que já contou muitas histórias através da imagem publicados em revistas e livros. O que te levou a construir uma trajetória de autor de livros educacionais?
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"
Nossa! Essa é minha carreira? (Risos)
de outros ao longo da década de
A ideia de me tornar mais um escri-
1980, mas tudo como uma primeira
tor do que um fotógrafo realmente
interação com os fotógrafos, nos
me incomoda e eu sempre tentei
dias de filme ainda. O mercado era
manter um equilíbrio entre essas
diferente - mais especializado de
duas ocupações. Minha carreira é, na
uma certa maneira. Mas agora, na
verdade, a de fotógrafo documen-
era do digital e da internet, houve
tarista e escrever sobre fotografia
uma explosão de interesse entre o
é algo que deriva e depende dessa
público geral. A arte da fotografia,
experiência. Meus livros educacio-
que era muito hierárquica, já se tor-
nais, de fato, surgiram há um bom
nou verdadeiramente democrática.
tempo por sugestão de uma das
Existiam profissionais cujo trabalho
editoras que trabalham comigo, a
foi publicado na imprensa, então
Quarto. Isso foi ainda nos anos 80
acompanhamos o aumento do nú-
porque, quando você está em uma
e eu estava entre os fotógrafos que
mero dos entusiastas e amadores
missão fotográfica, você tem que
eles contratavam regularmente. Eles
dos "clubes das câmeras" (fotoclu-
passar certas coisas através imagem
me disseram "Estamos pensando
bes), e depois todos começaram a
e isso geralmente exige planejamen-
em fazer um livro sobre fotografia
fotografar, nem que fosse apenas
to. Um exemplo disso é quando se
35mm. Você pode escrever. Por
para guardar recordações da
trabalha com o script ou roteiro de
que você não escreve esse nosso
família e dos filhos. Isso mudou de
imagens para uma revista. O trabalho
livro?" Então eu escrevi. E o livro foi
maneira expressiva. Hoje eu vejo
geralmente começa com o editor de
muito bem aceito – vendemos mais
tanta gente usando a câmera para
fotografia (que tem uma previsão
de 750 mil cópias pelo mundo – e,
se expressar e se divertir de forma
do que quer), mas a ideia é, de fato,
então, naturalmente, eles quiseram
criativa, sem necessariamente ser
pensada, experimentada e trabalha-
continuar o trabalho com outros
refém dos equipamentos.
da pelo fotógrafo. Assim, o truque
títulos. Falando assim, pode parecer
A arte da fotografia, que era muito hierárquica, já se tornou verdadeiramente democrática
para mim, se é que é um truque, é
que eu apenas me deixei levar pela
Você sentiu alguma dificuldade
simplesmente escrever o que eu
circunstância, mas a verdade é que
considerando que até então seus
penso sobre fotografia e edição.
eu realmente curti explicar como
livros tinham a imagem como foco
funcionam as imagens. Ou, pelo
principal e o texto como apoio, e
Numa entrevista que você concedeu
menos, tentar explicar.
nos livros de caráter educacional
a Andrew Gibb´s Blog você revela
justamente o contrário?
que o livro A Imagem virou peça de
Você tinha quantos anos de fotogra-
Essa é uma pergunta interessante,
colecionador. Pode contar um pouco
fia quando escreveu o primeiro livro.
porque, assim como olhar para as
sobre este caso? Este livro foi um
Qual foi este livro e porque da escolha
imagens e ler textos dependem de
dos seus primeiros quando falamos
do conteúdo. Foi ideia sua ou já enco-
processos diferentes do cérebro, eu
em educação? Ele te inspirou para
mendado por uma editora?
acho que eu uso partes diferentes
realizar O Olho do Fotógrafo, seu
Essa é a história que eu estava
do meu cérebro para fotografar
campeão de vendas? Ou seja, ele seria
contando na pergunta anterior.
e para escrever, também. Isso
uma extensão do livro A Imagem?
Meu primeiro livro é o “The 35mm
realmente exige que se mude de
Foi uma situação meio complicada.
Handbook” (‘Manual da fotografia
pensamento o tempo todo, mas eu
The Image, por algum motivo, saiu de
em 35mm’ [Tradução Livre]) e foi
tenho uma vantagem: eu sempre
circulação e eu achei uma pena por-
publicado em 1980, mas passou
pensei muito sobre as minhas fo-
que era o primeiro e único livro que
por várias edições que fizeram
tografias. Antes, durante ou depois
tinha escrito focado em composição.
com que ele tivesse uma vida útil
de tirá-las. Eu acho que a maioria
Então eu comecei a receber e-mails
bem longa. Isso levou à publicação
dos profissionais também faz isso,
das pessoas que queriam encon- >
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trar uma cópia da obra. Alguns deles
é muito difícil de se familiarizar.
chegaram a mencionar que estavam
Câmeras, lentes e toda a tecnologia é
vendendo cópias de segunda mão no
muito mais fácil de se conhecer mas,
Amazon e no Abe Books por valores
francamente, os equipamentos não
como US$300! E eu não tinha mais
são nem um terço tão interessan-
nenhuma cópia de reposição! Então
tes quanto as técnicas visuais que
eu forcei meu editor a pensar sobre
têm que ser usadas na composição.
refazermos o livro. Levou um pouco
Conselhos de composição tendem
de tempo para de fato convencê-lo,
(ainda tendem, em muitos casos) a
mas nós finalmente conseguimos! O
serem limitados ao conselho sem
material revisto e estendido se tornou,
sentido, enquanto que, na verdade, o
então, o livro O Olho do Fotógrafo.
assunto é extremamente complexo e fascinante. É o assunto que respon-
Nesta mesma entrevista você cita que
de tudo sobre como fazer imagens
a questão da composição fotográfica
interessantes. Então eu acho, e
tinha sido, na época, um tema pouco
espero, que seja por isso que O Olho
explorado. Você credita o sucesso de
do Fotógrafo tenha se tornado um
"TPE" justamente em função disso? Ou
sucesso ao redor do mundo.
"
Acredito piamente que o caminho para a boa fotografia depende 90% do olho e da mente do fotógrafo e 10% do equipamento
livro desses está plenamente convicto
seja, por mais recursos que o sistema digital possa oferecer você acredita que
Muito embora você aborde diversos te-
que o olhar pode ser condicionado,
o básico, ou seja, a composição, é um
mas relacionados a fotografia em seus
correto? Ou estou errado.
tema que angustia os fotógrafos?
livros, chama a atenção a aceitação de
Relativamente certo. Eu acredito que
Eu não acredito que a composição de
abordagens que enfocam a questão do
o olhar possa ser treinado/condicio-
fato assuste os fotógrafos. O proble-
olhar como o próprio Eyes, o Exposure
nado, mas tem que ter uma chama
ma é que é um assunto com o qual
e o Mind. Quando você escreve um
de talento para começar. Felizmente,
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interesse e entusiasmo normalmente vêm junto com essa chama, então pela minha experiência, posso afirmar que se as pessoas querem aprender a melhorar suas fotografias, elas geralmente conseguem. E eu também acredito piamente que o caminho para a boa fotografia depende 90% do olho e da mente do fotógrafo e cerca de 10% do equipamento que ele tem. Entretanto, nem todas as editoras veem as coisas dessa maneira e há muitos livros que continuam promovendo a ideia de que tudo deve estar atrelado a uma série de regras específicas ou que não se pode fazer bons trabalhos sem os últimos equipamentos de fotografia. Acho que eu não devia falar isso, mas uma razão que explica essa situação é que há, na verdade, pouquíssimos fotógrafos profissionais que escre-
fotógrafo responde: “Um cérebro, um
top de linha, é realmente porque du-
vem sobre o assunto. Deveria haver
olho e um dedo”. Este tipo de coisa
rante os jobs, muitas vezes eu tenho
mais. Eu sempre digo para amigos
reforça a questão de que o fotógrafo
que trabalhar rápido e em situações
meus, profissionais da área, que eles
deve estar em constante reciclagem e
complicadas, e se eu conseguir 10%
deveriam se dedicar a escrever, mas
que o manual das câmeras não pas-
de desempenho extra provenientes
eles teimam em continuar achando
sam de manuais das câmeras?
uma boa câmera, já ajuda muito. Mas
que escrever um livro é um projeto
Certamente! Nós não podemos
não mais do que isso.
muito grande e complicado. Bem,
culpar os fabricantes de câmeras
por exemplo, se você está assistin-
por nos empurrarem a ideia de que
Você tem trabalhado em projeto de
do à Copa na televisão, quem você
o último lançamento deles vai nos
fotografia documental e (ou) fotojorna-
gostaria que comentasse os jogos:
transformar em fotógrafos melhores,
lismo ainda? Ou sua vida passou a ser
um ex-capitão ou atacante que já,
porque eles fazem isso para gerar
a de um escritor que é referência mun-
de fato, jogou uma copa do mundo,
vendas. Eles têm que encontrar uma
dial quando o assunto é fotografia?
ou um comentarista de estúdio que
maneira até de sobreviver nesse
Sim, eu estou completamente focado
conhece a teoria, mas não a prática?
mercado. Mas, é claro que isso não é
em fotografar. Agora, inclusive, estou
verdade. Como profissionais, nós es-
respondendo a essas perguntas aqui
Recentemente, Cliff Mautner, fotógrafo
tamos interessados no equipamento,
da Indonésia, onde estou concluindo
norte-americano afirmou em palestra
assim como qualquer artista ou arte-
uma viagem de sete semanas, que
que quando você compra uma Nikon
são, mas geralmente temos uma vi-
começou no sudoeste da China. Eu
(ou uma Canon) não se torna um fotó-
são mais prática. Um chef compra as
também sempre tento ter algum
grafo, mas um proprietário de Nikon,
melhores facas que ele pode pagar,
grande projeto pessoal de livro, algo
ou Canon. Isso me faz lembrar uma
porque são as ferramentas que ele
que eu possa controlar e em que eu
velha piada onde alguém pergunta ao
usa no seu ofício, e, certamente, vão
possa me envolver bastante. O últi-
olhar umas fotos: “Ótimas fotos! Que
ajuda-lo. Nós fazemos o mesmo, mas
mo, publicado no ano passado, é um
equipamento você usou?”. Quando o
se eu, por exemplo, comprar a Nikon
livro bem grande (pesa cerca de 3kg!) >
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"
Foi o Brasil que me iniciou na fotografia (...) viajei até a Amazônia, desde Belém, do Pará, até Tabatinga. Quando voltei comecei a pensar o que poderia fazer com as fotos
sobre uma antiga rota de comércio
dres. Gostei, mas comecei a sentir
lume foi “A Amazônia”. Eles pediram
chamada Tea Horse Road. Ela per-
realmente a necessidade de me
para usar os meus negativos nas
corre mais de três mil quilômetros,
dedicar à fotografia. A agência onde
ilustrações. Meses depois, o editor
sai do sudoeste da China, rumo ao
eu trabalhava na época foi ótima.
de imagens me ligou enquanto eu
Tibet. Ela funcionou desde o século
Eles me deram dois meses e meio de
estava no trabalho e me perguntou
VII até o século XX. Eu levei 20
licença e, com câmeras de segunda
se eu gostaria de dar uma olhada no
semanas fotografando essa estrada.
mão, viajei até a Amazônia, desde
que eles estavam fazendo com as
Foram seis viagens e foi uma expe-
Belém, do Pará, até Tabatinga. Quan-
minhas fotos. Elas estavam na capa,
riência maravilhosa. Uma viagem
do voltei (a agência esperava que eu
nas primeiras páginas, nas aberturas
não apenas através do terreno, mas
já tivesse tirado da cabeça essa ideia
de capítulo... Fui pra casa de ônibus
através das vidas e culturas dos
de trabalhar com fotografia), comecei
aquele dia e decidi que aquele era
diferentes grupos étnicos, através
a pensar o que poderia fazer com as
o melhor incentivo que eu poderia
da história e da política.
fotos. Foi então que eu me aproximei
ter. Então eu me demiti da agência
da Embaixada Brasileira em Londres.
na manhã seguinte. Meus diretores
Por fim, já veio ao Brasil? Que
Um dos funcionários da embaixada
foram muito compreensivos e até me
referência você tem a respeito da
na época, Antonio Olinto, disse que
deram, como presente de despedida,
fotografia brasileira?
gostaria de montar uma exposi-
um job de duas semanas de fotos
Eu estava imaginando quando
ção com as minhas fotos. Entre os
para um dos clientes deles. Eu acho
você ia me perguntar sobre isso!
convidados, estavam os editores da
que foi uma atitude muito legal da
Curiosamente, foi o Brasil que
Time-Life, que estavam montando
parte deles. E na minha vida, foi uma
me iniciou na fotografia. Aí vai a
um novo escritório e estavam come-
reviravolta muito positiva. Então, sim,
versão resumida da história: eu
çando a trabalhar no lançamento de
obrigado Brasil por ter me iniciado
deixei a Universidade de Oxford
uma nova série, chamada O Mundo
na arte da fotografia! E, sim, por
para estudar publicidade em Lon-
de Lugares Selvagens. O primeiro vo-
favor, me convidem para visitá-los! x
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