A dama da meia-noite

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TESSA A dama da meia-noite Sér ie Spindle Cove – 3


Copyright © 2012 Eve Ortega Copyright © 2015 Editora Gutenberg

Título original: A Lady by Midnight

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capa

Silvia Tocci Masini

Carol Oliveira (sobre a imagem de Kiselev Andrey Valerevich [Shutterstock])

assistentes editoriais

Carol Christo Felipe Castilho

diagramação

Guilherme Fagundes

preparação

Andresa Vidal Branco revisão

Cristiane Maruyama Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil

Dare, Tessa A dama da meia-noite / Tessa Dare ; tradução A C Reis. -- 1. ed. -- Belo Horizonte : Editora Gutenberg, 2015. -- (Série Spindle Cove, 3) Título original: A Lady by Midnight. ISBN 978-85-8235-329-5 1. Ficção histórica 2. Romance norte-americano I. Título. 15-09395

CDD-813

Índices para catálogo sistemático: 1. Romances históricos : Literatura norte-americana 813

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S é r ie S pindle Cove • Li vr o

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A dama da meia-noite

Tradução:

A C Reis



Capítulo Um

Verão de 1814 Cabo Thorne conseguia fazer uma mulher estremecer mesmo apenas estando do outro lado da sala. Uma habilidade inconveniente, na opinião de Kate Taylor. O homem nem precisava se esforçar, ela reparou com uma pontada de pesar. Tudo o que ele necessitava fazer era entrar no Touro e Flor, fixar o olhar de poucos amigos em uma caneca de cerveja e ficar com as enormes e largas costas, voltadas para o salão. E sem dizer uma palavra... nem mesmo um olhar... ele fazia os dedos da pobre Srta. Elliot tremerem, enquanto ela se preparava para tocar o piano. “Ah, eu não consigo”, sussurrou a moça. “Não consigo cantar agora. Não com ele aqui.” Mais uma aula de música arruinada. Até um ano atrás, Kate nunca teve esse tipo de problema. Antes disso, Spindle Cove era habitada majoritariamente por mulheres, e o Touro e Flor era uma casa de chá pacata que servia bolos com cobertura e tortinhas com geleia. Mas, desde que organizaram uma milícia na região, o estabelecimento assumiu a dupla função de casa de chá para as senhoras e taverna para os milicianos. Kate não se opunha em compartilhar o espaço, mas não existia “compartilhar” com o Cabo Thorne. Sua presença sisuda e taciturna ocupava todo o salão. “Vamos tentar de novo”, ela pediu à aluna, procurando ignorar a silhueta intimidadora que captava em sua visão periférica. “Nós quase conseguimos da última vez.” A Srta. Elliot corou e apertou os dedos nas coxas. 5


“Eu nunca vou acertar.” “Claro que vai”, disse Kate. “É só uma questão de prática. E você não estará sozinha. Vamos continuar trabalhando o dueto e você ficará preparada para a apresentação no sábado.” Com a simples menção da palavra “apresentação”, o rosto da garota ficou vermelho. Annabel Elliott era uma jovem loira, bonita e delicada. Mas a pobrezinha corava com muita facilidade. Sempre que estava agitada ou nervosa, suas bochechas pálidas assumiam um tom de vermelho vivo, como se ela tivesse levado um tapa no rosto. Só que ela ficava agitada ou nervosa boa parte do tempo... Algumas jovens iam até Spindle Cove para se recuperar da timidez, de um escândalo, ou de um ataque debilitante de febre. A Srta. Elliott tinha sido enviada até lá para uma reabilitação diferente: a cura do medo de palco. Kate era professora dela há tempo suficiente para saber que as dificuldades da Srta. Elliott não tinham nada a ver com falta de talento ou preparo. Ela só precisava de autoconfiança. “Talvez uma nova partitura possa ajudar”, sugeriu Kate. “Descobri que uma pasta de música nova é melhor para o meu humor do que um chapéu novo.” Ela teve uma ideia. “Eu irei até Hastings esta semana e vejo o que consigo encontrar.” Na verdade, ela estava planejando ir à Hastings por um motivo completamente diferente. Kate precisava fazer uma visita naquela cidade – uma visita que vinha adiando... A compra de novas partituras surgia como uma excelente desculpa. “Não sei por que sou tão boba”, a garota corada se queixou. “Tive anos de excelente orientação, e eu adoro tocar... É sério, eu gosto mesmo. Mas quando tem alguém escutando, eu congelo. Eu não tenho jeito...” “Claro que você tem jeito. Nenhuma situação é irremediável.” “Meus pais...” “Seus pais também acreditam que você tem jeito, ou não a teriam enviado para cá”, disse Kate. “Eles querem que minha temporada seja um sucesso. Mas você não sabe a pressão que os dois fazem sobre mim! Srta. Taylor, você não imagina como eles são.” “Não”, Kate admitiu. “Não acredito que eu consiga imaginar.” A Srta. Elliott olhou, arrasada, para a professora. “Sinto muito... Por favor, me desculpe. Eu não quis dizer isso. Como eu sou insensível.” 6


Kate dispensou as desculpas. “Não seja boba. É a verdade, eu sou órfã. Você tem toda razão, eu não posso saber como é ter pais com expectativas e esperanças tão elevadas.” Embora eu desse tudo para saber como é isso, nem que fosse por um dia. “Mas eu sei”, continuou Kate, “a diferença que faz quando você sabe que está entre amigas. Aqui é Spindle Cove. Somos todas um pouco diferentes aqui. Lembre-se apenas que todos nesta vila estão do seu lado.” “Todos?” O olhar desconfiado da Srta. Elliott se voltou para o enorme homem solitário sentado ao bar. “Ele é tão grande”, sussurrou ela. “E tão assustador. Toda vez que eu começo a tocar posso ver que ele estremece.” “Você não deve levar para o lado pessoal. Ele é um soldado, e você sabe que eles ficam traumatizados por explosões de bombas.” Kate deu um tapinha encorajador no braço da Srta. Elliott. “Não ligue para ele. Apenas mantenha a postura ereta, um sorriso no rosto e continue a tocar.” “Vou tentar, mas ele é... é difícil de ignorar.” Sim, é verdade. E por acaso Kate não sabia disso? Embora o Cabo Thorne fosse excelente na arte de ignorá-la, Kate não podia negar o efeito que ele tinha em seu estado de espírito. Ela sentia a pele arrepiar sempre que ele estava por perto, e nas raras ocasiões em que ele virava o rosto na direção dela, seu olhar a penetrava profundamente. Mas pelo bem da autoconfiança da Srta. Elliott, Kate deixou suas reações pessoais de lado. “Queixo para cima”, ela lembrou em voz baixa a Srta. Elliott e a si mesma. “Continue sorrindo.” Kate começou tocando sua metade do dueto, mas quando chegou o momento da Srta. Elliott, a jovem errou após alguns poucos compassos. “Me desculpe, eu só...” A Srta. Elliott baixou a voz. “Ele estremeceu novamente?” “Não, pior”, gemeu ela. “Desta vez ele teve praticamente uma convulsão.” Com uma pequena exclamação de indignação, Kate virou a cabeça para observar o bar. 7


“Não, ele não fez isso.” “Ele fez”, gemeu a Srta. Elliott. “Foi horrível.” Aquilo era demais. Ignorar suas alunas era uma coisa. Estremecer era outra. Mas não havia desculpas para quase ter uma convulsão. Isso era além da conta! “Eu vou falar com ele”, disse Kate, levantando-se do piano. “Ah, não. Por favor.” “Está tudo bem”, Kate lhe garantiu. “Eu não tenho medo dele. Ele pode ser meio bruto, mas acredito que não morda.” Kate cruzou o salão e parou atrás do Cabo Thorne. Ela quase conseguiu reunir coragem para tocar na dragona com borlas do uniforme dele. Quase... Em vez disso, ela pigarreou. “Cabo Thorne?” Ele se virou. Em toda sua vida, Kate nunca conhecera um homem com aparência tão austera. O rosto dele parecia de pedra – composto de ângulos firmes e traços inflexíveis. A aparência severa não oferecia a ela proteção nem um lugar para se refugiar. A boca era um talho ameaçador. As sobrancelhas escuras convergiam em censura. E os olhos... os olhos eram azuis como um rio congelado na noite mais fria do inverno. Queixo para cima. Continue sorrindo. “Como você deve ter notado”, disse ela despreocupadamente, “estou no meio de uma aula de música.” Nenhuma resposta. “Sabe, a Srta. Elliott fica nervosa quando tem que tocar na frente de estranhos.” “Você quer que eu vá embora.” “Não...” A resposta de Kate surpreendeu a ela mesma. “Não, eu não quero que você vá embora.” Isso seria muito fácil para ele. Thorne estava sempre indo embora. Era assim que os dois interagiam, uma vez após a outra. Kate reunia a toda sua coragem e tentava ser amigável, enquanto ele sempre encontrava alguma desculpa para sair de perto. Era um jogo ridículo, e ela estava cansada daquilo. “Eu não estou pedindo que você vá embora”, disse ela. “A Srta. Elliott precisa praticar. Eu e ela vamos tocar um dueto. Estou convidando você a nos dedicar sua atenção.” Thorne olhou fixamente para ela. Kate estava acostumada com contatos visuais constrangedores. Sempre que ela conhecia alguém, ficava ciente, 8


e triste, de que as pessoas só reparavam na mancha cor de vinho em sua têmpora. Durante anos ela tentou esconder sua marca de nascença com chapéus de aba larga ou penteados elaborados – sem sucesso. As pessoas não davam atenção aos artifícios. Kate aprendeu a ignorar a reação inicial. Com o tempo ela deixava de ser apenas uma mancha aos olhos dos outros e passava a ser reconhecida como uma mulher com uma marca. Depois, olhavam para ela e viam somente a Kate. O olhar do Cabo Thorne era totalmente diferente. Ela não conseguia saber quem ela era aos olhos dele. Essa incerteza fazia com que ela andasse no fio da navalha, mas ela se esforçava para manter o equilíbrio. “Fique”, ela o desafiou. “Fique e escute enquanto tocamos para você. Aplauda quando terminarmos. Acompanhe o ritmo com os pés, se quiser. Dê um pouco de encorajamento à Srta. Elliott. E surpreendame, ao provar que você possui um pingo de compaixão.” Uma eternidade se passou antes que ele desse sua resposta, sucinta e áspera. “Eu vou embora.” Ele se levantou, jogou uma moeda no balcão e depois saiu da taverna sem olhar para trás. Quando a porta vermelha se moveu em seu batente, fechando com um estrondo, Kate balançou a cabeça. Aquele homem era impossível. Ao piano, a Srta. Elliott voltou a tocar um arpejo. “Imagino que isso resolva um problema”, disse Kate, ao tentar, como sempre, encontrar um lado positivo. Não existia situação sem solução. Sr. Fosbury, um taberneiro de meia-idade, veio para lavar a caneca usada por Thorne. Ele colocou uma xícara de chá na frente de Kate. Uma fatia de limão, fina como uma hóstia, boiava no centro, e o aroma de conhaque flutuou na direção dela em uma onda de vapor. Ela se sentiu aquecida por dentro antes mesmo de dar o primeiro gole. O casal Fosbury era sempre bondoso com ela. Mas ainda assim não substituíam uma família. Isso ela teria que continuar procurando. E ela continuaria procurando, não importava quantas portas fossem fechadas na sua cara. “Espero que você não se magoe com os modos bruscos do Cabo Thorne, Srta. Taylor.” “Quem, eu?” Ela forçou uma risada breve. “Ah, eu tenho bastante juízo para isso. Por que eu deveria me magoar com as palavras de um 9


homem sem coração?” Ela passou a ponta do dedo pela borda da xícara, pensativa. “Mas pode me fazer um favor, Sr. Fosbury?” “O que pedir, Srta. Taylor.” “Da próxima vez que eu me sentir tentada a estender um ramo de oliveira como sinal de amizade ao Cabo Thorne...” Ela arqueou uma sobrancelha e deu um sorriso divertido. “Lembre-me de usar esse ramo para bater na cabeça dele.”

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