A ilha dos dissidentes

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Copyright © 2013 Bárbara Morais Copyright © 2013 Editora Gutenberg Todos os direitos reservados pela Editora Gutenberg. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos ou em cópia reprográfica, sem a autorização prévia da Editora.

GERENTE EDITORIAL

REVISÃO

Alessandra J. Gelman Ruiz

Renato Potenza Rodrigues

ASSISTENTES EDITORIAIS

DIAGRAMAÇÃO

Carol Christo Felipe Castilho

CAPA

PREPARAÇÃO DE TEXTO

Diogo Droschi

Tristelune Production

Bete Abreu

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil

Morais, Bárbara A ilha dos dissidentes. Anômalos, a série / Bárbara Morais. -- Belo Horizonte : Editora Gutenberg, 2013. ISBN 978-85-8235-075-1 1. Ficção brasileira I. Título. 13-06196

CDD-869.93 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

EDITORA GUTENBERG LTDA. São Paulo Av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, Horsa I, 23º andar, Conj. 2301 Cerqueira César . 01311-940 São Paulo . SP Tel.: (55 11) 3034 4468 Televendas: 0800 283 13 22 www.editoragutenberg.com.br

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Agradecimentos

No início, havia meus avós, paternos e maternos, e, se não fosse pelas suas habilidades como contadores de história, acho que não saberia nem como começar a colocar palavras no papel. Foram os anos e anos ouvindo seus causos que me ajudaram a chegar aqui e, se não fosse por eles, seria literalmente impossível a existência dos meus progenitores e, é claro, a minha. Eu sei que seja lá onde eles estejam, estão orgulhosos de mim. (E a Vovó Dorinha deve estar orgulhosa de mim na sua cadeira de balanço em João Pessoa, recitando algum poema sobre passarinhos) Um grande obrigada aos meus pais, sempre compreensivos, me deixando fazer bagunça pela casa enquanto criava histórias mirabolantes com as minhas Barbies. E obrigada por me passarem essa anomalia genética chamada criatividade em excesso! Amo muito vocês. Minha irmã merece um parágrafo, pois ela me atura contando TODOS OS DETALHES das histórias que invento, independente de ela querer ouvir ou não (mas, ei, é recíproco). Ela é uma companheira e tanto, uma amiga incrível e, se eu tivesse que escolher alguém para ir numa missão supersecreta comigo, seria ela. Para os meus tios e tias, obrigada por todo o entusiasmo! Vou fazer uma sessão de autógrafos exclusiva para vocês no Natal, ok? Agradeço a compreensão de minhas amigas e amigos nas inúmeras vezes em que tive que recusar um programa 7


porque tinha que correr para cumprir todos os prazos! Obrigada pela diversão gratuita no WhatsApp e por tardes de risadas e gordices. Minha gratidão eterna vai para a Gui Liaga, minha agente, por acreditar que eu podia fazer isso e me dar forças para continuar até o final! A sua dedicação foi muito importante para mim e eu realmente acredito no seu trabalho e no que podemos fazer juntas. Obrigada à Leka, à Ju e a todos os outros para quem mandei o texto para fazerem leitura crítica! A opinião de vocês me ajudou a deixar a história redondinha para todos os outros leitores e era uma alegria receber e-mails com as suas opiniões. Vocês me deixaram empolgada em ver que mais alguém amava esses personagens, além de mim. Um beijo para a Babi Dewet, que é linda e me mostrou que isso tudo podia ser possível. Vários coreanos para você. Para a Iris Figueiredo, que assim como a minha irmã, me suporta com todas as minhas ideias malucas e plottwists e mensagens no WhatsApp. Eu te admiro muito. Para a Dayse Dantas, minha amiga de Banana City, um agradecimento por existir e ser incrível. Para todos os leitores do blog Nem Um Pouco Épico e meus seguidores do Twitter, porque me dão a motivação que preciso para continuar. Para a Paula Pimenta, que é uma pessoa incrível e muito, muito, boa. Não duvido que ela vá direto para o céu. Para a Alessandra, a Rejane, o Felipe, o Diogo, a Carol e todas as outras pessoas da Editora Gutenberg, por tomarem conta desta história com o cuidado que ela merece e acreditarem no meu potencial. Não podia encontrar casa melhor para meus anômalos tão incompreendidos. 8


E, por fim, para você, leitor! Obrigada por dar chance a esta história. Sinta-se à vontade para conversar comigo no meu Twitter @barbaraescreve. Estou doida para saber a sua opinião sobre o mundo da Sybil e os anômalos! P.S.: Eu sei que estou esquecendo de algumas pessoas. Então, se eu não mencionei seu nome, sinta meu agradecimento neste P.S. ultramegapower especial também! :-)

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Capítulo 1

O tempo se arrasta quando se espera. Nunca acreditei nesse ditado. Pelo menos não antes das quase doze horas que se passaram até que me buscassem naquele quarto branco de hospital. Entre triagens, exames e medicações, estou exausta e com frio. Só quero ir para algum lugar onde a luz não seja constante, para descansar. É pedir demais uma horinha de sono? Não faço ideia de quando foi a última vez que dormi, só sei que foi muito antes do acidente. Era uma manhã de sábado e eu estava em uma cabine da quarta classe do navio com o nome mais estúpido do planeta: Titanic III. Não sei o motivo de escolherem esse nome, principalmente depois de os dois primeiros terem afundado. Também não entendo o porquê de eu estar nele e não a bordo do Rainha Helga ou algo assim. Minha jornada havia começado antes, em Kali, a província na qual eu morava. Como o lugar é palco da guerra sem fim entre a União, meu país, e o Império, a vida lá em geral é uma droga. Para dar um pouco de espe­­rança aos habitantes, o governo da província seleciona esporadicamente alguns voluntários para serem removidos para o continente Pacífico como refugiados. Viver como refugiado não parece ser muito melhor que residir em uma zona de guerra, mas pelo menos você não corre o risco de morrer a todo instante. É a melhor entre as minhas opções. 11


Minha dor de cabeça se torna mais insistente a cada minuto e me distraio ao me lembrar do caos da viagem e de como os primeiros dias haviam sido agradáveis a ponto de me fazer esquecer do drama que havia sido a minha despedida do orfanato. Os últimos momentos a bordo do navio não foram exatamente bons, e me esforço para não relembrar o inferno pelo qual passei. Ouço passos no corredor e me levanto da cama, ajeitando a camisola para manter o mínimo de dignidade. Será que eles estão me testando para resistência ao sono também, além de todas as outras coisas? Eles podiam me deixar em paz, me deixar dormir só um pouquinho... O cansaço fica cada vez maior, e o sinto ir e voltar esporadicamente. Meu comportamento oscila entre extremos. Em alguns momentos, a hiperatividade faz minhas mãos tremerem e caminho por todo o quarto branco e limpo, esperando encontrar pelo menos uma manchinha nas paredes em busca de alguma distração. Em outros, a apatia se instaura fazendo com que até o ato de respirar seja trabalhoso. Estou exausta e preciso me apoiar na cama. Uma pessoa pode morrer de cansaço? Quanto tempo demoraria? Se tiver de fazer outro teste, tenho certeza de que desmaiarei no meio do caminho. Se enfiarem mais uma agulha no meu braço ou me afundarem em mais um tanque para medir meus sinais cerebrais ou o que diabos for, enlouquecerei. Não é possível que sejam tão cruéis assim. Ouço passos se aproximando da porta e fico mais ansiosa. Por favor, que não seja mais um teste. Por favor, me levem embora. Por favor, por favor, por favor. É só o que consigo pensar. A porta se abre e uma enfermeira entra, com um sorriso plástico estampado no rosto carrancudo e um cheiro insuportável de mentol. Atrás dela, vem um 12


homem fardado com botas pesadas. Qual é mesmo o nome dele? Tenente Jessebel? Ele é o responsável por pessoas como eu naquela região e foi quem me recebeu ali. – Você parece exausta. Não conseguiu dormir? – pergunta a enfermeira, aproximando-se para checar meus sinais vitais. – Com essas luzes, me espanta que eu não tenha começado a fazer fotossíntese... – o tenente responde com o que parece ser um tom bem-humorado. – Tenho seus resultados, senhorita Varuna. Ansiosa para saber o motivo de ser a única sobrevivente entre as três mil e quinhentas pessoas que estavam no naufrágio do Titanic III? Não, não quero saber. Ao que me consta, se tivesse afundado com o navio, eu estaria dormindo eternamente e não sendo revirada do avesso. O tenente Jessebel não faz ideia do que é ver todas aquelas pessoas se afogando e congelando lentamente, sem poder fazer absolutamente nada para ajudá-las. Ele não vê seus rostos todas as vezes que fecha os olhos nem ouve seus gritos em seus devaneios. – Aparentemente, a senhorita é portadora de uma mutação peculiar. – Ele continua de forma simpática, ignorando minha vontade. – Você estava ciente disso? Seus pais sabiam da sua condição? É uma pergunta perigosa, e a enfermeira prende a respiração sutilmente, fingindo medir minha pressão, mas prestando atenção à conversa. Provavelmente, situações como aquela fazem o seu dia na sala de descanso. Uma garo­tinha sobrevivente de um grande naufrágio e considerada criminosa pelo governo por mentir sobre seu código genético? Não há fofoca melhor. – Não, senhor – respondo automaticamente, como um robô. – Sou órfã, senhor. Desde pequena, senhor. E 13


só imaginei que poderia ser um deles depois que os outros passa­­­geiros começaram a morrer e eu não, senhor. – Você nunca tomou banho de piscina ou de mar? Nem de rio? – Ele se aproxima com as mãos casualmente dentro do bolso. Para um soldado, está bastante relaxado. Será que possui um gravador escondido? Será algum padrão medir a modulação da voz dos capturados para detectar mentiras? Sou inteligente o suficiente para saber que não se deve mentir para oficiais. – Nunca sentiu algo diferente quando estava perto da água? – Não, senhor. Minha região está em guerra desde que nasci. Minha cidade fica no pé da montanha e não no litoral. Nosso rio é muito sujo; entrar nele seria pedir para ficar doente. Não temos água para desperdiçar assim, senhor. Ele não responde. A enfermeira continua a me cutucar e a ouvir meus batimentos cardíacos, enquanto o tenente mantém o olhar fixo em mim. Não desvio o olhar. Em Kali, aprendemos desde pequenos que pessoas com poder – militares, políticos, ricos – gostam de intimidar. Se eu piscar uma vez, ele achará que pode me dominar. Não sustentar seu olhar seria dar permissão para que o abuso continue. Por fim, ele é o primeiro a olhar para o lado, arrumando a arma no coldre despreocupadamente. Sinto o estômago revirar. Armas sempre me deixam nervosa. – Tudo bem. Enfermeira Norse, arrume roupas para ela. Vamos levá-la agora. A enfermeira concorda, colocando o estetoscópio no pescoço antes de sair da sala. O tenente permanece ali e faz um sinal para que eu me sente na única cadeira do quarto. Recuso, continuando ao lado da cama, e me apoio nela com mais força. Não posso perder a batalha contra o cansaço agora, não depois de tanto tempo. O homem dá de ombros, se acomodando na cadeira de forma desleixada. 14


– Você será transferida imediatamente para uma unidade temporária, senhorita Varuna. – Ele arruma a arma novamente. Parece nervoso. – Provavelmente vão fazer mais alguns testes em você. Exames de rotina, como avaliar seu estresse pós-traumático ou verificar doenças infectocontagiosas. Depois, prosseguirá para uma das cidades especiais, onde será alocada em uma família temporária. – Os campos de trabalho de refugiados são chamados de cidades especiais nesta região? – pergunto espantada. É a primeira vez que ouço esse termo. O tenente ri. – Você não é mais uma refugiada, garota. Tento recordar as aulas sobre o funcionamento do governo da União, no continente Pacífico, e o proce­di­mento padrão quanto aos cidadãos especiais nas áreas fora de conflito, mas não consigo me lembrar de nada. De onde venho, pessoas com habilidades fora do comum são recrutadas pelo exército imediatamente, independentemente da idade e da vontade. A maior parte das pessoas aceita sem relutar, acreditando ser seu dever como cidadão. Mas a verdade é que somos educados a pensar assim desde a infância. Jamais me pareceu certo, porém isso nunca foi uma preocupação para mim. Seria cidade especial o termo utilizado para quartéis militares? Ai não! Eu havia me inscrito para os campos de refugiados justamente para fugir do exército! Ao perceber meu silêncio e minha confusão, o tenente suspira. Provavelmente, pensa que deveria ocupar seu tempo com outras tarefas. Todos os oficiais encarregados de conversar com garotas adolescentes confusas devem achar isso. – Eu me esqueço de que os territórios em litígio têm uma política especial quanto a vocês. Nas regiões em paz, todas as pessoas como você moram em cidades próprias, com contato mínimo com a população normal. 15


Não queremos que a raça humana seja degenerada com essas mutações, não é? – Sim, senhor – respondo, tentando esconder o choque pelo tom impaciente dele. – Agora que sabe da sua condição, evite ao máximo se aproximar dos humanos normais. Mantenha conversas apenas com oficiais e pessoas do seu tipo. – Ele se levanta, não parecendo mais simpático. – Só faça qualquer outro contato com autorização. Não se meta em problemas. – Certo, senhor. Não irei, senhor. Temos mais uma batalha de olhares e, dessa vez, ele vence.

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