MÁRCIO BUENO
FAÍSCAS VERBAIS A genialidade na ponta da língua
MÁRCIO BUENO
FAÍSCAS VERBAIS A genialidade na ponta da língua
9 Apresentação 15
De políticos
65
De artistas
101
De boêmios
117
De cientistas e intelectuais
135
De comunicadores
153
De esportistas
167
De militares
179
De economistas
183
Geral
189 Bibliografia 193
Índice onomástico
Apresentação
Qual é, afinal de contas, o pulo do gato? De onde alguns indi-
víduos tiram a capacidade prodigiosa de formular, num abrir e fechar de olhos, uma resposta irreplicável, com o poder de liquidar uma discussão e fulminar o oponente? Mais do que debater ou tentar explicar o fenômeno, este livro se ocupa mesmo em apresentá-lo. Trata-se de uma extensa coletânea desses momentos brilhantes, dessas respostas que saem no estalo, na bucha, de bate-pronto, de improviso. São centelhas da mente humana, que iluminam as penumbras da normalidade e fascinam até quem discorda do conteúdo delas. Frases elaboradas sem nenhuma pressa, e que só vêm à luz depois de muita ruminação, também são valiosas. Muitas, além de destilarem ironia, ainda condensam pensamentos filosóficos profundos. Mas este trabalho apresenta um diferencial – os autores não dispuseram de tempo algum para as suas criações. E as frases são demolidoras, sarcásticas, inteligentes ou irônicas, muitas delas geradas no calor de um debate, de uma discussão ou de uma entrevista. Quando iniciei as pesquisas, tinha para mim que se tratava de um dom, de uma característica inata e intransferível. O que significava que quem nasceu “convencional” estava fadado a ter um desempenho pífio e/ou ser derrotado nos debates e discussões. Até então, não imaginava que existem técnicas que permitem melhorar sensivelmente a performance nos embates verbais. Ou seja, trata-se, na verdade, de uma habilidade “ensinável” e, na outra ponta, “aprendível”, como veremos mais à frente. De acordo com a Teoria das Inteligências Múltiplas, desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Howard Gardner, existem oito tipos de inteligência: linguística, lógico-matemática, musical, espacial, intrapessoal, 9
interpessoal, corporal-cinestésica e naturalista. As atividades de orador e debatedor estão entre as que se enquadram na inteligência linguística. Mas muitos figurantes deste livro parecem reunir, bem desenvolvidos, todos esses tipos de inteligência já identificados e, com isso, fecham o circuito para produzir suas impactantes faíscas verbais. Para alguns deles, pelo volume e qualidade da produção, só cabe um tipo de classificação: são uns monstros! Por suspeita de participação no levante comunista de 1935, o escritor Graciliano Ramos e o humorista autointitulado Barão de Itararé estiveram presos na Ilha Grande, que faz parte do município de Angra dos Reis, na costa do Rio de Janeiro. O Barão era de uma criatividade e de uma presença de espírito insuperáveis, tornando-se um ídolo para os demais prisioneiros. Graciliano dizia que, quando o Barão morresse, queria participar da autópsia, abrindo sua cabeça para verificar o que tinha dentro. Em tempos idos, eles eram chamados de homens de espírito, pândegos, lépidos, trocistas, dados a pilhérias, a chistes, e vários outros sinônimos. Hoje, são chamados de espirituosos, que têm presença de espírito, rápidos. Os povos de língua inglesa chamam de wit tanto o dito espirituoso, quanto a pessoa espirituosa. E os franceses usam uma locução para denominar o oposto, a lentidão de raciocínio: é o esprit d’escalier, expressão que pode ser traduzida por “espirituosidade da escada”. A criação é atribuída ao filósofo e enciclopedista Denis Diderot. É a resposta acachapante, mas que só vem quando o cidadão já está descendo a escada para ir embora. Na hora, no momento do embate mesmo, os neurônios ficam completamente desarvorados, e o cidadão reage mais ou menos como o personagem criado por Luis Fernando Verissimo para um antigo programa de humor de Jô Soares: “Ah, é, é? Ah, é, é?”. Alguns autores dessas faíscas se destacaram de tal maneira, pela qualidade da produção e pela proficuidade, que viraram mitos ainda em vida. Como disse o ator e diretor Hugo Carvana a respeito de Roniquito, que foi um dos mais famosos e polêmicos boêmios de Ipanema: “A gente nunca sabe quais histórias são verdadeiras. Roniquito era um personagem folclórico, e o personagem às vezes é maior que a pessoa”. Com muitos outros – a exemplo de Jânio Quadros, João Saldanha, Emílio de Meneses, poeta do início do século XX, Carlos Lacerda, Tim Maia, Churchill –, acontece coisa semelhante. Para evitar divulgar histórias atribuídas a eles, mas não acontecidas, procurei me valer especialmente de obras de autores respeitados. Mesmo assim, é impossível garantir que absolutamente todos os episódios relatados tenham de fato ocorrido. Nos casos em que não foi possível a confirmação, deixei isto claro para os leitores recorrendo ao “Conta-se que...”. 10 | Faíscas verbais
As respostas estão agrupadas por atividades e por personagens. O leitor certamente se encantará e se surpreenderá com a argúcia, com o brilho de suas mentes privilegiadas. Mas o leitor pode achar também que alguns notórios gladiadores verbais não aparecem no livro. Outros não aparecem com o volume de citações que mereceriam. O que ocorreu em alguns casos foi a falta de registros suficientes em livros, documentos ou publicações a que o autor teve acesso – nestes casos, as poucas citações devem ser vistas apenas como uma pequena amostra da sagacidade, da agilidade mental de seus autores. Vou abrir aqui um parêntese para esclarecer por que sempre me interessei por esse tema, que considero instigante. É que cresci cercado de parentes pródigos na produção dessas tiradas. Vou selecionar uma pequena mostra. Um dia, um dos meus irmãos falava sobre algumas das espécies mais conhecidas na evolução desse animal que resultou no homem moderno. Depois do australopiteco (macaco do Sul), começou a sequência do gênero Homo. A primeira espécie foi o Homo habilis, sucedida, entre outras, pelo Homo erectus, que deu no Homo sapiens e, finalmente, no Homo sapiens sapiens, que é o nosso estágio. Quando eu perguntei à minha mãe – Julieta de Aguiar –, que era muito religiosa, o que ela achava dessas explicações da ciência, a resposta foi inusitada: – Eu acho que já estamos em outro estágio. Pelo que ando notando por aí, agora é o “Homo sexual”. Ela tinha 91 anos e nenhum preconceito. Apenas constatou que nos últimos tempos as pessoas estão conquistando o direito de assumir suas identidades sexuais, sejam elas quais forem. Em outro dia, discutia-se a questão da paz interior, quais seriam os caminhos que uma pessoa deveria seguir para se tornar imperturbável, para conquistar a serenidade. Até que alguém pediu a opinião dela, talvez com o intuito de aprender com a sua experiência. Resposta: – Não há nada que me dê mais paz nessa vida do que uma anestesia geral. Quando morreu um amigo da família, ainda impactada, ela foi comunicar a notícia trágica a meu irmão João Batista Bueno Ferreira. Só que ele não tinha a menor ideia de quem se tratava. – Quem foi mesmo que morreu? – Fulano de tal – insiste ela, de forma dramática. – Mas eu não sabia nem que ele já tinha nascido – diz João. De toda a família, ele sempre foi o de maior produtividade nessa área – parecia ter o código do sarcasmo e da galhofa inscrito no DNA. O registro das histórias é também uma homenagem que presto aos dois familiares queridos, que perdemos no espaço de dois anos. Apresentação | 11
Técnicas para vencer uma discussão
Como disse anteriormente, no início das pesquisas eu estava convencido de que era impossível aprender a ser um debatedor eficiente. Os estudos que empreendi mostraram que eu estava equivocado. Por incrível que possa parecer, existem técnicas para desenvolver essa capacidade. Vamos iniciar falando do termo “sofista” que, na Grécia Antiga, desde Homero, significava sábio ou sabedoria e evoluiu para designar mestre da retórica, da eloquência, que tinha como discípulos quem desejava seguir carreira política. Ainda na Grécia Antiga, o termo passou a denominar aquele que usa de habilidade retórica e de argumentos falsos ou inconsistentes para vencer debates ou discussões. Há mais de 2.300 anos, Aristóteles listou algumas técnicas usadas pelos sofistas para que aqueles que debatiam com eles pudessem se preparar e desmascará-los. Partindo do trabalho de Aristóteles e acrescentando o resultado de suas próprias pesquisas, Schopenhauer elencou 38 estratégias para vencer qualquer debate. Ele desenvolveu a arte de discutir de modo a ter sempre razão (por meios lícitos ou ilícitos). O filósofo não defendia o uso de qualquer meio. Dizia que seu trabalho foi descrever as táticas mais usadas pelos debatedores. Quem aprender essas técnicas, tanto pode usá-las para ficar atento e desmontar os argumentos do contendor como para, ilicitamente, derrotá-lo. Um exemplo de que é possível aprender a ser um bom orador nos deu Demóstenes, na Grécia Antiga. Ainda criança perdeu o pai, e os bens da família foram apropriados pelos tutores. Um dia, assistiu a um julgamento em que o orador teve um desempenho brilhante, sendo festejado, na saída do fórum, pela multidão. Impressionado, decidiu que seria essa a atividade da sua vida. Parecia um sonho irrealizável, pois tratava-se de um menino sem recursos, órfão e, além do mais, gago. Só que era da sua natureza uma determinação obsessiva. Conta-se que decidiu enfrentar a gagueira declamando poemas nas piores condições possíveis: correndo nas praias, contra o vento e com a boca cheia de pedrinhas. O esforço continuado acabou dando resultado. Ele superou a gagueira e com o tempo tornou-se o maior orador da história da Grécia. Mas – alguém poderá questionar – Demóstenes ficou conhecido como gênio da oratória e não como um grande debatedor. Ele foi citado porque geralmente um bom orador é também um bom debatedor – em muitas ocasiões, à fala segue-se uma sabatina. Se o orador não for um profundo conhecedor das nuances do assunto tratado e se não tiver 12 | Faíscas verbais
autocontrole e raciocínio rápido, entre outras características, poderá ter seu discurso desmontado e desqualificado. Schopenhauer achava que era possível aprender a ser um bom debatedor, mas reconhecia o valor da habilidade que nasce com a pessoa. Ao fazer essa afirmação, talvez estivesse se lembrando, entre outros, do romano Cícero (Marco Túlio) que, em meio a inumeráveis feitos, aniquilou dois inimigos com o poder de sua oratória, ou seja, no gogó. Os liquidados foram Lúcio Sérgio Catilina e Caio Licínio Verres. Os episódios foram tão marcantes que as palavras “catilinária” e “verrina”, baseadas nos sobrenomes das vítimas, viralizaram como sinônimos de discurso violento. E ainda hoje integram vários idiomas neolatinos e até germânicos. “Os dons inatos são os melhores”, dizia Schopenhauer, “no entanto muito pode ser feito para tornar alguém mestre dessa arte por meio da prática e da análise das táticas que podem ser usadas para derrotar um oponente, ou para combater as táticas que ele usa para o mesmo fim”. Para o linguista alemão Karl Otto Erdmann, é chocante ver com que frequência o vencedor de uma discussão não é o que está do lado da verdade e da razão, e sim o que é o mais espirituoso e sabe lutar de maneira ágil. “Como em qualquer disputa”, disse ele com viés de crítica, “em uma discussão o que está em jogo não é o desejo pela verdade, mas o desejo pelo poder”. Outro estudioso, o filósofo marxista italiano Antonio Gramsci, externava ideias parecidas. Para ele, uma discussão não é (não deve ser) uma guerra, na qual o objetivo é destruir o inimigo. Numa discussão, segundo ele, o objetivo é destruir os argumentos do contendor e lutar para fazer prevalecer as ideias mais consequentes. Neste livro, que não é centrado exclusivamente nos debates, você vai encontrar de tudo: tanto faíscas verbais baseadas em argumentos consistentes quanto intervenções absolutamente inescrupulosas, porém extremamente eficientes. Feitas essas observações, convido o leitor a passar da apresentação ao corpo do livro, desejando que lhe seja útil e divertido. Espero e desejo muito que não aconteça comigo alguma coisa parecida com o que se passou com Lord Londonderry, quando perguntou a Churchill se ele havia lido seu livro. Resposta: “Não, eu só leio por prazer ou para tirar algum proveito”. Márcio Bueno Fevereiro de 2016 Apresentação | 13
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