O casaco de Marx

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Num texto poético e comovente, Peter Stallybrass nos faz pensar sobre nossa relação com as roupas e com as coisas em geral. Ele descreve as roupas como objetos que se moldam à nossa forma humana, à nossa memória, e que carregam a nossa marca. Essa marca se torna mais evidente quando temos de lidar com as roupas deixadas por nossos mortos. Além de lançar mão de episódios de sua própria vida, Stallybrass percorre a vida de Karl Marx para saber o que acontecia com seu casaco quando escrevia O capital.

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Há toda uma poesia das roupas:

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Peter Stallybrass O casaco de Marx

O ano era 1998. Era perto do Natal. Eu pesquisava o tema do fetiche para um ensaio que estava escrevendo. E topei com um texto de Peter Stallybrass que me comoveu: “O casaco de Marx”. Éramos todos ainda religiosamente marxistas. E uma narrativa sobre o casaco de Marx, o que ele vestia, não o que teorizou em O capital, era um refresco num campo teórico um tanto árido. Fui atrás de mais coisas escritas pelo Peter. Acabei encontrando um ensaio mais pessoal dele sobre a roupa, inspirado pela jaqueta que lhe tinha sido deixada por um amigo que morrera de câncer não fazia muito tempo. E assim nasceu O casaco de Marx, em sua primeira encarnação, com apenas dois ensaios, mais tarde acrescidos de um terceiro. Imaginei que seria um fracasso de venda. Não foi. Também não foi um sucesso. Mas o modesto volume pegou. Desconfiamos que o rastilho foi aceso pelo pessoal da moda, que tomou gosto pelos deliciosos e comoventes textos do Peter sobre os mistérios dos tecidos que vestimos e, em particular, sobre o casaco de ninguém menos do que Karl Marx. O livrinho se tornara cult. Passaram-se mais de quinze anos, mas os delicados textos de Stallybrass continuam inspirando e comovendo muita gente. Foi para comemorar essa trajetória que fizemos a presente edição. Mas a mudança não é apenas de aparência, embora não sejamos dos que a desprezam, muito pelo contrário. A tradução dos dois textos iniciais de Peter foi praticamente toda refeita. Essa retradução se beneficia de minha experiência tradutória nesses anos todos e, em particular, da experiência dos últimos anos com tradução literária. Aí estão, pois, os ensaios de Peter, em traduções refeitas, para o deleite da releitura dos que os leram em sua outra encarnação e para o encanto de uma primeira leitura dos que ainda não tinham tido a oportunidade de encontrá-lo. Tomaz Tadeu

Virginia Woolf: “Por mais que pareçam vãs ninharias, as roupas têm funções mais importantes do que a de simplesmente nos manter aquecidos. Elas mudam nossa visão do mundo e a visão que o mundo tem de nós. Há muitos argumentos em apoio da opinião de que são as roupas que nos vestem, e não nós a elas; podemos moldá-las ao nosso braço ou ao nosso peito, mas elas moldam nossos corações, nossas mentes, nossas línguas ao seu bel-prazer.”

Peter Stallybrass O casaco de Marx roupa, memória, dor

Paul Auster: “Aprendi que não existe nada de mais terrível do que ter que encarar os objetos de um homem morto. As coisas são inertes: elas têm um significado apenas em função da vida que faz uso delas. Quando aquela vida termina, as coisas mudam, mesmo quando permanecem as mesmas. Elas estão lá e, ainda assim, não estão lá: fantasmas tangíveis, condenados a sobreviver em um mundo ao qual não mais pertencem.” Virginia Woolf: “Aquelas coisas que as pessoas tinham tirado e deixado para trás – um par de sapatos, um boné de caça, algumas camisas desbotadas e casacos em guarda-roupas – apenas essas conservavam a forma humana e no vazio indicavam como outrora estiveram recheadas e animadas; como outrora as mãos estiveram ocupadas com ganchos e botões; como outrora o espelho estampara um rosto, inclinado, olhando.” Rubem Braga: “Pego as pequenas luvas pretas.Têm um ar abandonado e infeliz, como toda luva esquecida pelas mãos. Os dedos assumem gestos sem alma e todavia tristes. É um objeto inerte e lamentável, mas tem as rugas da vida, e também um vago perfume.” Em O casaco de Marx, Peter Stallybrass, em três ensaios que misturam teoria social e lirismo, política cultural e histórias pessoais, literatura e teoria econômica, segue essa pista para traçar um amplo panorama da poética e da política da roupa.

ISBN: 978-85-8217-843-0

9 788582 178430

Organização e tradução Tomaz

Tadeu


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