ISBN 978-85-7526-442-3
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Beatriz de Almeida Magalhães
Beatriz de Almeida Magalhães estreou na ficção com Sentimental com filtro, vencedor na categoria Romance do I Prêmio Nacional Vereda Literária, em 2002. Nasceu em Ouro Fino, Sul de Minas, vive em Belo Horizonte. É bacharel em Artes pela UEMG, bacharel em Arquitetura e doutora em Letras: Estudos Literários pela UFMG. Poetopos: cidade, código e criação errante, tese defendida em 2008, trata da produção estética e poética de desabrigados e andarilhos nas ruas de Belo Horizonte, cidade que tem sido seu tema constante: Belo Horizonte: um espaço para a República (Proex/ UFMG, 1989), Belo Horizonte: o barroco e a utopia, Cadernos de Arquitetura e Urbanismo (PUC-MG, 1994), ReGIZtros efêmeros, ZAP Cultural: Revista da Secretaria Municipal de Cultura (1996), A formação da cidade, arquitetura da modernidade (UFMG, 1998) e Sentimental com filtro (Autêntica, 2003). Caso oblíquo é um projeto premiado pelo Programa Petrobras Cultural 2007.
“Dezenove anos! O dia e o lugar de meu nascimento estão mais e mais longe. Após cinco meses, eu consigo recordar só a Bruges dos bilhetes postais de saudações, enquadrada, em partes, mas esmaecida, gris sob a neblina da realidade e a névoa da memória, reflexos trêmulos nos canais apenas: empenas serrilhadas, telhados pontiagudos, agulhas de igrejas, cisnes retraídos, os bicos sob as penas. Pelas pontes, trotes de caleches, as capotas levantadas. Chuva lá. Chuva cá. O véu fino que me regou a infância e a adolescência tornou-se grossa rede ao se lançar sobre minha juventude tropical. Chove cordas no verão aquoso do Brasil. Nada é sólido. Nada acontece. O jorro contínuo da água. Pancadas secas no relógio da Matriz. Badaladas graves nos sinos de seu par de torres. Repiques argentinos na Capela do Rosário. Surdas explosões de dinamite nas pedreiras ao longe. Belo Horizonte não existe: nem belo nem horizonte!”
Beatriz de Almeida Magalhães
A Proclamação da República deflagra em Minas Gerais complicado processo, inédito no Brasil, que instala um paradoxo: a escolha de começar do zero uma cidade para ser a Capital implica a gradual expulsão da população republicana que reivindicara sediá-la e a total destruição de seu secular casario. Assim, a partir de 1894, ano da instalação da Comissão Construtora da Nova Capital, a Freguesia do Arraial do Belo Horizonte turbilhona-se com a vinda de forasteiros, compreendendo pessoal técnico, operários, empreiteiros, empresários, negociantes, bem como a chegada de equipamentos, materiais, mercadorias, tecnologias, conhecimentos, informações, ideologias, religiões, práticas, costumes, capitais, idiomas estrangeiros... O vigário da Matriz de Nossa Senhora da BoaViagem, jovem republicano, divide-se entre colaborar com o revolucionário empreendimento, combatido por conservadores da velha capital mineira, Ouro Preto, dosar as ações dos positivistas que encarnam a nova Ordem, a do Progresso, e deter o avanço de protestantes, maçons, aventureiras e oportunistas que, a seu ver, introduzem a degradação, a discórdia, a violência. Para defender os fiéis das ameaças, o seu domínio até então pacífico sobre eles e articular a memória do arraial em vias de desaparecimento, lança a pioneira folha local, o semanário Bello Horizonte, a bordo do comboio inaugural da linha entre o grande canteiro de obras e a Estrada de Ferro Central do Brasil. Nos vagões, vêm autoridades nacionais, civis, militares, eclesiásticas, representantes da imprensa do Estado e da Capital Federal e populares para o festivo e memorável Dia da Pátria de 1895. Eis que, nem bem o remoto arraial liga-se ao mundo por trem, telégrafo, telefone e jornal, o isolam dele chuvas torrenciais de um atípico verão na passagem para o ano de 1896. Os impactos se fazem sentir de forma bastante irônica: o Chefe do Trem do Ramal Férreo é a primeira vítima da precariedade e da insalubridade reinantes, em traição de propósitos, expectativas e desejos.
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