TRADUÇÃO: RENATA SILVEIRA
Este livro é para Loïcka e nossos dois filhos, Samuel e Jean.
É também para a minha mãe, para o Fréderique e para o Philippe. Espero que nada aqui os magoe.
Os possíveis ecos de aventuras que nos aconteceram são bem distantes da realidade, distorcidos por minha memória, e em prol da escrita ficcional e da dramaturgia. No entanto nenhum dos sentimentos aqui descritos são falsos, tudo foi roteirizado num espírito de sinceridade e afeto.
Nesse âmbito, este livro é dedicado à memória de meu pai.
Cito também Yves e Ryun, que fizeram muito mais do que se espera de um editor. O entusiasmo e a qualidade do acompanhamento que me deram me parecem guiados por uma paixão genuína por essa arte surpreendente e polimorfa que é a história em quadrinhos. Muito obrigado aos dois.
PIERRE-HENRY
Publicado originalmente em língua francesa com o seguinte título: Malaterre © DARGAUD BENELUX (DARGAUD-LOMBARD S.A.) 2018, by Gomont www.dargaud.com
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editor responsável
Eduardo Soares
assistente editorial
Alex Gruba
concepção gráfica original
Philippe Ghielmettiadaptação de capa e miolo
Viviana Mara
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Gomont, Pierre-Henry
Malaterre / Pierre-Henry Gomont ; tradução Renata Silveira. -- 1. ed. -São Paulo, SP : Nemo, 2023.
Título original: Malaterre ISBN 978-85-8286-572-9
1. 1. Histórias em quadrinhos I. Título. 23-152435
Índices para catálogo sistemático:
1. Histórias em quadrinhos 741.5
Tábata Alves da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9253
CDD-741.5
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Como é?
Você vai me abandonar agora?
Sabe quanto desembolsei somando tudo?
Não fique bravo…
Bom, você deve saber por alto.
Considerando o quanto você tirou no processo…
Fale baixo…
Falar baixo?
Chega, por favor… Eu avisei, mas você insistiu…
Essa brincadeira me custou 40 mil.
Tenho cara de burguês?
Não posso bancar isso. Escuta.
O prazo para recurso vai expirar. procura procura
Paguei caro para ter que ouvir essa baboseira.
...
Mas…
O que é que tem?
Desde quando você é médico?
Essa é nova.
Escute, meu caro…
Temos que escrever para o juiz. Não temos outra escolha…
Acabamos de receber uma carta do liquidante e, na ausência de ele “O prazo para recurso vai expirar.”
… voltou a fumar?
O que quer dizer com isso? É claro que temos escolha.
Tsc tsc…Você pode esperar seu juizinho de peruca botar no seu toba…
… ou pode lutar.
Sou um homem de negócios. Eu luto.
Tenho pessoas contanto comigo… Tenho responsabilidades.
Não sou um burocrata que fica coçando o saco no conforto de um escritório…
Já deu?
Acabou seu teatrinho?
Quer saber?
Você tem toda razão…
Precisamos falar sério. É meu dever como advogado.
Vou te mandar o contato de um advogado de verdade… Daí você passa o dossiê para ele.
Gabriel…
Vamos falar sério.
Não se preocupe, você não foi o primeiro a me deixar na mão…
…
Hum… Tenho a mania de esperar demais de meus amigos.Gabriel …
Trocar de advogado não vai adiantar. Já era.
Ah…
… a propósito.
Voltei a fumar.
Ordem do médico.
Naquele dia Gabriel partiu com a majestade de um rei shakespeariano…
No meu estado seria pior se eu parasse de uma vez.
… ainda que um pouco vacilante por influência do conhaque bebido mais cedo.
Após três tentativas frustradas, Gabriel conseguiu pôr as oito cilindradas de sua picape para funcionar.
Ela andou alguns metros.
Parou.
Ele desceu do veículo, agora cambaleando com tudo.
Por um motivo que entenderemos mais tarde, sua camisa estava manchada de sangue.
Alguns desocupados que passavam a manhã nos arredores do bar correram para prestar socorro.
Mas Gabriel caiu como uma pedra na terra vermelha, imobilizado pela violência do infarto. Não havia ambulância disponível, então colocamos a carcaça de meu amigo em seu próprio carro e, singelamente, o levamos ao hospital.
Às 9h40 o interno de plantão notificou oficialmente sua morte.
Para alguns, podia parecer violento.
Caricatural, às vezes.
Mas os céus foram generosos com ele e lhe deram um verdadeiro charme.
Por isso o Gabriel tinha mais facilidade em fazer amigos que em mantê-los.
Hoje foi o último presente que o destino lhe deu.
Morreu longe dos filhos, é verdade…
…mas foi poupado do caos que se aproxima.
O Gabriel era um homem curioso.Um uísque, por favor. A esta hora?
É a última vez que bebo.
Sei de pessoas que ficarão aliviadas com sua morte.
A única pessoa com quem eu gostava de beber acaba de partir.
Obrigado.
Chegou aqui em 1986. Falam como se fosse aí que tivesse começado a se perder.
Mas a culpa não é deste país…
Não…
A sequência de acontecimentos teve início quando Gabriel comprou uma área florestal, tesouro fundado por seus ancestrais no coração da floresta tropical…
… área essa que, nas fantasias de meu amigo, era motivo de um orgulho antiquado, e também de uma vergonha latente em virtude do declínio de sua linhagem.
Haha Conheço bem essa. Eu não. O Gabriel era meu amigo.Gabriel Dominique Bernard Marie Lesaffre nasceu dia 3 de março de 1945 em um pequeno apartamento no Boulevard Barbès (18 o arrondissement de Paris), ao som de uma sinfonia de berros abafada apenas pelo mormaço.
Vamos, senhora! De novo!
Foi o primeiro filho de cinco crianças (reduzidas a quatro). E o pior, seria o único a passar o nome dos Lesaffre adiante.
Gabriel Jeanne (chamada Jeannette)
Marc (faleceu com poucos dias)
Maud (chamada Malou) Brigitte (chamada Bibiche)
No começo Gabriel era um menino raquítico, tuberculoso, acometido de frequentes enxaquecas. Ainda assim, dotado de uma inegável vitalidade.
Não fuieu!… Não fiz nada!