a u to r a d a s ĂŠ r i e b e s t - s e l l e r F A z e n d o m e u F i l m e
Pau l a Pi m e n ta
temporada
Paula Pimenta
temporada
Prólogo
Julia: Às vezes me pergunto se esses sentimentos irão desaparecer algum dia. (Party of five)
Tudo começou exatamente um ano atrás... Mas, para a minha memória, nem um dia se passou. Era o meu aniversário de 15 anos. Meus pais bem que insistiram... Eles queriam que eu tivesse uma grande festa, com valsa, DJ, muita gente, muita comida... Muito dinheiro desperdiçado em uma noite só. E por isso mesmo, por achar que eu poderia fazer muito mais com aquela grana toda, recusei. Obrigada, papai e mamãe, vamos deixar a festa de arromba para o meu casamento, caso eu me case algum dia. Quero de presente uma viagem. Com destino à Disney. Clichê? Sim. Mas eu tenho essa teoria de que, se é clichê, não tem como ser ruim. Clichê nada mais é que uma coisa que já foi repetida várias e várias vezes. E por que alguém repetiria, voluntariamente, algo que não fosse bom? “Mas você já foi à Disney”, meus pais responderam, por mais que soubessem que naquela época eu tinha apenas sete anos de idade e só pude ir aos brinquedos que a minha pouca altura permitiu. Apenas anos depois foi que cresci todos os centímetros que hoje me fazem ser considerada uma garota alta. Na ocasião, não foi nada divertido ter que ficar segurando a mão da minha mãe enquanto via meu irmão e meu pai andarem em todas aquelas montanhas-russas radicais. Mas agora seria diferente. Eu queria viajar sozinha. Quero dizer, sem família. Apenas com minhas amigas, já que com o Rodrigo eu sabia perfeitamente que eles
não permitiriam de jeito nenhum. E eu também duvidava muito que meus pais deixassem que eu fosse para Londres, Paris, Nova York, Dubai ou qualquer outra cidade que eu sonhava conhecer. Já a Disney tinha um aspecto puro, encantado... O que quatro meninas de 15 anos poderiam aprontar na terra do Mickey, além de dar voltas e voltas em mil brinquedos e gastar nos outlets todo o dinheiro destinado à alimentação? Era isso também o que eu pensava. Que nada de mais poderia acontecer. Que eu entraria naquele avião e voltaria 12 dias depois, cheia de malas e histórias inocentes, que abasteceriam meus sonhos por muito tempo... Como eu estava enganada... Sim, eu voltei 12 dias depois. Com as malas abarrotadas. E com muitas histórias. Mas, ao contrário do esperado, elas não eram nada infantis... E não me fizeram sonhar. Simplesmente porque, desde então, a lembrança daquela viagem não me deixa mais dormir.
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Jerry: Feliz aniversário? Nem tanto. (Seinfeld)
“Não se esqueça de fazer um pedido, Priscila!” Eu já estava com os olhos fechados e segurando o fôlego para soprar todas aquelas 16 velas, mas a voz do Arthur me tirou a concentração. Então, em vez de apagar tudo de uma vez, demorei uns segundos pensando no que pediria, enquanto olhava as velinhas derretendo em cima do bolo de brigadeiro. “Ela nunca se lembra de desejar alguma coisa...”, a Bruna cutucou o meu irmão. “Também, com um bolo maravilhoso desse, meu único pensamento seria apagar tudo depressa pra atacá-lo o mais rápido possível...” “Não tira a concentração da Pri, gente! Aposto que ela está desejando coisas bem altruístas, como ganhar na loteria pra salvar todos os cachorros de rua ou entrar no Big Brother e, com o prêmio, abrir um abrigo para gatos abandonados...” Ei! As ideias da Larissa eram muito boas... Prendi o ar, fechei os olhos, e, quando eu já me preparava novamente para soprar, meu pai falou: “Contanto que ela não peça outra viagem ao exterior, tudo bem. Ela causou um rombo no meu cartão de crédito com aquela ida à Disney no ano passado”. Em vez de soprar, eu meio que engasguei com o ar que tinha segurado e comecei a tossir. Meu irmão tirou depressa o bolo da minha frente, dizendo que eu iria contaminá-lo com os germes da minha tosse. Eu já ia responder que o bolo era meu e que poderia fazer o que quisesse com ele, só que de repente percebi que sabia exatamente o que queria pedir e, por isso mesmo, dei um grande sopro, que apagou de uma vez só todas as velas, ainda que o Arthur já tivesse se distanciado. “Uau, esse foi forte!”, a Bruna disse rindo. “Aposto que o pedido foi feito com muita energia também!” 13
Ela não poderia estar mais certa. Desejei com toda a força que ninguém nunca mais falasse daquela viagem comigo, que a palavra “Disney” sumisse do vocabulário de todo mundo e que eu tivesse uma amnésia que apagasse aqueles dias da minha mente de uma vez por todas! Mas, pelo visto, eu podia esquecer... “Por falar em Disney, a Luísa voltou mesmo este ano pra lá?”, meu pai me perguntou. “É por isso que ela não está aqui?” “Ela foi com a família”, a Larissa respondeu por mim. “Desde que nós voltamos, a irmãzinha dela não parou de falar que queria ter ido também, que foi uma grande injustiça a Luísa ter ganhado a viagem e ela não... Nem adiantou os pais explicarem que aquele tinha sido o presente de 15 anos da Lu, assim como o meu, o da Bruna e o da Pri. Ela reclamou tanto, que eles acabaram economizando para viajar com as duas filhas nestas férias. Mas a Luísa já escreveu falando que não está achando a menor graça desta vez, que ir com a gente foi infinitamente melhor e que não vê a hora de voltar pra casa...” “Isso prova que o que importa é a companhia, e não o lugar”, meu pai falou. “Ainda bem, pois assim a Priscila não vai reclamar de passar as férias inteiras aqui com vocês, em vez de viajar.” “Bebeu o que, pai?”, o Arthur falou devolvendo o bolo para a mesa e já preparando para cortá-lo. “Desde que chegou, tudo o que ela faz é reclamar! Já falou que a gaiola do Chico está enferrujada, que o apartamento é apertado, que só passa seriado repetido na televisão, que não para de chover... Tem certeza de que não quer reconsiderar e deixá-la viajar com o Rodrigo?” Eu ainda estava meio anestesiada por causa daquele papo todo sobre a Disney, mas despertei ao ouvir o nome “Rodrigo” e aproveitei o incentivo do meu irmão. “É, pai! Por favor... Me dá isso de presente de aniversário! Ainda dá tempo, ele só vai daqui a alguns dias!” “Priscila, eu já te dei um presente. Aliás, um não... Dois! Não tenho culpa se você acabou com ele em um dia. Não entendo como você consegue ver séries de TV nessa velocidade! A graça é exatamente ficar uma semana esperando pelo próximo episódio...” 14
“Então você já acabou de ver Joan of Arcadia e Being Erica? Posso pegar emprestado?” Eu nem tive tempo de responder a pergunta da Larissa, pois o meu pai voltou a falar antes. “Pensei que essa conversa sobre a viagem com o Rodrigo já tivesse chegado ao fim! Não quero ouvir mais nada sobre esse assunto. Já falei que você não tem idade pra viajar com namorado, e ponto final! Além do mais, você passa o ano inteiro com sua mãe, gostaria que você quisesse ficar comigo pelo menos nas férias... No ano passado, já tive que abrir mão de você por duas semanas por causa da Disney.” De novo aquela palavra... “E, além do mais”, meu pai continuou, “se o Rodrigo quisesse mesmo ficar com você, teria vindo pra cá. E não inventado de viajar pro Nordeste!” “Do jeito que você fala, parece até que ele me trocou por uma praia com os amigos! Já expliquei que o Rodrigo só viajou porque fazia mais de um ano que não via a irmã dele, que mora no Canadá! E agora que ela veio passar uns dias no Brasil com o namorado canadense, o Rô quer ficar o máximo possível perto dela, o que significa viajar com eles para Morro de São Paulo! O gringo queria conhecer o famoso litoral brasileiro, por isso eles alugaram uma casa grande lá, com uns quatro quartos. A mãe, o pai, o Daniel e a namorada dele vão também... que mal teria em eu ir junto?!” “Concordo com você, pai”, o Arthur disse com a boca cheia. Só então percebi que ele já tinha partido o meu bolo e o estava devorando sem dó! “Isso é matemática de ensino fundamental: existem quatro quartos na casa. O pai e a mãe do Rodrigo vão ficar no primeiro quarto. A irmã e o namorado, no segundo. O irmão e a namorada, no terceiro. O Rodrigo, sozinho, no último. Se a Pri fosse, onde será que iriam colocá-la, hein?” “No quarto quarto!”, a Larissa respondeu. Olhei feio para ela, que logo disse: “Desculpa, Pri, não resisti! Não podia deixar de dizer ‘quarto quarto’, que combinação legal!” “Olha, pai, se esse é o problema, eu posso dormir na sala! Ou falo pro Rodrigo dormir com o Daniel, e eu durmo com a 15
namorada dele! Sei que eles não vão se importar... Na verdade, aposto que ninguém nem está pensando em dormir, todo mundo quer mais é ficar acordado o máximo possível curtindo as férias! Poxa, pai! Por favor!” Meu pai deu um longo suspiro, e eu cheguei a pensar que ele ia me entregar o cartão de crédito para que eu comprasse a passagem. Em vez disso, ele falou: “Priscila, parte meu coração ter que brigar com você no dia do seu aniversário. Mas, se você não parar com esse papo agora, vou levar as suas amigas pra casa delas e acabar com esta festa, já que pelo visto você não está interessada em nada do que tem aqui”. Ele subiu um pouco o tom de voz, e eu percebi que estava falando sério. Era difícil ver o meu pai bravo, mas, quando ele ficava assim, era de dar medo. E, pelo jeito, não era só eu que pensava isso; meu irmão enfiou o resto da fatia de bolo na boca e saiu de fininho. Notei também que a Bruna e a Larissa estavam se entreolhando assustadas, como se estivessem procurando a saída de emergência. Eu não respondi nada, só fiquei olhando para o bolo e para os salgadinhos, com vontade de gritar que nada daquilo me interessava mesmo, mas eu sabia que não era verdade. Eu reconhecia o esforço do meu pai, por ter comprado tudo e ainda saído do trabalho mais cedo para buscar as minhas amigas, que agora moravam muito longe do novo apartamento. E eu realmente estava gostando da festinha... Mas lembrar que o Rodrigo ia passar o verão em alguma praia, longe de mim, me tirava do sério! Meu pai me deu uma última olhada, balançou a cabeça e, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, se virou e saiu da sala. “Nossa, Pri...”, a Larissa comentou assim que ele sumiu de vista. “Seu pai preparou essa comemoração com o maior carinho! Comprou o bolo que você mais gosta, encheu tudo de balões... e você age como se não estivesse nem aí... Tadinho!” Eu tinha acabado de pensar exatamente a mesma coisa, mas ouvir da boca de outra pessoa me deu a maior vontade de chorar. Deixei a Larissa e a Bruna na sala e fui para o meu quarto, que eu ainda não considerava exatamente “meu”, mas que era onde eu 16
ficava agora quando ia a São Paulo. Desde a separação, três anos atrás, meu pai começou a achar a nossa antiga casa muito grande só para ele e o meu irmão. E recentemente o trabalho dele tinha ganhado uma nova sede, na Bela Vista, onde o Arthur também fazia estágio. Dessa forma, os dois estavam passando mais tempo no trânsito do que dentro de casa, aonde iam praticamente apenas para dormir. Por isso, há seis meses, me comunicaram que o lugar onde eu tinha crescido seria vendido. No começo, quase tive um colapso. Por mais que eu fosse lá apenas em alguns feriados e nas férias, aquela ainda era a minha maior referência de São Paulo. Era perto da minha antiga escola e no condomínio onde as minhas amigas ainda moravam. Atualmente eu considerava BH muito mais minha casa do que lá, mas São Paulo teria para sempre algo que lugar nenhum do mundo poderia me dar... a minha infância. Era para lá que eu ia quando procurava, nas minhas lembranças, as brincadeiras nas ruas do condomínio, o início da minha amizade com as meninas, as primeiras festinhas e paqueras, o amor que o meu pai e a minha mãe sentiam um pelo outro. Eu deveria saber. Tudo um dia acaba.
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