Musica, mente e educação

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Keith Swanwick

Música, mente e educação

Tradução

Marcell Silva Steuernagel


Copyright © 1988 Keith Swanwick Copyright © 2014 Autêntica Editora Título original: Music, Mind, and Education Todos os direitos reservados. Tradução autorizada da edição em língua inglesa, publicada por Routledge, um membro da Taylor & Francis Group. Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora. EDITORA RESPONSÁVEL

REVISÃO

Rejane Dias REVISÃO DA TRADUÇÃO

Lira Córdova Lívia Martins

Cristina Antunes

CAPA

LEITURA TÉCNICA

Tereza Castro

Alberto Bittencourt (sobre imagem de Istockphoto/Stephen Moore)

PREPARAÇÃO

DIAGRAMAÇÃO

Christiane Costa Christiane Morais

Lúcia Assumpção

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Swanwick, Keith Música, mente e educação / Keith Swanwick ; tradução Marcell Silva Steuernagel. -- 1. ed. -- Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2014. Título original: Music, Mind, and Education. ISBN 978-85-8217-115-8 1. Música - Aspectos psicológicos 2. Música - Aspectos sociais 3. Música - Estudo e ensino I. Título. 13-03920

CDD-780.7

Índices para catálogo sistemático: 1. Educação musical 780.7 2. Música : Estudo e ensino 780.7

Belo Horizonte Rua Aimorés, 981, 8º andar . Funcionários 30140-071 . Belo Horizonte . MG Tel.: (55 31) 3214 5700 Televendas: 0800 283 13 22 www.grupoautentica.com.br

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SUMÁRIO

Agradecimentos 11 Introdução 13 A tese 17 Capítulo 1 – Uma apologia da teoria: O que pensamos importa? 21 Teorias da educação musical 25 Valores tradicionais 26 Foco nas crianças 30 Respeitando tradições alternativas 32 Importa, sim, o que pensamos 34 Capítulo 2 – O que faz a música ser musical? 37 Som e música 37 Respondendo à expressão 43 Estrutura musical 51 Capítulo 3 – As artes, a mente e a educação 57 O valor das artes 57 As artes como “diferentes” 59 As artes como sonho 61 As artes como jogo 64 Domínio, imitação e jogos imaginativos 65 As artes e o intelecto 70 O valor final das artes 74


Capítulo 4 – Desenvolvimento musical: os primeiros anos 77 O conceito de desenvolvimento 78 A base teórica 80 Composições de crianças 86 Uma primeira análise 88 Rumo a um modelo de desenvolvimento musical 89 Domínio: resposta sensorial e manipulação 91 Imitação: a expressão pessoal e o vernáculo 92 Capítulo 5 – Desenvolvimento musical além da infância 97 Jogos imaginativos: a especulação e o idiomático 99 Metacognição: valoração simbólica e envolvimento sistemático 101 Oito modos de desenvolvimento 105 Desenvolvimento musical e encontro musical 109 A teoria em evolução 111 Desenvolvimento musical e educação musical 113 Interlúdio: da teoria à prática 117 Capítulo 6 – A exclusividade cultural da música 121 Valorando e rotulando 121 Preconceito e valoração 126 Fronteiras musicais 130 O impedimento de novos sons 131 O impedimento do caráter expressivo alheio 131 O impedimento da estrutura difícil 132 Removendo os rótulos 133 Capítulo 7 – Educação musical em uma sociedade pluralista 135 Transcendendo culturas 137 Transformação e reinterpretação 141 Uma atitude intercultural 147 O objetivo da educação musical intercultural 151 Além da sala de aula 153


Capítulo 8 – Instrução e encontro 155 Classificação e enquadramento 156 Instrução musical 159 Encontros musicais 164 Encontro e currículo 166 Conhecimento tácito 168 Dois exemplos da educação musical 169 Duas descrições de encontro 174 Capítulo 9 – Gerando um currículo e avaliando alunos 177 Em resumo 177 Alunos avaliam o currículo de música 180 O problema da progressão 184 Conceitos ou características? 185 A avaliação nas artes 189 Desenvolvendo critérios musicais 191 Fora do cronograma 196 Referências 199


Agradecimentos

Sou grato ao Instituto de Educação da Universidade de Londres por me permitir o uso de ideias publicadas em minha palestra As artes na educação: sonhando ou acordado? (1983). Também agradeço à Editora da Universidade de Cambridge pelo acesso ao material escrito em parceria com June Tillman, “A sequência do desenvolvimento musical: um estudo de composições infantis”, publicado no British Journal of Music Education, n. 3, v. 3, em novembro de 1986. À Universal Edition (Londres) agradeço por gentilmente ter permitido a citação de The Rhinoceros in the Classroom, de Murray Schafer (1975). O texto do poema “Parábola do velho e do jovem” foi reproduzido, com a devida permissão, a partir da obra The Collected Poems of Wilfred Owen, publicada por Chatto e Windus (1967). A conclusão desta obra foi possível graças ao Conselho do Instituto de Educação que, generosamente, me permitiu desfrutar de um período prolongado de estudos em 1988. Muitos dos temas examinados neste livro evoluíram ao longo de vários anos de contato caloroso com colegas professores, especialmente alunos de mestrado e pesquisadores da universidade. Espero que eles encontrem aqui algo de valor. Gostaria de agradecer em especial a Richard Frostick, que recentemente reacendeu meu interesse por Popper, e ao trabalho de June Tillman: sem sua pesquisa, este livro seria muito diferente. Minha secretária foi Margaret Clements, que, paciente e cuidadosamente, me ajudou a trabalhar na obtenção da versão final do livro, negociando com habilidade as dificuldades entre processadores de texto incompatíveis. 11


Introdução

Antes de entrarmos no conteúdo deste livro, me parece apropriado delinear um breve resumo de como e por que ele veio a ser escrito. Em momentos diferentes, como músico, professor de escolas primárias e secundárias,1 e professor universitário, minha especial boa sorte vem me propiciando oportunidades de entrar em contato, de maneira bastante intensa, com a música, pessoas e ideias, e de ser constantemente estimulado pela interação de opiniões intelectuais e prática profissional. Acima de tudo, tenho desfrutado da inspiração da atividade artística por meio do questionamento filosófico, psicológico e estético. Mesmo nas épocas mais ocupadas e trabalhosas nas salas de aula, ou ensaiando e organizando grupos de músicos profissionais e amadores, ou envolvido na política das escolas primárias e secundárias ou da universidade, um inevitável senso de ser capaz de dar um passo atrás, olhar as coisas em perspectiva e refletir a respeito do propósito do “empreendimento” me ajudou a preservar a sanidade e a perceber o caminho a seguir. O sistema de educação britânico é dividido em primário, secundário e superior, de maneira bastante similar à antiga divisão brasileira. (N.T.)

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Música, mente e educação

Suponho que essa tendência não é rara e que todo e qualquer indivíduo tenta entender o mundo, fazer mapas mentais, juntar os elementos espalhados da experiência humana. Todos nós precisamos “colocar as coisas em ordem”. Acontece, então, que o trabalho que agora desempenho na educação musical me leva a “colocar as coisas em ordem” de uma maneira bastante rigorosa. Não há como me esquivar, ser negligente, vago ou oferecer opiniões triviais em reuniões com alunos ou em conversas com colegas. Há um sentimento de estar constantemente sendo levado a explicar, interpretar, juntar ideias; em outras palavras, teorizar. Nem toda essa pressão vem de outras pessoas; parte dela é exercida por ideias, teorias ou pelas próprias situações. “Vamos”, dizem elas, “resolva-nos”. Creio ser possível traçar minhas maiores preocupações pessoais, minhas “resoluções”, dentro da educação musical conforme elas se revelaram ao longo de três décadas. Durante os anos 1960, o ímã intelectual que me atraiu à pesquisa intencional do assunto foi essencialmente o problema da natureza da experiência musical. A sensação de que esta era a área central que precisava ser desvendada para a educação musical foi reforçada por um senso intuitivo sobre o incrível poder e potencial mental da música, uma consciência amplificada por ressonâncias nos escritos de Langer e outros que foram capazes de descrever e quase, quase, chegar a explicações sobre o quê a música realmente é. Essa cruzada intelectual foi empreendida a partir de um “campo-base” de ensino, ensaio, performance e composição, atividades em comparação com as quais as ideias eram sempre testadas. Esse interesse em uma teoria da música foi desafiado pelo fenômeno relativamente novo da música popular distribuída de maneira massiva, começando depois a ser vista com alarde ou curiosidade pelos educadores musicais. Em Popular Music and the Teacher (1968), fiz o que pude para tratar as questões de maneira produtiva, embora não abandonando a ideia da responsividade musical a um destino sociológico. Era, creio eu, a primeira tentativa britânica de olhar seriamente a questão da música pop em termos de educação musical. 14


Introdução

No começo dos anos 1970, a educação musical britânica apresentava-se partida por “filosofias” conflitantes – na verdade, várias teorias sobre a música e a maneira como as pessoas aprendem. Elas correspondiam a uma ampla variação de práticas curriculares que faziam as aulas de música nas escolas parecer quase arbitrárias, apesar de o ensino na educação superior e posterior raramente se desviar de pressupostos tradicionais e padrões de prática. “Belief and Action in Music Education” (1977) foi uma tentativa de trazer essas questões à baila, enquanto o principal propósito por trás de A Basis for Music Education (1979) era tentar criar uma balsa filosófica sobre a qual a educação musical pudesse flutuar dentro das escolas primárias e secundárias, e além das faculdades. Eu estava atrás de uma teoria abrangente que pudesse ser posta à prova, refinada e colocada em prática pelos educadores musicais em diversos contextos práticos. Em Discovering Music, escrito com Dorothy Taylor (1982), essas ideias foram incorporadas em sugestões práticas para mostrar como poderiam ajudar a gerar atividades curriculares fundamentadas. Para o bem ou para o mal, não é difícil de perceber a influência de algumas dessas ideias, assim como as de outros colegas, incorporadas nas atividades de sala de aula contemporâneas, nas deliberações de consultores e inspetores, nos critérios do exame do GCSE (General Certificate of Secondary Education) britânico, nas novas propostas de Nível “A”, na documentação dos HMI (Her Majesty’s Inspectors) e em alguns dos desenvolvimentos mais recentes na educação superior. Trabalhar em direção a um entendimento da base estética e psicológica da música e da experiência musical parece ter ajudado a facilitar uma mudança no clima educacional. Uma coisa é certa: educadores musicais em geral agora parecem mais capazes de lidar com exigências cada vez mais frequentes de prestação de contas, mais preparados para negociar com o mundo exterior, mais articulados em relação às suas teorias e práticas – e eles precisam ser. Ainda mais importante, parece haver uma crescente consciência da necessidade de realmente lidarmos com as consequências curriculares dos significados estéticos, artísticos e afetivos da música. 15


Música, mente e educação

Pelo menos me sinto capaz de dizer que me comprometi com ideias como se elas fizessem diferença, reconhecendo que elas têm uma vida, uma vitalidade própria. Nesse aspecto, fui influenciado pela sabedoria de Karl Popper (1972, p. 147): O expressionista acredita que tudo o que ele pode fazer é deixar seu talento, seus dons, se expressar em seu trabalho. O resultado é bom ou ruim, de acordo com o estado mental e psicológico do trabalhador. Em contraposição a isso, sugiro que tudo depende do dar e receber entre nós e nosso trabalho; do produto com o qual contribuímos [...].

Neste livro, neste “produto” em particular, quero aprimorar e desenvolver um raciocínio antigo, relacionando a investigação da natureza da experiência musical à maturação, educação e desenvolvimento de pessoas jovens e ao fato inegável de que as sociedades são, e sempre foram, pluralistas ou multiculturais. Adaptando uma famosa passagem bíblica: onde dois ou três estiverem reunidos, aí haverá uma sociedade multicultural! Quero que isso seja entendido de duas maneiras. Qualquer grupo de pessoas mantido por um interesse comum ou um conjunto de valores compartilhados – organizações religiosas, clubes sociais, tribos de caçadores, fazendeiros ou contadores – vai desenvolver hábitos, convenções e trejeitos de conversação até certo ponto personalizados, criando uma subcultura. Ao mesmo tempo, duas ou três pessoas nunca compartilham uma correspondência absoluta de ideologias, antecedentes sociais ou temperamento; cada indivíduo é, digamos, eletricamente carregado com sua própria corrente biológica e psicológica. A maneira pela qual as pessoas constroem seus “mundos” personalizados é, na verdade, a subtrama deste livro, elaborado para as artes e especialmente para a música. O reconhecimento desse processo nos ajuda a evitar o estereótipo, a degradação da individualidade, a tendência de reduzir o “estilo” pessoal a uma caricatura étnica, nacional ou cultural. Também devemos estar 16


Introdução

alertas à noção de “produtos” de Popper, lembrando que os produtos musicais são, em si mesmos, evidência da necessidade de cada ser humano de fazer e interpretar o mundo através de processos simbólicos compartilhados. Essa necessidade biológica e psicológica transcende raça, nacionalidade e tendências culturais. Nesse empreendimento, distintamente humano, a música – um dos maiores modos simbólicos – tem o seu papel. Nenhuma teoria de educação musical que mereça algum crédito pode ser sustentada sem uma análise profunda da música como um elemento essencial na estrutura da experiência humana. Nenhuma prática sensível da educação musical pode acontecer sem pelo menos uma noção intuitiva da natureza qualitativa da resposta musical. Nenhum estabelecimento eficaz de políticas sobre conteúdo de currículos e avaliação dos alunos pode ser conduzido sem uma consciência do que é central para a experiência musical. Isso se aplica tanto ao currículo na educação superior quanto à educação nas escolas primárias e secundárias. Uma última pressuposição é o reconhecimento de que a música existe fora da educação formal nas escolas e faculdades. É, portanto, importante perguntar qual deve ser o papel característico das instituições educacionais, particularmente o das escolas, principais agentes da educação obrigatória.

A tese Depois de considerar a necessidade de chegar a uma teoria da educação musical que fosse convincente e factível, agora passo a dar atenção a uma variedade de obras psicológicas em busca de chaves que possam desvendar alguns dos segredos da música em si, tentando chegar mais perto de saber o que faz a música ser musical. Isso não pode ser conseguido através do estudo da música como uma espécie de entidade independente, como se a análise musical pudesse ser separada da psicologia da percepção e resposta musicais. A música trabalha através da mente. A primeira tarefa é, portanto, identificar os elementos psicológicos essenciais que formam a mente musical, ou seja, a mente experimentando o mundo com a música. 17


Música, mente e educação

Mesmo que a partir dessa literatura possamos começar a ter uma ideia da natureza da experiência musical, a psicologia da música parece não ter tido um senso de direção, e tendeu a vagar por aí sem um mapa claro baseado em princípios organizacionais. O behaviorismo interrompeu-lhe o caminho, da mesma maneira que outras modas psicológicas e tentativas de medir as habilidades musicais, definidas de maneira extremamente limitada. Os estímulos musicais têm sido reduzidos a fragmentos de som sem nenhuma relação com a música como a experimentamos de fato. Parece necessário, portanto, que retornemos aos fundamentos para chegarmos a uma visão positiva das artes como parte do processo de desenvolvimento da mente e para expormos os elementos essenciais da apreensão e resposta musicais, o coração da produção e da conquista da música. As pesquisas sobre o comportamento musical das crianças em diferentes idades confirmam que esses elementos da mente musical emergem numa sequência de desenvolvimento, uma sequência que depende de oportunidades, do contexto musical e da educação. A música não é simplesmente uma sensação prazerosa que dá origem a uma reação de “reflexo” físico. Envolve processos cognitivos e pode ser mais ou menos compreendida pelos que respondem a ela. O modelo teórico emergente ajuda a organizar o pensamento sobre a educação musical de maneira mais objetiva, além de nos permitir mapear, interpretar e utilizar a pesquisa psicológica na música de maneira mais bem focalizada. Através dessa lente, torna-se possível ver caminhos em meio às complexidades de se gerar e manter a educação musical em uma sociedade pluralista, examinando como as atividades curriculares são selecionadas e estruturadas pelos limites institucionais e estilos de ensino. Devo manifestar que a mais distinta contribuição ao desenvolvimento musical feita por instituições formais – escolas de ensino fundamental e médio e faculdades – está na abstração e na exploração prática de processos musicais claramente identificados dentro de uma variedade de “por exemplos” culturais, essencialmente na crítica musical. Devido ao fato de serem 18


Introdução

entidades essencialmente simbólicas, os produtos musicais podem transcender tanto o indivíduo quanto a comunidade social. A música não é simplesmente um espelho que reflete sistemas culturais e redes de crenças e tradições, mas pode ser uma janela que abre novas possibilidades. Com esse modelo manifesto de mente musical e desenvolvimento musical, abordo a questão da prestação de contas, considerando como podemos perceber de maneira mais sensível a produção dos alunos e avaliar eventos musicais dentro do contexto das escolas ou faculdades.

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