“Marin Mincu aborda a vida de Drácula, aliás, do príncipe Vlad III da Valáquia, de tal maneira que a história e a ficção realizam um diálogo cerrado, a partir de fontes precisas e admirável tônus poético.” Marco Lucchesi • O príncipe Vlad III da Valáquia, o empalador, herdara de seu pai, Vlad II o apelido dracul, que significa “o diabo”, em romeno. Não à toa. Drácula foi um personagem histórico, guerreiro na luta contra o Império Otomano e a expansão islâmica na Europa. Mas sua crueldade e seu sadismo o caracterizaram como dracul, pelo modo como matava seus inimigos e os empalava, e inspirou Bram Stoker em sua obra mais célebre. Baseada na vida de Vlad III, esta obra não se vale nem da lendária crueldade do príncipe nem do gosto gótico ou das histórias de vampiros comuns na literatura atual. Mincu ressuscita o personagem histórico, o guerreiro que o papa Pio II apoiou e admirou na esperança de torná-lo o principal comandante da luta contra os turcos e contra o islamismo. De maneira original, este romance é apresentado em primeira pessoa pelo próprio Drácula durante sua prisão no castelo de Visegrád, um homem consciente da própria lenda negra, a par dos documentos históricos que essa lenda alimentou. Isso só é possível porque o Drácula de Mincu é, como foi o príncipe Vlad, um homem culto, poliglota, um humanista levado a agir por um destino mais sofrido do que desejado.
O diário de Drácula
toriador, filólogo e semiólogo romeno. Formou-se em Bucareste e logo assumiu posições inovadoras no seio da crítica romena; professor universitário, colaborou nas principais revistas de seu país. Durante um longo período, morou na Itália e foi professor nas universidades de Turim e de Florença, inaugurando uma intensa atividade de divulgação da literatura romena na Itália e da crítica e poesia italianas na Romênia. Em 1977, teve influência significativa na fundação da Faculdade de Letras da Universidade Ovidius, em Constanta, onde permaneceu até 1997. Criador da revista cultural Paradigm e da editora Pontica, trabalhou como professor na Faculdade de Letras da Universidade de Bucareste até a sua morte. Autor de romances e de uma dezena de volumes de poesias, Mincu traduziu diversos poetas e escritores romenos (de Eminescu a Blaga, de Ion Barbu a Stanescu), escreveu também ensaios e crítica literária, e por suas contribuições para a literatura recebeu diversos prêmios.
Marin Mincu
Marin Mincu (1944-2009) foi um escritor, his-
Marin Mincu
O diário de Drácula
ISBN 978-85-7526-596-3
9 788575 265963
Tradução
Talita Tíbola
Nada é por acaso nesta trama que Marin Mincu tece. Devem ser lidas as mais sutis laçadas, a começar do título: o termo “diário” se anuncia prevalente sobre o cognome diabólico do príncipe Vlad (tratado por conde na ficção em geral), afinal, pretexto. O texto é antes sobre a escrita, experiência máxima mesmo para aventureiros radicais. Abre a narrativa perfunctório personagem, um também conde (ou o próprio, imortal?), atualíssimo, que se vangloria “de possuir no sangue línguas venenosas a morder-lhe os lábios”. Esse “homem sem idade, alguém que nasceu não se sabe quando”, embarca no trem em que viaja o narrador e o envolve. De início para contrabandear “grande quantidade de Gerovital, presente de sua amiga de Bucareste, a doutora Anna Aslan” (não por acaso pioneira da moderna medicina da longevidade). E ao cabo para induzi-lo, após comparar seus olhos aos do famigerado personagem, a escrever impensado “romance sobre Drácula, um verdadeiro romance, não uma história de vampiros como as de Bram Stoker”. Exímio poliglota (não é o diabo sábio por ser velho, e não por ser diabo?), logo some de cena, não sem mencionar desaparecido diário de Drácula, isca que a relutante presa acaba por morder. No subterrâneo subaquático (sob a Torre de Salomão e sob o Danúbio), onde de fato foi encarcerado Vlad III, ou Dracul, o escritor encontra, encerrado em “caixa encaixada nas paredes da biblioteca”, antigo manuscrito em grego. Intempestiva réstea de luz (com perdão destas duas, no caso, fatais palavras), revela nas entrelinhas outros caracteres manuscritos. Como que voluntária fabulação daquilo que quem os escrevera fazia, tinha feito ou diziam ter feito, O diário de Drácula é em essência metáfora. Pode ser lido como O diário de Marin Mincu, no que versa sobre esse vício de cravar os dentes do relato no fato, em contagiosa retroalimentação, que se propaga, sanguínea, e vence, revivescente, os séculos: a escrita. Beatriz de Almeida Magalhães