Copyright © 2014 Marcos Baccarini Copyright © 2014 Editora Gutenberg
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edição geral
capa
Sonia Junqueira Rejane Dias
Diogo Droschi
revisão
Mirella Spinelli
Roberta Martins Lívia Martins
diagramação
ilustrações
Christiane Morais de Oliveira
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Baccarini, Marcos O portal de Magmund / Marcos Baccarini. – 1. ed. – Belo Horizonte : Editora Gutenberg, 2014. ISBN 978-85-8235-213-7 1. Ficção - Literatura juvenil I. Título. 14-10015
CDD-028.5
Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura juvenil 028.5
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Para João Marcos, João Vitor e Lane, minhas inspirações, e para minha mãe Luzia, que nos deixou sem terminar de ler o livro.
Agradecimento especial a Mirella Spinelli, meu portal...
U
m clima pesado acordou ValaMares naquele dia. O céu cinzento, uma chuvinha insistente e um vento frio fizeram com que seus moradores se demorassem mais a sair de casa. A cidade parecia congelada, e suas casas, todas já muito próximas umas das outras, como que se juntavam ainda mais, procurando se aquecer. Apenas umas ralas fumacinhas saídas de algumas chaminés davam um pouco de vida ao lugar. Já passava das oito quando o prefeito Wilson saiu para seu passeio matutino. Tinha dado apenas alguns passos quando ouviu a voz forte da esposa, a senhora Godin, muito brava, na porta de casa: – Wilson, seu cabeça de vento, você se esqueceu da lista de compras!? Ainda de costas, ele contraiu o rosto em sinal de desaprovação, mas, quando se virou, deu um leve sorriso e disse: – Desculpe-me, querida, achei que estivesse em meu bolso. Pegou o papel e saiu; discretamente, olhou em volta, para ver se a cena fora presenciada por alguém. Aliviado, percebeu que seus vizinhos ainda não tinham saído. 7
Wilson Godin era um homem alto, magro, de meia-idade, com um nariz muito grande e afinado. Estava sempre bem vestido, com terno e chapéu-coco. Usava também pequenos óculos finos, que não serviam para outra coisa senão deixá-lo com um ar de intelectual, o que muito lhe agradava. A chuva já havia passado, e ele caminhava, guarda-chuva pendurado no braço esquerdo, olhando para o chão para evitar pequenas poças d’água. Ao chegar à praça central, notou, surpreso, que estava deserta. “Que povo preguiçoso!”, pensou. Tudo estava muito vazio, vazio demais... De repente, sentiu seu coração bater mais rápido, e um assombro enorme o deixou paralisado, olhando para o ponto central da pequena praça. O totem, o totem sagrado, sumira! Boquiaberto, o prefeito Wilson não conseguia acreditar naquilo. Após alguns segundos de completa imobilidade, voltou a si e correu para a delegacia. Tranquilamente sentado em sua poltrona, o delegado bebia uma revigorante xícara de café quando foi surpreendido pela entrada do prefeito, que, com uma palidez de cera, foi logo dizendo: – Roger, meu amigo, você não faz ideia do que aconteceu... É terrível! – Meu Deus, Wilson – disse o delegado, levantando-se –, que cara é essa?! – É simplesmente inacreditável, uma verdadeira catástrofe! – Fale logo, homem, que eu já estou ficando preocupado. – O totem, nosso totem sagrado! Ele... sumiu! O prefeito puxou o delegado pelo braço e o levou até a praça. Era até engraçado ver aqueles dois homens correndo lado a lado pela rua, pois, ao contrário do prefeito, o delegado era um sujeito baixo, gordinho e muito desajeitado. Chegando à praça, os dois ficaram alguns segundos olhando para o lugar onde deveria estar o famoso totem. A expressão deles era a mesma, de absoluta incredulidade no que viam, ou melhor, no que não viam. 8
A notícia do desaparecimento do monumento sagrado de ValaMares correu pela cidade e, em menos de uma hora, não se falava de outra coisa. Krigo estudava em seu quarto quando ouviu partes de uma conversa entre seu pai e sua mãe. Falavam mais alto do que de costume, e era alguma coisa sobre o totem. Curioso, o garoto acabou largando os livros e desceu até a cozinha: – O que foi que aconteceu? Sobre o que vocês estão falando? – Viu só, Cristine? Eu disse pra você falar mais baixo! Acabamos atrapalhando o Krigo. – Ah, meu filho, não foi nada, volte lá pra cima e continue a estudar – disse a mãe, em tom carinhoso. – Eu ouvi vocês falando sobre o totem. O que tem ele? – É que ele sumiu – respondeu o pai. – Mas o delegado já está investigando e logo vão achá-lo. Agora faça o que sua mãe falou. O menino obedeceu, em silêncio, pensativo. Krigo era um garoto muito inteligente e, apesar da pouca idade (tinha apenas onze anos), era maduro o bastante para se preocupar com “coisas de adultos”. Além do mais, tinha uma intuição muito apurada, que sempre o alertava em momentos especiais como aquele. Sabia que algo estava errado. Subiu até seu quarto, guardou livros e cadernos, e desceu rapidamente as escadas. Antes de sair, gritou: – Mãe, vou até a biblioteca municipal buscar um livro. – Tá bem, mas cuidado na rua – respondeu ela. Krigo não gostava de mentir, ainda mais para os pais; por isso, resolveu que, após passar pela praça, seu verdadeiro destino, daria um pulinho à biblioteca e pegaria um livro qualquer. Montou na bicicleta e saiu em disparada pela rua. Ao chegar à praça, ficou surpreso ao ver tanta gente. Chegou bem perto de onde deveria estar o totem. Era realmente incrível! 9
Como um monumento de pedra de mais de três metros de altura podia sumir assim, da noite para o dia, sem que ninguém visse? Meio distraído, ouviu alguém gritar seu nome e logo viu Petronius, Valentina e Rita vindo em sua direção. Panko, o inseparável cachorro de Rita, foi quem chegou primeiro, fazendo festa para o menino. – Ei, garotão, como vai? – disse Krigo, fazendo carinho no cachorro, que abanava o rabo, satisfeito. Era um animal muito bonito, de pelo branco reluzente e algumas manchas marrons espalhadas pelo corpo. Parecia até um cão de raça, mas era um vira-lata mesmo. – Tá bem, Panko, você já fez sua festinha, agora sossegue um pouco – disse Rita, aproximando-se. E, olhando para o cachorro, continuou: – Ora, deixe de ser bobo, vê lá se eu teria ciúmes de você, seu convencido! – Rita, deixe suas briguinhas com o Panko para depois. Agora nós temos coisa mais importante para conversar – interrompeu a outra garota. Valentina era irmã de Rita; tinha dez anos, longos cabelos ruivos, ligeiramente encaracolados, e algumas sardas no rosto. Altiva, queria sempre parecer mais madura do que realmente era. Gostava também de tratar a irmã como uma menininha de quem devia cuidar, apesar de ter apenas um ano a mais do que ela. – Krigo – adiantou-se Rita, fazendo suspense –, você não imagina o que nós ouvimos por aí! – A menina tinha uma expressão de espanto e pavor, que deixou o garoto bastante curioso. Ela se aproximou mais dele, olhou para os lados e falou baixinho, para que ninguém os ouvisse: – Parece que foram monstros que levaram o totem... é sim... e eles vão voltar para tomar nossa cidade. São verdes, enormes, muito ferozes, voam e soltam fogo pela boca, muito fogo! Krigo olhou para ela com cara de quem não acreditava no que ouvia: – Rita, que loucura é essa? 10
– Não tá acreditando? Pois saiba que eu não tirei isso da minha cabeça, não. Nós ouvimos tudinho lá em casa, e foi minha mãe mesma que falou, é sim. Ela estava na sala, conversando com meu pai, aí... – Chega de falatório, Rita – interrompeu a irmã, meio impaciente. – Sabe, Krigo, nós ouvimos mesmo uma conversa muito estranha entre nossos pais. Você conhece minha irmãzinha e sabe que ela é meio exagerada, mas, pelo que eu entendi – e a garota então procurou dar mais ênfase a esta parte –, existe uma história muito esquisita sobre o totem e sobre algum monstro, sim. Agora, isso de voar e botar fogo pela boca como um dragão... – Mas eu ouvi, sim! – tornou a falar Rita, meio brava. – Eu não tenho culpa se escuto melhor do que você. – Seu problema, Rita, é que, por escutar muito bem, você escuta até o que ninguém falou – foi Petronius quem retrucou, já começando a rir. – Dragões só existem nos livros de histórias, sua doidinha. – Pois escute aqui, doutor Petronius, fique sabendo que os ouvidos são meus, e eu sei muito bem o que ouço ou deixo de ouvir. Petronius se divertia vendo Rita nervosa. Era um garoto muito alegre e simpático, que adorava conversar e fazer amizades. Krigo era seu grande amigo e o admirava muito. Embora Petronius fosse um menino muito feliz, a única coisa que o deixava realmente triste era o fato de não ter conhecido direito sua mãe, que havia morrido quando ele era ainda muito pequeno. – Ah, Ritinha, não fica brava comigo, eu só estou brincando – disse o menino, ainda com uma carinha maliciosa, ajeitando seus bonitos cabelos louros encaracolados. – Vamos chegar mais para lá e sentar um pouquinho – disse Krigo, apontando para um dos cantos da praça, onde havia um banco. Enquanto caminhavam, Rita, que ia à frente com Panko, começou a falar: 11
– Não, claro que não, se minha mãe souber disso ela me mata! Ah, mas eu sou mesmo muito burra, quem mandou fazer o que você me pediu? E tudo por causa daquela cachorrinha esquisita que apareceu lá perto de casa. Sabe, Panko, acho que você precisa mesmo é se casar... E por que não?... Pelo menos, ia ter mais o que fazer, como, por exemplo, cuidar de filhotinhos, ah, que lindos que iam ser, hein? Os três que iam atrás dela já estavam acostumados com as conversas da menina com o cachorro. Sim, porque ela realmente podia falar com ele; aliás, não só com ele como com qualquer outro animal, pois, por mais incrível que pudesse parecer, Rita conseguia se comunicar com os bichos como se estivesse falando com uma pessoa. Desde que havia aprendido a falar, com um ano e meio, segundo sua mãe, a menina também começara a conversar com os animais. No início, todos a consideravam meio “lelé da cuca”, mas depois foram se acostumando, por achar que era pura imaginação da garota. Rita também passou a evitar falar em público com os bichos, para não parecer uma doida, e agora apenas seus amigos podiam presenciar todo aquele falatório que ela aprontava, principalmente com Panko. Rita era assim, meio espevitada, faladeira, engraçada. E, se alguém queria vê-la brava de verdade, era só dizer que ela era gordinha: apesar de isso não ser lá uma mentira muito grande, a garota não admitia que dissessem tal absurdo! Os meninos chegaram ao banquinho, sentaram-se de frente para a praça, e Petronius começou a falar, muito seriamente: – Eu acho que precisamos conversar com alguém que saiba da história desse totem, e essa pessoa pode ser minha vó Petra. O que vocês acham? – E, por acaso, ela sabe mesmo de alguma coisa? – perguntou Valentina. – Não sei, quer dizer, acho que sim... – E se ela souber, vai nos contar? – tornou a perguntar a menina. – Ora, Val, não sei, mas só saberemos se formos lá. 12
– E por que sua avó? – Rita perguntou. – Só porque ela é velha? Se for assim, meu avô também deve saber alguma coisa, pois ele já tem mais de setenta anos! Quantos anos tem sua avó? Tem mais de setenta? – Deixe de besteira, Rita, não é a idade que importa. Eu só falei da minha avó porque ela sabe muitas coisas, conta casos e histórias que aconteceram em ValaMares há muito tempo e... – Krigo, o que você acha? – Valentina interrompeu Petronius. Krigo permaneceu em silêncio, com o olhar fixo em algum ponto. – Olhem quem está por aqui – ele respondeu, ignorando a pergunta. – Aposto como aqueles três estão falando sobre o sumiço do totem. O menino apontou para os homens que estavam mais à frente deles, em pé, ao lado de uma árvore. Eram o prefeito Wilson, o delegado Roger e o juiz Rodgeson. – Vamos chegar mais perto. Então eles se sentaram no chão, bem perto da árvore. – Não sei, não sei – dizia um deles –, acho que não podemos ficar esperando muito tempo... Em breve essa história vai estar na boca do povo, e aí as coisas podem tomar uma proporção maior. Acho que devíamos soltar uma nota oficial, comunicando a todos que o caso será entregue à Polícia Federal. – Pode ser, mas isso não resolve nosso problema, porque as pessoas vão querer saber a respeito da história da criatura do outro mundo. E então, o que nós vamos dizer? Que é tudo mentira? Que essa história não passa de lenda inventada por alguém que não tinha o que fazer? – De minha parte, já estou tomando providências imediatas – disse o desajeitado delegado. – Ordenei que Perez e Mantu dessem uma geral na cidade, para procurar alguma pista do totem. 13
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