Razão e sensibilidade

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JANE AUSTEN

RAZÃO E SENSIBILIDADE

Tradução: João Martins

Copyright © 2013 Editorial Presença, Lisboa

Copyright desta edição © 2025 Autêntica Editora

Título original: Sense and Sensibility

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Lorrany Silva

capa

Vito Quintans

adaptação da capa

Diogo Droschi

diagramação

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Austen, Jane, 1775-1817

Razão e sensibilidade / Jane Austen ; tradução de João Martins. -1. ed. -- Belo Horizonte : Autêntica, 2025. -- (Clássicos Autêntica)

Título original: Sense and Sensibility

ISBN 978-65-86040-56-2

1. Ficção inglesa I. Martins, João. II. Título. III. Série.

20-37751

Índices para catálogo sistemático:

1. Ficção : Literatura inglesa 823

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CAPÍTULO 1

Haviam se passado muitos anos desde que a família Dashwood se instalara no condado de Sussex. As terras eram vastas, e a residência ficava em Norland Park, no centro da propriedade. Ali, ao longo de muitas gerações, os moradores tinham vivido com tamanha respeitabilidade que conquistaram da vizinhança, em geral, uma opinião positiva. O último proprietário, um homem solteiro, viveu até uma idade bastante avançada e, por anos a fio, teve a irmã como dona de casa e companheira constante. A morte dela, porém, ocorrida dez anos antes da sua, levou grande perturbação ao seu lar; para compensar a perda, ele convidou e recebeu em casa a família do sobrinho, o Sr. Henry Dashwood, legítimo herdeiro de Norland, a quem pretendia legar a propriedade. Na companhia do sobrinho e de sua esposa, bem como dos filhos deles, os dias do velho senhor transcorreram agradavelmente. A estima que nutria por todos só crescia. A atenção constante do Sr. e da Sra. Henry Dashwood aos seus desejos, motivada não apenas por interesse, mas também por genuína bondade, proporcionava-lhe o mais pleno aconchego que sua idade poderia demandar; e a alegria das crianças acrescentava sabor a sua existência.

O Sr. Henry Dashwood tinha um filho de um casamento anterior; da atual esposa, três filhas. O filho, jovem correto e respeitável, gozava de boa situação financeira graças à grande fortuna da mãe, da qual recebera metade ao atingir a maioridade. Pouco depois, ao se casar, ampliara ainda mais tal riqueza. Para ele, portanto, o legado dos domínios de Norland não era verdadeiramente tão importante quanto para as irmãs; a fortuna delas, com efeito, exceto o que porventura pudesse lhes caber caso o pai herdasse aquela propriedade, seria pequena. A mãe nada possuía, e o pai contava com apenas sete mil libras. A outra metade da fortuna da primeira mulher também caberia ao filho; Henry Dashwood tinha somente o usufruto enquanto vivesse.

Quando o velho senhor morreu, foi lido o testamento, que, como quase sempre acontece, causou tanto desilusão quanto satisfação. Ele não havia sido tão injusto nem tão mal-agradecido a ponto de se esquecer do sobrinho, mas lhe deixara os bens em condições que anulavam metade de seu valor. O Sr. Dashwood desejava herdar a propriedade pensando mais na mulher e nas filhas do que em si mesmo ou no primogênito; mas era justamente ao seu filho, bem como ao seu neto, um menino de 4 anos, que a propriedade seria deixada. E isso foi feito com restrições que impossibilitavam o Sr. Dashwood de, por meio de alguma hipoteca sobre o imóvel ou de uma possível venda de seus valiosos terrenos florestais, prestar auxílio aos entes mais queridos e que mais necessitassem de assistência. A herança, inalienável, era a favor do menininho que, em visitas ocasionais a Norland com o pai e a mãe, conquistara o afeto do tio, por meio de encantos que nada tinham de especiais em crianças de 2 ou 3 anos: uma fala atrapalhada, um desejo sincero de impor a própria vontade, incontáveis travessuras e uma algazarra considerável bastaram para superar o valor de toda a atenção recebida, durante anos, do sobrinho e de suas filhas. O velho senhor não quisera, no entanto, ser indelicado e, como prova de sua afeição pelas três moças, deixara mil libras a cada uma.

A decepção do Sr. Dashwood foi, inicialmente, profunda; mas ele tinha um temperamento alegre e otimista, e era razoável esperar que contasse ainda com muitos anos de vida e que, vivendo regradamente, pudesse acumular um considerável patrimônio com os frutos de uma propriedade que já era proveitosa e poderia ser quase imediatamente melhorada. Contudo, a fortuna que tanto havia demorado a chegar foi sua por apenas um ano: bem curto foi o tempo que viveu depois da morte do tio. E, já contando com o legado acumulado recentemente, resumiu-se a dez mil libras o que restou para a viúva e as filhas.

O filho mais velho, John, foi chamado logo que o fim se mostrou iminente, e o Sr. Dashwood lhe recomendou, com as forças e a urgência que a doença ainda não consumira, que cuidasse da madrasta e das irmãs.

O Sr. John Dashwood não era tão sentimental quanto o restante da família; no entanto, uma recomendação de tal natureza e em tal situação o tocou, levando-o a prometer ao pai fazer tudo o que pudesse para garantir o conforto delas. Diante da promessa, o pai se tranquilizou, e o Sr. John Dashwood teve, então, oportunidade de considerar quanto, prudentemente, estaria ao seu alcance fazer pela madrasta e pelas irmãs.

Não era um jovem mal-intencionado, a menos que ser insensível e egoísta signifique ser mal-intencionado. Era, em geral, bem-visto: comportava-se com

decoro no desempenho de seus deveres cotidianos. Se tivesse se casado com uma mulher mais bondosa, ela poderia tê-lo tornado ainda mais respeitável; poderia até mesmo tê-lo tornado um homem bondoso, pois era muito novo e muito ligado à esposa quando se casou. A Sra. John Dashwood, no entanto, era uma caricatura tosca do marido, porém mais mesquinha e egoísta.

Ao fazer a promessa ao pai, o rapaz pensou em consolidar a fortuna das irmãs mediante uma doação de mil libras a cada uma. Àquela altura, sentia-se realmente disposto a isso. A perspectiva de um acréscimo de quatro mil libras por ano a seus rendimentos, além da outra metade da fortuna de sua mãe, aquecia-lhe o coração e o fazia sentir-se capaz de atos generosos. “Sim, darei a elas três mil libras! Será um gesto liberal e magnânimo! Será o bastante para deixá-las completamente sossegadas. Três mil libras! Posso dispensar tão considerável quantia sem grandes inconvenientes”, pensou nisso durante aquele dia inteiro e por muitos dias a fio, e não se arrependeu.

O funeral de seu pai mal havia terminado quando a sua esposa, sem dar qualquer aviso à viúva do sogro, chegou a Norland Park acompanhada do filho e da criadagem. Ninguém poderia questionar seu direito de fazer isso: a casa pertencia a seu marido desde o instante em que o pai dele morrera. Mas, justamente por isso, a indelicadeza de sua conduta se tornava ainda maior; e, para uma mulher na situação da Sra. Dashwood, embora dotada apenas de sentimentos simples, aquilo deve ter sido bem desagradável; ao seu espírito, porém, tão arraigada nela era a noção de honra, tão romântica a generosidade, qualquer ofensa desse porte, independentemente de quem a cometesse ou sofresse, constituía-se motivo de inabalável desgosto. A Sra. John Dashwood nunca fora muito querida de nenhum dos membros da família do marido; mas, até aquele momento, não havia tido oportunidade de demonstrar a que ponto era capaz de ignorar o bem-estar alheio quando a ocasião o pedisse.

A Sra. Dashwood sentiu tão agudamente o comportamento grosseiro da esposa do enteado, e tão seriamente a desprezou por ele, que, após sua chegada, teria abandonado para sempre a casa se a súplica da filha mais velha não a tivesse levado a refletir sobre a conveniência de partir impulsivamente, e, depois, se a extremada afeição que nutria pelas três moças não a tivesse incentivado a ficar, evitando, pelo bem delas, uma ruptura com o irmão. Elinor, a filha mais velha, cujo conselho se revelara tão eficaz, possuía um poder de compreensão e uma serenidade de julgamento que a habilitavam, apesar de seus 19 anos, a servir de conselheira da mãe, e que, com frequência, lhe permitiam contrabalançar, para o bem de todos, aquela impaciência da Sra. Dashwood, que, não raro, flertava com a imprudência. Tinha um coração

de ouro; seu caráter era afetuoso, e fortes eram seus sentimentos; mas sabia governá-los, e essa era uma sabedoria que à mãe ainda faltava adquirir, e que uma das irmãs havia decidido jamais permitir que lhe ensinassem.

As qualidades de Marianne eram, em muitos aspectos, idênticas às de Elinor. Era sensata e esperta, mas, em tudo, muito intensa: suas mágoas e suas alegrias não conheciam moderação. Era generosa, amável, interessante; tudo, menos prudente. Sua grande semelhança com a mãe saltava aos olhos. Elinor reconhecia, com inquietação, o excesso de sensibilidade da irmã; mas a Sra. Dashwood o prezava e o encorajava. Naquele momento, diante da violência daquela aflição, estimulavam-se uma à outra. A agonia do infortúnio que, de início, as havia subjugado era voluntariamente renovada, procurada, recriada mais e mais. Entregavam-se por inteiro ao desgosto, buscando dilatar seu infortúnio em cada pensamento que pudesse atiçá-lo, decididas a não antever no futuro qualquer esperança de consolo. Mas embora Elinor também estivesse vivendo em grande tormento, conseguia lutar, conseguia se esforçar. Conseguia lidar com o irmão, conseguia receber a cunhada quando esta chegava e tratá-la com a devida cortesia e conseguia incutir na mãe um esforço semelhante, encorajando-a a perseverar.

Margaret, a outra irmã, era uma mocinha de boa disposição e de bom temperamento; porém, tendo já assimilado boa dose da índole romanesca de Marianne, sem muito partilhar de sua sensatez, não parecia destinada, aos 13 anos de idade, a se igualar às irmãs em uma fase mais avançada da vida.

CAPÍTULO 2

A esposa de John Dashwood logo se instalou como senhora de Norland, e a mulher do sogro e as cunhadas se viram rebaixadas à condição de visitas. Porém, como tal, eram tratadas por ela com sóbria civilidade, e, pelo marido, com toda a bondade que ele era capaz de nutrir por alguém que não a própria pessoa, a esposa e o filho. John chegou até a insistir, de fato e com alguma sinceridade, para que elas considerassem Norland o seu lar; e, dado que nenhum plano parecia tão razoável à Sra. Dashwood quanto permanecer ali até conseguir se instalar em alguma casa nas proximidades, o convite foi aceito. Continuar em um lugar onde tudo lhe lembrava a ventura passada era precisamente o que se harmonizava com seus desejos. Em épocas de contentamento, ânimo nenhum poderia ser mais alegre que o seu, nem possuir, em maior grau, aquela calorosa esperança de felicidade que é a própria felicidade. No desgosto, porém, via-se igualmente arrebatada pela fantasia, e tão fora do alcance de qualquer consolo quanto, na alegria, achava-se ao abrigo de qualquer perturbação.

A Sra. John Dashwood não aprovava nem um pouco o que o marido tencionava fazer pelas irmãs. Subtrair três mil libras da fortuna de seu querido filhinho seria empobrecê-lo a um extremo pavoroso. Implorou que pensasse melhor. Como justificaria a si mesmo usurpar do próprio filho, o único que tinha, tão vultosa quantia? E que direito sobre sua generosidade poderiam invocar as senhoritas Dashwood, que eram apenas suas meias-irmãs – relação que ela já nem considerava de parentesco –, que as habilitasse a obter tamanho quinhão? Sabia-se perfeitamente que não era de se esperar que houvesse afeto entre filhos de diferentes casamentos de um mesmo homem; portanto, por que haveria ele de se arruinar, a si e ao pobrezinho do seu Harry, esbanjando todo o dinheiro com as meias-irmãs?

– Foi o último pedido de meu pai – respondeu o marido. – Que eu zelasse por sua viúva e filhas.

– Ele já não tinha noção do que dizia, penso eu; aposto o que quiser que já estava delirando. Se ainda estivesse em seu juízo perfeito, não lhe passaria pela cabeça lhe pedir que jogasse fora metade da fortuna de seu próprio filho. – Meu pai não estipulou nenhuma quantia em particular, querida Fanny; só me pediu, em termos gerais, que cuidasse delas e lhes garantisse uma situação mais confortável do que estava ao seu alcance lhes proporcionar. Talvez tivesse sido melhor deixar tudo em minhas mãos. Decerto, não supunha que eu fosse deixá-las desamparadas. Mas, como me pediu uma promessa, não tive como não fazê-la; na ocasião, pelo menos, foi o que pensei. A promessa, portanto, foi feita, e agora tem de ser cumprida. Alguma coisa terei de fazer por elas quando saírem de Norland e se instalarem em outra casa.

– Bom, então faça alguma coisa por elas; mas essa coisa não precisa ser três mil libras. Considere – acrescentou – que o dinheiro, quando vai, nunca mais volta. Suas irmãs hão de se casar, e o dinheiro desaparecerá de vez. Se ao menos pudesse ser devolvido ao pobrezinho do nosso filho...

– Ah, decerto – concordou o marido, com grande solenidade –, isso faria grande diferença. Poderá chegar o dia em que Harry lamente que tão grande soma tenha desaparecido. Na circunstância de vir a ter uma família numerosa, por exemplo, essa seria uma ajuda muito conveniente.

– Sem dúvida que sim!

– Talvez, nesse caso, seja melhor para todos que eu diminua a quantia pela metade. Quinhentas libras já seria um acréscimo prodigioso à fortuna delas.

– Oh, seria incrivelmente fabuloso! Que irmão na face da Terra faria metade desse gesto pelas irmãs, ainda que fossem mesmo suas irmãs? E, na verdade, são só meias-irmãs! Mas você, meu querido, tem um espírito tão generoso!

– Eu gostaria de não estar agindo mal – retorquiu ele. – Em tais ocasiões, é preferível fazer em demasia que não fazer o bastante. Ao menos, ninguém poderá dizer que não fiz o suficiente: não acredito que elas mesmas possam estar à espera de mais.

– Não há como saber o que elas esperam – interveio a mulher –, mas não vamos pensar nas esperanças delas. A questão é: o que é que meu querido tem capacidade para fazer?

– Justamente. E eu julgo ter capacidade para dar quinhentas libras a cada uma. Sem a minha ajuda, cada uma já receberá cerca de três mil libras quando a mãe morrer, o que é uma fortuna muito razoável para qualquer jovem dama.

– Com certeza, é; e, na verdade, ocorre-me que até podem não precisar de ajuda nenhuma. Juntas, receberão dez mil libras. Se elas se casarem, estarão

seguras na vida, e, se não casarem, poderão viver com muita comodidade, as três, com os rendimentos das dez mil libras.

– É verdade; e, assim sendo, não sei se, tudo considerado, seria mais aconselhável fazer algo pela mãe enquanto é viva, mais do que por elas. Algo como uma pensão, quero dizer. E minhas irmãs também iriam usufruir de seus benefícios. Cem libras por ano as deixariam perfeitamente à vontade.

A mulher hesitou um pouco, no entanto, em dar sua aprovação àquele projeto.

– Sem dúvida – disse –, sempre é melhor do que perder mil e quinhentas libras de uma vez só. Porém, se a Sra. Dashwood ainda viver mais quinze anos, sairemos profundamente prejudicados.

– Quinze anos! Minha querida Fanny, a vida que lhe resta não há de chegar nem à metade desse gasto.

– Claro que não; mas, se pensar bem, as pessoas vivem eternamente quando têm quem lhes pague uma pensão; e ela é uma mulher muito forte e saudável, e ainda nem completou 40 anos. Uma pensão é um assunto muito sério: ano após ano é preciso pagá-la, e não há maneira de se livrar de tal obrigação. Não sabe o que está prestes a fazer, meu querido. Eu aprendi da pior forma o quanto as pensões podem ser problemáticas quando vi minha mãe amarrada, pelo testamento de meu pai, ao pagamento de três pensões a umas antigas criadas, aposentadas por limite de idade. E é espantoso como isso foi desagradável para ela. Duas vezes por ano, tinha de pagá-las; depois, havia o trabalho de fazer o dinheiro chegar até elas. Em seguida, disseram que uma delas tinha morrido, o que, no fim das contas, era tudo, menos verdade. Minha mãe ficou mais que saturada. Dizia que seus rendimentos não lhe pertenciam, pois estavam perpetuamente sujeitos àqueles desfalques; e que, da parte de meu pai, aquilo havia sido cruel, porque, se ele não tivesse feito tal imposição, o dinheiro teria ficado inteiramente ao dispor de minha mãe, sem qualquer restrição. Ganhei tamanho horror a pensões que, garanto, por nada deste mundo me prenderia ao pagamento de uma.

– Não há dúvida de que é muito desagradável – respondeu o Sr. Dashwood – ter anualmente esses desfalques nos rendimentos. A fortuna de uma pessoa, como muito bem disse sua mãe, passa a não lhe pertencer mais. Ficar sujeito ao pagamento regular de semelhante quantia, a cada vencimento, não é de forma alguma desejável: rouba-nos a independência.

– Inquestionavelmente; e, no fim, nem nos agradecem. Sentem-se seguros, o que fazemos é visto como mera obrigação e isso não suscita o menor reconhecimento. Se estivesse em seu lugar, o que quer que fizesse ficaria inteiramente sujeito ao meu próprio arbítrio. Não me faria prisioneira de nenhuma

pensão anual. Em certos anos, pode ser muito inconveniente ter de tirar cem libras, ou cinquenta, que sejam, dos nossos rendimentos.

– Creio que tem razão, meu amor; melhor será que não haja pensão. Tudo o que eu puder conceder ocasionalmente a elas será, de longe, muito mais proveitoso do que uma renda anual, porque, com a segurança de um rendimento maior, só afrouxariam seu modo de vida sem, por isso, ficar seis tostões mais ricas ao fim de cada ano. Decerto essa é a melhor decisão. Um presente de cinquenta libras de vez em quando evitará que algum dia se aflijam por dinheiro, e há de cumprir amplamente, julgo eu, a promessa que fiz ao meu pai.

– Com certeza que sim. E, para ser honesta, estou intimamente convencida de que seu pai nunca pensou que você fosse lhes dar dinheiro. O amparo que tinha em mente, atrevo-me a dizer, devia ser apenas o que seria razoável esperar de você: por exemplo, procurar-lhes uma casinha confortável, ajudá-las a carregar seus pertences, mandar-lhes uns presentes de pesca e caça, esse tipo de coisa, quando for a temporada. Ponho as mãos no fogo que ele não pretendeu dizer mais do que isso; na verdade, muito estranho e despropositado seria se tivesse pretendido. Pense bem, meu querido Sr. Dashwood, nos extremos de conforto em que poderão viver sua madrasta e as filhas com os juros de sete mil libras, além das mil pertencentes a cada uma das moças, que rendem cinquenta libras por ano para cada uma, soma da qual, naturalmente, hão de tirar o bastante para pagar à mãe o que comem. Ao todo, terão quinhentas libras por ano, e para que quatro mulheres precisariam de mais do que isso? Terão uma vida tão modesta! A manutenção da casa lhes custará um nada. Não terão carruagem, nem cavalos, nem quase nenhuma criadagem. Também não frequentarão a sociedade, portanto, não terão despesas de nenhuma ordem! Pense bem e verá que terão uma vida muito confortável! Quinhentas libras por ano! Garanto-lhe que não consigo nem imaginar como gastarão metade disso. E, quanto a lhes dar mais, é um disparate completo pensar nisso. Elas é que terão muito mais condições de lhe dar alguma coisa.

– Dou minha palavra – disse o Sr. Dashwood. – Acho que você tem toda a razão. Meu pai, com seu pedido, com certeza não teria outro propósito senão o que você diz. Compreendo-o agora perfeitamente, e hei de cumprir à risca a minha promessa por meio de atos de amparo e gentileza como os que você descreveu. Quando minha madrasta se mudar para outra casa, logo terá todo o auxílio que estiver ao meu alcance para se acomodar o melhor possível. Nessa ocasião, também será aceitável algum pequeno presente de mobília.

–Naturalmente – retorquiu a Sra. John Dashwood. – De um detalhe, porém, não podemos nos esquecer: quando seu pai e sua madrasta vieram para Norland, embora a mobília de Stanhill tenha sido vendida, conservaram todas as porcelanas, a prataria e o enxoval, e ficou tudo para sua madrasta. Uma casa nova ficará, portanto, quase completamente recheada assim que ela se instalar.

–Essa é, sem dúvida, uma consideração importante. Um legado realmente valioso! E, no entanto, parte da prataria seria um complemento muito agradável para os nossos aparelhos de jantar.

–Sim; e o conjunto de café da manhã de porcelana é duas vezes mais bonito que o que pertence a esta casa. De longe, demasiado bonito, na minha opinião, para qualquer lugar em que elas algum dia tenham meios de vir a morar. Mas é assim. Seu pai só pensou nelas. E não posso deixar de dizer que não deve ao seu pai, meu querido, nenhuma gratidão particular, nem particular respeito pelos seus desejos; porque sabemos muito bem que, se ele pudesse, teria deixado para elas quase tudo o que houvesse para deixar.

Esse argumento foi definitivo. John atribuiu às intenções do Sr. Dashwood a carga de definição que lhes faltava e concluiu, enfim, que seria absolutamente desnecessário, senão altamente indecoroso, fazer mais pela viúva e pelas filhas de seu pai do que aquele tipo de atos corteses que a esposa destacara.

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