Sedução Mortal: A Lenda de Montpellier

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SEDUÇÃO

MORTAL A Lenda de Montpellier

SARI LUHTANEN & MIIKKO OIKKONEN


SARI LUHTANEN & MIIKKO OIKKONEN

SEDUÇÃO

MORTAL A Lenda de Montpellier

tr adução PASI LOMAN & LILIA LOMAN


Copyright © 2013 Sari Luhtanen e Miikko Oikkonen Copyright © 2013 Fisher King Ltd & Gummerus Publishers Copyright © 2015 Editora Gutenberg Título original: Nymfit: Montpellierin legenda Todos os direitos reservados pela Editora Gutenberg. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos ou em cópia reprográfica, sem a autorização prévia da Editora.

PUBLISHER

PREPARAÇÃO

Alessandra J. Gelman Ruiz

Geisa Oliveira

EDITORA

REVISÃO

Silvia Tocci Masini

Tiago Garcias Lívia Martins

ASSISTENTE EDITORIAL

Carol Christo Felipe Castilho

CAPA

ESTAGIÁRIA

Carol Oliveira (sobre imagem de Conrado/Shutterstock)

Andresa Vidal Branco

DIAGRAMAÇÃO

Ricardo Furtado

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil

Luhtanen, Sari Sedução Mortal: a Lenda de Montpellier / Sari Luhtanen e Miikko Oikkonen ; tradução Pasi & Lilia Loman. -- Belo Horizonte : Editora Gutenberg, 2015. Título original: Nymfit : Montpellierin legenda ISBN 978-85-8235-183-3 1. Ficção finlandesa I. Oikkonen, Miikko.II. Título. 14-09620

CDD-894.541

Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura finlandesa 894.541

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Prólogo

Os últimos raios de sol atingiam o salão branco criando um brilho alaranjado. Em breve, a noite escureceria completamente aquele lugar ao sul, e tudo, até mesmo as plantas ao redor da casa, parecia esperar que o clima ficasse mais fresco. Didi olhou para si mesma e, por um instante, não entendeu como podia estar em dois lugares ao mesmo tempo. Então, aquele salão familiar lhe revelou a resposta: era sua a figura representada na estátua de mármore que estava ali no meio do aposento. Deu um passo e, aproximando-se, pensou que aquela obra era tão precisa que era como se ela tivesse sido o molde. O artista foi capaz de recriar cada cacho de seus cabelos. E não apenas isso. Ele provavelmente a conhecia muito bem, pois a estátua estava completamente nua, e era idêntica a ela. Didi esticou a mão e sentiu sua superfície: fria e quente. A suavidade ao tato despertava em seu ventre a sensação que ela tanto ansiava quanto temia; era desejo, mas ela não sabia o que fazer com aquilo. A estátua, por sua vez, sorria, parecendo plena de sabedoria. Estava sobre um tapete de musgo, com as mãos pendendo para os lados, sem esconder nada, sem nenhuma vergonha de sua nudez. Subitamente, Didi notou que não estava sozinha no salão. Ela se virou e viu, caminhando em sua direção, um homem de cabelos escuros e ombros largos, que vestia camisa branca e calças pretas. Gotas de suor se formavam na testa e entre os seios da moça, mas o calor da noite que acabara de cair não parecia incomodar o homem nem um pouco. Ele seguiu com os olhos uma das gotas que deslizava em seu corpo... Didi teve o impulso de secá-la, mas sentiu vergonha demais para fazê-lo. Em seguida, viu surgir uma taça de vinho das mãos do homem, que a ofereceu para ela. 5


– Experimente – encorajou-a. – Este vinho é antigo, mas a estátua é ainda mais. Eu a encomendei faz alguns séculos. Ainda não a havia visto em carne e osso. Você é perfeita, Desirée Volanté. Didi levou a taça aos lábios. O vinho estava fresco e tinha gosto de damasco com aroma almiscarado. O olhar do homem permanecia fixo sobre ela e aquela sensação em seu ventre crescia. Uma centelha surgiu nos olhos do homem e, logo, eles ardiam como brasa, queimando, algo que Didi sentia profundamente, mais que qualquer outra coisa que ela já havia experimentado até então. Parecia dor... mas não, não era dor... Didi quis gritar, mas não foi capaz de produzir um único som. Ela acordou abruptamente com o coração disparado. Seu ventre parecia estar incendiando e seus braços e pernas estavam dolorosamente tensos. Tinha sido um sonho! Didi tentou respirar mais devagar enquanto se acalmava. Já deveria estar acostumada, pois havia tido o mesmo sonho algumas vezes antes, embora, daquela vez, de alguma maneira, tivesse sido mais real e vívido. “Isso é energia sexual reprimida, óbvio”, disse Laura, rindo, e Didi acusou a amiga de confiar demais no que ela lia nas revistas femininas. Só que Laura não sabia que, no sonho, Didi tinha medo de morrer, e que não queria sonhar com aquilo novamente. Didi virou-se de lado e passou a mão em seu ventre. Se Laura estivesse certa, ela teria de fazer algo a respeito. Quem sabe assim o sonho perturbador não a perseguisse mais.

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O espelho do banheiro refletia a mesma Didi dos dias anteriores. Ela havia terminado de se arrumar e parou diante dele para checar sua maquiagem pela última vez antes de sair para a escola. Então lembrou-se de olhar seu pescoço, debaixo da gola do blusão verde-escuro. – Droga! Com pressa, pegou um tubo de corretivo no armário do banheiro, apertou-o, e saiu mais produto do que deveria, o que a deixou irritada. Tentou espalhar de qualquer maneira para deixar a cor o mais homogênea possível sobre o hematoma e examinou. Provavelmente ninguém notaria. Desceu as escadas em tempo recorde e acelerou para a geladeira, passando por sua mãe. Tomaria um pouco de suco de laranja e sairia correndo, antes que uma briga começasse. – Você está atrasada, vai chegar tarde na escola – bradou Elina, como Didi já havia imaginado. – Não consegui dormir – Didi encheu um copo com suco. – Provavelmente foi por causa da lua cheia. Ela também me deixou acordada. Acabei lendo um romance policial até quase de manhã. – Então provavelmente foi por causa do romance policial. – Você precisa correr – disse Elina, colocando a caixa de suco de volta na geladeira. A garota bebeu um pouco, enquanto a mãe segurava uma caneca gigantesca de café. Ela olhou para a filha e a examinou atentamente, e antes que Didi tivesse tempo de se virar, Elina afastou os longos cabelos vermelhos de seu pescoço. Rapidamente, Didi empurrou a mão da mãe. – Não é um chupão – disse. – Não achei que fosse... – Elina não tinha a menor intenção de começar a manhã discutindo, mas conseguia esconder sua preocupação tão bem quanto a filha conseguia esconder as marcas na pele. 7


Didi nem precisava falar o que pensava em voz alta, pois seus olhos diziam tudo. Bateu o copo na pia e partiu. *** Para Laura, Didi sempre podia falar o que pensava em alto e bom som. – Será que minha mãe acha que eu ainda sou criança? – Didi falava enquanto entregava uma calcinha limpa extra para a amiga no vestiário da escola. Algumas garotas passavam, já vestidas, diante delas, que aguardavam o momento de ficarem a sós para conversar. Didi havia despejado todo o conteúdo de sua mochila sobre o banco do vestiário para achar aquela calcinha para a amiga, e agora enfiava tudo de volta. – Todas as mães devem ser assim mesmo – disse Laura, apertando um pouco mais a toalha em torno de seu corpo. A água ainda pingava em seus ombros, caindo de seus cabelos castanhos. – Pelo menos você não tem tanto do que reclamar como eu. Seria um alívio enorme se eu não tivesse minha menstruação para me atormentar. – Acho que nem isso faria tudo ser um mar de rosas. Didi fechou a porta de metal vermelho de seu armário e se sentou ao lado de Laura. Ela era mais baixa e encorpada, mas, de certa maneira, mais feminina, em sua opinião. Colocou a mochila junto dos pés e prestou atenção na amiga. – Mas isso de não menstruar não é uma doença, né? – perguntou Laura. – Pense na liberdade que você tem de sair pulando por aí de shorts... – Minha mãe tem um diagnóstico para isso, e para todos os problemas que eu tenho – respondeu Didi. – O nome, pelo menos, é sofisticado: amenorreia primária. A menstruação simplesmente não começa, é alguma coisa hormonal. Com 16 anos parece que ainda não preciso me preocupar. – Claro que não – Laura pegou suas roupas e foi em direção ao banheiro. – É uma dádiva. Pense nisso. Sem cólica, sem um desejo enorme de comer chocolate, sem barriga inchada... – Mas seria muito bom já ser uma mulher – lamentou-se Didi. – É verdade, mas você já é uma mulher mesmo sem isso – Laura falou apontando para uma espinha vermelha no próprio queixo. – Tchau! Didi fez um gesto com as mãos, como um sinal de que ela podia continuar a se vestir em paz. Fechou o zíper da mochila e saiu de lá, para procurar a bicicleta no pátio da escola. As coisas iam bem para Laura, pensou, enquanto chutava algumas pedrinhas com o tênis. Ela era diver8


tida, popular, capaz de viver sem ser observada o tempo todo, namorava... Didi não confiava muito no namorado da amiga, embora Laura não desse ouvidos às críticas. Abriu a trava da bicicleta, jogou a mochila nos ombros e começou a pedalar. Sua mãe, pelo menos, ainda não tinha voltado do trabalho. Ela teria um momento de paz, sem ninguém a interrogando. Feliz com isso, aumentou a velocidade, enquanto virava na rua em que morava. A conhecida casa de madeira, que havia sido pintada de branco e tinha um telhado com sótão, já estava quase diante dela quando, de algum lugar, uma abelha voou direto para seus cabelos. Ela se assustou e tentou espantá-la, mas a abelha pareceu se enroscar ainda mais entre os fios. Em pânico, desconcentrou-se das pedaladas e, naquele instante, a roda dianteira bateu na calçada. – Droga... Mal teve tempo de xingar, pois logo sentiu o asfalto arranhar dolorosamente seus joelhos. Aquilo fez seus olhos se encherem de lágrimas. A bicicleta caiu de lado e Didi ficou estatelada no chão, pensando se estava morta ou se ainda respirava. Então, alguém buzinou. Algum velho idiota com certeza estava rindo muito. Didi se arrastou até o meio-fio e se sentou. Por sorte, a bicicleta caiu em cima dela. Ela examinou o ferimento e tentou esticar a perna. Então, ouviu passos. O tiozinho estava vindo falar para ela ter mais cuidado, pensou, com raiva. – Você caiu? – perguntou a voz de um jovem. Ela forçou a vista. Pouco a pouco, enxergou um garoto alto, que vestia bermuda cáqui e uma camiseta cinza surrada. O menino tinha cabelos castanhos e um nariz um pouco grande para seus traços. – Puxa, que conclusão inteligente! – ela logo quis morder a língua. “O cara é bonito, Laura teria dado uma dica para eu me tocar e consertar a situação.” Então o garoto se ajoelhou ao lado de Didi. – Posso dar uma olhada? – sacando um lenço do bolso, pressionou-o contra o machucado. – Está bem limpo, viu? Ela nem cogitou reagir ao toque inesperado, pois estava olhando fixamente para os olhos do garoto, e com muita intensidade. – Ai! – disse com atraso de um segundo. – Não está tão ruim. O que deu em você? – Alguma abelha, que veio não sei de onde, me atacou – um risinho nervoso tentou emergir, mas ela conseguiu sufocá-lo. 9


– Mostre a culpada e eu vou matar a filha da mãe – ele respondeu. Dessa vez, Didi ousou rir e estava prestes a falar quando Elina surgiu, naquele exato instante, na frente da casa. “Não era para minha mãe ter chegado ainda!”, pensou. – Didi! – a voz tinha um antecipado tom de reprovação. – Didi, entre! O garoto se levantou e tentou acenar, mas Elina não devolveu o aceno. Ele se voltou para Didi, com um ar de dúvida. – É minha mãe – disse ela. – Bom, pelo menos você está perto de casa. Meu nome é Johannes. – Didi. Preciso ir. Ela é médica, pode dar um jeito nesse joelho sem problemas. Johannes levantou a bicicleta de Didi e a empurrou, seguindo a garota, que mancava, até o jardim diante da casa. Elina já havia entrado e olhava pela janela, atenta, gesticulando para a filha. – Preciso mesmo ir – mancando de um modo um pouco dramático, ela subiu os poucos degraus da escada da frente. A abelha em seus cabelos e a dor já haviam sido esquecidas. Dentro de casa, Didi caminhou sem dificuldade até o banheiro, entrou e em seguida trancou a porta. Ela ouviu a mãe esperando do lado de fora e aquilo só fez aumentar sua irritação. – Você não pode me tratar como criança! – gritou, vasculhando as gavetas à procura de curativo e antisséptico. – Mas você se comporta como uma! – respondeu Elina. – Não se pode nem ir ao banheiro em paz aqui? Ou agora é proibido? – Didi, para com isso – a mãe tentou acalmá-la –, eu só estou preocupada. A garota se sentou na tampa do vaso sanitário. Elina sempre foi cheia de cuidados com ela, mas de uns tempos para cá, aquilo beirava à perseguição. – Você acha que eu ia sair com aquele cara, engravidar e sair de casa? – Você sabe por que me preocupo. – Ah, tenha dó – ela lutava para tirar o protetor do curativo –, eu nem conheço o cara e não dei nenhuma falsa impressão. Nem todo homem tenta levar você para a cama, alguns até são bem gentis. – Didi, garotos são gentis apenas por uma razão. “Por que palavras tão erradas sempre saem da boca da minha mãe?” No fundo, Didi sabia que ela queria confortá-la ou cuidar dela. Ao contrário, porém, só conseguia ouvir acusações e gritos. Resolveu ficar quieta para 10


que a mãe tivesse tempo de se acalmar. Em seguida, ouviu uma batida hesitante na porta. – Deixe-me entrar e ver esse machucado. Didi não tinha intenção nenhuma de ceder. Desde sua infância, sabia como a mãe sofria com cada pequeno ferimento seu, então resolveu deixá-la sofrer um pouco mais. – Estou colocando antisséptico nele. Pode deixar. Ela jogou o produto sobre o ferimento, e o ardor não foi nada, perto da lembrança dos olhos sorridentes de Johannes.

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