JONATHAN MAYO E EMMA CRAIGIE
Tradução de Marcelo Hauck
Copyright © 2015 Emma Craigie e Jonathan Mayo Copyright da tradução © 2016 Editora Vestigio Título original: Hitler’s Last Day: Minute by Minute O formato "Minute by Minute" foi utilizado nesta publicação com a permissão da TBI Media. Todos os direitos reservados pela Editora Nemo. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.
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revisão
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Eduardo Soares
editor assistente
capa
Eduardo Soares
Diogo Droschi
preparação
diagramação
Sonia Junqueira Jim Anotsu
Larissa Carvalho Mazzoni Guilherme Fagundes
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil
Mayo, Jonathan O último dia de Hitler : minuto a minuto / Jonathan Mayo e Emma Craigie ; tradução de Marcelo Hauck. -- 1. ed. -- São Paulo : Vestígio, 2016. Título original: Hitler’s Last Day : Minute by Minute. ISBN 978-85-8286-313-8 1. Alemanha - História - 1933-1945 2. Hitler, Adolf, 18891945 - Amigos e associados 3. Hitler, Adolf, 1889-1945 Cronologia 4. Hitler, Adolf, 1889-1945 - Últimos anos I. Craigie, Emma. II. Título. 16-04442
CDD-943 Índices para catálogo sistemático: 1. Hitler, Adolf : Alemanha : História 943
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Para David, Maud, Wilf, Myfanwy e Samuel EC Para Hannah e Charlie ร memรณria de Derek Mayo e Michael Scott-Joynt JM
batalha de berlim abril de 1945 Rio
milhas
Forças Americanas
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12º Exército Alemão
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Forças Soviéticas
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9º Exército Alemão
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Adolf Hitler cumprimenta membros da Juventude Hitlerista atrรกs da Chancelaria do Reich em seu 56ยบ aniversรกrio, no dia 20 de abril de 1945.
Introdução
Em abril de 1941, Al Bowlly, um dos cantores britânicos mais amados, gravou uma música nova de Irving Berlin no estúdio Abbey Road, em Londres. “When That Man Is Dead And Gone” (Quando aquele homem estiver morto) iria se tornar uma das canções mais populares da Segunda Guerra. Em seus versos, ele sonhava com o dia em que “News’ll flash (Brilhará a notícia) / Satan with the moustache (de que o Satã de bigode)” está enterrado “beneath the lawn (debaixo do gramado)”. A canção, apesar de escrita por um americano, resumia o espírito do povo britânico em 1941: consideravam Hitler uma figura, embora ridícula, perigosa, cuja morte eles celebrariam satisfeitos. Mas nem sempre foi assim. Até o final da “Guerra de Mentira” ou aquilo que alguns chamavam de “Guerra Chata” – entre o final de 1939 e o início de 1940 –, havia um apoio considerável para que se chegasse a um acordo com o ditador alemão. Em um ano, isso mudou. As atitudes ficaram mais hostis devido à humilhação na evacuação de Dunquerque, em maio de 1940, e à Batalha da Grã-Bretanha, que ocorreu no verão e outono seguintes. Mas, principalmente, por causa da Blitz, que levou terror a cidades como Bristol, Coventry, Glasgow, Liverpool e Londres. Entre as baixas da guerra, estava o cantor Al Bowlly. Uma semana depois de gravar “When That Man Is Dead and Gone”, uma bomba explodiu do lado de fora de seu prédio, próximo a Piccadilly. Deitado na cama, lendo uma história de cowboy, Bowlly morreu instantaneamente. A primeira vez que o povo britânico ouviu falar em Adolf Hitler foi em novembro de 1923, quando ele tentou assumir o controle do governo 19
bávaro, primeiro passo na direção da derrubada da República de Weimar. Mas seu despertar político começou na Primeira Guerra Mundial. A ideia da luta é tão antiga quanto a própria vida, pois a vida só é preservada porque outros seres vivos perecem. Adolf Hitler, 1928
No dia primeiro de agosto de 1914, Hitler foi fotografado em uma multidão que havia se juntado para comemorar a deflagração da Primeira Guerra Mundial, na Odeonsplatz, em Munique. Mais tarde, ele escreveu no Mein Kampf que “agradeceu aos céus pela plenitude em seu coração devido à graça de poder ter vivido numa época como esta”. A guerra foi “uma libertação da angústia que pesou sobre mim durante os dias da minha juventude”. Essa aflição começou na primeira infância. Adolf Hitler nasceu em 1889, na cidade de Braunau am Inn, na Áustria. Seu pai, Alois, era um homem de temperamento ruim, autoritário e imprevisível, quase sempre bêbado. De acordo com a irmã mais nova de Adolf, Paula, o irmão levava surras diárias. A mãe deles, Klara, era muito mais jovem que o marido e muito próxima dele, a quem se referia como “tio”. Mais tarde, Hitler contou que ela se sentava do lado de fora do quarto e ficava aguardando as surras acabarem para ir consolar o filho. Ela era, nas palavras de Paula, “uma mulher muito gentil e carinhosa”, e Adolf a adorava. O pai morreu quando Adolf tinha quatorze anos, e a mãe, quando tinha dezoito. O médico dela, que presenciara muitas mortes, recordou mais tarde: “Nunca vi alguém tão arruinado pelo luto quanto Adolf Hitler”. Hitler já havia se deparado com a decepção, pois não conseguiu ingressar na faculdade de Arquitetura da Academia de Belas-Artes de Viena logo após a morte da mãe. Após o funeral, em 1907, ele retornou para a capital austríaca. Morou em pensões baratas e, depois de um período dormindo em bancos de praças, mudou-se para um albergue masculino. Conseguia apoio financeiro de maneira fraudulenta – fingindo ser estudante – e completava sua renda vendendo pequenas pinturas e desenhos, mas vivia de maneira indolente. Acordava ao meio-dia e ficava acordado até tarde, trabalhando em pomposos projetos arquitetônicos que envolviam castelos, teatros e salões de concertos. Escreveu óperas e peças de teatro. Todos os seus projetos começavam com uma euforia maníaca, porém nenhum deles era finalizado. Seus sonhos ambiciosos eram alternados com períodos de depressão. 20
Já houve algum empreendimento escuso, algum tipo de desonestidade, especialmente na vida cultural, de que pelo menos um judeu não tenha participado? Ao enfiar a faca nesse tipo de abscesso, descobre-se imediatamente, como um verme em um corpo putrescente, um judeuzinho frequentemente cegado pela luz súbita. Adolf Hitler, Mein Kampf
Hitler tinha discussões frequentes e furiosas quando ia buscar pão e sopa à noite. De acordo com um de seus colegas de quarto, o judeu tcheco August Kubizek, o Hitler de dezenove anos brigava com todo mundo e tinha ataques de ódio. O antissemitismo de Viena, expresso grosseiramente em inúmeros panfletos baratos, serviu como um alívio para Hitler, pois passou a ter algo em que focar seus sentimentos de fúria e indignação. Quando escreveu Mein Kampf, quinze anos depois, alegou que aquele foi o período em que sua visão de mundo tomou forma: “desde então eu ampliei muito pouco aquela base e não mudei nada nela”. Essa agressividade purulenta encontrou uma nova vazão na Primeira Guerra Mundial. Hitler foi aceito como mensageiro no exército alemão, e repentinamente sua vida sem rumo ganhou uma estrutura e um propósito. Nos quatro anos seguintes, foi ferido duas vezes e condecorado também duas vezes, mas não conseguiu ascender além de cabo. De acordo com um de seus companheiros soldados, ele ficava sentado pelos cantos “com o capacete na cabeça, perdido em pensamentos, e nenhum de nós conseguia convencê-lo a sair daquela apatia”. Era visto como um sujeito solitário, um sonhador. Seu único amigo era um cachorro, um terrier branco que ele chamava de Foxl e que encontrou perambulando pelas trincheiras inglesas. De acordo com o militar superior responsável por ele, Fritz Wiedemann, Hitler era corajoso, mas esquisito, e não podia ser promovido porque era evidente que não conseguia impor respeito. Naquelas noites o ódio crescia em mim – ódio por aqueles que deram origem a esse vil crime. Adolf Hitler, Mein Kampf
Em 10 de novembro de 1918, na véspera do Dia do Armistício, Hitler estava em um hospital no nordeste da Alemanha, convalescendo depois de ser ferido pela segunda vez. Como ele recorda em Mein Kampf, um pastor foi levar informações para os pacientes. Com pesar, contou-lhes que a 21
Alemanha tinha se tornado uma república; a monarquia tinha caído; a guerra estava perdida. Para Hitler, as notícias eram intoleráveis. “Eu não aguentava mais. Tornou-se impossível para mim ficar um minuto a mais sem agir. Novamente, tudo ficou negro diante dos meus olhos. Percorri todo o caminho cambaleando e me apoiando onde conseguia até chegar ao dormitório; me joguei no beliche e afundei a cabeça ardente no cobertor e no travesseiro. Desde o dia em que estive diante da sepultura da minha mãe, eu não havia chorado... Mas naquele momento não consegui me conter... Então tinha sido tudo em vão... Tudo aquilo tinha acontecido somente para que um bando de criminosos desprezíveis metesse as mãos na minha Pátria?... Foi quando decidi entrar para a política.” Um homem – eu ouvi um homem, ele é desconhecido, esqueci o nome dele. Mas se existe alguém que pode nos livrar de Versalhes, esse alguém é aquele homem. Esse homem desconhecido vai restaurar a nossa honra! Rudolf Hess, maio de 1920
Depois de sair do hospital, Hitler foi morar em Munique, onde começou a frequentar reuniões políticas. Fez seu primeiro discurso no dia 16 de outubro de 1919, em uma cervejaria nos arredores de Munique, para uma plateia de 111 pessoas. Discursou até ficar suado e exausto, despejando seu ódio contra o governo vigente, sua frustração com a humilhação gerada pela derrota na guerra de 1914-1918 e expondo sua determinação em derrubar os traidores que, em junho, haviam assinado o Tratado de Versalhes. Hitler ficou empolgado ao descobrir que “tudo o que eu sempre tinha sentido no fundo do meu coração... se provou verdade. Eu conseguia fazer um bom discurso”. A plateia ficou eletrizada por sua intensidade bruta. Ele estava exprimindo a dor das pessoas que se sentiam impotentes e oferecendo esperança de um futuro glorioso para aqueles que se sentiam arrasados pela derrota. Semanas depois, Hitler estava atraindo plateias de quatrocentas pessoas. No mês de fevereiro, ele discursou para 2 mil pessoas aglomeradas em uma enorme cervejaria no centro da cidade. De pé nas mesas, pessoas urravam enquanto ele ofendia judeus aos berros. Os aplausos foram tumultuosos quando ele declarou: “Nosso lema é somente lutar! Avançamos inabalavelmente na direção do nosso objetivo!”. Em julho de 1921, Hitler assumiu a liderança do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, o NSDAP, que mais tarde ficou conhecido 22
como Partido Nazista. No outono de 1923, ele tinha reunido mais de 55 mil seguidores, um aumento de mil vezes em relação ao momento em que ingressou no partido como seu 55º membro. Intoxicado pelo sucesso e inspirado pela bem-sucedida “Marcha sobre Roma”, de Mussolini, que tinha acontecido em outubro, Hitler decidiu empreender um golpe – mais tarde conhecido como Putsch da Cervejaria – e reivindicar sua posição de líder de todos os grupos antirrepublicanos de Munique. O putsch foi planejado em um dia e executado no seguinte. “Um homem pequeno... com a barba por fazer, o cabelo desgrenhado e tão rouco que mal conseguia falar.” Descrição de Hitler na matéria da revista Times sobre o Putsch da Cervejaria em Munique
Na noite de oito de novembro, Hitler entrou de supetão em uma cervejaria de Munique onde três mil pessoas escutavam discursos de políticos bávaros. Estava acompanhado de um de seus mais glamorosos apoiadores – o herói de guerra e piloto de caças Hermann Göring – e de uma tropa de assalto, com todos os soldados usando capacetes e empurrando uma metralhadora pesada. Hitler subiu em uma cadeira e ficou agitando um chicote e exibindo uma pistola. Para ser ouvido, atirou no teto e do outro lado do amplo salão, gritando: “A revolução nacional foi deflagrada em Munique! Neste momento, a cidade inteira está ocupada pelas tropas! Este lugar está cercado por seiscentos homens! Ninguém tem permissão para sair!”. A cidade não estava ocupada por tropas nazistas, e o putsch malogrou após uma troca de tiros de trinta segundos, ocasião em que quatro policiais e quatorze nazistas foram mortos. Um dos ativistas era um jovem fazendeiro criador de galinhas, de rosto rechonchudo e óculos. Ele mantinha a cabeça empinada e segurava um estandarte com uma suástica. Seu nome era Heinrich Himmler. Hermann Göring foi baleado na perna. Adolf Hitler tropeçou e deslocou o ombro. Os dois fugiram da cena. Göring conseguiu fugir para a Áustria, onde trataram de seus ferimentos e lhe deram morfina para aplacar a dor. Era o início de um vício que duraria sua vida inteira. Hitler só conseguiu chegar à casa de um amigo nos arredores de Munique e foi preso dois dias depois. Juntamente com vários outros organizadores da marcha, ele foi a julgamento por traição. Foi condenado à pena mínima de cinco anos e, em abril de 1924, enviado para a prisão de Landsberg. Lá, Hitler tinha um quarto grande com janelas que davam vista para uma bela paisagem rural. Muitos dos guardas da prisão eram membros do Partido 23
Nazista e demonstravam secretamente seu respeito saudando: “Heil Hitler!”. Hitler tinha permissão para receber flores, presentes e visitas. Certa vez, chegaram a se aglomerar quinhentas pessoas no local, e ele decidiu estabelecer um limite. Passava a maior parte do tempo escrevendo ou ditando Mein Kampf, definindo uma política ideológica que nunca revisou. Alegava que o sucesso futuro da nação alemã requeria derrotar as conspirações malignas dos judeus e comunistas e conquistar território no leste. Após a confusão do putsch de 1923, Hitler passou dez anos construindo o Partido Nazista e, com o apoio do ex-fazendeiro criador de galinhas Heinrich Himmler, fez da SS uma verdadeira elite militar. Sua ambição, que era focada na política bávara, voltou-se para a liderança nacional. Esse é o milagre da nossa época, você ter me encontrado, você ter me encontrado em meio a tantos milhões! E eu ter encontrado você, essa é a fortuna da Alemanha. Adolf Hitler, 13 de setembro de 1936
A nomeação de Hitler como Chanceler da Alemanha, no dia 30 de janeiro de 1933, foi saudada por procissões enormes, orquestradas e iluminadas por tochas. Na realidade, o Partido Nazista chegou ao poder com apoio minoritário, após uma eleição que fracassou em nomear um governo majoritário. A Alemanha sofria com uma inflação catastrófica e alta taxa de desemprego, o que Hitler tentou resolver com um programa massivo de criação de estradas, construção e rearmamento militar. A expansão foi financiada pela contratação de empréstimos enormes, apreensão de bens e impressão de dinheiro. Ao mesmo tempo, Hitler introduziu políticas destinadas a destruir a oposição. Sindicatos trabalhistas e todos os outros partidos políticos foram banidos. Oponentes foram assassinados ou enviados para recém-criados campos de concentração. Perseguindo uma noção de raça perfeita, leis de “Higiene Racial” foram criadas. O sexo era proibido entre os chamados arianos e os judeus ou “ciganos, negros ou seus filhos bastardos”. Um programa de eugenia, que envolvia assassinatos cometidos por médicos, de pessoas com deficiência, foi estabelecido em segredo. As mudanças foram impostas por meio da violência, levada a cabo pela SS, pela recém-formada Gestapo e por extravagante propaganda. Um jovem jornalista com doutorado em Literatura Romântica, Joseph Goebbels, foi encarregado de controlar a mídia. Um jovem arquiteto, Albert Speer, foi contratado para criar o impacto visual dos comícios para multidões e das marchas. 24
Minha querida esposa. Isto aqui é o Inferno. Os russos não querem sair de Moscou. Está tão frio que até minha alma está congelando. Eu lhe imploro, pare de escrever sobre as sedas e botas que eu deveria levar de Moscou para você. Não consegue entender que estou morrendo? Adolf Forchheimer, soldado alemão, dezembro de 1941
Em 1939, Hitler refletiu sobre as conquistas de seus primeiros seis anos de liderança em um discurso para o parlamento alemão, o Reichstag. “Eu recuperei para o Reich as províncias arrancadas de nós em 1919. Trouxe milhões de alemães profundamente infelizes, que tinham sidos tirados de nós, de volta para a Pátria. Restaurei a unidade do espaço vital alemão de mil anos de idade. E tentei realizar tudo isso sem derramar sangue e sem infligir os sofrimentos da guerra ao meu povo e a nenhum outro. Realizei tudo isso sendo alguém que 21 anos atrás ainda era um trabalhador desconhecido e um soldado do meu povo, por meio dos meus próprios esforços...” No final de 1938, a Renânia, a Áustria e os Sudetos, na Tchecoslováquia, foram anexados a uma grande Alemanha sem qualquer oposição internacional. Mas a invasão da Polônia desencadeou, em 3 de setembro de 1939, declarações de guerra britânicas e francesas contra a Alemanha. Sem se abalar, em abril de 1940 Hitler invadiu a Dinamarca e a Noruega, novamente sem encontrar oposição significativa. Então, na primavera de 1941, as tropas alemãs foram enviadas aos Bálcãs, à Iugoslávia, à Grécia, ao Norte da África e ao Oriente Médio, e mais tarde ao Iraque e a Creta. O início do fim da gigantesca expansão chegou em junho de 1941, quando, transgredindo um pacto de não agressão de 1939, Hitler ordenou um ataque gigantesco à Rússia Soviética. Seis meses depois, ele declarou guerra aos Estados Unidos. No Natal de 1944, a Alemanha estava encravada entre essas duas crescentes superpotências. No dia 15 de janeiro de 1945, Hitler abrigou-se da hedionda realidade da derrota. Voltou às pressas para Berlim, se enterrou no Führerbunker e deu ordem a Albert Speer para destruir toda a infraestrutura e a indústria da Alemanha. Não haveria rendição. Vitória ou destruição eram as únicas opções. Havia dois bunkers sob o prédio da Chancelaria do Reich, em Berlim. O mais antigo, o bunker superior, tinha sido projetado por Albert Speer, no início dos anos 1930, como abrigo antiaéreo. Foi construído abaixo dos porões da antiga Chancelaria e estava pronto para uso em 1936. Um bunker mais abaixo, que ficou conhecido como Führerbunker, foi construído em 25
1944. Era localizado oito metros e meio abaixo do jardim e tinha a proteção de um teto de três metros de espessura. Durante o mês de janeiro de 1945, Hitler dormia no Führerbunker, mas trabalhava nos cômodos remanescentes da Chancelaria do Reich. No início da tarde do dia 3 de fevereiro de 1945, a Força Aérea dos Estados Unidos empreendeu um gigantesco bombardeio em Berlim, criando uma bola de fogo que queimou por cinco dias e infligiu o pior estrago que a capital sofrera até então. A partir dali, Hitler passou a ficar no subsolo. A maioria dos nazistas do alto escalão enviou suas famílias para locais seguros e mudou-se da capital. Somente Joseph Goebbels permaneceu em Berlim. Ele dormia em um bunker luxuoso, construído sob a casa de sua família. O chefe da SS, Heinrich Himmler, estava morando em um sanatório num belo resort de Hohenlychen desde janeiro, onde recebia tratamento para estresse e uma severa dor de estômago. Himmler tinha uma visão inflada de si mesmo, acreditava ser uma figura de estatura internacional e convencera-se de que era a melhor pessoa para negociar a paz e conduzir a Alemanha ao futuro. A partir das sugestões de seu massagista, Felix Kersten, que tirava proveito de seu relacionamento com o chefe da SS para tentar libertar prisioneiros de campos de concentração, Himmler fez duas reuniões secretas: uma com o conde Folke Bernadotte, um diplomata sueco, e outra com Norbert Masur, o representante sueco do Congresso Mundial Judaico. Aparentemente, o propósito das reuniões era discutir a libertação de prisioneiros, mas o objetivo de Himmler foi abrir um canal de comunicação com os Aliados Ocidentais. Ele tinha esperança de que Masur ignoraria a questão da Solução Final. Você sabe o que eu queria? Queria que tivessem matado Hitler, pois assim haveria uma chance de acabar com a guerra! Albine Paul, apoiador do Partido Nazista, primavera/primeiro semestre de 1945
No dia 11 de março de 1945, houve uma cerimônia na cidadezinha de Marktschellenberg, perto do refúgio de Hitler na montanha, em Obersalzberg, em memória dos mortos na guerra. No fim de seu discurso, o comandante local do exército ordenou uma saudação Sieg Heil, Salve a Vitória, para o Führer. O silêncio foi mortal. Nenhum dos civis, dos membros da Guarda de Defesa Interna e dos soldados obedeceu. Naquela fria manhã, todos mantiveram as bocas fechadas e os braços firmes ao lado do corpo. Em centenas de comícios ao longo dos doze anos anteriores, aquelas pessoas, e milhares de outras, tinham, hipnotizadas, saudado “Sieg Heil” no final dos roucos discursos de Adolf Hitler. Mas o encanto tinha acabado. 26
Hitler saiu do bunker pela última vez no seu aniversário de 56 anos, dia 20 de abril de 1945. Ele subiu lentamente a escada de concreto do Führerbunker até o jardim da Chancelaria do Reich para inspecionar um grupo de meninos membros da Juventude Hitlerista. Os garotos tinham sido instruídos a olhar fixamente para a frente. Armin Lehmann, de dezesseis anos, ficou chocado com a aparência decrépita do Führer quando sua vez finalmente chegou, e seu líder ficou parado em frente a ele. Quando Hitler pegou no braço de Lehmann, o garoto percebeu que as mãos dele estavam trêmulas e ficaram agarradas em sua manga antes de o Führer colocar a mão direita do menino entre as suas. “Eu não conseguia acreditar”, escreveu Lehmann mais tarde, “que aquele velho murcho diante de mim era o visionário que tinha levado a nossa nação à grandeza.” Se o povo alemão não consegue arrancar a vitória do inimigo, então ele deve ser destruído... Ele merece perecer, porque o melhor da virilidade alemã terá tombado em batalha. O fim da Alemanha será horrível, e o povo alemão terá merecido isso. Adolf Hitler, verão de 1944
Nos dias seguintes, o exército russo cercou Berlim e invadiu os bairros residenciais mais distantes do centro. Uma tentativa de Göring de assumir a posição de sucessor de Hitler desencadeou uma das mais ferozes explosões de raiva do Führer e a destituição de Göring do posto de comandante da Força Aérea. Hitler sentia-se traído por todos os lados. Punha a culpa do desastre na guerra na incompetência de seus generais e, por fim, no fracasso do povo alemão. Quando soube das tentativas de negociação de Himmler com o Ocidente, ficou roxo de raiva e ordenou que ele fosse preso e executado. Naquela noite, 28 de abril de 1945, Hitler começou a colocar em ordem seus assuntos pessoais. Instruiu Joseph Goebbels a encontrar um oficial com autoridade para conduzir um casamento civil e a adquirir alianças de casamento. Depois de uma vida inteira insistindo que “para mim, o casamento seria um desastre... é melhor ter uma amante”, Hitler decidiu casar-se com Eva Braun, a mulher que tinha sido sua amante secreta por quatorze anos. Ele então pediu a sua secretária, Traudl Junge, para tomar nota de seu testamento. Adolf Hitler, que nos doze anos anteriores tinha mantido a Alemanha sob seu encanto, que tinha planejado algumas das mais extraordinárias batalhas da história moderna, estava se preparando para acabar com a própria vida. Este livro conta a história do dia 30 de abril, aquele em que Hitler comete suicídio, e também do dia anterior, quando tantas coisas extraordinárias 27
aconteceram, tanto dentro do bunker quanto ao redor do mundo, e que ajudam a compreender o contexto daquele último dia. No Dia D, 6 de junho de 1944, centenas de soldados aliados escreveram sobre os acontecimentos de vida e morte que presenciaram. Não raro, assim que chegavam no alto da praia, depois de muita luta e esquivando-se de balas e morteiros, sacavam diários e canetas. Esses diários foram a fonte perfeita de material para o livro D-Day: Minute by Minute. Por sua vez, acreditávamos que relatos em primeira mão do final de abril de 1945 seriam difíceis de conseguir – poucas pessoas tinham ideia de que esses dois dias seriam tão históricos. Ainda assim, encontramos uma grande quantidade de diários e memórias. É como se, em meio ao caos, uma maneira de se conformar com a experiência fosse manter um diário. Algumas pessoas os atualizavam quatro ou cinco vezes por dia. Contudo, aquele caos também significava que os sujeitos imersos nele tinham pouco senso de horário. Armin Lehmann, ao descrever sua primeira visita ao bunker de Hitler, escreveu: “Eu estava atordoado, sem saber se era dia ou noite. O tempo tinha se tornado um conceito sem significado”. Algumas vezes, tivemos que estimar quando alguns eventos aconteceram ou recorrer a expressões como “logo antes do pôr do Sol”. Quando nos deparamos com acontecimentos interessantes com poucas indicações de quando exatamente tinham ocorrido, usamos a palavra “aproximadamente” antes do horário indicado no texto. Mesmo assim, com muita frequência fomos capazes de fornecer horários precisos dos acontecimentos, porque os militares gostam de manter um registro desse tipo de coisa – mesmo em um acampamento de prisioneiros de guerra. Com relação aos eventos passados no bunker de Hitler, pudemos recorrer a um grande número de memórias e entrevistas com sobreviventes. Algumas dessas testemunhas oculares são mais confiáveis que outras, mas ao ler seus diferentes pontos de vista e cruzando as informações em busca de discrepâncias, reunimos as peças que compõem a sequência de eventos. Salvo indicação em contrário, os horários mencionados são os da Alemanha. Al Bowlly cantou em seus versos quão infernal era o mundo de 1941, mas também como “a heaven it will be/When that man is dead and gone (será um Paraíso/Quando aquele homem estiver morto)”. É quase inacreditável que um homem pôde ser a causa de tamanho sofrimento. Quando Hitler acabou com a própria vida, centenas de milhares de pessoas ao redor do mundo estavam tentando se manter vivas. O mundo, para todos os envolvidos, era realmente o Inferno. Esta é a história deles.
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Área de jantar
BUNKER SUPERIOR
Família Goebbels
Área da cozinha
Escada
Área de estar
Mesa telefônica
Alojamento do Médico
Quarto de Joseph Goebbels
Área de reuniões
FÜHRERBUNKER
Gerador
Quarto de Eva Braun
Escritório de Hitler Sala do Mapa
Quarto de Hitler
Jardim
Corpos queimados
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