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CAMILO ROCHA
KRAFTWERK
um monte de bobagens, algo que, na realidade, tanto os britânicos como os alemães fazem muito bem.
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Logo percebi quanto esse sujeito de Liverpool sabe sobre arte pop e música. Também notei como foi habilidoso para, no fim das contas, arrancar de mim algumas citações sobre o Kraftwerk, embora eu sempre tivesse o que gosto de chamar de “saída de emergência”. Toda vez que a situação ficava cansativa para mim, eu simplesmente escrevia “Acabo de fechar meu departamento de citações”.
Agora, na primavera de 2012, acabo de ler o rascunho do manuscrito. Para mim, este é o primeiro livro sério escrito por alguém de fora sobre a banda da qual fui integrante por quinze anos, como músico e depois como coautor. David Buckley pinta um quadro vívido do cenário social e cultural do Kraftwerk, situando a banda e sua música em um contexto detalhado, com a ajuda de numerosas entrevistas, tanto com pessoas que fizeram parte da banda e de sua história como também com observadores atentos. Com isso, ele proporciona um profundo entendimento de como essa estranha banda de Düsseldorf conseguiu produzir uma música pop que foi – e continua sendo – compreendida e apreciada no mundo inteiro.
Essa é a sensação que tenho também em meus concertos. Os fãs dos anos 1970 – quando o som do sintetizador era ainda considerado algo fora do comum – estão lado a lado com uma geração mais jovem, para a qual a música eletrônica é tão familiar quanto as redes sociais. O que une essas pessoas é o misterioso poder que a música tem de nos atingir, de ir fundo em nosso coração.
Isso significa muito para mim. E é o que me leva a fazer o que faço.
Karl Bartos, Hamburgo, 31 de maio de 2012
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APRESENTAÇÃO OS QUATRO RAPAZES DE DÜSSELDORF
“O KRAFTWERK é mais importante que os Beatles.” Tempos atrás, o músico inglês Andy McCluskey, da banda synthpop inglesa Orchestral Manoeuvres in the Dark, lançou essa provocação em um programa de rádio britânico. Seu argumento: no DNA da música contemporânea, há muito mais traços do quarteto de Düsseldorf do que dos quatro rapazes de Liverpool.
Essa discussão rende bons argumentos de cada lado, mas talvez nunca alcance uma conclusão satisfatória para todos. Uma coisa, porém, é certa: para um grupo com sua importância, chega a ser criminosa a falta de material bibliográfico e jornalístico acerca do Kraftwerk. Pesquisas na internet acabam retornando muitas informações parecidas. Artigos repisam o mesmo percurso, reciclam as mesmas histórias. Nesse aspecto, o Kraftwerk perde feio para os Beatles: uma busca na Amazon americana revela 595 resultados para os criadores de “Trans-Europe Express”. Enquanto isso, os autores de “Yellow Submarine” somam 10.114 títulos na megastore virtual.
Muito disso é culpa do próprio grupo, avesso à publicidade e acostumado a manter um fosso cheio de crocodilos com relação à mídia. Uma postura em total sincronia com o ethos do Kraftwerk e diferencial importante na época em que surgiu, como veremos daqui a pouco, mas que na outra ponta, deixa jornalistas e pesquisadores em apuros.
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Neste livro, David Buckley conseguiu falar com vários ex-membros do grupo, mas mesmo com todos os contatos e apresentações certas, não teve acesso nem a Ralf Hütter, a principal cabeça do Kraftwerk e líder do grupo até hoje, e nem a Florian Schneider, fundador da banda juntamente com Hütter. A ausência de palavras originais do “Lennon e McCartney” da música sintética, entretanto, não diminui em nada o deleite que é atravessar estas páginas para fãs não só de música eletrônica, mas de qualquer tipo de música. A prosa de Buckley flui e envolve, amparada por uma pesquisa sólida e, fundamental, uma preocupação em fornecer contexto o tempo todo. O que temos aqui não é apenas uma narrativa da vida e carreira do Kraftwerk, mas uma visão em zoom out de todo o contexto que levou quatro rapazes de classe média alemã a fundar, no fim dos anos 1960, o que viria a ser o grupo de música eletrônica mais importante da história.
Não só isso. O autor nos ajuda a entender quão radical e visionária era a proposta do Kraftwerk quando surgiu. Olhando daqui, da segunda década do século XXI, tempo do on-line eterno, do celular sempre à mão, é difícil imaginar, mas havia uma baita desconfiança no século passado em relação à tecnologia. A marcha impiedosa de carros, aviões, telefones, rádios, televisores, aparelhos, robôs industriais e computadores que invadiram o cotidiano aconteceu em um ritmo assustador. Inspirou distopias nas artes, de Metropolis, de Fritz Lang, à Revolução no Futuro, de Kurt Vonnegut, do subgênero literário do cyberpunk aos Exterminadores do Futuro de James Cameron. Robótico, mecanizado, artificial, sintético, automatizado, maquinal... eram todos termos de alto teor pejorativo.
“A proficiência de meios técnicos... hoje oscila absurdamente entre a produção de abundância frívola e a produção de munições genocidas”, condenou o acadêmico Theodor Rozsak, autor de A Contracultura, livro-chave dos anos 1960, década em que hippies e contestadores se rebelaram contra a “tecnocracia”. Em música, então, nada pior nesse tempo do que ser “mecânica”. Música “de verdade”, rezavam os bons costumes, requer alma, emoção, suor, músculos, carne e osso. Era o tempo de Robert Plant colocando as vísceras pra fora no palco, de Mick Jagger e seu beiço sensual, do literário Bob Dylan e de John Lennon pedindo a paz mundial.
Com sua imagem asséptica, cabelos curtos arrumados, guarda-roupa sóbrio, ausência de instrumentos convencionais, presença quase imóvel no palco, o Kraftwerk ofereceu seu sorriso metálico à tapa em tempos hostis. Suas letras nem de gente falavam, e sim de coisas. O grupo
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Apresentação
parecia ter reformatado o arquivo de instruções de como ser uma banda. Esqueça o blues do Mississippi. “Éramos os filhos de Werner von Braun e Werner von Siemens”, conforme a definição de Wolfgang Flür no documentário Synth Britannia, produzido pela BBC e disponível na íntegra no YouTube.
Quando o lendário crítico de rock e apóstolo do punk Lester Bangs entrevistou o Kraftwerk em 1975, a “música de máquina” foi tratada com sarcasmo e ironia. Ralf Hütter pareceu entrar na brincadeira, alimentando o crítico com boas aspas sobre a simbiose do grupo com seu equipamento. Para Hütter, o sintetizador “é um espelho acústico” que sabe quem o está tocando. Bangs observou que não demoraria para que as máquinas tocassem as pessoas. Hütter: “Sim, fazemos isso. É uma coisa de robô... não é mais eu ou você, é a máquina”.
Imerso no mundo rockcêntrico, teria sido impossível a Bangs perceber que os quatro rapazes de Düsseldorf estavam na verdade propondo algo bem mais punk que os revivalistas do Ramones jamais poderiam sonhar em tentar.
A resenha que a Rolling Stone americana publicou para Autobahn em 1975 é prova definitiva da falta de compreensão da crítica da época. O crítico John Mendelssohn tentou fazer graça ao colocar no lugar de uma análise do disco um texto técnico que parece tirado de um manual de proprietário de automóvel. Era sua maneira de desclassificar aquilo como música e sim ruídos e emissões sonoras de máquinas. Robert Christgau, o autointitulado “decano dos críticos americanos”, resume a postura em sua resenha de Computer World, álbum de 1981, que ele considera divertido, mas nunca funkeado. “Funk tem sangue correndo nele.”
Como relata Buckley, os sinais de Düsseldorf estavam sendo captados apenas por algumas das almas mais iluminadas do rock de então. Com David Bowie, Iggy Pop e Brian Eno entre seus fãs mais ardorosos, o Kraftwerk estava muito bem de amigos. Em um trecho do livro, Iggy conta que gostava de ir dormir ao som de “Geiger Counter”, faixa de abertura do álbum Radio-Activity. Bowie foi mais longe, incorporando texturas sintéticas sem restrição em seu álbum Low, gravado em Berlim com Brian Eno em 1977.
A geração seguinte abraçou os alemães com ainda mais convicção. Artistas-chave do punk e do pós-punk, de John Lydon, dos Sex Pistols, a Ian Curtis, do Joy Division, eram admiradores irrestritos dos alemães esquisitões. Enquanto Lydon só conseguiu aplicar seu gosto pelos alemães no PIL, banda que fundou depois do fim dos Sex Pistols, o Joy
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Division nasceu kraftwerkiano. A vibe industrial, a estética teutônica funcional e espartana, o uso da bateria cheia de efeitos eletrônicos, o próprio nome inicial da banda, Warsaw (referência à canção “Warszawa”, do álbum Low, de Bowie), são elementos que comprovam a obsessão da banda de Ian Curtis pelo universo em torno dos quatro rapazes de Düsseldorf. Depois do suicídio de Curtis, os membros remanescentes do Joy Division se reinventaram como New Order e adentraram os anos 1980 em uma via expressa para beats eletrônicos e melodias cada vez mais sintéticas. “Blue Monday”, seu maior hit e garantia de pista cheia em qualquer hora ou local, traz o mesmo coral androide de “Uranium”, de Radio-Activity.
Bem antes de os ex-integrantes do Joy Division aderirem ao technopop, uma nova leva de músicos europeus, especialmente na Inglaterra, já havia dispensado a guitarra em favor do sintetizador, enamorados que estavam por passeios em Autobahns e a trilha sonora do filme Laranja Mecânica, composta em sintetizadores Moog por Walter/Wendy Carlos. Em Synth Britannia, músicos como Phillip Oakey, do Human League, Martin Ware, do Heaven 17, Richard H. Kirk, do Cabaret Voltaire, e Andy McCluskey, do Orchestral Manouevres in the Dark, lembram do impacto causado pelo Kraftwerk. “Eu tinha acabado de testemunhar o primeiro dia do resto da minha vida”, conta McCluskey sobre o primeiro show do Kraftwerk que assistiu, em Liverpool em 1975.
Nenhum desses nomes, porém, teve o sucesso do Depeche Mode, quatro rapazes de Basildon, Inglaterra, que podiam bem ser descritos como uma versão boy band do Kraftwerk, com suas melodias de brinquedo e carinhas adolescentes. O Depeche foi uma descoberta de Daniel Miller, fundador do selo independente Mute Records, e ele mesmo autor de peças eletrônicas minimalistas sob os codinomes Duet Emmo, Silicon Teens e The Normal. Miller, assim como seus contemporâneos e precursores do synthpop britânico, trazia muito do espírito punk em sua proposta, ao buscar a simplicidade musical e operar em modo faça-você-mesmo. “Eu era fã de Ramones e Kraftwerk”, declarou certa vez. O sentimento, porém, era de que o punk era um retrocesso estético, com suas guitarras altas e ligação afetiva com as raízes do rock. Só o sintetizador, que não exigia formação musical para ser tocado, era capaz de atender o ideal punk de acesso universal: “O sintetizador é o instrumento mais democrático que existe”, decretou Miller.
Na virada dos anos 1980, emergiu uma influente cena em torno do clube londrino Blitz. Calcada nos pilares do punk e da nova música
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dançante eletrônica, era um lugar onde os frequentadores investiam no exagero e na maquiagem pesada e cada um era uma estrela na pista. Essa cena, logo batizada de “new romantic”, virou um celeiro de popstars para as paradas inglesas do início dos anos 1980: Boy George, Marc Almond, Spandau Ballet e Duran Duran. O DJ Rusty Egan garantia sempre a presença de “The Model” e “Showroom Dummies”, do Kraftwerk na pista, com seu olhar irônico do universo fashionista. Ao lado do promoter Steve Strange, Egan teve sua dose de sucesso synthpop com o projeto Visage, com a melancólica e inesquecível “Fade to Grey”.
O Kraftwerk frequentou playlists de DJs mais ousados dos anos 1970 e 1980. François Kevorkian, um dos primeiros DJs a assinar remixes, recorda que a música dos alemães tocava em clubes com propostas distintas. “Havia muito, muito poucos discos que tinham essa capacidade”, segundo Kevorkian, que trabalhou várias vezes com o quarteto alemão, incluindo um clássico remix para “Tour de France”. Ainda assim, não se pode dizer que a obra do Kraftwerk foi um estouro nas discotecas e clubes. A coroa da música eletrônica para dançar da época é mesmo de Giorgio Moroder, produtor nascido no Tirol italiano, região autônoma onde a maioria da população fala alemão. Através de “I Feel Love”, seu hit planetário com Donna Summer, Moroder trouxe batidas eletrônicas, linhas de baixo programadas e efeitos especiais de sintetizador para os dançarinos da noite. É difícil determinar qual foi o impacto de Kraftwerk em Moroder, pois este nunca pareceu entusiasmado com o quarteto de Düsseldorf. “Gosto muito dos seus sons, pois são muito limpos, mas não gosto muito das músicas. Às vezes, acho que são meio relapsos em sua música...”, afirma Moroder em uma passagem deste livro.
O sentimento era recíporoco. Buckley lembra que Florian Schneider foi irônico quando perguntaram sua opinião sobre “From Here to Eternity”, um grande sucesso de Giorgio Moroder com vocais robotizados, por um tipo de vocoder que fazia a voz soar metálica, e um arranjo que desabrocha gradualmente, marcas de muitas das músicas do Kraftwerk. A semelhança estética teria levado pessoas a perguntarem se era uma música nova do grupo, de acordo com Schneider. Curioso pensar se havia alguma espécie de rivalidade entre os pioneiros eletrônicos. O que é certo é que Kraftwerk e Moroder estavam se ouvindo atentamente. A faixa “Spacelab”, do álbum The Man-Machine, de 1978, por exemplo, é Moroder escancarado.
A reverberação do Kraftwerk fora do mundo do rock atingiu setores inesperados. Quem poderia imaginar que os moleques do devastado
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Bronx, na Nova York dos anos 1970, seriam tão afetados pelos beats austeros de “Trans-Europe Express”? O DJ e rapper Afrika Bambaataa, ex-membro de gangue que promovia a pacificação nas violentas comunidades da região através de festas, disse famosamente: “O Kraftwerk não fazia ideia de quão famoso era entre as massas negras”. E o fato de ser funk “sem sangue”, nas palavras do decano dos críticos americanos, parecia não ser um problema. Pelo contrário, os dançarinos das festas de rua e clubes black de Nova York conseguiram escutar que ali, de um jeito particular, eletrônico, robótico, havia sim um groove. “Para mim, era uma porra de um negócio estranho. Uma porra dum negócio mecânico doido e funkeado”, recorda o DJ.
Bambaataa inseriu pedaços de Kraftwerk em “Planet Rock”, lançada em 1982 e um estouro nos clubes. A melodia central da faixa é de “Trans-Europe Express”, enquanto as batidas são inspiradas em “Numbers”. Sua produção inteiramente eletrônica e arranjo espaçoso viraram de ponta-cabeça o ainda infante gênero do hip hop. Até então dependente de grooves replicados da disco e do funk/soul, a música que acompanhava os MCs ganhou com “Planet Rock” uma nova e sintética identidade. A estética ressoou entre jovens urbanos fissurados em video games como Space Invaders e filmes de ficção científica. Nascia o gênero conhecido como electro. Em questão de meses, o cenário estava tomado por meninos negros e latinos dançando e cantando como robôs e formando grupos como Warp 9, Planet Patrol, Jonzun Crew, Newcleus e Jamie Jupitor (que lançou “Computer Power”). O beat de “Planet Rock” não parou mais. Forneceu o chassi rítmico para incontáveis subgêneros de gueto, como o Miami bass, de artistas como 2 Live Crew e JJ Fad, e o latin hip hop/freestyle, de Noel e Shannon, além de servir como template para o funk carioca, reflexo da popularidade da faixa de Bambaataa nos bailes black brasileiros. Até hoje, os pancadões dos bailes no Rio sacodem ao som de beats descendentes de “Numbers”.
De volta ao electro, um grupo em particular merece atenção por ter servido como ponte entre o planeta rock e o filhote de Kraftwerk seguinte. Baseado em Detroit, o Cybotron era uma parceria entre o veterano do Vietnã Richard “3070” Davis e o DJ novato Juan Atkins. Em 1984, o Cybotron compôs uma peça de synthpop melancólico que era diferente tanto do electro pós-Bambaataa quanto do som de Human League ou Depeche Mode. Mais groove que canção, mais abstrata que focada, “Techno City” sonhava com uma utopia urbana. É considerada o marco zero do techno. A nova sonoridade que se desenvolveu em
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Apresentação
Detroit era informada pela house music, ritmo que se desenvolvia na mesma época em Chicago, mas ajoelhava no altar dos deuses sintéticos europeus. A cena de clubes de Detroit, cidade cuja indústria automobilística proporcionou uma numerosa classe média negra, tendia a ser bem aventureira em termos musicais e com uma fortíssima influência de sons ingleses, alemães e italianos.
Em Chicago, a house music, descendente da disco que se concentrava em poucos elementos e bases eletrônicas energéticas, tinha uma ligação mais direta com a linhagem da música negra. Suas referências eram múltiplas e Kraftwerk certamente estava entre os sons que tornaram sua existência possível. Lembro em particular de um dia na redação da extinta revista BIZZ quando toquei “Your Love”, de Frankie Knuckles e Jamie Principle, para o José Augusto Lemos, diretor de redação. A faixa visivelmente o impressionou, com sua frase sintética arpejada, batida áspera e um vocalista entre o desejo e o lamento, JAL resumiu: “A mistura de Kraftwerk com música negra realmente produz coisas fantásticas”.
O sucesso global da house music e de gêneros derivados a partir da virada dos anos 1990 (como trance, drum’n’bass, garage, deep house) disseminou a música eletrônica nos clubes, casas, carros, comerciais de TV e rádios de toda a parte. A década viu surgir uma leva de grandes artistas que utilizavam batidas sintéticas e ritmos mecanizados em suas composições e que eram capazes de lotar estádios: Prodigy, Chemical Brothers, Underworld e Daft Punk (estes últimos descendentes diretos do look popstar-robô do Kraftwerk).
Em outubro de 1998, o Kraftwerk veio tocar no Brasil pela primeira vez, no Free Jazz Festival. Foi uma verdadeira peregrinação da comunidade que curtia sons eletrônicos em pistas de dança e de fãs de décadas diferentes. A essa altura dos fatos, o mundo tinha finalmente alcançado o quarteto de Düsseldorf e dali em diante validaria cada vez mais sua visão: beats e timbres eletrônicos estavam em todas as vertentes da música, do rock ao soul, do pop africano ao reggae; o uso de computadores havia se tornado prática universal na produção musical; canções e arranjos com formatos mais rítmicos, esparsos e repetitivos se ouviam no rádio a todo momento.
Depois do show, alguns dos membros do Kraftwerk se instalaram no bar, tomando caipirinhas e dando autógrafos para uma fila de dobrar a esquina. Foi um momento surpreendente, descontraído e caloroso, que contrastou com a aura de frieza e distância cultivada ao longo das décadas. Era como se, agora que o mundo os tinha compreendido, eles
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