Revista Lindenberg - Edição 33

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ArtĂŠrias do desenvolvimento

33

artĂŠrias do desenvolvimento Mobilidade urbana nos caminhos da sociedade amadurecida

life





editorial Adolpho Lindenberg Filho e Flávio Buazar são conselheiros e idealizadores da LDI

Ao leitor,

I Marília Rosa

niciar o processo de produção de uma

De carona pelo chão mineiro, também

edição da Lindenberg & Life é sempre

somos prestigiados nesta edição com o

muito prazeroso, pois nos traz grande

trabalho de Gustavo Penna, um dos mais

satisfação saber que, após uma lon-

conceituados arquitetos brasileiros, res-

ga jornada de trabalho, logo ela estará nas

ponsável por importantes projetos como

mãos dos nossos leitores.

a Escola Guignard e o Memorial da Imi-

A cada nova reunião de pauta, iniciamos uma

gração Japonesa no Parque Ecológico da

busca constante por atender às expectativas

Pampulha. Você confere essas e outras

dos clientes, parceiros e colaboradores para

obras na sessão “Um Outro Olhar”.

sempre ter uma revista de qualidade com

Muitas novidades aguardam por você nas

tendências, novidades e atualidades. Como

próximas páginas, em entrevistas com pes-

resultado desta busca, este mês inaugu-

soas que informam e transformam o nosso

ramos a coluna Filosofia, com uma reflexão

cotidiano como o arquiteto Jaime Lerner,

sobre um assunto certamente na pauta das

médico das cidades, e a CEO da Impetus

grandes corporações e também em nosso

Trust Daniela Barone que mostra novas e efi-

dia-a-dia: “a dança das cadeiras”, ou seja, a

cazes maneiras de fazer filantropia.

motivação que nos leva a mudar de emprego

Para ficar com água na boca, você vai passe-

e empresa constantemente e quais são os

ar pelos segredos dos merengues e pudins,

princípios que governam nossas decisões.

produzidos pelos aprendizes de gastrono-

Se em um momento temos trabalho, em outro

mia da Universidade Anhembi Morumbi, na

certamente teremos o lazer. Na sessão Turis-

seção ‘Laboratório”.

mo viajamos por terras brasileiras, num cami-

Desejamos a você uma ótima leitura, com en-

nho de cultura e história onde a diversidade

tretenimento, informação e diversão, na mes-

convive tranquilamente. Em um final de sema-

ma dose que tivemos ao produzir essa L&L.

na é possível visitar artistas em ateliês-casas,

Nossas portas estão sempre abertas. Fique à

conhecer lendas, comer doces centenários e

vontade para enviar suas críticas e sugestões

claro, visitar o Instituto Inhotim que abriga obras

para marketing.institucional@ldisa.com.br.

de artistas renomados como Hélio Oiticica,

Visite também o nosso site e leia a versão di-

Adriana Varejão e Olafur Eliasson.

gital da revista em www.lindenberg.com.br

Adolpho Lindenberg Filho e Flávio Buazar

4


Empreendimentos exclusivos com tudo o que você precisa: boa localização, muito espaço, lazer e um financiamento sob medida.

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Para conhecer as condições do produto, obter outras informações ou tirar dúvidas, acesse o site www.santander.com.br ou fale com um dos nossos gerentes.

Sujeito a análise de crédito e demais condições do produto. Nota: As condições ora oferecidas poderão ser alteradas ou extintas a qualquer tempo sem prévio aviso.


sumário

Matéria a mobilidade do espaço urbano Imagem capa Oscar Iowa

Oscar Oiwa é o artista da capa com a obra Mink da série “Nest”, um mundo postapocalíptico, cuja esperança toma conta de remanescentes da civilização. Radicado em Nova York desde que ganhou uma bolsa de estudos na Fundação John Simon Guggenheim, ele já participou de exposições nos principais museus de Arte Contemporânea do mundo. No Brasil, ele é representado pela Galeria Thomas Cohn, nos Jardins, e em novembro inaugura uma mostra individual no Paço Imperial no Rio de Janeiro.

20

28

42

08

10

14

52

63

74

Turismo Garimpo fora do tradicional

Urbano Ribeirão Preto: megametrópole no interior paulista

Releitura Eu estive na guerra

Cultura Para a cabeceira...

Um outro olhar Construtivo e genuinamente brasileiro

Poéticas Urbanas (as cidades invisíveis)

6

Capa A mobilidade do espaço urbano

Entrevista Médico das cidades

5 experiências Ode aos sentimentos


Nesta edição é uma publicação da Editora Novo Meio Ltda. para a Construtora Adolpho Lindenberg. Jaime Lerner compara engenharia à acumpuntura

Malu Alves escritora dos avanços do tempo

ano 8 • número 33 • 2010 A tiragem desta edição de 10.000 exemplares é comprovada pela

Conselho editorial: Adolpho Lindenberg Filho, Flávio Buazar, Ricardo Jardim, Rosilene Fontes, Renata Ikeda e Lili Tedde Produção e redação: Novo Meio Comunicação Empresarial Editor: Claudio Milan (MTb 22834) Editora assistente: Perla Rossetti

Enrique Peñalosa ex-prefeito de Bogotá fala de mobilidade

56

Laboratório Claras em neve com açúcar

34

Literatura Quero ser escritor

76

Filantropia Inteligente Sendo bom em fazer o bem

64

Personna Um lar para o aconchego

Designers: Jonas Viotto e Marília Rosa Assistente de Arte: Caio Pontoni Jornalismo: Claudia Manzzano, Larissa Andrade e Renata Vieira Revisão: Kika Freitas

Marília Veiga insights em um Lindenberg mediterrâneo

34 39

Filosofia A mudança nossa de cada dia

Projeto gráfico e Direção de Arte: Sérgio Parise Jr.

Clarisse Abujamra atriz revela suas 5 maiores experiências

Fale com a Lindenberg & Life Opine sobre as reportagens publicadas na revista e sugira temas para as próximas edições. Envie sua mensagem para nossa redação: marketing.institucional@ldisa.com.br

Colaboração e agradecimentos: Universidade Anhembi Morumbi, Vivian e Thomas Cohn, FASS (Fotógrafos Associados), Marina Góes (Editora Objetiva), Giovanni Frigo (Sec. de Cultura e Turismo de São João Del-Rei) e Agência UAI Trip Ecoturismo Publicidade: (011) 3041 5620 lindenberglife@lindenberg.com.br Redação: Rua São Tomé, 119 11 o / 12o andar Vila Olímpia 04551 080 São Paulo SP Brasil (011) 3089 0155 jornalismo@novomeio.com.br Os anúncios aqui publicados são de responsabilidade exclusiva dos anunciantes.

Filiada à


releitura A cada edição, a Lindenberg & Life traz uma releitura dos melhores textos publicados na imprensa nacional

(...)

– Se eu sinto os dedos, é porque eles existem, e não existe dedo sem pé,

logo, o meu pé esquerdo está lá, firme. Quando o helicóptero pousou em frente do hospital, com certo impacto ao tocar o chão, e eu recebi no rosto o calor e o sol do meio-dia, meu otimismo diminuiu muito. Percebi que as dores iam voltar. Enquanto me transportavam para o hospital, um homem caminhava ao meu lado, falando e falando. Custei a perceber do que se tratava. Era um padre católico. Perguntou-me em italiano se eu queria confessar e comungar. Numa reação que até hoje não entendo, respondi: – Obrigado, padre, eu sou protestante. Ao que ele retrucou: – Numa hora dessas, meu filho, isso não tem importância. Aquela ideia veio-me de novo: – É, vou morrer! Não me lembro mais do padre nem de maiores detalhes do hospital, a não ser do momento em que entrei na sala de cirurgia e alguém me disse: – Não se preocupe, agora você vai dormir um pouco.

Eu estive

A recordação seguinte é já na cama, com a perna esquerda “encaixotada”, a direita coberta de bandagens, o braço esquerdo encanado. Uma médica estava me

na guerra

Por José Hamilton Ribeiro Revista Realidade, maio de 1968

dizendo que eu só ia ficar uns quatro dias no hospital, seguiria depois para os Estados Unidos e em vinte dias estaria bom. Acreditei em tudo e estava bastante tranquilo. Não suspeitava que aquele era o primeiro dos quinze dias mais dolorosos, tristes e infelizes que eu jamais tinha

O premiado jornalista e repórter especial da TV Globo

imaginado passar em minha vida. O médico tinha usado

pagou caro por sua coragem em cobrir a Guerra do

a velha política de enganar o paciente.

Vietnã para a revista Realidade: no dia 20 de março de 1968, o último da viagem, ele perdeu uma perna ao pisar

(...) Dia 24: agora os olhos

numa mina. Um dos fundadores da publicação e que se tornou um paradigma do jornalismo brasileiro, Ribeiro

Tudo no hospital

é o único repórter a ganhar sete Prêmios Esso, o maior reconhecimento da categoria no país. Confira um trecho

Dia 28: chega o padre

do texto cuja íntegra do que narra a sua experiência está em livro da Editora Objetiva.

Um padre católico, americano, teve uma inspiração

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divina e ficou bastante tempo à beira da minha cama,

de longo percurso e, também, os superbombardeios que

provocando-me para que eu falasse. Forçava-me, que-

atacam diariamente o vici – e, daí, um outro me transpor-

ria que eu “chorasse as mágoas”. Conseguiu. Estou re-

tará aos Estados Unidos, onde eu terminarei meu trata-

clamando da dor, do isolamento, da distância, do medo

mento, que incluirá uma boa perna mecânica. Para mim

que tenho de morrer sozinho, da impossibilidade de co-

esta guerra acabou. Uma coisa, entretanto, não me sai

mer a comida do hospital. Reclamo de tudo, enfim. E,

da cabeça: por que o pequeno Van-Thanh não pode pa-

afogado em tanta infelicidade, começo a chorar. É o que

rar de chorar? Por que os americanos que têm medo e

o padre pretende. Iria dizer-me, depois, que sentiu que

os sem medo não podem voltar para casa? Por que os

eu estava em alta tensão emocional e que o desabafo

vietcongues não retornam aos arrozais?

através do choro só podia fazer-me bem. Esse padre ia tornar-se o meu primeiro amigo no hospital. Descobriu todos os médicos que falavam espanhol e francês e trazia-os, um de cada vez, para conversar comigo. Isso me fez um bem muito grande, principalmente porque os médicos no Vietnã – talvez por ficarem com o pior pedaço da guerra, as lesões e a morte – geralmente são contra essa carnificina estúpida.

Dia 4: “Pra mim, acabou!” Meu último dia no Vietnã. Um aviãozinho me levará a

Estou reclamando da dor, do isolamento, da distância, do medo que tenho de morrer sozinho...

Cam-Rahm Bay – base aérea de onde saem os aviões

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cultura

Para a cabeceira... visuais Alma O maestro John Neschling reuniu suas lembranças da infância, juventude e carreira musical no livro Música mundana, publicado pela editora Rocco.

galerias

A obra traz o início de sua carreira inA mais importante feira de arte da América Latina para colecionadores e pro-

ternacional, ainda na década de 1970,

fissionais, a SP Arte recebeu 79 galerias participantes, 10 estrangeiras e cer-

até a sua atuação como regente titular

ca de 2.500 obras – um panorama abrangente da produção moderna e con-

e diretor artístico da Osesp, de 1997 a

temporânea mundial. O evento ocorreu de 28 de abril a 2 de maio no Pavilhão

2008, época em que ganhou o status

da Bienal do Parque do Ibirapuera.

de mais importante orquestra brasileira e uma das melhores do mundo.

A campo A Casa do Saber lançou um novo roteiro para os fãs de viagens e novos conhecimentos: Rússia e Uzbequistão – Geopolítica da Ásia Central e a Influência Russa. Conduzida pelo jornalista Jaime Spitzcovsky, o grupo visita o Kremlin, a Praça Vermelha, oTeatro de Bolshoi, a catedral Saint Basil, o Kazan, Mausoléu de Lênin, Old Arbat e a Rota da Seda. A viagem está prevista para o período de 6 a 22 de maio. Informações pelo telefone (11) 3045-7740 ou www.latitudes.com.br

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Clarice Fotobiografia

Cenas

Anotações, manuscritos, documentos

O jornalista e fotógrafo gaúcho Eduar-

pessoais e cartas escritas e recebidas

do Tavares reuniu 264 fotos coloridas,

por Clarice Lispector, além de

emolduradas por textos descontraídos e

seus retratos feitos por pinto-

objetivos em o Pharol de Santa Martha, em

res como Giorgio de Chirico,

Santa Catarina. A edição elegante tem 68

Carlos Scliar e Dimitri Ismai-

páginas, no formato 20x29 cm, impresso

lovitch fazem parte de Cla-

em papel couchê e a venda é direta com o

rice fotobiografia, lançado

autor através do e-mail ete@terra.com.br.

pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e

Ética

Edusp. A obra traz, ain-

Há uma “crise moral” com a qual deve-

da, o fac símile de seu

mos nos preocupar? Ou temos a per-

primeiro conto publica-

cepção distorcida pela dificuldade de

do, O triunfo, que saiu na revista Pan,

identificar e compreender a formação de

em 1940. À venda na Livraria da Vila,

novos valores? É em torno dessas ques-

www.livrariadavila.com.br

tões que giram os ensaios reunidos em Visões do presente, o segundo da série

Vik Muniz

Cultura das transgressões no Brasil. A

Depois de publicar os consagrados

apresentação é de André Franco Monto-

catálogos raisonnés de Frans Post,

ro Filho e Fernando Henrique Cardoso.

Debret e Taunay, a Capivara Editora agora traz ao Brasil o primeiro catálogo dedicado a um artista brasileiro con-

MÚSICA

temporâneo. Organizado por Pedro Corrêa do Lago, Vik Muniz, obra com-

Piano

pleta 1987-2009 (R$198,00) faz, em

Para comemorar seus 70 anos, Francis

710 páginas, o registro integral do tra-

Hime lançou pela Biscoito Fino o álbum

balho do artista de maior

duplo O tempo das palavras ... imagem

projeção

internacional

que traz um cd de músicas inéditas e ou-

nas artes plásticas. São

tro de piano solo sobre as trilhas de cine-

1.600 imagens que ilus-

ma compostas por ele. As canções foram

tram cronologicamente

compostas com parceiros como Geraldo

e em detalhes as cerca

Carneiro, Joyce, Olívia, Paulinho Pinheiro

de 1.200 obras desde

até uma primeira vez, com Moska. Para

o início de sua carreira,

o disco instrumental, ele fez uma seleção

há 22 anos. À venda na

com Dona Flor e seus dois maridos, O

Livraria da Vila, www.li-

homem que comprou o mundo, A estrela

vrariadavila.com.br

sobe, Um homem célebre, entre outros.

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cultura

Jazz session Ele reinventou o jazz, o bebop e fundou o cool jazz. Composição, improviso e formações maiores com arranjos orquestrais fazem parte de uma nova coletânea de Miles Davis. O kit jazz da Sony Music traz dois CDs com o álbum Kind of blue e um DVD com Legacy Edition.

TelecotecnoFunk Dois estilos musicais aparentemente distintos trazem, em sua raiz, a força rítmica. Baseado nisso, o pandeirista Sergio Krakowski – integrante do grupo de choro Tira Poeira – promoveu o encontro e o diálogo da música instrumental com o funk carioca no projeto TelecotecnoFunk, que nasceu no período em que desenvolvia a sua pesquisa de doutorado em Computação Musical. Assim, o lançamento é exclusivamente em formato digital, disponível em www.biscoitofino.com.br/tfunk

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FILMES Os Simpsons A série mais querida do mundo chega a mais uma temporada e, em comemoração aos 20 anos, a Fox lança-a, simultaneamente, em DVD e Blu-Ray. Homer vai para a cadeia e conhece caçadores de recompensas.

Real Elogiado na 33ª Mostra Internacional de Cinema, especialmente por Leon Cakoff, Os inquilinos, do diretor Sergio Bianchi, traz à baila o cotidiano de Valter (Marat Descartes), e seu subemprego. Relato quase documental, o filme relembra os dias de atentado do PCC, a realidade de sua família e a rotina alterada com a chegada de três jovens barulhentos que alugam a casa vizinha.

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entrevista

Médico das cidades Jaime Lerner compara o seu trabalho nas cidades com a técnica de acupuntura – são picadas rápidas e eficientes Por Claudia Manzzano Colaboração Renata Vieira Ilustrações Sérgio Parise Jr.

A

casa que construiu, ainda estudante de arquitetura,

concedeu à LINDENBERG & LIFE alguns bons mo-

é hoje o seu escritório. Mostras de uma simplicidade

mentos para uma agradável conversa.

rara nos dias de hoje, mas que resolveria boa parte

Mas antes, vale detalhar um pouco a sua trajetória

dos problemas urbanos do país. Estamos falando do

pública. Embora a carreira política tenha sido res-

urbanista de maior renome nacional, Jaime Lerner,

trita ao Paraná, seu trabalho saltou para o mundo.

que se tornou referência ao provocar mudanças que

Três vezes prefeito da capital (1971-75; 1979-83;

transformaram a cidade de Curitiba quando prefeito.

1989-92) e duas vezes governador do Estado

Escondido por trás de um discreto portão e muito ver-

(1995-98; 1999-2002) –, ele chegou a ser consul-

de em um bairro não distante do centro de Curitiba,

tor da Organização das Nações Unidas (ONU) para

seu lar remete a muita tranquilidade, a mesma almeja-

Assuntos Urbanos e presta consultoria em vários

da por tantas pessoas presas ao ritmo alucinante das

continentes do planeta. Nascido em uma família de

grandes cidades. Uma vastidão de plantas circunda

imigrantes judeus poloneses em 1937, terminou a

o quintal e as paredes de vidro, dando acesso à área

graduação na Escola de Arquitetura da Universida-

externa. Um clima sereno, em que o “acupunturista”

de Federal do Paraná em 1964, participou do de-

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senvolvimento das diretrizes básicas

te, trabalho, moradia, tudo junto, é o

do Plano Diretor de Curitiba (1966-69)

que faz uma cidade ser humana.

e foi um dos fundadores do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano

L&L – E existe uma cidade que

de Curitiba – IPPUC, onde ocupou a

seja assim?

presidência no biênio 1968-69.

JL – Você está nela, ou mais próxima disso. Quando se discute o futuro das

É na concepção das cidades que nós podemos resolver melhor o problema climático. O que adianta sair de um prédio verde e estar em uma cidade que não é verde, que não é sustentável?

Lindenberg & Life – Qual o seu

cidades, muitos têm uma visão de que

conceito para uma cidade com boa

a cidade vai ser uma paisagem do Flash

mobilidade e urbanismo?

Gordon ou do Blade Runner, e na ver-

Jaime Lerner – A experiência

dade a cidade, fisicamente, não é dife-

de quase 40 anos trabalhando com

rente da de 300 anos atrás. Não há por

as cidades me mostrou que, quanto

que acreditar que daqui a 50 anos você

mais a gente integra as funções da

vai ter uma cidade fisicamente muito di-

cidade (moradia, trabalho, lazer), se

ferente. Mas as coisas vão mudar? Já

mistura, a cidade é mais humana. E

mudaram. Uma transformação, uma

o que está se fazendo na maioria das

revolução imperceptível é de que os

cidades do mundo é a separação de

grandes geradores de emprego dimi-

ça, segurança – três problemas estão

funções, separando rendas, criando

nuíram de escala. Os serviços estão

aflorando cada vez mais, mostrando

guetos de gente muito rica ou muito

mais próximos da moradia, a indústria

que eles são importantes para cada

pobre. Esta visão tem levado a uma

de vestuário, de alimento, tudo isso

cidade no mundo e para a humani-

deterioração da qualidade de vida das

se decompôs. Isso é a favor da ci-

dade: mobilidade, sustentabilidade e

cidades, que tem de ser uma estrutu-

dade. Além dos problemas normais

sociodiversidade.

ra de vida, trabalho e lazer, tudo junto.

– que é educação,

Isso vale para as cidades como vale

saúde,

para um país. Toda vez que separa-

ção à crian-

prote-

Ícone da cidade de Curitiba, os tubos faciliam o transporte e embelzam o cenário urbano

mos as atividades econômicas dos assentamentos humanos acontece a tragédia. Não dá para separar a economia de gente. Eu sempre tive esta visão de que a cidade tem uma estrutura de crescimento, cada uma tem um desenho. Porque a que não tem uma estrutura de crescimento, não tem prioridade. Normalmente as cidades vão atrás do trilho e da memória. Em geral, essa estrutura é resultado de velhos caminhos e a ligação deles através de uma estrutura de transpor-

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entrevista

L&L – Pode nos falar um pouco

usar menos o carro. Não é não usar o

Curitiba é que 80% da população vive

deles?

carro, mas, pelo menos no transporte de

em vizinhanças diversificadas. Qualquer

JL – Vou começar com a sustentabilida-

rotina, usar o transporte coletivo. As cida-

cidade europeia é assim. Não é uma

de. Al Gore foi uma grande figura pública

des terão de prover um bom transporte

coisa fora do comum.

que alertou o governo. Mostrou provas

público; segundo, separar o lixo. Uma

contundentes do problema da mudança

das grandes fontes de energia é o des-

L&L – Para a cidade chegar a

climática. O que acontece hoje, no mun-

perdício. A sustentabilidade é uma equa-

esse ponto, como o de Curitiba,

do inteiro, é um estado de perplexidade.

ção entre aquilo que se poupa e aquilo

é necessário que haja um plane-

Ninguém sabe como fazer as coisas

que se desperdiça. Se você desperdiça

jamento desde o início da cons-

(consertar). Muitos pensam que é através

zero, a sustentabilidade pode crescer até

trução da cidade?

de novos materiais, green buildings, no-

o infinito; e terceiro (fundamental na con-

JL – Não. Qualquer cidade do mun-

vas formas de energia ou reciclagem. Eu

cepção das cidades), morar mais perto

do pode melhorar a sua qualidade de

diria que tudo isso é importante, mas não

do trabalho ou trazer o trabalho para mais

vida em menos de três anos, eu pos-

é suficiente porque 75% das emissões

perto da moradia. Por isso, nos guetos

so jurar, não importa a escala ou as

de carbono estão nas cidades. Então,

de gente muito rica a separação das

condições financeiras.

é na concepção das cidades que nós

pessoas é anticidade. Eles são como

podemos resolver melhor o problema cli-

acampamentos que refletem um cres-

L&L – O que é preciso fazer para

mático. Muitos pensam que ao construir

cimento desordenado, um câncer cujas

isso acontecer?

um prédio verde estão resolvendo tudo.

metástases estão acontecendo.

JL – Primeiro, decisão política; segun-

O que adianta sair de um prédio verde

Conhecido O Olho, o museu Oscar Neymeyer é único e inconfundível

do, visão solidária; terceiro, visão estra-

e estar em uma cidade que não é ver-

L&L – Mas isso é possível, juntar

tégica; e quarto, principalmente, é saber

de, que não é sustentável? Eu diria que,

as pessoas em uma sociedade se-

fazer de cada problema uma equação

entre alguns compromissos para o cami-

gregária como a nossa?

de corresponsabilidade. Como fizemos

nho da sustentabilidade, temos: primeiro,

JL – Eu não sou ingênuo de pensar que

com o lixo aqui em Curitiba, convoca-

pessoas de diferentes classes vão

mos toda a população para resolver o

morar em um prédio só.

problema. No transporte, não tínhamos

Estou dizendo que

recursos para comprar uma frota nova,

uma das boas

montamos uma equação em que o

coisas de

poder público investia no itinerário e a iniciativa privada na frota. Isso viabilizou, montou-se um sistema sem subsídio pela primeira vez no mundo. E, hoje, 89 cidades importantes do mundo adotam o que eles chamam de BRT (Bus Rapid Transit) de Curitiba, não é exatamente igual, mas se tornou uma referência. L&L – E a questão da mobilidade? JL – Acho que, hoje, muitas cidades co-

16


17 locam um falso dilema que é: carro ou

L&L – Mas parece que isso não

JL – Com o tempo a gente vai apren-

metrô? Você não vai resolver tudo com o

está acontecendo, a tendência é

dendo. Inovar é começar. Uma das coi-

metrô porque você não vai ter uma rede

exatamente o contrário.

sas que eu defendo é o multiuso das

completa. São Paulo tem quatro linhas

JL – Eu gosto muito de uma frase que

coisas, não consigo ver um centro da

e 84% dos deslocamentos são de su-

diz: tendência não é desculpa. O sim-

cidade vazio 16 horas por dia, ou uma

perfície. Para o metrô ser bom, a super-

ples momento em que a sociedade

arena que é usada dez vezes por ano.

fície tem de ser bem operada. Eu não

detecta uma tendência não desejada

Uma arena podia ser, de manhã, um óti-

procuro provar qual sistema é melhor.

é o exato momento da mudança. Isso

mo mercado; à tarde, uma faculdade; à

O segredo da mobilidade está em você

aconteceu com o problema do meio

noite, ter eventos esportivos e culturais.

usar tudo, mas jamais competir no mes-

ambiente. Em 1972 fizeram a primeira

O que é realmente efetivo é a concep-

mo espaço, tem de ser complementar.

reunião de países sobre meio ambiente,

ção da cidade. E a cidade não é conce-

Outro dia me perguntaram sobre as mu-

e o panorama mudou. A mesma coisa

bida para dar mobilidade, ela é concebi-

danças de São Paulo. Isso vai resolver

em relação à densidade. Todo o mundo

da como um todo. Veja o que acontece

o problema? Nunca. Ampliar a faixa da

dizia que a América Latina ia estourar

quando você dá excessiva importância

Marginal é levar o carro mais rápido ao

de gente, mas a taxa de crescimento

para o automóvel. Eles acabaram quase

ponto de congestionamento. O metrô?

diminuiu, a sociedade corrigiu. Isso vai

matando as cidades. Porque não é isso,

Mais uma linha sempre é bom. O que

acontecer em relação à sustentabilida-

é um conceito integrado.

está acontecendo em São Paulo é que

de. Mas a cidade tem de caminhar mais

os trens do subúrbio estão começando

rápido. Os países que trabalharem me-

L&L – O senhor foi fundador do Ins-

a operar melhor. Isso é positivo. A visão

lhor essas cidades vão resolver antes o

tituto de Pesquisa e Planejamento

era jogar a malha urbana em cima do

problema de sustentabilidade.

Urbano de Curitiba, o IPPUC. Como o instituto trabalhou esta questão?

trem de subúrbio, que está melhorando. É possível ter uma cidade sem periferia

L&L – Mesmo antes de ser pre-

JL – O IPPUC começou como uma as-

e para todas as faixas de renda.

feito, o senhor já trabalhava es-

sessoria do prefeito no sentido de pre-

ses conceitos. Quando começou

parar um plano diretor da cidade. Tinha

este interesse?

sido recém concluído um plano preli-

L&L – E sobre a sociodiversidade? JL – A visão de que o muro alto eletrificado vai te proteger dentro de um condomínio fechado é uma grande ilusão, porque quanto mais você se fechar, mais gente vai estar te esperando na hora da saída. A melhor maneira de evitar ou diminuir a violência é o conhecimento. É muito difícil para a iniciativa privada enxergar isso. De qualquer maneira, não é mais possível haver essas separações de funções. A história tem mostrado que as cidades com mais sociodiversidade têm menos violência. Eu acredito nisso.

Ópera de Arame foi inaugurada por Jaime Lerner em 1992


entrevista

A história tem mostrado que as cidades com mais sociodiversidade têm menos violência. Eu acredito nisso.

uma diferença muito grande que é no nível de respeito que se dá à população no sentido de ela se sentir respeitada e, nesse momento, ela assume uma corresponsabilidade. De que maneira? Pelo nível dos equipamentos públicos colocados à disposição da população. Curitiba não é um paraíso, é uma boa referência

minar, mas chegamos à conclusão de

que seja desejado. É por isso que os res-

porque o número de transformações foi

que mais importante que o plano diretor

ponsáveis pela cidade, ou que planejam

o maior número de transformações posi-

era uma estrutura que acompanhasse

a cidade, têm de propor aos que respon-

tivas que aconteceu em menor tempo.

permanentemente a cidade. E não é só

dem politicamente, e eles têm de saber

dizer o que a iniciativa privada pode ou

comunicar isso à população, se não a

L&L – Toda transformação encon-

não pode fazer, mas dizer ao governo

população vai responder ao contrário. As

tra resistência. Que tipo de resis-

por que é necessário fazer. O IPPUC

pessoas costumam falar contra a iniciativa

tência o senhor teve de enfrentar

nasceu com essa estrutura e passou a

privada. Depende. Se o governo não disse

para fazer essas mudanças?

ser uma instituição que acompanha a

o que quer, a iniciativa privada especula.

JL – Quanto maior a resistência, maior a

vida da cidade e que é fundamental.

Quando ele diz o que quer, ela vai a favor

adesão, depois. Quando eu fui pela pri-

do planejamento da cidade. Então cabe

meira vez prefeito eu tinha os jornais e a

L&L – O que mudou no trabalho

à administração fazer com que a iniciativa

televisão contra tudo o que a gente estava

do IPPUC da data de sua funda-

privada trabalhe a favor do crescimento da

propondo. Mas no momento que a gen-

ção até hoje?

cidade, ou de um Estado, ou de um país.

te ia mostrando, aquilo voltava com mais

JL – Não é que mudou. Curitiba tem

força a favor. A gente não pode ter medo

um compromisso que é da inovação

L&L – E a sociedade responde a

de críticas. Sempre que você mudar de

constante. Tem momentos em que

essa comunicação?

paradigma vai encontrar resistência. O im-

não se inova, mas ele tem, ou deveria

JL – Sempre responde. Quando sabe o

portante é que a ação tem de ser rápida.

ter, o compromisso de inovar sempre.

que se quer, responde bem.

Por isso eu gosto do que estou fazendo

Acredito que ele tenha respondido à

agora: acupuntura urbana. Às vezes, o L&L – Mas para Curitiba se tornar

processo de planejamento demora mui-

esta cidade referência, precisou

to, mas o importante é dar uma cutucada

L&L – Até que ponto vai a responsa-

do trabalho que o senhor desen-

em algumas coisas que podem criar uma

bilidade do governo e a responsabi-

volveu ou já tinha uma tendência

nova energia e que ajudem o processo de

lidade da população com a cidade?

para ser o que é hoje?

desenvolvimento. Isso eu chamo de acu-

JL – A primeira coisa é o problema de

JL – Não. Veja, Curitiba é diferente por-

puntura urbana, como acupuntura na me-

comunicação. Um governo que não diz o

que se tornou diferente. Existem adminis-

dicina. Mas, na acupuntura, a agulhada

que quer não pode querer que a popula-

trações, pessoas que tornaram isso pos-

tem de ser rápida, se demorar muito, dói.

ção saiba. Eu acho que fazer acontecer é

sível e a população respondeu bem. Mas

propor um cenário, uma ideia, um projeto

Curitiba não é um paraíso, ela tem todos

L&L – Em que tipo de projetos o

que todos, ou a grande maioria, acredita

os problemas de uma cidade, mas tem

senhor está envolvido, hoje?

altura das exigências da cidade.

18


19 JL – Na semana que vem eu vou para

L&L – A política decepcionou você?

L&L – Nem São Paulo?

o México, vamos fazer o projeto de uma

JL – Na verdade, eu sinto que o pro-

JL – Nem São Paulo. Eu vou a várias ci-

grande ilha, estamos fazendo um traba-

cesso de decisão é muito demorado,

dades do mundo e sempre tem prefeitos

lho em Luanda, fizemos em Durango, no

não só no Brasil. Em geral, as pessoas

que falam “a minha cidade é impossível

México, estamos pra fazer um grande

não se dão conta que é necessário rapi-

porque tem 15 milhões de habitantes”.

parque na Rússia, enfim, trabalhamos em

dez. Por isso eu digo que para ser criati-

E daí? “Nós somos muito pobres, não

Brasília, São Paulo, Rio, Campinas e pro-

vo tem de cortar um zero do orçamento,

podemos fazer nada.” E daí?

jetos na iniciativa privada. Muitas cidades

para ser sustentável, cortar dois zeros e,

nos contratam para fazer algumas acu-

se quer fazer acontecer, tem de come-

L&L – Se o senhor fosse prefeito de

punturas. Isso me dá alegria porque per-

çar imediatamente. Inovar é começar.

São Paulo, onde seria a primeira

mite que a gente vá para um lugar, eu levo

Tem muita gente que tem a pretensão

picadinha da sua acupuntura?

três, quatro arquitetos comigo, propomos

de querer ter todas as respostas, a gen-

JL – Não sei. Eu procuro não responder

duas ou três ideias e desenvolvemos

te tem de ter humildade de saber que se

essas perguntas, não quero ter essa pre-

tudo na hora, trabalhamos junto com os

a gente começar, a população vai nos

tensão e ser leviano. Eu acho que a obri-

profissionais locais. Eu acho que a gente

corrigir se estivermos no caminho erra-

gação de quem está lá é propor. Às vezes

tem de usar a experiência para contribuir

do. Essas pesquisas “origem e destino”

me angustia ver que as coisas demoram

ao máximo com novas cidades.

são a maior enganação do mundo. Eles

para acontecer, mas em geral é por que-

vão projetar uma tendência que não é

rer preencher com complexidade aquilo

L&L – Quantas pessoas compõem

o que a gente quer. Se você projetar o

que você não conhece, não assumir que

a sua equipe, hoje?

desastre, você vai ter o desastre. Em

tudo isso é um processo, que você tem

JL – Não mais do que 15 pessoas, arqui-

uma cidade como São Paulo, o que in-

de começar. É a minha visão.

tetos, free-lancers, engenheiros. De acor-

teressa é mudar e não confirmar aquilo

do com o que eu preciso, eu sei quem

que está acontecendo. Mas tem

procurar. Eu sei por que trabalham comigo

quem venda isso, eu chamo

há 30 anos e eu sei o que eles fazem. Na

de vendedores de com-

área de transporte, é a equipe que tem

plexidade. A cidade não

mais experiência no mundo simplesmente

é tão complexa como

porque fomos os primeiros. Nada demais.

eles querem nos fazer acreditar

L&L – Nada demais? O mundo inteiro reconhece o seu trabalho, isso não deixa você orgulhoso? JL – Claro que deixa. Veja bem, eu deixei a política há oito anos porque acho que assim eu dou uma contribuição maior. Estou dando um curso na Universidade de Columbia, em Nova York, palestras em Londres, Paris, onde houver uma chance de propor algo novo, a gente vai.

que é.

O Jardim Botânico foi inaugurado no terceiro mandato de Lerner


turismo

Pedro Motta

Obra de Yayoi Kusama, em Inhotim, Brumadinho

Garimpo fora Uma rápida escapada às cidades históricas mineiras revela iniciativas em sustentabilidade, inclusão social, arte local e biodiversidade para um passeio multicultural 20


A

São João Del-Rei Lendas São-Joanenses

lém das igrejas em estilo barro-

– como meio de sustento das famílias e

co mesclado ao neoclássico,

patrimônio humanístico –; e a culinária

as cidades históricas minei-

caseira galgou ares profissionais, com

ras estão inseridas no con-

aperfeiçoamento das receitas, organi-

Que tal conhecer mais do que os monu-

texto mundial da sustentabilidade – da

zação em grupos, e ainda assim, com

mentos da cidade e ir para um patrimô-

preservação das ruas de pedra aos

gostinho de comida caseira.

nio cultural além das paredes históricas?

costumes interioranos, das linguagens

Reunimos aqui alguns exemplos do

Em São João Del-Rei, o turista assiste a

perdidas no tempo a relatos valiosos

que é possível ver e viver entre passado

encenação de lendas populares conhe-

salvaguardados pela riqueza do ouro

e esse novo presente no caminho da

cidas e apresentadas por uma coopera-

e o reconhecimento como Patrimônio

Estrada Real e fora dela, em ideias que

tiva de guias turísticos: a Coopertur São

da Humanidade.

preservam todos os signifsicados, valo-

João Del-Rei. O roteiro é baseado no li-

Longe da nostalgia, Minas Gerais revela

res, concepções e representações da

vro Contam que..., de Lincoln de Souza.

o seu lado moderno, sem ignorar o pas-

história de Minas Gerais e do Brasil.

Encenadas em pontos turísticos, como

sado, com inovações culturais amplian-

Numa escapada de feriado, você visita

no número 33 da Rua Santo Antônio,

do horizontes e abrindo portas a uma

artistas em seus ateliês-casas, vive um

a lenda da rua mais antiga da cidade

nova safra de artistas plásticos locais e

dia de ator no teatro, conhece as lendas

guarda peculiaridades, como curvas

atitudes inovadoras em biodiversidade, e

que dominam as esquinas, come doces

estreitas e casas deformadas pelo

em benefício do comércio e do desen-

centenários feitos do jeitinho de antiga-

tempo. Além de contar com o centro

volvimento das comunidades locais.

mente e conhece adornos de Sempre-

histórico como cenário, as histórias,

O artesanato ganhou status sustentável

vivas, o ouro em flor mineiro.

muitas vezes assustadoras, são representadas à noite. A iluminação em lampiões (já abastecidos com luz elétrica) dá um charme especial ao passeio e cria a atmosfera aterrorizante ideal para algumas lendas. Lendas São-Joanenses (32) 9902-7773 / 9938-2311 www.coopertursaojoaodelrei.com.br

do tradicional 21

Por Claudia Manzzano Fotos Divulgação


turismo

Barroco atual Um pouco mais distante do centro de São João Del-Rei, onde as indústrias de tecido deram nome ao bairro, os irmãos Silva – Luiz, Claudio e Rogério –, nascidos em Santiago, no interior de Minas Gerais, conservam o seu ateliê. Os mineirinhos da roça – eles nasceram no interior, em Sanpor pessoas de todo o Brasil e por alguns estrangeiros que se apaixonam pela precisão do trabalho barroco. Depois de subir o morro da rua onde crianças jogam bola, você avista um portãozinho baixo de ferro e um semblante esguio, aproximando-se em uma bicicleta. É Luiz que chega para trabalhar. O mais velho dos irmãos apresenta o ateliê atrás da casa onde seus pais ainda moram. Tudo é muito simples, das instalações ao jeito simpático que Luiz mostra seu trabalho. A história deles não é muito diferente da de muitas crianças

Nathanael Andrade

tiago – já tiveram sua vida e obra expostas, foram visitados

Durante visita para conhecer o Teatro Municipal de São João Del-Rei, turistas são surpreendidos com representação da peça A Capital Federal, de Arthur de Azevedo

Visita-Espetáculo

que nascem no interior do Brasil. Os pais fizeram o possível, mas o salário mínimo do marceneiro que sustentava a família

Com tradição em teatro amador, São João Del-Rei ergueu o

não dava para muito. Por isso, os quatro filhos acostumaram-

seu próprio Teatro Municipal, em 1893, antes mesmo do Rio

se a receber brinquedos de madeira. E ao descobrirem a arte

de Janeiro, por uma pressão popular.

que o pai já levava em suas mãos, a vida dos meninos deixou

Depois de uma época de decadência, o teatro passou por

de ser como a de tantos outros.

uma reforma e está em pleno vigor. Para conhecer a sua his-

Sem nunca ter visitado uma igreja barroca, nem saber o que

tória e causos, o visitante aventura-se na Visita-Espetáculo

o termo significava, Luiz e Claudio deram início aos trabalhos.

cuja proposta é um passeio diferente, alternando informações

A arte sacra entrou de vez na vida dos três irmãos, já marce-

históricas, visuais e teatrais, em todos os cantos do Teatro,

neiros, quando mostraram a um padre de São João Del-Rei o

da fachada aos bastidores, da cabine de luz aos camarins, no

que podiam fazer. Depois, a história se fez sozinha.

palco italiano e em seus “esconderijos”. A visitação culmina na invasão dos personagens e a apresen-

Athelier de Artes Nossa Senhora do Pilar – Irmãos Silva (32) 3372-3838 www.aanspilar.blogspot.com

tação de cenas da peça A capital federal, de Artur Azevedo, pelo grupo teatral Os anfitriões. Iniciado em 2003 pelo Grupo de Pesquisas em Artes Cênicas da Universidade Federal São João Del-Rei (UFSJ), a iniciativa

À esquerda, trabalho dos Irmãos ainda em produção, À direita, Luiz, o mais velho do trio.

22

foi retomada em 2007 pela atriz e pesquisadora Ana Dias e é hoje um projeto de extensão universitária nos campos do teatro, educação patrimonial e turismo cultural. Visita-Espetáculo ao Teatro Municipal (32) 3371-3704 / 8839-1674 www.visitaespetaculo.com.br


23

Doces centenários Dentre os projetos da cidade que tem como objetivo o resgate e preservação da cultura local, destaca-se a ong Delícias de Antigamente, que reúne diversos doceiros os quais ainda persistem em manter a arte de fazer e comercializar gulosei-

Enquanto trabalha, Tião explica os processos da confecção da peça e cota histórias de sua vida

mas caseiras nas ruas. Para saborear as receitas mais antigas da cidade e interagir com as quituteiras, basta procurar a Dona Edna na estação ferroviária, aos domingos, perto das dez da manhã, hora em que sai o trem Maria Fumaça para a cidade de Tiradentes. Ela fica ali, bem em um dos bancos da estação, ao lado do marido, Marcos. É fácil identificá-la com o uniforme da ONG e

Tiradentes Carinho em pedaços de barro

o tabuleiro repleto de guloseimas, muitas delas, receitas centenárias aprendidas com o pai. Cocadas, pirulito de mel em

A praça central de Tiradentes, o Largo das Forras, é o ponto

cone, puxa-puxa, quebra-queixo... difícil escolher.

de partida para qualquer passeio na cidade. O artesanato e a

O projeto das doceiras existe há 10 anos, e sob a coorde-

cachaça local estão logo li, nas lojinhas, mas há também char-

nação de Alzira Agostini Haddad elas recebem orientações

retes e a concentração de pessoas que dá vida ao lugar.

sobre qualidade, apresentação, higiene e preço, como forma

Ali mesmo, na praça, você encontra Tião Paineiras, um dos

de preservar esse delicioso e tradicional negócio na cidade.

principais patrimônios da cidade. Com barro, ele ganha a

Delícias de antigamente (32) 3371 1208 alzirah@gmail.com

vida. Dá forma ao material geralmente desprezado e o transforma em belos objetos decorativos. Mas não é só seu exímio trabalho que o torna especial, a simpatia e a simplicidade com que trata a vida é uma lição. Ao se aproximar, você vai ouvir muitas histórias, da vida dele, da cidade, e até uma versão da Inconfidência Mineira e do herói Tiradentes. Com toda beleza e experiência proporcionadas pela idade, 82 anos, ele conta como herdou o ofício do pai, que herdou do pai dele, e se perdeu na árvore genealógica da família. Se ele não estiver na praça, visite seu ateliê – qualquer morador da cidade indica o caminho. Lá, você pode encomendar uma peça feita na hora, uma moringa pronta em menos de dez minutos com explicação de todos os procedimentos da lida com o barro. Ao olhar sua

Acima, as guloseimas centenárias preparadas por Dona Edna, que posa na foto ao lado junto de seu marido Marcos

pele curtida de sol e maltratada pelo tempo, você perceberá que as peças de Tião são tão especiais devido ao carinho dado a cada pedaço de barro. Tião Paineiras Rua Alvarenga Peixoto, 624


turismo

Afiadíssimas Para ir além da cultura de Tiradentes, a cutelaria Burza é o melhor exemplo. A casa, que abriga a oficina, não é um ponto turístico nem tem essa pretensão. Mas a visita à cidade que esta família cossaca escolheu para viver pode ser uma oportunidade para adquirir facas e canivetes especiais, conhecidos internacionalmente. A produção de facas na família Zacarowyskini está na décima geração. Quem comanda a produção hoje é Misha, a primeira mulher a ocupar o posto. Mas não pensem que é um conhecimento simplesmente hereditário, para chegar até aí, ela passou a vida ao lado do pai, aprendendo tudo sobre a técnica, curtiu a infância na oficina, brincando com ferramentas pouco

Tradição light

usuais, em vez de bonecas. Engenheira mecânica, Misha aprimora as técnicas centená-

Outra visita muito caseira é conhecer o doce de leite mais

rias aprendidas com o pai graças à sua especialização em

light do mundo no Doce do Bolota. Cozinheiro de prestígio,

usinagem CNC (Computer Numeric Control, em português,

Bolota, como um bom mineiro, adorava doce de leite, mas

Controle Numérico Computadorizado).

a diabetes não o deixava aproveitar a iguaria. Criativo, criou

A oficina mescla ferramentas simples com máquinas de última

uma receita com 15 litros de leite e 200g de açúcar, atu-

geração. As peças são feitas em aço austríaco e madeiras

almente substituído por açúcar light, isso mesmo. Com o

cortadas há mais de cem anos, oriundas de demolições de

invento, ele não só desfruta do

antigas construções. Mas o destaque das 45 variações de

doce como deu a oportunida-

facas é o fato de que 75% do trabalho é feito manualmente.

de para muitas pessoas apre-

Mas, atenção, eles só atendem com hora marcada.

Karina, filha de Bolota, preserva a receita do pai em uma confecção bem caseira. Os doces são preparados e vendidos na casa da família

ciarem a delícia e, assim, ficou famoso por todo Brasil. Já falecido, ele deixou a recei-

Atelier de Artes e Ofícios Burza (32) 3355-1561/ 3355-1760 www.burza.com.br

ta com a mulher Célia e a filha Karina, que receberam o legado com prazer e ainda produzem e comercializam o doce em casa. Os clientes são recebidos como visitas da família, podem experimentar a receita durante uma prosa com as herdeiras. Doce de Leite do Bolota R. Bias Fortes, 77 Cascalho (32) 3355-1465

À direita, um canivete Burza, novidade na produção da cutelaria. À direita, Misha na produção, sob a observação do pai

24


Brumadinho Biodiversidade

ção do conhecimento da arte por jovens da rede escolar de Brumadinho e cidades vizinhas. Há onze galerias dedicadas a obras permanentes, quatro para

Na cidade de Brumadinho – a 60 km de Belo Horizonte – des-

temporárias e diversas delas estão espalhadas pelos jardins.

frute da arte e da natureza em harmonia no complexo muse-

As galerias exibem peças de Tunga, Cildo Meireles, Adriana

ológico Inhotim. Constituído por uma sequência não linear de

Varejão, Doris Salcedo, Victor Grippo, Matthew Barney, Riva-

pavilhões, o parque ambiental ocupa uma área de 45 hec-

ne Neuenschwander, Valeska Soares, Janet Cardiff & Gerorge

tares de jardins – parte deles criada em colaboração com o

Miller e Doug Aitcken.

paisagista brasileiro Roberto Burle Marx.

Mas os jardins de Inhotim não são somente um local de con-

Aberto ao público em 2006, Inhotim é uma instituição com-

templação estética. É neste contexto de rara beleza que ocor-

prometida com o desenvolvimento da comunidade onde está

rem estudos florísticos, catalogação de novas espécies botâni-

inserida. Sua coleção botânica e o acervo de arte contem-

cas, conservação e uso paisagístico de espécies como forma

porânea – pinturas, esculturas, desenhos, fotografias – são

de sensibilização popular pela preservação da biodiversidade.

utilizados em projetos educativos e na formação de profis-

Tais características conferem ao parque o status de jardim bo-

sionais de áreas ligadas à arte e ao meio ambiente. Inhotim

tânico, cuja missão é divulgar e sensibilizar sobre a importância

também participa ativamente da formulação de políticas para

da biodiversidade vegetal para a sobrevivência humana.

a melhoria da qualidade de vida na região, seja em parceria com o poder público seja com atuação independente. Entre os programas, destaca-se o Laboratório Inhotim – de promo-

Instituto Inhotim (31) 3227 0001 www.inhotim.org.br

Obras do artistas Helio Oiticica, Adriana Varejão e Olafur Eliasson, com exposição permanente em Inhotim

Elderth Theza

Vicente de Mello

Carol Reis

25


turismo

Diamantina Ouro em flor

desfrutam do dinheiro para pagar a faculdade ou complementar a renda da família. Os produtos vão de arranjos, luminárias, árvores de natal a outras produções com as 80

A natureza foi generosa com Diamantina. As riquezas do lo-

espécies de Sempre-vivas.

cal não se restringem aos minérios extraídos na época áu-

Os órgãos ambientais fazem todo o acompanhamento de ex-

rea da cidade. Uma pequena flor, a Sempre-viva, que pode

trativismo no campo para o controle da planta. Dessa forma,

durar até 70 anos depois de colhida sem perder a beleza,

a Associação preserva a tradição local sem prejudicar a natu-

enriquece ainda mais a região.

reza. Além disso, a renda revertida com o trabalho é útil para

Por muitos anos, toneladas destas flores vêm sendo colhi-

a comunidade e o desenvolvimento regional.

das para uso em ornamentação, por isso, a espécie está

Associação Sempre-Viva (38) 9969-1105 – Ivonete Borges Rocha

ameaçada e acabou dando nome ao parque na cordilheira que concentra 70% das Sempre-vivas do mundo - o Parque Nacional das Sempre-Vivas. Para conhecer a beleza desta flor, os turistas podem procurar os artesãos da Associação de Galheiros. A comuVivas – uma tradição que começou na década de 40 – continuasse seu trabalho sem prejudicar a natureza e ameaçar sua matéria-prima.

Para chegar

A associação tem 29 artesãos, de jovens até idosos, que

São João Del-Rei e Tiradentes De carro • Belo Horizonte (185 km) – BR 040 sentido Rio de Janeiro até Joaquim Murtinho. Entrar na BR 383, passando por São Brás do Suaçuí, Lagoa Dourada até chegar em São João Del-Rei. Tiradentes fica 12 km depois de São João Del-Rei. • Rio de Janeiro (330 km) – BR 040 sentido Belo Horizonte, chegando em Barbacena. Entrar à esquerda na BR 265 sentido Barroso, percorrendo 58 km até São João Del-Rei. Tiradentes fica 12 km depois de São João Del-Rei. • São Paulo (480 km) – BR 381 sentido Belo Horizonte, após passar pela entrada de Nepomuceno virar à direita na MG 265, passando por Lavras até São João Del-Rei. Tiradentes fica 12 km depois de São João Del-Rei.

Fotos Zeleo

nidade foi criada para que a produção local de Sempre-

Arranjos da Associação com flores Sempre-viva

De Avião Aeroporto Presidente Castelo Branco, em São João Del-Rei Voos diretos partindo de aeroportos mineiros, interior de São Paulo, Rio de Janeiro (RJ), Curitiba e Cascavel (PR), Campo Grande e Dourados (MS), Cuiabá (MT), Goiânia (GO). Brumadinho De carro Brumadinho fica a 50 km de Belo Horizonte e 560 km de São Paulo. O acesso pode ser pela BR 40 ou BR 381. Diamantina De carro • Belo Horizonte (298 km) – BR 040, sentido Brasília. Pegue a BR 135 à direita até Curvelo (45 km). Passe pela cidade de Curvelo e pegue a BR 259 sentido

26

Gouveia e Diamantina. • Brasília (721 km) – Siga pela BR 040 até a entrada para Curvelo, MG 259 (à esquerda) e pegue a BR 259 para Diamantina. • São Paulo (850 km) – Siga para Belo Horizonte pela BR 381 (Fernão Dias). Ao chegar em Belo Horizonte, será necessário seguir até o anel viário e acessar a BR 040. Após Belo Horizonte siga as instruções a partir desta cidade. • Rio de Janeiro (719 km) – Siga para Belo Horizonte pela BR 040 (Rio – Petrópolis). Ao chegar em Belo Horizonte será necessário seguir o anel viário a acessar a BR 040. Após Belo Horizonte siga as instruções a partir desta cidade. De avião Aeroporto de Diamantina Voos diretos de Belo Horizonte.


SUCESSO DE VENDAS ÚLTIMAS UNIDADES NO MELHOR ENDEREÇO DO TATUAPÉ

Salas Comerciais de 33 m2 a 522 m2 Foto ilustrativa

Perspectiva ilustrada da fachada

No melhor ponto do Tatuapé, com valorização garantida. Porque o bom negócio tem que ser completo. • Praça Silvio Romero • Shopping Anália Franco • Hospital São Luiz • Metrô Tatuapé • Laboratório Delboni Auriemo

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urbano

Ribeirão

Preto:

TiagoMorgan

megametrópole no interior paulista

Convergência entre infraestrutura, sossego, qualidade de vida e serviços atrai estudantes, moradores e investidores à cidade Por Larissa Andrade Fotos Divulgação

28


Carlos Natal

Carlos Natal

R

ibeirão Preto, terra do café, orgulho de São Paulo e do Brasil” brada o hino da cidade de Ribeirão Preto. Aos poucos, as enormes fazendas de plan-

tação ou pecuária passaram a dar espaço a um centro urbano moderno e em franco desenvolvimento, sem deixar de lado o clima de cidade do interior paulista – e o orgulho. A história da cidade, fundada em 1856, é marcada pelo crescimento constante, iniciado com a lavoura de café, por onde passaram muitos imigrantes. Já na virada do século XIX, a região tornou-se a maior produtora de grãos do Brasil e passou a exportar para outros países. Depois, vieram os trens, as rodovias e novas culturas começaram a ser plantadas ali, dando início a uma forte agroindústria. Em 2007, Ribeirão Preto tornou-se sede do centro da Aglomeração Urbana de Ribeirão Preto, que reúne 34 cidades do entorno, como Jaboticabal, Barrinha e Sertãozinho. Por conta disso, milhares de pessoas entram lá diariamente para estudar, trabalhar, comprar ou usufruir os serviços oferecidos por lá. “A cidade tem aproximadamente 550 mil habitantes, mas há uma população flutuante que gira em torno de mais de 100 mil pessoas. Temos mais de 80 mil estudantes e eles são de toda a região e até de outros Estados, e isso acabou ajudando Ribeirão Preto a se tornar uma cidade de serviços. Quem compra aqui não são só os ribeirão-pretanos, mas a Grande Ribeirão Preto, que tem mais de dois milhões de pessoas”, explica o diretor-presidente do Grupo WBT, responsável por diversos empreendimentos imobiliários na cidade, Welton Tadeu De Bortoli. A evolução da economia baseada na agricultura para uma economia com base no comércio e na prestação de serviços deu tão certo que, hoje, Ribeirão Preto tem o 26º PIB do

Palácio Rio Branco é um dos edifícios mais tradicionais de Ribeirão Preto. Ao lado, Anel Viário: cidade tem importância fundamental no transporte rodoviário

29


urbano

país e um dos maiores PIB per capita (R$ 23.692), ou seja, os ribeirão-pretanos possuem uma das maiores rendas do Brasil , segundo dados do IBGE. Um dos atrativos da cidade está numa melhor distribuição de renda e no baixo índice de pobreza, inferior à média do Estado e do país. A maior parte dos trabalhadores da cidade atua na área de serviços (55%) ou comércio (26%). “Ribeirão Preto desenvolveu-se através do agronegócio e prestação de serviços. O comércio é fortíssimo e a região, bastante industrializada. O grande diferencial é que ainda somos uma cidade de interior, mas com todas as características de metrópole, e estamos relativamente perto da capital, são cerca de 320 quilômetros de distância. Além

...pujante, foi crescendo com tudo o que uma cidade boa tem de ter e hoje é invejável. É alegre, tem muitos estudantes e uma vida noturna forte...” Ilka Schmidt Ferreira da Rosa

disso, somos a porta de entrada para o interior do Brasil, a região centro-oeste, e dispomos de um bom aeroporto, que

“Nasci aqui em 1931 e morei por 22 anos, quando me casei e

é uma grande opção de transporte de carga”, ressalta o presi-

fui para São Paulo e, depois, para muitas outras cidades por-

dente da Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia

que meu marido trabalhava no Banco do Brasil e era sempre

de Ribeirão Preto, Roberto Maestrello.

transferido. Mas retornei a Ribeirão Preto há 26 anos e daqui eu não saio. Sempre falei para o meu marido que, quando ele

Viver

se aposentasse, iríamos voltar. É uma cidade sempre pujante, foi crescendo com tudo o que uma cidade boa tem de ter e

tamente essa convergência entre a infraestrutura oferecida e

noturna forte”, diz a moradora, cujos colegas aposentados em

o relativo sossego que a incentivou a voltar a viver na cidade.

outras cidades também foram viver em Ribeirão Preto.

Carlos Natal

hoje é invejável. É alegre, tem muitos estudantes e uma vida

Carlos Natal

Para a ribeirão-pretana Ilka Schmidt Ferreira da Rosa, foi exa-

Grande produtora de grãos no século passado, Ribeirão Preto apresenta no Museu do Café a mais importante coleção de peças relacionadas da história do café do Estado. Já o Parque Curupira confere um ar bucólico à cidade que continua crescendo sem deixar de lado a tranquilidade típica do interior

30


Foto antiga da Praça Pedro II, quando a economia de Ribeirão Preto era baseada na agropecuária e, posteriomente, na agroindústria. Fundada em 1856, a cidade é hoje o centro de uma aglomeração que reúne 34 cidades da região

Educação

cidades do interior. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas sobre as 100 melhores cidades para se cons-

Se a cidade tem um crescimento populacional inferior à

truir carreira profissional no Brasil coloca Ribeirão Preto na 17ª

média nacional, com apenas 1,89 filho por mulher, o nú-

posição, à frente de capitais como Goiânia e Manaus.

mero de jovens que vivem em Ribeirão Preto é bastante significativo devido às diversas universidades instaladas

Estrutura

não apenas na cidade, mas em toda a região, incluindo um campus da USP, a Universidade de Ribeirão Preto

A cidade também preparou-se urbanisticamente para o cres-

(UNAERP), um campus da UNIP, o Centro Universitário

cimento observado nos últimos anos com a construção de

Moura Lacerda, o Centro Universitário Barão de Mauá e

avenidas, shoppings, edifícios e centros comerciais. De acor-

as Faculdades COC, entre outras. Com isso, a cidade

do com Bortoli, a instalação do Ribeirão Shopping foi um dos

lota durante o ano letivo e fica um pouco mais tranqui-

pontos de partida para o desenvolvimento dos bairros que

la durante as férias, já que grande parte dos estudantes

estão em seu entorno. “O grande vetor de crescimento da

é de outras cidades e Estados, como conta Maestrello.

cidade atualmente é a zona sul e isso teve início há 25 anos

“Uma parte deles acaba ficando em Ribeirão Preto, com-

com a inauguração do shopping. De lá para cá, a cidade pra-

prando ou alugando um imóvel quando a família tem um

ticamente dobrou nessa região”. Bortoli também cita a aber-

poder aquisitivo maior. E os pais acabam vindo para apro-

31

veitar os serviços da cidade, já temos três shoppings e um quarto, sendo construído”, conta. Como resultado desse grande número de faculdades em funcionamento na região, o nível de escolaridade passou a ser maior: cerca de 30% dos trabalhadores da cidade possuem segundo grau completo e 17%, curso superior completo. Assim, muitas empresas são atraídas para a região, gerando empregos que exigem maior qualificação e, portanto, também oferecem rendimentos mais satisfatórios em relação a outras

À esq., Welton Tadeu De Bortoli, do Grupo WTB, Adolpho Lindenberg e Adolpho Lindenberg Filho, da LDI. À dir., Roberto Maestrello, da Associação de Arquitetura, Engenharia e Agronomia


Carlos Natal

urbano

Com diversas universidades e qualidade de vida, Ribeirão Preto atrai estudantes de todo país e também profissionais de diversas áreas. Além disso, milhares de moradores das cidades vizinhas passam por lá todos os dias para estudar, trabalhar e consumir

edifícios, enquanto em 2009 o número caiu para 1,75 milhão

marco importante. “Essa avenida abriga grandes edificações,

de m2 e 600 mil de edifícios. “Isso reflete o ano de crise que

várias torres com mais de 25 andares, tanto comerciais como

atravessamos. Em 2008 construiu-se mais do que em 2009,

residenciais, de altíssimo padrão. Ribeirão Preto viveu um

mas esperamos voltar ao patamar de 2008 – já tivemos apro-

boom na construção civil entre 2006 e 2007 com a abertura

vações grandes na prefeitura”, afirma.

do capital das empresas. Diversas grandes empresas vieram

Maestrello conta, ainda, que a zona sul tem se tornado um

para cá, muitas atuando em agronegócio, sucroalcoleiro, e

novo centro da cidade graças a estabelecimentos que propor-

escolheram Ribeirão como sede. No ano passado, a cidade

cionam comodidade, como bancos, lavanderias, atendimento

sofreu um pouco menos com a crise do que as outras, mas

médico e escritórios. Com isso, as pessoas que pretendem

esse ano o comércio já está bem aquecido”, comemora.

se mudar para residências mais amplas e luxuosas acabam

Roberto Maestrello concorda e diz que em 2008 foram licen-

migrando de outros bairros, onde diversos empreendimentos

ciados 2,5 milhões de m2 na cidade, sendo 1,1 milhão de

estão sendo construídos. “Na zona sul, os lançamentos têm

Novidades

tura da Avenida Professor João Fiúsa, em 1998, como um

Tendência nos grandes centros urbanos, Ribeirão Preto já se prepara para receber o primeiro empreendimento multiuso da cidade, que reúne torres comercial, residencial, e área para restaurantes e operações de serviços, corroborando o conceito de centro urbano do interior paulista. O empreendimento é uma parceria do Grupo WTB com a Incorporadora Lindencorp, do Grupo LDI, e ainda está em fase inicial, conforme explica a Desenvolvedora de Produto da LDI Ana Paula Vasconcellos.

“Em junho vamos fazer o lançamento e depois começarão as obras. É um empreendimento de uso misto, com uma torre comercial, uma torre residencial e lojas de conveniência rápida que atendem não só o público do próprio prédio, mas também quem trabalha e mora por ali, como lavanderia, banco, correio”, exemplifica. O projeto arquitetônico é de Gianfranco Vannucchi, do escritório Konigsberger Vannucchi Arquitetos Associados Ltda., em parceria com José Eduardo

32

Salata Orsi, do escritorio All Design. “É um empreendimento único em toda a região, pois em apenas um local você tem espaço de trabalho, lazer e residência”, diz Bortoli. O público-alvo estabelecido é bastante amplo. “É um leque variado, desde empresas e multinacionais querendo se instalar, como investidores interessados em comprar esses espaços e locar. O residencial terá um e dois dormitórios e vai atender tanto profissionais e executivos que trabalham e moram


Carlos Natal

Carlos Natal

Museu histórico reconta a história da cidade e Parque Ecológico Maurílio Biagi, que guarda obras do artista plástico italiano Bassano Vaccarini, cofundador da Escola de Artes Plásticas de Ribeirão Preto

se notabilizado por uma melhora de qualidade, principalmente

lançaram o Residencial Bella Città, que teve 268 lotes co-

nos prédios para escritórios. Eles oferecem maiores como-

mercializados em apenas 27 dias, tornando-se case de su-

didades do que aqueles já existentes na Avenida Presidente

cesso no mercado imobiliário local, e o Centro Empresarial

Vargas, point da Zona Sul em comércio”, explica.

Charuri, com terrenos estrategicamente localizados às mar-

Uma tendência em qualidade de vida e bem-estar dos mora-

gens da Rodovia Anhanguera, com alto potencial logístico.

dores que a administração da cidade tem sido hábil em per-

Atualmente, além do Complexo Multiuso da Av. Presidente

mitir, através do apoio à expansão dos negócios em serviços

Vargas, outros três empreendimentos, residenciais e empre-

de primeira linha, para que todos desfrutem de um excelente

sariais, estão em fase de desenvolvimento nas zonas sul e

padrão de vida, com tudo a que o cidadão tem direito.

leste de Ribeirão Preto, por meio dessa parceria.

Parceria forte – O Grupo WTB e a LDI, por meio da Cipasa,

Saiba mais acessando www.grupowtb.com.br e

já são parceiros de longa data, em Ribeirão Preto. Em 2009,

www.ldisa.com.br

durante a semana em Ribeirão Preto, como jovens solteiros, estudantes”, diz. O edifício residencial contará, ainda, com uma área de lazer com lounge, piscina, academia. “É um residencial descolado, focado no público jovem. É um projeto diferenciado, não exatamente para a família, mas para o executivo ou o jovem que faz faculdade e pode descer e comer em um dos restaurantes da área de conveniência”, explica Ana. Características – A torre residencial terá 22 pavimentos, sendo 18 com seis unidades

por andar e quatro pavimentos com quatro unidades por andar, com tamanhos que variam entre 58 e 83 m2. O edifício comercial terá 260 salas de escritório, divididas em 22 pavimentos com tamanhos entre 35 a 71 m2. São 12 conjuntos por andar, exceto o primeiro pavimento, que terá 10 unidades de escritório. Entre os diferenciais do edifício comercial estão elevadores de segurança e de baldeação, heliponto e quatro pisos de garagem no subsolo. “Com a diminuição da aplicação financeira, as pessoas estão se voltando para a

construção civil como ativos sólidos, duráveis e de boa rentabilidade. Têm colaborado com isso os financiamentos de custo baixo e fácil acesso”, explica Maestrello. É isso que já vem acontecendo em Ribeirão Preto e deve se intensificar com mais um lançamento. Atualmente, além do Complexo Multiuso da Av. Presidente Vargas, outros três empreendimentos, residenciais e empresariais, estão em fase de desenvolvimento nas zonas sul e leste de Ribeirão Preto, por meio dessa parceria.

33


literatura

Aspirantes trilham o duro caminho para publicar seus livros, conquistar leitores e garantir espaço no disputado mercado editorial Por Perla Rossetti Fotos Divulgação

A

utodidata, só aos 57 anos

bby foi ganhando espaço na sua vida

é que Maria de Lourdes

e ela se inscreveu no curso de poe-

Ferreira Alves, a Malu,

sias ministrado por Gilson Rampazzo,

escreveu seu primeiro

no Museu Lasar Segall. Em seguida

livro: Velho é o espe-

veio outro, da B_arco, com o escri-

lho. Aos 75, Saavedra Fontes com-

tor Marcelino Freire, que se encantou

pilou os textos redigidos por toda

com seus contos, organizou-os e

uma vida para dar de presente aos

a ajudou a publicá-los, em 2007. A

filhos, depois de desistir de publicá-

última conquista aconteceu em 2009

los diante da resistência das editoras.

quando, ao participar de oficina de

Já Samir Mesquita é um garoto de

criação literária na Casa do Saber,

vinte e poucos anos que escreveu

a crítica de literatura da Folha de S.

um miniconto do fósforo, enquanto o

Paulo, Noemi Jaffe, interessou-se em

amigo Reinaldo Martins inventou um

publicar seu livro Contos de uma lau-

livro-objeto em formato de pequenas

da e os poemas de versos brancos

lâminas, como as de um realejo.

de Atravessando o corpo, sem rimas

A vontade de se expressar é a

nem decassílabos, mas que versam

mesma para esses escribas, o que

sobre o envelhecimento e a mulher.

mudam são os caminhos que os le-

Leitora de Hilda Hilst, Anne Sexton

varam à literatura.

e Silvia Plath, Malu identifica-se

Formada na área de biológicas, a

com as escritoras que abordam a

funcionária pública Malu nunca tinha

depressão, um tema pessoal que

escrito nada até há poucos anos,

também está em seu trabalho.

quando, durante a fisioterapia pós-

O futuro para ela é uma incógnita:

operatória no joelho, começou a

“Não sei se alguém ganha dinheiro

guardar suas impressões de como a

com livro, porque a maioria dos es-

velhice pode ser avassaladora. O ho-

critores é conhecida da mídia, jorna-

34


A mão: Velho é o Espelho, primeiro livro de Maria de Lourdes Ferreira Alves foi escrito em folhas de caderno

listas ou literatos. Considero-me clandestina no meio e entrei agora no curso de Letras, na USP”. O radialista mineiro Saavedra Fontes é outro que não se incomoda com o anonimato, embora já tenha ganhado prêmios com seus contos e poesias, entre eles um da OEA (Organização dos Estados Americanos), com The boy and the

Para Mesquita, a escolha foi inevitável uma vez que

piano tuner, publicado em um livro didático norte-

o formato de seus livros foge ao convencional. Ex-

americano, em 1984.

aluno da oficina de contos de Marcelino, na escola

Pelo talento e dom no manejo das palavras, a

B_arco, ele cria poesias visuais e seu primeiro livro

família não se conforma que ele não tenha pu-

foi escrito já aos 16 anos, em Minas Gerais. “Banco

blicado outras histórias. “Minhas mensagens

meus livros por não terem o formato tradicional das

são positivas e talvez isso seja um empecilho

editoras. Meu texto tem interferência da linguagem

para as editoras. As pessoas hoje não gostam

gráfica. É um jeito natural de pensar e contar uma

desse estilo, preferem os contos eróticos, en-

história. Enquanto o conto me permite ser menos

quanto eu falo da relação moral entre um rapaz

hermético que a poesia”, explica.

e seu avô, por exemplo.”

Em São Paulo, ele lançou uma obra de minicontos

Porém, mesmo sem ter as suas palavras distri-

em que cada exemplar é produzido manualmente e

buídas, Saavedra não desiste, já que a escrita é

tem o conveniente nome de Dois palitos, uma men-

sua “catarse emocional para espantar os demô-

ção ao visual de caixa de fósforos. Depois veio o

nios”, como diz.

18:30 que trata de um congestionamento e os pensamentos de cada motorista.

Independentes

A produção independente dá também margem a ações diferenciadas para a divulgação. Os livros são

Leitores de Marcelino Freire, Roberto Bolaños, Da-

vendidos ou podem ser trocados por outras obras

vid Foster Walace, Lourenço Mutarelli, Veríssimo e

através do site de Mesquita. “Fazemos um escambo

Millôr Fernandes, os publicitários Samir Mesquita

de livros. É um jeito de interagir com os leitores e

e Reinaldo Martins decidiram seguir a onda do

eles ajudarem com a minha formação literária.”

“faça você mesmo”.

Martins também mantém uma boa relação com

Eles bancaram a publicação de suas obras e

quem o lê, muitos dos quais são seus amigos e

cuidam da distribuição, o que demanda investi-

conhecidos. Como observa os vários pontos de

mentos e uma logística que, obviamente, é me-

vista sobre a vida em seus contos e não é fã dos li-

nor que a das editoras e escritores consagra-

vros de lombada, ele aproveitou a editora dos pais,

dos. Os preços são definidos considerando o

a JCR, para bancar a sua primeira empreitada, com

custo pessoal e das livrarias que aceitam reven-

o livro-objeto humorístico Periquita maluca, com lâ-

der projetos com perfil criativo, como a Cultura,

minas de realejo. Sua mãe, aliás, é professora e

Mercearia São Pedro e o Espaço Unibanco.

há 10 anos também tentou publicar um livro, mas

35


escritores

nenhuma editora respondeu a seus

Não à toa, o escritor está entre os

Não há lugar, porém, para amadorismo”.

contatos. “Paguei a gráfica e, claro, ti-

que mais escrevem e interagem com

Para o escritor Luiz Ruffato, que ga-

vemos uma produção trabalhosa, pois

seus leitores via páginas de relacio-

nhou os prêmios APCA – Associação

o livro é composto de um berço, uma

namento, como o Twitter.

Paulista de Críticos de Arte, e Macha-

luva e 70 lâminas, com tiragem de mil

Martins também ensaia seus primeiros

do de Assis, da Fundação Biblioteca

exemplares”, comenta Martins sobre

movimentos na web. Seu próximo pro-

Nacional, ambos com o romance Eles

sua experiência.

jeto independente é um e-book, com-

eram muitos cavalos, a perspectiva é

A primeira reação dos leitores ao mi-

posto como um site literário. “Conforme

a melhor possível. “O mercado está

crolivro com páginas de 3x6 centí-

o internauta clica nos cômodos, apare-

crescendo, temos empresas solida-

metros é de total surpresa. “Mas, ao

cem histórias para cada ambiente.”

mente estabelecidas e um dos maiores públicos potenciais do mundo.”

mexer, eles veem o código de barras, o registro na Biblioteca Nacional e vão

Perfis

Para ele, são vários os fatores para se firmar na carreira. “Em curto pra-

entendendo, porque o livro com uma ideia de artes plásticas não é comum

Embora o cenário seja dos mais de-

zo, o nível das vendas. Um escritor

no Brasil”, justifica.

safiadores, não faltam pretendentes e

que vende muito permanece duran-

Mesquita também enfrenta o desco-

a proliferação de cursos de redação

te o período em que continuar ven-

nhecimento. “Algumas livrarias têm re-

e literatura comprova uma nova safra

dendo muito, como Paulo Coelho. A

sistência por conta do formato, mas

de escritores.

qualidade da escrita é outro item que

na maioria das vezes a recepção é

Rosely, da Câmara Brasileira do Livro

vende no longo prazo. Um exemplo é

ótima, as pessoas compram o Dois

(CBL), acredita que há espaço para to-

Graciliano Ramos.”

palitos por impulso, por encantamento

dos no mercado editorial, se houver

E Rosely afirma que há ainda outras

pelo formato que chama atenção.”

“profissionalismo, qualidade e seriedade.

características do bom escritor: “muito

Saavedra Fontes já publicou e ganhou prêmio nos EUA, mas não desperta interesse nas editoras brasileiras

36


Reinaldo Martins é exaluno das oficinas de contos de Marcelino Freire. Lançamento e distribuição independentede seu livroobjeto “Periquita maluca” (abaixo), faz parte de seus esforços para chegar aos leitores

talento, criatividade, bom texto, cultura e capacidade de evitar a mesmice!”. Autora de Escreva seu livro – guia prático de edição e publicação, da Editora Mercuryo, Laura Bacellar diz que autores de não-ficção conseguem ser bem recebidos por quase todas as editoras quando eles têm credibi-

Máximo, Lívia Lima e Carlos Kiffer, pela

lidade para discorrer sobre o assun-

editora Terracota. “São 15 histórias,

to e suas obras são pertinentes, bem

resultado do trabalho de um médico,

embasadas. As de ficção, de autores

uma geógrafa, dois estudantes de ci-

desconhecidos, são publicadas ape-

nema e artes visuais e uma jornalista

nas pelas editoras menores, ágeis e

que estão juntos há dois anos no mó-

que arriscam mais. “Mas tudo depen-

dulo permanente”, conta Guedes. Sem

de da obra e do autor. Um texto muito

dúvida, o livro será um cartão de visi-

interessante e bem escrito pode ir pa-

tas para essa turma tentar firmar-se no

rar numa editora de porte.”

meio editorial.

Redator de cinema e autor de Cio, da

Em ano de Bienal do Livro, uma nova

editora Desatino, Marne Lúcio Guedes

leva de intelectuais lançará suas obras

ministra oficinas para novos escritores na Livraria da Vila e diz que o número de aspirantes tem crescido porque através da palavra a pessoa encontra

37

um espaço de unicidade e que é pos-

– e será que há leitores para tanta oferta? “A quantidade no Brasil é pequena, se comparada ao mercado norteamericano. Estamos em uma curva de crescimento econômico que se reflete

sível aprender a escrever. “Tem uma

trocas e convivências. Com módu-

na literatura”, observa Guedes.

parte intuitiva, mas há muitos recursos

los para iniciantes e profissionais, a

Com talento e persistência, o escritor

técnicos tirados dos próprios livros,

iniciativa na Livraria da Vila indica os

como construção de diálogo, perso-

caminhos para uma carreira literária

nagens, técnicas narrativas e exercí-

através de publicações de alto pa-

cios para que o aluno encontre seu

drão e divide-se em sete encontros,

estilo, que é uma mescla do que gos-

um por semana, por cerca de dois

ta ou surge de sua vivência.”

meses. Aproximadamente 60% das

Nesse sentido, o prêmio Nobel Faukner

vagas são preenchidas por mulheres,

proibiu na justiça a reimpressão de sua

mas a faixa etária é heterogênea, vai

obra de estreia. A Ligia Fagundes Telles

dos 13 aos 85 anos.

não fala da sua. “Por isso, não basta ta-

Mais de 400 alunos já passaram pelo

lento, pois há um período de formação”.

curso e, em junho, será lançada a pri-

Assim, ele defende as oficinas lite-

meira coletânea com contos dos escri-

rárias como ambiente profícuo para

tores aprendizes Walter Sólon, Maria

Há espaço para todos no mercado editorial, diz Rosely, da Câmara Brasileira do Livro


escritores

vai aparecer, não importa a mídia ou formato do livro. “Sua essência é a capacidade de estabelecer uma relação com o leitor.”

Escritores aprendizes: alunos de Marne Guedes, Walter Sólon, Maria Máximo, Lívia Lima e Carlos Kiffer lançam a primeira coletânea pela editora Terracota

Vínculo este possível entre pessoas diferentes, como finaliza Laura Bacellar. “Entre mestre e discípulo, no caso de livros com algum tipo de sabedoria, ou entre amigos, no caso de histórias que capturam totalmente a imaginação do leitor.”

Cursos de criação literária Livraria da Vila Orientador: Marne Lúcio Guedes Rua Fradique Coutinho, 915 Tel. (11) 3814-5811 www.livrariadavila.com.br O Barco Orientador: Marcelino Freire – Prêmio Jabuti Rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 426 Tel. (11) 3081-6986 www.obarco.com.br

Raul Raichtaler/Divulgação

Academia Internacional de Cinema Orientador: Nelson de Oliveira – Prêmio APCA Rua Dr. Gabriel dos Santos, 142 Tel. (11) 3826-7883 www.aicinema.com.br Casa do Saber Orientador: Noemi Jaffe – crítica de literatura da Folha de S. Paulo Rua Mario Ferraz, 414 Tel. (11) 3703-8900 www.casadosaber.com.br

Linguagem gráfica e novos formatos nos livros de Samir Mesquita, autor de “Dois Palitos” e “18:30”

Escola São Paulo Orientador: Michael O’Neil Bedward (University of the Arts) e Noemi Jaffe – crítica de literatura da Folha de S. Paulo Rua Augusta, 2239 Tel. (11) 3060-3636 www.escolasaopaulo.org

38

Agenda! FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty » 04 a 08 de agosto www.flip.org.br 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo » 12 a 22 de agosto – www.bienaldolivrosp.com.br BookExpo America, Nova York, USA, » 25 a 27 de maio – www.bookexpoamerica.com Cape Town Book Fair, Cape Town, South Africa » 30 de julho a 02 de agosto – www.capetownbookfair.com Frankfurt Book Fair, Frankfurt, Germany, 1 » 06 a 10 de outubro – www.frankfurt-book-fair.com


filosofia Por Andrew Ritchie Fotos Arquivo Pessoal

u

mas das ideias centrais do filósofo pré-socrático He-

Pensemos sobre o que nos move em cada aconte-

ráclito de Éfeso (540 a.C. – 480 a.C.) é de que tudo

cimento relevante de nossas vidas. Estamos tomando

no mundo está em permanente mudança, de que

nossas decisões segundo nossa própria natureza e

tudo está em fluxo o tempo todo ¬– “tudo flui”. Sua

princípios? Ou estamos nos deixando levar por acon-

frase mais conhecida nos diz que: “Nós descemos e

tecimentos aleatórios e contingentes, de importância

não descemos pelo mesmo rio, nós próprios somos

apenas aparente, mas que interpretamos como “a

e não somos”, e isso ocorre justamente porque as

grande oportunidade de nossa vida”? Estariam nos-

águas do rio se renovam a cada instante, e o mesmo

sas emoções sendo governadas por acontecimentos

ocorre com nós mesmos. Mas se “tudo flui” o tempo

da realidade cotidiana, que da mesma maneira que

a mudança nossa

de cada dia Andrew Ritchie é especialista em finanças pelo IBMEC e graduando em filosofia na FFLCH-USP

Na maior parte do tempo estamos desejando coisas acessórias que visam simplesmente o preenchimento do vazio existencial

inteiro, por que nós deveríamos permanecer estáveis

surgem desaparecem, deixando apenas uma sensa-

no mesmo lugar e da mesma maneira? Por que não

ção de atordoamento? Deixar-se pautar por aconte-

aproveitar todas as oportunidades de mudança que

cimentos dessa natureza – por algo que está fora do

a vida nos oferece, por que não surfar nas ondas

nosso âmago – é cair na ilusão de que estamos no

do nosso destino e deixar a vida nos levar? Afinal,

comando de nossa vida, é ter a falsa convicção de

a cada dia nos aparecem inúmeras oportunidades

que deliberamos sobre os rumos do nosso destino.

de negócio, de emprego, de relacionamento etc. Por

Liberdade não é ter a possibilidade de mudar tudo a

que não agarrar aquilo que o momento nos oferece,

cada instante, mas sim agir segundo aquilo que de

por que deixar passar aquela oportunidade que só

mais essencial há em nós – nossa alma. Da mes-

aparece “uma vez na vida”? Agir dessa maneira se-

ma maneira, pensemos sobre os objetos de nossos

ria não entender adequadamente o pensamento de

desejos. Há desejos por sabedoria ou autoconhe-

Heráclito. Para o filósofo, de fato, tudo muda o tempo

cimento, é verdade, mas na maior parte do tempo

todo, mas não de forma aleatória; a mudança ocor-

estamos desejando coisas acessórias que visam

re através de um processo que é comandado por

simplesmente o preenchimento do vazio existencial

um princípio fundamental – o “fogo primordial”–, que

que existe em nós. Lutar contra esse tipo de desejo,

pode ser entendido como o logos ou a “lei racional”

como diz Heráclito, é difícil, “pois aquilo que ele quer

que governa todas as coisas, que, por sua vez, pode

ele compra à custa da alma”. Reflitamos, portanto,

ser interpretada como a própria alma. E isso tem uma

sobre essa vida itinerante movida por desejos quimé-

consequência fundamental, pois quer dizer que as

ricos de mudança, pois em geral ela nos leva para

mudanças da nossa vida são – ou deveriam ser –

lugares onde não gostaríamos de estar e nos trans-

comandadas pela nossa própria alma.

forma em pessoas estranhas a nós mesmos.

39



A mobilidad E do

capa

spaço urbano

Pode-se ver quão democrática é uma sociedade, comparando-se o espaço que destina para as calçadas, bicicletas, ônibus e automóveis

Divulgação Galeria Estação

Por Claudia Manzzano Fotos Divulgação

42


A

o longo do tempo, os conglomerados urbanos

dades como São Paulo, Ribeirão Preto – no interior paulista –,

deixaram de ser apenas um ponto de troca de

Rio de Janeiro e Curitiba, depois de ganhar Nova Delhi, Reino

mercadorias, como os burgos da Idade Média

Unido, Suécia, Noruega e Dinamarca.

herdados da sociedade agrícola do período Neolítico. Com a chegada da revolução indus-

trial, a organização das cidades ganhou nova forma e, com

Exemplos

43

o passar das décadas no século XX, a sociedade moderna

Na cidade do México, para controlar e dar fluidez ao trânsito,

conheceu uma nova disposição urbana e os problemas de

cuja frota é de 5 milhões de veículos, há mais de 10 mil funcio-

consumo intenso, principalmente de automóveis. No Brasil,

nários no órgão que seria a Companhia de Engenharia de Trá-

a expansão da indústria automotiva da era Juscelino Kubits-

fego (CET) de lá. Em Nova York, a proporção é de um agente

chek – nos idos de 1950 – e o forte lobby das montadoras

para cada 637 carros. Em São Paulo, para inibir as infrações

nas décadas seguintes garantiram uma profusão do desejo de

dos motoristas que complicam a situação das ruas, são 2.280

compra, como nunca visto até então, polarizado com o cres-

agentes de trânsito, só que a frota estimada de veículos em

cimento econômico brasileiro e o aumento do crédito.

circulação gira em torno de 3,5 milhões de veículos – os 6,5

O resultado são congestionamentos e problemas de mobilidade urbana que afetam diretamente as grandes cidades do mundo, comprometendo o deslocamento e a qualidade de vida dos cidadãos. São Paulo é um dos casos mais dramáticos. A cidade tem 17 mil quilômetros de congestionamentos nas vias, com 60 mil cruzamentos, dos quais apenas 6 mil têm semáforos. Os 2,4 milhões de metros quadrados são sinalizados por 368 mil placas e 20 delas são diariamente danificadas por vândalos. E o setor de serviços continua a fazer girar a economia dos grandes conglomerados. As fábricas estão se afastando dos centros urbanos e as pessoas estão se locomovendo cada vez mais, em tempo e distância. Por isso, as metrópoles, hoje, são lembradas por seu trânsito caótico, excessivo conglomerado de pessoas, pouca qualidade de vida e poluição de todos os tipos – atmosférica, visual, sonora. Daí que as cidades planejadas e as linhas de metrô ganham a preferências de grande parte da sociedade. Quem mora em Nova York entra facilmente na ilha de Manhattan todos os dias através da malha metroviária, já que a cidade tem muito trânsito nas grandes avenidas. E entre as vantagens das metrópoles elaboradas estão um Plano Diretor bem definido em benefício da comunidade, com a experiência agradável de segurança e a conveniência de ter Centros de Conveniência e Serviços próximos. O conceito tem se multiplicado em ci-

Ilustração por Oscar Iowa/Galeria Thomas Cohn


capa

milhões que vêm sendo divulgados pela imprensa referem-se ao total de automóveis licenciados pelo Detran desde 1901, trata-se, portanto, de um número absolutamente irreal. Enquanto os motoristas ficam presos em seus veículos no trânsito paulista, R$ 33 bilhões são perdidos na cidade. A justificativa da CET é a falta de investimentos e o sucatea-

Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, melhorou a mobilidade da cidade com vontade política

mento da estrutura por conta da má administração pública. E a situação tende a piorar e se espalhar por outras cidades

ros – isso é uma pequena parte do problema –, mas a quan-

brasileiras, como Campinas, que já enfrenta dificuldades de

tidade de viagens e a extensão percorrida em cada viagem”.

deslocamento. Em todo o país, a frota nacional regular tem

Ou seja, segundo Peñalosa, quanto mais e maiores forem as

cerca de 28 milhões de veículos.

vias, maior será o volume e longitude das viagens. Para o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanis-

Saídas

mo da USP e ex-secretário de planejamento de São Paulo, Candido Malta, é importante o controle do espaço viário. Foi

Algumas cidades escolheram um modelo urbanístico para que

dele, aliás, a missão de calcular a capacidade de suporte

a população sofresse o menor impacto possível com a nova

do sistema de circulação da capital paulista. “Neste trabalho

realidade. Outras ainda estão no caminho para descobrir a so-

calcula-se quanto deve ter, em área construída, para cada

lução mais adequada. Para o ex-prefeito de Bogotá, Enrique

parte da cidade, usando o conceito de bacia de tráfego.”

Peñalosa, que seguiu o exemplo de Curitiba para mudar o sis-

A experiência começou na época em que ele era secretário.

tema de transporte na capital da Colômbia: “é preciso ter claro

Uma parceria entre a prefeitura e o poder estadual destinou

que não é possível nem desejável resolver o tema das grandes

US$ 1 milhão ao desenvolvimento do software e treinamen-

cidades com base nos automóveis particulares. Matematica-

to de técnicos com base no modelo matemático desen-

mente, eles não cabem na cidade”, salienta.

volvido pelo chileno Tomás de la Barra, PhD em architect-

Ele complementa o raciocínio, argumentando que não é de-

planner. Segundo explica o professor, a cidade apresenta

sejável a preferência pelos carros, que gera um conflito entre

sistema de vias, semáforos e obstáculos. A proporção entre

as pessoas, pois se as vias são largas, as calçadas são es-

o transporte coletivo e o individual modifica a capacidade de

treitas. “O espaço é o recurso mais valioso de uma cidade.”

suporte do sistema viário.

O político alerta que parte das soluções encontradas por al-

O estudo está dividido em duas partes. Primeira, no âmbito

gumas autoridades, como o aumento de vias com o intuito

do transporte, concretizado segundo o Plano Integrado de

de diminuir os engarrafamentos, não tem o efeito esperado.

Transportes Urbanos – Pitu (Pitu é um processo permanen-

“O que ocasiona os engarrafamentos não é o número de car-

te de planejamento do Governo do Estado de São Paulo, cujas propostas devem ser revisadas periodicamente para ajustá-lo a mudanças de conjuntura, mantendo-se os seus

Entre as soluções propostas para metrópoles como São Paulo, ônibus articulados são alternativas que dividem opiniões

objetivos básicos), que está sendo implantado com a ampliação do metrô, corredores de ônibus, melhora dos trens, entre outros aspectos. A segunda parte do estudo diz respeito ao uso do solo. Em 2004 foi estabelecido qual seria o potencial construtivo da cidade até 2009. No entanto, o quadro perdeu validade e ain-

44


Volvo / Divulgação

da não foi substituído por outro, mais recente. Com este item

C, D e E, que ganha na faixa de R$ 3 mil, R$ 4 mil. E se este

resolvido na lei de zoneamento, fica estabelecido o potencial de cada uma das 93 bacias de tráfegos de São Paulo. “É lugar-comum que São Paulo sofre de exiguidade de espaço viário. Não dá para ampliar o sistema viário com o mesmo dinheiro que se amplia o metrô, que é mais barato”, ressalta. Se se calcular quanto seria necessário aumentar o sistema viário para comportar o crescimento de carros nas ruas, torna-se claro que este sistema não é sustentável. O professor exemplifica citando que, em 2009, a frota viária da cidade cresceu 600 mil veículos. “Se tivéssemos de estacionar estes carros, seriam necessárias 125 avenidas Paulistas com filas triplas nos dois sentidos para comportar todos eles.” AconclusãodoprofessorMaltaéqueacapacidadedesuportedo sistema de circulação está superada. Para aprimorá-la é preciso aumentar o transporte coletivo e reduzir o número de automóveis. “Mesmo com o aumento do transporte coletivo, que está acontecendo em São Paulo, esta substituição não tem

cidadão tiver de andar de carro e fizer as

sido automática, tanto que o rodízio continua.”

contas, verá que gasta R$ 5 mil por ano,

Malta enfatiza que essas medidas do governo não acabam

optando por andar de transporte individu-

com o trânsito, apenas o amenizam. “Se essa melhoria será

al. Com esse valor talvez pudesse dar uma

suficiente ou não, depende do que queremos como cida-

educação melhor ao seu filho, um plano de

de. Somos nós que devemos determinar. Acho a popula-

saúde ou uma casa melhor para a família.

ção paulistana muito tolerante.”

É este pessoal, para quem andar de carro

Peñalosa também acredita que devemos decidir sobre o

pesa, que precisa fazer a conta. As classes

lugar em que queremos viver. Se haverá muitos parques,

A e B não vão fazê-la e, excepcionalmente,

calçadões, vias de bicicletas... “escolher a forma de uma

irão usar o nosso sistema.” Mas, é claro, o

cidade é escolher como queremos viver”. Para o especialis-

poder público tem de oferecer qualidade no

ta, este não é um problema de engenharia. “Quanto espaço

transporte público para convencer os cida-

designamos para os carros não é decisão técnica, é políti-

dãos a deixarem o carro em casa.

ca. Se tivesse mais espaço para carros em Paris, Londres e Nova York, haveria mais carros por lá.”

Alternativas

Ele conta que muitos alegam não ser possível fazer a popula-

Quando se fala em qualidade no transpor-

ção usar o transporte público porque há uma questão cultural

te público coletivo, imediatamente pensa-

de amor ao carro particular. Mas ele enfatiza que isso é falso,

45

pois os automóveis são maravilhosos para passear e não para a locomoção diária. Ailton Brasiliense, presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), salienta que é necessário definir a comunicação adequada ao assunto. “No transporte público em geral, estamos falando para as classes

Em Bogotá, o Transmilénio transformou o transporte público da cidade e melhorou a vida da população


capa

se em um modal sobre os trilhos. No Japão, o trem-bala, ou

de passageiros por ano e, em 2044, para 24,9 milhões.

comboio protótipo de levitação magnética JR-Maglev MLX01,

Entretanto, ainda que faça parte do sistema de transporte,

estabeleceu o recorde de velocidade ao atingir a máxima de

Peñalosa afirma que “é impossível cobrir todas as necessida-

582 km/h. A nova linha Paris-Estrasburgo, lançada em 2007,

des da cidade com ferrovias ou linhas de metrô”. Ele expli-

ultrapassou a média japonesa, chegando a 574,8 km/h. Ale-

ca que Londres, uma cidade com 8 milhões de habitantes e

manha, China, Coreia, Espanha, Itália e Portugal também já

1800 quilômetros de linha férrea, mobiliza mais passageiros

optaram por seus trens-bala, cujas velocidades são muito

em ônibus. Para a cidade de São Paulo, que tem três vezes a

maiores que as obtidas num carro. Além disso, evitam o con-

população da capital britânica, ter um sistema parecido exigiria

gestionamento na hora de pico das autoestradas.

5 mil quilômetros disponíveis. E a realidade está longe disso. O

Na França, a ligação é entre as cidades de Paris e Lyon; no

metrô paulista tem 62,3 quilômetros e a população é de 11 milhões de pessoas. Santiago do Chile tem 84,4 quilômetros de metrô para uma população de 5,5 milhões; e a Cidade do México, 202 quilômetros e uma população de 8,72 milhões no município e 19 milhões de habitantes na região metropolitana. Se compaTransporte ferroviário moderno é opção no primeiro mundo, mas ainda está longe da realidade dos brasileiros

rada com as principais metrópoles de todo o mundo, a rede do metrô paulista é ainda menor, está na 44ª posição no ranking World Metro Database, elaborado por Jordi Serradell, John Kennes e Mike Rohde (www.

Japão, entre Tóquio a Osaka; e nos Estados Unidos as pro-

mic-ro.com/metro) com os 176 metrôs do planeta.

postas são para áreas de grande densidade populacional,

Além disso, Malta lembra que São Paulo tem um problema

entre Boston, Nova York e Washington DC.

estrutural, que o impede de ter um sistema sobre trilhos

No Brasil, o trem de alta velocidade que ligará São Paulo ao

como Paris, por exemplo. “Lá, a densidade demográfica é

Rio custará R$ 34,6 bilhões, segundo estudo divulgado pela

muito alta, é fácil a rede de metrô atingir todas as áreas. Em

ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). O valor fi-

São Paulo, a concentração não é centralizada, não dá para

cou 63% acima do previsto no PAC (Programa de Aceleração

fazer malha de linhas tão uniformes.” Para ele, os microô-

do Crescimento), que era de US$ 11 bilhões (o que equivale a

nibus podem ser a solução para oferecer qualidade. Em

aproximadamente R$ 21,23 bilhões). A obra será concluída em

Porto Alegre, eles serviram para atrair a classe média que,

2014, conforme dados publicados pela Folha de S. Paulo.

com tarifa mais cara, ganhou conforto e exclusividade.

De acordo com o estudo da ANTT, o trem-bala transportará 6,4 milhões de passageiros por ano, contra 3,9 milhões do

Superlotação

transporte aéreo, 960 mil de automóveis e 865 mil de ônibus. Atualmente a demanda do transporte aéreo é de 4,4 milhões

Além da pequena malha metroviária, Malta diz que as pesqui-

de passageiros por ano. A estimativa é que, em 2024, a de-

sas de origem e destino apontam a região central paulistana

manda pelo trem de alta velocidade passe para 10,2 milhões

como superlotada, por ser a ligação entre diversos bairros

46


47 periféricos, estando eles perto ou não. Ele acredita que os microônibus podem facilitar o traslado de quem depende deste trajeto, porém, o grande problema é a concentração de emprego nos centros velho e expandido da cidade. O secretário Adjunto dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, João Paulo de Jesus Lopes, explica que as pes-

Cândido Malta, urbanista professor da FEA/USP, questiona o metrô e entende que os microônibus podem resolver parte dos problemas das cidades de alta densidade demográfica

ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO Dentro do Ministério das Cidades, na capital federal, há uma secretaria específica para atender as necessidades da mobilidade urbana. Entre os programas atuais no país, estão:

quisas existem justamente para tornar possível uma correção de rumo. “O Pitu é um planejamento de longo prazo. Já estamos trabalhando no de 2030 com base na pesquisa origemdestino de 2007, dentro da região metropolitana. O de 2020 tinha previsões de investimento de R$ 30 bilhões. O governo tem investido R$ 21 bilhões e atingiremos, até 2014, a maioria das metas para 2020. Muitas conseguiremos já em 2010!” Brasiliense tem convicção de que o problema está no fato de as pessoas precisarem se locomover demasiadamente. “Pedimos para que os projetos do Governo do Estado, amarrados com o comprometimento do Governo Federal, envolvam sempre o uso do solo. Nós temos de ter moradia, comércio e serviços cada vez mais perto dos corredores de metrô.”

Visão Ainda mais ambicioso que isso é o que prega o conceito de New Urbanism ou Novo Urbanismo. Para alguns especialistas, este rótulo já está ultrapassado. No entanto, seus princípios trazem o que todos esperam de uma cidade perfeita. Para seus entusiastas, a ideia pode ser aplicada em qualquer extensão, desde um prédio até uma comunidade inteira. Destaca-se o conceito de que todo o cidadão deve realizar as suas atividades corriqueiras em um raio de dez minutos caminhando, uma vez que o pedestre é o centro desta proposta e o espaço público, seu principal companheiro. Por isso, as calçadas devem ser propícias para andar, largas e com arquitetu-

Nacional de acessibilidade As estratégias objetivam criar mecanismos que impulsionem o direito de acesso ao meio físico, transporte, comunicação e informação; sensibilizar outras esferas do Governo Federal; capacitar técnicos e agentes sociais em acessibilidade; fazer parcerias com as instituições das esferas governamentais, da iniciativa privada e da sociedade civil. Infraestrutura de transporte e da mobilidade urbana O Pró-Transporte é voltado ao financiamento dos setores público e privado, à implantação de sistemas de infraestrutura do transporte coletivo urbano e à mobilidade urbana, atendendo prioritariamente áreas de baixa renda e contribuindo com o desenvolvimento físico-territorial, econômico e social, com a melhoria da qualidade de vida e a preservação do meio ambiente. Infraestrutura de mobilidade urbana O Pró-Mob é um programa de financiamento de infraestrutura para a melhoria da mobilidade urbana com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Alguns objetivos são: apoiar as intervenções na infraestrutura que melhorem a mobilidade urbana por meio da implementação de projetos de priorização dos modos de transporte coletivo, de suporte à circulação não-motorizada e de pavimentação urbana, que agreguem os preceitos da acessibilidade universal em municípios com mais de cem mil habitantes.


capa

lidade no país está muito longe de ser resolvida, um dos problemas é que as próprias concessionárias não estão alinhadas: para qualquer conserto de iluminação, televisão a cabo, esgoto, etc., quebram-se as calçadas e as reparações não são feitas adequadamente. “A mobilidade urbana precisa ser repensada como um todo”, alerta.

Soluções Enquanto os especialistas pensam em uma maneira de melhorar o conceito de mobilidade das cidades, as pessoas que vivem em grandes centros sofrem com os malefícios do crescimento desordenado. Algumas soluções de sucesso estão sendo implementadas ao longo dos anos. Países europeus têm tido sucesso com ações alternativas pontu-

Marginal Tietê teve o número de pistas ampliado para dar vazão ao tráfego pesado. A obra foi questionada pelos urbanistas

ra que dê prazer ao transeunte. Além disso, as vias precisam

almente como, por exemplo, o incentivo ao trânsito lento e

ter hierarquia de ruas estreitas, bulevares e alamedas.

sem paradas na Holanda, com a retirada dos semáforos e

A diversidade é outro foco importante para o Novo Urbanis-

inserção de mais rotatórias para a redução da velocidade

mo. Os lugares devem ter variedade vocacional, misturando

dos carros; o uso de bicicletas públicas por qualquer cida-

escritórios, moradias, comércio. A mistura de pessoas com

dão na França e pedágio urbano em Londres.

idade, classe social e cultural também está considerada.

No Brasil, um exemplo de mudança que se tornou referência

Tudo isso pensando em bem-estar, beleza do local, estéti-

foi o que aconteceu em Curitiba quando Jaime Lerner era

ca, conforto e qualidade no espaço público.

prefeito. Os ônibus articulados que circulam em corredores

Para que isso seja possível, a participação do ambiente é

por toda a cidade ganharam fama pelo mundo e, hoje, o

fundamental. O paisagista Benedito Abbud acredita que um

urbanista presta consultoria a projetos em diversos países

projeto pode ter caráter social e cultural, visando a susten-

– foi, inclusive, a inspiração para a criação do TransMilenio,

tabilidade pessoal. “Não adianta pedir a uma pessoa que

em Bogotá. Peñalosa diz que este sistema integrado atende

mora na Amazônia para que não tenha mais sua roça por

hoje 47 mil passageiros, apenas 25% da cidade, mas já

causa do oxigênio dos americanos. As pessoas têm de es-

resultou em uma grande transformação.

tar bem pessoalmente para depois salvar o planeta.”

Per Gabell, presidente da Voldo Bus Latin América (empre-

O paisagista ressalta a importância das calçadas para o urba-

sa que viabilizou o ônibus articulado), diz que esta opção

nismo atual. Para exemplificar como as vias destinadas aos

não é aconselhável para todos os lugares. “Nas vias de ci-

pedestres são importantes na contextualização das cidades,

dades grandes dificilmente compensa ter em circulação um

ele observa a pouca beleza do Arco do Triunfo, na França.

ônibus pequeno. Vemos no México um excelente exemplo,

“Não é bonito, mas o que tem ao redor? Você vê 80% das

com a cidade toda organizada, com seus planos para todas

coisas através do sistema viário. Conforme sua organização,

as vias da cidade.”

as pessoas podem achar o espetáculo bom ou ruim.”

Achar a solução adequada para cada lugar parece ser o

Infelizmente, sua visão sobre a situação do Brasil neste con-

desafio mais intenso de quem se ocupa deste tema. O pai-

texto não é das mais animadoras. Abbud diz que a mobi-

sagista Abbud está tentando resgatar o hábito de andar nas

48


calçadas confortavelmente, propondo a revitalização dos passeios públicos por meio do conceito de Calçada Viva, com a integração das áreas: 1) ecológicas – plantar árvores frutíferas para atrair pássaros e utilizar piso drenante para as águas pluviais e que alimentem o lençol freático; 2) verdes – plantar árvores de forma organizada para que as suas copas minimizem a massa da cidade construída de modo descontínuo e proporcionem sombra; arbustos, no alargamento das calçadas e nas esquinas (conceito de traffic calming); e trepadeiras que cubram muros para maior sensação de verde; 3) acessíveis – colocar piso tátil de alerta e direcional, bem como rampa de acesso; 4) saudáveis – incentivar a prática de esportes por meio de pista de caminhada com marcação de distância e aparelhos para ginástica e alongamento; 5) culturais – fixar reproduções de obras de arte em tapumes de obra ou impressão sobre telas de proteção de edifícios em construção; 6) mobiliadas – propor mobiliário urbano que convide a população ao convívio e passeio nas calçadas com iluminação estratégica que ressalte os pontos focais do caminho; 7) técnicas – uma galeria no subsolo que permita às fiações Benedito Abbud: o paisagismo ajuda o urbanismo

SÃO PAULO SITIADA

Ano

Frota de veículos

Multas

Funcionários CET nas ruas

Congestionamentos (média em quilômetros, no horário de pico da tarde)

Congestionamentos (Recordes do ano em quilômetros)

2005

5,3 milhões

3,5 milhões

1.902

116

203

2006

5,6 milhões

4 milhões

1.838

114

188

2007

5,9

4,2

1.866

129

201

2008

6,3

4,7

2.280

140

266

2009

6,7

6,3

2.280

131

293

Fonte: Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e revista Veja São Paulo, de 24 de fevereiro de 2010.

49


capa

serem embutidas, diminuindo a poluição visual da cidade e facilitando a manutenção das redes.

Mobilização Candido Malta foi enfático ao dizer que acha o paulistano muito tolerante. Afinal de contas, é a sociedade civil que deve definir se o direcionamento dado pelo poder público

Rodoanel paulista ganhou novo trecho de 60 km para facilitar ligação das principais rodovias da capital com o porto de Santos

está correto e se a mobilidade da cidade onde habita está adequada para a sua vida.

dos responsáveis pela sistematização das propostas, conta

Mas enquanto alguns paulistanos ou moradores de grandes

que esta reivindicação de descentralizar a gestão do trans-

centros preocupam-se em equipar o carro com itens que pro-

porte apareceu justamente na periferia, pois é comum que as

porcionem mais conforto e enchem o céu de helicópteros que

pessoas dessas regiões não consigam se locomover para

“furam” o trânsito, outra parte da população procura oferecer

o bairro vizinho. Nesse caso, apenas quem vive a situação

sua colaboração em forma de propostas às autoridades.

pode diagnosticá-la. A ideia é que as pessoas usem as sub-

A entidade Nossa São Paulo recolheu a proposta de diversos

prefeituras como canal para as suas demandas.

moradores da cidade e organizou um documento para enviar

Com relação à priorização do transporte coletivo, a sugestão

à Câmara Municipal para ser incluída no orçamento 2010 e

é ampliar a faixa exclusiva para ônibus e vetar a circulação

no Plano Plurianual (PPA). Entre os destaques estão a prio-

de táxi, além de fomentar pontos de ônibus em frente às es-

rização do transporte coletivo, a gestão descentralizada do

tações de trem e metrô, e estacionamentos próximos. Yagi

transporte, a participação da sociedade civil nas decisões e

diz que a questão é polêmica, mas aproveita a estrutura dis-

até soluções para o meio ambiente e fiscalização reforçada

ponível na cidade, pois o custo e o tempo de construção do

na responsabilidade do cidadão sobre as calçadas.

metrô são altos e a situação demanda soluções imediatas.

Cícero Yagi, integrante do Movimento Nossa São Paulo e um

Com relação ao meio ambiente, a população pede uma retomada do trólebus, que São Paulo já teve e diminuiu seu uso, com o tempo. Para muitos, a energia elétrica é a melhor

Garantir a mobilidade das pessoas, em qualquer situação, significa assegurar seu direito à cidadania

saída; outros, confessa Yagi, preferem o uso do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). “Propostas existem aos montes, a questão é saber qual é a melhor para a cidade”, finaliza. Na opinião de Brasiliense, a sociedade brasileira, sobretudo na região metropolitana, tem ferramentas, mentalidade e pessoal técnico capacitado. “Conhecimento para fazer tão bem ou melhor do que os outros nós temos. Saber o que fazer, nós sabemos. Mas temos de ter um plano, como o Pitu, que envolve o Governo do Estado, recursos do Governo Federal, todos os municípios, que seja articulado nas questões de uso do solo, transporte e trânsito. Isso é uma forma de reduzir custos e melhorar a qualidade de vida das pessoas.”

50


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Um outro olhar

construtivo e genuinamente brasileiro

52


U

m dos mais conceitu-

tratados em livro do pesquisador

ados arquitetos brasi-

italiano Roberto Segre.

leiros, dentro e fora do

Formado pela Universidade Federal

país, o belo-horizontino

de Minas Gerais (UFMG), Penna é

Gustavo Penna trans-

responsável por importantes proje-

forma com qualidade a

tos, como a Escola Guignard, o Ex-

paisagem urbana atra-

pominas e o Memorial da Imigração

vés de obras permeadas

Japonesa, no Parque Ecológico da

de palavras, sons e poesias re-

Pampulha.

53 Sua intervenção urbana consciente tam-

com formas que se acomodam no ter-

bém está no Museu de Congonhas.

reno e criam uma ligação entre o mate-

A atmosfera barroca é, ao mesmo tem-

rial e o imaterial.

po, lúdica, já que a instituição busca

Com isso, foi implantada no con-

resgatar as afinidades entre passado

junto arquitetônico do Santuário de

e futuro. O diálogo entre religiosidade

Bom Jesus de Matosinhos uma obra

e modernidade é visto em soluções

neutra, que não compete volumetri-

plásticas e organizacionais do projeto, e

camente com os prédios originais. E

foram inspiradas nos Passos da Paixão

ainda traz em si um sentido de con-


Um outro olhar

54


55

temporaneidade, equilíbrio

da entrada, temos a recepção

e harmonia atemporais.

e o edifício dos Romeiros, sendo este pensado sob uma

Detalhes

lâmina horizontal de estrutura metálica leve e aérea. A sua

O edifício desenvolve-se em

altura máxima não ultrapassa

três áreas de funções distin-

a do adro da basílica, enal-

tas, mas interligadas. No nível

tecendo o respeito aos bens

paisagísticos e artísticos do lugar,

O projeto do Museu de Congonhas

sem roubar as suas características.

qualifica urbanisticamente a colina do

Ele se apresenta aos romeiros, razão

Santuário, potencializando o significado

e fundamento do próprio santuário.

religioso do local. Cria também uma di-

Nos dois níveis adjacentes à área que

nâmica na vida da cidade que estimula

envolve o Hotel Colonial estão o mu-

a permanência turística e auxilia a com-

seu, com as salas dos Profetas e dos

preensão da importância do conjunto

Passos da Paixão, o centro de estudo e

de esculturas de Aleijadinho, que você

pesquisa, e a administração.

vê nas imagens a seguir.


l aboratório

Claras em neve

Q

uem nunca esperou ansiosamente a mãe ba-

dância de excelentes restaurantes na cidade, seja pelo

ter o bolo para se render ao prazer de raspar

glamour que o ofício de chef de cozinha vem ganhando

o pote? Para muitos jovens talentos do curso

destaque em filmes que retratam a sua vida, como Julia

de tecnólogo em gastronomia da universida-

e Julie ou Sem Reservas, com Catherine Zeta Jones.

de Anhembi Morumbi, em São Paulo, até pou-

Para conferir como os jovens lidam com as caçarolas

co tempo atrás a experiência mais intensa de boa

atualmente, participamos de um laboratório no núcleo de

parte deles na cozinha era a tal das raspas. Nem por isso

confeitaria de uma turma do terceiro semestre da gradu-

uma panela e um fogão assustam esta garotada. Aliás,

ação. Na sala, o equilíbrio entre muitos jovens, mulheres

gastronomia hoje é assunto recorrente, seja pela abun-

e homens mostra que a gastronomia, hoje, é assunto de

56


57 com açúcar Por Claudia Manzzano Fotos Mari Vaccaro

Alimentando o sonho de comandar o seu próprio restaurante, aspirantes a chefs de cozinha lembram na Anhembi Morumbi das delícias de infância em aula sobre os segredos do merengue


l aboratório

ambos. E todos se comportam como perfeitos cozinheiros.

Desde criança

Já na entrada do centro gastronômico é notável a aproximação que teremos dos gourmets. Dentre as exigências do cur-

Pequenas mãozinhas se apoiam na mesa para ver a mãe ou

so, está o uniforme, o imponente dólmã, alguns com seus

a cozinheira da família preparar a refeição. Esta foi a influên-

nomes já bordados do lado esquerdo do peito. Do turco dola-

cia de Natalia Ravanhani, cuja avó, nutricionista e dona de

man, que significa robe, o dólmã é uma espécie de túnica mili-

três restaurantes ao longo de sua infância, foi a sua grande

tar ornamentada. Juntamente com a touca branca, é utilizada

inspiração. “Enquanto minha irmã ficava no caixa, eu sempre

pelos chefs cozinheiros, mestres confeiteiros e padeiros por

estava na cozinha”, conta, orgulhosa.

tradição herdada do francês Auguste Escoffier, o imperador

Já Taís Yamamoto teve a sua vida regada com muito molho

dos chefs e codificador da gastronomia. Restaurateur e es-

de tomate. O pai tem uma pizzaria e ela sempre esteve por

critor, ele popularizou e renovou os métodos tradicionais da

perto. Com isso, foi se apaixonando pela movimentação do

culinária francesa no século XIX.

ambiente e concluiu que este era o seu futuro. Desde a infância, acompanhando a confeitaria criada pela avó, hoje administrada por sua mãe, Shirley Augusto tem o sangue adocicado, embora tenha tentado fugir do legado familiar. Primeiro entrou na faculdade de nutrição, cursou um ano e desistiu. Foi para a área de comunicação, mas não passou de seis meses. Então se rendeu ao inevitável saber do mundo que a cativou no berço. Enquanto Shirley tentou um caminho longe do negócio da mãe, Formas, cores, temperaturas e medidas: para ser chef de cozinha a jornada é longa e requer domínio de apetrechos e técnicas.

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Iris Muriel brigou para viver do que mais gostava: os doces.

mar. Mas no futuro cabe um restaurante.

“Eu sempre fui fã, para comer e para fazer. Desde pequena

Inseparável de Natalia, Renata Rodrigues tem planos diferen-

olhava as sobremesas e pastisseries e ficava imaginando como

tes. Ela ainda não tem certeza do que a espera daqui em

o confeiteiro tinha chegado àquele resultado”. Daí vieram as

diante. Apesar do convite da amiga para ir aventurar-se pelos

primeiras experiências, com as receitas em mãos, depois, com

mares cearenses, sabe que abrir o próprio negócio requer

as suas próprias invenções. Foi então que começou a pesqui-

muita experiência. Por isso, entre as possibilidades ela almeja

sar, na internet e em livros, e deu início a um negócio próprio de

estagiar e ir ao exterior.

encomendas para festas. Na hora de escolher o curso, quase optou por uma especialização em confeitaria, mas achou que

Fugindo do escritório

seria mais interessante adquirir uma visão ampla da coisa. Seu sonho é ir à Suíça ou Bélgica, onde o chocolate ganha formas

Gustavo Silva Rodrigues confessa que nunca cozinhou, mas

inesperadas. Mas ainda é cedo para decidir.

“sempre teve interesse”. Na hora de escolher a profissão, ti-

Certas do que querem, Natalia, Taís e Shirley já têm planos

nha dúvidas, como grande parte dos adolescentes. A única

para quando terminar o curso. Shirley quer seguir na área e

certeza era a de não querer ficar preso em um escritório, que-

ampliar o negócio da mãe. Taís, por enquanto, pensa apenas

ria algo diferente, daí surgiu a cozinha. Logo no início do curso

em conseguir um estágio, continuar estudando para se apro-

ele conseguiu praticar o seu ainda incipiente conhecimento

fundar e seguir no ramo da confeitaria. Já Natalia tem tudo

em um estágio onde fazia de tudo um pouco: desde preparar

planejado com o namorado para atuar no ramo predileto: a

os alimentos até servir mesas.

confeitaria. Mas terá de exercitar muito mais do que isso, se

Para ele, estudar gastronomia é fundamental para se organi-

tudo der certo. Eles estão de malas prontas para uma nova

zar na cozinha. No meio de tantas produções, conta ele, isso

aventura no início do próximo ano – viver em Fortaleza. O co-

é essencial. Com pretensão de também abrir um restaurante

meço será despretensioso, uma pousada simples, perto do

no futuro, Gustavo sente-se realizado porque o curso também

59


l aboratório

dá uma visão de mercado.

tes com técnicas rápidas e é isso que vai aplicar.

Cozinhar mesmo, como preparar arroz e feijão, Carlos Tata-

Eduardo concorda com Carlos, mas seus planos não são

eshi Tachibana nunca fez, mas garante sempre ter tido mole-

exatamente como os do amigo. Apesar de também sonhar

jo na cozinha. E está cursando gastronomia com convicção:

com o seu restaurante, antes quer aproveitar a vida. Há duas

“vida de chef não é glamurosa. Vou me formar cozinheiro e

coisas de que ele gosta, invariavelmente: cozinhar e viajar.

terei meu negócio”. O espirituoso Carlos diz que acabou ali

E por que não uni-las? Com o término do curso, ele partirá

(na cozinha) porque não se “achou” em nada.

para aventuras que só o mundo e novas culturas podem

Isso não quer dizer que esteja perdido. Batendo suavemente

proporcionar. “Ralar” (trabalhar duro) por um tempo e viajar

as claras em neve com açúcar, ele diz por que confia em um

alguns meses. Depois, ele, que é de Manaus, deseja voltar

futuro promissor. Terminando o curso, irá à França ganhar ex-

e abrir a sua casa de massas fast food, só que em padrões

periência. Na volta, a ideia é abrir o seu próprio restaurante e,

que ainda não existem por lá.

dele, partir para uma franquia. Ele acredita que o negócio de almoço executivo em São Paulo seja bastante amplo, porém,

Certeza do que faz

pouco aproveitado. Ele sabe que o futuro está em restauranAinda que grande parte dos alunos tenha idade bem próxima dos 20 anos, para mais ou para menos, o curso de gastronomia também agrega pessoas que já são profissionais e o procuram por motivos diversos. Frank Santos trabalha na área há oito anos, já morou na Espanha, na Suíça, e tem experiência de sobra para se dedicar a um espaço só seu. No entanto, como conhecimento nunca é demais e “nunca se sabe tudo”, Um corredor de aromas, sensações e lembranças acompanha os visitantes no centro de gastronomia, a caminho de novas descobertas.

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61

ele continua a estudar o que, para ele, é mais valioso: “os

com ovos e açúcar, colocam as mãos na massa.

conteúdos sobre cozinhas básicas, que não conhecia”.

O ar de responsabilidade e satisfação é total. Não há espa-

Eveline Oliveira sempre trabalhou na área financeira, estudou

ço para as brincadeiras infantis, mas o sonho permanece.

administração, mas gostava mesmo é de ir para a cozinha.

O começo é tenso. Todos estão atentos para não perder o

Depois de 14 anos de carreira, decidiu dar uma guinada na

ponto que a chef (como chamam a professora) tanto insis-

vida. Em Belo Horizonte, procurou algo que satisfizesse o seu

tiu, já que executar receitas de doces é duplamente mais

desejo, e veio parar em São Paulo. Aqui, começou do zero,

difícil do que a de salgados. Depois, eles vão se soltando.

não conseguia emprego. Foi difícil. Hoje é gerente de dois

Um dos meninos leva a mistura de claras em neve com

restaurantes de comida variada. Apesar de longe da cozinha,

açúcar à boca da namorada, que ainda salpica o açúcar

está mais perto do sonho. Com os conhecimentos novos em

na tigela enquanto a batedeira trabalha. Outro grupo ex-

cultura francesa e história dos alimentos, ela ganhou noção

perimenta o creme já com chocolate, sobras no globo da

de como usar os ingredientes e a função de cada um – e vai

batedeira. Com os dedos, como quando crianças, eles sa-

usar tudo isso no seu negócio, que já está sendo planejado.

boreiam e dão risadas com as trapalhadas. Na hora de dar forma ao creme na assadeira, a turma percebe

Na cozinha

que a habilidade da chef é indispensável. Com esforço, imitam os movimentos de Marina, mas o resultado é desastroso.

No início da aula, os próprios alunos separam cuidado-

Mais vale pela explosão de risadas em busca da perfeição.

samente os ingredientes. Balanças, facas e colheres

Perceber como todos, jovens, adultos, iniciantes ou não, bus-

também já estão a postos. Em pé, à frente de todos, a

cam o seu próprio ponto na vida é encantador. Assim como a

professora Marina Queiroz exibe, no quadro, os tipos de

deliciosa mistura de claras em neve com açúcar, a vida deles

merengue, a propriedade e o papel dos ingredientes, e

é um sonho, macio e saboroso como as raspas do bolo de

ainda cita estudos da gastronomia molecular. Os alunos

nossas mães. Mas, afinal de contas, qual a melhor época para

estão atentos. Ela demonstra o manuseio. E então, todos,

saborear o doce da vida do que durante os anos de estudo?


l aboratório

Expertise Por Perla Rossetti

Membro da maior rede internacional de universidades, a Laureate, a Anhembi Morumbi foi a primeira a estruturar o curso profissional de gastronomia e a fomentar a discussão de sua importância no Brasil, já que a realidade por aqui estava a mil anos-luz da tradição parisiense. Passados mais de 10 anos, a iniciativa continua sob a direção de Rosa Moraes, que agora está levando a experiência para as universidades do grupo no nordeste brasileiro. E ela conta como muitos dos ex-alunos da instituição voltam como professores depois de atuar em restaurantes renomados, indicando que nossa gastronomia conquistou status e

62

reconhecimento por sua excelência. “Uma classe é formada por pessoas de 17 a 70 anos. Na Universidade Potiguar temos um médico que, aos 80 anos, voltou a estudar.” Para formar essa turma, os docentes, além de ser bons chefs de cozinha, precisam ter paixão para transmitir os seus conhecimentos. Desafio somado à necessidade de montar um currículo de aulas que atenda às culinárias regionais. Assim, a formação e o treinamento dos docentes ocorrem ainda na renomada escola Kendell College, em Chicago. “Graças a uma parceria, nossos alunos também podem realizar cursos extras e de complementação.”


poéticas urbanas Por Rosilene Fontes

A

casa, a rua, a calçada, a praça, o quarteirão. A pa-

futuro. A cidade com a imponência e força das

daria, o supermercado, o comércio. As avenidas, o

florestas. Uma floresta de pedras e concreto

rio, o parque. Uma cidade.

que nos dá abrigo, alimento, mas exige o en-

Falar da cidade é algo complexo. Não se trata so-

frentamento, a busca, o encontro. E o desafio

mente de um espaço, ou aglomerado de pessoas e

é não nos perder nela.

construções, é também onde pulsa a economia, as

... pouco se vê da cidade, escondida atrás dos ta-

relações de poder e troca, as manifestações culturais

pumes, dos andaimes, das armaduras metálicas...

e que assim vai tecendo a sua história, impondo mu-

– Qual o sentido de tanta construção? pergunta.

danças e transformações na sociedade.

– Mostraremos assim que terminar a jornada de

Escuto o motor do carro que passa veloz, o salto

trabalho; agora não podemos ser interrompidos

alto da vizinha do andar de cima, música e vozes

– respondem.

poéticas urbanas (as cidades visíveis) Rosilene Fontes é arquiteta da Construtora Adolpho Lindenberg

Uma floresta de pedras e concreto que nos dá abrigo, alimento, mas exige o enfrentamento, a busca, o encontro.

abafadas... É madrugada. A cidade não dorme,

O trabalho cessa ao pôr-do-sol. A noite cai sobre

pensei. Mas foi no século XIX que o homem con-

os canteiros de obras. É uma noite estrelada.

frontou pela primeira vez a cidade em um cenário

– Eis o projeto, dizem.

majestoso, palco de experiências modernas como

A metrópole descrita pode ser São Paulo ou ou-

a máquina, a revolução industrial, novos materiais,

tra qualquer, mas se chama Tecla, e não existe.

desafios e muitas se tornaram a metrópole de hoje,

Ou existe em muitas cidades. O diálogo é um

e a sociedade tornou-se essencialmente urbana.

trecho do livro Cidades invisíveis. Uma cidade

Com isso surgiram tentativas de se organizar os

em eterna construção e que a população teme

espaços da cidade e suas atividades. Neste con-

parar, pois teme a própria destruição.

texto é que surge o urbanismo.

E assim somos nós, correndo contra o tempo

Do alto de um aeroplano avistamos linhas, pontos,

e, quando paramos para pensar, muitas vezes

cores adensadas, uma trama caótica, o desenho

temos vontade de voltar ao estado primitivo, ir

da cidade, que se modifica a cada minuto, demo-

para o campo, voltar à natureza.

lindo, construindo, crescendo desordenadamente,

Temos, de um lado, a natureza ao alcance dos

aglomerando, aglutinando, se devorando. E, ape-

nossos sentidos e, do outro, a natureza ao al-

sar de tudo isso, a cidade tem o poder de sedução.

cance da tecnologia. A verdadeira cidade não

Seduz pela magnificência, grandeza e inteligência.

abandona a natureza, pois precisa dela. E se

Se no campo o horizonte é amplo, a cidade am-

pararmos para pensar na cidade como nosso

plia os horizontes. O homem que sai do campo

canto do universo, encontraremos as respostas

e vai para a cidade volta transformado. Olhar o

para nossas mais inquietantes perguntas.

horizonte no campo é ir ao encontro de Deus.

A cidade não dorme, pensei, mas se aquieta

Olhar o horizonte na cidade é ir em direção ao

quando adormecemos.

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personna

um lar para o aconchego Por Perla Rossetti Fotos Divulgação / Marília Veiga

A experiente arquiteta Marília Veiga e sua equipe transformam em contemporâneo um Lindenberg da década de 70, de inspiração mediterrânea

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65


personna

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S

67 em descaracterizar a qualidade, amplitude e solidez dos empreendimentos da construtora Adolpho Lindenberg, a arquiteta Marília Veiga passou seis meses atualizando para uma arquitetura contemporânea um apartamento do edifício Vila Mediterrânea, erguido em 1972 na zona oeste da capital paulista. Marília é colaboradora da CAL nos projetos de mobiliário e design de interiores dos lançamentos da grife. Finalizada em dezembro de 2009, a reforma no apartamento de 200m2 foi determinante para que um casal carioca decidisse por sua compra. Como o conceito de moradia e materiais há 30 anos eram diferentes, a arquiteta explica que havia desníveis no piso e a configuração da planta valorizava a área social para receber as visitas, porém, os novos moradores desejavam uma casa aconchegante para eles e o filho, ainda criança. “E nós conseguimos isso, a estrutura do apartamento nos permitiu fazer várias coisas interessantes porque seus espaços eram bem solucionados e amplos.” Ela observa que, antigamente, a sala de jantar era um lugar privado e tradicional, mas em seu projeto foi transformada em home teather, algo muito exigido pelos clientes atualmente, e a nova sala de jantar foi integrada ao living. “Pensei no bem-estar deles, que podem tomar um lanche rápido nesse ambiente.”

Insights Marilia costuma dizer que a sua inspiração nos projetos de design de interiores é a recompensa de ver seu trabalho mudando a vida das pessoas. “Vê-los convivendo e curtindo mais os espaços da casa, saber do que gostam, desejam e sonham para seu lar.” O resultado desse olhar, inclusive no aparta-

Acima, madeira de demolição no piso, tecidos fáceis de manter e obras de arte: combinação irreverente. Abaixo, cadeira inspirada na Diz, de Sergio Rodrigues


personna

Mistura criativa em chez clássica, mas laranja, vidro, espelho e formas

mento Lindenberg Vila Mediterrânea, é

do Vila Mediterrânea, as linhas contem-

no nas cores, e o masculino na ma-

fruto de uma dedicação que vai do ma-

porâneas têm direito à tela de formas

deira. No todo, vejo que projeto ficou

cro ao micro, como ela define. “Primeiro

abstratas da artista Flávia Brunetti e

chique, balanceado, satisfez os dois

estabelecemos os espaços e, depois,

materiais gostosos de conviver, como

clientes e a mim”, comemora.

vamos detalhando iluminação, mate-

os tecidos. “A decoração é voltada

riais, mobiliários e cores. Tudo é muito

para que eles utilizem 100% cada es-

equilibrado, pensando em todos os ele-

paço. Destacamos uma tela bem co-

mentos se harmonizando no conjunto.”

lorida, para ‘linkar’ com outros objetos

O lavabo também foi redimensionado

Como a arquitetura está sempre ligada

arrojados, e jogamos cor no tapete do

e, embora menor, cedeu espaço a um

à decoração, Marília ainda detalha: “Ao

home theater. Há capas de sofá lavá-

charmoso home-office, outro canto

longo da reforma, vou prevendo o mobi-

veis, madeiras e outros acabamentos

contemporâneo na casa, de acordo

liário, mesmo ainda sem escolher cores

versáteis”, comenta.

com Marília.

ou padrões. A distribuição das peças é

Como a sua marca pessoal e profis-

Eliminar as curvas e pórticos também

imprescindível por conta da planta elétri-

sional é idealizar algo viável, ela diz

fez parte da reforma. Aliando o gos-

ca, entre outros pontos. Em um segun-

que percebe no apartamento do Vila

to dos clientes a sua experiência de

do momento converso com o cliente

Mediterrânea os ambientes que mais

mais de 30 anos de carreira e parti-

sobre estofados, por exemplo”.

retratam seu trabalho: “São o home

cipação em grandes eventos, como

E aí que entra em cena uma decoração

teather, a sala de jantar e o living. Am-

Casa Cor e Casa Hotel, a arquiteta

primorosa de Marília. No apartamento

bos têm a dosagem e o toque femini-

propôs materiais clássicos, como a

68

Detalhes


madeira – em alguns momentos, in-

aplicação de mármore, mas a profis-

clusive, usou a de demolição para dar

sional optou por um piso de tecno-

um toque a mais de aconchego em

cimento da NS Brazil, uma evolução

vários ambientes, principalmente no

do cimento queimado, que não preci-

home theater, numa expressiva porta

sa de junta de dilatação. “Porque no

pivotante, no rack, prateleiras e numa

fundo dá um ar de sofisticação, e é

linda poltrona, parecida com a Diz

jovem e prático, com boa sensação

criada pelo design Sergio Rodrigues.

na hora de pisar.”

Apesar do toque natural da madeira,

Para ter amplitude, os quartos tiveram

o acrílico das cadeiras também tem

os pisos nivelados. A renovação tam-

vez no espaço, sem, contudo, dis-

bém atingiu os dois banheiros com

cordar do requinte proposto.

novos revestimentos, louças e metais

E em tudo o mobiliário da casa parece

modernizados.

brincar e descontrair: o chez de estilo

Se a iluminação de antes era baseada

clássico é laranja, ladeado de baús de

em grandes lustres, a atual prioriza as

vime e couro. Vasos em murano são

LEDS, de tons mais quentes, ideais

refletidos em abajures com pedestais

para obras de arte, como o próprio

revestidos de espelho.

Vila Mediterrânea, mais uma das jóias

A primeira ideia para o chão era a

da grife Lindenberg & Life.

69 A arquiteta Marília Veiga atualizou o Lindenberg Vila Mediterrânea. Espaços foram pensados para um jovem casal


qualidade de vida

A beleza de ser um eterno aprendiz Dar comida aos animais no zoológico ou ter vertigens em uma montanharussa são algumas das situações inusitadas a que só nos submetemos em nome do amor incondicional aos nossos filhos, nessa experiência rejuvenescedora de ser pai e mãe Por Larissa Andrade e Perla Rossetti Fotos Divulgação

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V

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ô, como você faz para arranjar namorada?” Ru-

anos, para a qual o cachorro preferido é o porco, no shopping

bro e desconcertado, o senhor apruma a voz e

tem sapataria e “cachorraria” e MSN é INSS. “É muito diver-

responde: “Sempre tem alguém querendo namo-

tido. Esse olhar descompromissado é o grande barato. As

rar comigo”. Ao que o neto Mateus Silveira Bianchi

responde: “Verdade? Você precisa me ensinar como

crianças falam as verdades e tem uma mágica nisso”. Workaholic assumida, Carla sempre foi conectada ao

se faz, pois se você consegue eu vou conseguir também”.

trabalho e às suas tensões, que afastam as pessoas de

Rocco e Matias têm a mesma idade e fazem tudo juntos,

casa. Mas tudo mudou depois do nascimento de Chiara.

inclusive peraltices. Uma vez, depois do banho, a avó en-

“O slow down na minha vida foi tão relevante com a sua

controu Matias em meio a nuvens de talco e o quarto literal-

chegada que hoje estou na Bahia, onde se vive muito

mente branco. Na hora da bronca, a defesa: “Vó, você não

bem. Montei meu negócio em decoração e moda, a Chita

gostou, mas o Rocco riu tanto”.

Bonita, e aqui tenho a chance de estar com as minhas

Dá trabalho, mas os filhos deixam os pais mais alegres, di-

filhas o tempo inteiro”, comenta.

vertidos, nos proporcionam lições de vida e amor transforma-

A maternidade tem sido renovadora. Certa vez, ela levou Chia-

doras. “A coisa mais gostosa é quando vou colocá-lo para

ra ao escritório e a menina com seu olhar inocente mostrou a

dormir, e ele fala, rosto com rosto: mãe, eu te amo! É uma

mãe tratava com sisudez o ambiente. “Em apenas uma hora,

delícia! O mundo poderia acabar naquele momento, pois o

ela o desconstruiu. Não sobrou um papel em branco, pois,

mais importante já aconteceu”, conta a fotógrafa Mônica Ven-

para ela, era um lugar de brincadeira e diversão.”

dramini, mãe de Rocco e tia de Matias.

Mas a rebenta também já a colocou em enrascadas. “Outro dia, enquanto me dedicava a vender uma bolsa na loja, a

Escolhas

Chiara olhou a etiqueta e gritou: ‘Mãe que caro!’ E fez isso na frente da minha cliente!”

Silvia Ribeiro, designer e mãe de Antonio, de 9 anos e Fran-

Nessas horas, conhecedora da genialidade da filha, Carla

cisco, de 12, vive em meio à mudanças por conta dos filhos.

impõe limites com muito jogo de cintura: “Quando ela entra

“Fiz de tudo para morar na frente do Clube Pinheiros para que

na loja eu fico alerta, porque suas reações são tão espon-

eles saíssem de casa em segurança, mas eles só ficavam no

tâneas que me surpreendem”.

computador. Mudei novamente, dessa vez para um condo-

São experiências inusitadas e que foram reunidas no Livro do

mínio com bosque, quadra de tênis e uma estrutura maior,

bebê feliz, da fotógrafa neozelandesa Rachael Hale, lançado

para que eles tenham liberdade e qualidade de vida, e está

no Brasil pela editora Alles Trade. Na obra estão mensagens

funcionando. Mas agora sacrifiquei meu tempo, moro longe

de vida, como: “Bebês são mais cruéis que você. Com um

de tudo e passo mais tempo presa no trânsito.”

simples sorriso, eles podem derreter seu coração” ou: “Há

A empresária Carla Loreta Norcia também mudou o rumo de

mais a ganhar vivendo o momento”.

sua vida em função das duas filhas e tem até um caderninho

Inocência das crianças também retratada nas imagens mun-

de anotações com as pérolas da mais velha, Chiara, de 11

dialmente famosas da fotógrafa Anne Geddes, que une be-

Da esquerda para direita: a mãe de Mateus vive enfrentando situações inusitadas devido a seus “impropérios”. Jhonatan e o pai, Julio Cesar: lição de vida. E Rocco que faz declarações de amor a mãe, a fotógrafa Mônica Vendramini


qualidade de vida

bês aos milagres da natureza em mais um livro: Seja delicado

do pequeno, ele achava que uma mulher, para ser bonita,

com os pequenos, também aterrissando no Brasil.

deveria ser loira, e tentava convencer o padrasto a namorar

E, de fato, é impossível resistir aos filhos, em qualquer idade, já

uma. “Mas, neném, e a sua mãe, como fica?” Ao que ele res-

que, segundo as mães entrevistadas nessa reportagem são o

pondia: “Minha mãe é minha mãe, não vale...”.

motivo de ganharem anos a mais de vida e felicidade, absolu-

A mãe, aliás, é Eliana, a quem ele vive colocando em situações

tamente abundante nessas criaturinhas, que mais tarde serão

desconcertantes, como quando questionou porque os avôs

companheiras de jornada, sempre rumo a uma vida de muito

eram divorciados, quis falar de namoro, gravidez e chamou a

bem-estar, alegria e aprendizado constante. “Há muitos anos,

avó materna de namoradeira por ter tido vários filhos.

em um curso de análise transacional, o instrutor sugeriu que

Bons e maus momentos fazem parte da experiência que

falássemos da experiência mais marcante em nossas vidas.

melhora pais e mães como seres humanos, já que o de-

Eu fui a única, entre 29 pessoas, que não mencionou ter sido

safio é diário.

o nascimento dos filhos. Esse uníssono nunca saiu da minha

Jhonatan Morais de Oliveira é outro exemplo disso, sem-

cabeça, mas só entendi seu significado ao me tornar mãe.”

pre foi arteiro, embora de poucas palavras. Fiel aos primos, nunca delatou ninguém depois das travessuras, não

Aprendizados

importasse o castigo. E ele aprontou todas: de sujar o chão com barro, lambuzar de sorvete a roupa do pai a

A história do avô protagonizada por Mateus, hoje com 12

hesitar na hora da lição de casa. O pai, o administrador

anos, ilustra quão fértil é a imaginação de uma criança. Quan-

de empresas Julio Cesar de Oliveira, já enfrentou poucas

O que você faz só por eles? A inspirada “Ela parece um peixinho, desde que tinha dois meses. Por ela, minhas manhãs são ocupadas pela natação e as aulas de música. É impressionante, os bebês pegam o ritmo do piano e batem o chocalho no chão!. Estar lá, às 10h da manhã de uma quarta-feira, é totalmente inusitado na minha profissão.” Morena Leite, chef do restaurante Capim Santo e mãe da Manoela, de 9 meses

O encantado “Tenho uma lista de agradáveis surpresas, como perceber que a afetividade pode ser ensinada. Ele tem facilidade para decorar música, interesse por idiomas, fascinação por cores e é obstinado em falar corretamente. Uma vez, me perguntou: ‘Por que emprestar meus brinquedos pro Theo se ele nunca me empresta? O que você acha, pai?’ O episódio me fez sentir vivo, importante e cheio de alegria porque meu filho estava me chamando para dentro dele, para participar das soluções de seu já tão verdadeiro mundinho.” Marcos David, músico, professor e pai de Daniel, 3 anos O apaixonado “Sou pai à moda antiga, levanto de madrugada para buscar minhas filhas, de 14 anos e 17 anos, na balada, não abro mão de estar presente na vida delas e ao menos duas vezes ao ano fazemos uma grande viagem.” Sergio Villas, diretor da L.D.I e pai de duas filhas adolescentes

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e boas com o filhote, mas não abre mão dele. “Com ele, amadureci, aprendi a ser mais tolerante com as pessoas, mas ele ainda é a única pessoa que me tira do sério e,

Para vivê-los

mesmo assim, não desisto dele. Sempre quero saber se comeu, fez a lição ou obedeceu à avó.” E a experiência da paternidade é cada vez mais significativa. “É gratificante quando o vejo conquistar as coisas, como andar de bicicleta ou entender uma tarefa da escola. Cada desafio superado mostra que minha dedicação é positiva.”

Seja delicado com os pequenos Autor: Anne Geddes 128 páginas Formato: 24 x24cm Editora: Alles Trade

Hoje com 13 anos, Jow, apelido dado pelos parentes, continua a dar trabalho, agora como um típico pré-adolescente, cheio de gírias tiradas dos videogames e postura alheia às preocupações dos pais para que estude e tenha oportunidades no futuro. Porém, Júlio comenta que, mesmo tão inexperiente, o filho lhe ensinou uma grande lição quando ainda era bem pequeno: “Ele costumava dizer que eu era o melhor pai do mundo. Eu ficava emocionado e percebi como eu deveria

O livro do bebê feliz – 50 coisas que toda mamãe deveria saber Rachael Hale 176 páginas Formato: 18X21cm Editora: Alles Trade

ter dito isso, mais vezes, ao meu pai”.

A menina “Fazemos panquecas, matzá, waffles. Bagunçamos a sala de TV e pulamos nas almofadas. No final do ano, estávamos em um sítio e eu ensinei as crianças a rolar o barranco e subir em árvores. Enquanto brincávamos, gritei que era a rainha da floresta, mas o galho quebrou. Caí e quebrei dois ossos da mão. Elas não entenderam nada, só que é perigoso subir em árvore. . Nos vestimos de bailarina e ficamos na sala, dançando. Elas adoram.” Carole Crema, chef dos restaurantes Wraps e da doceria La vie en Dulce, e mãe de Luiza, de 3 anos, e Beatriz, de 5 A aventureira “Já fizemos rafting, rapel e mergulhamos em Porto de Galinhas, e agora estamos pensando em esquiar em Las Leñas. Não sou esportista, mas desde criança a Camila adorava loopings e todos os brinquedos emocionantes do parque. O tempo passa rápido e como os interesses dela vai mudando com a idade, eu a acompanho nas aventuras. Com isso, ganhei qualidade de vida, se não, ficava no xadrez, mas ela sempre teve dificuldade em matemática...” Sandra Guidi, coordenadora da área de jogos da escola Stance Dual e mãe da Camila, de 19 anos A aplicada “Apesar de trabalhar e viajar muito, não abro mão de tomar o café da manhã e jantar com eles, mas, para isso, vou à academia as 4h30 da manhã. Aos finais de semana, surfamos ou andamos de bicicleta na praia. E temos uma liberdade de diálogo incrível, conversamos sobre tudo. Agora eles estão multiconectados e me ensinam a usar a tecnologia desses novos telefones.” Fátima Zagari, vice-presidente de Art Sales e Trademarketing da Viacom Networks Brasil, dos canais Nickleodeon e VH1, e mãe dos gêmeos Julia e Lucca, de 14 anos

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Ivan Abujamra

5 experiências

Ode aos

Ser mãe... É inco

mparável.

keko

O amor incondicional é o maior aprendizado possível.

O ponto alto de minha carreira no teatro foi viver na pele oito mulheres árabes-iraquianas no espetáculo As Nove Partes do Desejo, de Heather Raffo. Dar voz às suas dores, sonhos, impulsos, desejos e talentos, sem nenhuma ficção, pois vivi mulheres reais que foram entrevistadas para o material da peça. Poucas vezes o teatro oferece uma oportunidade tão pungente para um importante documentário. Sem falar o grande desafio que é um monólogo.

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P

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remiada no Brasil e no exterior, a escritora e atriz Clarisse

jeto no cinema, na TV e lançando o livro Artérias – com a

Abujamra é uma mulher de fibra e intensidade incompará-

irreverente trilha sonora do sobrinho e músico André Abu-

veis. Vivendo tudo sempre à flor da pele, ela está em cartaz

jamra, ela não para. Claricinha, como é chamada pelo tio,

no espetáculo As meninas, adaptação do texto de Lygia

o mestre das artes cênicas Antonio Abujamra, já viajou o

Fagundes Telles por Maria Adelaide do Amaral, em nova

mundo a bordo de seus personagens e conta quais mo-

temporada no teatro Eva Hertz, na livraria Cultura. Com pro-

mentos de sua trajetória são realmente insuperáveis.

sentimentos

Por Perla Rossetti

Representar

em

Saint

Estar ao lado de quem se

Petersbourg e Moscou.

ama, sem deixar que ele per-

Por ser a Rússia um país

ceba, é uma das experiên-

que me fascina, que admiro,

cias mais dramáticas, uma

onde tive a honra e a expe-

violência. Ter de trapacear o

riência inesquecível de me

próprio olhar, conter/escolher

apresentar num monólogo

palavras e gestos. É preciso

de Dario Fó e Franca Rame.

ser ao mesmo tempo égua e

Foi uma experiência genial...

cavaleira. Causa e efeito.

Sem sombra de dúvida, a mais excitante que já vivi

Perla Rossetti

em outros palcos. Pensei que o coração não fosse aguentar! Escritores russos, músicos, bailarinos, intérpretes! A cultura do país e as noites brancas!

A pior experiência possível é presenciar a humilhação, a injustiça e sentir-se impotente. Assim me senti no Oriente Médio, mais precisamente a poucos quilômetros da Faixa de Gaza.


fil antropia inteligente

Sendo bom em fazer Entrevistamos Daniela Barone Soares, que nos fala um pouco sobre novos (e mais eficazes) modos de se fazer filantropia.

o bem

Impetus Trust tem números impressionantes para mostrar. O crescimento anual médio de faturamento entre as organizações que fazem parte do seu portfólio aumentou de 29 para 40% em 2009, mais de dez vezes a média do setor. Mas que setor é esse e o que é a Impetus Trust? Os próximos números ajudam a entender me-

Por Instituto Azzi Fotos Divulgação Impetus Trust

lhor de qual setor estamos falando. As organizações apoiadas pela Impetus tiveram um crescimento anual médio em pessoas assistidas de 56% em 2009, chegando a ajudar mais de 218 mil pessoas a lutarem contra a pobreza. Esses números demonstram não só a excelência, mas também a filosofia de quantificar e comprovar resultados da Impetus Trust, organização inglesa sem fins lucrativos que aplica o conceito de Venture Capital à filantropia, sendo pioneira no Reino Unido nessa

Keyfund Federation, ONG que realiza programas para desenvolver habilidades e re-inserir adolescentes e jovens marginalizados

inovadora forma de atuação social, que naturalmente ganha o nome de Venture Philanthropy. Apoiando 14 organizações sociais, seu método de ação mescla doações multiplicadas por diversos parceiros, articulação de consultores voluntários e apoio estratégico para que a organização tenha mais valor, que é medido pelo crescimento do seu impacto social. Fundindo conceitos do mercado financeiro com projetos sociais, a Impetus reflete a história de sua CEO, a economista mineira Daniela Barone Soares. Formada pela UNICAMP, com MBA na Harvard Business School, Daniela seguiu uma carreira de sucesso no mercado financeiro, transitando entre Europa e EUA, e em empresas como Goldman Sachs e BankBoston Capital, antes de migrar para a área social. Trabalhou na organização internacional Save the Children e agora comanda a Impetus Trust. A Filantropia Inteligente aproveitou as merecidas férias da Daniela para conversar um pouco com ela sobre a Impetus, pensamentos sobre a atuação social e a filantropia no Brasil e na Inglaterra.

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Renata Caland Marshall

77 Daniela Barone Soares, CEO da Impetus Trust

INSTITUTO AZZI (IA): Sabemos que você saiu do

IA: Você acha que isso é mais importante que o investi-

mercado financeiro para atuar no terceiro setor. O

mento financeiro?

que a levou a tomar esta decisão?

DANIELA: Eu acho que as duas coisas são importantes. Não

DANIELA BARONE SOARES: Principalmente dois fatores:

adianta a gente se iludir de que trabalho voluntário, ainda que

um foi a preocupação e conscientização social, principalmen-

estratégico, basta para a ONG. ONG precisa de dinheiro. Cla-

te em relação à pobreza, que me levou a fazer voluntariado

ro que não é só isso, mas temos de tomar cuidado com o

desde os 12 anos. Nessa época eu pensava em ganhar mui-

discurso de que pró-Bono substitui a doação.

to dinheiro e doar tudo para os pobres – e por muito tempo esse foi o meu objetivo na vida. Continuei a fazer trabalho

IA: E em relação ao investimento financeiro, o que tem

voluntário em paralelo à carreira no mercado financeiro. Mas

de ser levado em conta?

comecei a questionar até quando teria de esperar para me

DANIELA: Acredito que tudo com o que a gente se importa

dedicar mais a esse objetivo de mudança social. O outro foi

não pode ser feito de maneira emocional. O emocional atrapa-

quando comecei a fazer meditação raja yoga: tive grande cla-

lha e distorce. Imagine a mãe que se rendesse ao filho choro-

reza sobre os meus valores e o fato de que eu já tinha muito a

so todos os dias em que ele pede para não ir à escola. Qual

contribuir. Não via mais por que esperar e fiz a mudança.

seria o seu futuro? Da mesma forma, o investimento deve ter: (a) critério de seleção, (b) critério de avaliação de objetivos, (c)

IA: Quais as possibilidades de atuação na área social

estratégia de investimento – em quê estou investindo e o quê

para aqueles que não buscam migrar de setor?

quero desse investimento, além de minhas demandas serem

DANIELA: Existem possibilidades ilimitadas. Desde organi-

compatíveis com o quê estou oferecendo, (d) como irei con-

zar uma associação de bairro para defender as mudanças

tribuir – dinheiro, capacitação profissional, etc., (e) por quanto

na área em que você mora até o tipo de voluntariado que a

tempo será esse engajamento e (f) quais serão os pontos de

gente faz na Impetus, de usar a expertise do seu trabalho

“revisão” desse engajamento. Sem critério, estratégia, monito-

diário no contexto social. Por exemplo, a diretora financeira

ramento e avaliação – todos, é claro, proporcionais ao “investi-

da BBC de Londres fez vários projetos em que orientava as

mento” feito – há muito pouco impacto. Acaba-se pulverizando

ONGs sobre finanças e como isso refletiria nos fundos que

o investimento entre várias organizações, ou a ONG que “ga-

elas poderiam arrecadar. Essa diretora não vai dar sopa aos

nha” é a que tem o papo melhor, não necessariamente a mais

pobres, mas sim ajudar a ONG, com mais impacto.

competente ou a que está tendo mais impacto.


fil antropia inteligente

IA: Quais as características e instituições existentes na

e as várias histórias sobre ONGs “de fachada” atestam isso,

Inglaterra que tornam possível e estimulam uma difusão

o que aumenta a desconfiança em relação a todas as ONGs

tão grande da prática da filantropia?

– e a doação fica restrita a conhecidos ou a organizações fisi-

DANIELA: Existem instituições filantrópicas e ONGs fundadas há

camente próximas, em que o doador pode inspecionar o que

séculos e que conseguiram manter uma reputação muito boa.

acontece. Isso limita o crescimento das ONGs, sua eficácia e

Isso ajuda a difundir. Também há a cultura da filantropia, que é

o exercício democrático que pode se dar através das ONGs.

muito importante. As pessoas cresceram com isso. Nas escolas

A segunda barreira é a eficiência. Diz respeito à desconfiança

existe o hábito de entender que há pessoas menos privilegiadas

na habilidade das ONGs de usarem as doações de forma efi-

que você, seja em outros países, seja na própria Inglaterra. O vo-

ciente ou mesmo de gerenciar a ONG de maneira profissional.

lume grande de doações vem de milhões de pessoas que dão

A terceira barreira é a eficácia – e só pessoas um pouco mais

um pouquinho por mês: uma libra, cinco libras. E, claro, grandes

informadas questionam isso. Ou seja, dentro do contexto so-

fundos filantrópicos e pessoas que não querem deixar toda a

cial onde essa ONG opera, será que a sua intervenção está

sua fortuna para os filhos. Assim, a tradição filantrópica somada à

tendo eficácia na resolução do problema social a que se des-

credibilidade na legitimidade das ONGs, auferida pelo credencia-

tina? Ou será apenas um paliativo? Ou está até agravando o

mento na Charity Commission, fazem com que a filantropia seja

problema? Só os fundos filantrópicos mais informados e que

bem difundida na Inglaterra.

fazem grandes doações é que começam a questionar o tipo de intervenção e o impacto destas intervenções.

IA: O que pode tornar a prática da filantropia mais frequente no Brasil?

IA: Como surgiu a ideia por trás da Impetus?

DANIELA: Existem três principais barreiras à filantropia – elas

DANIELA: Por duas necessidades: do lado dos doadores,

existem no Brasil, na Inglaterra e em qualquer lugar, em dife-

havia a frustração de que o impacto de suas doações não era

rentes graus. A primeira refere-se à legitimidade das ONGs.

claro, eles poderiam e queriam contribuir com mais do que

Essa barreira não existe tanto na Inglaterra, pois há um órgão

só dinheiro e havia pouca accountability em relação às doa-

regulador independente. Mas existe enormemente no Brasil,

ções que tinham feito. Do lado das ONGs, havia a frustração

Organização para pessoas com deficiência intelectual, a Speaking Up é apoiada pela Impetus Trust

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de que os tipos de fundos que acessavam engessavam sua

da melhor forma possível, mensurá-lo. Queremos avaliar as

capacidade de construir a infraestrutura para os projetos,

intervenções sociais de maior impacto, para replicá-las e au-

os fundos eram restritos a projetos específicos. Além disso,

mentar sua escala, para que realmente o problema social seja

esse tipo de fundo (volátil, de curto prazo e restrito) reduz

resolvido ou reduzido. Há muito dinheiro investido no terceiro

a capacidade de planejamento estratégico de longo prazo.

setor que é desperdiçado. Para que o doador passe a “in-

Outra necessidade das ONGs é a capacity building, ou seja,

vestir” de maneira estratégica, o setor deve demonstrar a sua

prover as habilidades e a expertise necessárias para que a

responsabilidade em fazer intervenções que ataquem o pro-

ONG opere com eficiência e eficácia. Isso implica a melhoria

blema para resolvê-lo e mensurar da melhor forma possível os

79 Através do comércio justo, a Fairtrade Foundation atua na redução da pobreza em países em desenvolvimento e também é apoiada pela Impetus Trust

da capacidade gerencial, administrativa e de governança da

resultados. E, se o resultado não for bom, ter a coragem de

ONG. A Impetus, atuando na parte de financiamento estra-

mudar. Uma iniciativa para aumentar nossa repercussão social

tégico para as ONGs e na capacity building, e enfatizando

tem como objetivo um impacto setorial e sistêmico: ou seja,

bastante a criação e mensuração de impacto social, atende

criar e mensurar o impacto – na sociedade como um todo

a essas duas demandas.

– de atacarmos um problema social intensamente. A ideia é rever as melhores intervenções, reinvestir nelas e replicá-las

IA: Para a Impetus, qual é a importância do monitoramento

– e assim propor formas de reduzir o problema de forma am-

do investimento feito e da avaliação do impacto gerado?

pla. Isso requer muitas parcerias. O fundo que lançamos tem

DANIELA: Superimportante. Primeiro, porque a Impetus é

como objetivo reduzir a reincidência de prisioneiros. É uma

uma intermediária entre o doador e o receptor. Se não con-

área que custa muito caro para a sociedade, seja financeira,

seguimos demonstrar o valor que adicionamos ao processo,

social ou emocionalmente. A taxa nacional de reincidência é

não temos por que existir. Em segundo lugar, acreditamos

de três dentre quatro prisioneiros soltos num prazo de dois

que, por mais difícil que seja a mensuração do impacto so-

anos. Queremos mover essa taxa. Isso é bem inovador, desa-

cial – e isso não significa apenas números – devemos tentar,

fiador e impactante – e nós, é claro, gostamos disso!


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29%

Iguatemi Tucumã

91%

Le Grand Art

85%

99%

3,5%

Murano

Id Itaim

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