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A ESCRITA PODE AJUDAR NO TRATAMENTO DE DOENÇAS
Escrita terapêutica consiste em escrever livremente sobre pensamentos, sentimentos e situações, estimulando a criatividade e resolução de conflitos
Fazer listas de supermercado, anotar as tarefas da semana, colocar no papel os prós e contras diante de uma si - tuação embaraçosa. Escrever pode tornar a rotina mais simples, otimizar processos de trabalho e ajudar a resolver problemas que parecem um grande quebra-cabeça. A lista de benefícios é longa e ain - da conta com mais um item: o terapêutico. A escrita também pode ser utilizada como método complementar que permite ampliar a qualidade de vida de pacientes em tratamento contra o câncer, doenças cardiovasculares ou neurodegenerativas.
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Experiências difíceis transformadas em linguagem falada ou escrita podem aliviar os sentimentos angustiantes de quem está passando pela difícil vivência de uma doença grave.
“A escrita terapêuti - ca consiste em escrever livremente sobre seus pensamentos, sentimentos e situações. Não existe uma forma única correta e o processo deve ser natural e do melhor jeito que possa expressar seus conteúdos. A prática estimula a criatividade, no sentido de resolução dos nossos conflitos e problemas. O processo de escrever sobre nossos conteúdos possibilita nos organizarmos, entendermos e nos aceitarmos melhor, além de trazer alívio minimizando sentimentos e emoções desconfortáveis”, afirma o psicólogo clínico Ricardo Milito, diretor científico do Instituto Bem do Estar.
O especialista afirma que a escrita terapêutica contribui para o processo de autoconhecimento, que pode abrir caminho para mudanças no estilo de vida e melhorias para a saúde mental.
“Uma das melhores maneiras de praticar o autoconhecimento é escrever sobre suas emoções, pensamentos e indagações, colocar para fora seus problemas e sentimentos disfuncionais e também suas reflexões sobre a vida. Quando escrevemos o que pensamos, sentimos e como agimos fica mais fácil termos consciência e avaliarmos tudo isso”, diz.
Di Rio De Uma Ang Stia
Escritos ao longo do tratamento de doenças potencialmente fatais, três diários de pacientes e familiares que conseguiram se recuperar compõem o livro
“ Diário de uma an - gústia ”, da editora
Máquina de Livros, lançado recentemente.
Os relatos são do jornalista Mauro Ventura, que teve um acidente vascular cerebral (AVC) aos 31 anos, da também jornalista Luciana Medeiros, que fez transplante de medula, e do médico e psiquiatra Fernando Boigues, que acompanhou a filha enfrentando um tumor cerebral aos 26 anos.
Os autores afirmam que a ideia do livro surgiu em 2018, durante um evento na área de saúde no qual Mauro Ventura falou sobre a experiência do AVC, ao lado do pai, o jornalista Zuenir Ventura.
Ao comentar que havia escrito um diário durante sua internação, um dos médicos presentes, Fernando Boigues, contou que havia feito o mesmo, mas durante a internação da sua filha Fernanda. A partir desse encontro, Mauro convidou para o livro Luciana Medeiros, que também havia escrito um diário durante o transplante de medula para tratar um linfoma de Manto. Embora semelhantes no formato e no propósito, os diários foram originalmente escritos em suportes diferentes: de Fernando, num caderno escolar, de Luciana, num blog, e de Mauro, em papéis soltos.
Na primeira parte do livro, encontram-se os três relatos – “O livro da Nanda” (Fernando Boigues), “Diário do Manto” (Luciana Medeiros) e “Notas de uma mente em desalinho” (Mauro Ventura) – e a apresentação de Andrew Solomon, autor de best-sellers mundiais como “O demônio do meio-dia – Uma anatomia da depressão” e “Longe da árvore”.
“Este livro se propõe a explicar como recuperar uma mente saudável quando seu corpo decepcionou você. É um guia para o seu espírito, que mostra como lidar com a lacuna traiçoeira entre um corpo sob ataque e uma mente triunfante. E uma mente triunfante muitas vezes serve não apenas para se curar, mas também para ajudar o corpo que ela ocupa”, escreve Solomon na apresentação do livro.
Humaniza O Da Medicina
Na segunda parte, a obra traz depoimentos de oito profissionais de saúde sobre a importância da comunicação com os pacientes e a humanização da medicina.
São relatos de Margareth Dalcomo (pneumologista), Christian Dunker (psicanalista), Lorraine Veran (médica clínica e paliativista), Luiz Roberto Londres nóstico não somos nós, é o doente; é o que ele nos narra”, afirma em seu depoimento a pneumologista Margareth Dalcolmo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. A pesquisadora em gestão de saúde Chrystina Barros conta que descobriu um câncer de mama durante a pandemia de Covid-19.
(cardiologista) Margaret Waddington Binder (psicanalista e psicossomaticista), Mauro Fantini (biomédico, professor e palhaço), Ivan Santana (neurocirurgião) e Chrystina Barros (especialista em gestão de saúde).
“Na prática médica, quem dá o diag -
“Tive a felicidade de contribuir com esse projeto para além do meu papel enquanto profissional, contando um pouquinho da minha vivência enquanto paciente de, no meio da pandemia, descobrir um câncer de mama. O que para alguns pode ser uma ironia do destino, por que eu trabalhei por mais de sete anos com oncologia, recebi como um presente por que eu pude navegar por toda a minha linha de cuidado, ter toda a as - sistência de uma outra perspectiva, ao mesmo tempo que mais facilitada”, afirma.
Chrystina afirma que, apesar dos relatos marcantes presentes na obra, a mensagem principal dos autores é de esperança. “Eu sabia o que estava acontecendo e isso tudo, sem dúvida nenhuma, me impulsionou para buscar saber so - bre felicidade, que é exatamente o outro ponto depois que a gente vive angústias e sofrimentos, é exatamente a emoção que a gente busca e que espera ter no saldo da vida. É um livro que expõe em muito do sentimento, da fragilidade e dos papeis que a gente pode ter enquanto paciente, família e profissional, mas todos nós em nossa humanidade. Essa é a grande contribuição para falarmos de angústia, mas deixando uma mensagem positiva”, completa.
Revis O De Textos E Edi O De Livros
Da revisão até a entrega dos arquivos prontos para imprimir.
Contato: revisaolca@gmail.com
De Alma Em Alma
Cruz e sousA tu andas de alma em alma errando, errando, como de santuário em santuário.
és o secreto místico templário as almas, em silêncio, contemplando.
não sei que de harpas há em ti vibrando, que sons de peregrino estradivário que lembras reverências de sacrário e de vozes celestes murmurando.
Mas sei que de alma em alma andas perdido, atrás de um belo mundo indefinido de silêncio, de amor, de Maravilha.
vai! sonhador das nobres reverências! a alma da Fé tem dessas florescências, mesmo da Morte ressuscita e brilha!
Vis O Al M Do Ser
H A rry W I ese –iB ira M a, sc
Aos domingos, no nascer das manhãs, ponho-me a caminhar pela cidade. Agora estou na Rua Itália, no Bairro das Nações, e meus passos, embora lentos, seguem firmes. Estou feliz pelos 74 anos vividos com histórias, poemas e filosofias e ainda poder fazer o que faço com maestria. Meus pensamentos, um tanto taciturnos, se misturam com a visão um pouco embaçada, mas sigo meu caminho. O silêncio que me envolve é consequência da ausência do movimento de carros, motos e pessoas. É dia santo, descanso do labor, suavização da agitação e das miríades de atividades cotidianas. Desejo chegar à Rua Expedicionário Hercílio Gonçalves, que fica logo ali na outra quadra. Sim, faz tempo que não caminho por lá, mas ainda me lembro do Terminal Rodoviário, do Educandário, dos prédios, das casas e dos pássaros. Ouço o canto de aracuãs que vem da mata ciliar do Rio a relembrar a trajetória do ex-combatente: vida, sonhos, fartura, amor, felicidade, guerra, lutas, sofrimento e morte. Que disparate: sobrou o Mausoléu do Rio de Janeiro e o nome da rua Expedicionário Hercílio Gonçalves. Estou triste, mas é assim a narrativa dos fortes. Merecia maior reconhecimento e condecoração.
Benedito e miados de gatos entre folhas caídas de palmeiras indaiás em um jardim que parece estar abandonado.
Minha mente projeta maravilhas e histórias de heróis. Estou
Sigo em direção à Ponte Carlos Schroeder, do Rio Benedito, que leva ao Carijós. Costumo ir ali para ver as águas se misturando, a grande água do Rio Itajaí-açu e a água menor do
Benedito. Benditas sejam as águas do Vale do Itajaí a caminho do mar. A rua está vazia porque é domingo antes do Sol nascer. Indaial ainda dorme. Ouço o murmúrio dos rios, cadenciado pelo canto das aracuãs.
São as águas rolando sobre as pedras. Meu pensamento volta a projetar imagens, mas minha visão está turva e meus passos agora se tornam cada vez mais lentos.
Vejo um vulto a minha frente. Não consigo reconhecê-lo, penso ser minha visão além do ser. Ele caminha como eu, mas é ágil, cruza a rua, retorna, cumprimenta pessoas, pois a cidade está acordando, acena para as casas que estão abrindo as janelas para receber o ar das manhãs. Parece ser jovem. É cordial, forte e virtuoso. Quem poderia ser o homem que não consigo reconhecer, questiono a mim mesmo. Tiro os óculos, limpo as lentes com um lenço, esfrego as vistas com as mãos e volto a vê-lo novamente. Mesmo assim não o enxergo direito. Não compreendo porque se movimentando mais que eu, a distância entre nós é sempre a mesma.
Penso que meus 74 anos complicam as circunstâncias e deixam meus pensamentos em conflito e inexoravelmente confusos. Chego a pensar que não há ninguém na minha frente, que tudo é coisa da mente.
Mentes são capazes de criar maravilhas e enganos. Chego mais perto da Ponte do Rio Benedito, ali, na foz, onde as águas se misturam. O homem da minha visão turva ainda está a minha frente, mas está mais devagar. Tenho a impressão de que agora o vejo melhor. Suas vestes se confundem com a cor da vegetação beira-rio. O verde da mata ciliar promulga a eficácia e acompanha as águas. O tempo agora é de paz, não há guerra. Da ponte vou rever os rios. O passeio valeu a pena.
Sempre hei de me lembrar daquela ca - minhada dominical. Concentrado para apreciar as águas, não vejo mais a imagem do homem da minha caminhada. Há pouco ele estava ali no outro lado do rio. De tanto vê-lo, ora como espectro, ora como realidade, fico estupefato e atônito. Há situações incompreensíveis entre ruas e rios. Nem sempre vi - sões são verdades, mas tenho certeza de que vi aquele indivíduo caminhando na minha frente. Quando minha visão clareou, eu vi o Sol nascendo. Peixes pularam na água para recebê-lo; no Carijós, um galo, em longo tom, deu início à cantoria galinácea compondo a música da manhã dominical.
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Muita prosa e muita poesia em mais de 300 páginas.
Por incrível que pareça do mesmo ponto onde vi aquele ser pela última vez, agora com a nitidez e a resolução límpida, uma garça branca levantou voo, circulou a ponte e foi em direção à Rua Expedicionário Hercílio Gonçalves donde vim com visões e certezas, e desapareceu como desaparecem as nuvens de nevoeiro nas manhãs de domingo. Ruas, pontes e garças, às vezes, contam histórias, que fazem refletir sobre as dicotomias e rebeldias da humanidade. Que seja, pois, a visão além do ser com toda pujança e credibilidade!
Tons
mAr Io qu I ntAnA
Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas: verde!… E que leves, lindas filigranas desenha o sol na página deserta! não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons… acerta… desacerta… sempre em busca de nova descoberta, vai colorindo as horas quotidianas… jogos da luz dançando na folhagem! do que eu ia escrever até me esqueço…
Pra que pensar? também sou da paisagem…
Vago, solúvel no ar, fico sonhando…
E me transmuto… iriso-me… estremeço… nos leves dedos que me vão pintando!
Centelhas De Vida
u rd A A LIC e kL ueger – Pa LH oça, sc
Era uma vez, lá no Paraíso Terrestre, quando Deus criou Adão e Eva e todos os animais, criou Ele, também, um casal de cachorrinhos. Viviam todos, lá, muito felizes, e se não fosse a preocupação de Eva e Adão de provarem dos frutos da Árvore do Bem e do Mal, a festa lá ainda não teria acabado, e ninguém passaria nenhum tipo de privação neste mundo.
Bem, o fato é que lá, junto com Adão e Eva, havia um casal de cachorrinhos, e que enquanto Eva era tentada pela Serpente, os ca - chorrinhos, muito naturalmente, tiveram seus primeiros filhotes, que tiveram outros filhotes, que tiveram outros filhotes, até que um dia, milhares de anos depois, nasceram os dois cachorrinhos que vivem na rua do lado da minha casa. Eu comecei a vê-los no começo deste inverno que está tão frio: dois cachorrinhos amarelos, dos mais legítimos vira-latas, a saírem para a entrada da rua, bem na minha esquina, para ficarem ao sol que chega antes na esquina do que na casa deles. Pequenas centelhas de vida explodindo de inteligência e alegria, eles sabem exatamente a hora em que o sol chega a um pedaço quadrado de asfalto na saída da rua, e lá vêm, lépidos e alegres, a balançarem seus rabinhos na efusão gratuita de viver, para aproveitarem o calor fraco do sol e se aquecerem. Como se divertem os dois bichinhos! Eles ainda são cachorrinhos muito novos, mal e mal deixaram de ser bebês, e a idade adulta deve vir só lá pelo verão. Estão naquela fase em que os cachorrinhos gostam de roer os chinelos das pessoas, e onde a alegria é infinita dentro dos corpinhos peludos e inquietos de tanta vida. Naquele quadrado de sol da esquina da minha rua, eles se aquecem com os focinhos erguidos, e brincam, alternadamente, brincam um com o outro tendo a certeza de que a coisa mais importante deste mundo é brincar. Eles conhecem todas as crianças da redondeza, e todas as crianças os conhecem – quando elas passam, cedinho, em direção da escola, eles interrompem suas brincadeiras para fazerem festa às crianças, e acompanham-nas um bom estirão pelas calçadas, até lembrarem-se que têm seu quadrado de sol no mundo, e voltarem à minha esquina.
Conhecem gente grande também: re - centemente, quis saber mais sobre eles. Minha amiga Margarida contou-me que se chamam Toco e Bilú, e Margarida é uma mulher séria, tesoureira de um banco, o tipo de pessoa que a gente não pensa que sabe o nome de dois cachorrinhos de nada, duas centelhazinhas de vida que surgiram no começo do inverno num quadra - do de sol. Depois que Margarida contou-me até o nome deles é que vi o quanto estão populares em toda a vizinhança. Sabedora, agora, dos seus nomes, ontem de manhã fui lá falar com eles. O dia estava nublado, e o pedaço de sol não tinha aparecido na esquina. Os cachorrinhos, porém, sabiam perfeitamente onde ele iria surgir, se surgisse, estavam lá sentados com cara de aborrecidos pela falta daquele amigo Sol que os tem aquecido desde que se lembram, na sua curta vida. Eles ainda não me conheciam – sempre os observo de longe, de dentro da garagem – e se mostraram indiferentes até que chamei:
– Toco!
Na hora descobri quem era Toco, pois ele veio pular em mim arrebentando de alegria, e foi só chamar “Bilú”, para que Bilú também entrasse num paroxismo de prazer e de pulos, ambos inteiramente cônscios da sua identidade neste mundo. Nasceram faz pouco tempo: da vida só conhecem o quadrado de sol e as crianças que passam, mas sabem muito bem como cada um se chama, e como fi - cam gratuitamente felizes quando um adulto se digna dar-lhe o pequeno nome que é quase tudo o que possuem! Eles pularam e me lamberam até que eu tive de ir-me. Pelo retrovisor do carro, fiquei vendo como, depois da alegria de terem sido reconhecidos por um adulto, esqueceram-se de que o quadrado de sol não tinha vin - do, naquele dia, e passaram a brincar com a mesma alegria de quando se sentiam aquecidos! Se Adão e Eva não tivessem acabado comendo do fruto da Árvore do Bem e do Mal, cachorrinhos como Toco e Bilú nunca sentiriam frio, e nunca precisariam ficar brincando num quadrado de sol na esquina de uma rua, e não haveria na minha vida a luz das suas pequenas centelhas de vida. Até que Adão e Eva não erraram de todo! (Urda alice KluegerEscritora, historiadora e doutora em Geografia)
Homenagem P Stuma Ao Amigo E Poeta Adir Pacheco
eLoAH WestPHALen nAsCH enWeng –FLorianóPoLis, sc o amigo se foi. o poeta se calou. Era chegada a sua hora. a névoa se ergueu na natureza, acariciou a noite e, seus pés cansados, o conduziram para uma nova dimensão. adir pintou ilusões com as mãos, sentiu o cheiro do tempo, as paixões intensas pelos caminhos incertos, encontrando na harmonia da natureza e seus amanheceres, o alimento para seu espírito e, assim, pode deixá-lo como legado, a nós e a literatura. deixou a beleza do efêmero, a saudade, a fé e a gratidão espelhada na eterna transformação da busca, a inspiração colhida no silêncio da alma, a liberdade, o grito pungente dos excluídos e as raízes férteis alicerçadas, permanentemente, no ideal plasmado a sangue e a ferro, num passado de lutas e glórias. deixou nos seus livros milhares de palavras construídas, em momentos únicos, reunindo sentires que não serão perdidos pelo tempo. descanse em paz meu amigo!
Hoje o dia amanheceu mais triste.
Levou consigo, o poeta apaixonado que provocava emoções; o mesmo poeta que nos fazia caminhar por várias veredas, entre o sopro de palavras ao vento, sem medo, com paixão, alegria, sorrisos, amizade, lágrimas, e o grande prazer a desfilar na sua verve poética.
Este era o mesmo sentimento que tomava por inteiro o escritor Fernando Pessoa, que assim se expressava: “quando escrevo, visito-me solenemente.” E, é isso que adir Pacheco fez com sua alma fragmentada, visitar-se solenemente, para apresentar-se, segundo ele: “ao mundo nos traços de seus passos/ num canto alegre que subsiste”.
Que sua poesia sirva de inspiração às gerações que se sucedem e, sejam, sobretudo, a luz que iluminará o teu caminho em direção a deus e a morada eterna.
Que assim seja!
(13.02.2023)
Livro De Olavo Bilac Retorna Ao Leitor
FrAn CeLI nA drummond
– oUro PrEto, MG
Cento e vinte e oito anos depois da primeira e única edição completa, retorna ao leitor o belíssimo livro de Olavo Bilac (18561918), intitulado Crônicas e Novelas e publicado pela Editora Liberdade, de Ouro Preto. Essa obra em prosa foi escrita quando da passagem de Bilac por Ouro Preto em 1893 e publicada em 1894.
Em 1893, fugindo da perseguição do presidente Floriano Peixoto, juntamente com outros intelectuais cariocas também vítimas do Marechal de Ferro, Olavo Bilac buscou refúgio nas montanhas de Minas e viveu al- guns meses em Ouro Preto e, depois, em Juiz de Fora. A amizade com o escritor e jurista Afonso Arinos de Melo Franco, que atuava como advogado e professor do Liceu Mineiro na antiga capital de Minas, deu a Bilac o passaporte para conhecer a cidade de Ouro Preto, sua história, os arquivos e monumentos, igrejas e natureza. Bilac ficou encantado e, aos poucos, convencido de que as raízes do Brasil estavam em Minas – mais especificamente, na Vila Rica do passado que se fundia, a seus olhos, na Ouro Preto quase à época da mudança da capital. Conversou muito, teve estreito contato com o historiador Diogo de Vasconcelos em cuja casa se hospedou antes de se transferir para o Hotel Martinelli, na Rua do Paraná, com o outro historiador e jornalis- ta José Pedro Xavier da Veiga, que então elaborava a proposta de fundação do Arquivo Público Mineiro e da respectiva Revista, com artistas e jornalistas da cidade, além de intelectuais cariocas que estavam refugiados em Ouro Preto. Afonso Arinos os recebia em sua residência, na Rua do Paraná, em encontros que certamente contribuíram para a imersão de Bilac na história das Minas. Discutia-se a mudança da capital; Bilac foi conhecer o Curral del Rei, que sediaria o novo projeto, símbolo moderno de cidade traçada, em contraste com Vila Rica/Ouro Preto. Planejava-se a instalação do monumento a Tiradentes; criara-se em 1892 a Escola Livre de Direito de Ouro Preto. De maneira geral, as opiniões se acentuavam entre mudancistas e antimudancistas, e esse debate estava instalado na imprensa ouro-pretana. Em meio às discussões sobre mecanismos de modernização da cidade, tentativa extrema de manter a capital em Ouro Preto cheia de largas avenidas, boulevards e passeios públicos da moda, Bilac se divide: ama Vila Rica/Ouro Preto e parece, por isso, tender a que a capital se mu- dasse mesmo. Estava, pois, divido entre um locus que pedia proteção, preservação e cuidado, e uma ideia urbana nova, palpitante, grandiosa e moderna. Olavo Bilac percorreu Ouro Preto, conduzido por Afonso Arinos, que prezava as tradições mineiras, numa linha que o afiliava ao poeta e romancista ouro-pretano Bernardo Guimarães (1829-1884). Visitou as capelas primitivas, as mais antigas, São João, Santana, Padre Faria, caminhou pelo Morro da Queimada, pelas Lajes. Falou de Marília, de Dirceu, de Aleijadinho, dos Inconfidentes, dos pobres que trabalharam nas minas, dos morféticos, da contradição entre riqueza extrema e extrema miséria. Exultou as belezas, reparou minúcias, criticou poderosos soberbos, festas de triunfo da riqueza e da opressão. Esses temas são tratados em Crônicas e Novelas. É bom ler, reler e de novo voltar a eles, na prosa muito fina, bem urdida, rica e poderosa de Olavo Bilac. Uma bela planta da cidade de Ouro Preto, de 1881, vem encartada ao livro, em cor original e traços muito firmes, como uma sinalização dos lugares que, em 1893, ele percorreu e admirou. A edição é enriquecida pelo posfácio do pesquisador e professor Antônio Dimas (USP), profundo conhecedor da obra de Bilac. Crônicas e Novelas é uma das publicações com que a Editora Liberdade comemora o Bicentenário da Imprensa Mineira/ Ouro-Pretana (1823- 2023).
A Sonhada Liberta O
e né A s AtHA náz I o –Ba Ln. ca MB oriú, sc Depois de longos anos, acabei de reler um dos clássicos da moderna literatura francesa. Trata-se de “O Salário do Medo” (Le Salaire de la Peur), de autoria do escritor Georges Arnaud e publicado pela extinta Difusão Europeia do Livro creio que em 1950. A obra foi traduzida por Manuel Mendes, tradutor português, de sorte que o texto contém numerosas expressões e palavras desusadas por aqui, dando-lhe um ar estranho. A leitura revela o quanto a língua falada em Portugal e aqui se distanciou.
O romance é fascinante e obteve imensa acolhida em todo o mundo na época de sua publicação, inclusive no Brasil. Ambientada na Guatemala, a história começa descrevendo um ambiente de miséria, jogatina, violência, prostituição e vício na cidade de Las Piedras, localidade fictícia, uma vez que, segundo o autor, a Guatemala não existe. A região, como de resto o país, é dominada pelas gigantes internacionais da exploração do petróleo e ali uma delas tem seu posto. Na cidade se reúne uma fauna humana das mais exóticas e heterogêneas que se possa imaginar. Ali estão foragidos da justiça, deportados de outros países, exilados políticos e criminosos de todos os naipes e nacionalidades. Existem italianos, gregos, espanhóis, franceses e outros tantos. Todos se encontram na miséria ou à beira dela e em busca de alguma forma de obter dinheiro para deixarem aquele exílio. É um mundo de tropical tramps (vagabundos tropicais). Corre então a notícia de que um poço de petróleo explodiu e está em chamas numa vila da petrolífera que opera na região, distante cerca de quinhentos quilômetros. A cada hora que passa é consumida pelo fogo enorme quantidade do ouro negro, implicando em vultoso prejuízo. Cumpre extinguir o incêndio o quanto antes. Para isso é necessária grande quantida - de de nitroglicerina, material explosivo ao extremo e que só pode ser transportado com imenso cuidado. Qualquer solavanco pode provocar uma explosão catastrófica. Mas, à falta de outro recurso, é imperativo levar o insidioso líquido em caminhões-pipas, trafegando por estradas carroçáveis e correndo todos os riscos. A companhia abre inscrições para selecionar motoristas com experiência para o risco assalariado. Escolhidos os mais competentes e corajosos, são preparados os ca - minhões KB 7 International, pintados de vermelho e equipados para a longa e perigosa jornada. (Numerosos desses veículos vieram para o Brasil). A viagem tem início. Jogo arriscado, vencer ou morrer. A remuneração é boa, permitiria a libertação daquele meio infernal. É necessário viajar à noite, evitando o calor tropical, e conduzir com extrema paciência por caminhos esburacados e repletos de obstáculos. Dois caminhões partem na mesma noite com um intervalo entre eles. No primeiro vão o italiano Luigi, dirigindo, e um espanhol como ajudante; no segundo o francês Gérard é o condutor e o ajudante um grego. Partem com extremos de cuidado, mas, apesar de tudo, é indispensável atingir boa velocidade para aliviar os sola - vancos. Tudo corre bem até que um clarão esbranquiçado ilumina a noite: explode o primeiro caminhão. Luigi e seu colega têm morte instantânea e, para completar, a explosão provoca enorme fossa no leito da estrada. Com mil manobras, o francês consegue ultrapassar, mas o ajudante se fere com gravidade. Gérard dirige sem parar e de forma maquinal. Exausto, esgotado, apavorado. Tem visões, alucinações, sonhos absurdos. O grego, ao seu lado, geme e depois silencia. E assim vai vencendo a distância, curva a curva, metro a metro, e acaba chegando ileso ao destino. A claridade do campo aos poucos ilumina o terreno à sua frente. Uma voz forte grita e penetra aguda pela janela:
- Bravo, rapaz! Chegaste. E os outros?
Gérard não acredita. Esgotado, só quer comer e dormir. Desliga-se de tudo e dorme por horas a fio. Acordando, sabe da morte do seu ajudante a cujo sepultamento não compareceu. Enquanto dorme, descarregam, lavam e preparam seu KB 7 para o retorno. Ele próprio se livra da sujeira. É um herói.
Tem no bolso o papel que vale dois mil dólares e lhe permitirá retornar a França, levando consigo a amada que o espera. Ganha a estrada, feliz, alegre, satisfeito consigo mesmo. O cami - nhão vermelho brilha ao sol e come as distâncias com elegância. Mas, a certa altura, exagerando na velocidade, o veículo derrapa, tomba e rola pelo despenhadeiro mais íngreme do caminho. É uma cilada do destino impedindo que Gérard volte à terra natal. Como diz o autor, tal é a poesia do risco assalariado. Uma poesia amarga. O livro inspirou o célebre filme homônimo dirigido por Clouzod e mereceu incontáveis resenhas na imprensa mundial. Em meados do século passado, quando o nacionalismo estava em alta, o enredo do livro de Arnaud era apontado como exemplo do que acontece com países que entregam seu petróleo aos grupos internacionais e por isso foi objeto do ódio dos entreguistas.
FernAndo PessoA sou louco e tenho por memória Uma longínqua e infiel lembrança de qualquer dita transitória Que sonhei ter quando criança. depois, malograda trajetória do meu destino sem esperança, Perdi, na névoa da noite inglória o saber e o ousar da aliança. só guardo como um anel pobre Que a todo o herdado só faz rico Um frio perdido que me cobre como um céu dossel de mendigo, Na curva inútil em que fico da estrada certa que não sigo.
(24-9-1923 Poesias
Inéditas (1919-1930)
Fernando Pessoa.
Lisboa: Ática, 1956)
QUANDO EM LISBOA, VISITE A CASA DE FERNNDO PESSOA NO BAIRRO CAMPO DE OURIQUE.
PÃO DE AÇÚCAR, O OÁSIS DO SERTÃO ALAGOANO
Luís LAérCIo gerôn I mo - LaGarto, sE
Emancipado de Mata Grande em 03 de março de 1854, esta linda cidade ribeirinha, localizada no sertão de Alagoas, está comemorando 169 anos de Emancipação política e 412 anos de história. Segundo a história oficial a origem da povoação de Jaciobá se deu lá pelos idos de 1611 com a chegada dos colonizadores à terra dos Urumaris, primeiros habitantes dessa terra.
A explicação para o batismo dessa terra soa de maneira natural e poética, pois os indígenas ao observarem do topo de um Morro o reflexo da lua sobre o leito do rio Opará, poeticamente a chamaram de Jaciobá.
Em 1660, a rainha de Portugal, viúva de D. João IV, D. Luísa de Gusmão doou uma sesmaria ao fidalgo soteropolitano Lourenço de Brito Correia, bisneto de Caramuru, como forma de agradecimentos ou mercê, pelos relevantes serviços prestados à coroa portuguesa. Lourenço de Brito Correia chegou ao cargo de vice-
-rei do Brasil no biênio de 1641-42. De posse dessa sesmaria concedida pela coroa lusitana, Lourenço de Brito Correia resolveu implantar uma fazenda de gado no sopé do Morro de Jaciobá e ao perceber a semelhança do morro de Jaciobá com uma fôrma cônica de fabricar o pão de açúcar em suas fazendas no recôncavo baiano, batizou sua nova fazenda de Pão de Açúcar, dessa forma prevaleceu a vontade do poder econômico, suplantando o nome primitivo da povoação. Mais de quatro séculos nos separam da origem primitiva do nome dessa terra, no entanto com muita resistência e perseverança o nome de Jaciobá há de reverberar. O poeta alagoano Jorge de Lima, em seu versejar fez essa indagação poética “Ja- ciobá, espelho da lua, por que te chamam
Pão de Açúcar”? Essa indagação continua a nos mover. A primeira agremiação esportiva da cidade foi batizada de Jaciobá; a única agência bancária da Caixa Econômica Federal também foi batizada de Jaciobá; uma loja maçônica também fez questão de resgatar o nome de jaciobá e atualmente o recém-criado Movimento Literário Café Poético e Filosófico, idealizou uma premiação aos cidadãos e cidadãs, denominado Prêmio Jaciobá espelho da Lua, resgatando e preservando a gênese dessa terra.
Pão de Açúcar, possui cerca de 24 mil habitantes e fica distante 233 km da capital, Maceió. Faz divisa com o Estado de Sergipe, tendo o rio São Francisco, como marco divisório entre os dois estados.
Terra de filhos ilustres como Bráulio Cavalcante, Francis - co Henrique Moreno Brandão, o escritor Aldemar de Mendonça, João Lisboa que em 1950 edificou a escultura do Cristo Redentor, cartão postal do município, Heloísa Helena, que já foi Senadora por Alagoas com destaque em todo o Brasil; Edvaldo Nogueira, prefeito de Aracaju pela quarta vez e tantos outros filhos de Jaciobá que enaltecem o nome dessa terra espalhados por todo o Brasil. Pão de Açúcar é considerada terra dos músicos, dos artistas e poetas enamorados, nomes como Maestro Manoel Passinha, Petrúcio Ramos, Mestre Nozinho, Marcus Vinicius e Enivaldo Vieira, jamais serão esquecidos. Por fim o município é rico em história, cultura e tradição. O povoado Ilha do Ferro que fica a 15 km da sede do município é um celeiro do artesanato local.
Terra de um povo or- deiro e hospitaleiro, que acolhe de braços abertos todos os visitantes que por aqui desembarcam, principalmente durante a tradicional festa de Bom Jesus e de Santos Reis no mês de janeiro.
A culinária é convidativa com diversos pratos e iguarias da região e a praia do velho chico é uma das mais bonitas de todo o vale do são Francisco, frase esta, dita por D. Pedro II em 1859, quando em viagem pela região, visitando a cachoeira de Paulo Afonso na Bahia.
“Pão de Açúcar é minha e sua, é terra boa pra morar, Chamam-na espelho da lua, terra de Jaciobá, Já diziam os mais velhos, aqui quem coloca os pés, Nunca mais quer os tirar”
(Luís Laércio Gerônimo)
Parabéns, minha terra!
NAIR DE TEFFÉ, A NOTÁVEL OITAVA PRIMEIRA DAMA DO BRASIL
edLtrAud zImmermAnn FonseCA - indaiaL, sc
Uma primeira dama diferente! Nair de Teffé foi uma pioneira. Filha do almirante Antonio
Luiz Hoonholtz, Barão de Teffé. Estudou na França como toda jovem da elite. Desde a mais tenra idade, na adolescencia, sua inteligencia e personalidade independentes a levaram a quebrar os tabus da época. Falando vários idiomas, era apaixonada pelo teatro, revelando-se atriz talentosa, e pela música popular - gostava de tocar violão, instrumento considerado pela elite coisa do populaxo, ou seja, gentalha.
Escandalizava a so - ciedade frequentando o bar do Geremias, reduto da intelectualidade boêmia do Rio de Janeiro. Revelou-se brilhantemente na caricatura, genero em que se inicou ainda menina, quando estudava em um colegio de freiras em Paris e fazia “retratos” humoristicos de suas professoras. Aos vinte e quatro anos já era famosa na imprensa colaborando em publicações como Gazeta de Noticias, Careta, Fon-Fon, O Malho, La Rise, Fantasia, Exelcier (essas tres últimas francesas) .
Nair de Teffé foi a primeira mulher a fazer caricaturas na imprensa brasileira; assinava seus trabalhos com o pseudonimo de Rian (Nair ao contrario). Tornou-se conhecida em Paris e Londres pelo seu traço moderno, capitando com astucia e ironia o lado comico da vida.
Em oito de Dezembro de 1913, aos vinte e sete anos, Nair se tornaria a primeira dama do Brasil. Ela própria conta seu namoro com o presidente Hermes da Fonseca: “papai avisou-me: “Nair, hoje o Marechal Hermes vai chegar naquele trem que voce batizou “trem dos maridos“. Vamos na estação esperá-lo“. A cena se passa em Petrópolis (RJ), onde a elite passava o verão. Quando o Marechal desembarcou, achei-o triste e abatido. Quando ele me viu, notei que seus olhos ficaram diferentes. Apertou a minha mão e olhou-me com viva ternura. Era o mês de Janeiro de 1913. No dia 18, o presidente telefonou marcando um passeio para o dia vinte, dia de São Sebastião. Veio acompanhado de seu filho Euclides, do ajudante de ordens, e do chocheiro Luiz. Saimos a passeio em companhia do papai em direção ao bairro Caxambu, onde meu selim virou e eu cai de pé. Estava na frente do grupo distanciada de todos. O presidente acelerou o seu cavalo, veio em meu socorro e perguntou-me gentilmente : Machucou-se, mademoseile ?
– Não !, respondi.
- Antes que cheguem os outros, eu quero lhe falar uma coisa depressa. Tive um so- nho, mas acho quase impossivel a sua realização e não devo dizer-lhe .
Emparelhamos os nossos cavalos e insisti para contar-me o sonho. E ele, encabulado, olhando para o chão, falou-me: Estou encantado com a beleza de mademoiselle. Queria faze-la minha esposa!
Casaram-se no da oito de Dezembro de 1913.
A história fala muito pouco ou nada sobre as primeira damas do país. Sequer menciona seus nomes, principalmente na Republica velha. Eu, particularmente, conheci dona Santinha, mulher simpática de corpo avantajado, esposa do Presidente Dutra, já na Repulica Nova. Durante a campanha para Presidente da Republica em 1945, visitaram o colégio onde eu estudava. Eu era pequena tinha nove anos. Ao ver-me, Dona Santi - nha se aproximou de mim. Eu trazia no pescoço curativos, ainda, resultados de uma de minhas primeiras cirurgias plásticas. Perguntou-me o que tinha acontecido. Contei-lhe e ela disse-me comovida: Filha, se o Marechal Dutra vencer as eleições, peça para seus pais me procurarem, vou mandá-la para os Estados Unidos, você vai ficar boazinha . Imaginem se eu sabia, aos nove anos, vinda do Braço do Baú, onde não havia nem luz, o que era vencer as eleições, o que era ser Presidente e muito menos onde era os Estados Unidos. Dutra venceu. Foi Presidente da Republica e um dia lí em manchete de jornal a noticia da morte de Dona Santinha. Havia morrido em consequência de uma operação de apendicite. Foi assim que perdi a oportunidade de ir para os Estados Unidos.
MANHÃ mIA Couto
Estou e num breve instante sinto tudo sinto-me tudo deito-me no meu corpo e despeço-me de mim para me encontrar no próximo olhar ausento-me da morte não quero nada eu sou tudo respiro-me até à exaustão nada me alimenta porque sou feito de todas as coisas e adormeço onde tombam a luz e a poeira a vida (ensinaram-me assim) deve ser bebida quando os lábios estiverem já mortos
Educadamente mortos
(Mia Couto, em “Raiz de orvalho e outros poemas”).
Cordas Que Abra Am
tAmArA zI mmermAnn
FonseCA – idaiaL, sc
“A viola chora “, assim costumam dizer quando o musico toca seu instrumento de forma tal que nos causa imensa emoção.
Domingo de carnaval, lá estávamos nós, num café musical ao som dos Vaqueiros do vale!
Com a única pretensão de sair e dar uma voltinha, lá estava eu abraçada em minhas lembranças juvenis. Quanto mais o músico entoava canções tradicionais na sua viola, acompanhado de seus amigos músicos, incluindo o som de um berrante que carregava nada mais nada menos que um autógrafo de um dos maiores representantes da música raiz sertaneja. Eu e minha irmã, como nos tempos de juventude, quando frequentávamos semanalmente o teatro Record, em São Paulo, para assistir as gravações de um programa de televisão, sentadas na “fila do gogó“, com a presença dos ícones sertanejos, cantarolávamos todas as canções, sorríamos uma pra outra e com o olhar íamos de encontro as mesmas recordações de tempos passados. Abraçada com as cordas da viola, viajei também para o interior de São Paulo, na pequena cidade de brar daqui a alguns anos.
O músico que tocava o berrante com tanto orgulho e seus amigos que também faziam a apresentação, foram alcançando a todas as pessoas que lá estavam. Foi realmente algo especial!
Guareí, onde passamos muitas vezes na companhia de nossos primos e tios, sempre como trilha sonora a música sertaneja raiz. Naquele domingo, fui envolvida de uma felicidade imensa, de ter vivido todas essas lembranças, de estar com minha irmã e mamãe e uma amiga, naquele dia musical, construindo novas estórias as quais com certeza iremos relem -
Lembramos emocionadas de um professor de música muito amigo da família, o senhor Mario Demétrio, que faleceu recentemente. Sua paixão era ensinar música, gostava tanto que tinha um grupo de terno de Reis e um outro grupo de violeiros. Dedicou muitos anos de sua existência à música. Todas as vezes que estávamos presentes no recinto onde estava se apresentando, oferecia para mamãe uma música especial. Olhávamos para o palco e claro que sua imagem foi lembrada naquele domingo também.
A manhã terminou com abraços e agradecimentos por nos ter oferecido horas de alegria.
Felizes aqueles que se deixam abraçar pelas emoções que as artes de um modo geral são capazes de produzir em todos nós.
Com Frica No Peito
nICoLAu dos sAntos - PortUGaL
E vamos andando com áfrica no peito já passaram três décadas e há 7200 quilómetros de distância mas não perdemos o jeito
Basta um merengue, um funaná, uma morna, uma coladera
Basta um cheiro tropical caju fresco, manga, mamão óleo de dendém, jindungo
E lá vem áfrica de novo a áfrica que nos entrou pelos cinco sentidos pelos sete buracos da nossa cabeça
Pelo cheiro a terra molhada pelo som da batucada pelo sabor da muambada
Pela visão desse pôr-do-sol avermelhado que não há em mais nenhum lado
E pelo meu olhar que segue a tua pele negra de ébano
Por muita Europa que nos cerque Há uma áfrica que vive e resiste dentro de nós”
Eli Malvina Heil
n eus A Bern A do Coe LH o –Pa LH oça. sc
Nasceu em 05/06/1929, na Barra do Aririú, Palhoça/SC. Extrovertida, desde cedo cantava na igreja e criava peças teatrais na comunidade escolar. Antes de se dedicar integralmente à atividade artística lecionou aulas de Educação Física em escolas da região da grande Florianópolis. Mãe de dois filhos, no final da década de 1950 permaneceu acamada por cinco anos, dizia ter uma gravidez mental. Quando começou a se recuperar da longa enfermidade, nos anos 1960, recebeu de seu ir - mão um quadro de um artista local. “Mas isto também faço”, disse ela prontamente, despertando-se para o protagonismo das artes. Foi o nascimento do ovo que borbulhava no seu interior. Autodidata, Eli começou a desenhar, em 1962, desenvolveu a arte da Pintura, Escultura, Cerâmica e Literatura. Não se adaptando ao pincel convencional por ser macio demais, inventou sua própria técnica ao espalhar a tinta diretamente sobre a tela. Com ajuda de um material pontiagudo de couro, tal qual uma agulha para bordar, moldava figuras humanas, coisas e animais em meio a uma paisagem futurista, cheia de cores e formas tortuosas. O trabalho de escultura em argila, em cimento colorido ou garrafas de plástico derretidas no seu fogão, triunfam em forma de seres da estranha flora, chamados de meus “monstrinhos”, nascidos talvez de sua mediunidade. A mistura de tinta aos materiais descartados, como os saltos de sapatos, garrafas de plástico, tubos de tinta, canos de PVC e outros materiais, surpreendem os admiradores de sua arte. Os sentimentos da alma da artista, aflorados ganham vida, assim descrito em seu livro “Vomitando os Sentimentos”: “A arte para mim é a expulsão dos seres contidos, doloridos, em grandes quantidades, num parto colorido”. Suas criações transformadas em cores vibrantes imita as cores do arco íris; têm viés expressionista, às vezes surrealista, onde casas e morros imaginários passam por um processo denominado “vômitos de criações”. Eli Heil participou de inúmeras exposições no Brasil e no exterior, tendo seu trabalho “Mito e Magia”, registrado e catalogado oficialmente como “arte incomum” ( a rt Brut ) na 16ª Bienal Internacional de São Paulo. A artista plástica costumava dizer: “[...] O processo criativo e a técnica despejam-se de dentro de mim, como fios coloridos, prontos para serem executados[...]”, ela mesma caracteriza seu dom criador outorgado por Deus, como um espiral obsessivo que é transformado por meio dos
‘vômitos de criações’ [...] gerando seres e mais seres para a continuação da espécie Arte [...]”. O legado artístico de Eli Heil encontra-se instalado desde o dia 7 de março de 1987 num Museu a céu aberto, o qual tive o prazer de conhecer na comunidade açoriana de Santo Antônio de Lisboa, às margens da BR SC-401, Florianópolis. Em suas criações denomina o ovo símbolo da vida, o mesmo que dá nome ao grande palco denominado “O Mundo Ovo de Eli Heil”. Na interpretação da artista: “surgiu quando houve a explosão do meu cérebro, juntamente com a explosão do meu ovário. Pluf, pluf, pluf, já nasci, já nasci, já nasci. Ovo, óvulo, ovário”. Toda essa ri - queza imaginativa está disponível em exposição permanente com mais de três mil obras para visitação na “Sala de Exposição”. Um conjunto de esculturas espalhadas pelo jardim da casa onde morava é denominado
“Jardim Paraíso”. Entre as obras sobressai o “Anjo Pássaro”, um Pássaro Colorido de 5m altura pousado sobre um enorme ovo, caracterizando o monumento mais importante do acervo. Adão e Eva recepcionavam os visitantes no portal denominado Jardim do Éden até que algo desagradável aconteceu com eles. Eli ficou inconsolada com a destruição bárbara dos seus símbolos pelo poder público, cuja justificativa era alargar uma estrada de rodagem. No entanto, em protesto, a artista criou na entrada do Museu o “Cemitério de Adão e Eva” protegidos por seres guardiões do espaço. Sonhos, alegrias, tristezas e esperança foram esboçados nos desenhos, pinturas e esculturas, ao mesmo tempo em que as transformou em versos:
“Criar eu quero. / A cria me dá vida! / Eu, se não crio / Viro mancha deprimida”. Em loucura consciente, a artista escreve: “Estou como uma criança, / Brincando no jardim de infância / Só que elas brincam e eu crio / Para obter aquela esperança [...]”. Em outra estrofe, suplica: “Meu Deus, eu sou humana!
/ Não posso su - focar dentro do peito tanto amor, sufocando a cada momento a vontade louca de gritar por socorro / Nem isso eu tenho direito[...]”. Eli Heil, faleceu em 2017, aos 87 anos em Florianópolis/ SC. A artista projetou as artes visuais catarinenses a nível nacional, contribuiu com um legado inconfundível gestado na sua percepção apurada. O seu acervo permanece sob os cuidados da Fundação “O Mundo Ovo de Eli Heil”, instituída em 1993.
(Fonte: Museu o Mundo o vo de Eli Heil - Museu Morre a artista plástica Eli Heil, expressão máxima das artes visuais de sc - Portal de n otícias (estado.sc. gov.br) vomitando os sentimentos- Fundação o Mundo ovo de Eli Heil, 1999, 144p.)
Hoje Eu Vi
eLoAH WestPHALen nAsCH enWengFLorianóPoLis, sc aquele que agoniza no tempo que se esvai, mas luta para ter e ser. a magia ainda permanece no seu furor de doar-se, de querer e, de sentir. abraçou o momento e fez dos instantes perfeitas emoções. alma ao vento, coração batente, em uníssono, incandescente, na febre da paixão se fez insano...e voou. nem promessas, nem ecos de tempos futuros, só a certeza que a imaginação e as lembranças no aconchego da vida, onde viaja a saudade, traz junto de si, a primavera e, lá estaremos, nós, porque nunca partimos...
Hoje eu vi o amor na sua plena essência.
Mar Sem Fim
mA r IA t eres A Fre I re – cU riti B a, P r
À beira do lago, o vento suave balança as árvores, ondula as águas, anuncia o dia quente pronto para a saída das embarcações. Cada barco leva um sentimento que acalenta a alma do marinheiro. Esperança de encontrar na sua viagem o bem que lhe sustenta a vida. Medo por não ter certeza se saberá enfrentar o que o mar pode lhe causar. Ansiedade por singrar novas rotas e descobrir o inusitado, o desconhecido.
Entusiasmo pela liberdade conquistada e sentida na pele que o sol aquece e a água salgada umedece. Coragem por chegar mais longe, onde o embalo das ondas o levarem e o vento, às vezes ameno, às vezes bravio, o conduzirem. Determinação para continuar em frente, ainda que almeje pela segurança da terra firme. Paz naquele imenso oceano, agora calmo, mostrando a infinitude da natureza, a sua força, o seu po - der que lhe penetra nas entranhas e faz desse marinheiro um intrépido, aventureiro, sonhador, viajante das águas do mundo. Singra mares, aporta em ilhas desconhecidas, descobre praias nunca exploradas, transporta passageiros ávidos pela aventura, ou plácidos turistas a usufruir o sol forte que lhes bronzeia a pele. Também pode pescar grandes e pequenos peixes que enchem seus porões, que lhe dão ganho de vida. Navega, navega. Por várias razões. Para cumprir suas funções, suas promessas, para realizar seu trabalho.
Mas, acima de tudo, porque ama a imensidão do mar, que sempre lhe espera, bravio, calmo, verde, azul. Sempre aguardando o marinheiro que não lhe nega o chamado. Suas conquistas, sua alma apaziguada conduzem-no pelo rastro que seu barco sulcou, trazendo-o de volta para seu ancoradouro onde se abraça à alegria de viver, de saborear a condição de ir, mas de voltar, conforme seu coração o guia, seu desejo lhe dita, sua mente decide. O marinheiro parte na confiança do seu retorno. Por mais que anseie pelo mar aberto à sua disposição e à sua vontade, o seu acalento está na beirada do lago, o seu aconchego está nos braços de quem o aguarda, nos olhos de quem o vê ao longe, no sorriso atraente que lhe sente a falta.
O marinheiro aporta, seu barco ancora. Ali, queda-se na espera da próxima ida, sabendo que volta.
Doutora em Comunicação e Saúde (PUCPR), Mestre em Educação (PUCPR). Jornalista. Professora Universitária de Comunicação Social. Artista Plástica. Consultora em Comunicação e Educação. Escritora com livros publicados; com participações em revistas científicas, em congressos nacionais e internacionais e em vários sites literários e em Coletâneas. Membro do Movimento Nacional Elos Literários, da Academia Feminina Mineira de Letras (AFEMIL), da Academia Internacional de Artes, Letras e Ciências (ALPAS 21-cadeira 131), do Centro de Letras do PR, do Centro Paranaense Feminino de Cultura. Membro e Assessora de Comunicação e MKT da Liga de Defesa Nacional (LDN). Presidente Coordenadora da AJEB-PR. Presidente da Seccional PR da Academia de Letras do Brasil (ALB-PR).
Desamor
JACqueLI ne AI senmAn - PortUGaL as gentes amando a mando das gentes de coração? a indiferença marca inquieta os passos trancafia os dedos desata os abraços... nem ouço gritos os gritos todos e todos os meus gritos de alegria e ardor! nada acontece porque a fenda é grande fingir não dá além do silêncio está a violenta dor do desamor
Há silêncio e penso... onde estão os laços?
A PANDEMIA, DIA A DIA
Lu I z C A r Los Amor I m – F Lorianó P o Lis, sc
O primeiro volume do Diário da Pandemia é um registro do dia a dia de uma família durante a pandemia da covid 19 no ano de 2020. É claro que não será o mesmo cotidiano de outras tantas famílias pelo mundo todo, o nosso foi até brando, pois tínhamos nosso neto Rio, que nasceu em 2019, um ser de luz que veio para iluminar dias terríveis que teríamos logo em seguida.
Nossos dias em Lisboa, em São José, na Grande Florianópolis e em Jaraguá do Sul foram mais suaves, apesar de todo o terror acontecendo ao nosso redor, pois em 2020 moramos em Lisboa uma parte do ano, no mesmo apartamento do centro de Lisboa, com a família do Rio: eu, Stela, Rio e os papais, Pierre e Daniela. Foi uma bênção ter a companhia do Rio, pois a sua alegria contagiante e a sua fofurice transbordante faziam a gente esquecer que a pandemia estava lá fora. Só saíamos para ir à farmácia, ao supermercado, à quitanda, mas não era problema ficar em casa o tempo todo, pois Rio estava lá e nem percebíamos o tempo pas - sar, a não ser pelo desenvolvimento dele. É sempre um privilégio poder ver nosso neto crescer. Voltamos ao Brasil ainda em 2020, mas retornamos a Portugal em 2021 e ficamos mais um bom tempo usufruindo da companhia de Rio, de Daniela e de Pierre. Neste segundo ano da pandemia moramos em apartamentos separados, mas estávamos sempre visitando o Rio. E mesmo quando voltávamos ao Brasil, continuávamos falando com o neto, em chamadas de vídeo do Whatsapp, Facetime, Messenger, Zoom. E ele acalentava a nossa saudade com sua alegria imensa. Então este diário mostra como foram os nossos dias de pandemia, um a um, mas não só o que fizemos, o que deixamos de fazer, nossos sentimentos e medos, a solidão dos confinamentos, a falta do abraço e do sorriso das pessoas, o nosso cotidiano, mas também a progressão da pandemia, o colapso da saúde, o desgoverno do nosso pais, que desvalorizou a nova doença e também as vacinas, deixando de comprá-las em tempo hábil, atrasando a disponibilização para o povo brasileiro, que chegou a morrer aos milhares por dia. Registra também a politicagem grassando numa época em que os políticos deveriam trabalhar para minimizar os efeitos da pandemia. Também a roubalheira dos recursos que deveriam ser usados para suprir hospitais de pessoal qualificado, equipamentos e medicamentos. A economia, combalida com o fechamento do comércio, da indústria e de serviços, provocou de - semprego e fome. Este diário não é uma tragédia completa para nossa família, que tivemos dias felizes, apesar de tudo, mas foi para muita gente. Muita gente mesmo, no mundo todo. Não pegamos a covid 19 até o final de 2022, aí con - lume abrange o ano de 2021 e o comecinho de 2022. O que não quer dizer que a pandemia acabou, ela continua aí, mas a maioria das pessoas está vacinada, então os casos diminuíram e ela já não mata tanto quando nos anos anteriores, graças a Deus. Sobrevivemos à covid 19. Apesar de desgovernantes e políticos que não sabem nada de política, quem dirá de saúde. Gostaríamos de esquecer esses anos terríveis, mas não podemos deixar de lembrá-los, para que não aconteçam de novo. traímos a doença em Lisboa, mas Rio, Daniela e Pierre pegaram ainda em 2021. Os pais do Rio, duas vezes. Mas estão bem, com saúde e sem sequelas, pois estavam vacinados.
Meu diário registra os anos de 2020 e 2021. O próximo vo -
Luiz carlos amorim – Escritor, jornalista, editor, professor e revisor, cadeira 19 da academia sulBrasileira de Letras, Fundador e presidente do Grupo Literário a iLHa E editor das Edições a iLHa
Tenho Um Amor
roseLenA de FátI mA nunes FAgundes caMaçari - Ba tenho amor tão querido, com valor, tão amado! amor que é meu, busco cultivar, o meu é seu, sempre cativar!
Um amor tenho, dois corações, agradecer venho, nossas emoções!
Espa O Para Os Novos Poetas
SAUDOSO SENHOR CARNAVAL!
s ôn IA P ILL on –j ara GU á do sUL , sc
Bumba Meu Boi e depois adotou o carnaval como a grande paixão de sua vida.
Figura controversa, Mestre Manequinha, ou o Senhor Carnaval, como era carinhosamente chamado, dade. E como não lembrar de Manequinha no período em que foram abertos os festejos de carnaval pelo país?
Quem nasceu, ou é radicado em Jaraguá do Sul há pelo menos duas décadas, com certeza lembra do Manequinha, o folclorista e carnavalesco que desde meados da década de 1940 sacudia a cidade com manifestações genuinamente brasileiras. Come - çou com o grupo foi pioneiro e resistente, inspirando o surgimento de outros blocos carnavalescos. Numa cidade fortemente influenciada pelas tradições trazidas pelos imigrantes alemães, italianos, poloneses e húngaros, ele sem dúvida contribuiu para marcar a cultura da etnia negra na ci -
Some-se a isso o fato de que em 16 de fevereiro foi comemorado o Dia do Repórter, e é impossível esquecer das vezes em que o entrevistei durante os preparativos para as apresentações na avenida. Tive o privilégio de estar entre os últimos repórteres a entrevistá-lo na sua modesta morada na Vila Lenzi, antigo reduto do samba em Jaraguá do Sul, em 2007, quando ele chorou ao confidenciar que sentia as pernas fracas, sem condições de acompanhar o bloco. Lembro que naquele momento procurei consolá-lo segurando suas mãos. Felizmente, ao tomarem conhecimento do fato, ele foi conduzido em um carro, com todas as honras que ele merecia. O octagenário Manequinha, que nasceu no mesmo dia que meu pai Almerindo (in memoriam), 14 de julho, partiria poucos meses depois...
Em sua homenagem, no dia 20 de julho do mesmo ano, escrevi a crônica “Tributo ao Cidadão Manoel Rosa”, e em 2009 foi reproduzido no livro Crescendo com a Nossa História, distribuído aos estudantes do Fundamental da rede municipal de ensino de Jaraguá do Sul. Mais tar - de, o mesmo texto foi reproduzido também em banner do Movimento da Consciência Negra de Jaraguá do Sul (Moconevi). A lembrança do carismático e inigualável Manequinha surgiu em meio às imagens coloridas e brilhantes do carnaval. Com certeza, de onde ele está, deve estar sambando, batucando e cantando com a Velha Guarda carnavalesca. Que o legado de Mestre Manequinha permaneça na História, na memória e no coração dos que o conheceram!
Vou Sair Por A
ernA PI dner - iPatinGa, MG vou sair por aí a jogar bola bater peteca e ser criança e ser sapeca. vou sair por aí por essa vida vida vadia a dar gritinhos de alegria. vou sair por aí sem lenço e sem documento olhar o mundo com novo alento. vou sair por aí sentindo a brisa a me acariciar e vendo o sol outra vez brilhar. vou sair por aí e quando à noitinha eu voltar não mais a tristeza irá me encontrar.
Ando A Ler Um Dicion Rio
José e duA rdo
AguALusA - PortUGa L
Há poucos dias, na Feira do Livro de Lisboa, um homem parou diante de mim, e depois de me cumprimentar apresentou-me o filho, um menino dos seus onze anos: “Este é o António. Diga-lhe alguma coisa que o faça ler. Lá em casa todos nós temos a paixão pelos livros, há livros em toda parte, mas ele não se interessa por nenhum. O que fazer?”
Tentei, um tanto assustado, fugir ao desafio. Dei uma resposta qualquer, evasiva, mas depois que eles se foram embora pus-me a pensar naquilo. Como foi que eu próprio descobri a literatura? Devia ter a idade do António quando encontrei na biblioteca dos meus pais uma belíssima enciclopédia ilustrada, do início do século vinte, em dois volumes. Procurava-se a palavra “aves”, por exemplo, e havia uma ou duas páginas com preciosas estampas coloridas de aves de todo o mundo. Tinha, além disso, imensas mulheres nuas — um deslumbramento!
Lembro-me em particular da famosa tela de Rubens, “O Julgamento de Paris”, talvez o primeiro concurso de misses de que há notícia. Paris, Príncipe de Tróia, tem de decidir quem é a mais bela: Hera, Atena ou Afrodite. São três mocetonas bem nutridas, três deusas clássicas, de rijas e luminosas carnes brancas. A bem dizer foi por causa das mulheres que eu me apaixonei pe - los livros. Descobri que por detrás daquelas imagens, por detrás de cada mulher, mais ou menos despida, havia um enredo, e passei a interessar-me por essas histórias.
Nunca mais deixei de ler. Leio de tudo um pouco, romances, ensaios, poesia, e, é claro, continuo a interessar-me por enciclopédias e dicionários. Gosto particularmente de ler dicionários. A minha última paixão, em matéria de dicionários, chama-se Houaiss. Esperei por ele uns bons seis anos. Sempre que ia a uma bienal do livro, no Rio de Janeiro ou em São Paulo, perguntava pelo Houaiss. “Sai para o ano”, respondiam-me imperturbáveis os responsáveis pelo projecto, e, para manterem aceso o meu interesse, agitavam factos e números: mais de 228 mil verbetes, extensos grupos de sinónimos e antónimos, levantamentos de homónimos, parónimos, colectivos, informações de gramática e uso, bem como da origem de cada palavra; é o primeiro dicionário a registar a data em que a palavra entrou na língua, etc. e tal. Finalmente, há alguns meses, o embaixador do Brasil em Berlim, Roberto Abdenur, ofereceu-me um exemplar (três quilos e seiscentos gramas em papel bíblia!), e pude assim confirmar a justeza da publicidade. Mais recentemente pedi a uma amiga que me enviasse, de São Paulo, a versão electrónica do Houaiss. Não me desiludiu.
Conheci o António Houaiss há muitos anos, numa ocasião em que veio a Lisboa defender o Acordo Ortográfi - co. Fiquei imediatamente seduzido pelo esplendor do seu português, o rigor, a riqueza, o entusiasmo com que aquele frágil velhinho carioca, filho de imigrantes libaneses, falava a nossa língua. Ouvir o António Houaiss discursar era uma alegria para a alma. Lembro-me de Natália Correia (a falta que ela faz a Portugal!), aos gritos, numa das salas da Assembleia da República: “Ajoelhem-se! Ajoelhem-se diante da erudição deste homem! Aprendam como se fala a nossa língua!”
O dicionário em que António Houaiss trabalhou durante tantos anos, e que acabou por ser concluído, com o apoio de uma vasta equipa de especialistas, brasileiros, portugueses e africanos, já após a morte do seu mentor, é o me - lhor monumento à memória do grande lexicógrafo. Por incrível que pareça, porém, não vi na Feira do Livro nenhum exemplar à venda — e refiro-me à edição brasileira, da Editora Objetiva, porque (ó escândalo!) não existe ainda uma versão portuguesa. O velho Houaiss teria sabido, certamente, o que dizer ao outro António, de onze anos, de forma a cativá-lo para a literatura. O que quer que ele dissesse parecia ser sempre novo. As palavras saíam-lhe dos lábios vigorosas e polidas, a brilhar, como se tivessem sido estreadas naquele mesmo instante. Suspeito que o pequeno António iria à procura dos livros, depois de ouvir António Houaiss, apenas no afã de descobrir neles, uma outra vez, a luz da nossa língua.