Olhar da Fortaleza

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O Olhar da Fortaleza



O Olhar da Fortaleza

Autobiografia de Lucia Borges Maggi

Por Ana Bustamante


O Olhar da Fortaleza 2ª Edição Mato Grosso - 2012 Bustamante, Ana O Olhar da Fortaleza / Ana Bustamante – 2. Ed. – Mato Grosso: 2012 Revisão: Margarida Domingos Projeto gráfico e diagramação: Edson Cintra Capa: Edson Cintra Impressão e acabamento: Midiograf Gráfica e Editora


Dedicat贸ria

Dedico este livro a toda minha fam铆lia. Lucia Borges Maggi



Prefácio

Quando surgiu a ideia de procurar um profissional para escrever a história de vida do meu pai, em março de 2007, reunimos a equipe do departamento de Comunicação do Grupo André Maggi para estruturarmos o projeto. Então foi nesta reunião de planejamento que a vontade de ver publicado também um livro da mãe, mostrando a versão dela sobre a história da nossa família, começou a aflorar dentro de mim. Considerei que seria muito interessante termos registrada a visão da matriarca da família, que teve um papel fundamental na história familiar e empresarial em que estamos todos inseridos. Minhas irmãs foram adeptas da idéia e, a partir daí, tudo aconteceu muito rápido. Na mesma semana após a reunião, a Ana Bustamante, que na época coordenava o departamento, se mostrou interessada em ser a escritora desta história e resolvemos apostar neste trabalho. O projeto foi um grande sucesso e, mesmo não sendo uma obra comercial, foi muito bem aceita. Muitos amigos, parceiros e colegas nos procuraram para obter uma cópia do livro. O interesse na história da nossa família nos deixou felizes e decidimos partir agora para a segunda edição de “Olhar da Fortaleza”. A Dona Lucia, inúmeras vezes, foi quem definiu o rumo da nossa família; por isso, eu a vejo como uma grande líder. No começo dos tempos difíceis em São Miguel do Iguaçu, no Paraná, quando a cidade ainda era um lugarejo chamado Gaúcha, foi ela quem não deixou o pai desistir e voltar para o Rio Grande do Sul, e considero este como o grande marco da nossa história, no qual a mãe foi a personagem principal. Quando eu quis abandonar meus estudos, por duas ve-


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zes, uma no colegial e outra na faculdade de Agronomia, foi ela também que impediu e me colocou na linha, mostrando o quanto era importante ter uma profissão. Hoje penso que se ela tivesse concordado em voltar para Torres (RS), quando o pai esmoreceu, sendo submissa, a nossa vida teria sido o oposto do que é hoje. E no meu caso, se a mãe tivesse permitido que eu abandonasse os estudos, talvez não tivesse me tornado empresário, governador de Mato Grosso e senador da República. Imortalizar a história da nossa família, através do olhar de minha mãe, é fazer com que nossos filhos, netos, bisnetos e quem mais vier tenha a oportunidade de saber detalhes de como foi a nossa infância, como tudo começou, as dificuldades, conquistas, alegrias e tristezas que passamos. E, quem sabe, assim, as futuras gerações, conhecendo os princípios estampados nessa história, mantenham acesa a chama de empreendedorismo e respeito pelas pessoas, que foram tão presentes na vida do Sr. André e da Dona Lucia Borges Maggi, orgulhosamente, meu pai e minha mãe.

Blairo Borges Maggi


Sumário

ESCOLHAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 RAÍZES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 FORMAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 ANDRÉ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 COMEÇO DIFÍCIL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 VIDA NOVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 FAMÍLIA COMPLETA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 AMIZADES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 AUTONOMIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 INDEPENDÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 MAIORIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .125 TERCEIRA GERAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 NOVAS FRONTEIRAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .173 SUSTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .189 DOR E SOLIDÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .207 NOVOS RUMOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. .219 RECOMEÇO . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .225 POSTERIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .235



ESCOLHAS



Escolhas

Nossa vida é pautada por escolhas, umas mais simples, que podem não fazer diferença em nosso cotidiano e outras que tem o incrível poder de mudar completamente o rumo de uma história. André, meu marido, andava muito quieto nas últimas semanas, conversava pouco, estava triste e preocupado. Este não era seu estado natural, fiquei angustiada por ver meu marido, sempre corajoso e confiante, passar as noites em claro, sem conseguir encontrar soluções para os problemas. Novembro de 1955. Estes foram tempos muito difíceis, André estava aflito, o trabalho não estava indo bem e tínhamos passado por um grande susto com a doença da nossa segunda filha, a Marli, que quase morreu vítima de uma meningite. Ela tinha um ano e meio, e eu estava grávida de dois meses do terceiro filho. Estávamos morando em São Miguel do Iguaçu, no Paraná, há 20 dias. Nesta época São Miguel era um distrito de Foz do Iguaçu e era conhecido como Gaúcha. Era a primeira vez que morávamos sozinhos com nossos filhos. Desde que eu e o André nos casamos moramos de favor na casa de minha irmã e depois com minha mãe. André estava trabalhando de empregado numa serraria, e devido a tantas dificuldades, o estímulo, tão presente em seus dias, foi se evaporando. Há dias não se expressava, eu estava percebendo que ele queria desabafar, mas não encontrava jeito para isso. Até que no fim de um dia de trabalho, me lembro como se fosse hoje, André chegou em casa pálido, parecia amargurado e pronto a tomar alguma atitude. Ele me olhou longamente e naquele exato momento meu coração pressentiu que aquela não seria uma conversa fácil. – Lucia - Respirou fundo, com a voz embargada. – Venha até

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Escolhas

aqui, preciso comunicar uma coisa importante para você. Deixei de lado meus afazeres e fui depressa para perto dele. – Pode falar, André, o que foi? – Lucia, tomei uma decisão. As coisas não estão fáceis para nós, a doença da Marli me deixou muito preocupado, não sei se fizemos certo de ter deixado Torres. – Como assim André? Que decisão é esta? – Nesta altura da conversa pressenti que aquele seria um momento decisivo em nossas vidas. Meu marido não estava em seu estado habitual, e procurei respirar, fundo e pausadamente, para melhor manter a calma. – Vamos voltar para Três Cachoeiras, Lucia. Não vejo outra solução. Sinto muito. Amanhã vamos botar as coisas em cima do caminhão e vamos embora. Neste momento várias coisas me vieram à lembrança; neste curtíssimo espaço de tempo entre uma respiração e outra, lembrei de todas as dificuldades que enfrentamos até aquele dia. Apesar do susto com a Marli, eu estava feliz de finalmente poder ter minha casa, sonhava com isso já há muitos anos e sabia que voltar para Torres significava ter que morar de novo de favor na casa dos outros. André foi dormir e eu chorei a noite toda. Rezei. Fiz promessas. Tinha muitas esperanças que nossa vida iria melhorar, e não me conformava em ter que voltar para Torres e abandonar nossos sonhos de prosperidade. Quando o dia clareou meus olhos estavam inchados de tanto chorar. André acordou e já percebeu que eu não estava bem. Subitamente fui invadida por uma confiança e pela certeza que não era isso que Deus queria para nós, então me enchi de coragem e disse a ele:

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Escolhas

– André, até aqui vim com você, mas daqui só vou para frente. Voltar, jamais. Ele ficou calado me olhando por longos minutos e por fim concordou. Ficamos em Gaúcha e a partir daí nossa história se fortaleceu, e nunca mais ousamos abandonar nossos sonhos. Hoje, penso que as razões que me levaram a não querer voltar para Três Cachoeiras deram o norte à nossa vida. A minha história de vida até chegar ali, a vontade do André de crescer, o nosso empenho em trabalhar e enfrentar desafios. Simplesmente eu não podia desistir e nem deixar que ele desistisse. Neste mesmo dia, depois que André concordou em ficar, passei muito tempo lembrando de todas as coisas boas e ruins que tinham acontecido na minha vida. Comecei lembrando do meu pai.

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RAÍZES



Raízes

Tenho poucas recordações do meu pai, Jacob Francisco Borges. Eu tinha cinco anos quando ele morreu, em três de dezembro de 1937, vítima de febre do tifo. Sou a terceira filha de uma família de quatro irmãos. Quando meu pai faleceu, minha irmã mais velha, Maria Borges Maggi, tinha 11 anos, o irmão mais velho, Francisco Jacob Borges, tinha 7 e o pequeno José Jacob Borges, que a gente chamou a vida toda de Nenê, um ano e oito meses. Minha mãe, Carolina Maria Borges, nos criou sozinha e nunca quis saber de se casar novamente, pois dizia que para ela homem nenhum importava e que os filhos eram sua grande razão de viver. Conheço meu pai através das lembranças de minha mãe; ela dizia que ele era um homem muito trabalhador e que era caprichoso em tudo que fazia. Pude comprovar isso à medida que fui crescendo e observando a preocupação dele em transformar nossa casa em um lugar bonito. Ele plantou vários coqueiros, todos enfileirados, e fez sozinho, uma mureta de pedra em volta de todo o terreno onde ficava a casa. A mãe contava que para arrancar aquelas pedras que ficavam espalhadas nos morros da nossa propriedade, o pai acordava de madrugada e saía com a picareta em busca das pedras nos locais que marcava durante o dia. Ele fazia este trabalho de madrugada, porque quando o dia clareasse tinha que ir pra roça. E ficou um trabalho muito bonito, que valorizou o terreno onde ficava nossa casa. A casa onde eu nasci era de material, e uns anos depois meu pai comprou outro terreno ao lado, onde tinha uma casa de madeira que passamos a morar. Até hoje não sei por que minha mãe quis se mudar da primeira casa, porque a casa de madeira era pequena e bem rústica, inferior à casa de material.

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Raízes

Mas foi ali que nos criamos e onde meu pai acabou morrendo, muito jovem, com apenas 37 anos. Minha mãe ficou viúva com 34 anos. Eu guardo até hoje a lembrança do dia em que meu pai morreu, minha mãe chorando muito na varanda da nossa casa, comigo e meus irmãos ao seu redor. Por incrível que pareça, tenho também uma lembrança dele vivo, me carregando no colo por uma estrada. Durante o trajeto tinha um córrego que atravessava a estrada, e meu pai pulou a valeta comigo no colo; no momento em que ele pulou, tinha uma caixa de fósforos no seu bolso, e o barulho da caixa de fósforo ficou registrado na minha memória. Eu tinha apenas três anos, e sempre que penso no meu pai esta cena e o barulho do fósforo me vêm na cabeça. Engraçado como estas lembranças permaneceram vivas até hoje na minha mente. A morte do meu pai aconteceu de uma forma muito rápida, ele ficou doente apenas uma semana. Naquela época não tinha recursos como hoje, remédios, médicos e hospitais. Quem cuidava dos doentes da região era o Sr. Inácio Ferreira, que era nosso vizinho e tinha muito jeito com plantas medicinais. Logo que meu pai começou com a febre alta o Sr. Inácio foi medicá-lo e advertiu a todos que ele não podia comer nenhum tipo de doce. Mas uns dias depois recebemos a visita da tia Nica Borges, irmã do pai, que trouxe uma goiabada e resolveu fazer um chá para ele, porque tinha ouvido falar que era bom. Minha mãe ainda tentou impedir, contando sobre a advertência do Sr. Inácio, mas a tia logo retrucou: – Imagina que isso vai fazer mal. É bom para fortificar, ele precisa se alimentar.

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Aí fizeram o tal do chá e em pouco tempo ele começou a passar mal. Foi um corre-corre e alguém chamou de novo Sr. Inácio, que ficou muito bravo e já chegou dizendo: – Jacob, você está morto! E passou três dias e ele morreu mesmo. Depois da morte do pai, eu e meus irmãos ficamos morando com nossa mãe e a tia Amélia Schardosim, irmã mais velha da mãe. Continuamos morando no sítio onde vivemos com o pai, que se localizava num pequeno lugarejo chamado Lajeadinho, que fica há 27 km da cidade de Torres, no Rio Grande do Sul. Tia Amélia morava com a gente desde quando eu tinha 3 anos, meus avós, José Schardosim e Maria Evalter Schardosim, morreram, e ela não tinha para onde ir, então veio morar com a gente. Ela sempre ajudou muito nossa família, principalmente depois que ficamos sem a figura do chefe da família. Ela foi muito presente em nossa vida, tanto que em todas as datas comemorativas do Dias das Mães eu e meus irmãos dávamos presentes para ela também, para demonstrar a consideração e o carinho que tínhamos por ela. Depois que meu pai faleceu foi feito um inventário, e cada filho ficou com 11 hectares de terra, que minha mãe administrou com muita garra e competência. Era um sítio pequeno, muito simples. A casa tinha três quartos, no primeiro dormia a mãe e a tia Amélia, no segundo eu e a Maria, e no terceiro os meninos. Depois com o tempo minha mãe ampliou a casa e construiu uma varanda muito gostosa e uma cozinha maior para o lado de fora. A casa ficou mais bonita, simples, mas bonita. Minha mãe não tinha tempo de pensar em embelezar a casa, porque trabalhava na roça

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todos os dias. Então eu plantei umas roseiras em volta de umas pedras que ficavam em frente à varanda e cuidava delas, isso quando dava tempo, porque tinha muitas obrigações. Eu gostava também de plantar flores em vasinhos para colocar dentro de casa. Naquele tempo não tinha floricultura, quem quisesse enfeitar onde morava tinha que tratar de arranjar mudas, plantar e cuidar das plantinhas. Quando lembro da nossa casinha, consigo sentir a sensação de como era nossa vida, de como ficávamos horas na varanda conversando, no final do dia. Apesar de todas as dificuldades, fomos muito felizes. Além de cuidar dos filhos, minha mãe era quem cuidava da lavoura de banana e de cana, que era o sustento da nossa família e, como não tinha como pagar empregados, nos ensinou a trabalhar para ajudá-la a cuidar da plantação. Nós capinávamos a lavoura de cana, de sol a sol, e ainda ajudávamos na colheita. Depois amarrávamos os feixes de cana com cipós, improvisávamos umas alças e dali carregávamos o peso até o carro de boi, que transportava a cana para o engenho, onde era produzido o açúcar mascavo, que minha mãe vendia. Isso tudo, com a ajuda também da tia Amélia. Minha mãe contava que no ano em que meu pai morreu, ela, tia Amélia e dois empregados conseguiram produzir 160 sacas de 50 kg de açúcar. A mãe era de uma família muito humilde. Muitas vezes, nos contava que ela e os sete irmãos passavam fome. Ela dizia que eram muito pobres, mas muito alegres, uma família muito divertida, que gostavam muito de ir a bailes. Quando ela casou-se com meu pai, ele tinha melhores condições financeiras que ela. Minha mãe não estudou, era analfabeta. Naquela época as mu-

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lheres não freqüentavam escolas. Os meninos cujos pais tinham dinheiro eram alfabetizados. Quem não tinha condições, não estudava. Mas, mesmo sem estudar, minha mãe era muito inteligente e soube administrar muito bem as coisas que o meu pai deixou: as lavouras de banana, de cana e o engenho de açúcar. Quando o pai morreu minha mãe não conhecia o dinheiro, então no começo ela teve muitas dificuldades para saber o quanto valia cada nota e tudo que fosse relacionado com isso. Quando vivo, era o pai quem cuidava da parte financeira, então ela nunca se preocupou, por isso pediu a ajuda de um irmão para ensiná-la a conhecer o dinheiro. Esse meu tio, que se chamava Renato Schardosim, começou a observar como ela fazia. Naquele tempo, os homens usavam uma espécie de bolsa na cintura para guardar o dinheiro, conhecida como “guaiaca”. Minha mãe tinha uma bolsa daquela e quando um cliente aparecia em casa para comprar bananas, ela dava a bolsa para a pessoa pegar o troco. Olha só, coitada! Vai saber se não foi enganada! Aí, quando o meu tio viu isso, ele disse: – Tu não pode fazer isto. Se for uma pessoa de má-fé leva o seu dinheiro todo embora. Vou te ensinar a conhecer os números. Então meu tio começou a ensinar para minha mãe tudo do zero, cada número. Ele pegava um monte de bolinhas, fazia grupos e ensinava ela a contar. Depois que ela conheceu os números é que ele passou a ensinar sobre o dinheiro. E não é que ela pegou rápido o ensinamento e foi uma ótima comerciante? Em casa, a família toda trabalhava. Quando eu não ia ajudar na roça ficava cuidando do meu irmão menor, que tinha apenas três

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anos e meio a menos que eu, para a mãe ir para a lida. O Nenê era muito sapeca, e aonde ele ia, eu tinha que sair correndo atrás, me dava um trabalho danado. Depois que ele ficou maiorzinho também ia para a roça com a gente. Teve uma época que a mãe resolveu aumentar a lavoura de banana, e nós quatro, firmes, ajudando a nossa “heroína”. Nós capinávamos o bananal, carregávamos os cachos de banana pesados até a parte mais baixa da estrada, pois o carro de boi quando chovia não subia o morro. Para quem olhava aquele morro enlamaçado, com certeza, pensava que era impossível subir. Mas nós subíamos. Às vezes, a gente caía e rolava morro abaixo com o cacho de banana, que na maioria das vezes era até maior que nós. Era barro, banana e criança para todos os lados! No fundo, estes pequenos incidentes eram encarados por nós até como diversão. Apesar de sermos todos crianças, lidávamos constantemente com o trabalho e aprendemos desde cedo a ter muita responsabilidade. A produção de banana do sítio era levada de carro de boi para o porto que ficava na lagoa de Itapeva, onde os produtos eram transportados até Osório, que seguiam para serem comercializados em Porto Alegre. A mãe foi uma mulher muito corajosa; mesmo com todas as dificuldades nunca vendeu nenhum pedaço de terra, pelo contrário, conseguiu comprar mais terra e aumentar a propriedade. Um exemplo de fortaleza. Trabalhou muito, assumiu completamente o papel de chefe de família e conseguiu nos criar com toda dignidade. A grande lembrança que carrego da minha mãe é que, mesmo com tantas dificuldades que enfrentou na vida, nunca foi uma mulher com o coração endurecido. Ela era extremamente carinhosa co-

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migo e com meus irmãos e queria sempre, dentro do que era possível, dar tudo do bom e do melhor para nós. E depois que todos nós nos casamos e seguimos nossa vida formando nossas próprias famílias, mamãe continuou com o mesmo carinho com os netos e bisnetos. Tanto que os meninos da Rosângela, minha terceira filha, vinham de Curitiba e antes de entrarem na minha casa, atravessavam a rua e iam correndo na casa da minha mãe para ganharem balas e doces. Quando finalmente chegavam para me ver, eu dizia pra eles que na minha casa também tinha bala, mas eles logo me olhavam e diziam que “a balinha na casa da Dinha é mais doce”. Era doce de tanto amor que ela tinha por eles e por todas as pessoas da nossa grande família. Quando minha mãe ficou velhinha e não conseguia mais cozinhar, já em São Miguel, eu levava todos os dias almoço para ela. Nossa casa ficava uma de frente para outra. Eu sabia bem o que ela gostava de comer e preparava seus cardápios preferidos, e toda vez, quando ela me via chegar, já dizia com a voz fraquinha: – Ah, minha filha, eu estou rezando, rezo todos os dias, para que no dia que tu ficar velha também, que tenha uma filha que faça para ti o que fazes por mim hoje. E graças às preces dela eu consegui ter, não uma, mas todos os filhos que fazem para mim o mesmo que fiz pela minha mãe. Ela morreu quietinha, em casa, com 91 anos, no dia 18 de agosto de 1995. É incrível como sempre achamos que estamos preparados para perdas, mas quando chega na hora da morte é que percebe-

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mos que esta dor é imprevisível e que nunca estamos preparados de verdade. Foi muito difícil perder a minha mãe, porque ela foi muito importante na minha vida e de meus irmãos. O mais dolorido veio nos dias que sucederam sua morte, pois todos os dias eu saia da minha casa e via a casa fechada da minha mãe, sem vida, abandonada. A casa, por si, anunciava sua eterna partida. A dor da perda ficou um pouco mais amena quando eu e meus irmãos decidimos alugar o imóvel, aí só de ver a casa aberta, com movimento de pessoas, eu já ficava com o coração mais aliviado. Eu fiquei com muitas saudades, mas sem um pingo de remorso, porque eu fiz para minha mãe tudo que eu podia fazer. E sei que ela também fez por nós o que podia, trabalhou sozinha na lavoura para nos sustentar quando pequenos e, mesmo com tantas dificuldades, conseguiu dar uma infância boa pra gente.

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Raízes

Meu pai, Jacob Francisco Borges

Minha mãe, Carolina Maria Borges

Minha mãe e seus olhos infinitamente azuis

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Raízes

Meus irmãos Maria e Francisco

Meu irmão caçula, José (Nenê), já falecido

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Raízes

Local onde ficava nossa primeira casa em Lajeadinho, que não existe mais

Ruína da mureta de pedra que meu pai construiu sozinho em Lajeadinho

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FORMAÇÃO



Formação

Minha mãe sempre fez questão que todos nós estudássemos. Iniciei o primário em 1940, com oito anos, em uma escola muito pequena no Lajeadinho, do sítio até lá ficava uns três quilômetros, e eu ia a pé. Quando tinha 11 anos, deixei o sítio para estudar em Morro Azul e, como era em outro distrito e ficava mais distante de Lajeadinho, tive que ir morar na casa de uns amigos da minha mãe para estudar em um Grupo Escolar. Eles se chamavam Laura Maggi e Ambrósio Maggi, e eu, carinhosamente, os chamava de tia e tio, sem saber que um dia realmente eles seriam meus parentes. A família deles era pequena, tinham um casal de filhos, o menino, filho legítimo, Nadir Maggi, que morava em Porto Alegre para estudar, e a filha se chamava Onira Maggi, que era uma sobrinha da tia Laura que ela tinha como filha. Quando me mudei para lá, a Onira foi para Porto Alegre aprender corte e costura, e eu fiquei morando sozinha com tia Laura e tio Ambrósio. Adapteime fácil à nova situação pois eles foram muito bons para mim. Eu me dava muito bem com toda família e todos gostavam de mim, pois nunca fui de responder, fazer má-criação; pelo contrário, ajudava tia Laura nos afazeres da casa e também na lavoura, que era o sustento da família, juntamente com a criação de gado e a comercialização dos produtos do sítio. Eu estudava de manhã e na parte da tarde ficava disponível para colaborar no que fosse preciso. Fazia um pouco de tudo, cortava cana para alimentar o gado, tirava leite, recolhia os ovos das galinhas, ia para o paiol descascar e debulhar o milho e ajudava a fazer queijos e doces. Eu não gostava de ficar parada enquanto eles trabalhavam, então sempre arrumava algum jeito de ajudá-los; isso pra mim era im-

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portante, era uma maneira de retribuir o bem que eles me faziam. Quando eu terminava alguma tarefa, ficava torcendo para eles me pedirem para fazer outra coisa logo, porque não gostava de ficar à toa, isso me incomodava. Eu gostava muito de ficar em casa; as outras meninas da minha idade gostavam de se arrumar, ir até a praça com as amigas. Eu não era vaidosa, nem me lembro do primeiro baile em que fui, isso não ficou marcado. As lembranças mais fortes que tenho da minha infância e da juventude dizem respeito a trabalho, disso eu nunca me esqueço. Naquele tempo era normal uma criança trabalhar, hoje em dia isso seria uma tortura, mas para a gente era normal e fomos muito felizes, trabalhar não era um peso para nós. Na escola minha turma era pequena. Éramos apenas 13 alunos. Dona Josefina Maggi Boff foi a minha primeira professora no Grupo Escolar Joaquim Pereira Porto, de Morro Azul, uma pessoa muito boa, que eu nunca me esqueci. No segundo ano, quem me deu aulas foi a filha dela, a professora Ziza Maggi Boff. Dona Josefina voltou a lecionar para minha turma no terceiro e quarto ano. No quinto ano, tivemos aula com uma professora formada que vinha de Porto Alegre para lecionar, inclusive ela era diretora da escola; o nome dela era Dona Teresa Carvalho, outra também que eu nunca me esqueci, mas por outro motivo: ela me perseguia tanto que reprovei no último ano, prestes a me formar. Naquele tempo, quem se formava no quinto ano já podia ser professor, e os alunos ficavam muito ansiosos para se saírem bem no último ano. Fiquei aborrecida com a reprovação. Nunca soube por que Dona Teresa não gostava de mim. Mas o que me consolou é que

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mais cinco alunos, daquela pequena turma de 13 estudantes, também reprovaram. Então o problema não era somente comigo. Minha mãe não queria que eu desistisse dos estudos, mas mesmo assim voltei para casa. Quando voltei para Lajeadinho, sem o sonhado diploma nas mãos, havia chegado no Grupo Escolar a professora Vera Lúcia da Cunha Ladeira, também de Porto Alegre. A vinda desta professora reacendeu minhas esperanças de me formar. A professora Vera Lúcia era minha amiga de longa data e deu a oportunidade para mim e outra colega de fazermos o quinto ano novamente, ali mesmo no Grupo Escolar em Lajeadinho. Desta forma, voltei a morar com minha mãe e meus irmãos e tive de volta também à antiga rotina de estudar de manhã e trabalhar no período da tarde. Com quinze anos eu lavava a roupa de toda família. Hoje em dia uma menina com 15 anos tem responsabilidades muito diferentes. Meu Deus! Como era diferente naquela época! Trabalhar era nosso passatempo, nunca tivemos brinquedos, divertimentos, passeios com a família. Nossa infância toda se passou assim, com muito trabalho. Mas, mesmo com tanto trabalho, peguei firme nos estudos. No quinto ano havia um exame final temido por todos os alunos; esta prova decidia nosso destino de estudantes. Quem perdesse a prova final, seja lá por qual motivo, era automaticamente reprovado. Foi aí que vi meu sonho desfeito. Nesta época eu estava com 16 anos. Numa tarde do mês de outubro de 1948, estava em casa e comecei a passar mal, uma dor insuportável na barriga quase me tirava o ar. Minha mãe, apavorada, me

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colocou em cima de um cavalo e me levou para o hospital mais próximo, em Três Cachoeiras. Fui me segurando no cavalo do jeito que pude, na minha barriga foi se formando um caroço que parecia crescer à medida que o trote do cavalo se descompassava, e até hoje não sei como agüentei tanta dor. No hospital, o médico que me examinou, Dr. Rubens Paim Cruz, mandou chamar meu cunhado João Maggi, casado com a Maria, para falar sobre meu estado de saúde. Ele ficou preocupado em chamar a minha mãe, pois sabia de todo seu histórico de sofrimento: viúva, cuidando dos filhos sozinha, enfim... resolveu poupá-la. Meu estado de saúde, segundo o Dr. Rubens, era grave: apendicite. Foi preciso fazer uma cirurgia de urgência, e meu cunhado foi alertado que existia um forte risco de morte naquela operação. Na ocasião o hospital ainda estava sendo construído, apenas a sala de cirurgia estava montada, e fui operada ali mesmo, em meio às construções. Durante o período de recuperação Dr. Paim me levou para a casa dele, pois os quartos do hospital não estavam prontos. Fiquei hospedada no quarto da filha do doutor. Minha mãe não pôde ficar comigo, então o médico e sua esposa cuidaram de mim. Lembro-me que desde que saí da cirurgia eu tinha muita sede, por causa das constantes febres, e o médico me proibiu de tomar água. Foi aí que fiz uma peraltice que quase me custou a vida. Eu tinha que ficar constantemente com uma bolsa de água fria sobre a cirurgia e num determinado momento em que me deixaram sozinha, não agüentei; a sede me cortava por dentro, e foi aí que tive a idéia de beber a água que estava dentro da bolsa. Tomei e tomei com gosto, enchi a barriga daquele líquido gelado.

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Apesar de naquele momento ter sido uma sensação ótima, passei muito mal depois e tive que sofrer sozinha, sem contar para ninguém, nem para minha mãe. Depois tentei roubar mais uns goles da bolsa de água, mas não tive mais sucesso, tive que desistir da arte, porque não conseguia ficar mais sozinha. Ainda bem que não aconteceu nada pior! Hoje tenho consciência que poderia ter morrido. Depois de ter melhorado, fiquei uma temporada ainda na casa da minha irmã para me recuperar melhor e, após alguns dias, sofri mais um bocado. A cirurgia abriu e tive que voltar novamente para o hospital para fazer curativo, fomos eu e a Maria de carro de boi. Olha só, eu com a cirurgia aberta andando de carro de boi, só por Deus mesmo que consegui escapar dessa! Passei o mês de novembro indo todos os dias ao hospital para fazer curativos. E quando fiquei boa e retornei para Lajeadinho, já tinha passado o exame final do quinto ano. Perdi o exame e também a vontade de me formar.

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ANDRÉ



André

A vida nos traz pessoas em caixas de surpresas misteriosas. Quando conheci o André jamais imaginei que seria o homem da minha vida, que me daria uma família maravilhosa e numerosa e que ocuparia tamanho espaço no meu coração. Aquele menino magro, muito alto, com os olhos de um azul profundo, falava pouco e estava sempre fazendo alguma coisa; quando não estava trabalhando alguma atividade inventava para fazer, nunca parava quieto. André era sobrinho do meu cunhado João Maggi, esposo da Maria, minha irmã mais velha. O conheci em 1945, logo que os dois se casaram. Junto com a Maria e o João, morava também o nono André (André Antonio Maggi), pai do João e avô do André. Eu tinha 12 anos na época, e todas as vezes que ia à casa da minha irmã, o André estava lá. Nesta época a idéia de namorá-lo nem passava pela minha cabeça. Aos 15 anos, tive meu primeiro namorado, era um namorico de criança. O moço se chamava Jordário Scheffer, morava perto da minha casa e era o filho de uma grande amiga da minha mãe, e sendo assim o namoro foi permitido por ambas as famílias. Era mais uma amizade do que namoro, nós apenas conversávamos, naquela época não podia nem pegar na mão. O namoro durou poucos meses. Quando comecei a namorar o Jordário, o André começou a prestar atenção em mim, e foi aí que começou a se interessar e querer me namorar também. Era uma situação muito nova e fiquei muito confusa, de um lado o Jordário que era o namorado e que já tinha a aprovação da minha mãe, e do outro lado o André, que mandava recados através da Maria, fazendo pressão para que eu largasse do Jordário pra ficar com ele. Na verdade não

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queria namorar nenhum dos dois, achava que eu era muito nova pra essas coisas. Mas o André não se conformou, falou com meu irmão, com minha mãe, fez que fez que acabei terminando o namoro. Por pura pressão. Ficamos em torno de um ano namorando, mas constantemente eu tinha a sensação de que eu era muito nova e que não era hora para aquilo. Eu não gostava do André e mantinha o namoro mais por causa da família, que fazia muito gosto daquele relacionamento. Mas eu não estava feliz, então tomei coragem e terminei o namoro. A família ficou um pouco chateada, mas entendeu. Ele ficou triste e disse que ainda ia me conquistar. Depois deste episódio, fui novamente morar com a tia Laura em Morro Azul, para fazer um curso de corte e costura, pois minha mãe comprou uma máquina de costura e insistiu para que eu e a Maria aprendêssemos a fazer as nossas próprias roupas. Fiquei durante seis meses aprendendo a costurar e após o aprendizado concluído voltei pra casa. No meu aniversário de 17 anos minha mãe me deu uma colcha de presente e disse que a partir dali íamos começar a fazer meu enxoval. Foi aí que comecei a praticar os ensinamentos do curso de corte e costura e, como naquele tempo toda moça de família deveria ter seu enxoval para estar apta para o casamento, eu mesma comecei a bordar meu enxoval. Naquele tempo não se comprava nada, todas as peças do enxoval tinham que ser fabricadas artesanalmente. Só para se ter uma idéia, as toalhas de banho eram feitas de saco de açúcar, e tínhamos muito orgulho das peças serem produzidas por nós mesmas. Até

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hoje tenho o meu primeiro lençol de casamento, feito por mim há 57 anos atrás, e guardo com muito carinho, pois este lençol é a lembrança viva de uma história de vida e de amor. Neste meio tempo, depois de tanta insistência, acabei reatando o namoro com o André. Ele ficou muito feliz e logo veio falando de casamento, mas eu mais do que depressa fiz questão de deixar claro que não queria casar assim tão cedo, mesmo porque meu enxoval ainda não estava pronto. Então, ele aceitou, e continuamos namorando, mas ele nunca perdia a oportunidade de falar sobre casamento, com a intenção de que aos poucos eu me acostumasse com a idéia. Naquela época o namoro era muito diferente dos tempos de hoje; as pessoas tinham muito tempo para se conhecerem, porque praticamente só conversavam, nem pegar na mão não era permitido, imagine isso hoje, seria um absurdo. A base do namoro era o respeito, por isso o homem nunca avançava o sinal, a não ser que a moça fosse moderninha e permitisse ser desrespeitada, o que não era o meu caso. Fui andar de braços dados com o André somente depois que ficamos noivos, quando eu já estava com 18 anos. Certa vez minha mãe me deixou ir a uma festa em Morro Azul junto com o André, mas só deixou porque ia com a gente um casal de amigos, o Antonio Schardosim e a Olga Schardosim, que eram mais velhos e já eram casados. Irmos nós dois sozinhos ela não deixava de jeito nenhum. Fomos cada um em um cavalo. A festa foi muito boa, nos divertimos muito, mas na volta para casa aconteceu um acidente. O meu cavalo era novo e bem magrinho e a barrigueira que prende a sela no corpo do cavalo foi se soltando

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sem que ninguém percebesse. Quando estávamos quase chegando em casa, esta barrigueira escorregou para a virilha do cavalo, que se assustou e começou a pular sem parar. Eu caí e meu pé ficou preso no estribo, e o cavalo me arrastou até a hora que o André conseguiu segurá-lo. A minha memória apagou o acidente que aconteceu naquele dia, o que sei é o que me contaram. André dizia que fiquei muito machucada, rosto, braço, perna e que não quebrei nada por sorte, porque o cavalo pisou várias vezes em cima de mim. Depois que conseguiram me socorrer, me colocaram em cima do cavalo, desacordada, e me levaram para casa. O André contava que foi muito difícil me segurar em cima do cavalo, tiveram que ficar um de cada lado, todos bem rentes ao cavalo que estava me levando, para que eu não caísse novamente. Quando chegaram em casa minha mãe levou um susto. Colocaram-me na cama, e ela cuidou dos meus ferimentos. Fui acordar só de madrugada, sem entender direito as coisas. Quando vi que estava machucada, puxei logo o lençol pra cima de mim pra minha mãe não ver, aí ela se levantou e veio conversar comigo. – Tá melhor Lucia? O que está sentindo? Eu com medo dela me xingar, sem saber que ela já tinha cuidado de mim, disse: – Eu não tenho nada, como assim o que eu tenho? Foi aí que ela me explicou tudo, que eu tinha ido à festa e que na volta tinha caído do cavalo. Aí tentei mexer o pé e não consegui, minha perna e meu pé estavam duros. Eu simplesmente não lembrava de nada. Mas, graças a Deus, me recuperei e não aconteceu nada de mais grave.

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André

Em 1950 minha mãe vendeu nossa propriedade no Lajeadinho e comprou um terreno no Pontal dos Maggi, que também é um lugarejo de Três Cachoeiras. Essa propriedade era de um tio do André. Minha mãe comprou uma parte e o André a outra metade. Então, nos mudamos para lá. Alguns meses depois aconteceu o nosso noivado, em dia 11 de março de 1951, e o casamento um pouco mais de um ano depois, no dia 24 de maio de 1952. Os casamentos daquela época eram feitos em casa, e o nosso também foi desta forma. Lembro-me que o padre Recieri Frederico Delai chegou no sítio da minha mãe na noite anterior ao casamento, pernoitou e de manhã levou eu e André até a igreja para confessar, assistir uma missa e comungar. Depois da missa voltamos para casa, onde foi servido um almoço para a família. Tinha pouca gente. Na sala da casa da minha mãe, naquela tarde chuvosa do dia 24 de maio, aconteceu o casamento. A primeira fotografia da minha vida foi tirada no dia do meu casamento, pelo primo do André, o Toninho Maggi, que era fotógrafo. Na fotografia, eu e André, tão jovens! Guardo o retrato como uma relíquia sagrada. Ele com terno preto, magro, elegante, eu, com o vestido de noiva de cauda que a mãe mandou fazer para mim, me sentindo bonita e feliz. Finalmente André tinha conseguido o que queria tanto: casar-se comigo. Ainda bem que ele insistiu! Eu aprendi a amar o André com o tempo. Ele me conquistou por cada atitude de respeito, pela honestidade, pela atenção comigo, por ser um homem trabalhador e determinado. O amor nasceu e cresceu como jamais imaginaria que fosse possível.

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André

1952 -Três Cachoeiras (RS) - André no cavalo Combate, no ano em que nos casamos

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AndrĂŠ

Quando conheci o AndrĂŠ e nem imaginava que seria meu marido

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AndrĂŠ

24 de maio de 1952 - Foto oficial do nosso casamento

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AndrĂŠ

AndrĂŠ e eu, nos primeiros meses de casados

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AndrĂŠ

O primeiro lençol do meu enxoval, bordado por mim

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COMEÇO DIFÍCIL



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Logo que nos casamos, eu e André fomos morar com a minha irmã Maria, seu marido João e o sogro, o nono André. Aqueles eram tempos difíceis e não tínhamos condições de ter uma casa só para a gente. Moramos com eles durante nove meses e depois fomos morar com minha mãe, no Pontal dos Maggi. Graças a Deus, o André tinha um relacionamento ótimo com minha família, e nunca tivemos problemas de convivência; mas mesmo assim eu me sentia incomodada porque tinha o grande sonho de ter uma casa só para nós. Um mês depois de casada, faltou minha menstruação. Naquele tempo não existia exame de gravidez, pré-natal, não tinha nada disso. Então, a menstruação parou e minha irmã Maria disse: – Se a menstruação pára, está grávida! Em 24 de março de 1953 nasceu nossa primeira filha, Maria de Fátima, dez meses depois do casamento. Até o terceiro mês de gravidez eu passei muito mal com os enjôos, era tudo muito novo para mim, e como era mãe pela primeira vez, fiquei um pouco insegura. O André trabalhava muito e não podia dar uma assistência melhor. Quase todos os dias ele começava a trabalhar antes de amanhecer e só parava tarde da noite. Por sorte, tinha minha mãe sempre por perto, que me tranqüilizava dizendo que estava tudo certo, que gravidez era daquele jeito mesmo. Eu quis ter meu bebê em casa, como todas as mulheres daquele tempo costumavam fazer. Tinha uma senhora bem velha que fazia os partos na região e que morava na roça da minha irmã. Ela se chamava Dona Cota Mattos. Quando comecei a sentir os primeiros sinais, era numa sexta-feira, minha mãe logo chamou Dona Cota, que me examinou e pediu para esperar. Esperei no sábado, no domingo, na se-

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gunda-feira e nada. Na terça-feira resolvemos chamar um médico, o mesmo que fez minha cirurgia de apendicite, que ficava a apenas 3 km da nossa casa. Tinha hospital perto, e eu, boba, querendo ter o nenê em casa. Mas é que tinha um motivo justo: eu queria fazer economia, porque ter filho com médico era mais caro, e a nossa condição financeira era precária naquela época. Mas não teve jeito, o médico me examinou, chamou o André e disse para que não judiassem de mim em casa, eu não tinha dilatação nenhuma, e então pediu para me levarem para o hospital. Fiquei com muito medo. Na terça-feira à tarde, o médico teve que fazer um parto forçado, com fórceps, sem anestesia. Sofri muito, a cabecinha da Fátima foi até cortada no momento do parto. Mas não teve outro jeito. Cesariana, naquela época, era raridade, acontecia apenas em caso de risco de vida. Mas, graças a Deus, deu tudo certo. Passei uma semana no hospital me recuperando e depois voltamos todos para casa com nossa primeira filha, um bebê saudável e que veio ao mundo para nos trazer muita alegria. No momento em que nasceu o bebê, o médico olhou pra mim e disse: – Ela vai se chamar Fátima! E acabei acatando a sugestão. No outro dia, o padre Luis Benine foi em casa ver a menina e disse que se fosse só Fatima ele não batizaria. A condição para que ele batizasse era que a menina se chamasse Maria de Fátima. Naquele tempo, os padres tinham muita influência na nossa vida, e assim foi. A criança foi batizada como Maria de Fátima.

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A sensação de ser mãe me encheu de alegria, não imaginava como era maravilhoso pegar um filho no momento do nascimento. Quando a Fátima nasceu o André estava ao meu lado, dentro da sala de parto, e lembro como se fosse hoje do quanto ficamos emocionados. Hoje eu posso dizer com toda certeza que ser mãe foi a maior alegria da minha vida. Infelizmente não consegui amamentar, meus seios ficaram grandes, mas o leite não desceu. O médico fez de tudo, bolsa de água quente, me receitou uns chás, mas nada funcionou, tive que optar pela mamadeira. Hoje, com a experiência que tenho, penso que não consegui amamentar por causa do despreparo que tínhamos naquela época; não tive a paciência necessária. Mas isso de certa forma era até compreensível, pois assim que voltei para casa já retomei todas as tarefas e nem tive mais tempo de ficar insistindo em amamentar, dar a mamadeira era mais fácil. Lembro que levava o bercinho da nenê para a cozinha; enquanto eu lavava a louça e fazia a comida, calçava a mamadeira com um travesseiro, e ali ela mamava sozinha. Na época, não tínhamos uma vaca, e comprar leite era muito caro. Não existia ainda leite Ninho. Então eu dissolvia leite condensado em um pouco de água e fazia um mingau de maisena e dava para a nenê mamar. Até hoje a Fátima ri quando conto isso e diz que deve ser por isso que ela é louca por leite condensado. Depois de um tempo, André chegou à noite em casa com uma vaca e disse: – Essa vaca aqui dentro de poucos dias vai criar e daí vai ter leite para a menina. E deu mesmo muito leite, graças a Deus!

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Quando a Fátima estava com quatro meses, eu engravidei novamente. Então, em 29 de abril de 1954, nasceu a Marli, e senti novamente a mesma sensação de plenitude. O parto da Marli foi feito em casa, a gente não podia gastar, então resolvemos chamar uma parteira, a Dona Cota, a mesma que tentou fazer o parto da Fátima e não conseguiu. Mas, graças a Deus, foi tudo tranqüilo, e a Marli veio ao mundo com muita saúde. O nome da Marli foi escolhido com a ajuda das minhas cunhadas, na época todas solteiras, que me enviaram uma lista de nomes. De cara gostei de Marli! Agora eram duas crianças para cuidar, a Fátima já começando a andar e a Marli recém-nascida. Minha mãe e tia Amélia estavam sempre me ajudando, mas mesmo assim o serviço não faltava, porque como as duas ajudavam na lavoura, era eu quem fazia comida, cuidava das roupas e da casa. O André trabalhava na roça junto com minha mãe. Continuavam plantando e comercializando a produção, que era pouca, mas dava para nossa sobrevivência. Minha terceira gravidez chegou quando a Marli tinha 1 ano e 4 meses. Nesta época o André estava pensando em ir para Gaúcha, um lugarejo no Paraná que estava despontando pela boa fertilidade da terra e pelo comércio da madeira. Um irmão do André, o Geraldo Maggi, tinha-o convidado para conhecer aquela região. Então ele foi até lá com o irmão, e minha mãe também, que gostava muito de conhecer coisas novas, foi com eles. Quando voltaram estavam todos entusiasmados. O André dizia: – Lá é um lugar de muito futuro, as terras são muito boas. É lá

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que a gente tem que ir construir a nossa vida. Passaram-se os dias, e Gaúcha não saía da cabeça dele; então, o André voltou no Paraná e comprou uma chácara. Uma propriedade bem pequena, mas que já era uma garantia que um dia acabaríamos indo para lá. Depois disso o André foi para Gaúcha mais uma vez e entrou em contato com o dono de uma serraria, que precisava de alguém para trabalhar para ele. Desta forma o André voltou para Três Cachoeiras para me buscar e já com um emprego certo esperando em Gaúcha. Quando ele falou que íamos nos mudar eu não fiquei insegura e nem tive medo, confiei que ia dar tudo certo, porque achava que tudo que o André fazia era bom. Então, em outubro de 1955, fomos nós, com a cara e a coragem, nossas duas meninas e as poucas coisas que tínhamos de mudança. O André fechou negócio com o Sr. Arnaldo Boff, que era amigo dele, para fazer nossa mudança e já aproveitou e comprou também arroz beneficiado para vender em Gaúcha. No caminhão, além do arroz e da nossa mudança, estava também o meu cunhado Geraldo Maggi com a Maria Borges Maggi, sua esposa, que também estava grávida, a filha que se chamava Mafalda Maggi e outra família que ia para Pato Branco, que o André levou para dividir conosco as despesas de viagem. Minha mãe também foi junto com a gente para ajudar com as crianças e a organizar as coisas quando chegássemos em Gaúcha. Então, assim foi nossa aventura: o caminhão velho com arroz, gente e mudança. A viagem durou cinco dias. Veja só! Hoje nem acredito que tive-

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mos tanta coragem. Foi cansativo, mas tivemos sorte, pois algumas famílias, em tempo de chuva, gastavam até 20 dias na estrada. Em alguns trechos era preciso até abrir caminho, pois a estrada quase não existia. Na rotina de viagem eu e as outras mulheres revezávamos para viajar na cabine do caminhão. Minha mãe me ajudou muito, enquanto eu estava com a Marli na frente ela ficava com a Fátima atrás. À noite a gente parava para dormir nos hotéis que ficavam na beira da estrada, e no outro dia saíamos bem cedinho para adiantar a viagem. Quando chovia era uma tristeza, porque não existia asfalto, então a estrada ficava uma lama só. Sorte é que tinha uma lona em cima do caminhão, que protegia todo mundo. Eu passei muito mal na viagem, por causa da gravidez. Era um enjôo atrás do outro. Em meio às dificuldades da viagem e junto com nossas poucas coisas, carregamos também a fé de que Deus nos ajudaria a alcançar a prosperidade. E foi o que conquistamos, com muito trabalho, economia e respeito pelas pessoas.

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Fatima, minha primeira filha, com 3 anos

Minha segunda filha, Marli, com 6 meses 59 O Olhar da Fortaleza



VIDA NOVA



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Chegamos em Gaúcha, no Paraná, e encontramos um lugarejo em formação, onde outras famílias também haviam chegado há pouco tempo. As ruas eram todas de terra e havia muito pouca infraestrutura. Durante alguns dias tivemos que dormir num hotelzinho, porque a casa que íamos alugar ainda estava ocupada com outro morador. Depois de uns três dias consegui ir para minha casa. O André, logo nos primeiros dias, já começou a trabalhar na serraria São Pedro. A casa onde fomos morar era de madeira, muito simples, coberta de “tabuinha”, que eram restos de madeira que substituíam as telhas. A casa tinha três quartos, dois dentro da casa e um fora. As crianças dormiam todas em um quarto só, apertadinhas. Sempre foram criadas assim, com muita simplicidade, mas nos virávamos muito bem. Lembro-me que não tínhamos pratos para todo mundo, então na hora da refeição sempre ficava alguém de fora, esperando um prato desocupar. Quantas vezes o André levava algum convidado para almoçar, eu ajeitava a mesa com os pratos que tinha e dava um jeito de inventar uma desculpa para não me sentar junto na mesa, porque não tinha prato! Muitas vezes! Eu não tinha nem uma pia direito para lavar a louça. Quando cheguei, usava uma pia improvisada em uma bacia em cima de um tripé, que ficava para fora da cozinha, embaixo da janela. Um dia esta bacia caiu e quebrou a maioria das poucas louças que eu tinha. Aí eu achei uma tábua larga e grossa na rua, coloquei em cima de dois barris e a bacia em cima. E esta foi a pia que usei até sair daquela casa, sete anos depois. Mas eu estava muito feliz e achava aquele o melhor lugar do mundo, porque finalmente estávamos conseguindo ter a nossa casa, sem precisar morar de favor na casa dos outros.

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Por isso eu fiquei tão triste quando o André quis desistir e voltar para Três Cachoeiras. Realmente, eu não podia permitir esta desistência. Até hoje agradeço por Deus ter me iluminado a tomar a decisão de convencer o André a ficar. Depois de sete meses morando em Gaúcha (que mais tarde seria São Miguel do Iguaçu), chegou meu terceiro filho, um menino forte que nasceu de um parto tranqüilo, feito em casa por um parteiro, o Seu Pedro Debastiani, que fazia o parto de todas as mulheres ali da região. O parto do menino foi o mais tranqüilo que tive. Eu e André ficamos muito felizes com a vinda de um menino. Logo nos primeiros dias, André resolveu que daria o menino para seu irmão Geraldo e sua esposa Maria batizarem. Eu escolhi o nome: o menino se chamaria César! Por causa do resguardo não fui junto com o André para batizálo, com ele foram apenas os padrinhos. Quando chegaram na igreja para batizar, a Maria disse pro André que tinha visto em uma revista uma reportagem onde o nome de um casal de gêmeos era Blairo e Clairo. Como ela estava grávida, disse ao André que se ele colocasse o nome do menino de Blairo, se o bebê dela nascesse menino, ela colocaria o nome de Clairo. E não é que ela o convenceu? Quando chegaram em casa, peguei o nenê no colo e fui brincar com ele: – Oi, César, meu filhinho! Aí a Maria deu uma gargalhada e disse: – Que César, o que! Não é mais César, o nome dele é Blairo! Eu respondi: – Você é louca? De onde tirou este nome? Aí ela explicou que

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tinha visto na revista. Cada coisa! Na época fiquei brava, mas depois aceitei. Fazer o que, né? Já tinha sido o batizado mesmo! E a Maria não teve o Clairo, nasceu uma menina! Em 1957 engravidei novamente. No parto da minha quarta filha, a Rosângela, passei muito mal, e mais uma vez quase morri. Tive hemorragia interna, fiquei entre a vida e a morte, mas “São Pedro” me mandou de volta, certamente porque eu tinha uma importante missão a ser cumprida com meus filhos e meu marido. O parto da Rosângela foi feito em casa, também pelo parteiro Seu Pedro. Assim que nasceu, começamos a pensar em que nome daríamos para ela. Como era dia de Nossa Senhora da Glória, alguns palpiteiros achavam que devia se chamar Glória... Glorinha... Já o André queria que fosse Jurema. Eu discordei. E por fim chegamos num consenso e decidimos que seria Rosângela. Os sintomas da hemorragia apareceram três horas depois do parto. Eu estava deitada quando de repente senti uma batida dentro do meu ouvido esquerdo. Chamei o André e pedi para ele chamar de volta o parteiro, que já estava indo embora, porque eu não estava bem. Seu Pedro me examinou e tirou coágulos de sangue enormes de dentro de mim, já provenientes da hemorragia. E depois disso o sangue disparou a sair, tentaram estancar de todos os jeitos e nada surtia resultado. Lembro-me que foram usados quase todos os lençóis da casa, era uma cena horrível, tudo ensangüentado. Juro que pensei que fosse morrer. O pior é que ninguém tinha carro por ali, e o hospital mais próximo ficava em Foz do Iguaçu, a 40 km de São Miguel. A estrada era

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de chão e era muito ruim. Geraldo, meu cunhado, então se lembrou que no batalhão de Foz do Iguaçu deveria ter um estoque de plasma. Então ele pegou um caminhão velho que puxava toras do mato e foi até lá buscar o plasma. Quando ele voltou no final da tarde, Seu Pedro tinha conseguido estancar um pouco o sangue, mas eu me sentia esgotada, não tinha mais nenhuma força. Então o parteiro ficou com medo de aplicar o plasma e eu ter alguma reação negativa. Ele me deu umas injeções, uns remédios caseiros para tentar uma reação, sem ser preciso utilizar o plasma. Durante a noite toda a casa ficou cheia de gente. Os amigos, os parentes e até o padre José, todos achavam que eu ia morrer naquela madrugada. O padre, inclusive, me deu extrema-unção, que é o último sacramento ofertado ao doente antes de morrer. Quando eu recebi aquela bênção do padre, me sentindo muito fraca, pensei comigo: Meu Deus! Eu não posso morrer, e meus filhos, o que será deles? Eu tinha um quadro com a imagem de Maria e Jesus ao lado da cama, e o padre me disse: – Olha para a imagem de Jesus e Maria, minha filha, pede para que eles te dêem força para que tu possas recuperar e ter saúde para criar estes quatro filhos pequenos. Faz uma promessa, que se tu se recuperar, que se um dia um de seus filhos quiserem seguir o sacerdócio, sendo padre ou irmã de caridade, que tu nunca vai se opor. Nesta hora eu fiquei preocupada e com minha voz fraca respondi a ele: – Mas padre, e se nenhum filho quiser seguir o sacerdócio, se não tiverem vocação?

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Ele fez um sinal para que eu me acalmasse e disse: – Não se preocupe com isso, estou dizendo apenas para que, se algum demonstrar interesse, que você aceite minha filha! E assim foi feita a promessa. Durante todos os dias que estive mal, entre a vida e a morte, a comadre Laura Maggi, esposa do Nadir Maggi, não saiu do lado da minha cama. Ela ficava sentada num criado que tinha ao lado da cama, secando meu suor, que era muito intenso por causa da febre. Ela estava grávida, mas mesmo assim ficava a noite inteira ao meu lado. Na primeira semana depois do parto da Rosângela, André foi para São Paulo, para negociar a compra de uma fazenda. Ele deixou minha mãe cuidando de mim e foi. Foi aí que compramos a Fazenda São Vicente. Essa propriedade foi comprada com o dinheiro de nossas economias e com a venda do sítio de 11 hectares que eu tinha de herança em Três Cachoeiras. Nos dias que eu estava muito mal, minha irmã Maria e meu irmão Nenê vieram de Torres me visitar e, quando comecei a melhorar, conversaram com o André e os três me convenceram a permitir que levassem a Rosângela por uns tempos para minha sogra, Dona Carlota (Carolina Lumertz Maggi), e minhas cunhadas Zilda, Lorena e Luzia cuidarem, até que eu me restabelecesse completamente. Foi uma decisão muito difícil pra mim, mas tive que ceder, porque além de estar muito fraca, ainda tinha que cuidar dos outros três filhos, que também eram pequenos. Rosângela tinha só um mês quando foi com a Maria e foi batizada no Rio Grande do Sul. Demorei muito tempo para me recuperar. Era muito ruim ficar longe do meu bebê, eu sentia saudades e sofria com a ausência dela.

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Quando comecei a melhorar, o parteiro logo me advertiu que eu teria que ficar pelo menos cinco anos sem engravidar, pois se acontecesse novamente eu poderia morrer. Eu estava com a cabeça tão fraca que todos os dias tinham que tirar as três crianças de casa. Os vizinhos vinham para me ajudar, e cada um levava uma criança, para que a casa ficasse completamente em silêncio. Os funcionários da serraria que trabalhavam junto com o André pegavam o Blairo, que tinha só um ano e três meses, levavam para a serraria de manhã e traziam só à noite, tudo para me ajudar. Eu ficava desesperada, às vezes parecia que tinha um formigueiro na minha cabeça. Por ter perdido muito sangue na hemorragia fiquei muito fraca. Depois de quatro meses que a Rosângela tinha ido com a Maria, minha cunhada Zilda veio do Rio Grande para me ajudar com as crianças e ficou com a gente por bastante tempo. Em janeiro do outro ano, a Rosângela já estava com um ano e quatro meses. Eu fui para Torres de avião, com as três crianças e minha cunhada, para buscá-la, sem falar nada para minha sogra. Ficamos lá um mês. Quando era para o André ir nos buscar, ele mandou um telegrama dizendo que era para eu vir embora sozinha com as crianças, porque não poderia ir buscar a gente. Quando falei de levar também a Rosângela junto com as outras crianças, minha sogra ficou muito brava e insistiu para que eu deixasse a menina por mais um tempo. Não tinha outra alternativa, tive que deixar. Em 1958 engravidei novamente. Um risco. Seu Pedro, o parteiro, quando soube da notícia, ficou “louco da vida”, veio logo até a

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minha casa me dar uma tremenda bronca. – Mas eu te disse que não podia engravidar. O seu útero não está preparado para passar por mais esta gravidez, assim, tão recente. Tu não podes ter esse filho agora. Ficou muito bravo, mas não tinha o que fazer. Naquela época não se evitava filho e acho que não tinha nem comprimido anticoncepcional no Brasil. Depois de uns meses o André achou melhor a gente procurar um médico para se preparar para o parto, que já sabíamos que não seria fácil. Fomos a Medianeira procurar o Dr. Barbosa. Depois de explicarmos a situação, ele me examinou e logo disse que realmente o parto teria que ser feito no hospital, onde havia um estoque de plasma e, se caso acontecesse a hemorragia novamente, seria mais fácil controlá-la. Quando faltava pouco tempo para o bebê nascer, mandei um telegrama para minha mãe vir para São Miguel me ajudar e trazer com ela a minha sogra e a Rosângela, que já estava com um ano e dez meses. A minha sogra chegou com a menina no dia 26 de maio, mas veio pensando que depois que o bebê nascesse, iria levá-la de volta. Então, em 10 de junho de 1959, nasceu a Vera, de parto normal; veio ao mundo a minha caçulinha, que recebeu o nome da minha professora, que também era uma grande amiga, Vera Lúcia. Foi tudo bem no parto, e novamente, depois de três horas, senti de novo a mesma batida no ouvido esquerdo. Quando senti a batida, já chamei logo o André e avisei que estava começando a passar mal. Outra hemorragia. Mas logo o Dr. Barbosa me aplicou o plasma e fiquei tomando

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por três dias. Me recuperei um pouco mais fácil desta vez. Antes de me dar alta do hospital, o médico chamou o André e teve uma conversa muito séria com nós dois. Ele disse bem sério: – Olha, façam qualquer coisa que vocês puderem fazer, mas ela não pode engravidar de novo, de jeito nenhum. Da segunda vez ela escapou, mas o útero não agüenta mais nenhuma gravidez. Tomem cuidado. Então, quando a Vera tinha quatro meses, fui submetida a uma cirurgia para fazer uma laqueadura. Quando minha sogra foi embora, quis levar a Rosângela, e eu não deixei. Isso causou uma situação muito constrangedora na família. Ela dizia: – Mas me deixa levar a menina, você já tem os outros quatro para cuidar. Deixa a gente cuidar da Rosângela, depois quando ela estiver crescida ela volta pra cá. Mas eu tive quer ser firme e respondi: – Agora não posso mais deixar a senhora levar, eu já tenho mais condição de cuidar, são cinco, mas eu vou cuidar, vou dar conta. E o André falava pra mãe dele: – Mãe, nós não demos a menina pra senhora, ela foi porque a Lucia não podia cuidar. E agora ela já tem condições. Aí começou uma choradeira danada, eu peguei a Rosângela e coloquei-a no quarto, fechei a porta e voltei para conversar. A Dona Carlota chorava de um lado e queria a menina de todo jeito, e eu chorava do outro, tentando explicar para ela que não dava mais, e não havia acordo. E assim foi. Dona Carlota foi embora sem a Rosângela e muito

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brava comigo. Foi uma situação muito difícil pra mim também, porque eu sabia que a Dona Carlota tinha se apegado à menina, mas era minha filha, e eu queria criar meus filhos todos juntos, mesmo que fosse difícil. Depois de uns anos, Dona Carlota, o Sr. Antonio Maggi, pai do André e as filhas também foram morar no Paraná, e ficou tudo bem. Eles eram apaixonados pela Rosângela e nós convivemos muito bem. O mal-estar, graças a Deus, passou. Ficou muito bom depois que a família toda ficou perto da gente. Tanto minha mãe quanto a família do André, porque assim nós tínhamos opção de onde ir. As crianças iam a pé para a casa da Dona Carlota, que adorava também ter os netos por perto.

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Meu terceiro filho, Blairo, com 10 meses

Minha quarta filha, Ros창ngela, com 1 ano e 6 meses

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Minha filha caรงula, Vera, com 2 anos

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FAMÍLIA COMPLETA



Família Completa

Em seis anos tive meus cinco filhos. A vida era difícil, eu tinha que dar conta da casa, das crianças, do marido e também ajudar a fazer economia. Mas uma coisa eu sempre repito: meus filhos não me deram trabalho. Existem muitos pais que passam apurados porque os filhos não obedecem, mas eu não tive estes problemas. Criei as crianças praticamente sozinha, porque o André saía para trabalhar antes do dia clarear e só voltava à noite, e, se eu não os educasse com rédea curta, não iria dar conta. Então, nunca fui de dar liberdade para eles. O André não era de bater nas crianças, mas cobrava de mim pelo comportamento deles. Quando ele acordava, às 4h da madrugada, eu já estava com o chimarrão pronto, esperando por ele, e era nessa hora que ele perguntava sobre as crianças. Ele ouvia o meu relatório e me dizia: – Você tem que dar duro, tem que corrigir, tem que bater quando precisar. Não pode deixar fazer arte e depois não corrigir. Era sempre no horário do chimarrão o tempo que eu tinha para conversar com o André. Eu nunca gostei muito de chimarrão; então, quando era a minha vez de tomar, colocava só um pouco de água na cuia e tomava bem devagar para ele não perceber. Apesar do pouco contato com as crianças, o André os acompanhava de longe, através de mim. As crianças tinham muito respeito por ele. Quando ele chegava em casa, todos ficavam quietos, quase que imóveis. Comia todo mundo quietinho na mesa, ninguém reclamava. Um dia o Blairo reclamou de uma comida que não gostava e que eu tinha feito porque o André gostava, e ele olhou bem pra o menino e disse:

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– Blairo, tu não tem que reclamar. Se a mãe fizer alguma coisa que você não quer comer, deixe, não come. Agora, o que a sua mãe faz e coloca na mesa, temos que aceitar, comer e pronto, ninguém tem que reclamar. Depois disso ninguém mais reclamou. Eu sempre procurava fazer o que eles gostavam e todos comiam bem, não tive dificuldades com isso. Me lembro de algumas pessoas que falavam sobre o sistema que eu adotava com as crianças. Como o Paulo Krás Borges, casado com a Adelma Maggi, prima do André, que sempre que ia para São Miguel ficava na nossa casa. O Paulo ficava sempre observando o meu jeito de educar as crianças e falava: – Eu admiro a educação que você dá para seus filhos, porque sozinha, com o marido trabalhando do jeito que trabalha, a educação deles é por sua conta. Naquela época, a gente não tinha instrução. Não era como hoje, que as mães deixam os filhos de castigo para corrigir. Eu batia nas crianças quando era preciso, a gente não tinha muito diálogo, quando mereciam levavam uns tapinhas. Mas tinha que ser assim, igual o ditado que muito se falava naquele tempo: “O pai que não faz o filho chorar quando pequeno, o filho vai fazer o pai chorar depois de velho”. Se você deixar a criança fazer tudo que quer e não impor limites, ela vai crescer achando que a vida é fácil. E isso não é certo. Com o passar dos anos, os filhos mais velhos iam também ajudando a cuidar dos mais novos. A Fátima, com seis anos, cuidava da Vera, recém-nascida. Até hoje nós damos risada quando ela conta que, quando se cansava de olhar a irmã, beliscava a pobrezinha para

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que ela chorasse e eu fosse acudi-la, e só assim ela tinha descanso. E como cresceram todos juntos, sempre dividiam as brincadeiras. Quando chovia e as crianças ficavam muito tempo dentro de casa, as meninas sempre aprontavam com o Blairo. Às vezes eu estava lavando roupa fora da casa e, quando entrava, elas tinham colocado vestido no Blairo e, quando eu tirava o vestido, ele ficava bravo e chorando dizia: – Eu quero o meu vestido! Dava trabalho para acalmá-lo, tinha só três aninhos. A gente dava risada, coitadinho, sozinho no meio daquela mulherada! Mas logo cresceu mais e não quis saber dos vestidos, se interessou pelos carrinhos que fazia com toquinhos de madeira que pegava na serraria. As meninas pegavam pedaços de pano ou roupa, enrolavam em espigas de milho e brincavam com o enrolado, como se fossem bonecas. Outra coisa que eu achava interessante é que elas pegavam latinhas vazias e inventavam de fazer comidinha, improvisavam um fogãozinho com pedaços de pau e assim se divertiam! As crianças, antes, tinham muita imaginação, tinham que inventar o próprio brinquedo, não é como hoje, que vem tudo pronto. E não foi por falta de brinquedos comprados em loja que deixaram de ser pessoas evoluídas depois que cresceram. Na nossa primeira casa no Paraná, tinha um pátio muito grande; não era gramado, cimentado, nada disso. Era terra batida, e daquela vermelha, “grudenta”, do Paraná. Então, as crianças viviam sujas de terra, porque assim que pisavam fora de casa, não tinha uma

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calçadinha, não tinha nada, já pisavam direto na terra. No começo eu passava o dia dando banho nas crianças, eram uns quatro, cinco banhos por dia. Eles eram muito branquinhos e ficavam imundos com aquela terra vermelha. Até que um dia a minha vizinha, que se chamava Zilda Maceda, me chamou a atenção: – Deixa disso, Lucia, deixa as crianças se sujarem à vontade, você tem que se acostumar, pára de ficar dando banho neles o dia inteiro. Aí, com o tempo, acabei me acostumando e passei a dar dois banhos por dia. Ao meio-dia, para almoçarem, e à noite. Atrás da casa tinha um poço onde eu puxava água para abastecer a casa, aí então eu colocava uma bacia grande na porta da cozinha, e sempre que eles entravam dentro de casa tinham que pelo menos lavar os pés, para nossa moradia ficar mais limpa. Mas o fato é que eles se divertiam! Chupavam cana de um canavial que ficava atrás da nossa casa, juntavam terra vermelha numa latinha e jogavam um na cabeça do outro, faziam uma farra. Mas foi uma infância muito boa, porque brincaram muito na terra, na rua. Nós não tínhamos dinheiro para comprar brinquedos para eles, em casa a palavra de ordem era economia. Nos aniversários não tinha festinha, não tinha presente, nada disso. Eu mesma que fazia as roupas das crianças quando eram pequenas. André comprou uma máquina de costura para economizarmos com a compra de roupas. As roupinhas que eu fazia eram bem simples. Eu sempre me dediquei muito à casa, aos filhos e ao marido. Eu nunca saía e os deixava em casa sozinhos. Não podia deixar faltar comida na hora certa. Hoje, é tudo tão diferente, os filhos chegam, se

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não tem comida em casa, vão comer fora. Para mim a hora da comida era sagrada, todo dia na hora certa a comidinha estava lá pronta na mesa. No Natal eu fazia uns docinhos para as crianças e elas ficavam felizes. Mas só os docinhos! Não tinha essas comemorações todas que tem hoje, com festas, guloseimas e presentes. Uma lembrança gostosa que eu tenho do André com as crianças era dos piqueniques que fazíamos com eles na beira do rio. Ele gostava muito de fazer este programa com eles. Nesta época o André já tinha uma caminhonete. Colocava as crianças na carroceria, os menorzinhos vinham com a gente na cabine, e íamos todos para beira do rio, que ficava na Fazenda São Vicente. A gente passava o dia lá fazendo piquenique, eu fazia muita comida e todo mundo ficava de barriga cheia. A diversão preferida do André era jogar as crianças no rio, para aprenderem a se virar. Eu ficava morrendo de medo, porque eram todos pequenos. A Fátima, o Blairo, a Rosângela e a Vera sabiam nadar um pouco, mas a Marli não sabia e tinha muito medo; quando o André vinha pro lado dela para jogá-la no rio, a menina aprontava uma choradeira que ele logo desistia. O André gostava de ver as crianças enfrentarem desafios, queria que crescessem independentes e destemidos. Às vezes ele colocava as meninas para lutar com o Blairo, para ver como ele ia se sair. Olha só! As crianças, de vez em quando, eram muito arteiras também. Lembro uma vez que ia ter festa para angariar fundos para a construção da igreja e do colégio, e eu e uma grande amiga, a Adi Cavalca, saíamos para arrecadar ovos, galinha, de casa em casa, para fazer as guloseimas da famosa festa de Santo Antonio. Tudo que conseguíamos

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era uma alegria; se alguém desse um porco ou um boi, Nossa Senhora! A gente não se contentava de felicidade. Cada mantimento arrecadado era muito importante para a festa. Naquele tempo, as festas eram todas assim, a comunidade que fazia com as doações, e eu e o André estávamos sempre envolvidos na organização. Mas, voltando à história, eu e a Adi arrecadávamos os ovos e levávamos para casa, até juntar bastante para fazer os bolos, bolachas e os doces para a festa. Eu tinha uma despensa na nossa segunda casa, que ficava num sótão, que se chegava por uma escada. Então, eu deixava a cesta com os ovos no pé da escada. Neste sótão ficavam os cachos de banana que eu deixava em cima para madurar, e neste dia a Rosângela e a Vera, muito levadas, subiram na despensa para roubar banana. Quando estavam lá em cima, o Blairo gritou para elas correrem que eu estava chegando, então apavorada a Vera pulou da escada e caiu em cima da cesta com os ovos. Imagine a cena, a menina ficou toda “lamecada”, chorando com medo de apanhar, uma bagunça só. Mas no fim achei até engraçado e não bati nela. Tive que dar um jeito de aproveitar os ovos de algum jeito. As festas de igreja movimentavam toda a cidade. Era um evento muito importante. E, como eu e o André, quando não éramos os festeiros, estávamos sempre ajudando, nossos filhos também ajudavam. Arrecadavam dinheiro, ajudavam a vender as coisas, trabalhavam nas barracas de salgado. Festa para eles também era sinônimo de roupa e sapato novo. As meninas, principalmente, ficavam eufóricas por ganhar uma roupa nova. Teve um episódio que eu quis aproveitar para a Vera o sapato que a Marli debutou, que estava novinho. Só que a Marli já tinha

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15 anos e usava salto, e a Vera era muito nova. Então, mandei cortar o salto do sapato. Quando cheguei em casa com o salto do sapato cortado, a Vera experimentou, e o bico do sapato foi lá para cima, parecendo sapato do Aladim. Ela queria morrer, mas usou mesmo assim. Hoje é engraçado lembrar disso. Quando a Fátima e a Marli entraram na idade escolar, sete e oito anos, eu e o André decidimos levá-las para estudar num colégio de freiras em Medianeira, que fica a 18 km de São Miguel. Na época, em São Miguel, as escolas eram muito fracas, e as famílias que tinham um pouco mais de condições mandavam seus filhos para Medianeira. O André falava: – Se lá elas vão ter uma boa educação e aprender melhor, é pra lá que vamos mandá-las. Eu fiquei com o coração apertado, mas sempre fizemos questão que nossos filhos estudassem. A Marli, que era mais nova que a Fátima, estranhou o colégio interno e chorava muito. Desta forma, as freiras nos aconselharam a levá-la para casa. A Fátima continuou. Ela ficava no colégio durante todo o mês, e íamos vê-la em todo segundo domingo do mês. Com o tempo, as escolas foram melhorando em São Miguel, e os outros filhos não precisaram sair para fazer o primário. A Fátima voltou depois de dois anos e continuou estudando na nossa cidade para fazer o que hoje chamamos de primeiro grau. Meus filhos foram bons alunos. Eu sempre dizia pra eles: – Não façam nada de errado. Se a professora corrigi-los é por-

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que vocês merecem. Nunca respondam! Eu nunca dei razão para os filhos quando eles erravam, eu sempre achava que a razão era da professora. Na minha época os professores davam castigo e até batiam. Lembro que os professores tinham uma vara em cima da mesa e, qualquer coisa, batiam nas costas, batiam na mão... botavam os alunos ajoelhados em cima de grãos de milho. Eram muito rígidos, mas tinham muito respeito na sala de aula, os alunos obedeciam, prestavam atenção e nem piavam. Hoje em dia não existe mais este respeito, algumas crianças agridem e às vezes até batem nos professores. Os tempos mudaram! Meus filhos terminaram o primeiro grau em São Miguel e também fizeram primeira comunhão e crisma. Éramos muito religiosos. Rezar o terço era uma prática comum em casa. Lembro que quando recebíamos a visita de Nossa Senhora em casa, que era uma imagem que passava de casa em casa e pernoitava, eu colocava na cabeceira da minha cama e ficávamos todos ajoelhados em volta, rezando o terço. Às vezes, o André tirava a atenção das crianças beliscando-as com o dedão do pé, e todo mundo caía na risada. Eu ficava brava e tudo voltava ao normal. Junto com a Santa sempre vinha uma caixinha de colocar dinheiro, que os cristãos ofertavam à igreja, e um dia peguei o Blairo cutucando a caixinha de dinheiro com a chave da caixa de engraxar sapato dele, para pegar o dinheiro da Santa. Ele era bem pequeno, e eu danei com ele. As outras crianças e o André acharam engraçado. Menino levado! O Blairo sempre aprontava as artes dele, mas eu sempre acabava descobrindo. Teve um domingo que ele saiu de casa cedo para ir à missa. E em vez de ir para a igreja, foi nadar no rio que ficava no quin-

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tal do Seu Fatio, que ficava a uns 500 metros de casa. Foi lá que as crianças aprenderam a nadar. Depois de nadar, ainda foi jogar bola. Na hora de ir para casa, como ele sabia que eu ia perguntar como tinha sido a missa, tratou logo de se informar. Só que ele fez uma coisa errada: esqueceu a camisa na beira do rio. No outro dia, notei que a camisa não estava no meio das coisas dele e comecei a questioná-lo pra saber onde estava. E ele, se esquivando, dizia que devia estar ali mesmo. Sei que naquele mesmo dia uma vizinha, Dona Júlia Strepel, que era muito minha amiga, chegou com a camisa toda rasgada, dizendo que o porco tinha pegado a camisa na beira do rio e ela o encontrou comendo a camisa. Aí eu perguntei quando, e ela disse que tinha sido no domingo de manhã. Resultado: o Blairo apanhou umas três vezes para aprender. As crianças tinham boa saúde. As doenças eram corriqueiras, como toda criança tem. A única que me deu um pouco mais de trabalho foi a Rosângela, que tinha bronquite asmática. A Fátima, depois de grande, começou a ter uns ataques epiléticos. Aí a levei para fazer tratamento em Curitiba, e os médicos descobriram que, por causa do parto dela ter sido muito difícil, com fórceps, ela ficou com uma lesão do lado esquerdo do cérebro. Mas fez tratamento certinho e ficou bem, não teve mais o problema. A Marli teve meningite quando pequena, mas graças a Deus também se curou. A Vera tinha ataques de sinusite de vez em quando, e o Blairo uma vez quebrou a clavícula, fazendo peraltices. Com o Blairo aconteceu um episódio engraçado ligado a doença. Um dia, ele voltou do colégio se queixando de dor na barriga. Aí levei o menino para o médico dar uma olhada. O Doutor examinou o

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Blairo, e, quando colocava a mão na barriga, o menino gritava de dor; então, o médico disse que ele estava com apendicite e já queria levá-lo para operar. Aí, eu não deixei, disse que ia esperar mais um pouco e levei meu filho para casa. Chegando lá eu conversei com ele bem séria: – É isso mesmo, meu filho, você está mesmo com essa dor toda? E ele respondeu, todo sem graça: – Não, mãe, é só uma dorzinha. Mas o médico enfiava a unha na minha barriga quando apertava, por isso que eu gritava! Ai, ai!!! Que apendicite, que nada! Acabamos na risada! Tantas histórias! Lembro também de quando as meninas ficaram mocinhas. E eu e o André fazíamos a famosa festa de 15 anos, para cada uma delas. Eu que fazia os docinhos e os salgadinhos, e o bolo era a minha vizinha Jovina Matos que fazia, era tudo muito simples, mas elas ficavam na maior alegria. A Zilda, minha cunhada, sempre me ajudava também. As festas eram sempre feitas em casa mesmo. A festa da Fátima que foi uma novela, pois no dia marcado, com tudo pronto, deu um grande temporal em São Miguel, arrancou as telhas do telhado e chovia até dentro de casa. Tivemos que cancelar a festa e fazer no outro dia de tarde. A Fátima tinha feito um penteado e, com medo de estragar, dormiu sentada, para que continuasse arrumada para a festa. Tinha também o baile das debutantes, que todas participaram. O baile da Marli, não me lembro por que, foi feito em Foz do Iguaçu. No aniversário de 15 anos da Vera, o André não quis deixar fazer a festa, porque a Dona Carlota tinha falecido próximo à data.

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EntĂŁo ela comemorou os 15 anos quando tinha 16, no baile das debutantes. As meninas eram muito vaidosas, arrumavam os cabelos, faziam aquelas toucas com grampo e dormiam, para o cabelo ficar liso, queriam estar lindas no dia do aniversĂĄrio. Os vestidos eram feitos pela Zilda, minha cunhada, e eram elas mesmo que escolhiam os modelos.

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Meus filhos sentados em frente a nossa primeira casa (alugada) em São Miguel do Iguaçu (PR) - à direita Fátima e Rosângela, à esquerda Marli e Blairo, e ao meio Vera

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1960 - da esquerda para a direita: Vera, Fátima, Marli, Blairo e Rosângela

Blairo e Fátima se divertindo em uma gincana, em São Miguel do Iguaçu (PR)

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Fatima, Blairo e Marli em São Miguel do Iguaçu (PR) primeira comunhão do Blairo

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Fátima em seu aniverásrio de 15 anos

Aniversário de 15 anos da Marli

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Vera com 15 anos

Aniversário de 15 anos da Rosângela

Blairo com 13 anos

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A minha primeira amiga em Gaúcha foi a Zilda Maceda. Éramos vizinhas e ela me ajudou muito nos primeiros dias. Uma cerca separava a minha casa da dela, aí com o tempo a cerca apodreceu, e ficamos morando num terreno só. A Zilda tinha cinco filhos (Antoninho, Edite, José, Renato e Marinez), e as crianças dela brincavam com as minhas, era uma bagunça só! Tinha dias que eles dormiam lá em casa, às vezes eu deixava os meus também dormirem na casa da Zilda, era uma amizade muito sadia. Quando o André viajava, o filho mais velho da Zilda, o Antoninho, dormia comigo e com as crianças, para fazer companhia. Ele tinha só sete anos, olha só! Este apoio todo da Zilda me ajudou muito nos tempos difíceis. Quando eu ficava doente, era ela que cuidava das minhas crianças. Outra vizinha, que morava na mesma rua, que também foi muito amiga, foi a Etelvina Berto. A Etelvina tinha uma vaca e vendia leite para todos da rua. Todos os dias as filhas da Etelvina (Mariazinha, Eloir, Elena e Beti) iam cedinho entregar o leite de casa em casa e, quando chovia, os rapazes, que eram mais moços, faziam a entrega a cavalo. Ela era uma mulher muito boa e gostava muito dos meus filhos. Uma vez, a Rosângela e a Vera, que tinham quatro e três anos, fugiram para a casa da Etelvina. Quando dei falta nas meninas, chamei, chamei e nada. Então saí pela rua procurando e fui encontrar na casa dela. Fiquei muito brava e disse que ia lhes dar uma surra, e a Etelvina logo defendeu as crianças: – Aqui na minha casa, você não vai bater nas meninas, não. Se quiser bater, bata lá na sua casa! À medida que foram chegando novas famílias em Gaúcha,

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fomos recebendo as pessoas e fazendo novas amizades. Eu procurava dar a quem estava chegando o mesmo apoio que tive. Então, fomos fazendo um círculo de amizades, onde havia uma ajuda mútua muito bonita. A família Domingos Berto, Dona Orlandina Verona, a Comadre Laura Maggi, o Bastiãozinho Matos e a Jovina, sua esposa. O Bastiãozinho era amigo do André desde a época de mocidade em Três Cachoeiras. Ele veio solteiro para trabalhar em Gaúcha e ficou morando por uns meses na nossa casa. Depois deste tempo ele foi para Três Cachoeiras, casou-se com a Jovina e voltou para Gaúcha, onde continuou morando com a gente, mas desta vez com a esposa. Ficávamos todos amontoados para caber todo mundo na casa. Eles dormiam num quartinho que ficava para o lado de fora da casa. O banheiro também ficava para fora e era um só para todo mundo. Mas a Jovina me ajudava muito na casa e eu achava bom, porque era muita coisa para fazer sozinha. Meus filhos eram pequenos, e ela ajudava a cuidar deles também. Eles ficaram um mês morando com a gente, e depois o André arrumou uma casa para eles, perto dali. Quando foi para nascer o primeiro filho deles, o Bastiãozinho bateu na nossa porta, de madrugada, perguntando se eu não podia ir lá ajudar, que a Jovina não estava boa. Quando cheguei, logo vi que ela já estava em trabalho de parto; ele ficou desesperado, marinheiro de primeira viagem, né? Mas eu disse para ele se acalmar e ir logo buscar o parteiro Seu Pedro. O parto foi muito difícil, e o bebê nasceu morto. Mas o Seu Pedro disse que a criança já estava morta há vários dias dentro da barriga, e a coitada não tinha experiência e nem notou que tinha algo de estranho. Nunca me esqueço, eu fiquei junto na hora do parto e quando a cabecinha do nenê apontou o Seu Pedro

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pediu um copo d'água, porque na época tinha a crendice que se jogasse a água na cabeça da criança junto com a mãe, valia como batismo. Depois que vimos que estava morto, enrolamos aquele corpinho num lençol e ficamos ali até clarear o dia. De manhã o Bastiãozinho pegou o bebê e levou para o cemitério. Mas eu acho que a Jovina bloqueou este acontecimento, porque ela nunca perguntou da criança, como que nasceu, como era, nada. Logo depois ela engravidou de novo e teve o filho quase que junto comigo, quando tive a Vera. Desta vez, foi tudo bem. A nossa vida era muito ligada, o Bastiãozinho e a Jovina foram padrinhos da Rosângela. O Bastiãozinho era muito fiel ao André. Ele trabalhou um tempo na Serraria São Pedro e depois saiu para ser motorista de caminhão. Quando o André começou a tocar o próprio negócio, chamou o Bastiãozinho para trabalhar junto, e assim ficou até se aposentar. Foi fiel a mim e ao André até o fim da vida; ele faleceu em 2007. Quando o André ficava doente ele logo aparecia se oferecendo para cuidar dele. Ele dizia: – Eu não me importo de ter que passar a noite, de ficar no chão, eu só quero cuidar dele. O André era tudo pro Bastiãozinho. Era mesmo um amor de irmão. A Dona Orlandina Verona era nossa vizinha de esquina da primeira casa própria que tivemos em São Miguel, que foi nossa segunda moradia. A Dona Orlandina vendia leite e nós éramos clientes assíduos dela, e com isso criamos uma grande amizade. Ela tinha seis filhos (Terezinha, Maria, Toninho, Anita, Ângelo e Helena); os dois mais novos eram muito amigos dos meus filhos. A Fátima diz até

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hoje que a Helena era sua melhor amiga. O Blairo e o Ângelo também eram muito companheiros um do outro. O André adorava conversar com o Toninho Verona, que era um dos filhos mais velhos da Dona Orlandina, pois ele era estudado, inteligente e falava muito bem. Tenho lembranças muito boas dessa família! Não posso deixar de contar também sobre a amizade de uma vida inteira que temos com a família Cavalca. O Arlindo Cavalca era patrão do André, nos tempos da serraria São Pedro. Ele era sócio da Colonizadora Gaúcha, que era a proprietária da serraria. A esposa do Arlindo, Adi Cavalca, me recebeu muito bem quando chegamos em Gaúcha. Ela era mais instruída, vinha de uma cidade maior e me ajudou muito naqueles primeiros tempos. Eu era muito inexperiente naquela época, e sempre que um dos meus filhos ficava doente, era a Adi que ia me ajudar. E foi aí que teve início uma amizade que já dura 54 anos. Tanto o Arlindo quanto a Adi sempre foram muito companheiros nossos, na alegria e na tristeza. Participaram muito da nossa vida. Eu fui madrinha de um dos filhos da Adi e do Arlindo, era um menino lindo que se chamava Alceu. A Adi e o Arlindo passaram maus bocados; quando o menino tinha dois aninhos, foi soterrado por um trator, uma pá carregadeira, que estava puxando terra, e veio a falecer. Foi um desespero danado para eles, e eu também sofri muito. Logo que soube, fui correndo para a casa deles e tinha muito pouca gente, porque a família deles não era de Gaúcha, então eu e o André ficamos o tempo todo com eles. Eu e o André torcíamos muito para que saísse casamento entre nossos filhos, mas não deu, depois entre os netos, e por enquanto,

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nada. A nossa amizade foi passando para nossos filhos, que são amigos, hoje, dos filhos dos dois, e agora os meus netos também são amigos dos netos deles. Isso me dá muita felicidade. Até hoje eu e a Adi somos muito amigas, sempre nos falamos no telefone, ficamos de papo quase uma hora. Às vezes, nós comentamos: “Quem diria que a nossa vida ia ficar boa desse jeito, hein?”, porque passamos juntas períodos muito difíceis. As irmãs do André, Zilda Maggi, Lorena Maggi e Luzia Maggi se tornaram também minhas grandes amigas. A Zilda era costureira e passava quase um mês na minha casa fazendo roupa para as crianças. A Zilda tinha muito medo de chuva forte, tempestade, e quando acontecia ela entrava dentro do guarda-roupa. Aquilo para as crianças era uma diversão. Ela vivia contando histórias de terror e de assombração para as crianças, e quem disse que os pequenos dormiam depois? Eu tinha que ir lá e convencê-los que assombração não existia. A Zilda ria! Depois, em 1960, minhas cunhadas mudaram para São Miguel, com minha sogra e meu sogro, e ficamos mais próximas. Sempre tomávamos café da tarde juntas. Lembro que nos domingos o André gostava muito de reunir toda a família. Então, quando o Seu Antônio, a Dona Carlota e os filhos não vinham para nossa casa, nós é que íamos na deles. Era uma convivência muito harmoniosa. Os irmãos do André, Geraldo, Victório, Luiz e Darci também foram morar em São Miguel. O Geraldo e a Maria, que foram os padrinhos do Blairo, vieram juntos com a gente, do Rio Grande do Sul e moravam numa casinha de madeira bem perto da nossa. O André e o Geraldo saíam para trabalhar, e nós fazíamos muita companhia uma para a outra.

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Outra família que também fez, e ainda faz, muito parte da nossa vida são o Krás Borges. O Paulo Krás Borges e a Adelma Maggi Krás Borges, que é prima do André, são pessoas simpáticas, divertidas e extremamente boas. A Adelma é amiga desde crianças, dos tempos de Três Cachoeiras, no Rio Grande do Sul. A conheci quando eu morava com a Dona Laura Maggi, que é tia da Adelma, para estudar. Eu casei, vim embora para o Paraná, mas sempre que voltava lá, nos encontrávamos. Depois que nossos filhos estavam grandes, o André convidou o Paulo para vir para São Miguel. Ele aceitou, e, até que a Adelma também foi para o Paraná, ele ficou morando com a gente. Eu particularmente fiquei muito feliz em poder ficar mais perto dos dois. Até hoje, temos uma amizade muito forte também. Eu fiz muitas amizades porque sempre procurava ajudar as pessoas. Aprendi sozinha a aplicar injeção, em mim mesma, porque naquela época as crianças pequenas, não tinha carro nem nada, o pronto socorro era longe, então tive que me virar. A primeira vez apliquei na minha perna e ficou tudo duro, fiquei uns dias sem poder andar direito, mas com o tempo peguei o jeito. Então todo mundo que precisava me chamava para aplicar injeção. As pessoas que moravam perto da gente, sempre que se viam em apuros, nos chamavam. Uma noite, uma vizinha, que se chamava Dona Concília Borges, estava sozinha com os cinco filhos, pois o marido tinha viajado. E ela escutou alguém rondando a casa dela e começou a gritar pelo André. Nós acordamos assustados e o André levantou-se para ir ver o que era; eu fiquei apavorada, estava grávida e não queria deixar ele ir, com medo que acontecesse alguma coisa. Então, ele gritou o Zezinho e o Silvestre, que eram policiais que também mo-

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ravam ali perto. Só depois que o Silvestre foi que eu deixei o André ir até lá. A Dona Concília então contou a eles que via a mão de um homem passando no meio das frestas da parede de madeira. Olha só como eram as casas naquela época. Mas no fim ficou tudo bem, e Dona Concília nos agradeceu muito pela ajuda. Eu e o André tínhamos uma grande amizade também com a família Borges. Mas eles não eram meus parentes, era outra família Borges. O Joaquim Alves trabalhava na serraria com o André e ficaram muito amigos. A esposa do Joaquim, que se chamava Toninha Borges, tinha quatro filhos e estava grávida do quinto quando ele faleceu. Indo para Martelândia, o Joaquim passou mal, parou o caminhão e morreu. E a Toninha criou os cinco filhos sozinha. Essa mulher era corajosa! Ela comprava mercadoria na Argentina e trazia para vender em São Miguel. Ela fazia esta travessia com um barquinho, para não ser pega pelos policiais. Vendia de tudo, de farinha até bugigangas. E assim foi criando os filhos. Ela foi presa várias vezes por causa de contrabando, mas não se intimidava. Não tinha medo de ninguém, falava o que tinha que falar na frente de todo mundo. Podia até ter sido política. Sempre que me lembro de força e coragem, me lembro da Toninha. Eram tantas amizades! Tinha umas pessoas que não moravam perto de nós, mas que mesmo assim tínhamos muita amizade, sempre que podíamos íamos fazer visita, como a Dona Aurora Valiate e o seu esposo Davide Valiate, o Seu Laurindo Posollo, o Seu Mide Bongiolo e muitas outras pessoas. Todos foram muito especiais! A Maria, minha irmã, também foi minha grande amiga e companheira, da vida inteira. Criamos nossos filhos juntos. Nas férias, ela

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pegava os meninos dela e o Blairo e passava vários dias com eles na fazenda. Eles faziam a maior farra juntos. A Maria sempre ia na minha casa, as minhas meninas brincavam com as filhas dela e ficavam loucas para a gente levá-las para passear na praça. Nós duas costurávamos juntas e fizemos para as crianças umas roupas para o primeiro carnaval infantil de São Miguel. Era um tecido cheio de bolas coloridas. Nós duas nos divertíamos de ver a alegria das crianças com as roupas que nós fazíamos! Os amigos, uma vez, me fizeram uma surpresa. No meu aniversário de 34 anos ganhei uma serenata. Eu estava sentada na varanda e escutei aquela gaita tocando e fui ver, era a serenata de surpresa! Lembro que quem tocava a gaita era a Nelda Verona, esposa do Antonio Verona, também nossos amigos. Aí, as pessoas da serenata traziam salgadinhos, docinhos e acabava virando uma festa. Ganhei outra serenata na minha vida, muitos anos depois, quando completei 75 anos. Foi outra surpresa maravilhosa, que um grupo de funcionários da empresa fez pra mim com todo carinho. Gostei muito! Vivi com os amigos algumas histórias engraçadas e inesquecíveis, como a história da rã. O André gostava de caçar rã com os companheiros dele, nos brejos da fazenda, mas caçava pra lá, e eu nem via. Um dia ele chegou em casa dizendo que ia caçar rã e que ia trazer para eu preparar, eu disse logo que não e que não adiantava ele trazer para casa, porque eu não ia deixar ele usar minhas panelas, de jeito nenhum. Então, ele acabou levando para a casa do Arenor Dartor, que tinha ido caçar junto com o André, e a esposa dele, a Zenir Gueler, se prontificou a preparar as rãs. No outro dia, a Zenir apareceu lá em casa com as rãs já temperadas, para me convencer a fazer as bichi-

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nhas ali, porque o André queria comer na casa dele. Ela falou, falou, falou e acabou me convencendo. Mas eu logo avisei: – Não vou comer, hein! Mas, aí, estavam as rãs lá bem fritinhas, parecendo frango a passarinho, e todo mundo comendo com a boca mais boa do mundo. Aí acabei experimentando um pedacinho, e não é que eu gostei? Só sei que eu tive grandes amigas e amigos na minha vida. Sou grata por cada um deles, por terem feito parte da minha vida, cada um em sua época e em seu modo, mas todos de uma forma muito especial.

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Amizades

Minha irmã Maria que é, sem dúvida, minha melhor amiga

Paulo Krás e Adelma Krás - meus eternos amigos

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Amizades

Arlindo e Adi Cavalca - amigos de uma vida inteira

Bete, Altair e Lino, meus amigos fiéis que tenho grande consideração 105 O Olhar da Fortaleza


Amizades

Paulo Krรกs - cumplicidade e alegria

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AUTONOMIA



Autonomia

Enquanto as crianças cresciam, o André se dedicava inteiramente ao trabalho. Depois de três anos trabalhando como madeireiro, André foi promovido a gerente da serraria. Este convite o deixou ainda mais animado e passou a trabalhar bem mais e com mais determinação. Ele tinha uma ânsia grande de progredir, e eu o apoiava inteiramente. Fazíamos o máximo de economia que podíamos, vivíamos com muita simplicidade, porque nosso sonho dependia de persistência e de abnegação. Quando fazia exatamente 7 anos que havíamos nos mudado para São Miguel do Iguaçu, André já tinha conseguido guardar um bom dinheiro, pediu demissão do emprego e começou a construir, na Fazenda São Vicente, sua própria serraria. Em 1962. Nesta época ele já tinha plantado feijão na São Vicente e também tinha começado com pecuária. Com o lucro do feijão e do gado ele comprava mais terra, e sempre fazendo economia. Isso nunca deixou de fazer. A fazenda ficava a 7 quilômetros da nossa casa. Na época em que André estava construindo a serraria, eu acordava mais cedo, preparava o café para as crianças e ia junto com ele para a serraria preparar o café dele e dos peões que trabalhavam na obra. Minha mãe se mudou para São Miguel e a casa dela ficava bem perto da serraria. Nós achamos maravilhoso ter a mãe por perto, porque além de ser mais uma companhia, poderia me ajudar com as crianças. Vieram ela e tia Amélia. Então, na hora do almoço, eu preparava a comida na casa da mãe e levava novamente a refeição para o André e para os peões. Eram pessoas muito simples e ficavam muito satisfeitos com a atenção. O André os tratava muito bem, como colegas de trabalho.

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Autonomia

Eu só voltava para casa no final da tarde, por causa das crianças, e o André ficava lá construindo a serraria até altas horas da noite. O Blairo desde cedo se interessou pelos negócios do pai. Estudava de manhã e à tarde ia para a fazenda, a pé, para ajudar no que fosse preciso. Nesta época ele tinha uns dez anos e a maior alegria dele era quando o André o deixava voltar para casa dirigindo, quando terminavam o trabalho. Era um menino muito esperto, tão novo e já trabalhava como adulto no trator, retirando os tocos do terreno para preparar a terra para a lavoura. Na época que o André ia vacinar o gado ele colocava o Blairo para ficar no meio dos bezerros para aprender a se virar, isso ele tinha 7 ou 8 anos. Uma vez, o Blairo, que já morava em Curitiba para fazer o colegial, chegou de férias em São Miguel e me disse: – Mãe, não vou mais voltar pra Curitiba. Vou parar de estudar e ajudar o pai na fazenda. Eu fiquei quieta e fiz que não ouvi. Ele ficou bem contente achando que eu tinha aceitado. Passou as férias inteiras e não falamos sobre o assunto. Quando chegou o tempo do início das aulas eu ajeitei as coisas dele e disse: – Pode ir de volta para Curitiba. Para cá você volta só depois de ter o diploma nas mãos. Ele não gostou. Mas foi. As meninas ficavam em casa ajudando nos trabalhos domésticos, cada uma tinha sua obrigação. Elas trabalhavam duro, limpavam a casa, lavavam a varanda, a escada, a garagem, de vez em quando faziam almoço e catavam lenha para colocar no fogão.

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Autonomia

Fui ganhar o meu primeiro fogão a gás no Dia das Mães de 1964. Era um fogão vermelho, e me lembro que ficamos todos maravilhados de ver a cor azulada da chama do fogão e a rapidez com que fervia a água. Mas mesmo com o fogão a gás, o André pedia para esquentar a água para o chimarrão no fogão a lenha; dizia que a água ficava mais gostosa, então eu acordava as meninas de madrugada para acender o fogo. Cada dia era uma. Uma vez a Rosângela foi a escolhida, quando foi acender o fogo não tinha mais gravetos, então desceu na garagem para buscá-los, e quando chegou lá, foi pegar os gravetos embaixo da lona e tinha um homem dormindo. Ela conta que quase morreu de medo, mas pegou mesmo assim, porque senão o pai ficava bravo se o chimarrão não estivesse pronto. O André era tão tranqüilo que deixava a garagem e a caminhonete abertas. Outra vez que faltou graveto, aconteceu um episódio parecido, só que desta vez era o Geraldão, um bêbado da cidade, dormindo dentro da caminhonete, e toda vez que ele se mexia, tocava a buzina. Cada coisa! De vez em quando, o André também levava as meninas até a fazenda para ajudarem a costurar à mão as sacas para embalar a soja. A Fátima e a Marli ajudaram mais neste trabalho, e eu ia junto também. As menores, Rosângela e Vera, mais pra frente, também ajudavam. André as levava para ajudar os peões a catar esterco para colocar na horta que a gente tinha na cidade. As meninas não gostavam muito deste trabalho por causa do cheiro, porque pegavam o estrume com a mão, mas o André não queria nem saber. As meninas enchiam o caminhãzinho, subiam em cima e vinham juntos com a carga de estrume para a cidade. No fim as crianças acabavam achando engraçado e este era motivo de diversão. O André se divertia! Mas ele fazia isso porque

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achava que elas tinham que aprender todo tipo de função. Eu também achava. Se ele precisava de ajuda, a gente tinha que ajudar, e de muito bom grado. Eu contribuía com o André no que ele precisava. Perdi a conta do número de vezes que cozinhei para os peões na fazenda e para os amigos, colegas de trabalho e conhecidos que o André sempre levava para nossa casa. André gostava muito de receber gente em casa. Às vezes, ele chegava tarde da noite em casa, e eu já estava deitada. Aí ele ia no quarto e dizia: – Você está dormindo? Eu dizia que estava só deitada. Aí ele logo completava: – Seria bom se tu levantasse e passasse um bife, estou com gente e eles não comeram, estão com fome. Faz alguma coisa pra gente comer! Eu me levantava e ia para a cozinha, a hora que fosse, fazer janta pros convidados do André. Mas em momento nenhum via isso como uma obrigação ou chateação. Ia tanta gente na minha casa, gerentes de banco, compradores de madeira, políticos, peões, todo tipo de gente. Até hoje encontro pessoas que dizem: – Ah, Dona Lucia, eu já fui na sua casa! E a senhora fez comida pra mim tarde da noite, fora de hora. E às vezes eu nem lembro da pessoa! Era tanta gente, mas como se diz: “quem recebe nunca esquece”. Eu sempre tratei bem todas as pessoas que iam à nossa casa. Assim como o André, eu também gostava de receber as pessoas. Às vezes chegava gente e não tinha comida em casa, então eu corria no armazém, que era longe,

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para fazer compras, com o cestinho num braço, um filho na barriga, outro no colo e outro pendurado na saia, e assim eu me virava e graças a Deus, eu nunca deixei de receber as pessoas que o André levava em casa, nunca maltratei ninguém e sempre fiz o que pude fazer. Quando a população de Gaúcha começou a se articular para fundarem São Miguel, as reuniões eram todas feitas na minha casa. Da mesma forma para a escolha de prefeitos, de vereadores, de deputados da região, construção de igrejas, escolas... André se envolvia em tudo, e era na nossa casa, em meio às reuniões, que as idéias surgiam. Inclusive ele foi o vereador mais bem votado na primeira eleição que teve em São Miguel. A população queria depois que ele fosse prefeito, mas ele não quis, apesar de sempre estar por trás de tudo. Articulava, delegava, coordenava, dava idéias e trabalhava duro para ajudar a construir a cidade e ajudar a população. Quando o André começou a construir a serraria, as coisas começaram a melhorar, aí concretizamos mais um sonho: ter nossa casa própria. André comprou um terreno grande e muito bem localizado em São Miguel, que ficava em frente a Serraria São Pedro, a primeira que ele trabalhou no Paraná, e construiu nossa casa. Fechou uma parceria com um grande amigo, o Josué Fabris, e fizeram juntos um predinho de dois andares, com dois apartamentos grandes em cima. A construção dessa casa foi uma verdadeira novela. O prédio caiu duas vezes durante a construção, e eu já não botava fé que as paredes iam parar, mas no fim deu tudo certo, apesar de que estas quedas deixaram em nós um trauma. Quando chovia, ficávamos todos com o medo do prédio cair, então eu chamava as crianças para o meu quarto para rezar o terço, ajoelhávamos em volta da cama e assim ficá-

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vamos até a chuva passar. Mas, graças a Deus, nunca aconteceu nada de ruim, neste sentido. Nos apartamentos, morava em um nossa família, e no outro a família do Josué e da Ana Fabris, sua esposa, e que também se tornou uma grande amiga. Nós criávamos juntos nossos filhos e nos ajudávamos muito. Era uma mulher muito autêntica e trabalhadora, e nós nos dávamos muito bem. Eu acompanhei um parto da Ana, quando foi para nascer a Maristela; o Josué me chamou primeiro, antes de chamar o parteiro, era sempre assim, uma ajudava a outra. A Maristela era nosso xodó, porque as crianças já estavam grandes e a bebezinha, que era branquinha e de olhos bem verdes, ficava mais lá em casa do que na casa dela. Ao lado do predinho tinha uma delegacia, que era um quartinho feito de madeira, com uma porta com cadeado. Lá dentro cabiam umas três pessoas, apenas. Lembro que naquela época quase não tinha preso, mas quando tinha, eles ficavam chamando o André, pedindo comida e água. No primeiro andar do prédio, o André e o Josué fizeram um cômodo comercial, onde abriram como sócios um comércio de grãos. Compravam feijão para levar para Curitiba e traziam de lá mercadorias para vender no armazém, vendiam de tudo, e mais tarde o armazém se transformou num pequeno supermercado, com a venda de secos e molhados. A Ana que tomava conta do comércio, eu morria de vontade de trabalhar lá também, mas o André não deixava de jeito nenhum. Ele dizia que eu tinha que cuidar dos filhos. O André fez nossa primeira casa própria já pensando em ter lugares adequados para receber pessoas. Os cômodos maiores da casa

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Autonomia

eram a sala e a varanda. Em 1969, contratamos nosso primeiro funcionário, o Altair Fabris, filho do Josué e da Ana, que começou apenas para colocar ordem na contabilidade da serraria e acabou ficando na empresa por quase quarenta anos. Altair era um menino muito dedicado e inteligente e continuou assim por todos os anos com a gente. Uma vida inteira de dedicação e fidelidade, não só à empresa, mas também à nossa família. Nós tivemos muita sorte com as pessoas que trabalharam conosco. Muitos dos que estiveram com o André desde o começo continuam até hoje na empresa. Alguns se afastaram há pouco tempo, mas todos foram tão dedicados e amigos que se tornaram parte da nossa família. São pessoas honestas e com o mesmo espírito empreendedor do André. Foram eles que nos ajudaram a construir a nossa empresa. À medida que o André foi adquirindo mais terras e ampliando os negócios, foi ficando cada vez mais ocupado e, de certa forma, mais ausente da vida familiar. Ele ia com os peões para o meio do mato cortar tora, saía muito cedo e só voltava tarde da noite. Eu acordava de madrugada para fazer comida para ele levar. Muitas vezes, fazia marmita para ele e também para os funcionários. Ele chegava em casa muito cansado, no começo eles serravam tora na mata com serrote. Imagine isso! Aquelas perobas imensas, árvores muito grossas. Tinha que ter muita força. Ele não media esforços para progredir.

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Autonomia

Decada de 60 - Serraria São Vicente o primeiro negócio próprio da nossa família

1º de maio de 1968 - eu, meu sogro, Seu Antonio, minha sogra, Dona Carlota, minha mãe e André, tomando chimarrão na Serraria São Vicente. 116 O Olhar da Fortaleza


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Nossa primeira casa própria em São Miguel do Iguaçu (PR)

Blairo, Fátima e Marli na Varanda da nossa primeira casa própria em São Miguel, onde o André frequentemente recebia os amigos

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Autonomia

Hugo e Fátima, ainda namorados, na varanda da nossa primeira casa própria em São Miguel (PR)

1974 - De volta a Três Cachoeiras (RS), levando meus filhos para conhecer a casa que morei com minha mãe, quando me casei com o André 118 O Olhar da Fortaleza


Autonomia

A cozinha da nossa primeira casa em S達o Miguel (PR)

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INDEPENDÊNCIA


Independência

Aprendi a dirigir com 44 anos, depois que meus filhos já estavam grandes. Quando as crianças eram pequenas tentei aprender, André até comprou um carro pra mim, era um aerowilis preto, mas eu ficava com medo, o carro era muito grande e achava que nunca ia aprender. Um dia, estávamos indo para a fazenda e o André insistiu para que eu pegasse o carro, senti até um frio na espinha, mas resolvi tentar. Para meu azar, logo que peguei o carro e comecei a dirigir, entrou uma abelha dentro do veículo e foi para cima da Vera, que tinha uns três anos. Na hora eu me apavorei e larguei o volante para acudir a menina e saímos fora da estrada, quase morri de susto. Por sorte, não aconteceu nada de grave com a gente, mas este episódio me deixou receosa e não quis mais saber do carro. Muitos anos depois, quando a Vera já estava se preparando para ir estudar fora, em Curitiba, pensei comigo: E agora, quem vai me levar pra cima e pra baixo quando eu precisar? A Vera era a única filha que ainda morava com a gente, os outros já tinham saído para estudar, e a Marli já tinha se casado. Fiquei com isso na cabeça e um dia decidi perder o medo de aprender a dirigir, foi até engraçado. Numa tarde quente, em São Miguel, eu estava voltando do supermercado, cheia de sacolas pesadas, na maior dificuldade, quando passou a minha vizinha de carro, a Gília Escarpari, dirigindo toda elegante, e buzinou acenando com a mão. Nossa!, pensei comigo, o carro lá de casa está dentro da garagem, parado, e eu aqui sofrendo à toa, mas que burrice a minha! Já cheguei em casa decidida e, logo quando vi a Vera, já dei a notícia para ela, que ficou muito contente e se dispôs a me ensinar. Fomos as duas para um campinho de futebol e ficamos lá por horas, a Vera com toda a paciência! Quando o André chegou em

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casa contei que tinha decidido aprender a dirigir, e ele não acreditou. Só falou: – Tu tá louca? Cuidado, que tu vai bater o carro! Mas nesta altura eu estava determinada e tratei logo de mostrar isso a ele: – Nem que eu quebre a cabeça, mas agora vou aprender. Ele riu! E disse que se eu aprendesse a dirigir de verdade ele ia vender o carro grande, um landau que ficava na garagem, e comprava um carro pequeno pra mim. Eu garanti a ele que podia comprar, que desta vez eu ia aprender. E assim foi, no outro dia ele já chamou o Sabino, marido da Marli, e já mandou ele comprar o carro. O André era assim, decidido. Quando sentia firmeza, seja lá em que fosse, logo tomava a decisão, não era de ficar esperando. E assim fui perdendo o medo e fiquei mais independente e, graças a Deus, nunca mais bati o carro. Depois, com mais experiência, fui muitas vezes de São Miguel para Mato Grosso, dirigindo. Lembro que uma das primeiras vezes fui com a Fátima grávida, faltando pouco tempo para dar à luz, de Mato Grosso para o Paraná, e outra vez com minha nora Terezinha e as netinhas Ticiane e Beliza, pequenas. Conclusão: depois que perdi o medo de dirigir, ganhei o mundo!

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MAIORIDADE



Maioridade

Quando a Fátima fez 16 anos, foi estudar em Ponta Grossa, no Paraná, num colégio agrícola, para fazer o colegial. Era um colégio interno. Foi a primeira filha a sair para estudar fora. Ela vinha em casa a cada três meses e o único jeito da gente se comunicar era por carta. Um dia, me lembro que estava colocando a mesa do café da tarde para as crianças e chegou uma cartinha da Fátima. Na carta ela dizia: – Tem tanta comida aí em casa, e eu aqui passando fome e necessidade. Nossa! Eu fiquei apavorada, chorei a tarde inteira de preocupação. Não consegui nem tomar café. Ponta Grossa fica a 500 km de São Miguel, e eu não podia ir até lá ver o que estava acontecendo, tinha a casa e as crianças pra cuidar; o André não podia sair do trabalho, e a gente só tinha uma caminhonete, que era usada no serviço da fazenda. Nem telefone não tinha. Então me acalmei e pensei: mas ela tem dinheiro lá, por que está passando fome? Depois o André me acalmou e disse que devia ser exagero dela. Aí, a próxima vez que ela veio em casa, perguntei por que ela tinha dito na carta que estava passando fome, e ela disse: – Ah, mãe, não era nada. É que eu estava brava, nervosa, com saudade de casa e escrevi assim, sem pensar. Tenho umas histórias com a Fátima muito engraçadas. Lembro de uma passagem de quando fui levá-la para fazer tratamento médico em Curitiba. Aproveitando minha estadia na cidade fomos visitar uma conhecida, que não via há muito tempo. Quando entramos na sala da casa, a Fátima, assustada, me falou: – Mãe! Olha o Roberto Carlos. E eu, também muito surpresa, fiquei procurando no cômodo,

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onde estava o Roberto Carlos. – Cadê? Onde está o Roberto Carlos, Fátima? Você ficou louca? Era na televisão. Nós morremos de rir. Esta foi a primeira vez que vimos ao vivo uma televisão na nossa vida. Até então, tínhamos visto o Roberto Carlos só nas revistas. Outra história hilária aconteceu muitos anos mais tarde, no aniversário de 15 anos da Ticiane, filha mais velha do Blairo. Eu e a Fátima chegamos juntas na festa, com uma decoração belíssima baseada no filme “ E o vento levou”. Quando chegamos no local, a Fátima deu um suspiro, colocou a mão na boca, muito surpresa, e disse: – O vento levou!!! E eu, sem entender nada, olhando em todos os lugares para tentar descobrir o que tinha acontecido, respondi: – Levou o que, Fátima? Está tudo no lugar, o que o vento levou? E ela caiu na risada. Estas e outras são histórias que ficam guardadas em um lugar muito especial na memória. Mas, voltando naquele tempo, depois de estudar em Ponta Grossa, a Fátima foi para Curitiba fazer Psicologia. Quando a Marli marcou casamento, a Rosângela e o Blairo também foram estudar em Curitiba. Meus filhos desde pequenos aprenderam a economizar e acompanharam de perto todas as dificuldades que passamos. Mesmo morando fora, o dinheiro era contado, e todo final de mês o

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Maioridade

André exigia que eles mandassem um relatório discriminando todas as despesas que tiveram. Às vezes, chegava este relatório e ele nem olhava, mas o que ele queria é que eles tivessem controle. Queria ensiná-los a fazer economia e a ter responsabilidade. Depois que a Marli se casou, e o André começou a ficar preocupado, porque ia ficar muito trabalho em casa só pra mim e a Vera fazer. Então, um dia, ele chegou à noite em casa e disse: – Tem uma família morando na fazenda que tem uma menina que parece ser muito boa. Vai lá ver, porque acho que tu vai gostar da menina. Tu vai precisar de alguém para te ajudar. Não vai poder ficar sozinha. No outro dia fui na fazenda, gostei tanto da menina e já trouxe ela comigo. Foi assim que a Maria Elizabete de Brito, a Bete, entrou na nossa vida. Ficou muitos anos com a gente e só saiu para casar. Eu considero a Bete como se fosse minha filha. Tanto que quando ela começou a namorar o Lino (Eulino João Martins), que hoje é marido dela, eu fiz questão que eles namorassem dentro de casa, como as minhas filhas faziam. Faz mais de vinte anos que o Lino e a Bete trabalham para nossa família. São pessoas muito honestas que a gente pode confiar. Quando a Bete teve a primeira filha me convidou pra ser madrinha; isso me deu muita alegria. Nós temos uma amizade que não tem quem tire. Depois que a Marli se casou, com o Sabino Pissollo, em 1975, com mais ou menos dois anos de diferença de um para o outro foram casando os outros filhos. Sempre tive muito carinho pelos meus genros e nora. Todos sempre me trataram muito bem, como se fossem

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meus filhos. A Fátima se casou com o Hugo Ribeiro em 1977. A Vera, com o Itamar Locks, em 1979; o Blairo, com a Terezinha Sousa, em 1981 e a Rosângela, com o Plínio Schimidt, em 1982. Nos casamentos o André sempre queria dançar, ficava alegre e nós dois acabávamos improvisando uns passos no salão. Na época que nossos filhos se casaram, a nossa condição financeira já era melhor, mas mesmo assim o dinheiro para as festas era contado. Tinha um orçamento e não podia passar daquilo. O enxoval das meninas, eu comprava tudo pronto uns meses antes do casamento. O André não gostava que eu mexesse com tricô, crochê e bordado, dizia que era coisa de velho, então nunca fiz o enxoval das meninas, como era no meu tempo, onde as mães das moças passavam anos aprontando o enxoval para o tão esperado casamento. Quem sempre arrumava o cabelo das meninas para o casamento era a divertida prima do André, Dudu Maggi, que morava em Foz do Iguaçu. Ela fazia questão de vir de lá para arrumá-las. A única que a Dudu não arrumou foi a Rosângela, não me lembro por quê. O casamento da Marli e da Fátima aconteceu em São Miguel e a festa foi em Foz do Iguaçu, no Hotel San Martin. Do Blairo, a cerimônia do casamento foi em Foz do Iguaçu, porque a família da Terezinha era de lá, e a festa em São Miguel. A Vera se casou em São Miguel, mas a festa aconteceu em Medianeira, na cidade da família do Itamar. A única que o casamento e a festa aconteceram em São Miguel foi a Rosângela. As festas eram sempre muito animadas e tinha muita comida. Uma fartura impressionante. Todas as filhas ganharam um carro no dia do casamento, e o Blairo ganhou uma casa.

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Nunca nos opusemos aos namoros dos nossos filhos e respeitamos a escolha de cada um. A Vera foi a única filha que se casou antes de completar 21 anos. Para se casar foi preciso que o André desse a autorização no cartório, aí ele reclamou muito no ouvido da menina, só para atormentá-la, era a forma dele de fazer brincadeiras com as meninas. Me lembro muito bem, ele falava: – Por que essa “porqueira” não esperou para casar depois? Vai me fazer ir no cartório para assinar o livro para ela poder casar! Não precisava casar agora, podia esperar! Mas é uma “porqueira” mesmo! Só para a guria ficar nervosa! Mas deu tudo certo, casou e pronto. O Blairo se casou no último ano da faculdade de Agronomia. A Terezinha estava grávida, e ele quis abandonar o curso para se casar, mas nós não deixamos. Ele falava assim: – Onde é que já se viu, mãe, eu casado, com filho, e vocês dois me sustentando? Eu não vou mais para a faculdade, vou começar a trabalhar. Mas eu e o André nem ouvimos estes lamentos, não tinha cabimento ele largar os estudos. Então, os dois se casaram e foram juntos para Curitiba, até o Blairo se formar. Na formatura dele, nunca me esqueço, o Blairo pegou o canudo e disse: – Mãe, este aqui é seu! Se não fosse tu, eu não tinha chegado a receber isto aqui. Aquilo pra mim foi uma satisfação imensa. Mas, mesmo muito emocionada, eu disse pra ele:

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– Daqui para a frente você vai trabalhar, né? Até aqui eu dei força e fiz tudo que tinha que fazer, mas daqui para a frente é com você. Depois que todos os filhos se casaram, uma vez eu e o André fomos visitar o irmão dele que mora em Rondônia, o Luis Maggi . Nos dias que passamos lá, a filha caçula do meu cunhado, Luciana Maggi, se apegou de um jeito em mim e no André e começou a pedir para ir embora com a gente; ela tinha sete anos e falava: – Tia, me leva! Eu quero ir. O André se encantou pela menina. No começo eu achava que era muita responsabilidade e não queria ficar com ela de jeito nenhum. Ainda mais que estava com meus filhos todos criados. O Luis e a Terezinha Shovanke Maggi, sua esposa, tinham nove filhos, todos solteiros, em casa, passavam muita dificuldade, e o André me convenceu dizendo que levar a Luciana era uma maneira de ajudá-los. Onde eles moravam não tinha escola, era um sacrifício danado, e o André quis levar a Luciana para que ela estudasse. A minha cunhada Terezinha permitiu que a gente levasse a Luciana e me disse: – Eu só vou deixar porque é você, Lucia. Mas quero que me prometa que vai fazer pela minha filha o mesmo que fez pelas suas. E eu respondi: – Eu vou tentar, não sei se vou conseguir, porque a menina já tem sete anos e ela não está comigo desde pequenininha, como minhas filhas. Mas eu vou tentar.

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E assim foi. A Luciana foi para São Miguel com a gente e foi uma menina que nunca me incomodou. Eu praticamente comecei tudo de novo com ela, meus filhos estavam cada um com a sua vida, e eu fui uma verdadeira mãe para ela, levava a menina para a escola, para a catequese, crisma, cuidava da comida, da roupa... tudo de novo! Ela era muito boazinha, comia o que tinha e achava tudo bom. Fez muita companhia pra mim também. A Luciana estudou até a oitava série do primeiro grau em São Miguel e o segundo grau fez em Curitiba. Nós temos um apartamento lá, e ela ficou morando com o André Luiz, que também tinha ido para Curitiba estudar, e com a Sunta Zanelato, nossa empregada de confiança, que morava lá para cuidar dos meninos. Depois de terminar o segundo grau ela foi para Alfenas, em Minas Gerais, onde fez faculdade de Odontologia. Depois que se formou, voltou para Curitiba, onde morou um tempo no meu apartamento. Há pouco tempo resolvi comprar um apartamento para ela, onde hoje está morando, e já tem um consultório, trabalha, está com a vida encaminhada. Em 1983, construímos outra casa em São Miguel. Nossos filhos já estavam todos casados, mas mesmo assim André quis construir uma casa bem grande, que pudesse abrigar a família inteira. Ele era louco pelos netos e queria que eles tivessem bastante espaço para brincarem. Então, comprou várias chácaras, num local um pouco mais afastado do centro, mas com uma vista privilegiada. Ele se envolveu completamente em todas as etapas da construção, parecia um menino contente com um novo brinquedo. A nova casa era o xodó do André. Se antes ele já gostava de ter a casa sempre cheia, depois que mudamos, então, tinha espaço de sobra para convidar bastante

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gente. E foi isso que ele fez. São Miguel, para o André, era o lugar abençoado onde considerava ser sua verdadeira casa. Ele tinha muito carinho pelas outras cidades onde tivemos nossos negócios, mas era em São Miguel que ele dizia: – Aqui é a minha casa e o meu lugar. São Miguel é para morar, os outros lugares para crescer.

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1970 - Eu e AndrĂŠ na formatura de oitava serie da FĂĄtima

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Araranguรก (SC) - Minhas filhas, todas jรก pensando em casamento

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Maioridade

1975 - Casamento Marli e Sabino

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Maioridade

1977 - Casamento Fรกtima e Hugo

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Maioridade

1979 - Casamento Vera e Itamar

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Maioridade

1981 - Casamento Blairo e Terezinha

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Maioridade

1982 - Casamento Rosângela e Plínio

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Maioridade

Meus queridos genros e nora, que se tornaram também meus filhos da equerda para a direita: Sabino (falecido), Terezinha, Itamar, Plínio e Hugo

1987 - Torres (RS) - baile de casamento de uma prima do André 142 O Olhar da Fortaleza


Maioridade

Outubro 1978 - Baile do CTG em São Miguel, André adorava dançar!

A concretização do sonho do André - nossa segunda casa própria em São Miguel, espaçosa para receber bem os filhos, netos e amigos 143 O Olhar da Fortaleza



TERCEIRA GERAÇÃO



Terceira Geração

Em 10 anos tive meus 14 netos. A Marli com o Sabino me deram o primeiro, o André Luis Maggi Pissolo. Eu estive com ela em todos os momentos, no hospital e, depois, ajudando a cuidar. Ser avó é uma sensação muito boa. O mesmo sentimento que tive quando vi o André pela primeira vez, tive com todos os outros netos e bisnetos. Cada um que nascia, parecia que era sempre o primeiro, de tanta felicidade que eu ficava. Quando o André Luis nasceu, no dia 12 de maio de 1977, foi uma grande euforia para toda a família. Ele era um bebê tão bonito e bonzinho que todas as enfermeiras queriam pegá-lo no colo. O Blairo estava em Curitiba no dia do nascimento e ligou no hospital pedindo pra gente beliscar o nenê perto do telefone para ele ouvir o choro do André. A gente ria, mas é claro que não beliscamos o nenê, né? A Fátima também estava em Curitiba, mas não resistiu, pegou uma carona e correu para conhecer o primeiro sobrinho em São Miguel. Era uma tia pra lá de coruja. Ela pegava o André e andava com ele mostrando pra todo mundo e não sossegava enquanto as pessoas não dissessem que ele era lindo. A Marli ficou na minha casa 40 dias depois que o André nasceu, e eu achei ótimo, porque assim, além de ajudá-la, pude curtir meu netinho bem de perto. Uma história que a gente ri até hoje aconteceu quando o Blairo chegou de Curitiba para conhecer o sobrinho. Eu e a Marli tínhamos saído e deixamos o nenê com a Bete, e não é que o tio sem juízo chegou e colocou um pouco de wisky na chuquinha e deu para o André beber? Aí ele, satisfeito, disse: – Está batizado! O menino dormiu o dia inteiro! Coitadinho! Mas o André foi uma criança muito calma, um menino muito

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bonzinho. Depois de morar um ano nos Estados Unidos, para aprender inglês, e se formar em Economia em Curitiba, casou-se, aos 25 anos, com a Kelly e já meu deu dois bisnetos lindos: o Arthur e a Júlia. Hoje, o André é o único neto que trabalha no Grupo André Maggi. É o atual Gerente da Fazenda SM 5, em Itiquira (MT). O segundo neto foi também a Marli e o Sabino que me deram. Em 21 de junho de 1978, nasceu o Felipe Maggi Pissollo. Era um nenê muito branquinho e comprido, uma criança linda. No dia em que o Felipe nasceu, era Copa do Mundo, o Brasil jogou com a Argentina e perdeu. Lembro que o Sabino ficou muito bravo e tomou um porre junto com o Hugo e nem conseguiu ir dormir com a Marli no hospital. Aí, a Fátima foi no lugar dele. O Felipe era muito levado. Fez arte a infância inteira e ensinou o André também, que era bonzinho, a fazer peraltices. Uma vez, ele colocou um carrinho embaixo da roda do carro e ficou esperando o pai sair. Quando saiu é claro que o carro destruiu o brinquedo. Aí, a Marli ficou brava e perguntou por que o Felipe tinha feito aquilo, e ele respondeu: – Ah, mãe! Eu queria ver o que tinha dentro do carrinho! Ele desmontava todos os brinquedos e montava novamente, fuçava em tudo, mexia nas tomadas e levava choque, era terrível. O Felipe fugia da Marli, e ela ficava desesperada procurando, ligava pra todo mundo e sempre o encontrava na casa da Terezinha e do Blairo, mexendo nos brinquedos da Ticiane. O Felipe fez Agronomia, em Bandeirantes, se formou e em 2005 casou-se com a Poliana Rossato e hoje mora em Redenção, no

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Pará, e já tem dois filhos: o Lucas e o Diogo. A Fátima e o Hugo me deram o terceiro neto, o Leonardo Maggi Ribeiro, o primeiro moreninho da turma, que nasceu em 14 de março de 1979. Como os dois primos mais velhos eram loiros de olhos azuis, quando o Leonardo foi crescendo ele chorava e dizia: – Por que só eu que sou preto??? A gente morria de rir! O Leonardo desde pequeno era bem genioso, quando começou a engatinhar saía atropelando as cadeiras, ninguém o segurava. Quando ele ficava comigo, às vezes também com a Rosângela, era um amor de menino, muito bonzinho. Mas perto da mãe, Ave Maria! Era terrível, muito bravo! Ele se transformava. Mas isso só quando era pequeno, hoje ele é adorável, com todo mundo. O Léo também morou nos Estados Unidos com o André Luiz, depois que voltou fez faculdade de Comércio Exterior, em Curitiba, fez um estágio na Holanda, um curso na Bolsa de Chicago, trabalhou como trainee no Grupo André Maggi, por dois anos e meio, e agora está se preparando, em São Paulo, para fazer um MBA direcionado para agribusiness no exterior. A Fátima vive pedindo um netinho para ele, mas o Leonardo já avisou que vai demorar, porque ele não pensa em casar-se tão cedo. Ele sempre brinca com a Fátima: – Compra mais um cachorrinho, mãe! No dia 20 de julho de 1981, ganhei o melhor presente de aniversário da minha vida: a minha primeira neta, Carolina Maggi Ribeiro, segunda filha da Fátima e do Hugo, que nasceu no dia do meu ani-

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versário. A Carol herdou o nome das duas bisavós maternas, a minha mãe e a mãe do André. A noite em que a Fátima teve a Carolina foi considerada a mais fria do ano e a nenê acabou pegando um resfriado forte, ela chorava bastante e nos deixou bem preocupados. A Vera foi fotografar o parto e a Rosângela dormiu com a Fátima no hospital, porque o André estava doente naqueles dias e eu não pude cuidar dela. A Fátima, depois que a nenê ficou maiorzinha, ia muito para Mato Grosso acompanhar o Hugo e me lembro da Carol andando no andador naquela terra da Fazenda SM1, em Itiquira. A menina, que era branquinha, ficava marrom de sujeira! A Fátima passou maus bocados quando a Carolina começou a andar, e as pessoas começaram a achar que ela tinha uma perna mais curta que a outra, ficou desesperada, né? Aí um pediatra examinou mais ou menos e disse que realmente uma perninha era maior que a outra. A Fátima entrou em pânico e passou um rádio para o Hugo em Mato Grosso, foi uma choradeira danada. Eu pensava comigo, por que Deus não deu essa perna mais curta para mim, ao invés da menina? Mas aí a Fátima levou a Carol pra Curitiba, num especialista, e ficou comprovado que não existia nenhuma anormalidade. Ela só tinha aprendido a andar errado por causa do andador. Nossa! Que alívio! Hoje, a Carol é uma mulher linda, elegante e inteligente. Formou-se em Administração de Empresas em Curitiba; na época da faculdade ela trancou os estudos por um ano e foi morar na Inglaterra para aprender inglês e, como ela adora conhecer lugares novos, viajou de “mochileira” por alguns meses pela Europa. Depois de formada, a Carol fez um mestrado na Flórida sobre Ecologia e hoje tra-

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balha em uma multinacional em São Paulo. Em 6 de setembro de 1981, nasceu a primeira filha do Blairo e da Tere, a Ticiane Souza Maggi, quarenta dias depois da Carol. O parto da Ticiane foi muito sofrido para a Terezinha e também para a nenê, que foi retirada da barriga por fórceps. Por causa destas complicações a menina levou três pontos na testa e quebrou a costela, ela chorava muito e a gente não sabia o que fazer. Além da dor das costelinhas quebradas a Ticiane chorava de fome, porque a Tere tinha pouco leite, então a Fátima começou a amamentá-la também. Depois, com três meses ela foi internada, porque começou a ter refluxo. Olha, a gente ficava com pena da Tere do tanto que ela sofria com a Ticiane, então procurávamos ajudar no que fosse preciso. Quando o Blairo e o Hugo se mudaram para Mato Grosso, moravam as duas famílias numa casa só. A Fátima e a Tere lavavam fraldas e mais fraldas durante o dia, cozinhavam, cuidavam da casa e das crianças. As duas primas cresceram praticamente juntas, são irmãzinhas de leite e também se tornaram grandes amigas. A Ticiane era uma boneca, loirinha de olhos azuis, meiga, linda e muito tímida. Quando fez 16 anos a Ticiane passou por maus bocados, ela e todos nós da família. Tudo começou com uma tosse incessante, que não passava com nenhum remédio, e depois apareceu uma cicatriz na garganta da menina. Aí, a Tere aproveitou que elas estavam em São Paulo, para visitar o André, que estava internado, e perguntou para o médico o que poderia ser, e ele disse que precisariam fazer uma biópsia. O Blairo, coitado, ficou desesperado e preferiu levar a Ticiane num médico de sua confiança, em Rondonópolis. Então foi

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comprovado que a Ticiane estava com câncer nos linfos (linfoma). Foram momentos muito difíceis para a família toda, nos apegamos muito à nossa fé e, graças a Deus, depois do tratamento e de muita luta, minha neta ficou curada. Foi uma grande bênção para todos nós! A Ticiane nos surpreendeu com sua força e persistência em lutar pela vida, venceu a doença, se graduou em Comércio Exterior em Curitiba e, hoje, é uma mulher formada. Me deu a minha bisnetinha Bianca, uma criança linda que trouxe muita alegria para toda a família, está feliz, casou-se no começo de 2008 com o Eduardo, que é uma pessoa muito boa e honesta. Enfim, Deus fez, e faz diariamente, maravilhas nas nossas vidas. Em 18 de junho de 1982 nasceu o primeiro filho da Vera e do Itamar, o Samuel Maggi Locks, um menino muito grande, com 4,580 kg. O Itamar ficou todo bobo, ficava o tempo todo rondando o berçário, vigiando o nenê. Até que uma hora uma criança chorou e ele correu e pegou o nenê pra levar para a Vera. Quando ela pegou o nenê levou o maior susto, era uma menininha loirinha! O Itamar saiu que nem louco procurando o filho na maternidade. Quando o Itamar achou o Samuel, ele estava no colo de um outro pai, todo contente, que estava vendo o filho pela primeira vez. Uma confusão! Todo mundo achou isso muito engraçado! O Itamar era tão coruja que fazia questão de dormir com a Vera todos os dias no hospital. Eu bem que me ofereci para ajudar a cuidar dela, mas ele não aceitou! Outra história que me lembro de quando o Samuel era bebê, é que quando ele estava com 40 dias a Vera e a Rosângela, em Curitiba, inventaram de dar caldo de feijão com gema de ovo para o menino,

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vê se pode! Até hoje elas contam que ele “apagou” o resto do dia, de tão enfastiado que ficou. Coitadinho! O Samuel era bem branquinho, quando a Vera saía com a Tere para passear com o nenê, ninguém acreditava que era filho dela, achavam que era da cunhada. Quando cresceu era um menino quieto, mas muito levado. Fazia as artes escondido e quando a gente via, tinha que correr pra desfazer as estripulias dele. Uma vez ele colocou fogo nuns colchões que ficavam num quartinho, com a irmã dentro, foi um Deus nos acuda! Outra vez, ele tinha apenas dois aninhos, o Itamar chegou da fazenda, abriu o portão pra guardar o carro e ele saiu correndo pra rua, e foi atropelado! Nossa! Foi um susto imenso, mas graças a Deus, só sofreu uns arranhões. Mas, apesar de ser levado, coisa normal de criança, era um menino muito obediente e organizado. Desde novinho arrumava as próprias coisinhas e não gostava de bagunça. O Itamar levava o Samuel direto pra fazenda, desde pequenininho, e assim ele já cresceu conhecendo as coisas de fazenda. Já adulto, fez Agronomia em Curitiba, depois morou na Nova Zelândia e na Austrália e, quando voltou para o Brasil abriu seu próprio negócio e se tornou um empresário da comunicação de muito sucesso. Em agosto de 2008 Samuel se casou com a Nadiane, em Cuiabá, e começou, assim, a formar sua própria família. Meu sétimo neto, o Bruno Maggi Pissollo, terceiro filho da Marli e do Sabino, nasceu no dia primeiro de julho de 1983. Era também um menino grande, nasceu com 4 kg. Era loirinho, loirinho, um olhão azul bem forte, todo mundo queria pegá-lo no colo, de tão

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lindo que era. O Bruno foi um menino que não dava preocupação quando era bebê! Mais tarde, na idade escolar, deu trabalho para a Marli porque não gostava de ir para a escola, mas era muito inteligente, tanto que, anos depois, fez duas faculdades em Curitiba, de Direito e de Relações Internacionais. Tornou-se um adulto muito culto, fez cursos de inglês e francês, gosta e entende tudo sobre política e tem uma sociedade em bares e restaurantes com os filhos da Rosângela. Hoje, é empresário e por enquanto está priorizando a carreira, não quer saber de casar tão cedo! Os filhos da Marli, como eram os únicos que moravam em São Miguel, eram muito apegados a mim e ao André. Lembro como se fosse hoje do Bruno ir buscar leite na minha casa todos os dias. Tenho lembranças ótimas daquele tempo! A Rosângela e o Plínio tiveram o primeiro filho, o Guilherme Maggi Schmidt, no dia 17 de janeiro de 1984, em Curitiba. A Rosângela teve o Guilherme antes da hora, e eu nem consegui chegar a tempo para acompanhá-la. Ela inventou de lavar todas as cortinas do apartamento antes do bebê nascer, e, por ter se esforçado muito, o nenê acabou nascendo, de parto normal, antes do dia previsto. Mas, graças a Deus, o parto foi ótimo, muito rápido, e o nenê nasceu com bastante saúde. O Plínio me ligou depois que o Guilherme nasceu, e eu fiquei uma arara com eles, mas é que foi tudo muito rápido e não teve mesmo como me avisarem. O Guilherme era bem magrinho, tinha os olhos bem azuis e era muito calmo. Ele sempre foi um menino muito bonzinho, bem comportado e andava sempre arrumadinho. A Rosângela dizia que era in-

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crível, ela penteava o cabelinho dele de manhã e à noite continuava no mesmo lugar, todo certinho! Ele gostava muito do contato com a natureza, adorava pescar e ir para o sítio que o Plínio e a Rosângela têm em Curitiba. A Rosângela contava que o Guilherme ficava torcendo para chegar as férias, para ir para São Miguel encontrar os primos e ganhar os “chequinhos” do vô. O André adorava dar dinheiro para a garotada! O Guilherme entrou em pânico no dia que soube da morte do avô, sofreu muito, coitadinho! Depois que o André morreu, ele fez questão de ficar uns dias em São Miguel, me fazendo companhia. Muito atencioso! Quando tinha 15 anos, ele foi com um grupo de amigos para o Canadá, onde passaram dois meses. Era um adolescente curioso que gostava muito de aprender coisas novas. Hoje ele faz economia e já montou uma factoring, além da sociedade com os primos nos bares, é solteiro e parece que ainda não pensa em casamento. No dia 18 de maio de 1984, ganhei mais uma netinha, a Thaiana Maggi Locks, segunda filha da Vera e do Itamar. Ela era pequenininha, moreninha, parecia uma bonequinha. Pesava 3,675 kg. Nos primeiros dias, a Vera tinha medo de dar banho nela, de tão pequeninha que era. A Vera teve todos os filhos dela em Curitiba, com a mesma médica, e, como a Rosângela tinha tido o Guilherme há 4 meses, a ajudava nos banhos da menina. Logo que nasceu o bebê, com nove dias de vida, a Vera já voltou para Rondonópolis, com o Itamar, o Samuel, a Thaiana e eu, que fui junto para ajudá-la. No caminho, lembro que paramos para dormir em Campo Grande e eu dei banho na Thaiana

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na pia do banheiro! Olha só! Fiquei pouco tempo ajudando a Vera em Rondonópolis, e depois, ela, corajosa, cuidava sozinha do nenê e do Samuel, porque o Itamar ficava o dia todo na fazenda. O Samuel tinha muito ciúmes da Thaiana, e um dia a Vera pegou ele no quarto com um martelo de bife, já para acertar a cabecinha da nenê. Pegou no pulo! Ele tinha um ano e onze meses. A Thaiana sempre foi uma menina boazinha, era um pouco levada, também, mas era coisa normal de criança. Quando o André passava por Rondonópolis, na maioria das vezes ficava na casa da Vera. Uma vez, a Thaiana chegou da escola, não sabia que ele tinha chegado e falou: – Nossa! Que cheiro de vô! – Por causa do perfume forte que ele usava. A Thaiana graduou-se em Psicologia, em Curitiba, teve uma filha linda, a Sophia, que é muito atenciosa com a bisavó! Um amor de menina! Em 2007 casou-se com o Diogo Logrado e, hoje é proprietária de uma clínica de Psicologia em Rondonópolis, e é uma profissional muito bem sucedida. No dia 27 de setembro de 1984, nasceu a única neta matogrossense, a Belisa Souza Maggi, segunda filha do Blairo e da Tere. Foi um parto cesárea, mas muito tranqüilo, bem diferente do parto da Ticiane. A Vera também foi fotografar o parto. A Belisa era um doce de menina, muito tranqüila, serena e meiga. Todas as férias a Tere ia para São Miguel com as crianças e, numa destas viagens, ela começou a brincar com a Ticiane e com o Andrézinho, que eles estavam indo para a terra natal deles. E a Belisa, que devia ter uns três ani-

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nhos, chorava, ficava magoada e dizia: – Ô, gente, eu também nasci no Brasil! Uma graça! Ela sempre foi boazinha, mas só ficava levada quando estava com a Thaiana; as duas eram da mesma idade e era só estarem juntas que aprontavam alguma arte. Uma vez, quando estávamos em Camboriú, no litoral de Santa Catarina, as duas inventaram de sair para o mar em cima de uma bóia, foi um desespero quando perceberam que não conseguiam mais voltar e, graças a Deus, foram salvas por bombeiros salva-vidas, que deram boas broncas nas duas. Outra vez, em Rondonópolis, as arteirinhas enfiaram na cabeça que queriam comprar um bugue e fugir de casa para morarem sozinhas. Elas tinham uns 9 anos na época... e aí começaram a articular um plano. O Blairo ia viajar para o exterior e tinha separado alguns dólares, que estavam dentro do guarda-roupa, aí elas encontraram e pegaram uma parte. Dias depois, a Vera, arrumando as coisas da Thaiana, achou os dólares. Ela apertou as duas e aí foi uma choradeira danada e acabaram entregando o plano. Vê se pode! Mas o Blairo conversou muito sério com as duas, explicando que isso era errado, e elas ficaram com muita vergonha e aprenderam a lição. Mas a Belisa sempre foi muito extrovertida, espontânea e muito calma. É só olhar para a carinha dela e já dá pra perceber a paz e tranqüilidade que ela transmite. Ela se formou em Direito, em Curitiba, gosta muito de ler e é muito dedicada em tudo que faz. A Rosângela e o Plínio tiveram o segundo filho logo depois do primeiro. No dia 26 de julho de 1985, nasceu o Fabricio Maggi

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Schmidt, em um mês de muito frio! A Rosângela foi uma ótima “parideira”, o Fabricio nasceu também de parto normal, na maior facilidade. Ela só não conseguiu amamentar, porque não tinha nada de leite. O Fabrício já nasceu elétrico, com 10 dias o menino se virou e caiu do carrinho; a Rosângela ficou apavorada, coitada! Mas, graças a Deus, o nenê não machucou. Era muito agitado. Quando a Rosângela estava grávida, ela ficava toda dolorida de tanto que o nenê chutava dentro da barriga. Quando o Fabrício estava com 15 dias, a Rosângela o levou no pediatra, que diagnosticou um problema sério no coração. Ela e o Plínio nem quiseram contar para a família para não alarmar, resolveram primeiro fazer todos os exames, e, graças a Deus, não deu nada sério. O menino tinha um sopro no coração, que não ocasionou maiores problemas, e teve uma infância normal. O que o Guilherme tinha de bonzinho, o Fabrício tinha de peralta. Ele vivia aprontando. Uma vez, a Rosângela e as duas crianças pegaram uma carona de avião com o André, de Rondonópolis para Curitiba, e o Fabrício foi na frente com o piloto, o Almir. De repente, o avião começou a perder a altitude, todo mundo ficou apavorado, e quando o piloto se deu conta, tinha sido o Fabrício que tinha mexido num botão que não podia. Olha que perigo! Ele era terrível, mexia em tudo! O Almir ficou bravo e falou para a Rosângela: – Pega esse menino e amarra ele no banco aí atrás, se não ele vai derrubar esse avião. Aí, a Rosângela ficou brava com ele, levou-o para o banco de trás e o menino, na maior inocência, falou:

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– Mãe, mas eu só mexi naquela coisinha ali! No fim todo mundo achou graça! O André que gostava de ver as artes que ele fazia. Às vezes, até incentivava para ver o circo pegar fogo! O Fabrício era muito curioso, e o André gostava desse jeito dele, então desregulava a televisão, quando estava em Curitiba, e ligava para o apartamento da Rosângela pedindo para o menino descer para arrumar o aparelho. Ele fazia isso sempre, de propósito, porque gostava de ver o menino mexendo nas coisas. Uma vez, o Plínio deu um carrinho de controle remoto muito caro para os meninos, um dia em que o Samuel da Vera também estava na casa da Rosângela. Passou um tempinho que acabaram de ganhar o presente, a Rosângela notou que eles estavam muitos quietos e foi averiguar o que estava acontecendo. Encontrou os três trancados num lavabo, com uma caixa de ferramentas, desmontando o carrinho, já quase destruído. Idéia do Fabrício, claro! Ele não tinha jeito! Nunca mais conseguiram montar o carrinho e o Plínio ficou muito bravo. Hoje, o Fabrício continua um curioso, mas um curioso responsável. Se formou em Agronomia, em Curitiba, e atualmente é empresário do ramo de bares e restaurantes, junto com o irmão e os primos. A Vera e o Itamar tiveram a última filha, Andressa Maggi Locks, no dia 11 de julho de 1986. Em quatro anos e 20 dias, a Vera teve os três filhos, uma verdadeira escadinha! A Andressa também nasceu bem grande, com 4,200kg, era uma menina forte e muito bonita. Sete dias depois de ter nenê, a Vera pegou as crianças, colocou-as

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no carro e foi para São Miguel, passar comigo o meu aniversário. Corajosa, né? Desde bem pequenininha a Andressa era muito comilona, tinha um apetite impressionante! Em Rondonópolis ela ia passando na casa de todos os tios para comer, a gente achava muito engraçado! Na casa da Tere, como ela brincava muito com o Andrézinho, o lugar da Andressa já ficava arrumado na mesa. Ela almoçava em casa e já chegava na Tere dizendo que estava com fome! Com nove anos a Andressa já aprendeu a dirigir, era esperta demais! Aprendeu com o Ocimar Villela, na fazenda em Sapezal, em uma caminhonete velha que só vendo! E o André incentivava, ele adorava ver os netos aprendendo a se virar. A Andressa tinha umas tiradas ótimas; quando ela estava se preparando para a crisma, a professora perguntou para todos os alunos por que queriam ser crismados. Quando chegou a vez dela, respondeu: – Ah, porque minha mãe disse que se eu não crismar eu não caso! Outra história engraçada foi quando ela, a Thaiana e a Belisa foram para a Suíça passear na casa de uma amiga da Vera. A Andressa tinha só 9 anos, e elas foram sozinhas, sem as mães, no avião. Aí, quando chegou a noite, a Andressa, na maior inocência, perguntou para a Thaiana: – Ô, Thaiana, nós não vamos parar pra dormir? Hoje, quando nos reunimos e lembramos disso, damos muitas risadas! Quando chegou a idade de fazer faculdade, a Andressa inventou que queria fazer Design de Moda. Nesta época, ia ter um jogo do Brasil, era Copa do Mundo, e ela, quietinha, pegou uma bandeira da Vera e fez um desenho, foi na costureira e apareceu no dia do jogo

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vestida com a bandeira, com um vestido tubinho bem curtinho. Só aí a Vera foi descobrir onde tinha parado a bandeira. Cada coisa! Mas depois a Andressa abandonou a faculdade de Moda e começou a fazer Fisioterapia e está adorando! Paralelo à faculdade, está concluindo também um curso de Chef de Cozinha do Centro Europeu; ela adora essas coisas e está super feliz e diz pra gente que agora só falta casar! E, segundo ela, isso deve acontecer no ano que vem, porque está namorando firme com o Orlando Henrique Polato, e os dois querem muito formar uma família. Em 27 de janeiro de 1987, chegou mais um André na nossa família. O terceiro filho da Tere e do Blairo, para dar continuidade ao legado dos Andrés Maggi. André Souza Maggi nasceu em Curitiba, muito pequenininho, prematuro, de 8 meses. Pesou apenas 1,600kg, cabia quase que na palma da mão, era difícil até para dar banho! A Tere teve um problema sério antes dele nascer: pré-eclâmpsia, por isso foi preciso tirar o bebê antes da hora. Graças a Deus, a Tere foi muito bem atendida e deu tudo certo. O parto foi muito difícil, e no momento que o André nasceu o médico falou para o Blairo: – Nasceu o Tarzan! O Andrézinho ainda ficou 11 dias na UTI, a Tere tirava o leite materno e o Blairo levava no hospital, todos os dias. No dia em que o nenê conseguiu sugar o leite e mamar sozinho na Tere os médicos liberaram para levá-lo para casa. Foi uma alegria para a gente! Depois ficou tudo bem, ele cresceu sempre muito ativo. Gostava tanto de subir em árvores que o Blairo fez uma casinha em cima de uma árvore para ele, que ficou todo animado. Não era à toa que o mé-

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dico o chamou de Tarzan quando nasceu. Ele era muito aventureiro, subia nas árvores e pulava, vivia quebrado, uma hora o braço, outra hora a perna, se machucava, mas nada o intimidava! O André e a Andressa eram uma dupla dinâmica, os dois se juntavam e faziam arte até não poder mais. Quando ia para São Miguel e encontrava com os primos, os filhos da Rosângela e da Marli, sumiam na cidade. As mães ficavam que nem loucas, caçando os guris. E ele era danado; toda vez que a Tere ia dar bronca, ele fazia chantagem: – Olha como eu sou magrinho! Não briga comigo! O André era muito ruim de comer, todo mundo vivia insistindo, e ele dava um jeito de ficar livre, muitas vezes ele pegava a comida e dava para o cachorro. Mas, graças a Deus, tinha a saúde boa. Depois que cresceu, foi morar em Curitiba para fazer o terceiro colegial. Passou no vestibular para Administração, fez três semestres em Curitiba e transferiu a faculdade para Cuiabá, onde ainda está estudando. Paralelo à vida de estudante, o André é DJ e está iniciando também a carreira de empresário da noite, com a abertura de uma casa noturna em Cuiabá, que se chama Garage. E por fim nasceu a nossa neta caçulinha, última filha da Marli e do Sabino, a Sabriny Maggi Pissollo, que veio ao mundo no dia 18 de agosto de 1987. A Sabriny foi uma grande alegria para a Marli e o Sabino, que queriam muito ter uma menina, e foi criada como uma princesa. A Marli já tinha escolhido este nome desde o primeiro filho, porque ela era louca para ter uma menina, e conseguiu só na quarta tentativa! O parto da Sabriny foi feito em Cascavel, porque a Marli so-

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freu um aborto antes de nascer o Bruno, então ela procurou um especialista ótimo de lá, e os dois últimos partos foram feitos com ele. O engraçado é que a Sabriny nasceu bem moreninha, com o cabelinho muito preto, tinha os olhos bem cinza, eu a achei até parecida com a Vera, quando nasceu. Mas depois descobrimos que ela estava morena porque estava com o cordão umbilical enrolado no pescoço na hora do nascimento, então na verdade esta “morenice” era porque estava quase ficando roxa! A Marli levou um susto muito grande: uns quinze dias antes da Sabriny nascer, sofreu um acidente de carro na rodovia em São Miguel. Ela se machucou um pouco, mas nada grave. O fato é que o susto do acidente acabou adiantando o parto. Mas ainda bem, porque o cordão estava bem enrolado no pescocinho da nenê; talvez, se tivesse nascido na hora certa, poderia ter acontecido uma tragédia. A Sabriny era uma menina linda, com os olhos muito azuis, não tinha quem não se encantasse por ela. Bravinha e geniosa como ela não tinha igual! Gostava de chorar que era uma coisa, mas quando queria era muito carinhosa. O Sabino paparicava a Sabriny de todo jeito, ela era o xodozinho dele. Desde pequenininha ela e a Andressa, da Vera, eram unha e carne. As duas aprontavam muito juntas. Fugiam de casa, pegavam o carro escondido. Nossa! Até perdi a conta do número de peraltices que as duas fizeram juntas. Elas se divertiram muito, mas também passaram juntas um dos piores momentos da vida delas e de toda nossa família. Em 2003, as duas foram seqüestradas em Rondonópolis, ficaram 24 horas nas mãos dos bandidos. Foram as 24 horas mais longas e tristes das nossas vidas. Mas, graças a Deus, com a ajuda de especialistas da Polícia e

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da oração e do apoio de muitas pessoas, tudo acabou bem. Lembrome até hoje quando veio a notícia que elas tinham sido libertadas, estávamos todos reunidos na casa da Fátima, na maior aflição, e foi um alívio muito grande. Foi uma alegria imensa poder abraçar minhas netas e comprovar que estavam vivas e em segurança. Esta foi uma experiência muito dolorosa e que eu não desejo jamais para nenhuma pessoa neste mundo. Hoje a Sabriny está madura, focada nos objetivos de vida, faz Psicologia em Rondonópolis e está adorando os estudos. Namora firme com o Herlon Fagundes, que a incentiva e dá muito apoio a ela. Quem sabe em breve teremos um novo casamento na família? A Sabriny é muito carinhosa e atenciosa comigo. Quase todas as tardes ela vai até minha casa para tomarmos juntas o café da tarde, desde pequena. Nós sempre nos lembramos, quando estamos juntas, de quando ela era pequeninha, chegava para mim, apertava a minha bochecha e dizia: – Nossa, vó, você tá tão lindinha, tão fofinha, tão molinha, parece um balão murcho! Essas são lembranças muito gostosas. Todos meus netos, mesmo morando longe, se encontravam sempre, nas férias, nos feriados, em São Miguel, em Curitiba e em Rondonópolis. Sempre se entrosaram bem e respeitam muito a união da família, o que me deixa muito feliz. Quando estão juntos sempre surgem histórias engraçadas. Lembro uma vez que foram quase todos passar uns dias na casa da Rosângela, em Curitiba, e ela quase ficou louca. Ela ficava in-

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ventando programas para ver se as crianças sossegavam. Uma vez, ela saiu cedo com eles e foram fazer um piquenique, passaram boa parte do dia andando pelo parque, as crianças correram, se divertiram até! Quando voltaram ainda foram tomar sorvete, e quando iam para casa, o Leonardo da Fátima falou: – Tia, vamos visitar o cemitério! E lá foi ela, com aquele bando de criança passear no cemitério! Haja energia! Vê lá se isso é lugar de passear! As crianças eram terríveis. Tem tantas histórias bacanas dos meus netos que, se eu fosse contar todas o livro teria que ser só sobre eles. Sempre tive o carinho de cada um deles e agradeço muito a Deus por essas pessoas maravilhosas que Ele colocou na nossa família. Eu amo meus netos e bisnetos como se fossem meus filhos! O André não dava muita confiança quando as crianças eram bebês, ainda de colo. Claro, cada um que nascia ele queria saber como é que estava, se estava tudo bem, com saúde. Sempre teve carinho pelos netos, mas do jeito dele. Depois que ficaram maiores, aí, sim, ele ficou apaixonado pelas crianças. Ele brincava e adorava aprontar com eles. Na época em que começou a usar bengala, vivia puxando as crianças pelos pés, só para dar risada, e adorava aprontar com eles para ver como se saíam das situações difíceis. Sempre quando nasce uma criança na nossa família, eu penso assim: “Que Deus mande mais, mas não tire os que já temos”. É tão triste perder qualquer pessoa da família! Por isso peço a Deus que guarde com todo o cuidado e carinho os meus queridos netos e bisnetos.

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Nós perdemos o Sabino, marido da Marli, em 1996, num acidente de carro em São Miguel. Ele estava indo da fazenda para a cidade almoçar e bateu com outro carro. Deixou a Marli com os quatro filhos pequenos, foi muito triste. Ela ficou viúva muito nova e criou os filhos sozinha. Depois de muitos anos, a Marli encontrou um companheiro, o Josino Guimarães, que é uma pessoa que a apóia e a faz muito feliz.

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1978 - André Luiz - meu primeiro netinho

Eu com meus netos mais velhos: André, Felipe e Leonardo

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Todos adoravam o colinho da vovó - Leonardo, André e Felipe

André e Hugo brincando com o Andrézinho, que era a novidade da família 168 O Olhar da Fortaleza


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1981 - Batizado da Ticiane

Natal de 1990 - eu e o André muito felizes com os netos todos por perto

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Reveillon 2000 - Camboriú (SC) - A última foto minha e do André com os netos todos reunidos

Quatro gerações - Carol, Fátima, eu e minha querida mãe

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Terceira Geração

Primeiro natal que passamos sem o André a família é a minha grande força

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NOVAS FRONTEIRAS



Novas Fronteiras

Em 1971, parte das terras de São Miguel do Iguaçu foram alagadas pelo lago de Itaipu, o gigantesco reservatório de água de uma das maiores usinas hidrelétricas do país. Ao redor do lago foi criado o Parque Nacional do Iguaçu. Foi nesta época que o André começou a pensar em comprar terras em outros estados, porque ali já não tinha mais jeito de crescer. A primeira idéia que o Andre teve foi de comprar terra no Amazonas. Ele pensava assim: “Se tem tanta árvore grande por lá, a terra deve ser muito boa para o plantio. O pai dizia que terra boa tem que ter mato bem alto” e pensando desta forma, em 1977, foi para Manaus pesquisar preço e ver se conseguia um bom negócio. Todo mundo achou uma loucura, mas ele não deu ouvido pra ninguém. Na época, muita gente estava indo comprar fazendas no Paraguai, mas eu morria de medo. Então disse pra ele: – Se tu quer ir lá para cima, sair daqui para ir para o Amazonas, para qualquer lugar, eu até posso ir te acompanhar, mas não me inventa de atravessar o rio para comprar terra no Paraguai porque aí não vou ser companheira de jeito nenhum. Então, ele acabou indo para o Amazonas e conseguiu comprar uma área muito grande em Cumutana, uma fazenda com 110 mil hectares e outra área com 5 mil hectares em Humaitá. Essas, sim, tinham um mato grande, do jeito que ele achava que seria bom. Pouco tempo depois da compra, o Altair foi em Manaus realizar a regularização das terras no INCRA, em Manaus, e ficou sabendo que estas terras eram embargadas pelo governo e que a escritura não tinha validade, eram falsificadas. Conclusão: o André perdeu as terras e o dinheiro. Economia de anos! Ele ia para lá muitas vezes, pegou malária, trabalhou

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como um louco para não dar em nada. Uma vez, eu e o Blairo fomos até lá com ele para conhecer a propriedade, era tudo uma beleza, mas o sonho foi desfeito. André ficou desconsolado e quando viu que não tinha mais jeito, abandonou tudo e voltou para o Paraná, mas não deixou se abater, fazer o quê? Voltando do Amazonas, André passou por Mato Grosso, mais precisamente pela região sul, pelas cidades próximas a Rondonópolis. Ele contava que tinha achado a região muito bonita, as áreas de terras grandes e com muita planície, mas a vegetação era toda baixa, de cerrado, e achou que a terra não devia ser boa para lavoura. Mas ficou com isso na cabeça... só matutando. Por via das dúvidas, ele levou um pouco de terra para fazer análise no Paraná e descobriu que, para fazer aquela terra dar a mesma produtividade que no Paraná, precisaria aplicar no solo cerca de cinco toneladas de calcário por hectare. Então em sete de setembro de 1979, o André voltou novamente em Mato Grosso e comprou uma área muito boa em Itiquira. No dia em que ele ligou pra mim lá de Mato Grosso contando que tinha comprado esta área, fiquei apreensiva e disse: – Ai, meu Deus! Vão fazer como no Amazonas! Ele me acalmou e disse que desta vez era garantido. No mesmo ano iniciou o plantio de soja na Fazenda Sementes Maggi 1 (SM1). A primeira colheita não foi lá tão boa, mas mesmo assim ele continuou comprando outras fazendas próximas e foi dando o nome de SM 2, 3, 4 e 5. Muitas pessoas no Paraná acharam loucura o que ele fez, mas em pouco tempo o André provou para todos que ir para Mato Grosso não era loucura, que aquilo era visão. Uma rentável descoberta. Logo que o André comprou as terras em Itiquira, um mês depo-

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is, eu já fui conhecer a nova aquisição. Fiquei instalada numa casinha bem pequena, o banheiro era para fora de casa, tudo muito simples. Tinha um casal que morava nessa casa e a mulher cozinhava para os peões, então, assim que cheguei, já arregacei as mangas e comecei a ajudá-la. Eu ajudava a fazer tudo: lavava roupa, cozinhava, arrumava a casa. Lembro-me como se fosse hoje, eu levava comida e café da tarde na roça para os funcionários, isso me dava uma alegria, eu gostava muito de ajudar e tratar esse pessoal bem. No começo era o André quem tocava a fazenda em Itiquira. Ele ia com as máquinas do Paraná para Itiquira, plantava e voltava pra lá. A colheita era a mesma coisa, colhia primeiro no Paraná e depois no Mato Grosso. Como ainda não tínhamos capital para comprar maquinário para as duas fazendas, então fazíamos esta jogada. O Hugo e o Itamar também vinham do Paraná para ajudar o André e ficavam pra lá e pra cá. O Hugo carregava o escritório no banco de trás do carro, porque não tínhamos um lugar pra organizar a papelada da fazenda. O primeiro genro que decidiu deixar o Paraná e se mudar para Mato Grosso, depois de uns três meses, foi o Itamar. A Vera foi junto, ela não quis nem saber do marido ficar em Mato Grosso e ela no Paraná. Tratou de arrumar as coisas e ir junto com o marido. Em seguida, o Blairo e a Terezinha também decidiram se mudar, e mais tarde o Hugo e a Fátima. Todos vieram no mesmo ano. O Sabino e a Marli não quiseram ir para Mato Grosso, então ficaram cuidando dos negócios no Paraná. Essas mudanças aconteceram no início da década de 80. E a partir daí eu e o André ficávamos pra lá e pra cá. Depois que começamos os negócios em Mato Grosso as viagens foram cons-

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tantes na nossa vida. Não paramos mais, até hoje. Nossa! Eu já andei muito por essas estradas do centro-oeste e do sul do país. Meu Deus! Eu saía de madrugada de São Miguel com o André e chegava em Rondonópolis dez da noite. As estradas eram muito ruins. Na maioria das vezes, o André conversava muito comigo sobre os negócios, mas aconteceu muito dele comprar fazendas, fazer outras negociações e só depois me contar. Ele tinha este espírito de desbravador e não gostava que ninguém ficasse o policiando. Então ele ia, fazia e depois contava. Uma característica forte nossa é que a gente não gostava de vender nada do que a gente tinha. O André falava para os filhos: – Terra não se vende, se compra. O André também sempre procurou zelar pelo nome e manter o crédito. Nós passamos muitas dificuldades financeiras ao longo da nossa vida, mas ele sempre procurou pagar a quem devia e ter sempre crédito nos bancos. Quando não dava para pagar, ele corria e dava satisfação para quem estava devendo. O André sempre dizia: – Satisfação também paga conta. E por ter este crédito que ele conseguiu comprar tantas fazendas e ampliar nossos negócios. É claro que a ajuda dos nossos filhos, genros e funcionários foi importantíssima para chegarmos onde chegamos, mas o principal foi a astúcia e coragem que ele já tinha e que acabou passando também para a família inteira. Depois que todas as fazendas da região sul de Mato Grosso já estavam formadas, André começou a sondar terras no noroeste de Mato Grosso, uma região que não tinha a menor infra-estrutura. Foi aí que ele começou a sonhar mais alto, pois sempre quis ter uma fa-

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zenda bem grande em um lugar só; na região sul, já era difícil encontrar propriedades grandes, do jeito que ele queria para comprar. Alguns corretores, o Blairo e o Eraí, meu sobrinho, também estavam procurando. Apesar da procura constante, o André não conseguiu a área do tamanho que ele queria, mas mesmo assim o Blairo e o Itamar conseguiram encontrar uma bela área, mas num lugar que não tinha cidade, não tinha nada. Os dois ficaram encantados com a terra, e quando levaram o André para conhecer o lugar, ele também se apaixonou. Então, para comprarem esta fazenda, eles criaram a Empresa Agropecuária Maggi. Primeiro, foi comprado um pedaço menor e depois a empresa foi crescendo, e Blairo e o Itamar foram comprando as propriedades vizinhas, que hoje é a Fazenda Tucunaré, com 57 mil hectares, em Sapezal. Na propriedade só tinha uma casinha, onde morava um velhinho que cuidava da fazenda, uma pista de avião pequena, um armazém e um chiqueiro, que ficavam praticamente juntos. Quando fui conhecer a nova aquisição, a Rosângela e as crianças dela foram comigo e com o André. Não tinha nem lugar para a gente se instalar direito. Tivemos que ficar na casinha, junto com a família do senhor que cuidava da fazenda. O casal deu a cama deles para dormirmos, eu, a Rosângela e as crianças, e eles, coitados, foram dormir no chão. Apesar de toda a boa vontade deles, não conseguimos dormir direito porque a casa era cheia de ratos e ficávamos com medo deles subirem nas crianças. O André, sem espaço na casa, foi dormir no armazém que ficava junto com o depósito de adubo. Alguns dias depois, o nosso primeiro avião, um Sêneca, ia levar a Rosângela com as crianças embora

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e eu quis ir junto, André pediu para que eu ficasse, então eu falei para ele: – Você vai me desculpar, eu fico aqui quantos dias você quiser, mas só depois que tiver uma casinha, um quartinho para nós, qualquer coisa. Assim, tirando o empregado do lugar deles, não dá. E assim era a realidade naquele tempo. Quando as coisas se ajeitaram André mandou construir uma casinha para a gente na fazenda. E foi aí que comecei a ir mais vezes para lá. Às vezes, ficávamos dois, três meses lá, direto. Mas sempre tínhamos que voltar para São Miguel, porque minha mãe e meu sogro ainda eram vivos e a gente tinha muito cuidado com eles. A nossa vida era assim, pra lá e pra cá o tempo todo. O André sempre ficava de mala pronta, porque sempre decidia ir viajar de uma hora para a outra. Mais tarde resolveu que ia ter roupas em todos os lugares: em Sapezal, em Curitiba, em Camboriú e Rondonópolis, assim tinha a liberdade de levar pouca coisa na bagagem quando viajava. Em São Miguel as atividades continuavam, era de lá que, no começo, vinha o dinheiro para os investimentos no Mato Grosso. Depois que compramos a Fazenda Tucunaré, em 1985, o André construiu uma serraria, então ali fez várias casas de madeira, se preparando para abrigar os funcionários que seriam contratados. Quando adquirimos as terras em Sapezal, mais uma vez ouvimos muitas pessoas dizerem que era loucura plantar soja ali, porque a logística não compensava, não tinha estrada, não tinha como tirar o produto para comercialização. – Como vão escoar a produção? – Era o que todo mundo perguntava.

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No começo, até eu e meus filhos fomos contra este investimento. Mas ele não quis saber. O Blairo e Itamar, quando conheceram a área, também ficaram apaixonados, como o André. E juntos foram criando alternativas para solucionar todos os gargalos. Antes de começarem a mexer na fazenda, passaram dois anos indo de tempos em tempos em Sapezal, onde ficavam traçando metas e fazendo planos. O André dizia: – Primeiro, vamos construir estradas, depois vamos construir uma cidade com toda a infra-estrutura para atrair pessoas para lá. E assim eles faziam planos e já iam ajeitando as coisas e tomando providências para concretizá-los. O André conseguia o que queria envolvendo as pessoas nos seus objetivos. Delegava responsabilidades, convencia as pessoas, fazia política. E foi assim que, com a ajuda de muita gente dedicada e com muitas parcerias, que ele construiu Sapezal. Sapezal começou com a construção do armazém para guardar a produção e de três casinhas para os funcionários que o André tinha trazido do Paraná. O armazém era muito grande e chamava a atenção pela imponência da construção. Até o Hugo quando viu o tamanho do armazém, ficou muito bravo: – Onde vai plantar tanta soja para encher este “elefante branco”? O André ria. Tudo foi construído do zero, as casas, as ruas, as estradas para chegar até lá, as pontes. Onde era tudo cerrado, aos poucos foi ganhando cara de cidade, que foi construída em cima do Loteamento Cidezal Agrícola, de nossa propriedade. André ia planejando tudo que precisava ser feito. Ele dizia que o lugar precisava atender as ne-

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cessidades básicas da população, para atrair cada vez mais gente para lá. Queria que Sapezal fosse uma grande cidade e para isso não media esforços e nem capitais financeiros para que isso acontecesse. Foi aí que, em 1992, André começou a construir uma pequena central hidrelétrica, aproveitando a abundância de água do rio Juruena, para produzir luz o suficiente para abastecer a fazenda e a cidade. A Usina foi construída em 90 dias, e o André mandou construir uma rede de distribuição de energia elétrica para a fazenda e fez também uma igreja. A parti daí a cidade foi surgindo. André arcou com os custos de saneamento básico, abastecimento de água e de energia, segurança pública, saúde, educação, limpeza pública e daí para muito mais. Não havia quem segurasse aquele homem. Até um hospital ele conseguiu construir, na época com a Fundação André Maggi. Depois do prédio pronto, ele foi várias vezes para Ponta Grossa para convencer as irmãs de caridade a irem cuidar do hospital. No começo elas não queriam de jeito nenhum, mas ele insistiu tanto, foi tão determinado, que conseguiu, depois de dois anos de insistência, a levar as irmãs para lá, onde construiu casa para morarem e deu toda a infraestrutura necessária. Até hoje são elas que cuidam do hospital. André trouxe muita gente do Paraná para trabalhar com a gente em Mato Grosso. Pessoas muito capazes, que nos ajudaram a crescer. Ele fazia de tudo para levar pessoas de São Miguel para Sapezal, dava lotes, casas e incentivou o surgimento do comércio local. Ele queria de todo jeito povoar a cidade. Em 1994, aconteceu o plebiscito para Sapezal se emancipar de Campo Novo do Parecis, cuja população não se opôs. Então, a partir

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da vitória do plebiscito, foi criado o município de Sapezal, que ficou, a princípio, sem administração. Com todo o jeito que o André tinha para fazer política e convencer as pessoas a fazerem o que ele queria, conseguiu, junto com o Blairo, articular a criação do Corredor Noroeste de Exportação. Para viabilizar este projeto foram muitos anos de conversas, articulações políticas e muito planejamento, onde o Blairo teve um papel fundamental. Para conseguir escoar a soja via hidrovia foi preciso construir uma estrada de acesso a Porto Velho, em Rondônia; a soja da região do Parecis, no noroeste de Mato Grosso, seria escoada em barcaças graneleiras pelo rio Madeira até o Amazonas, onde, após ser carregada em grandes navios, seguiria direto para exportação. Um projeto audacioso que se tornou realidade em 1997. Depois da emancipação de Sapezal, surgiu a necessidade de efetivar a administração política da cidade, e logo o André se mostrou interessado em assumir como prefeito. Eu achava uma loucura, pedi muito a ele que não fosse candidato, mas não adiantou nada. A primeira eleição em Sapezal aconteceu no mesmo ano do início das atividades do Corredor Noroeste de exportação, em 1997, e como o André foi candidato único, foi eleito prefeito por unanimidade. Na posse ele parecia um menino que ganhou um brinquedo novo, estava radiante. Muito feliz. Fez questão de convidar os amigos, parentes e funcionários de São Miguel e Rondonópolis para dividirem com ele aquela alegria. Foi uma festa muito bonita, inesquecível para toda nossa família. No início do mandato, André fez um acordo com os vereado-

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res, e eles assinaram um compromisso público, registrado em cartório, onde todos abriam mão de seus salários durante os quatro anos de mandato. No começo, a prefeitura, que funcionava numa casa comprada pelo André, não tinha nem cadeira para sentar. Ele e os vereadores começaram do zero. Nos primeiros meses as coisas andaram muito bem. Nesta época o André não estava bem de saúde e teve que se ausentar muitas vezes para se tratar. Em uma destas saídas, depois de um ano de mandato, os vereadores se reuniram e criaram uma lei para receberem salários, levaram para votação e eles mesmo aprovaram. Quando o André retornou de viagem, ficou muito decepcionado, com muita raiva. A partir daí, a saúde dele foi piorando, porque estava irritado e cada dia mais nervoso. Um dia, ele chegou em casa e me disse: – Eu vou renunciar a esta prefeitura. Fui enganado. E eu falei: – Você não deve renunciar. O povo confiou em você, e agora você não pode trair a confiança deles. E ele não me ouvia. Ficou ainda insistindo um tempo nesta idéia. Então resolvi ligar para o Blairo, que, quando contei o que estava acontecendo, disse: – Ah, mãe, não pode deixar de jeito nenhum, o povo confiou, agora o pai vai abandonar a prefeitura? Aí coloquei o Blairo para falar com ele, e, com muito custo, acabou o convencendo. Ficou mais uns meses. Mas a desavença com os vereadores só crescia. Um dia, eu estava em São Miguel e o telefone tocou em casa, era o André:

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– Agora eu vou renunciar à prefeitura e ninguém vai me impedir, nem você e nem o Blairo. Eu calmamente respondi: – Olha, André, uma vez eu te pedi para não renunciar e você acabou aceitando. Agora, desta vez eu não posso fazer mais nada. Você quem sabe o que vai fazer. Então, no dia 16 de dezembro de 1998, o André renunciou ao cargo de prefeito de Sapezal. Eu não queria que ele tivesse se envolvido em política, mas já que se envolveu e foi ser prefeito, não achei certo abandonar o cargo. Quando chegou na próxima eleição, em 2001, ele inventou de querer ser novamente candidato. Desta vez ninguém deixou, e ele nem teve como ir contra, porque estava com a saúde muito debilitada. Incrível como ele não deixava se abater. Mesmo com a saúde ruim, se a gente permitisse a candidatura, ele ia mesmo. Estava cheio de planos! O André queria que Sapezal fosse uma cidade central, que desse acesso para outros lugares. A vontade dele era essa, que Sapezal fosse uma cidade grande e importante. O que ele pôde fazer por Sapezal, ele fez.

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Conferindo a lavoura em Sapezal (MT)

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1995 - AndrĂŠ assumindo a prefeitura de Sapezal (MT)

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1995 - Na prefeitura em Sapezal (MT), AndrĂŠ, alegria transbordando pelo sonho realizado

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Até os 60 anos o André tinha uma saúde de ferro. Sempre que ia fazer alguma consulta de rotina em Toledo, o médico dizia que ele tinha um coração forte e grande. Ele era diabético, mas, como tinha muita disposição para trabalhar, muitas vezes abusava da saúde, trabalhando mais do que o organismo poderia agüentar. Frequentemente se alimentava de forma indevida, mesmo que eu ficasse sempre o vigiando e cuidando para não exagerar. Ele era tão determinado que, quando colocava alguma coisa na cabeça, ninguém tirava. E esta determinação era para tudo, para trabalhar, para diversificar os negócios, para viajar e para ter liberdade de fazer o que queria. De tão determinado, às vezes o André era irresponsável, tanto que, por causa do excesso de esforço no trabalho, começou a ter problemas de coração e mais para a frente o mal de Parkinson. E foi numa das muitas viagens que ele fazia frequentemente de Mato Grosso para o Paraná que seu estado de saúde começou a se agravar. Era véspera de Natal de 1987. O André e o Itamar tinham trabalhado duro o ano todo nas obras de construção da usina de Sapezal. No dia 20 de dezembro, os dois saíram de Sapezal, com mais dois peões, pararam em Rondonópolis para resolver mais algumas coisas, dormiram e no dia seguinte tocaram até Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, onde pararam para dormir na fazenda do nosso amigo de longa data Paulo Krás Borges. Chegaram lá já era mais de onze da noite e ficaram até tarde conversando e bebendo. Todos foram dormir quase três horas da madrugada, e às seis da manhã o André já levantou e acordou o Itamar para terminarem de chegar em São Miguel. O Paulo Krás ficou bravo com o André, disse que ele e o Itamar precisavam descansar, mas ele não deu ouvidos, disse que

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tinha que chegar logo em São Miguel e, como ninguém conseguia fazer ele mudar de idéia quando queria mesmo uma coisa, entrou no carro e foi embora. Na viagem, o Itamar, que estava dirigindo, de tão cansado acabou cochilando e quando percebeu, estavam de frente com uma caminhonete S10. Não houve tempo para nada. Bateram na traseira da S10, em alta velocidade. Itamar e os dois peões não sofreram nada grave, mas o André, como estava sem cinto, bateu com muita força o joelho no porta-luvas e quebrou a bacia, quebrou também os ossos do rosto. Este acidente aconteceu em 22 de dezembro de 1987. Ele recebeu os primeiros atendimentos num hospital em Naviraí, em Mato Grosso do Sul, que era a cidade mais próxima ao local onde aconteceu o acidente. Mas o Itamar não deixou que os médicos operassem e nem fizessem nada com ele. Então veio um avião com uma UTI móvel de São Paulo buscá-lo. Neste dia eu tinha ido com a Vera e a Marli na Argentina fazer compras de Natal. A Argentina ficava bem perto de São Miguel. Na volta paramos para almoçar em Foz do Iguaçu. Nesta hora um sobrinho nosso de São Miguel, o Celso, já estava procurando a gente para dar a notícia. Procurou por Foz do Iguaçu e estava seguindo para a Argentina quando nos encontrou. Notamos que tinha um carro atrás de nós piscando o farol, dando sinal de luz para a gente parar. A Vera não reconheceu o carro e ainda ficou brava. Mas aí eu vi e falei pra ela parar que era o Celso. Logo fiquei gelada e pensei: “Aconteceu alguma coisa, para ele vir atrás de mim...”. Quando ele parou e veio até nós, eu já perguntei: – Celso, o que aconteceu? ? E ele respondeu:

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– Calma, tia, não aconteceu o pior. Está tudo bem. Mas eu vim atrás de vocês porque aconteceu um acidente com o tio e o Itamar. Eu e a Vera ficamos desesperadas. O Celso então disse que eu já ia embarcar para Curitiba, que a passagem já estava comprada, porque o André estava sendo transferido para lá. Eu estava de chinelo e bermuda e disse que precisava ir primeiro em casa. Mas ele já estava com a minha mala pronta no aeroporto. Foi quando o desespero bateu, porque tudo assim, tão urgente, boa coisa não deveria ser. Fomos eu e a Vera para Curitiba, assustadas. Quando chegamos ao hospital o André ainda nem tinha chegado lá. O Hugo e o Blairo, quando souberam do acidente, fretaram um avião em Rondonópolis e foram, com toda a família, ao nosso encontro. Mais ou menos uma hora depois que eu e a Vera chegamos ao hospital, o André chegou de ambulância. Estava desfigurado! A cabeça muito inchada e os olhos pareciam estar saltados para fora. O estado era grave. O André foi submetido a uma cirurgia às pressas, que durou muitas horas. Eu sofri tanto sem saber o que estava acontecendo na sala de cirurgia e rezei muito para que Deus o salvasse. Os médicos tiveram que implantar uma prótese no lugar da bacia, que foi destruída no acidente. A recuperação era muito lenta, por causa da diabete, e isso deixava o André abatido e desesperançado. Nossa família passou o Natal e o Reveillon dentro do quarto do hospital junto com o André, foi o fim de ano mais triste das nossas vidas. Ele tinha preparado uma grande surpresa para os filhos naquele final de ano, comprou um carro para cada um. O André adorava as festividades de fim de ano e estava muito animado para entregar os presentes na festa de Natal, o que não aconteceu, por causa do acidente.

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Os dias no hospital eram longos e passamos muito tempo lá para que o André se recuperasse. Conseguimos voltar para casa em março de 1988, depois de três meses do acidente. Foi um período muito triste para o André e para toda a família. Em Curitiba ele teve muitas recaídas e tinha que ser frequentemente internado. Depois deste acidente, a saúde do André nunca mais foi a mesma. Às vezes eu penso: “Hoje a vida está muito leve, mas já foi muito pesada. Eu sofri muito com a doença do André, e só Deus mesmo para ter me dado tanta força”. No período de recuperação, André ficou muito tempo andando de cadeira de rodas e, depois, de muleta. Ele tinha muita dor na perna e não conseguia andar direito. O organismo dele teve rejeição à prótese, o que piorava ainda mais a situação. André queria insistentemente operar novamente, mas o médico de Curitiba dizia que não era seguro naquela fase e que ele deveria esperar mais um tempo. Mas ele insistiu tanto que o levamos para São Paulo, onde uma junta médica se reuniu e decidiu operá-lo novamente, onde foi implantada uma nova prótese na bacia. Desta vez, a cirurgia foi um sucesso. Na fase de recuperação André ficava muito inquieto, queria sair de casa, saber dos negócios, viajar. Era um sufoco porque como era muito teimoso, ninguém o segurava. Ele ia de muleta para todo lugar, não queria nem saber de fazer repouso. Não adiantava dizer a ele que tinha que ficar quieto e que viajar não seria bom para a sua saúde. Eu ficava muito brava, mas o acompanhava, não deixava ele fazer as “estripulias” sozinho. Depois da recuperação, ele andava bem melhor, mas teve que usar bengala para o resto da vida. Resolvemos também contratar um

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enfermeiro para ficar com ele 24 horas por dia, estava muito cansativo para eu cuidar dele sozinha. Quando surgiu a idéia de contratar um enfermeiro eu não quis de jeito nenhum, falava para minhas filhas: – Não, de jeito nenhum, eu cuido dele sozinha. Mas todos estavam percebendo o quanto eu estava ficando sobrecarregada e abatida e diziam: – Mas, mãe, se a gente não colocar alguém para cuidar do pai agora, daqui uns dias vamos ter que ter um enfermeiro para cuidar dos dois. No fim tive que concordar. O André era tão teimoso que passamos por quatro enfermeiros até acertarmos com um que tivesse paciência e jeito para lidar com ele. Ninguém agüentava a teimosia dele. O enfermeiro, que se chamava Osnei, ficou por muitos anos cuidando dele. Era um ótimo profissional, fazia massagens na perna do André e também exercícios de fisioterapia quando ele tinha dores. No período em que o André foi prefeito de Sapezal, o Osnei estava sempre junto com ele, por isso ganhou até um apelido, ninguém o chamava pelo nome, era conhecido apenas por “Sombra”. A saúde do André estava muito frágil naquela época e ele chegou a ser internado muitas vezes. Ele ficava nervoso com as coisas que não davam certo na prefeitura, e isso refletia completamente em seu estado de saúde. Eu sofria muito com isso, porque queria que ele levasse uma vida com mais tranqüilidade. Meu Deus! Já tinha trabalhado tanto a vida inteira, porque insistia em ainda ficar se desgastando daquela maneira? Não precisava!

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Nesta época o Blairo e meus genros já tomavam conta dos negócios sozinhos, mas o André queria sempre saber de tudo e gostava de ser consultado nas decisões importantes. Ele sempre estava presente, queria saber de tudo. Quando ia para Rondonópolis, gostava de ir todos os dias tomar chimarrão no escritório e ficava de olho em tudo que estava acontecendo. Em julho de 1990, o André sofreu outro acidente grave, no mesmo trajeto Campo Grande para São Miguel. Quem estava dirigindo era o jardineiro que se chamava Genésio, ele não sabia dirigir direito, mas o André insistiu para que ele pegasse a direção. Bateram de frente com outro carro. Este acidente ajudou a agravar ainda mais o problema de coração e o mal de Parkinson, que ficou muito avançado nos últimos anos de vida. Tinha dias que ele nem conseguia segurar a colher para tomar a sopa, que ele gostava tanto. Eu ficava muito triste em ver o André daquele jeito e sempre que ele ia comer eu ficava por perto. No começo o deixava comer sozinho, para que não se sentisse mal por não conseguir fazer sozinho algo tão simples, mas sempre tinha que ajudar, porque ele não conseguia. Teve uma época que eu comprei umas tigelinhas com duas alças para facilitar para ele tomar a sopa, e ele ficava feliz em conseguir comer sozinho. Perdi a conta do número de vezes que corremos com ele para São Paulo. Ele ficava cada vez em um hospital: no Sírio Libanês, no Hospital do Coração e no Oswaldo Cruz. E mesmo estando internado, não largava do telefone, querendo saber como estava indo os negócios. Uma vez, eu quase morri de vergonha. Ele estava no telefone, e o médico passou para examiná-lo; aí, eu falei: – André, desliga o telefone, o médico chegou para te examinar.

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Aí ele respondeu: – Fala pra ele passar mais tarde porque agora eu estou ocupado. As coisas tinham que ser na hora que ele queria. Hoje, lembrando disso, eu acho engraçado, mas na época eu ficava até com vergonha. Apesar de ter muita vontade de viver, André comentava comigo, quando começou a ficar doente, que não tinha medo de morrer. Ele dizia: – Se eu morrer hoje, sei que trabalhei bastante, deixei muitos bens para os meus filhos e sei que na minha falta eles vão cuidar bem de tudo. O André gostava muito de estar com a família. Era uma grande alegria para quando todos se reuniam nas férias e feriados, principalmente em Camboriú, local preferido dele para descansar. Na Semana Santa de 2001, fomos para lá. O Lino, a Bete, a Sunta, nossa ajudante há mais de 20 anos, e a Luciana, minha sobrinha, sempre acompanhavam a gente. O Blairo e a Ronsângela também foram para lá com as famílias. No sábado de Aleluia passamos um dia muito gostoso. Fomos almoçar no restaurante Vieiras, que o André gostava muito, e ficamos lá conversando por muito tempo. Neste almoço o André falou para a Rosângela: – A sua mãe não quis me deixar ser candidato à prefeitura de Sapezal nessa eleição, mas na próxima eu vou estar melhor de saúde e ninguém vai me segurar. Olha só! Na hora de pagar a conta, ele não quis pagar e fez o Blairo pagar

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com o cartão pessoal dele. Nós todos rimos com a discussão de brincadeira dos dois. Sempre quando saíamos para comer fora com a família o André fazia questão de pagar a conta, mas desta vez deixou para o Blairo. No fundo, nós estranhamos. Depois do almoço o Blairo foi para Curitiba, e nós ficamos porque no outro dia íamos para Torres visitar os parentes do André. Aliás, o André ia receber o título de Cidadão de Três Cachoeiras e estava todo feliz com a homenagem. À noite fomos à missa comemorativa de sábado da Aleluia, o André comungou, prestou bastante atenção na celebração, estava muito tranqüilo. Chegando em casa, ele tomou a sopa que gostava tanto e foi para o banho. Depois do banho o Lino estava no apartamento, ainda, fez massagem na perna dele e passou uma pomada para tirar a dor. Eu já estava arrumando nossa mala pra ir para Torres e achei melhor tirar a mala do quarto para ele poder descansar sem barulho. Tirei a minha e a dele e encostei a porta. Depois de uns quinze minutos o Lino saiu e se despediu de mim. Ajeitei mais umas coisas e voltei no quarto para dar o remédio para ele dormir, pois tinha esquecido. Aí, ele me pediu: – Me dá uma dose mais forte, porque ontem eu não consegui dormir. Eu expliquei pra ele que não podia, porque tinha que dar a dose que o médico tinha mandado. Aí, ele pediu de novo: – Então me dá uma dose do remédio que você toma, o Lisador. Eu disse que não tinha mais o remédio e que era para ele dor-

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mir com o que eu já tinha dado. Depois disso ele não falou mais nenhuma palavra. Fui para o outro quarto de novo onde estavam as malas e fiquei mais uns cinco minutos. Quando voltei no quarto o André estava mexendo com a mão em círculos, como se estivesse procurando alguma coisa. Aí eu disse: – Quer mais alguma coisa, André? Quer mais água? E ele não respondeu. Perguntei mais umas três vezes. Quando vi que ele não respondeu, achei que estava brincando comigo, e então peguei no braço dele que estava se mexendo e coloquei parado, deitado no colchão. E assim mesmo ele não respondeu. Eu mexi no queixo dele, e também não teve reação. Abri o olho do André e estava parado. Foi quando corri e chamei a Sunta e a Luciana na cozinha e pedi para elas chamarem o Lino, que estava hospedado num hotel bem perto dali. Em menos de cinco minutos o Lino já estava ali com a gente. Na semana anterior, o André tinha pedido para o Lino procurar saber se tinha algum médico no prédio onde tínhamos o apartamento em Camboriú, olha só, parece que estava adivinhando. O Lino procurou e encontrou um médico no apartamento de cima do nosso e pediu o telefone, para alguma eventualidade. Então, o Lino ligou para o médico naquela noite, explicou o caso e logo o doutor já estava no nosso apartamento. O médico examinou e disse que o André tinha tido um derrame cerebral, mas que a pressão dele estava boa, doze por oito. A Rosângela e o Plínio chegaram em seguida, nós ajeitamos ele na cadeira de rodas, corremos com ele para o hospital e não conseguimos achar nenhum em Camboriú

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que fizesse uma tomografia. Aí o Blairo ligou e disse para colocar ele num avião e levar para Curitiba, aí eu interferi e disse: – Se o André pudesse falar ele ia querer ir para São Paulo. Então vamos levar ele logo para São Paulo. Mas que dificuldade! Chegamos no aeroporto de Navegantes, em Camboriú, e o aeroporto estava sem condições de vôo por causa da neblina. Tivemos que correr para Florianópolis. Que noite de suplício nós passamos! Em Florianópolis o avião era pequeno, então fomos só o médico, o André, deitado numa maca, e eu. A Rosângela teve que pegar um vôo comercial. Eu estava muito aflita e naquela agonia toda só queria entregar o André nas mãos do médico dele em São Paulo. Quando chegamos ao subsolo do hospital, já com o dia claro, o médico já estava lá embaixo, com a equipe toda esperando por ele. Nossa! Foi um alívio! Enquanto a Rosângela não chegava tive que enfrentar tudo sozinha. Depois ela chegou e os outros filhos também, e me senti mais amparada. André passou uma semana na UTI do hospital, sem sinal de melhora. Foi uma semana muito dolorosa para todos nós. Eu e meus filhos pensamos em fazer de tudo. Conversamos com os médicos se não haveria chances de melhora se o levássemos para os Estados Unidos ou para qualquer outro lugar. Eles nos explicaram que a situação era muito delicada e que para transferi-lo os aparelhos teriam que ser desligados, e com isso ele não agüentaria. Eles foram muito claros conosco, o caso já não tinha mais solução. Então, me liberaram para entrar na UTI, para que eu pudesse ficar um pouco mais de tempo perto do André, a Vera me acompa-

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nhou. Ele estava lá, inconsciente, praticamente sem vida. Muito triste pensar que eu estava perdendo meu companheiro da vida inteira. Fiquei na UTI até o anoitecer. Tinha muita gente conosco no hospital, meus filhos ficaram insistindo para que eu fosse para o hotel que estávamos instalados, perto do hospital, para descansar. Eu não queria ir, mas acabaram me convencendo. Aí, falei com o médico, primo do Hugo, que estava acompanhando de perto o André: – Adolfo, como é que ele está? ? E ele respondeu: – Ele está tranqüilo, Dona Lucia, pode ir sossegada, nós vamos ficar todos aqui. Mas eu vi que ele estava mal. Então olhei mais uma vez para o rosto do André longamente, peguei em uma de suas mãos, já quase sem vida, o beijei e senti que aquela seria uma despedida. Por um curto espaço de tempo a vida que dividimos juntos me passou pela cabeça, como se fosse um filme. Respirei fundo, buscando forças para superar aquele momento tão doloroso e saí da UTI. Fui para o hotel e as meninas insistiram para que eu tomasse uma sopa, então aceitei. Assim que saí do hospital o André faleceu, mas elas não me contaram em seguida. O Blairo ligou para a Tere e contou para ela, e ela disse que ia esperar primeiro eu tomar a sopa para depois me contar. Minha nora chegou no restaurante do hotel e fez um sinal para minhas filhas de que estava tudo acabado. Quando terminei de tomar a sopa, ela chegou bem perto de mim, me abraçou e me disse que a vida dele tinha chegado ao fim. Logo em seguida o Blairo e os outros familiares que estavam no hospital chegaram. Não sei o que seria de mim naquele momento tão doloroso sem eles por perto. Naquele momento eu só queria ir

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para casa, estava com uma tristeza tão profunda que só pensava em chegar logo em São Miguel. Nos últimos dias de vida do André, os médicos já tinham conversado com o Blairo e disseram que ele já podia ir organizando as coisas para o funeral, então já estava tudo pronto quando o André faleceu. O Blairo, as minhas filhas, genros, minha cunhada Luzia e meu sobrinho Eraí vieram conversar comigo, dizendo que o povo de Sapezal queria muito que o corpo do André passasse por lá para que todos pudessem vê-lo pela última vez. Eu não queria de jeito nenhum, estava exausta, sem chão. Com muito tato eles conversaram comigo, dizendo o quanto o André era querido em Sapezal e me fizeram refletir que aquela cidade era a vida dele. Meu pensamento vagou por todos os anos de dedicação àquela cidade e àquele povo. Todas as dificuldades, alegrias e superações que ele viveu ali. Então eu concordei. Quando começou a clarear o dia, o avião, com o corpo do André, chegou em Sapezal. Fomos juntos eu, o Blairo, a Fátima, o Itamar, a Luzia, irmã do André, e o Iraí. As outras filhas foram direto para São Miguel. Quando chegamos em Sapezal tinha uma multidão esperando pelo corpo do André na igreja. Nossa! Tinha tanta gente! As pessoas estavam tristes e querendo prestar solidariedade a nós, nos tratando com muito carinho. Eu fiquei muito contente e aliviada em ter concordado em passar por Sapezal, de ver o quanto as pessoas foram solidárias com nossa família, fiquei muito grata a todos. Então, foi realizada uma missa, e em seguida voltamos para o hangar e seguimos para São Miguel. O corpo do André foi velado na Prefeitura de São Miguel, um

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prédio novo, muito bonito, que tinha sido inaugurado há pouco tempo. Apesar da tamanha tristeza, a solidariedade dos amigos e das pessoas conhecidas nos confortou muito. Foram feitas várias homenagens para o André, por amigos, autoridades e religiosos, como sinal de reconhecimento por tudo que ele fez por São Miguel. André foi enterrado no dia 24 de abril de 2001.

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Em Sapezal (MT) - companheirismo sempre foi nosso maior diferencial

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Semana Santa de 2001 - nossa última foto juntos, em Camboriú (SC) - nem sonhávamos que aqueles momentos tão divertidos seriam uma despedida

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DOR E SOLIDテグ



Dor e solidão

Meus filhos ficaram uma semana comigo, todos juntos, sem querer me deixar. Nestes dias choramos juntos muitas vezes, arrumamos as coisas do André, relembramos muitas histórias. Senti-me extremamente confortável em ter a atenção tão especial de cada um deles. Até que, após a missa de sétimo dia, eu disse: – Agora, cada um vai cuidar do seu serviço, e a vida continua. E pensei comigo: “Eu não quero dar trabalho pros meus filhos, tenho que reagir, tenho que levantar a cabeça e tocar minhas coisas para a frente, não quero dar trabalho para ninguém”. Se eu ficasse sofrendo e me entregasse para a dor, eu ia dar trabalho e preocupação para toda a família, e isso eu não queria de jeito nenhum, porque, se tem uma coisa que eu nunca quero, é ser um peso na vida deles. Então, decidi levantar a cabeça e continuar lutando. A Fátima ainda ficou mais uma semana comigo depois que os outros filhos foram embora. Depois, logo veio o Dia das Mães, e eu fui para Curitiba para reunirmos novamente a família. Nos reunimos no meu apartamento, mas já não foi mais a mesma coisa. A sensação foi de um grande vazio, o André até hoje faz muita falta nessas horas. Quando ele faleceu faltava um mês para completarmos 49 anos de casamento. No começo senti muita solidão. A nossa casa em São Miguel é muito grande, um pouco retirada da cidade; quando a casa não está cheia de gente é tudo muito quieto por lá. Nos tempos que o André estava bem, a casa vivia cheia. Mas depois... ficou tudo muito grande, muito vazio. Mesmo que as pessoas sempre me visitassem depois da morte do André, ainda assim eu tinha a sensação de vazio, como se, mesmo que a casa ficasse completamente lotada, pra mim era como

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se não tivesse ninguém. Eu já perdi muitas pessoas importantes na minha vida, pai, mãe, irmão, sogro, sogra, mas nenhuma perda se compara à dor que a morte do André me causou. Para superar um pouco a perda do meu companheiro de quase cinqüenta anos, eu fiquei viajando para a casa dos filhos. Ficava um tempo em Rondonópolis, depois em Curitiba e assim fui levando. Eu sabia que aquela situação não tinha volta. Então, quando você sabe que não tem volta, tem que se organizar para tocar a vida em frente. Depois de uns meses, decidi me mudar para Rondonópolis. Então, pedi para o Hugo e para o Blairo construírem uma casa para mim no terreno que a gente já tinha, perto da casa deles, porque eu queria ter o meu canto. Deus me livre ser um peso para meus filhos! Fui para lá decidir como ia ser a casa, o que ia fazer, aquela coisa toda. Depois, quando a casa estava em construção, voltei para São Migue. O Blairo queria que eu ficasse esperando na casa dele, na casa da Vera ou da Fátima. Mas eu disse: – Eu só vou quando minha casa estiver pronta. Eu não acostumo mais ficar na casa dos outros. Eu, graças a Deus, tinha condições de fazer uma casa, para que ia incomodar meus filhos? E assim foi. A casa ficou pronta em pouco tempo, em junho de 2002 me mudei para Rondonópolis. Vida nova! Fiquei muito feliz, a casa ficou ótima e o melhor é que eu me tornei a nova vizinha dos meus filhos. Para ir na casa deles é só atravessar a rua. Adaptei-me muito bem em Rondonópolis, tinha muita gente de São Miguel morando lá, então foi fácil. Dos meus filhos, só a Rosângela que ficou em Curitiba, os outros estavam todos pertinho de mim.

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Uma vez por ano eu e minhas filhas viajamos para o exterior, estar com elas é algo que me faz muito bem também. Já conhecemos vários países juntas. Nós e o Altair, que é sempre nosso guia e companheiro fiel. Com o André eu viajei para o exterior por duas vezes. Uma vez, fomos para a Itália com uma caravana de um grupo de empresários da Fiat, inclusive nesta ocasião esta empresa que nos convidou, sem que soubéssemos, contratou um médico para seguir junto conosco na viagem, exclusivamente para ficar de plantão cuidando do André. O médico foi disfarçado, e o André e nem nós percebemos. Fomos saber depois. A viagem com os empresários terminou em Roma. Mas eu, o André e o Altair resolvemos ficar mais um tempo para conhecer a Europa. Então, alugamos um carro e fomos até Lisboa, sem conhecer nada pelo caminho. Foi uma aventura! Passamos pela França, Espanha e Portugal, tudo sem conhecer. Mas foi ótimo! O único contratempo foi que a estrada era muito sinuosa e o André passou mal por causa das curvas. Então, começou a aperrear o Altair, dizendo que ele estava correndo demais. Em setembro de 1999, fizemos a nossa segunda viagem juntos para o exterior. Desta vez, levamos nossas filhas, e o André fez questão de convidar também a Bete e o Altair, e foi junto também o Osnei, enfermeiro. Ficamos um mês passeando pela Europa, foi um passeio inesquecível. Em Lisboa, contratamos um ônibus com motorista para fazer uma viagem sem destino. Passamos pela Espanha, França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Suíça e Itália. Foi uma viagem cheia de aventuras, umas boas e outras ruins. No nosso primeiro dia

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de viagem o ônibus atropelou uma mulher. Nossa! Foi um susto! Mas ela foi socorrida com muita rapidez, e deu tudo certo. Durante todos os dias da nossa viagem eu colocava todo mundo para rezar o terço dentro do ônibus, as meninas não gostavam muito, mas não tinha conversa. O Altair achava graça das meninas reclamando de ter que rezar tanto. O André dizia o tempo todo: – Se eu soubesse que era tão bom viajar a passeio com a família, teria feito isso mais vezes. O André estava tão feliz que, quando chegamos em Veneza, comprou uma jóia para cada filha e para a Bete. Estava visivelmente satisfeito em estar na companhia delas! Quando voltamos para Lisboa, depois de um mês, adiantamos em três dias a nossa vinda para o Brasil porque recebemos a notícia que o Sr. Antonio, pai do André, não estava bem. Chegamos, e uns dias depois ele faleceu, com 101 anos e três meses. Todas estas lembranças fazem parte de mim de uma forma muito tranqüila. Lembro de tudo que vivi com o André com muita felicidade. Depois que ele se foi eu não podia ficar triste e sem vontade de viver, pois tive uma vida completa ao lado do meu marido e não ia ser certo ter este tipo de sentimento. A nossa vida não foi mil maravilhas, mas acredito que foi completa justamente por não ter sido perfeita. O casamento e a vida em família têm momentos muito difíceis, mas sempre temos que dar o “braço a torcer”. Para um casamento dar certo como o meu, a esposa tem que saber perdoar, ter paciência e entender que os desentendi-

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mentos fazem parte da vida do casal. Hoje, tenho a leveza de pensar que dediquei a minha vida inteira para o AndrĂŠ e para meus filhos, por isso me sinto muito em paz. E assim, apesar da saudade, fui aprendendo a levar minha vida sem o AndrĂŠ.

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Dor e solidĂŁo

1997 - Em Nova York com FĂĄtima e Marli

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Dor e solidão

2007 - no Canadá com minhas fiéis companheiras de viagens Rosângela, Vera, Marli e Fátima

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Dor e solidĂŁo

2008 - da esquerda para a direita: Rosângela, Marli, Fåtima e Vera Minhas lindas filhas - meu apoio e aconchego

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Dor e solid達o

2008 - Blairo, meu filho carinhoso e atencioso

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NOVOS RUMOS



Novos rumos

Em 2002 a política cruzou novamente o caminho da nossa família. Uma noite, o Blairo mandou chamar a Fátima, a Vera, a Marli e eu na casa dele, porque precisava conversar com a gente. Foi então que ele nos disse que estava querendo entrar para a política e queria saber o que pensávamos sobre isso. Uns anos antes ele já tinha sido suplente de Senador e eu não tinha me importado. Mas quando ele contou sobre o convite para ser candidato ao governo de Mato Grosso, eu me assustei. De cara não concordei: – Olha Blairo, essa é a sua vontade, mas acho que você não deve ir para a política. Nós lutamos a vida inteira para construir nossa empresa, para ter o que a gente tem hoje, agora você está à frente do Grupo e vai largar para ser governador? Mas ele logo reagiu: – Não, mãe! Tem os meus cunhados que estão tocando, tem também todo o pessoal de confiança da empresa, e eu confio que eles vão tocar os negócios do mesmo jeito, como se eu estivesse lá. Não vai ter problema nenhum. Fiquei com medo aquela noite porque sabia que as chances dele eram poucas, porque o outro candidato era forte. Mas conversamos bastante e eu acabei concordando. Mas adverti: – Então, você vai, mas se vencer fica só quatro anos e depois volta para trabalhar em casa e assumir o seu lugar na empresa. Só que ele não me obedeceu mais. Ganhou a eleição de 2002 e a reeleição de 2006. Mas o Blairo me dá muito orgulho, porque é um governador que está colocando ordem no Estado. Sei que não é fácil, que é uma tarefa muito difícil. Tem dias que eu olho para o meu filho e sinto-o

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Novos rumos

tão cansado! Fico com o coração apertado. O que me deixa um pouco mais tranqüila é saber que o Blairo tem uma esposa companheira e zelosa. A Tere até hoje o acompanha em todos os lugares dando todo o apoio. Nas campanhas eleitorais ela também ficou firme ao lado dele, nos comícios, nas viagens, nas reuniões, era mesmo incansável. Ela é um exemplo de mulher forte e determinada, como primeira-dama desenvolve um trabalho muito humano como Secretária de Trabalho, Emprego e Cidadania. Quantas pessoas ela ajuda! Isso, sim, me dá felicidade! Quando o Blairo começou a querer me convencer que ia entrar para a política, eu perguntei: – Mas quem vai te acompanhar, meu filho? E ela logo se prontificou: – Pode ficar tranqüila, Dona Lucia, eu vou acompanhá-lo sempre. Quanto a isso, não precisa se preocupar. Eu não queria que ele entrasse para este meio porque sei que algumas vezes a política é muito suja. O que mais dói é quando a oposição resolve atacar, divulgando muitas mentiras sobre ele. É nessa hora que a família mais sofre. Hoje, o Blairo trabalha tanto, está sempre viajando, sempre ocupado. Fico muito feliz quando consigo ter um tempo sozinha com o meu filho e as minhas filhas. Esta é a minha maior riqueza: a família que eu e o André construímos. Quando o Blairo está em Rondonópolis, a gente sempre se encontra, ou tomamos café ou almoçamos juntos, mas sempre damos um jeitinho. Às vezes, ele nos chama para ir almoçar na casa dele, e chegamos lá e está cheio de políticos, nestas vezes não temos o

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Novos rumos

mesmo acesso a ele. Mas eu entendo. Sei que o Blairo e as meninas pegaram muito o jeito do pai. Mesmo depois da morte do André, a casa deles vive cheia de amigos. Nossa família sempre dá um jeito de se reunir, e não é só em datas comemorativas. Isto acontece sempre e isso me dá uma alegria imensa, de ver a união de todos e a vontade sincera de estarmos sempre juntos.

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Novos rumos

2008 - Blairo no gabinete em seu 2Âş mandato como Governador de Mato Grosso - grande orgulho para toda a famĂ­lia

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RECOMEÇO



Recomeço

Em outubro de 2004, saí de Rondonópolis para ir em Curitiba participar de um casamento de uns conhecidos e aproveitei para fazer meus exames de rotina. Aí, procurei o meu médico de muitos anos, o Dr. João Manoel Cardoso Martins, que é clínico geral e sempre atendeu toda a família, para me dar os pedidos de exame. Ele sempre me acompanhou, em julho do mesmo ano eu já havia estado no consultório. Quando eu entrei na sala do Dr. João Manoel, não me esqueço, ele olhou bem para mim e disse: – Nega, o que você tem? Você está diferente. Ele sempre me chamava de Nega, um jeito carinhoso, para me deixar à vontade. Aí, começamos a conversar, e mesmo sem fazer nenhum exame ele disse que eu estava diferente e que tinha alguma coisa grave acontecendo comigo. Só de bater o olho ele pressentiu e arriscou um diagnóstico, dizendo que era algum problema no útero e no intestino. Mas eu não estava sentindo absolutamente nada. Então, o Dr. João me encaminhou para o Dr. Bruno Grilo, que também é meu ginecologista há muitos anos. Na mesma hora, ele mesmo ligou e falou diretamente com o Dr. Grilo, pedindo para que me atendesse com urgência, no mesmo dia. No consultório do Dr. Grilo, repetiu-se a mesma cena, ele me examinou e também disse que eu não estava bem. Colheu material para fazer exame e, na mesma hora, me encaminhou para o Dr. Calisto, oncologista. No mesmo dia fui passando de médico em médico e ficava pensando: “Meu Deus, seja lá o que for, eu tenho que enfrentar”.

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Recomeço

Então, o Dr. Calisto, antes de me mandar fazer os exames, me disse: – Dona Lucia, o seu caso é grave. Provavelmente a senhora está com câncer. Nós vamos fazer todos os exames e dependendo vamos ter que operar o quanto antes. Naqueles dias eu estava me programando para ir passar o dia de Finados em São Miguel. Dia de Finados para mim é sagrado e todos os anos eu vou para São Miguel nesta época. Então a Rosângela falou com o Dr. Calisto sobre a minha intenção de ir para lá, ele liberou, mas recomendou que eu voltasse no dia dois mesmo, à tarde. Ele nos orientou: – A Senhora volta no dia dois de novembro, interna no dia três e no dia quatro nós fazemos a cirurgia. Foi tudo muito rápido. O Blairo foi comigo para assistir à missa de finados e na volta já me deixou em Curitiba. A cirurgia correu tudo bem, eu estava realmente me sentindo bem, mas no dia que ia receber alta comecei a passar mal. Não sentia dor, mas comecei a vomitar e suar frio. Quando o médico chegou, já disse: – Rápido para o centro cirúrgico. Então, fui operada novamente no dia 11 de novembro, uma semana depois da primeira cirurgia. Depois desta segunda, eu passei muito mal e fiquei quatro dias na UTI. Estar em uma UTI é a coisa mais triste que pode haver para um doente. Meus filhos só podiam entrar para me ver duas vezes por dia, um de cada vez, por cinco minutos cada um. Tiraram o relógio do meu braço, eu não conseguia saber as horas e o tempo parece que não passava. O lugar não tinha janelas, então você não sabe se é noite ou se é dia.

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Mas em nenhum momento eu tive medo de morrer. Eu tinha confiança em Deus, muita fé e vontade de vencer. Eu pensava quietinha comigo: “Eu já saí de tantas, já estive tantas vezes com o pé na cova, eu vou sair dessa também, eu vou vencer”. E, graças a Deus, eu comecei a melhorar. Eu sei que muitas pessoas oraram por mim, em Mato Grosso, no Rio Grande do Sul, no Paraná, no Amazonas. E acredito que esta corrente positiva me ajudou muito a melhorar. Minhas filhas também não saíam do meu lado, uma atenção, um carinho, um sentimento maravilhoso de amor e proteção. Sempre se revezavam para dormir comigo no hospital, não me deixavam de jeito nenhum sozinha com as enfermeiras. O Blairo não era sempre que podia estar comigo, mas se esforçava muito para estar presente. Teve até um dia no hospital que as meninas pegaram no meu pé, tiraram muito sarro de mim. Uma delas, não me lembro qual, comentou que o Blairo ia chegar naquele dia. Eu fiquei tão feliz e respondi: – Se ele vier, já é a metade da minha recuperação. Imagina, aquilo foi pouco para o ataque de ciúmes começar. Mas de brincadeira. Elas diziam: – Nossa, mãe, nós todas aqui juntas e não conseguimos que a senhora recupere, e o Blairo chega sozinho e já consegue a metade da sua recuperação? Mas tudo de brincadeira. Eles faziam de tudo para me animar. Fiquei vinte dias no hospital. Eu fiquei muito fraca das pernas, não conseguia me levantar nem para ir ao banheiro. Aí, eu falava para o médico:

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Recomeço

– Eu vou perder minhas pernas, não vou mais andar direito. E ele, muito atencioso, respondia: – Vai, sim, Dona Lucia, tenha força, tenha fé que a senhora vai chegar lá. Vamos fazer o seguinte, no final da tarde a senhora se arruma, coloca um roupão bem bonito, passa um batom, porque eu vou passar aqui e vou passear contigo. Nós levamos a cadeira de rodas junto, porque na hora que a senhora se cansar, senta na cadeira. E à tarde ele passou, me deu o braço e me levou pelos corredores. E assim foi, eu fazia fisioterapia todos os dias e aos poucos fui ganhando de novo força nas pernas. Fui muito bem cuidada, pelas minhas filhas, pelos profissionais, pela Bete, pela minha irmã Maria, que também ficou do meu lado. Depois que eu saí do hospital ela ficou comigo na minha casa e vivia fazendo coisas gostosas que eu gostava de comer. Me agradava muito! Em janeiro de 2005, eu comecei a fazer a quimioterapia. Antes de começar a fazer o tratamento eu perguntei para o médico se meu cabelo ia cair, e ele disse que sim. Mas cabelo é uma coisa que volta, ele disse para que eu não me preocupasse, e eu não me preocupei. Quando meu cabelo começou a cair eu estava em Camboriú, tomando café com as filhas. Aí, elas estavam comentando que meu cabelo ainda não tinha caído; eu respondi que não e passei a mão pelo cabelo, e quando fiz isso, minha mão voltou cheia de fios. Quando voltei para Curitiba, já pedi para a Rosângela me levar num salão, aí cortei bem curtinho, não quis passar a máquina para ir me acostumando aos pouquinhos com o novo visual. Mas aí ficou pior ainda porque quando eu dormia, os toquinhos de cabelo fica-

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vam todos no travesseiro. Então, tomei coragem e raspei a cabeça, fiquei bem carequinha. Neste meio tempo, a Rosângela já tinha me levado numa especialista em fazer perucas, ela já tinha visto meu cabelo como era antes. Então, quando fiquei careca, minha peruca já estava pronta. Mas a quimioterapia não foi ruim. Em algumas pessoas os efeitos da medicação, que é muito agressiva, são horríveis. Mas para mim foi tudo tranqüilo. Não sei se as reações são influenciadas pela forma que a pessoa pensa, ou mesmo por cada organismo. Só sei que senti alguma coisa estranha só duas vezes. Uma, na formatura do meu neto Samuel, que antes de sair de casa para ir para a missa tive ânsia de vômito, e outra vez foi no escritório em Rondonópolis. Eu estava com a Fátima andando pelo escritório, vendo os quadros novos que colocaram nas paredes, tive uma tontura e caí. Mas não me machuquei, porque caí em cima da Fátima, coitada! Ficamos nós duas, lá, caídas no chão. Mas foram só estas vezes que passei mal. Fiz aplicações de quimioterapia por seis meses. Em cada sessão eu ficava em uma sala, numa poltrona, tomando como se fosse um soro, por umas quatro horas. Nesta sala ficavam mais pessoas com o mesmo problema, então eu sempre conversava com um, com outro. Algumas pessoas mais desesperançadas, outras mais animadas, e assim foi. Neste tempo, tinha uma mulher de São Miguel também fazendo quimioterapia, ela se chamava Emília. Ela dizia para mim: – É, Dona Lucia, estamos no mesmo barco. Vamos ver se a gente consegue chegar no final do túnel. Coitada, ela não conseguiu chegar. Morreu uns meses depois. Quando fui liberada da quimioterapia comecei a fazer exames

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rotineiros em São Paulo, onde a medicina estava um pouco mais avançada neste sentido. Fiz várias ressonâncias magnéticas, e os exames, desde então, sempre deram que estava tudo bem. Na vida sempre temos que ter pensamentos positivos. Eu acho que isso me ajudou muito a superar o câncer. Eu acreditei que ia conseguir sair dessa e saí. Temos que sempre pensar que vai dar tudo certo. E, graças a Deus, tenho também muita fé, que foi herança da minha mãe, que procurei passar também para meus filhos. E espero que eles transmitam para os filhos deles, também, porque a fé ajuda muito, em tudo na vida! Quando me deparei com o câncer, eu disse para o meu médico: – Se eu estiver no final da vida, eu fiz o que tinha que ser feito. E assim passei por tudo, muito tranqüila. Desta vez, foi bem diferente de quando eu quase morri no parto da Rosângela, porque naquela ocasião eu ficava desesperada por pensar em morrer e deixar meus filhos todos pequenos. Hoje, é tudo diferente. Consegui criar todos os meus filhos, meus netos e estou tendo a bênção divina de conhecer também meus bisnetos. Consegui cuidar do André até o último momento de vida dele. Fiz tudo que tinha que ser feito para ele também. Hoje, estou com 76 anos. Não fico pensando que estou no final da vida, penso que já fiz tudo que tinha que ser feito e, enquanto Deus permitir, vou continuar fazendo. É uma sensação de consciência tranqüila muito prazerosa. Como toda mãe, eu me preocupo com o futuro da minha família e da empresa. Bem antes do André morrer, o Blairo e meus genros, que sempre foram muito trabalhadores, já tinham assumido os

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Recomeço

negócios. E estão administrando tudo muito bem, tanto que a empresa continua crescendo todos os anos. Mas eu sempre digo a eles: – Cuidem, cuidem, não deixem cair. Será a maior decepção da minha vida se um dia a empresa vier a falir. Mas o Itamar sempre me tranqüiliza: – Pode ficar despreocupada, Dona Lucia. Enquanto nós estivermos aqui, isso não vai acontecer.

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Posteridade

Natal de 1998 - Hotel Caldas de Imperatriz (SP) - a família é a minha fonte de coragem e força. Obrigado meu Deus!

2008 - Eu e meus netos visitando o Terminal de Granéis do Guarujá (TGG) - amor que ultrapassa as gerações

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POSTERIDADE



Posteridade

Hoje, penso que algumas atitudes que tomei na minha vida deram o direcionamento para conquistarmos tudo que temos hoje. Quando o André precisou de carinho, atenção e incentivo, eu estava lá. Quando as crianças precisaram de uma mãe com pulso forte para educá-los à base de disciplina, ensinando-os a ter respeito pelos outros e por si mesmos, também cumpri minha missão. Quando tive que trazer o André para o caminho nos momentos de esmorecimento e dar forças para que ele não desistisse, como aconteceu nos primeiros dias em São Miguel, não relutei em ser forte e impor a sensatez. Quando meus filhos me deram netos maravilhosos, os recebi ao mundo sempre com os braços cheios de amor e fiz questão de ensinar-lhes a verdadeira definição do que é família. Cuidei com toda a dedicação da minha mãe, cuja força e determinação foi o espelho de toda minha vida. Sobrevivi à falta do André. Venci o câncer. São muitas as conquistas, e não relatei todas neste livro. Alguns segredos e sentimentos guardo só para mim. Algumas lembranças tristes foram superadas pelas felizes. E a minha maior vitória sempre será a conquista da união da família. E isso é uma riqueza que tem que ser mantida, mesmo quando eu não estiver mais aqui.

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“...daqui só vou para a frente. Voltar, jamais.”




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