Conviver Marista: um novo caminho para a educação em contextos não escoladores

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CONVIVER MARISTA: UM NOVO CAMINHO PARA A EDUCAÇÃO EM CONTEXTOS NÃO ESCOLARES



CONVIVER MARISTA: UM NOVO CAMINHO PARA A EDUCAÇÃO EM CONTEXTOS NÃO ESCOLARES

Curitiba 2016


Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central

Conviver marista : um novo caminho para a educação em contextos não escolares / organização C766 Rede Marista de Solidariedade. – Curitiba : Champagnat, 2016. 2016 140 p. Inclui bibliografias ISBN 978-85-7292-390-3 1. Irmãos Maristas – Educação. 2. Educação cristã. 3. Habilidade de vida. I. Rede Marista de Solidariedade. CDD 20. ed. – 323


Iniciativa da Rede Marista de Solidariedade Concepção e coordenação técnica Diretoria Executiva de Ação Social (DEAS) Direção Executiva: Irmão Franki Kleberson Kucher Gerência Educacional: Viviane Aparecida da Silva Gerência de Planejamento e Administração: Alessandra Maia Rosas Hovorusko Autores: Alan Paes Candeia, Alessandra Martins de Faria, Aline Paes de Barros, Ana Cristina da Silva, Carla Tosatto, Cristiane Nascimento Pereira, Diego Fernando Zadra, Diego Oliveira de Lima, Glaucio Luiz Mota, Henrique Costa Brojato, Oberlandio Santos Silva, Sergio de Souza Barbosa e Viviane Aparecida da Silva Agradecimento Especial: Aos educandos e educadores das Unidades do Conviver Marista. Organização: Paulo Fioravante Giareta Conselho Editorial: Aldo César Farias, Alessandra Maia Rosas Hovorusko, Ir. Antônio Quintiliano da Silva, Barbara Pimpão Ferreira, Carla Tosatto, Danielle Regina Barriquello, Luiz Augusto Martins Kleinmayer, Marcelo Manduca, Paulo Fioravante Giareta, Valeria de Freitas Pereira, Michele Marcos de Oliveira e Viviane Aparecida da Silva. Coordenação do Projeto: Diego Oliveira de Lima e Sergio de Souza Barbosa Revisão de conteúdo: Alessandra Martins de Faria, Aline Paes de Barros, Diego Oliveira de Lima, Sergio de Souza Barbosa e Viviane Aparecida da Silva Revisão final: Elisabete Franczak Branco Projeto Gráfico e Diagramação: Deborah Naomi Kosaka Apoio Técnico: Diretoria de Marketing e Comunicação do Grupo Marista Fotos: Acervo RMS www.solmarista.org.br


REFERÊNCIAS


Sumário APRESENTAÇÃO.................................................................11 APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS.............................................14 A Legislação e o Serviço de Convivência e Fortale­c i­m ento de Vínculos na Rede Marista de Solidariedade. . ........................... 16 Desafios do SCFV na RMS e o Grupo de Estudos..................... 20 Itinerário do Grupo de Estudos ................................................ 21

PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA....... 26 Uma proposta educativa a partir de valores............................28 Sujeitos educativos na RMS: perfil do educando, do educador e da comunidade educativa.......................................................39 Quem é o nosso educando?. . .............................................................39 Perfil do educador.............................................................................44 Perfil da comunidade educativa.......................................................51


EIXOS DE ARTICULAÇÃO CURRICULAR DO CONVIVER MARISTA........................................................................... 54 Expressão e criatividade............................................................57 Letramento..................................................................................58 Habilidades para a vida.. ............................................................60 Projeto de vida . . ..........................................................................61 Direitos humanos.. ......................................................................63 Território.....................................................................................64

ITINERÁRIOS FORMATIVOS............................................... 68 Formação integral. . .....................................................................70 Participação como direito..........................................................72 Pedagogia de projetos...............................................................74 Pedagogia da escuta . . ................................................................77 Pedagogia da escolha.................................................................79 Gestão dos espaçotempos..........................................................82 Lugar de convivência . . ................................................................85 Práticas restaurativas. . ...............................................................87


CONSTRUINDO TERRITÓRIOS EDUCADORES..................... 92 Rede socioassistencial...............................................................94 Rede de educação..............................................................................95 Comunidade e família.......................................................................98 Unidades Maristas .......................................................................... 100 Evangelização, eclesialidade e diálogo inter-religioso: interface com as religiosidades do território ....................................................... 101

AVALIAÇÃO...................................................................... 106 Por uma proposta avaliativa a partir de valores: concepção e avaliação ....................................................................................... 108 Documentação pedagógica, registro e avaliação processual.... 110 Registro da aprendizagem............................................................ 118 Processos avaliativos institucionais. . .......................................... 119

FORMAÇÃO CONTINUADA COMO ALIMENTO DA PRÁTICA EDUCATIVA...................................................................... 122 REFERÊNCIAS............................................................................. 132



Apresentação O Instituto Marista vive a contagem regressiva para o bicentenário, desde que Marcelino Champagnat deu início à sua obra em La Valla, no interior da França. Alcançar dois séculos de atuação no mundo é uma oportunidade para olharmos para trás e nos inspirarmos em nossas raízes para, a partir delas, mirarmos ao futuro – um novo começo. A Rede Marista de Solidariedade do Grupo Marista faz parte dessa história, atuando na defesa e promoção dos direitos das crianças e dos jovens por meio das 26 Unidades presentes nos estados do Mato Grosso do Sul, do Paraná, de São Paulo, de Santa Catarina, e no Distrito Federal. Para contribuir com a construção de novos cenários para as infâncias e juventudes, fomenta ideias inovadoras e articula experiências exitosas, com foco na defesa e promoção de direitos humanos, especialmente dos mais empobrecidos.

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REFERÊNCIAS

A proposta educativa da Rede contempla a formação contínua de educadores, a gestão participativa, a formação integral dos educandos, o fortalecimento de territórios, o controle social das políticas públicas e a constante reflexão sobre as práticas. Por meio da participação infantil e juvenil, as Unidades da Rede Marista de Solidariedade promovem a escuta legítima, a presença que se estabelece com vínculos fortalecidos, o sentimento de pertença ao grupo e a liberdade de expressão. A participação é um dos princípios da Convenção Sobre os Direitos da Criança (1989) e da Missão Educativa Marista, ao afirmar que, na Educação Marista, educamos para a vida, para o diálogo, para o fortalecimento da resiliência e para a solidariedade, “a virtude cristã de nossos tempos”. No Estatuto da Criança e do Adolescente, o direito à participação está explícito nos Art. 15, 16, 17 e 18, na defesa da autonomia, do brincar, da opinião, da livre expressão e do respeito. Assim, entendemos crianças e jovens como sujeitos de direitos, potentes agentes sociais, capazes de produzir cultura e conhecimento, e expressar-se com criatividade por meio de linguagens, fazer escolhas, relacionar-se com seus pares e com adultos e tecer sonhos. Certamente, a reinvenção da proposta curricular do Conviver Marista vem ratificar essa crença nas crianças e nos jovens a partir de uma provocação de criar um desenho curricular com enfoque nos direitos

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humanos. Nesse sentido, nasce a muitas mãos uma proposta curricular polifônica, que coloca no centro o educando, e reconhece nele todo seu potencial crítico, criativo e mobilizador, que possibilita ao educador refletir sobre qual conhecimento realmente importa para seus educandos. Esta obra representa o esforço articulado de todos os educadores do Conviver Marista, e simboliza o reconhecimento das crianças e dos jovens como protagonistas de seu próprio currículo. A localização enfatizada no título da obra “em contextos não escolares” explicita um lugar não escolarizado, que provavelmente questiona o modelo escolar bancário, e anuncia novas possibilidades de encontro em outros espaçotempos, alternativos e legítimos para educar e conviver: o Centro Social, a rua, a cidade. A publicação apresenta o itinerário de um grupo de crianças, jovens e educadores que, também inspirados nas raízes e na história do antigo SASE, se reinventaram. Nessa caminhada de estudo profícuo, aspectos fundantes de nossa missão inundaram de sentido o cotidiano dos Centros Sociais, para desenhar, assim como o Instituto, seu novo começo. Desejamos que o leitor/educador/educando encontre aqui inspirações para escrever sua história, em cada contexto, para juntos tecermos essa grande roda, a rede que promove e defende os direitos humanos. Viviane Silva Gerente educacional da Área de Solidariedade Grupo Marista

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1. APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS


1. APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS

A Legislação e o Serviço de Convivência e Fortale­ci­mento de Vínculos na Rede Marista de Solidariedade A Experiência da Rede Marista de Solidariedade (RMS), com a ofer­­ ta do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), estrutura-se a partir de forte arti­culação com o disci­plinamento le­g­al, o que justifica, de imediato, o esforço por retratar, ainda que de forma breve, essa caracterização. No movimento de aproximação e apro­ priação desse histórico, optamos me­ to­ dologicamente por construir uma­linha histórica que tem como categoria de base os marcos regulatórios como balizadores das práticas socioeducativas desenvolvidas ao longo dessa trajetória.

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Assisten­ cialismo

Documentos eclesiais (doc. Medelin/1968 e Puebla/1979)

Missão Institucional

Estruturação das Políticas Públicas Pós-CF

Imple­ mentação da PNAS

Lei 12.101/2013

- ECA (1991); LOAS (1993)

Implementação da PNAS/SUAS/ Tipificação (2005)

Enquadramento CEBAS de Educação (2009)

- Perspectiva da Garantia dos Direitos e do Controle Social

NAS - Núcleo de Ação Social

SCFV

Criação do SAS e Estruturação do Programa Socioeducativo

Revisão do Novo currículo para SCFV

Figura 1 – Linha histórica Fonte: BARBOSA, 2007.

A Figura 1, acima, indica que a contextualização do histórico do SCFV na RMS pressupõe considerar a importância da trajetória das políticas sociais instituídas em nosso país. Os documentos institucionais maristas retratam as mudanças, advindas por meio da Constituição Federal de 1988, assim como os processos decorrentes, sobretudo os relacionados aos direitos sociais concomitantes a esse momento histórico. O Brasil se encontrava em um período de significativas transformações nas relações de garantia de direitos, marcado pela consolidação das leis aprovadas como resultado da organização da sociedade civil. A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742/93, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.842/94, mobilizaram a sociedade civil e as instituições que atuavam direta ou indiretamente no campo da assistência social e da criança e do adolescente.

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1. APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS

A análise dos Planos da Província Marista Brasil Centro-Sul (PMBCS)1 identifica aspectos que materializam a relação dos direitos sociais, a partir da Constituição Federal de 1988 e de seus desdobramentos práticos nas unidades sociais.2 Unidades destinadas ao atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social, público-alvo da assistência social. A partir de 2003, com a efetiva implementação da nova PMBCS, substitui-se o plano trienal pelo planejamento estratégico, que passa a ter vigência de seis anos, sendo o primeiro de 2003 a 2008. Esse planejamento apresentou uma proposta de integração de todas as unidades, entidades e setores mantidos pela Província, organizando-os a partir de ações, metas e eixos. Nesse período elabora-se um documento socioeducativo, com diretrizes que apresentam a fundamentação institucional, pastoral e eclesial, as políticas institucionais e os referenciais teórico-metodológicos para desenvolvimento da proposta com crianças, adolescentes, famílias e comunidade. Essa sistematização logo é revista, passando por alterações que objetivam adequação às discussões e ao reordenamento das políticas públicas e sociais, sendo a Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004) responsável por esse processo de revisão e alteração do documento. A PMBCS é constituída por meio de uma estrutura canônica e jurídica, que normatiza sua forma de funcionamento. Ela possui membros que atuam nos Estados de Santa Catarina, do Paraná, de São Paulo e do Mato Grosso do Sul, e no Distrito Federal, e surge com o realinhamento das unidades administrativas do Instituto dos Irmãos Maristas em âmbito mundial. A junção das mantenedoras e a mudança de sua sede foram parte estratégica de um realinhamento administrativo que demonstrou profundas mudanças em sua lógica de funcionamento e buscou maior eficiência e eficácia em suas unidades de negócios, garantindo dessa forma a missão institucional. 2 Nessa terminologia contemplamos também Centros Sociais e Centros Educacionais Maristas. 1

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A trajetória acima descrita evidencia o compromisso institucional quanto ao atendimento de crianças e adolescentes, que, não obstante o atendimento às exigências históricas de adequações, mantém­ -se politicamente coerente e fortemente articulada ao marco legal, considerando a natureza dialética da história e, consequentemente, dos contextos, a instituição parece buscar a reestruturação constante de sua proposta, visando à atuação em rede para melhor responder às necessidades do tempo presente, contudo, sem descaracterizar sua missão. A proposta socioeducativa da Ação Social, em consonância com o trajeto histórico e as realidades diversas presentes nos diferentes contextos e territórios educativos em que se dá a presença Marista, busca atuar na garantia do atendimento de crianças, jovens e famílias, por meio de uma perspectiva de emancipação dos sujeitos e de transformação pessoal e comunitária.3 Nesse sentido, propõe-se ao desenvolvimento e aprimoramento contínuo de seus processos educacionais, consolidando a participação de crianças e jovens por meio da reflexão, elaboração e execução dessa proposta. Tal intento justifica essa revisão do currículo para os SCFV da RMS, caminhando para a constante inovação de seus projetos e ações nas Unidades.

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REDE MARISTA DE SOLIDARIEDADE. Proposta socioeducativa: referenciais teórico-metodológicos. São Paulo: FTD, 2010.

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1. APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS

Desafios do SCFV na RMS e o Grupo de Estudos As aproximações históricas, ainda que breves e genericamente indicadas no texto, evidenciam que o SCFV passou por modificações quanto à representação que assume no âmbito das políticas sociais. Contudo, um olhar mais apurado para o cotidiano do Serviço nas diversas Unidades Sociais da RMS traz à tona um conjunto de situações que indica a necessidade de novas mudanças, objetivando uma oferta mais significativa às demandas e aos anseios das crianças e dos jovens. Os altos índices de desistência, alcançando 40% dos educandos em algumas Unidades; a frequên­ cia diária (média) de 70% de edu­ candos; uma proposta curricular a ser questionada4 em relação às demandas específicas dos ter­ ritórios; um reduzido espaço de escolha5 pelos educandos acerca das atividades que gostariam de realizar; e um elevado número de oficinas e turmas por educadores,

O roteiro de atividades tem sido historicamente organizado a partir de oficinas de núcleo específico (Artes Plásticas, Artes Circenses, Expressão Corporal, Artes Cênicas e outras linguagens), oferecidas para participação por adesão no momento da matrícula e num maior número de vezes; e oficinas de núcleo comum (Meio Ambiente e Cidadania, Educomunicação, Jogos Cooperativos e outras), de participação obrigatória, oferecidas, em geral, de uma a duas vezes na semana. 5 Nos moldes tradicionais da oferta do SCFV, o educando escolhia apenas uma oficina, uma das linguagens do Núcleo Específico, e teria que participar das demais oficinas de Núcleo Comum. 4

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dificultariam a vinculação e a avaliação. Esses indicadores demonstraram que seria o momento oportuno de realizar a reorganização curricular. Assim, com o intuito de promover um amplo debate capaz de potencializar a revisão metodológica do Conviver Marista,6 a partir de 2014 a RMS oficializou a criação de um Grupo de Estudos7 (GE) que buscou estruturar uma proposta curricular que propiciasse maior envolvimento e participação dos educandos. As reflexões do GE, bem como as práticas realizadas na Unidade Piloto8 e em outras Unidades da rede, contribuíram significativamente na elaboração da proposta curricular que aqui se apresenta.

Itinerário do Grupo de Estudos O Grupo de Estudos (GE) nasceu com a intenção de olhar para as demandas atuais apontadas pelas Unidades Sociais da RMS, buscando ser uma estrutura provocadora e disparadora de reflexões, práticas e inovações no SCFV, que no âmbito da rede passou a ser denominado Conviver Marista.

6 Conviver Marista é nome conferido ao Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos no âmbito da oferta institucional (RMS). 7 O Grupo de Estudos teve inicialmente a designação GE SASE, e com a alteração da nomenclatura passou a ser denomi­ nado GE Conviver Marista. 8 A metodologia compreende a existência do Centro Social Marista Irmão Lourenço, na zona leste de São Paulo, como Unidade Piloto de estudo e experimentação.

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1. APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS

Ainda que inicialmente composto por um grupo nuclear, desde sua finalidade central o GE definiu-se como uma estrutura viva em pleno processo mitótico, entendendo suas produções e discussões como o objeto principal dessa ação. A equipe inicial do GE, composta por representantes de diversas unidades e áreas das Unidades Sociais, iniciou seu trabalho com um exercício de brainstorm que elencou dezenas de tópicos que descreviam os chamados “não objetivos do Conviver Marista”, com pistas claras do que não era desejado no Serviço. Foi iniciado o primeiro esboço de uma proposta curricular. Esse primeiro momento foi um gatilho de diversas ações que seguiram em progressão geométrica. Um grupo ampliado foi criado em uma rede social, no qual muitos outros colaboradores das Unidades tiveram acesso ao percurso e às produções iniciais do GE, assim como a possibilidade de contribuir em todas as etapas já vivenciadas por aquele primeiro grupo. Paralelamente a esse processo, algumas Unidades Sociais da RMS deram início a um processo de escuta dos educandos, buscando coletar dados dos principais sujeitos do serviço em discussão. Esse momento de escuta, que responde por grande efervescência de ideias, aspirações e contestações, foi alimentado por uma potente avalanche de informações, coletadas durante um itinerário formativo vivenciado por alguns integrantes do GE. Parte desse percurso envolveu o estudo do livro Volta ao Mundo em 13 Escolas9 e a visita a algumas instituições.

GRAVATÁ, André et al. Volta ao mundo em treze escolas. São Paulo: Fundação Telefônica, 2013. Coletivo Educ-ação. Encontro realizado em 15 de agosto de 2014.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

A referida proposta metodológica de trabalho implicou a visita a diversas instituições brasileiras que apresen­tam em suas práticas experi­ ên­ cias inova­ doras/inspiradoras, algumas relatadas nos materiais estudados. Os relatos das visitas foram socializados com a equipe do GE, na ocasião que entrava em outro momento de sua existência, propondo-se a uma configuração mais ampliada, contando também com a participação dos educandos. Nesse momento, as crianças e os adolescentes foram convidados a relatar suas impressões para seus pares e todos os demais integrantes do grupo, a partir de seus olhares, de suas experiências e vivências em seus respectivos locais. Essa etapa também inaugurou as expedições internas, cujo objetivo, assim como das visitas às outras instituições, era conhecer os diferentes momentos e contextos do Conviver Marista na RMS. O primeiro encontro do grupo ampliado foi realizado no Centro Social Marista Propulsão,10 em Curitiba, seguido de outro encontro com um grupo ainda mais ampliado com representações de todas as Unidades da RMS que ofertam o Conviver Marista, na cidade de São Paulo, no Centro Social Marista Irmão Lourenço.11 Aproximadamente cem colaboradores participaram presen­ cialmente desse momento. 10 11

Encontro realizado em 15 de agosto de 2014. Encontro realizado entre os dias 18 e 19 de novembro de 2014. 23


1. APROXIMAÇÕES HISTÓRICAS

O encontro realizado na cidade de São Paulo também foi marcado pela contribuição de estudiosos da área, como Joe Garcia, Marcia Guerra e André Gravatá, e pela primeira experiência de imersão do GE ampliado em uma das Unidades Piloto. Na ocasião, o Centro Social Marista Irmão Lourenço estava com um processo de inovação em plena ebulição. A experiência contou com muitas discussões e grupos temáticos que debateram temas pertinentes à implantação de uma nova proposta curricular. O grupo incluiu em seu itinerário formativo, e também sugeriu para as Unidades, o estudo do livro A escola e os desafios contemporâneos,12 organizado por Viviane Mosé.

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MOSÉ, Viviane (Org.). A escola e os desafios contemporâneos. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.




2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA


2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA

Uma Proposta Educativa a partir de Valores A palavra “valor” é adotada de maneira ampla na cultura atual. Ela é facilmente empregada em campos diversificados: filosóficos, sociológicos, econômicos, éticos, religiosos, dentre outros. De modo geral, os valores podem ser compreendidos como um conjunto de pontos de vista, deveres, julgamentos, preferências e padrões de associação que determinam a visão do mundo de um indivíduo. Sua importância reside no fato de que, uma vez internalizado, torna-se, cons­ ciente ou inconsciente, um padrão ou critério de conduta.13

Os valores de uma instituição direcionam a forma como ela se relaciona com o mundo e cumpre sua missão na sociedade. Pela forma como cada instituição vivencia seus valores, percebemos quais são seus objetivos e avaliamos a concordância entre o que propõe teoricamente e o que pratica.

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PROVÍNCIA MARISTA BRASIL CENTRO-SUL. Diretrizes da Ação Evangelizadora. 2. ed. São Paulo: FTD, 2014. p. 104.


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Os valores são complementares e interdependentes entre si; ilustrando as escolhas em saberes, comunicam nossa crença. A intenção maior consiste em possibilitar o desenvolvimento e o cultivo de uma cultura organizacional marista forte, fiel às origens e condizentes com o caráter visionário, empreendedor e transformador do próprio fundador. Empreender em estilo marista é dar um testemunho profético ao mundo: é possível empreender com sucesso negócios iluminados por princípios oriundos do Evangelho.14

A proposta socioeducativa e, portanto, também a curricular da RMS, centrada no princípio da educação integral, emancipatória, solidária e fraterna, cultiva valores constantemente ressignificados pelo carisma Marista na relação com as demandas socioculturais, tais como: amor ao trabalho, simplicidade, justiça, presença significativa, espiritualidade e espírito de família. Assim, a Pedagogia Marista se propõe ao diálogo com a comunidade educativa na consolidação de suas demandas oportunizando conquistas, acesso, garantia, manutenção e a defesa de direitos humanos, pelo viés da experiência e constante reflexão sobre esses valores. Proposição que ganha materialidade curricular quando traz para o centro do processo educativo a participação, a aprendizagem, a liberdade e a autonomia como direito.

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PROVÍNCIA MARISTA BRASIL CENTRO-SUL, 2014, p. 106.

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2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA

Pedagogia da Roda... Há muitas maneiras de vivenciar a Pedagogia da Roda nas Unida­des. Em Ribeirão Preto, No Centro Educacional Marista Irmão Rui, acontece a “Oficina da Palavra” no início ou no fim de uma oficina, atividade ou de um momento formativo com colaboradores ou famílias, por exemplo. Na “Oficina da Palavra”, o grupo se coloca em círculo e abrese o espaço de fala e escuta, de ava­ liação, de partilha de sentimentos, aprendizagens, de apresentação de críticas e su­gestões ao que está em discussão. Para promover a roda, pode-se combinar de cada um falar sempre em primeira pessoa, não monopolizar o tempo de fala, ter uma escuta colaborativa, além de respeitar as opiniões que surgirem. Também se pode utilizar um objeto ou bastão de fala para circular na roda, garantindo o direito de falar a quem o segura.

a) Coletividade e espaços abertos de participação A partir da sua proposta socioeducativa, a RMS entende por coleti­ vidade os encontros humanos que possibilitam o estabelecimento de relações horizontais, nas quais todos se reconhecem dentro de uma atmos­fera de respeito mútuo e cooperação. A proposta curricular acomoda efetivas expressões dessa coletividade a partir do que se denomina Pedagogia da Roda,15 permitindo que “todas as vozes sejam ouvidas respeitosamente, ofertamos aos participantes apresentarem as diferentes perspectivas estimulando sua refle­xão”.16 Por meio da roda, resgatamos as experiências vividas nos outros espaços em que os educandos estão inseridos, possibilitamos criar estruturas de liberdade e expressão dos sentimentos, pontos de vista e ideias, garantindo a participação de forma integrada ao grupo. Essa proposição objetiva, em última análise, exercita o espírito de liderança, partilha, igualdade, conexão e inclusão, além de desenvolver o senso de responsabilidade, garantindo a participação de todos os integrantes.

Empregamos esse termo com o mesmo sentido dado pelo educador social Tião Rocha, fundador do CPCD. Disponível em: <http://www.cpcd.org.br/historico/pedagogias-do-cpcd/>. 16 PRANIS, Kay. Processos circulares: teoria e prática. São Paulo: Palas Athena, 2010. p. 28. 15

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Assembleias circulares Pode-se utilizar a Pedagogia da Roda, também denominada em outros momentos de Círculos Restaurativos,17 em assembleias, círculos de mediação

No Centro Social Marista Irmão Jus-

de conflitos, reuniões para tomadas de decisão, momentos de escuta do grupo, avaliação dos projetos ou em qualquer outro momento em que o grupo se reúna para direcionar uma atividade.

de assembleias quinzenais, os edu­

As assembleias circulares são utilizadas como facilitadoras para a construção da dimensão democrática, pois a formação de cidadãos que participam ativamente da democracia em nosso país não se dá pelo estudo do conceito de democracia, mas pelas vivências democráticas adquiridas no decorrer da vida.

grafite as histórias dos moradores

As assembleias, expressão viva do princípio da participação, são mecanismos utilizados na RMS para realizar a escuta e garantir uma proposta de gestão democrática das Unidades Sociais. Representam a busca de um modelo participativo/colegiado.

tino, em São Paulo, a participação como direito foi o eixo central do projeto Que?Brada!. Utilizando-se candos direcionaram as ações do projeto para o território. Expressar de forma criativa nos muros do território com a utilização de do bairro foi a forma que os educandos encontraram de expressar seus sonhos e sentimentos, mobilizando a comunidade educativa para uma reflexão intencional na linha dos direitos humanos. Direito à moradia digna, alimentação de qualidade, educação e saúde foram as reflexões impressas nos muros do Centro Social. Essas ações e reflexões foram sugeridas pelos educandos e famílias em um SARAU coletivo e incluídas no planejamento dos educadores.

PRANIS, 2010, p. 28. Segundo Kay Pranis: “Círculos restaurativos são estruturas que podem ser utilizadas em salas de aula, processos judiciais, momentos familiares, em que os participantes sentam-se em roda, sem mesa ao centro ou outros objetos que possam impedir a conexão direta dos corpos. Nesses círculos, os participantes evocam os valores necessários a cada um e, utilizando-se de uma “peça de fala”, vão debatendo um fato que pode ser efetivo ou fictício para pensarem em soluções e possibilidades de soluções, de modo que todos participem e emitam suas opiniões. Esses círculos visam criar um espaço de diálogo em que os participantes se sintam seguros para falar e expressar suas opiniões sem represálias, sendo autênticos e fiéis a si mesmos”.

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2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA

Essa proposta educativa não se restringe à participação efetiva dos educandos dentro das Unidades Sociais, ampliando-se para a participação das famílias que demarcam suas relações cotidianas e da comunidade do entorno. Algumas perguntas são norteadoras para o estabelecimento dessas relações: “Como são esses arranjos familiares? O que pensam do mundo? Seus sonhos? O que comemoram? Seus sofrimentos? O que os mobiliza? Quais suas potências e dificuldades?”.18 Compreende-se necessário aprofundar o contexto, a dinâmica e as características desses arranjos familiares uma vez que os consideramos centrais para o desenvolvimento da comunidade e dos indivíduos que ali estão inseridos. Portanto, demandam das Unidades Sociais uma proposta educativa acolhedora e integradora em relação às expressões do território em que atua, buscando estabelecer relações humanas a partir dos processos de aprendizagem. b) Diferentes formas de aprendizagem Aprendizagem é um processo intra e inter­ subjetivo que produz saberes, fazeres e iden­­tidades e se fundamenta numa visãode pessoa como sujeito ativo em com­plexas intera­ções, interesses, con­tex­tos sociais e culturais e experiências de vida. É um movi­mento de reconstrução do objeto de conhecimento pelo sujeito e de modificação do sujeito pelo objeto, a partir de estratégias próprias de conhecer. Nesse processo, interagem dimensões formadoras, valores, cultu­ras, saberes e conhecimentos.19

LOMONACO, Beatriz Penteado. A complexidade da relação escola-família em territórios vulneráveis. Cadernos Cenpec: Educação, Cultura e Ação Comunitária, v. 4, n. 6, 2009. p. 27. 19 UNIÃO MARISTA DO BRASIL. Projeto Educativo do Brasil Marista: nosso jeito de conceber a Educação Básica. Brasília: UMBRASIL, 2010. p. 57-58. 18

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

A RMS parte da concepção de que a aprendizagem é resultado de um conjunto de relações entre os sujeitos e a realidade em que estão inseridos, demandando compreendê-lo como sujeitos ativos da aprendizagem. Assim, pensar em diferentes formas de aprendizagem não pressupõe a mera supressão de rotinas tradicionais ou engessadas, mas de torná-las mais dinâmicas, nas quais, por exemplo, a brincadeira e os momentos não direcionados colaboram e fomentam um ambiente fa­ vo­rável para a aprendizagem. Aqui figura, inclusive, o próprio princípio do direito ao brincar, essencial para a formação desses sujeitos, proporcionando espaços alegres e inspiradores para as crianças e os jo­vens. É a partir dessa ideia de desenvolvimento de espaços dinâmicos de aprendizagem que a RMS reconhece a possibilidade de formar sujeitos íntegros e integradores. É possível aproximar as realidades sociais das crianças e dos jovens atendidos na rede sem uma fragmentação dos conteúdos ou ainda uma seria­ção de idades. No Conviver Marista, reconhecemos e respeitamos as faixas etárias, mas cremos que é no encontro das diferentes idades que se garante a troca de experiências e desenvolve-se o espírito cooperativo e participativo dos educandos.

Misturar idades na mesma turma? Em São Paulo, no Centro Social Marista Irmão Lourenço, ao dar início a um processo de escolhas das atividades pelos educandos e educandass optou-se por permi­tir que crianças e adolescentes estivessem juntos nas atividades escolhidas. A mistura de idades tem sido um interessante espaço de troca de saberes entre mais velhos e mais novos, permitindo a ampliação do sentido do “cuidar” entre uns e outros. Nesse caso, entende-se que essas crianças e esses adolescentes já convivem dessa forma na comunidade, bem como nas suas famílias. Contudo, há unidades que prefe­ rem organizar grupos com idades próximas. Vale aqui a escuta aos educandos e educandas, aos edu­ cadores e educadoras e a tudo o que a sua realidade local indica para esse tipo de definição.

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2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA

O Brincar Sobre o brincar no cotidiano do espaço, Jonathan Israel de Souza, 8 anos, do Centro Social Marista Pouso Redondo, relata: “Aqui no Marista é dia de brincar, me divirto muito com os meus amigos”.

Sobre aceitação Trazendo sua experiência reflexiva sobre diversidade e aceitação das diferenças, a educanda Patrícia Furtado Alves, 13 anos, do Centro Educacional Marista Irmão Acácio, relata: “Aqui podemos aprender a cada dia uma coisa nova, este é o melhor lugar para estar, aqui encontramos amigos e aprendemos do jeito mais divertido. Tem circo, teatro, dança, sempre tem uma oficina para quem quer fazer uma transformação de vida, pois aqui você se transforma, quem é triste fica feliz, e se já for legal, fica mais legal ainda! Aqui as pessoas são aceitas sem precisar mudar seu jeito ou estilo.”

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c) Autonomia e liberdade A RMS reconhece, apropriando-se de um conceito de Antônio Carlos Gomes da Costa,20 que é na autonomia que a pessoa desenvolve plenamente suas potencialidades. Por isso busca fomentar espaços participativos, garantindo a liberdade dos educandos na condução, seja dos projetos, seja das próprias referências estruturais dos espaços educativos, possibilitando o exercício da autonomia desses sujeitos. Esse princípio afeta a própria organização dos espaços, que são estruturados de formas descentralizadas e flexíveis. São espaços que falam e comunicam às crianças e aos jovens que neles estão inseridos. O espaço visto como elemento para a motivação da autonomia e fortalecimento da identidade dos educandos atendidos é reconhecido e valorizado por toda a comunidade educativa. d) Respeito às individualidades A proposta curricular do Conviver Marista parte do reconhecimento de que as relações pessoais não podem ser vistas como desconexas do processo

20 Antonio Carlos Gomes da Costa foi educador, autor de diversos livros e diretor-presidente da empresa de treinamento e desenvolvimento Modus Faciendi, com sede em Belo Horizonte, MG, e prestou consultoria a diversas instituições do Terceiro Setor.


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

educativo, mas entendidas como precisamente necessárias para o crescimento ético dos sujeitos. Valorizar e respeitar as diferentes formas de manifestar-se culturalmente garante a inclusão de quaisquer educandos nos espaços educativos. Nesse sentido, o respeito à diversidade humana é elemento primordial no processo pedagógico do Conviver Marista. Essa diversidade pressupõe que cada ser humano é único em sua condição humana, cultural, social, sexual, étnico-racial ou religiosa e deve ser plenamente respeitado como é. Do mesmo modo, deve-se difundir e semear entre todos a noção de respeito mútuo e de diversidade enquanto elemento inerente e fundamental para a humanidade. e) Currículo articulado com a vida Quando o desejo, o querer-ser, passa pelo crivo da razão, ele se transforma num projeto de vida, ou seja, num sonho com degraus, num trajeto com etapas, que devem ser vencidas para se atingir o fim almejado. O projeto frequentemente se transforma numa visão de futuro, numa espécie de memória de coisas que ainda não aconteceram, mas que, se assumidas com determinação e esforço, podem tornar-se realidade. É neste momento que a vida do jovem passa a ser revestida de sentido.21

Um dos elementos constituintes do Conviver Marista se caracteriza pela possibilidade de interpretar os conhecimentos que se encontram

21 COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Protagonismo juvenil: adolescência, educação e participação democrática. Salvador: Fundação Odebrecht, 2000. p. 46-57.

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2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA

nas experiências pessoais pautando o currículo de forma integrada com a vida, garantindo que os espaços de aprendizagem e os modos de orientar as políticas e práticas educativas se construam nas tramas do cotidiano. No Projeto Educativo Brasil Marista, o currículo é concebido como um sistema complexo e aberto, que articula em uma dinâmica interativa o posicionamento político da instituição, suas intencionalidades, contextos, valores, redes de conhe­ cimentos e saberes.22

Nesse sentido, não se constrói um currículo para os educandos, mas com os educandos, pois eles devem ser protagonistas do processo de aprendizagem e sujeitos articulados na sociedade e territórios em que estão inseridos. A Educação Marista não se pauta por um sistema desconexo, ou fragmentado, mas proporciona a construção de um currículo vivo, (re)criado pelos sujeitos da educação e articulado com o território e com a vida. O Currículo é dinâmico como as crianças e os jovens atendidos, aberto e integrador das diferentes culturas e relações interdisciplinares que estabelecemos em nossos espaços. Educador e educando se corresponsabilizam pelo processo de aprendizagem e construção, levando em consideração cada espaçotempo das Unidades.

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UNIÃO MARISTA DO BRASIL, 2010, p. 59-60.


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Encontrar pontes, vias de comunicação dos saberes e integração destes é o que evidenciamos na proposta educativa do Conviver Marista, garantindo assim múl­tiplos formatos e possibilidades desse currículo integrador, permeado e orientado pelos valores e princípios Maristas. Dessa forma, objetiva-se tornar os espaços inspi­ radores de mudanças sociais, políticas, culturais e territoriais, uma vez que incorpora os desafios como pontes a serem traspostas para se chegar a um outro lado.

Educandos investigativos? No Centro Social Marista Pouso Redondo, em Pouso Redondo, SC, durante uma atividade de Informá­ tica com desenhos criados sobre Marcelino Champagnat, um edu­ cando faz uma pergunta: “Podemos fazer nosso boneco andar através da robótica?”. A pergunta foi acolhida pelo educador, exi­ gindo de si e de educandos e edu­

f) Educação para a investigação e a sensibilidade Por fim, convém salientar que a problematização de situações e a sensibilidade para olhar a realidade tornam-se cada vez mais importantes no contexto social moderno. As inquietações dos sujeitos diante dos desafios levantados estimulam a criatividade e nos permitem levantar bons questionamentos que podem se tornar projetos de estudo e discussão no espaço educativo. A liberdade de criar e pensar sobre os projetos desenvolvidos possibilitam a releitura e recriação do mundo a partir do olhar da criança e do jovem. Para

candas da oficina a pesquisa para a busca pela resposta – já que se tratava de um assunto e de conhecimentos que não eram de pleno domínio nem do educador, nem da turma. Nasceu, assim, o projeto “Robotizando”, que acabou por envolver, para além da oficina de informática, outras oficinas que se aproveitaram de temas associados à Robótica, como o uso das tecnologias, o estilo de movimentação dos robôs e o lixo eletrônico nas suas ações e atividades.

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2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA

favorecer esse processo, propõe-se potencializar os educadores como investigadores e criadores de bons questionamentos, instigando as crianças e os jovens a serem protagonistas dessa ação investigativa, de modo que lancem mão das ferramentas oferecidas pelo mundo moderno e criem novas formas de aprendizagem e saberes. A motivação para conhecer torna-se um elemento primordial para os educadores e educandos, e a flexibilidade nesse processo e nesse encontro, um ponto de sinergia entre ambos. Aproximar os novos conceitos adquiridos dos conceitos já apreendidos e relacioná-los com a vida estabelece novas descobertas para educandos e educadores. A inquietação pela descoberta do novo potencializa a aprendizagem e sai de um modelo conteudista, ou bancário, conforme Paulo Freire,23 no qual o educador detém o saber, passando ao modelo em que o educador é mediador e parte do processo, estabelecendo com o educando uma relação de troca de saberes e de diferentes formas de ler e interpretar o mundo. A aprendizagem, então, não está mais no conteúdo programático, na mera técnica das oficinas e linguagens artísticas, mas na relação, investigação e questionamento que são potencializados nos projetos.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 59. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. p. 79-106.


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Sujeitos educativos na RMS: perfil do educando, do educador e da comunidade educativa Quem é o nosso educando? Uma proposta educativa que se quer pautada por valores, como visto, e que objetiva a construção de processos de ensino-aprendizagem reflexivos e promotores do protagonismo infantil e juvenil, que valoriza suas identidades e promove a cidadania das infâncias e juventudes, não pode furtar-se de indicar o perfil almejado para os educandos e educandas. A ideia de “perfil”, aqui, não se pres­ta a uma engessada “pseudopostura” ou “classificação/seleção” prévia de edu­ candos a partir de comportamentos su­pos­tamente adequados e facilitado­ res para o desenvolvimento e potencia­ lização dos resultados da proposta educativa. Trata-se, ao contrário, de uma preocupação político-pedagógica de aproximação, valorização e significação cultural do educando pelo respeito às subjetividades, aos olhares, às reações e aos posicionamentos de cada criança e adolescente.

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2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA

O conceito de cultura, aqui, é entendido como: Algo que se relaciona não só a um indivíduo, mas sim à formação do coletivo. Nesse aspecto, encontramos fluxo nos estudos antropológicos, sociológicos, etnográficos e áreas afins, o que permitiu que se transformasse em ferramenta de compreensão dos sujeitos articulados socialmente.24

Dessa forma, a cultura se refere à rede de significados que dão sentido ao mundo que cerca o indivíduo e o coletivo no qual se encontra, ou seja, “a cultura deve ser considerada como o bem comum de cada povo, expressão de sua dignidade, liberdade e criatividade; o testemunho do seu percurso histórico”.25 Nesse enfoque, é necessário compreender que o perfil do educando difere de acordo com o grupo social (família, comunidade, religião, cidade, etc.) e o momento histórico em que está inserido. Nesse sentido, a identificação e promoção desse educando, que é único, demanda a necessidade de apontar para o protagonismo infantil e juvenil. Antonio Carlos Gomes da Costa26 nos mostra que, antropologicamente, a concepção de protagonismo advém da ideia do “se relacionar” como um laboratório de educação para a vida, isto é, um laboratório de desenvolvimento pessoal e social de promoção humana:

REDE MARISTA DE SOLIDARIEDADE, 2010, p. 32. INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS DAS ESCOLAS. Comissão Internacional de Educação Marista. Missão Educativa Marista: um projeto para o nosso tempo. 3. ed. Tradução Manoel Alves e Ricardo Tescarolo. São Paulo: SIMAR, 2003. p. 84. 26 COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Tempo de servir: o protagonismo juvenil passo a passo: um guia para o educador. Belo Horizonte: Editora Universidade, 2001b. 24 25

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

• Na relação consigo mesmo; • Na relação com os outros; • Na relação com o ambiente em que vive; • Na relação com a dimensão transcendental da existência humana. O autor ainda aponta para esse protagonismo a partir dos pilares indicados pelo relatório Jacques Delors:27 • Aprender a Ser (Competência pessoal); • Aprender a Conviver (Competência social); • Aprender a Fazer (Competência produtiva); • Aprender a Conhecer ( Competência cognitiva). O foco não é transformar a criança e o jovem em receptores de conteúdos, mas em caçadores de conhecimentos ao longo de toda a vida, ou seja, praticantes da autoeducação, adeptos da educação permanente.28 Em todos os projetos desenvolvidos, vislumbra-se um educando protagonista, autônomo e capaz de cuidar e respeitar a si e também ao outro. A busca pela delimitação do perfil do educando impactou no próprio exercício reflexivo do GE: Qual é o perfil de saída do educando a ser potencializado no Conviver Marista?

Jacques Delors, na publicação Educação: um tesouro a descobrir, um relatório para a UNESCO da Comissão Internacio­nal sobre Educação para o século XXI, apontou como principal consequência da sociedade do conhecimento a necessidade de uma aprendizagem ao longo de toda a vida, fundamentada em quatro pilares, que são, concomitantemente, do conhecimento e da formação continuada. 28 COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Tempo de servir: o protagonismo juvenil passo a passo: um guia para o educador. Belo Horizonte: Editora Universidade, 2001b, p. 17. 27

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2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA

A elaboração da proposta considerou as seguintes dimensões: Ser, Conviver, Fazer e Conhecer, e em cada uma destacou-se uma série de competências, dentre as quais uma se sobressaiu para orientar o perfil de saída (Quadro 1): Quadro 1 – Competências de cada dimensão Dimensão I – SER Competência – SOLIDÁRIO

Dimensão II – CONVIVER Competência – PARTICIPATIVO

Libertador

Sensível à cultura familiar e do território

Otimista Empático Feliz Dialógico Respeitoso quanto às diversidades/singularidades Cooperativo Autoconfiante Sensível Com consciência planetária Dimensão III – FAZER Competência – CRIATIVO

Conhecedor de diversas culturas Resiliente Protagonista Crítico Multiplicador Transformador Agente de transformação Inserido na comunidade Dimensão IV – CONHECER Competência – PESQUISADOR

Inventivo

Curioso

Ousado

Autônomo

Inovador

Empoderado

Propositivo

Atuante

Dinâmico

Leitor

Libertador

Sábio Multiplicador

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Fonte: Elaborado pelo GE a partir de estudos da obra de Delors.


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

A continuidade da proposta reflexiva acerca da ressignificação dos processos inerentes ao Serviço implicou a discussão dos chamados “Não objetivos do Conviver Marista”. Foram, então, elencados um conjunto de tópicos que descreve tudo aquilo que não se deseja (Quadro 2): Quadro 2 – Os não objetivos do Conviver Marista • Limitar-se ao espaço físico; • Limitar contextos; • S er desarticulado do território e da rede; • Desconsiderar a cultura familiar; • Institucionalizar os educandos; • Desconsiderar “escutas”;

• E xistir apenas para tirar criança da rua; • Excluir e selecionar educandos; • C onstruir-se a partir de uma ótica individual; • S er desinteressante, pouco atrativo ou chato;

• S er pouco transformador na vida do educando;

• R estringir direitos ou não atender direitos de crianças e adolescentes;

• S er de baixo impacto nos territórios onde o Conviver Marista está inserido;

• D esenvolver projetos engessados, sem considerar a escuta dos educandos;

• Ser um depósito de criança; • Ser mais do mesmo (repetição);

• A penas desenvolver atividades artísticas;

• Ser um serviço de “caridade’;

• Ser fragmentado, isolado;

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2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA

• P ropor atividades descontextualizadas; • A presentar projetos com temáticas prontas; • P ropor projetos com tempo para serem finalizados, não garantindo o processo dos educandos;

• Ser reforço escolar; • Ser igual à escola; • S er impositivo (educandos obrigados a participar das oficinas); • Ser autoritário; • S er informal e desorganizado e não ter planejamento.

Fonte: Elaborado a partir de levantamento com base no trabalho do educador Tião Rocha.29

Com a definição do que não queríamos, nossos não objetivos, seria mais fácil delimitar nossos objetivos. Perfil do educador A educação, portanto, a expressão educativa/educadora, que se quer promotora do protagonismo dos educandos precisa se reconhecer como posicionamento político centrado na promoção e garantia de direitos. Isso significa que, além do domínio dos conhecimentos técnicos de sua área de atuação, o educador necessita expandir, de forma coerente, sua visão sobre a ação pedagógica e sua função sociocultural.

29 Na estruturação da proposta pedagógica do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD). Disponível em: <http://www.cpcd.org.br/?s=n%C3%A3o+objetivos>.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

O educador, a partir dessas considerações, precisa ser compreendido como animador da comunidade educativa, a partir da premissa de educação que desenvolva as potencialidades do educando, respeitando suas individualidades e, acima de tudo, construindo uma educação que possibilite a transição da heteronomia30 para um cidadão que traga impresso uma identidade autônoma.31 Educar visando ao protagonismo e potencializar o ser autônomo decorre do respeito mútuo entre educador e educando. Demanda a valorização dos conhecimentos prévios das crianças, dos adolescentes e dos jovens, a busca por entender seus significados e garantir a escuta quanto ao que eles têm a dizer. Essa proposição exige um perfil de educador sensível aos conheci­ mentos e experiências que os educandos trazem. No documentário “Quando sinto que já sei”,32 o educador Tião Rocha nos faz refletir, a partir da fala de uma diretora de escola, que, se o educador considerar um educando “uma página em branco onde devemos escrever um belo livro”, ele não entende absolutamente nada sobre a criança.

A moral heterônoma resulta da coação do adulto sobre a criança; surge do respeito unilateral. Assim, essa obrigatoriedade ou aceitação das normas provém das relações de coação, que não significa necessariamente um despotismo, mas sim uma relação assimétrica entre adultos e crianças, já que a criança nunca verá os pais ou professores como a um igual, havendo, portanto, uma desigualdade de fato (VINHA, 2000, p. 48 apud LA TAILLE, 1996). 31 A palavra “autonomia” também foi emprestada das ideias de Kant e origina-se do grego “autos”, “por si só”, mais “nomos”, “regras”. A moral aqui não está na coação, na força exterior de uma autoridade, e sim na cooperação (TOGNETTA; VICENTIN, 2014, p. 172). 32 QUANDO sinto que já sei. Direção: Antônio Sagrado, Anderson Lima e Raul Perez. Despertar Filmes, 2014 (78 minutos). 30

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2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA

Percebemos que, quando o educador propicia oportunidades para as crianças tomarem pequenas decisões, elas tornam-se mais atuantes, críticas, questionadoras e responsáveis. E essas características muitas vezes colocam os adultos em situações embaraçosas, pois passam a cobrar deles coerência em suas atitudes. 33

Essa reflexão ilustra de forma objetiva o que entendemos ser importante na relação educador-educando, ou seja, o questionamento, por diversas vezes visto como uma afronta ao “poder” do adulto, em nossa concepção se torna construção de conhecimento. O educador é um disparador ativo que estimula, propõe, inventa e (re)inventa possibilidades. Fazendo COM, e não PARA, os educandos. A busca por desenvolver esse perfil de educador demanda, sobretudo, reconhecer que a criança, o adolescente e o jovem são seres em desenvolvimento que precisam ser respeitados e estimulados. O educador demonstra respeito com o educando quando, por exemplo, consulta o grupo antes de tomar determinadas decisões, justifica o porquê de suas atitudes, diz como se sente em uma situação específica, ouve o que os educandos têm a dizer e considera suas ideias, procura colocar-se no lugar deles, coloca-se como interlocutor, não aceita privilégios por ser educador (furar fila, deixar de auxiliar na limpeza dos espaços, sentar-se na cadeira enquanto os educandos sentam-se no chão, etc.).34

33 VINHA, Telma Pileggi. O educador e a moralidade infantil: uma visão construtivista. Campinas, SP: Mercado de Letras; São Paulo: FAPESP, 2000. p. 180. 34 Vinha, 2000, p. 168.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

O educador, nessa perspectiva, passa a romper com os paradigmas autoritários e a potencializar o princípio da igualdade e da democracia, promovendo relações horizontais entre todos os atores do processo educativo. Não há coerção, e sim exemplo. Portanto, o educador transforma o ambiente por meio de relações acolhedoras, tentando entender as singularidades de cada educando, fazendo-o sentir-se “importante, amado e respeitado. Atitudes como chamá-lo pelo nome, cumprimentá-lo, dirigir-lhe palavras amigas e observar seu estado emocional, demonstrando atenção e solidariedade, podem definir a criação de vínculo”.35 Há uma forma de construir um processo educativo pautado na linguagem acolhedora, contrapondo o autoritarismo do adulto, que, por sua vez, esmaga qualquer tipo de organicidade moral, baseado no “método educativo” de relação vertical:

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REDE MARISTA DE SOLIDARIEDADE, 2010, p. 14.

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2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA

“Construir” também significa criar, edificar, elaborar. Para mostrar como tal “método educativo” é contraditório, a autora pede que se reflita nas seguintes questões: como criar uma criança despedaçando-a? O educador quer criar responsabilidade, competência, autonomia e motivação na criança, julgando, acusando e condenando? Mesmo quando achamos que estamos sendo “construtivos” ao apontar as faltas de uma criança, a crítica tem um ou mais destes efeitos: faz com que se sinta um fracasso; faz com que tome uma atitude desafiadora; rouba-lhe toda e qualquer motivação ou desejo de tentar algo novo.36

Esse posicionamento aponta para a necessidade de desconstrução de determinadas maneiras de se lidar com o educando, principalmente quanto ao uso de linguagem e posicionamentos que não possibilitam o contato, o afeto e uma relação de respeito de ambas as partes. O perfil esperado do educador, a partir da presente proposta, não coaduna com a diminuição da importância da criança aos seus olhos e dos seus pares, contrariamente, deve provocar nos educandos o empoderamento individual para o desenvolvimento do crítico empoderamento social e cultural, portanto, coletivo. Assim, o educador, ao planejar suas atividades, é convidado a levar em consideração tanto a forma como os educandos se apropriam do processo de ensino-aprendizagem quanto da cultura e dos conhecimentos prévios que trazem.

VINHA, 2000, p. 286 apud SAMALIN, Nancy. Amar seu filho não basta: uma nova visão de disciplina infantil. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 100. 36

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

A empatia é uma característica de fundamental importância no trabalho com os educandos. Compreende-se por empatia a capacidade de ser sensível às necessidades do outro, de perceber o mundo sob a sua perspectiva e, assim, colocar-se à sua disposição. Entender, mesmo que por entrelinhas, as mensagens dos educandos, decodificando e devolvendo-lhes de forma estruturada questões que, muitas vezes, nos chegam desestruturadas. Alguns aspectos aos quais o educador deve estar atento para auxiliar na construção crítica do conhecimento: Estar consciente do que está acontecendo ao redor (comu­ nidade, sociedade, mundo); estimular o pensamento crítico dos educandos; introduzir o diálogo entre os participantes; buscar respostas para os problemas colocados; colocar novas questões para serem respondidas, melhorando assim a prática; tornar a aprendizagem significante, crítica, emancipatória e comprometida com as mudanças na direção do bem-estar coletivo e; estar consciente que todos temos uma parte a cumprir em prol de uma sociedade mais justa.37

O ensino “crítico-construtivista” se dá por uma postura de respeito pelo tempo dos educandos, considerando o processo como caminho a ser trilhado, o “produto” final é apenas uma consequência. Essa postura do educador implica:

37 JÓFILI, Zélia Maria Soares. Piaget, Vygotsky, Freire e a construção do conhecimento na escola. Educação: teorias e práticas, ano 2, n. 2, dez. 2002, p. 191-208. Disponível em: <http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/7560/7560.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2016.

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2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA

Ser receptivo para ouvir e entender a forma como os edu­ candos constroem, articulam e expressam seu conhecimento; apoiar os educandos na expressão dos seus conceitos, na to­­mada de consciência desse processo e na valorização do próprio conhecimento e dos colegas; nunca depreciar a informação trazida pelos educandos; contextualizar o en­sino apresentando problemas relacionados a aspectos-chaves da experiência dos educandos, de forma que esses possam re­conhecer seus próprios pensamentos e linguagem no es­ tudo; mostrar que o ato de conhecer exige um sujeito ativo que questiona e transforma e que aprender é recriar os caminhos com que enxergamos a nós próprios, nossa educação e nossa sociedade; encorajar nossos educandos a colocar problemas e questões; apresentar assuntos não como exposições teóricas ou como fatos a serem memorizados, mas como problemas colocados dentro da experiência e linguagem dos educandos para serem trabalhados por eles; conduzir o grupo dentro de um processo democrático de aprendizagem e de criticidade. Os educadores devem afirmar-se sem, por outro lado, desafirmar os educandos.38

As afirmações indicadas acima possibilitam, por fim, reconhecer como central ao perfil do educador o desenvolvimento de aguçada sensibilidade capaz da reeducação político-pedagógica do seu olhar, escuta e presença.

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JÓFILI, 2002, p. 13.


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Perfil da comunidade educativa A discussão sobre a significação cultural, na perspectiva da defesa e promoção de direitos, implica, naturalmente, a própria significação ou ressignificação da comunidade educativa. O aporte ao princípio democrático da educação confere à RMS, condições para defender o fomento de ações em conjunto com todas as interfaces que circundam ou que, por sua vez, estão inseridas na trilha educativa do educando. Assim, faz-se pertinente partir da premissa de que a Unidade Social e seus diversos atores fazem parte dessa comunidade educativa, por­ tanto, TODOS SÃO EDUCADORES e devem parti­cipar da construção de ações que promovam aspectos que favore­ çam o processo de ensino-aprendizagem. A concepção de que a Unida­de­ Social é, por inteiro, uma Co­muni­ dade, permite ampliar a discus­­ são para os demais agentes de par­ ticipação, fomentando algumas estratégias para a funcionalidade das ações que impulsionam a educação democrática e participativa de uma maneira mais ampla.

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2. PROPOSTA CURRICULAR PARA O CONVIVER MARISTA

O Projeto Político Pedagógico (PPP) da Unidade, por exemplo, é uma ferramenta de fundamental importância na participação efetiva, com suas respectivas representatividades, das diversas frentes que compõem uma comunidade educativa (unidade social, famílias, escolas, rede socioassistencial, líderes comunitários, entre outros), o que fundamenta a perspectiva de que a tarefa de educar uma criança, um adolescente ou jovem não se torna uma ação exclusiva da instituição social, mas se articula com uma rede de instituições para melhor atender às necessidades do educando e da comunidade em que está inserido. Demanda abertura para a convivência, reconhecimento mútuo e diálogo contínuo. Portanto, não há como pensar numa comunidade educativa sem destacar aspectos importantes da ação democrática e suas implicações, no caso, positivas. É necessário haver um desprendimento, uma abertura para discussões, apontamentos e críticas, pois o processo é construído de maneira coletiva pelos múltiplos contextos do entorno. É preciso criar uma interface no compartilhamento de projetos, elaboração de soluções, acompanhamento e avaliação dos processos pedagógicos, além de encontros periódicos para nutrir a funcionalidade da comunidade educativa. Identificar o perfil de uma comunidade educativa é, acima de tudo, perceber o quão substancial é o envolvimento de diversos atores na elaboração de um currículo que potencialize o educando para que, futuramente, mobilize seu território e as pessoas que dão vida a ele. Afinal, por força constitucional,39 todos (Estado, família e sociedade) são responsáveis por garantir a educação das crianças e dos adolescentes.

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Art. 205 da Constituição Federal.




3. EIXOS DE ARTICULAÇÃO CURRICULAR DO CONVIVER MARISTA


3. EIXOS DE ARTICULAÇÃO CURRICULAR DO CONVIVER MARISTA

Esculturas Moles Em Curitiba, no Centro Educacional Marista Irmã Eunice Benato, a curiosidade dos educandos so­ bre a produção de uma escultura deu origem ao projeto “Esculturas Moles”. Numa primeira provocação à criatividade, educandos e educandas puderam contrapor as ca­ racterísticas de uma escultura feita com materiais tradicionais (ferro, madeira, bronze, cerâmica), isto é, materiais rígidos e por vezes frios, às ideias associadas à infância, ou seja, amor, carinho, calor, ternura, aconchego. Da reflexão surgiu um problema: como expressar essas sensações e emoções da infância numa escultura? Daí surgiu, então, a ideia de criar esculturas moles, que permitissem manuseio, toque, brincadeira. Mas quais materiais poderiam

ser

utilizados?

Que

for­ mato cada escultura poderia ter? Para quem oferecer o pra­zer de brincar com uma escultura?

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A RMS compreende o currículo como um conjunto de movimentos, expressões e intencionalidades compartilhadas na relação educativa, ou seja, como algo que supera a mera descrição de um conjunto de conhecimentos a serem “transmitidos”. Nesse sentido, a utilização dos diferentes recursos pedagógicos e a definição das oficinas e/ou linguagens artísticas, bem como a organização dos espaçotempos, devem sempre ter presente a sua efetiva contribuição para a formação e promoção cultural dos educandos. Dito de outro modo, nenhuma linguagem artística, aula ou oficina deve ter um fim em si mesma, isto é, não se busca simplesmente a formação técnica das crianças e dos jovens. Antes, esses recursos representam caminhos que privilegiam a interação, a participação, a autonomia, o exercício da criticidade, a convivência, a (re)elaboração de valores e atitudes com relação a si e ao outro e demais competências inerentes à proposta curricular. Desse modo, os eixos temáticos que elencaremos neste momento representam o conjunto das noções, concepções e assuntos fundamentais a serem abordados nos processos pedagógicos do Conviver Marista. Não representam, portanto, linguagens ou


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

oficinas pontuais ou específicas. Antes, pretendem ser temáticas transversais a todo trabalho desenvolvido nas Unidades e buscam perpassar desde os processos formativos dos colaboradores até as atividades desenvolvidas diretamente com crianças, adolescentes e famílias. Esses eixos não pretendem dar conta, enquadrar ou delimitar todos os temas a partir dos quais o processo pedagógico se desenvolve. Trata-se de uma orientação para a observação do que se entende por fundamental na proposta pedagógica do Conviver Marista, oferecendo a cada Centro Social a possibilidade de estar atento às especificidades, demandas e aos assuntos oriundos também do seu território e do público atendido.

Pesquisar materiais possíveis para fazer esculturas moles, projetar um formato num desenho, transformar esse desenho num objeto tridimensional, dividir com outras crianças suas descobertas na forma de um objeto cheio de significado... Após exposição, as crianças doa­ ram, numa visita, suas esculturas para crianças assistidas em uma instituição de acolhimento do território.

Expressão e Criatividade As práticas e processos educativos desenvolvidos no Conviver Marista objetivam potencializar, por meio dos diversos recursos pedagógicos, um amplo conjunto de competências. Nesse sentido, as diferentes linguagens artísticas apresentam-se como meios de excelência para a expressão das subjetividades, dos pensamentos e dos valores, bem como da própria criatividade. O fazer artístico coloca crianças e jovens em contato com um mundo de possibilidades que ganha vazão, forma e

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3. EIXOS DE ARTICULAÇÃO CURRICULAR DO CONVIVER MARISTA

conteúdo com o estímulo à expressão livre de si, da fruição artística e do exercício da criatividade. Desse modo, o desenvolvimento das oficinas, a partir da oferta de projetos ou linguagens artísticas (Artes Visuais, Dança, Artes Cênicas, Circo, Música etc.), dos jogos cooperativos e esportes, da educomunicação entre outras tantas possibilidades, precisa garantir a vivência de experiências pautadas pela liberdade de expressão – exercitada cotidianamente em aliança com o desenvolvimento da capacidade de escuta e respeito ao outro, e pelo exercício da criatividade. Letramento O letramento “cobre uma vasta gama de habilidades, capacidades, valores, usos e funções sociais”.40 Mais do que se apropriar do nosso sistema de escrita, a noção de letramento remete à ideia de que a pessoa precisa ser capaz de utilizar a linguagem oral e escrita de modo significativo nos mais diversos contextos e práticas sociais. Por isso, ao falar em letramento, não nos referimos unicamente à alfabetização, ainda que ambas noções estejam interconectadas. 40 SOARES, 2009 apud GRANDO, Katlen Böhm. O letramento a partir de uma perspectiva teórica: origem do termo, conceituação e relações com a escolarização. In: ANPED SUL – SEMINÁRIO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUL, 9., 2012, Caxias do Sul. Anais... Caxias do Sul: UCS, 2012. Disponível em: <http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/ anpedsul/9anpedsul/paper/view/3275/235>. Acesso em: 23 ago. 2016.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Atualmente, a ampliação da utilização de recursos tecnológicos cada vez mais complexos e dinâmicos tem permitido às crianças e aos jovens a experiência de novas formas de interação social, integração, construção e disseminação de conhecimentos, com novos desenhos e espaçotempos, exigindo novas atitudes e competências cognitivas. O sujeito que participa ativamente dos processos de apro­ priação e construção dos conhecimentos, da construção coletiva de habilidades e competências, da definição dos temas e das ações que geram motivação pessoal e coletiva evidencia a capacidade de criar novas possibilidades de representação do mundo.41

Assim, a RMS assume o letramento como um dos eixos da proposta curricular do Conviver Marista para a promoção das condições educativas que garantam a atuação competente dos educandos em práticas sociais de leitura e escrita, bem como a utilização crítica e criativa dos recursos tecnológicos e a compreensão do conhecimento científico historicamente produzido. Mais do que ter acesso a um determinado conteúdo, crianças e jovens podem ser capazes de recorrer a esses conhecimentos, articulando-os à sua visão e compreensão de mundo, apoiando-se neles para as tomadas de decisão e gestão de seu projeto de vida.

41 AZEVEDO, Isabel Cristina Michelan de; GASQUE, Kelley Cristine Gonçalves Dias. Contribuições do letramento digital e informacional na emancipação humana. In: CONGRESSO VIRTUAL INTERDISCIPLINAR MARISTA, 3., 2012, Curitiba. Anais... Literacia: conexão, diálogo e liberdade. Curitiba: DERC, 2012. p. 23.

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3. EIXOS DE ARTICULAÇÃO CURRICULAR DO CONVIVER MARISTA

Habilidades para a Vida A dimensão da formação de habilidades para a vida pressupõe o entendimento de que é no cotidiano e na maneira como as rotinas e práticas pedagógicas são estabelecidas que essas habilidades são construídas. Trata-se, portanto, de aprender a ser cidadão exercitando a cidadania, e isso só acontece em meio a uma rotina pedagógica que garanta a livre expressão de ideias e opiniões, a escuta atenta, a ampliação dos espaços de participação de crianças e jovens para além da simples participação nas atividades, estabelecendo parcerias e colaboração na construção, planejamento e decisões quanto a essas atividades, mas também de outras áreas do Centro Social. No Conviver Marista, compreendemos que esse princípio perpassa o cotidiano das oficinas e linguagens, bem como o conjunto das atividades diárias, as discussões, ações, rodas de conversa e orientações, fortalecendo o respeito à diversidade humana nas relações, o cuidado com o outro, bem como a dimensão do autocuidado, alimentando autoconceitos positivos; o estabelecimento de combinados claros e que expressem a compreensão dos grupos sobre si e os desejos sobre sua convivência. É na vivência diária dessas dimensões que vão se formando e fortalecendo essas mesmas habilidades na vida de crianças, adolescentes e educadores. Todas essas dimensões são plenamente passíveis de ser observadas nas rotinas e atividades das oficinas e projetos, basta que se tenha sempre em mente a importância de auxiliar as crianças e os jovens a estabelecer conexões entre as atividades realizadas e o desenvolvimento de todas essas habilidades na sua vida com as oficinas e linguagens das quais participam. 60


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Projeto de Vida É comum privilegiar a reflexão sobre o Projeto de Vida com adolescentes de maior faixa etária ou que estejam próximos do momento de escolher uma carreira em função da conclusão de seus estudos básicos. Contudo, a dimensão do Projeto de Vida precisa ser compreendida e discutida como algo que supera a ideia de escolha profissional. O Projeto de Vida também é mais do que alimentar sonhos para a vida. Sonhar pode ser considerado um primeiro estágio na construção do projeto. Mas projetar algo pressupõe elaborar metas, pensar recursos, definir e trilhar caminhos para atingir os objetivos almejados. É comum, também, ouvir educadores comentarem que os adolescentes não têm sonhos. Pode ser que os adolescentes tenham dificuldade em identificar seus sonhos ou dizer para alguém aquilo com o que sonham. Nesse sentido, temos que considerar algumas dimensões importantes no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes que podem influenciar a capacidade ou dificuldade deles na construção de seu projeto de vida.

Direito à Diversidade O processo de “escuta” nem sempre se dá por meio do sentido da “audição”. No Centro Social Marista Irmão Henri, em Fazenda Rio Grande, PR, a observação da expressão de preconceitos raciais na convivência entre educandos fez surgir o projeto “Dijo”. A palavra “Dijo” vem do Ioruba e significa “Juntos”. Assim, reunindo as diversas oficinas da Unidade em torno de um único tema, educandos e educadores puderam conhecer e refletir sobre cultura, arte, literatura, música, estética de origem africana e afro-brasileira, no intuito de discutir a afrodescendência, questionando e combatendo o racismo e valorizando o respeito à diversidade humana.

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3. EIXOS DE ARTICULAÇÃO CURRICULAR DO CONVIVER MARISTA

A compreensão da construção da identidade é o ponto de partida para a mediação sobre as reflexões do projeto de vida. Pesam nesse processo as questões relacionadas com a autoestima, isto é, a capacidade de o sujeito sentir apreço por si mesmo; o autoconceito, ou a capacidade de o sujeito ter uma boa concepção de si e a autoconfiança. Contudo, é por meio da construção da identidade que os sujeitos conseguem ser autoconfiantes, aceitando-se como são e sentindo-se capazes de empreender o futuro sem medo.42 A autoconfiança, podemos afirmar sem receio, só é genuína, só é autêntica, quando se apoia numa identidade bem definida, ou seja, o adolescente se compreende e se aceita em suas forças e debilidades, sendo, portanto, capaz de desenvolver uma auto-estima e em auto-conceito positivos. Sem autoconfiança, o jovem torna-se, literalmente, incapaz de olhar o futuro sem medo.43

Traçar planos, construir um projeto de vida tem a ver com sonhar, desejar e considerar a possibilidade de um futuro feliz e promissor. Dessa forma, discutir o projeto de vida com crianças e adolescentes é mais do que ajudá-los a pensar no tempo necessário para a realização de alguns planos. Pressupõe auxiliá-los nas suas concepções de vida, de futuro, de mundo; apoiá-los na alimentação de autoconceitos positivos, fortalecendo sua

COSTA, Antonio Carlos Gomes. Da heteronomia à autonomia. Disponível em: <http://www.dersv.com/costa-autonomia.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2016. 43 Ibid., p. 1. 42

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

autoestima e autoconfiança; fortalecer neles o sentimento de esperança, de alegria de viver, bem como uma visão otimista da vida; motivá-los na construção do sentido da vida e de valores humanos que lhes permitam olhar o mundo com olhos animados e esperançosos. Direitos Humanos A dimensão dos Direitos Humanos ganha vida no currículo do Conviver Marista tanto como elemento fundante do próprio Serviço, que se configura como um espaço de proteção e defesa de Direitos, quanto na formação que orienta para o exercício pleno da cidadania. Assim, a RMS acredita que a Educação em Direitos Humanos deve se pautar em princípios da emancipação e da autonomia, contribuindo para o fortalecimento do direito à Educação e de acesso a outros direitos: Sua implementação configura um permanente processo de sensibilização e formação de consciência crítica, direcionada para o encaminhamento de reivindicações e a formulação de propostas para as políticas públicas, podendo ser compreendida como: a) qualificação para o trabalho; b) adoção e exercício de práticas voltadas para a comunidade; c) aprendizagem política de direitos por meio da participação em grupos sociais; d) educação realizada nos meios de comunicação social; e) aprendizagem de conteúdos da escolarização formal em modalidades diversificadas; e f) educação para a vida, no sentido de garantir o respeito à dignidade do ser humano.44

44 BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007. p. 43.

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3. EIXOS DE ARTICULAÇÃO CURRICULAR DO CONVIVER MARISTA

A Rede objetiva oportunizar aos educandos e comunidade o co­nhecimento dos Direitos Huma­ nos, bem como empreender processos pedagógicos pautados em seus princípios e que permitam o fortalecimento da cidadania na defesa democrática desses direi­ tos. Ressaltamos, nesse sentido, que o princípio da indivisibilidade dos direitos e a importância das reflexões acerca do respeito ao ser humano e seus Direitos em sua totalidade, independentemente de cor, raça/etnia, religião, gênero, cultura, origem geográfica/nacionalidade, classe social ou orientação sexual. Território A noção de Território aqui apresentada é fundamentada nas reflexões empreendidas pelo geógrafo Milton Santos. O território é compreendido como uma área delimitada e caracterizada pela relação entre diferentes indivíduos ou grupos, portanto definido pelo movimento que produz ou reproduz: “o espaço organizado pelo homem é como as demais estruturas sociais, uma estrutura subordinada subordinante. É como as

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

outras instâncias, o espaço, embora submetido à lei da totalidade, dispõe de uma certa autonomia”.45 Dessa forma, considera-se que os projetos desenvolvidos no Conviver Marista com educandos e famílias devem transpor os muros dos Centros Sociais, provocando esse território a ofertar diferentes respostas para a dinâmica posta e imposta nesses espaços (pela violência, tráfico, desigualdade social, entre outros fatores opressores). As expressões do controle e do comportamento num determinado território denominamos “territorialidade”. Considerando ainda o Conviver Marista como um espaço do território muitas vezes validado pela rede socioassistencial e comunidade como referência na promoção e defesa de direitos, cabe o chamado à perseverança e resiliência na atuação, servindo como mobilizadores e formadores das redes socioassistenciais locais, criando alternativas novas para superar antigos problemas, buscando animar parceiros, ONGs, poder público e comunidade na busca coletiva de alternativas para o enfrentamento da vulnerabilidade social que atinge crianças e adolescentes.

Cuidado com a casa comum Em Curitiba, no Centro Educacional Marista Irmã Eunice Benato, a questão do lixo na comunidade era fator que gerava incômodo entre moradores. Por isso, educandos do Centro Social uniram-se a crianças de outra instituição do território para refletir e propor intervenções de modo a conscientizar sobre o cuidado com a Casa Comum a partir do cuidado com o lixo. As decisões e intervenções propostas e rea­ lizadas, bem como seus resultados, foram compartilhadas com os pais, mães e responsáveis durante todo o percurso nas rodas do “Café com Troca”, um momento de encontro e de diálogo. Buscar escolas, postos de saúde, associações, movimentos culturais e instituições e envolver famílias são meios importantes de ampliar a escuta, de conhecer melhor o território e de fortalecer a participação e os resultados de projeto.

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SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec, Edusp, 1978. p. 145. 65


3. EIXOS DE ARTICULAÇÃO CURRICULAR DO CONVIVER MARISTA

Assim, fomentar na população aten­ d­i­da a parti­cipação, solidariedade, cri­­­­ticidade, entre outros elementos, com projetos e ações desen­ volvidos no serviço, cria a perspectiva de produzir movimentos diferentes nesses territó­ rios. O Conviver Marista pode ser ele­ mento catalizador e promotor de trans­ formação social nesses espaços. É o uso do espaço que fomenta a resposta dada e o enfrentamento dos problemas que estão postos. Portanto, é a apropriação desse território que poderá gerar resultados efetivos da ação proposta pelo Conviver Marista. Essa perspectiva de atuação no território em busca de construções coletivas para o enfrentamento das violações de direitos e vulnerabilidade social vai ao encontro da proposta educativa da rede, que prevê uma educação emancipadora na formação de sujeitos que contribuam para uma sociedade mais justa e solidária.46 A perspectiva de ir além dos muros dos espaços educativos dialoga com as concepções mais inovadoras de educação e também com os demais eixos descritos neste documento. Finalmente, enfatiza-se a importância do Conviver Marista na proposição de projetos que evidenciem as potencialidades do território,

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SANTOS, 1978.


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e não somente suas fragilidades; que possibilitem restabelecer relações e redes de solidariedade dentro do território, ressignificando a territorialidade; projetos que promovam a criticidade em relação a processos de violação muitas vezes naturalizados por indivíduos e grupos. Enfim, não podemos nos contentar somente com um espaço interno bem aparelhado e cuidado quando o entorno clama por justiça. Somos chamados a intervir e olhar o mundo com os olhos das crianças, dos adolescentes e dos educadores.

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4. ITINERÁRIOS FORMATIVOS


4. ITINERÁRIOS FORMATIVOS

A proposta curricular indicada e a expectativa educativa que se traduz nos eixos anteriormente elucidados demandam, consequentemente, a construção de um Plano de formação para as equipes, num itinerário formativo que fundamenta e sustenta essa proposta curricular. Formação Integral A marca central e característica do posicionamento da RMS, externada pela forma da oferta e organização curricular do Conviver Marista, busca uma formação integral. Essa proposição não nasce ou restringe-se à perspectiva da oferta educativa de período integral, mas a uma educação que se integra com a área social, com a escola, com a família e com a comunidade. É pensada como formação aos educadores que a realizam, tendo todo cuidado para que os educandos atendidos na rede se desenvolvam plenamente. Esse posicionamento implica o reconhecimento da influência do território no processo formativo: escolas, postos de saúde, grupos religiosos, esportivos e culturais do entorno das Unidades, parceiros na busca por uma educação integradora. O território, em suas fragilidades e potencialidades, figura como potencializador da proposta formativa. Ainda no contexto grego do terceiro século antes da era cristã, Aristóteles já identificava a educação integral como promotora das potencialidades humanas, fundamenta, assim, a concepção de ser humano como um ser de múltiplas dimensões que se desenvolve ao longo de toda sua vida, princípio articulador do trabalho formativo da RMS.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

A leitura a partir da qual nos compreendemos humanamente em processo contínuo de desenvolvimento implica, em última análise, o próprio posicionamento e papel formativo da prática dos educadores em relação ao outro, ou do educando em relação a alguém que nos apresenta algo novo e instigante. “A educação se dá em tempo integral, na escola, na família, na rua, em todos os turnos, de manhã, de tarde, de noite, no cotidiano de todas as nossas experiências e vivências. O tempo de aprender é aqui e agora. Sempre.”47 Adultos, jovens e crianças são educadores e educandos, e se valoriza cada momento nos espaços institucionais como únicos. Concebe-se, também, essa proposta de educação integral de forma interdisciplinar, valorizando, nos Centros Sociais, múltiplas linguagens trazidas e trabalhadas pelas crianças e adolescentes. Soma-se ao contexto territorial as diversas áreas de desenvolvimento: meio ambiente, educação, participação popular e política, esportes e lazer, cultura, além do vasto campo de exploração das artes. Nesse campo curricular o espírito investigativo e crítico deseja desvendar a visão dos educandos sobre as realidades dos territórios a partir da busca por políticas públicas que atendam com justiça às necessidades da população menos favorecida. Os espaços se tornam, assim, “espaços de múltiplas aprendizagens” e de comunidades de aprendizagens, impactando na sociedade como espaços de difusão e construção do conhecimento. Considera-se conhecimento o que se

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GADOTTI, Moacir. Educação Integral no Brasil: inovações em processo. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2009. p. 22. 71


4. ITINERÁRIOS FORMATIVOS

aprende formalmente na escola e as aprendizagens tidas como informais, do contexto familiar e de outros espaços de participação.

Escolha A educanda Karen Samyra, 14 anos, do Centro Social Marista Irmão Justino, relata sua percepção dos processos de escolha nos projetos de que participa: “Nós temos o direito da escolha, isto para mim é o que nos dá mais força e prazer de continuar e fazer acontecer... O

Os objetivos do Conviver Marista, na perspectiva da formação integral, são: educar em valores, para e pela cidadania, criar hábitos de pesquisa e estudo, cultivar hábitos alimentares e de higiene, ampliar o repertório cultural dado pela família, ampliar a aprendizagem dos educandos para além do ensino formal. Assim, a ampliação dos espaços de aprendizagens em parceria com a comunidade local e o fortalecimento da rede socioeducativa, integrando atividades polí­ ticas, culturais, econômicas e sociais, são as ações mestras desenvolvidas pelo Conviver Marista.

fato de podermos escolher e fazer aquilo que gostamos: opinar, fazer o projeto com as próprias mãos... cons­truí-lo. Esse poder que temos nos faz acreditar em nossa capacidade, ver que o importante é tentar... Eu me sinto capaz, forte, segura do que quero, do que sou e do que sei. Me sinto viva!”

Participação como Direito No mundo grego clássico, a democracia estava associada à distribuição do poder entre os cidadãos que participavam da fixação das leis e do destino da polis. Os cidadãos,48 em praça pública, reuniam-se para as tomadas de decisão, instaurando o sentido de coletividade nos encaminhamentos comuns. Esse mo­delo

Homens maiores de 30 anos, possuidores de terras ou riquezas e nascidos na cidade de Athenas, portanto estavam excluídos escravos, mulheres, crianças e migrantes. 48

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

de tomada de decisão, seja por representatividade ou por consenso, ins­ taura-se no mundo ocidental e perpassa até os dias de hoje, “após a experiência ateniense da práxis democrática, culminado no tempo de Péricles, nenhuma outra aparece até os tempos modernos.”49 A busca pela construção de processos democráticos, nos Centros Sociais da RMS, potencializa a participação efetiva de toda a comunidade educativa e se contrapõe ao modelo hierarquizado e centralizador nas tomadas de decisão. Na mediação pedagógica, busca-se o caminho dia­lógico que se contrapõe ao modelo escolar tecnicista, no qual o professor detém o conhecimento e o poder, enquanto que o aluno figura apenas como depositário de conteúdo. A possibilidade de participar da gestão do Centro Social, das tomadas de decisão e dos direcionamentos dos projetos/oficinas responde como ações essenciais e necessárias para a cons­ trução de um currículo integrador e interdisciplinar no Conviver Marista. Os ambientes educativos convidam a desenvolver processos democráticos como característica fundante de sua atuação. Estabelecer espaços apropriados para o exercício da discussão e da argumentação crítica e para a formação de sujeitos políticos, que são protagonistas na luta por direitos e igualdade de expressão, é função

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FARIA, José Eduardo. Retórica política e ideologia democrática. Rio de Janeiro: Graal, 1983. p. 77. 73


4. ITINERÁRIOS FORMATIVOS

preponderante do Conviver Marista, pautada na participação como direito.

Construindo Projetos

Nesse sentido, a consolidação dessa prática democrática dentro dos espaçotempos Maristas deve despertar nas crianças e nos jovens o senso político que leva a reflexões morais e éticas, constituindo a identidade desses sujeitos que perpassam os Centros Sociais. Nesse contexto, o papel do educador social é o de quem testemunha o ato de comparar, acolher, decidir e estimular a ascensão do direito à democracia por parte dos educandos. O ambiente educativo pressupõe diálogo, cooperação e participação de todos.

Emily Silva, 13 anos, educanda do Centro Social Marista Irmão Justino, fala sobre sua experiência de projetos: “A troca de oficina para projetos foi maravilhosa porque, nas oficinas, parecia que a gente sempre aprendia a mesma coisa, e com os projetos nós aprendemos sobre outras culturas, sobre luga­ res diferentes, direitos humanos, enfim muitas coisas. O processo dos projetos começa com os edu­ cadores e com os nossos pais

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Pedagogia de Projetos A metodologia utilizada para o desenvolvimento de projetos de trabalho baseia-se na resolução de situações-problema. A proposta é organizada de forma coletiva e colaborativa, possibilitando aos edu­ candos e educadores realizarem descobertas não visualizadas no escopo inicial do projeto. Ela dia­loga com as culturas e os saberes dos educandos,


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

possibilitando o desenvolvimento da criatividade, da pesquisa e de novas descobertas. O educador não é aquele que ensina, e o educando, aquele que aprende; ambos aprendem e ensinam, e o educador passa a ser aquele que possibilita a cocriação do saber. Para que a proposta possa acontecer, é necessário repensar o trabalho educativo, seus espaçotempos, conceber a aprendizagem como processo amplo e complexo, em que conhecer e intervir na realidade não são atitudes associadas. Depende do educador, ao identificar uma situação-problema, seja por meio da sugestão de um educando, da turma ou dele próprio, criar condições para a problematização dessa situa­ ção, procurando envolver todo o grupo nas possíveis hipóteses e caminhos que podem ser construídos para a solução do problema. Ficar atento às necessidades que surgem no dia a dia do espaço educativo contribui para a identificação de boas possibilidades de projetos. A função principal da proposta educativa é possibilitar ao educando o conhecimento do mundo a sua volta, fazendo ligação entre o que aprende e as situações que vivencia no cotidiano.

discutindo os temas. Quando são definidos os três temas, os educadores começam a pensar como será o processo ao longo da caminhada, ou seja, preparam ações, passeios, atividades. Quando as coisas estão começando a se definir, os projetos são apresentados para os educandos, que escolhem a proposta de que mais gostam. O projeto é muito bom, pois podemos aprender muito, e passamos a ver as coisas com outro olhar, e o mais importante é que o projeto é feito por todos ao longo da caminhada. As finali­ zações dos projetos são muito divertidas, com teatro, música, enfim, arte. Eu me sinto muito feliz nos projetos, aprendi muitas coi­ sas, coisas que eu nunca tinha visto nem de que tinha ouvido falar. Com os projetos, nós aprendemos de modos diferentes, brincando, fazendo ações, discutindo, assistindo a documentários, etc.”

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4. ITINERÁRIOS FORMATIVOS

A existência humana envolve impulsos dispersos para um projeto crescentemente unificado ou integrado; ou ­melhor, para uma série de projetos coordenados e ligados entre si por interes­ses, aspirações e ideais de significados permanentes. Preparar para a vida será pôr a criança em condições de projetar, de procurar meios de realização para seus próprios empreendimentos e de realizá-los, verificando pela própria experiência o valor das concepções que esteja utilizando.50

Para que a aprendizagem seja significativa, é necessário partir de situações-problema contextualizadas, desafiadoras e interessantes, fortalecendo e ampliando o diálogo com as linguagens e culturas infantojuvenis. Apresentar conteúdos descontextualizados e atividades que não desafiam o poder cria­ tivo dos educandos pode tornar as ati­vi­dades desenvolvidas enfadonhas e desinteres­ santes. O teor da proposta pode, por vezes, provocar nos educa­ do­ res certa insegurança, pois não possuem “con­ trole” dos rumos em que o projeto pode alcançar. De início é levantada a problemática a ser desvendada, mas as ações e os conteúdos trabalhados vão surgindo por

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DEWEY, John. Vida e educação. 10. ed. Introdução de Anísio Teixeira. Rio de Janeiro: Melhoramentos, 1978. p. 47.


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

meio das descobertas realizadas pelos participantes. É fundamental a disponibilidade dos educadores no estudo concomitante da temática identificada para o projeto.

Escuta no dia a dia Em São Paulo, no Centro Social Marista Irmão Justino, diversos es-

Pedagogia da Escuta Quando falamos em escutar, não estamos falando meramente do sentido biológico da audição, mas de um conjunto de elementos que nos permite perceber qual é a forma como esse educando se relaciona com o mundo a sua volta e de que maneira interage e modifica esse mundo. Ouvir o educando significa percebê-lo e deixar-se perceber por ele, um diálogo interno que nos permite adentrar nesse mistério da infância e da juventude. O processo de escuta torna-se cada vez mais essencial e permite construir propostas pedagógicas significativas, atendendo a interesses, necessidades e desejos dos educandos. Escutar nos coloca em conexão com o planeta, com as formas de expressão cultural e, sobretudo, conosco. Os edu­candos têm o direito de ser escutados significativamente, e a dimensão da escuta é essencial para

paços de escuta são garantidos na rotina e nos espaços da Unidade. Nas salas há pequenos murais, nos quais se pode colocar post-its com ideias ou críticas indicando os assuntos a serem discutidos numa assembleia. Ao longo dos projetos, muitas rodas de conversa são rea­ lizadas, para avaliar os andamentos, os comportamentos, os aprendizados, para celebrar as conquistas e rever os rumos do projeto. No Centro Social, sempre que possível ou necessário, educandos se reúnem para indicar alterações ou dar opinião em algumas decisões para além das oficinas e projetos. A participação das famílias e dos responsáveis também tem sido garantida em muitos desses momentos.

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4. ITINERÁRIOS FORMATIVOS

o perfil dos educadores e colaboradores maristas. Escutar os educandos é importante para conhecê-los e construir um processo participativo e de corresponsabilização dos projetos e oficinas. Um instrumento que pode ser utilizado são as assembleias dirigidas pelos educandos e acompanhadas pelos educadores, que podem acontecer periodicamente e ser inseridas na rotina do atendimento, criando assim um espaço propício de diálogo, reflexão e vivência de princípios democráticos e participativos. As assembleias acontecem tanto para solucionar e mediar conflitos externos e internos quanto para direcionar novas propostas e abordagens para as oficinas e projetos oferecidos. A cooperação e a autoria dentro dos espaços são garantidas a partir dessa escuta, e esses espaços propícios rompem com o modelo verticalizado de educação, em que a ordem só permanece no espaço educativo quando o autoritarismo se faz presente. Em um espaço democrático, todos são responsáveis pelo bom funcionamento, e as possibilidades de conflito e transgressão diminuem quando todos são ouvidos e participam dessa coletividade.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Processo de escolha: o Conviver Marista oferece às crianças e aos adolescentes projetos e oficinas que nasceram a partir das percepções e escutas realizadas com os educandos e suas famílias. Participar de atividades que despertam interesse e curiosidade propicia maior envolvimento e aquisição de novas aprendizagens. Escutar para escolher, dialogar, debater e propor algo é o foco inovador no Conviver Marista. Os educandos são ouvidos, e as equipes gestoras, juntamente com a comunidade educativa, encaminha, dialoga e avalia as propostas apresentadas. Acredita-se em uma construção coletiva, feita a várias mãos e composta por diferentes olhares de forma interdisciplinar. Todos são ouvidos e respeitados, e todas as contribuições são válidas para a construção de espaçotempos democráticos. Pedagogia da Escolha Um dos personagens interpretados pelo autor Woody Allen51 diz que “nós somos a soma das nossas decisões”. Desde pequenos, aprende­ mos que, ao fazer uma opção, estamos descartando outra, e de opção em opção vamos tecendo essa teia que se convencionou chamar “meu processo de aprendizagem e experimentação”. Escolher faz parte do cotidiano. Escolhemos a todo momento: roupas, calçados, alimentos, pessoas que queremos ter em nosso círculo de amigos, etc. Entretanto, quando tratamos de escolher uma profissão, ou algo rela­cionado à educação, notamos o quanto somos frágeis. Escolher nos angustia, pois nos desperta para a responsabilidade. CRIMES e pecados. Direção: Woody Allen. Elenco: Anjelica Huston, Woody Allen, Mia Farrow. Roteiro: Woody Allen. Comédia Dramática. Fox Filmes, 1989 (104 min.). 51

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4. ITINERÁRIOS FORMATIVOS

Ao olharmos para a rotina dos Centros Sociais, percebemos que o processo de escolha pode ser fragmentado, acontecendo apenas em momentos pontuais, como na escolha de um cardápio para a festa de aniversariantes do mês, a escolha do nome de um grupo ou projeto de que participa, a escolha de algumas atividades externas na comunidade. Espaços mais autoritários e menos participativos dificultam o sentimento de pertença ao projeto e às atividades oferecidas, fragilizando o estabelecimento de vínculos e o envolvimento dos educandos. O fato de não poder escolher onde estar e o que fazer, por vezes gera conflitos nas atividades que não são vistas como interessantes, e os educandos não se reconhecem como sujeitos autônomos dentro dos espaços, vendo-se obrigados a realizar coisas cujo sentido não entendem. O processo de escolha nas Unidades poderá acontecer em vários âmbitos, desde quando o educando quer desenhar em um papel branco e selecionar as cores dos lápis até quando, na oficina de música, deve escolher o instrumento de seu interesse naquele dia são exemplos corriqueiros dessa escolha. O que escolher? O que ler? Com o que brincar? Com o que ter contato primeiro? O respeito pelas escolhas perpassa nosso jeito Marista de educar. O processo de escolha pode ser provocado diariamente, para que esse exercício seja desenvolvido com relação às oficinas/projetos ofertados pelos Centros Sociais, envolvendo todos no processo, e não apenas comitês ou representantes de classes/turmas/projetos.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Escolher as oficinas/projetos será a pedra fundante para se pensar a inovação no Conviver Marista. Aprender a escolher gera autonomia e sentimento de corresponsabilidade no decorrer do projeto, em sua avaliação e nos êxitos obtidos, de modo que os educandos se reconheçam como protagonistas nos espaçotempos dos Centros Sociais e possam cada vez mais reivindicar seus direitos e fazer boas escolhas na vida. O desdobramento da possibilidade da escolha se baseia em perguntas-chave: Como gerar autonomia? Como criar senso político direcionando todas as atividades? Protagonismo é algo que se estuda ou se vivencia? Como aprender a ter responsabilidade sobre suas escolhas? A atitude de escolher não deverá ser apenas intuitiva, é preciso refletir sobre o que se pretende com tal ação, ser reflexo do que somos dentro do ambiente educacional, alicerçada em um processo reflexivo e consciente. Caso necessário, podemos reavaliar decisões e trocar de caminho: ninguém é o mesmo para sempre, mas é preciso saber aonde se quer chegar para não pegar qualquer estrada, já que, para quem não sabe aonde quer chegar, qualquer caminho serve (parafraseando o texto de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll).

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4. ITINERÁRIOS FORMATIVOS

Justifica-se a necessidade de saber escolher, refletir sobre a escolha e direcioná-la segundo o projeto de vida que, como mencionado no capítulo anterior, pressupõe elaborar metas, pensar recursos, definir e trilhar caminhos para atingir os objetivos almejados. A tomada de decisão e a não obrigatoriedade de permanecer nas oficinas/projetos que não se queira, bem como a potencialização do espírito democrático dentro dos espaços educativos, tornam-se fundamentais para o bom caminhar do Conviver Marista. Nas experiências já implementadas, nota-se a diminuição de conflitos e intervenções na vida dos educandos e no território de formas significativas e com uma melhor interface interdisciplinar nos projetos e linguagens trabalhadas. Isso não significa espontaneísmo na proposta curricular, mas uma constante ressignificação dos projetos, para que realmente façam sentido na vida do educando. Gestão dos Espaçotempos O espaço educativo Marista revela nossa concepção de aprendizagem. Produção cultural, expressão territorial, produção artística, prática esportiva, qualidade de vida, bem-estar e educação para a evangelização norteiam a organização do espaço educativo na oferta do Conviver Marista. “A escola é compreendida como espaçotempo, pois se materializa num tempo e lugar localizados, precisos, específicos, numa história e geografia cotidianas, nas quais nos formamos como sujeitos da educação – da educação marista.”52

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UNIÃO MARISTA DO BRASIL, 2010, p. 53.


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Considera-se que o espaço educativo deve ser projetado conforme as necessidades dos educandos e demandas da acessibilidade local. Ao refletirmos sobre a educação no território nacional e os processos pedagógicos socioeducativos que nele estão inseridos, precisamos ter em conta a legislação vigente e toda a diversidade da sociedade, levando em consideração também que a sociedade se constrói ao longo da história em espaços e tempos próprios de nossa cultura de forma ampla, complexa e transitória. Nos Centros Sociais, os espaços são organizados para aguçar nas crianças e nos adolescentes a iniciativa de explorar cons­ tantemente esses cenários, identificando-se com o local e consequentemente zelando dele para o uso coletivo. Esse espaço é um ambiente consagrado em nossa cultura, destinado ao desenvolvimento dos processos educacionais para educandos e famílias atendidas. Refletindo, ainda, a importância dos espaçotempos educativos e sua função social, compartilhamos a ideia de que a história de uma coletividade não se escreve fora desse cenário, pois é nesse mesmo ambiente de relação entre cultura local e proposta socioeducativa do Conviver Marista que atuamos e possibilitamos uma forma diferenciada de interferir no território, que amplia as possibilidades de acesso à cultura e ao conhe­ cimento.

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4. ITINERÁRIOS FORMATIVOS

A reflexão sobre os espaçotempos educativos é fundamental no processo de ensino-aprendizagem dos educandos, pois é nele que são promo­vidas as interações entre os sujeitos e os objetos de conhecimento. Portanto, os Centros Sociais precisam ser organizados de forma a valo­ rizar a identidade local e favorecer o desenvolvimento individual e coletivo, propiciando aprendizagem por meio da socialização, troca de experiências e saberes diversos. Para tanto, é necessário um esforço coletivo de toda a comunidade educativa, na tentativa de compreender a complexa multidimensiona­ lidade e diversidade do espaço educativo, que é, sobretudo, humano, abrigando suas inúmeras capacidades como o pensar, criar, sentir e agir, modificando e transformando o seu entorno. É nessa perspectiva que devemos idealizar e trabalhar não uma Unidade estática e burocrática, mas sim um cenário humano, democrático e transformador, ou seja, uma Unidade Viva. A práxis da organização da rotina não precisa obedecer a uma estrutura cristalizada, pode ser flexível e pensada sempre a partir das necessidades dos educandos e da comunidade educativa. Nesse contexto, pensar a forma de organização da rotina é uma ação que privilegia o envolvimento de educandos, famílias, colaboradores dos Centros Sociais. Cria, assim, um sentimento de pertença ao espaço e comprometimento com a rotina, pois foi validada e construída por todos os envolvidos.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Lugar de Convivência Dentro da proposta socioeducativa, a atividade não programada também ocupa seu lugar de importância. Possibilitar atividades não dirigidas e convivência livre a crianças e adolescentes permite que eles possam se expressar e utilizar os espaços como biblioteca, parques, áreas externas e salas diversas, favorecendo o desenvolvimento do sentimento de pertença e o fortalecimento do uso responsável do espaço educativo. Também pode ser utilizado como um período de estudos, para pesquisar algo interessante no laboratório de informática, frequentar a biblio­ teca, escolher onde estar e o que fazer, ocupar todos os espaços comuns, ou ainda conviver livremente no parque e trocar experiências significativas do cotidiano. Todos esses espaços, bem como a própria convivência, são educativos. Com relação às crianças mais novas, o momento livre se torna signifi­ cativo e expressivo, pois são nesses momentos que elas de fato expressam a ludicidade e brincam livremente sem a intervenção do adulto. Contrapondo-se a essa proposta (intervenção do adulto), um espaçotempo pensado pelo adulto para a criança encarrega-se de negar as potencialidades dela, colocando-a num lugar de usuária, e não coconstrutora; sendo assim, dificilmente a criança poderá sentir-se pertencente ao local. 53

53

REDE MARISTA DE SOLIDARIEDADE. Brincadiquê? Pelo direito ao brincar. São Paulo: FTD, 2013. p. 55.

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4. ITINERÁRIOS FORMATIVOS

Brincar e conviver Nathaly Priscila Frazem da Silva, 10 anos, do Centro Social Marista

As crianças brincam livremente, e os educadores acompanham o seu brincar sem interferir na forma como elas estão lendo e interagindo com o mundo. O fantasiar é elemento nuclear da compreensão e significação do mundo.

Itapejara D’Oeste, falando sobre o brincar como espaçotempo de conviver e aprender: “Eu adoro estudar no Cesmar por causa das brincadeiras e oficinas divertidas. No Cesmar tem parquinho, brinquedoteca e também dança e circo. Este ano, eu estou estudando sobre o Egito. Nesse projeto eu aprendi

A imaginação do real é funcional do seu modo de inteligibilidade. As crianças de­ senvolvem a ima­ginação sistematicamente a partir do que obser­vam, experimentam, ouvem e interpretam de sua experiência vital, ao mesmo tempo que as situações que imaginam lhes permitem compreender o

muitas coisas, inclusive a dançar a

que obser­vam, interpretando novas situa­

dança do ventre. Eu também gosto

ções e expe­riências de modo fantasista, até

da brinquedoteca, lá tem livros e

incorporarem como experiência vivida e

brinquedos. Nós assistimos ao

interpretada.54

filme O Pequeno Príncipe, é muito divertido!”

Interagindo com o adulto e reinterpretando o mundo que está a sua volta, a criança faz sua leitura e interage com a cultura. Dessa forma, os momentos livres expressam todo esse universo infantil que durante as atividades programadas a criança não tem possibilidade de manifestar, pois o direcionar já se torna uma forma de interferir na leitura e na interação da criança.

54 SARMENTO, Manuel Jacinto. Infância, exclusão social e educação como utopia realizável. Educação & Sociedade, ano 23, n. 78, p. 265-283, abr. 2002.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Valorizamos assim o tempo livre, ou o ócio criativo, como afirmavam os filósofos pré-socráticos,55 segundo o pensador Giovanni Reale, como momento propício para a criação livre e o nascimento do pensamento filosófico. O tempo livre pode ser garantido na rotina e refletido com os educandos e toda a comunidade educativa, segundo a rotina e a organização interna de cada espaço, para garantir melhor aproveitamento do tempo e uma convivência significativa. Práticas Restaurativas Buscamos formas alternativas de trabalhar os conflitos nas situações cotidianas das Unidades Sociais, na perspectiva de promover a participação de todos os envolvidos e transformar as relações, e fomentar espaços restaurativos com foco na dimensão das relações interpessoais. Refletir sobre o projeto de vida, além de prevenir a violência e a exclusão, modifica o enfoque punitivo para o restaurativo. Enquanto a punição opera com foco na culpa, nos julgamentos e no causador do dano ou violador das regras, a restauração traz consigo outro universo de palavras, como reparação, responsabilização, entendimento às necessidades, semeando a cultura da paz e da não violência e possibilitando conexão entre as partes envolvidas. Os relacionamentos no Conviver Marista ocupam papel de importância na motivação e inspiração. O aprendizado eficaz tem tudo a ver com fazer conexões entre o que as pessoas já sabem e novos conhecimentos e 55

Ver: REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. 6. ed. São Paulo: Paulus, 2003. vol. 1 – Filosofia Pagã Antiga 87


4. ITINERÁRIOS FORMATIVOS

novas ideias. Essas conexões podem ser mais eficazmente feitas se as pessoas se sentirem entusiasmadas e inspiradas, engajadas em seu aprendizado com novas oportunidades de aprender da própria maneira, interagir com os outros e compartilhar ideias a serem contestadas de maneira criativa. Nessa parceria entre restaurar e aprender pelo convívio, o educador ocupa papel ímpar, por isso a importância de adotar a visão de que os relacionamentos têm importância e criar espaços que oportunizem conexões entre os educandos e seus saberes. Quanto mais fortalecidos forem os relacionamentos, melhores serão os resultados no processo de aprendizagem e desenvolvimento dos educandos e educadores. A proposta restaurativa adotada se baseia nos cinco temas restaurativos apresentados por Hopkins:56 1. Perspectivas pessoais únicas e igualmente valorizadas: todos têm sua própria perspectiva sobre uma situação ou um acontecimento, e necessitam de uma oportunidade de expressão para se sentirem respeitados, valorizados e envolvidos.

56 HOPKINS, Belinda. Just Schools: a whole school approach to restorative justice. London: Jessica Kingsley Publishers, 2004. p. 18-30.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

2. Os pensamentos influenciam emoções, e emoções influenciam ações subsequentes: o que as pessoas pensam em um determinado momento influencia o que sentem, e o que sentem leva a determinados comportamentos. 3. Empatia e consideração pelo outro: conflitos ou desentendimentos podem resultar em danos – em termos de emoções negativas, como raiva, mágoa, medo, frustração e confusão, e em termos de relacionamentos e conexão dani­ ficados entre pessoas. Para viverem juntas e em harmonia, as pessoas necessitam de empatia. 4. A identificação das necessidades vem antes da identificação e das estratégias para entender às necessidades: é provável que tanto as pessoas que causam danos quanto aqueles que são diretamente afetados têm as mesmas necessidades. A identificação das necessidades das pessoas precede a identificação das estratégias para atender às necessidades. 5. Responsabilidade coletiva pelas escolhas feitas e por seus resultados: as pessoas afetadas pela situação ou acontecimento são as que melhor podem identificar o que deve acontecer, para que todos sigam com suas vidas e o dano seja reparado.

Seguir esses passos de forma propositiva pode garantir maior siner­ gia entre educandos e educadores, de modo que todos se sintam res­ ponsáveis pelo bom êxito dos processos de mediação de conflitos, buscando criar um espaço restaurativo nas Unidades.

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4. ITINERÁRIOS FORMATIVOS

Sentar-se em círculo com os edu­ candos, permitindo que todos se ex­ pressem, sejam ouvidos e valorizados, e apoiar todos os participantes são aspectos a serem considerados pelo educador, que no círculo restaurativo assume papel de facilitador. O educador facilita o círculo, ou seja, auxilia o grupo a alcançar seus objetivos. Conduzir o grupo na busca por consenso, buscar objetivos comuns sem tomar partido nas situações de conflitos, contribuir no caminho do autoconhecimento e possibilitar a abertura de novos ca­minhos para a resolução do conflito sem pautar-se na punição ou retribuição são ações que estabelecem relações horizontais dentro dos espaços educativos dos Centros Sociais. A postura do facilitador requer uma imparcialidade ne­ cessária que leve a criar um clima de confiança nos envolvidos na situação de conflitos. Ouvir com atenção e acreditar que cada uma das partes tem a sua versão para o fato, e que esta versão precisa ser reconhecida, entendida e legitimada, contribui para o facilitador se conectar com as pessoas em situações de divergências.57

57

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GRECCO, Aimée et al. Justiça restaurativa em ação: práticas e reflexões. São Paulo: Dash, 2014. p. 132.


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Trata-se de uma postura mediadora para além da técnica, mas como uma opção pedagógica profundamente enraizada nos espaçotempos das Unidades. Essa postura abre mão de formas de punição e/ou práticas de retribuição assumindo um caminho participativo e de responsabilização de todos no processo restaurativo. Nesse contexto, não criar regras com penas ou sanções é fundamental, mas se conectar de forma coletiva com os desafios e conflitos e buscar a solução para isso com base na pedagogia da roda e de maneira participativa dissemina uma nova forma de educar baseada na restauração e na não punição.

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5. CONSTRUINDO TERRITÓRIOS EDUCADORES


5. CONSTRUINDO TERRITÓRIOS EDUCADORES

Rede socioassistencial De acordo com a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS/2005), a rede socioassistencial, como um conjunto integrado de iniciativas públicas e da sociedade que “ofertam e operam benefícios, serviços, programas e projetos, o que supõe a articulação entre todas estas unidades de provisão de proteção social, sob a hierarquia de básica e especial e ainda por níveis de complexidade”.58 Isto posto, e considerando o Conviver Marista como elemento ativo que compõe o território, bem como integrante da rede socioassistencial, relatamos a importância das interfaces que o serviço estabelece com as diferentes organizações do território (públicas e privadas); conveniadas ou não com as instâncias municipais, estatuais ou federais. O Conviver Marista é um espaço que oferta o atendimento direto a crianças, adolescentes e famílias na perspectiva de promoção e defesa de seus direitos, e torna-se inerente ao objetivo do serviço atuar em parceria com as demais organizações em busca de construção de propostas curriculares coletivas para a defesa e garantia de direitos, bem como iniciativas que promovam o desenvolvimento local. Evidenciamos as diferentes possibilidades desenhadas para atuação em rede: a realização de formações, por exemplo os Itinerários Formativos de Educação Infantil, Educação Integral e Psicossocial promovidos pela RMS; a participação em redes temáticas e mobilizadoras, encontros que

58 BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica NOB/SUAS. Brasília: CNAS, 2005. Disponível em: <www.mds.gov.br/cnas/politica-e-nobs/nob-suas.pdf/download>. Acesso em: 24 ago. 2016.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

se organizam em torno de uma temática para discussão, proposição e incidência em temas relevantes para o território; a articulação em fóruns e conselhos objetivando a incidência política nas pautas relevantes à defesa de direitos de crianças e adolescentes, bem como as de relevância para o território no que tange aos direitos humanos, entre outras. Atualmente, a RMS atua ainda na perspectiva de construção de comunidades de aprendizagem, buscando articular o Conviver Marista como espaço facilitador e fomentador na construção de estratégias coletivas, com o envolvimento da comunidade para defesa de direitos e desenvolvimento local. Por isso, educandos, educadores, famílias, comunidade e rede de serviços precisam estar articulados na busca de uma educação materializada na concepção curricular objetiva para o serviço, que extrapola os muros dos espaços “formais“ e avança na construção de metodologias coletivas para transpor desafios postos à sociedade. Rede de educação O Conviver Marista é um espaço educativo que busca o desen­ volvimento integral dos sujeitos, e por isso demanda a criação de re­des locais e parcerias com as escolas do território, espaços nos quais crianças, adolescentes e famílias são também atendidos diariamente. Dessa parceria nasce a perspectiva de criar territórios educadores, onde organizações sociais, escolas, famílias e outros serviços possam contribuir

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5. CONSTRUINDO TERRITÓRIOS EDUCADORES

para a Educação Integral dos sujeitos atendidos. “A educação é por definição integral na medida em que deve atender a todas as dimensões do desenvolvimento humano e se dá como processo ao longo de toda a vida. Assim, educação integral não é uma modalidade de educação, mas sua própria definição”.59 Atuamos no Conviver Marista com o conceito de educação integral, obje­ tivando o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. Dessa forma, atuar articuladamente com as escolas do território é uma das prerrogativas do Serviço, bem como atuar em redes e fóruns que debatam a educação no território, sua qualidade, os pro­ cessos e os conteúdos necessários à qualificação do atendimento, em busca de uma educação que promova inclusão e garantia de direitos. Torna-se necessário atuar em rede, buscando fomentar nas escolas do território uma concepção integradora entre pessoas e organizações (vigias, professores, coordenadores, diretores, famílias, alunos, comunidade, organizações não governamentais de diversas áreas e demais equipamentos públicos).

59 Em: Centro de Referências em Educação Integral. Disponível em: <http://educacaointegral.org.br/conceito/>. Acesso em: 26 ago. 2016.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

A escola, cada vez mais, deverá ser um espaço aberto, e a edu­cação, inevitavelmente vinculada à cultura. A vida deve ser a dimensão integradora das relações na escola. Se não houver vida naquilo que aprendemos, então não há edu­ cação, formação e muito menos aprendizagem. A escola deve ser um corpo vivo [...], um espaço de conexão, de ligação e inclusão.60

O Conviver Marista pode ainda atuar com as escolas na perspectiva de formação e/ou realização de projetos em parceria, ou optar por aproximação com diretorias e supervisões regionais, na perspectiva de realizar projetos que envolvam várias escolas do território. Essa aproximação pode inicialmente contribuir para estreitar o diálogo, discutindo temas recorrentes dos espaços escolares pertinentes ao currículo da escola e do Conviver Marista, e posteriormente pode avançar para a realização de ações em parceria (seminários, cursos, reuniões para discussões de casos, etc.). A partir da proposta construída em escolas e/ou organismos regionais, o Conviver Marista deve buscar congregar todos os sujeitos envolvidos nos processos educativos que compõem o território para discutir e construir propostas que, alinhadas à discussão de educação integral, possam avançar na construção de territórios.

60

MOSÉ, 2013, p. 82.

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5. CONSTRUINDO TERRITÓRIOS EDUCADORES

Comunidade e família A premissa do Conviver Marista é educar pelo exemplo; dessa forma, compreende-se também que atuar de forma participativa com famílias e comunidades pressupõe a construção de espaços para reflexão e construção participativa entre os pares que atuam no Conviver Marista; ou seja, pressupõe um compromisso com princípios democráticos e a sua compreensão na experiência cotidiana entre todos os colaboradores que atuam no Serviço. Isto posto, e considerando a participação como um direito garantido em todo o território nacional através da Constituição Federal, assim como reiterado a crianças e adolescentes pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), busca-se através do Serviço fomentar a participação de famílias e comunidade nos processos de tomada de decisão em diferentes frentes de atuação do Serviço (gestão, projetos, etc.). A RMS acredita que discutir participação numa sociedade marcada, durante vinte anos, por um intenso processo de ditadura militar com destituição de direitos civis, políticos e sociais, seja algo imprescindível e ao mesmo tempo complexo. A atuação educativa, nesta concepção, não pode desconsiderar que as marcas na sociedade de uma pedagogia para a obediência e para a repetição acrítica ainda estão presentes. Dessa forma, atuar numa perspectiva participativa com famílias e comunidade implica aprofundar esse conceito, mas antes de tudo

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

implica ressignificá-lo para colaboradores que atuarão na perspectiva de fomentar essa participação. Às gestões cabe ainda aprender a compartilhar o “poder” outrora outorgado somente pelo título e/ou função. Ou seja, cabe-lhes destituir o poder “uno” em busca de um poder construído coletivamente. Atuar numa perspectiva democrá­tica propiciando a participação de famílias e comunidade significa acima de tudo sustentar uma opção ética e política, pautada essencialmente nos direitos humanos e em princípios democráticos, com profunda crença na capacidade “do outro” (família e comunidade). Assim, compreendemos que atuar com famílias numa perspectiva democrática pressupõe despir-se de alguns valores pré-concebidos, buscando compreender o outro a partir de seu ponto de vista; numa relação dialética e verdadeiramente dialógica. Da junção dos saberes das famílias e comunidade, educadores, equipe de apoio, administrativa e gestão nasce­ rão possibilidades caleidoscópicas, em que diferentes pontos se encontram, formando tramas diversas. Compre­ endemos então que a beleza de atuar com famílias e comunidade está na infinidade de possibilidades dessa construção coletiva e cotidiana, por­ tanto intrínseca à diversidade.

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5. CONSTRUINDO TERRITÓRIOS EDUCADORES

Unidades Maristas

Diferentes lugares: uma única missão Alinhados à missão Marista e ao planejamento estratégico do Grupo Marista, em 2013 teve início em São Paulo uma ação inédita de formação, congregando num mesmo espaçotempo colaboradores dos centros sociais da zona leste de São Paulo (CSM Irmão Lourenço, CSM Irmão Justino, CSM Itaquera e CSM Robru) e do Colégio Marista

Arquidiocesano.

Diante

dos

desafios de aproximação dessas diferentes frentes, um grupo de estudos discutiu questões relativas aos Direitos Humanos. Essa experiência foi tão positiva que nos anos seguintes se estruturou um calendário com encontros e seminários para aproximar essas diferentes frentes, potencializando-as para qualificar ainda mais os trabalhos realizados nas Unidades.

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Atualmente, a RMS mantém a gestão de vinte e seis Unidades Sociais em diferentes municípios, ofertando, além do Conviver Marista, Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II, Ensino Médio e Educação Profissional). As Unidades que ofertam o Conviver Marista podem paulatinamente aproximar-se das demais Unidades, independentemente de suas ofertas de serviço, buscando criar sinergia e força numa atuação em rede que fomente e fortaleça as concepções de educação da RMS em qualquer território em que estejam inseridas. Evidenciando o compromisso da RMS com uma educação comprometida com a promoção e defesa de direitos de crianças e adolescentes atendidos, com a formação contínua dos profissionais, que dialogue com os sujeitos da comunidade educativa, que compreenda que o processo formativo ocorre em nossos espaços, mas também para além destes, uma educação que fomente a participação, comprometida com o público atendido e com os processos de aprendizagens aos


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

quais deve ter acesso. Uma educação que liberte e emancipe, portanto, uma educação dialógica e inclusiva. Apoiamos o fortalecimento dessas redes regionais com o intuito de potencializar a troca de saberes e aprendizagens vivenciadas, integrar processos formativos, fortalecer a discussão sobre a defesa de direitos e promoção do atendimento nas dimensões educacionais, na construção de projetos que avancem para a discussão e construção de territórios educativos. Incluímos nesse rol de possibilidades a aproximação com os diferentes negócios mantidos pelo Grupo Marista, fomentando ações e projetos desenvolvidos em pareceria com a Rede de Colégios, Editora FTD, Universidade PUCPR, entre outras frentes. Evangelização, eclesialidade e diálogo inter-religioso: interface com as religiosidades do território A inculturação do Evangelho nas Unidades sociais pressupõe uma ação pastoral atenta aos sinais do território e das culturas locais, a fim de anunciar e tornar Jesus Cristo conhecido e amado por meio da pedagogia marista, baseada nos valores cristãos e com forte impulso missionário, que é próprio do seu jeito de educar.

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5. CONSTRUINDO TERRITÓRIOS EDUCADORES

Naquele “ide” de Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova “saída” missionária. Cada cristão e cada comunidade há de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas todos somos convidados a aceitar esta chamada: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho.61

A comunidade e as famílias dos territórios onde estão inseridas nossas Unidades são fonte e produtoras de culturas que adentram o espaço educativo. Logo, dentro do campo das culturas, as religiosidades que também tanto podem ser produto da cultura como produtoras de cultura62 fazem parte da diversidade cultural presente nesse contexto. Na comunidade, a presença de inú­meras denominações religiosas por meio de igrejas, de templos e de outros espaços religiosos configura um forte pluralismo religioso e religiosidade popular, exercendo influência sobre as famílias e as subjetividades dos sujeitos atendidos por nossas Unidades. “As expressões da piedade popular têm muito que nos ensinar e, para quem as sabe ler, são um lugar teológico a que devemos prestar atenção particularmente na hora de pensar a nova evangelização”.63 Não obstante, a religiosidade das crianças e dos jovens é marcada pela tradição, pela tradução dos discursos dessas experiências religiosas. Há

PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium: a alegria do Evangelho. Cachoeira Paulista: Canção Nova, 2013. Exortação n. 20. TILLICH, Paul. Teologia da cultura. São Paulo: Fonte Editorial, 2009. 63 PAPA FRANCISCO, 2013, n. 126. 61 62

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

hibridismos e diferenças religiosas que são produto dessas experiências, reproduzindo velhas e recriando novas manifestações. O multiculturalismo e a multirreligiosidade dos alunos, que frequentam as escolas católicas, interpelam todos os responsáveis do serviço educativo. Quando a identidade das escolas enfraquece, emergem numerosos problemas ligados à incapacidade de interagir com esses novos fenômenos. A resposta não pode ser aquela de refugiar-se na indiferença, nem de adoptar uma espécie de fundamentalismo cristão nem, por fim, aquela de declarar a escola católica como uma escola de valores “genéricos”.64

A pastoral é mediadora nesse processo e, considerando essa realidade, o Papa Francisco faz este apelo: “Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades”.65 Ou seja, ao mesmo tempo que se considera o pluralismo religioso presente no perfil das famílias e educandos atendidos por meio do diálogo intercultural e inter-religioso (evangelização implícita), devemos ter especial atenção para a identidade confessional (evangelização explícita), pois a Unidade Social é uma extensão da Igreja, dando sentido ao jeito marista de educar.

VATICANO. Congregação para a Educação Católica. Educar hoje e amanhã: uma paixão que se renova (Instrumentum laboris), 2014. p. 14. Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccatheduc/documents/ rc_con_ccatheduc_doc_20140407_educare-oggi-e-domani_po.html>. Acesso em: 26 ago. 2016. 65 PAPA FRANCISCO, 2013, n. 33. 64

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5. CONSTRUINDO TERRITÓRIOS EDUCADORES

Todavia, a relação com a Igreja local (comunidade, paróquia e diocese) deve ser estreita, e entendida como uma parceira irrestrita da ação pastoral das Unidades Sociais. Mesmo considerando que nem sempre essa aproximação se dá da mesma forma e com a mesma efetividade, não podemos perder de vista as possibilidades de ações conjuntas no campo litúrgico, catequético e sacramental, bem com outras ações com as pastorais sociais, demais pastorais afins e movimentos eclesiais que possuem propostas em comum com a nossa. Além disso, cabe à pastoral favorecer a vida eclesial de crianças, jovens e famílias com projetos e espaçotempos adequados na Unidade, ou encaminhando-os para a comunidade eclesial local, considerando o interesse e a adesão espontânea desses sujeitos pela eclesialidade católica. Considerando essa complexidade, e: Para que a ação pastoral seja desenvolvida de forma sistematizada e orgânica, ela deve compreender alguns requisi­ tos: ter caráter permanente de apostolado; ser planejada de acordo com as realidades nas quais está inserida; comportar organicidade das ações, gerando sinergia e comunhão entre os organismos existentes e parceiros; gerar flexibilidade me­todológica para que a criatividade e inovação ganhem espaços e permitam o respeito à diversidade; e buscar ser resposta aos sinais dos tempos.66

66

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PROVÍNCIA MARISTA BRASIL CENTRO-SUL, 2014, p. 30, n. 52.


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Tudo isso para possibilitar que a evangelização possa acontecer com qualidade social. Contudo, a evange­ lização não pode ficar somente a cargo dos pastoralistas ou de um grupo específico, todos devem se sentir corresponsáveis por essa missão. “Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até a humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo”.67 Portanto, a Unidade Social, com seus educadores, considerando a diversidade, é espaço primordial da vivência e da prática dos valores cristãos, de maneira autêntica e transversalizada em todos os seus projetos e áreas de atuação, tendo como principal foco o Cristo presente no rosto de cada educando.

67

PAPA FRANCISCO, 2013, n. 24.

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6. AVALIAÇÃO


6. AVALIAÇÃO

Por uma proposta avaliativa a partir de valores: concepção e avaliação O conceito de avaliação é comumente relacionado às práticas da educação formal, supondo-se que as provas avaliativas são os principais meios para realizar a avaliação de um educando. Essa perspectiva, já superada por diversos educadores, tende a reduzir o conceito da avaliação, uma vez que é inerente ao processo educativo e existe para que a aprendizagem ocorra de maneira efetiva, criando um diálogo constante entre educador, educando, planejamentos e ações. No Conviver Marista não é diferente. As avaliações dos educandos e dos projetos, assim como as Institucionais, que primam por olhar todos os processos dos Centros Sociais, são maneiras de garantir a qualidade social das práticas educativas. Um dos equívocos quando se pensa em processos avaliativos dos educandos é pensá-los descolados do restante das ações, entendendo que a avaliação ocupa um momento pontual, e não que faz parte de todas as atividades desenvolvidas. Quando atribuímos à avaliação somente o papel de repre­ sentar um momento de balanço das aprendizagens, às vezes, até mesmo inconscientemente, constituímos um jeito de avaliar que é essencialmente somativo. Isso significa que não estamos considerando o processo de ensino-aprendizagem efetivamente como um processo contínuo e ininterrupto, mas apenas como um momento do processo, separado dos demais.68

68

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UNIÃO MARISTA DO BRASIL, 2010, p. 87.


Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

É importante que a avaliação do educando aconteça de maneira processual, ou seja, em todos os momentos, e possa ser observada a partir de intervenções dos educandos, produções ao longo dos projetos, o processo de desenvolvimento das ações, assim como as mudanças ocorridas durante as ações educativas. A maneira de se relacionar e comunicar, os hábitos de pesquisa, a leitura e a escrita, o relacionamento com os pares, a forma de lidar com os conflitos e habilidades adquiridas nas diversas linguagens dos projetos são pontos de atenção para perceber a construção de conhecimento do educando no Conviver, além de serem questões passíveis de avaliação. O significado que atribuímos à avaliação está relacionado a uma pedagogia diferenciada, que não se preocupa apenas com “o que é ensinado”, mas também “como” e “para que” ensinamos, sem focar exclusivamente em um único momento de verificação de conteúdo, em que o aluno deverá somente reproduzir o que aprendeu.69

Dessa forma, em um processo educativo que respeita a criança e o adolescente em sua individualidade, as práticas realizadas incidem diretamente na construção de aprendizagem do educando, colocando todos como corresponsáveis do processo. Muito distante de práticas punitivas, excludentes, padronizadoras, a avaliação no Conviver é relacionada às conquistas de cada indivíduo, sem comparações, mas buscando sensibilidade no olhar, que permita perceber o crescimento dos educandos ao longo dos projetos. 69

UNIÃO MARISTA DO BRASIL, 2010, p. 88. 109


6. AVALIAÇÃO

As práticas avaliativas classificatórias fundam-se na competição e no individualismo, no poder, na arbitrariedade presentes nas relações entre professores e alunos, entre os alunos e entre os próprios professores, à medida que os estudos apontam para caráter interativo e intersubjetivo da avaliação, alertam também para a essencialidade do diálogo entre todos os que fazem parte desse processo, para a importância das relações interpessoais e dos projetos coletivos.70

As diversas possibilidades de avaliação, tanto institucionais quanto aquelas que se referem ao atendimento com os educados, que serão descritas a seguir, são formas de contemplar a complexidade de um processo educativo exigido nos projetos desenvolvidos pelo Conviver Marista. Documentação pedagógica, registro e avaliação processual Deixar marcas no papel é mais do que sistematizar ações, é sair de si para dar-se ao outro por meio de palavras que falarão sobre sentimentos, vivências e subjetividades. A documentação pedagógica, processo de registro reflexivo sobre a prática pedagógica entre educadores e educandos, pode revelar-se um instrumento poderoso de mudança do cotidiano e comunicação acerca de concepções e ideias no trabalho educativo, e é fundamental nos pro­cessos avaliativos.

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HOFFMANN, Jussara. Avaliação: mito e realidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. p. 17


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Ainda que a prática de registros na educação não seja algo novo, o termo “documentação pedagógica” passou a ser amplamente utilizado e divulgado a partir da experiência de educação infantil ocorrida na cidade de Reggio Emilia, na Itália. A prática inspirada em uma pedagogia voltada para a primeira infância pode tornar-se uma boa referência para as práticas do Conviver Marista, uma vez que é formativa, coerente com a ideia de uma avaliação processual, com o processo reflexivo do educador, com um currículo construído coletivamente, com a importância de diálogo com a comunidade educativa e, principalmente, com a concepção de uma criança potente e criativa. Tais elementos configuram pistas de intencionalidades para o exercício de documentar a prática pedagógica que faz interface com a proposta educativa do Conviver Marista. O educador que periodicamente organiza a documentação pedagógica é constantemente incentivado a avaliar o processo realizado com os educandos ao invés de pensar apenas nos produtos finais. O ponto de chegada é tão importante quanto o processo percorrido. Os registros realizados durante o processo servem como apoio para que sejam avaliados tanto a proposta educativa quanto o processo de aprendizagem

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6. AVALIAÇÃO

dos educandos. Por exemplo, ao retomar um registro fotográfico ou escrito e perceber que uma parte do grupo participou ativamente de uma determinada ação e que outra teve dificuldade de realizá-la, o educador terá subsídios para pensar quais intervenções serão necessárias para atingir o grupo e fazê-lo caminhar da melhor maneira possível. Nessa perspectiva, é inviável pensar numa avaliação processual sem que haja efetivamente uma reflexão contínua acerca do processo educativo e do impacto desse processo nos educandos. Dessa forma, a documentação pedagógica pode ser vista como um instrumento efetivo para ampliar o olhar cotidiano acerca da avaliação e pautar as formações dos educadores. Um registro realizado e arquivado por si só não configura uma documentação pedagógica, porém, a partir da intervenção do educador sobre o que foi registrado, envolvendo estudo, avaliação e reflexão, o registro passa a se configurar como uma documentação pedagógica. Nesse caso, uma série de fotografias de determinada atividade pode apenas ser um interessante registro sobre o momento, mas apenas a partir de uma leitura ampla de tais imagens é possível configurar que foram utilizadas como instrumentos de avaliação, reflexão e planejamento. Quando um educador documenta sua prática pedagógica, retorna àquele momento, mas de forma diferente, pois não está mais vivenciando aquilo que escreve. Dessa maneira, ele retorna ao vivido com outra visão e reflexão, e esse retorno será essencial para avaliar o que foi proposto, retomar falas dos educandos, olhares e gestos.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

Esse movimento auxilia na avaliação da ação e acaba se tornando um instrumento de auxílio para o planejamento. Na hora de registrar, algumas perguntas são importantes para uma reflexão avaliativa. Dentre elas, destacamos: Conseguiu alcançar os objetivos propostos? Foi significativo para os educandos? Como essa ação poderia ser aprimorada? A partir disso, quais são os próximos passos? Além da avaliação, um dos principais motivos de se documentar é comunicar algo a alguém. Quando tornamos públicas as ações educativas, criamos possibilidades para que a comunidade entenda e acompanhe o que ocorre nas salas de aula, ateliês, laboratórios, parques, etc. Essa comunicação precisa ser clara, o que não significa ser pobre em conteúdo, e sim tratar o assunto com objetividade, acompanhado de reflexões que auxiliem as pessoas, quando entram em contato com essa documentação, a compreender o que foi escrito e vivido naquele momento. Dessa forma, se for meramente descritiva, não conseguirá traduzir o momento vivido, os sentimentos que ali estiveram presentes e as relações estabelecidas, tornando-se necessário ir além da descrição para adentrar no campo das reflexões estabelecidas no momento, nas aprendizagens conquistadas e nas relações vivenciadas. Há também na documentação pedagógica uma função política, ou seja, comunicar e tornar visível a prática educativa é uma ação que defende uma série de ideias e concepções, podendo assim ser objeto de discussões e incidência no âmbito das políticas educacionais.71 71 DAHLBERG, Gunilla; MOSS, Peter; PENCE, Alan. Qualidade na educação da primeira infância: perspectivas pós-modernas. Porto Alegre: Artmed, 2003.

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6. AVALIAÇÃO

Documentar significa afirmar o que é possível e apontar os desafios, e assim construir discursos que fogem ao âmbito da homogeneização das práticas e abrem a possibilidade do contradiscurso que encaminha para práticas inovadoras. No ato de documentar e avaliar, as concepções do educador se tornam visíveis, inclusive nas escolhas sobre o que é importante documentar, pois o que se registra é uma escolha, e o que não se registra também é. Na RMS há uma gama de expe­ riências construídas ao longo dos anos, a partir de diversas e complexas realidades que nos ajudam a traçar percursos de documentação peda­ gó­ gica, registros e avaliações que ampliam as possibilidades de uma busca da qualidade social no Conviver Marista. As experiências com portfólios, diários de bordo, avaliações institucionais e registros de aprendizagens são algumas das opções para aprimorar o trabalho com as crianças e os adolescentes atendidos. A seguir, cada um desses instrumentos como possibilidade para desenvolver a documentação pedagógica e a avaliação nas Unidades que desenvolvem o Conviver Marista.

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Conviver marista: um novo caminho para a educação em contextos não escolares

a) Portfólio É uma prática comumente utilizada nos espaços educativos da RMS, que traz a história percorrida durante os projetos realizados com crianças e adolescentes. Constitui-se como um registro de histórias percorridas pelo grupo. O portfólio tem como proposta deixar as marcas mais importantes do processo educativo e comunicar à comunidade educativa as ações desenvolvidas durante determinado período. Esse documento pode conter imagens, reflexões, histórias contadas por crianças, adolescentes e suas famílias, erros e acertos dos projetos, dentre outras escolhas que o educador julgar necessárias. Para que ele mantenha a riqueza construída no cotidiano, é de fundamental importância que seja elaborado durante o processo, para que não se percam os detalhes e as hipóteses levantados durante todo o percurso. Há portfólios constituídos somente de imagens, porém essa prática dificulta que se tornem uma documentação pedagógica, para que outros educadores os utilizem como instrumento de estudo ou o próprio educador e educandos possam avaliar as ações desenvolvidas. Para a escrita, é importante que a linguagem seja clara, sem deixar de ser poética, criativa e inspiradora, uma vez que o leitor terá acesso à história daquele grupo, sem tê-la vivenciado. Uma estratégia interessante durante sua construção é que outros pares possam realizar a leitura e auxiliar o educador na escrita ou, no caso do trabalho com as crianças que já leem e escrevem, que sejam protagonistas na construção desse processo de documentação. 115


6. AVALIAÇÃO

b) Diário de bordo O diário de bordo é um instrumento individual de reflexão do educador, no qual estão registradas as angústias, reflexões, possibilidades, inspirações e ideias do educador. Como se contasse sua história, o educador pode utilizar diariamente esse instrumento como maneira de potencializar seu processo formativo e facilitar o diálogo com o coordenador pedagógico. Não há necessidade de referências teóricas ou escritas formais, pois é importante que o educador sinta-se livre para fazer seus registros da maneira que lhe for mais conveniente. Com o passar do tempo, será interessante retomar desafios anteriores já superados, angústias vividas e expectativas alcançadas, que darão ao educador uma possibilidade de registrar sua história profissional. c) Avaliações institucionais As avaliações institucionais são aquelas propostas pela RMS ou pelo Grupo Marista que possibilitam entender melhor os desafios e as possibilidades atuais do Conviver Marista. Tanto o olhar avaliativo de alguém que está fora do cotidiano do Centro Social quanto a autoavaliação de todos os atores envolvidos são maneiras de aprimorar o atendimento das crianças e dos adolescentes em busca da qualidade social do serviço ofertado.

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Historicamente, a avaliação é tratada como uma forma de oprimir e fragilizar o avaliado, no entanto, a realização das avaliações institucionais pretende romper com esses ranços e tratá-las como possibilidades de apoio e busca da qualidade social nos atendimentos das Unidades da RMS. Num processo avaliativo participativo e bem encaminhado, todos os atores se sentem pertencentes ao processo, e enxergam seus resultados como possibilidade única de crescimento profissional. Como possibilidades atuais, há dois tipos de avaliação institucional para o Conviver Marista: a “Autoavaliação da Gestão” e as “Matrizes Avaliativas”. d) Autoavaliação da gestão A proposta de monitoramento para as Unidades Sociais contempla metodologias e instrumentais para avaliar processos, projetos e resultados no conjunto das Unidades e balizar a construção de relatórios fidedignos, com indicadores que contribuam para a mensuração de impactos e definições estratégicas. O olhar para si e para as práticas do Centro Social se torna um exercício de extrema importância; portanto, proporcionar um momento privilegiado a essa ação é crucial para que ela aconteça de forma sistematizada e consiga gerar os impactos necessários no cotidiano. A ideia do instrumental é que essa ação seja dialogada e tenha participantes de todas as áreas das Unidades, seja do Conviver Marista ou

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de outros serviços ofertados. Separada por 8 eixos, ela se propõe avaliar amplamente a gestão dos Centros Sociais e Educacionais nos seguintes aspectos: Qualidade Educacional, Gestão Pedagógica, Formação Contínua, Gestão Administrativa, Mobilização e Parcerias, Gestão Estratégica, Produção de Conhecimento e Articulação e Incidência. Registro da aprendizagem Qual impacto o Conviver Marista teve no desenvolvimento das crianças e adolescentes atendidos? A pergunta sobre a relevância do trabalho desenvolvido para as crianças e os adolescentes é algo que precisa ser motivo de inquietação para todos, desde os educadores até a gestão e demais colaboradores, pois é a razão de existir do serviço. Os registros de aprendizagem são maneiras de traduzir as conquistas e desafios dos educandos durante o ano ou semestre. A partir dos objetivos elencados pelo serviço e seus projetos, o educador avalia individualmente o desenvolvimento do educando durante aquele período. Esse documento servirá de apoio para os próximos planejamentos, para os educandos, sua família e escola, uma vez que traz elementos pertinentes à busca de uma formação integral.

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Para que a avaliação seja processual e atenda de fato às expectativas de contribuir para o processo de aprendizagem dos educandos, é im­ portante que aconteça trazendo elementos que permitam entender as conquistas do educando a partir dele mesmo, ou seja, sem compará-lo a outros colegas, e possibilite a percepção dos impactos do processo educativo. Processos avaliativos institucionais No contexto da proposta educativa da RMS, a caracterização oficial de processos avaliativos institucionais tem sido aportada no desenvolvimento de matrizes avaliativas, cuja construção se efetivou a partir de um exercício coletivo e participativo, envolvendo diversos representantes da DEAS (órgão que orienta, acompanha e avalia as Unidades da RMS) e dos Centros Sociais. As referidas matrizes avaliativas, construídas a partir de elementos específicos de cada serviço, objetivam atentar para as especificidades dos atendimentos, complementar a proposta de Autoavaliação da Gestão, indicada anteriormente, que por sua vez aborda aspectos gerais dos Centros Sociais. As matrizes avaliativas foram constituídas a partir de três “macroindicadores” comuns a todos os serviços, portanto, também afetam o Conviver Marista. Esses macroindicadores são aqui traduzidos a partir de três perguntas: i) Que qualidade possui as práticas pedagógicas em

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desenvolvimento nas Unidades da RMS?; ii) As Unidades fomentam e fortalecem a cultura e promoção e defesa de direitos?; iii) Em que medida as experiências educacionais da RMS têm favorecido a formação integral dos educandos? A avaliação, a partir desse instrumento, é realizada por assessor e analista específicos do Conviver Marista, que acompanham o Centro Social há algum tempo. Esse olhar avaliativo, que ao mesmo tempo é externo e interno, busca promover um diálogo ampliado das situações apresentadas no atendimento às crianças e aos adolescentes, uma vez que possibilita entender os projetos e ações desenvolvidos a partir de diversas perspectivas. Não sendo apenas uma sequência de respostas e perguntas, essa avaliação lançará mão de diversos materiais, entrevistas, documentação pedagógica, escuta de crianças e educadores, visualizando o melhor alcance de seus objetivos.

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7. FORMAÇÃO CONTINUADA COMO ALIMENTO DA PRÁTICA EDUCATIVA


7. FORMAÇÃO CONTINUADA COMO ALIMENTO DA PRÁTICA EDUCATIVA

Na experiência docente, a formação contínua tem função educativa, que possibilita aos educadores a ancoragem em saberes reflexivos permanentes. É, portanto, um dos pilares que sustentam a superação da espontaneidade, da ingenuidade e do racionalismo técnico, buscando a educação para o pensar crítico. Para o Projeto Educativo do Brasil Marista,72 o centro de toda ação educativa formadora são os sujeitos: educadores, educandos e demais profissionais. Nesse sentido, chamamos a atenção para a complexidade do ofício de educar na contemporaneidade, numa concepção de educação integral que não aceita mais fragmentos, fronteiras disciplinares ou modelo fabril de educar. Educar para o pensar vai exigir do educador um planejamento com muita intencionalidade e abertura para novas metodologias e novas formas de relacionar-se com educandos e demais colegas, novas maneiras de organizar os espaçotempos, novos arranjos sobre a forma de ensinar e aprender.

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UNIÃO MARISTA DO BRASIL, 2010, p. 103.


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Assim, a formação contínua se apresenta como fonte para problematizar esses desafios, com a nutrição teórica a partir da prática do educador, já que parte dos contextos e das exigências do mundo atual, e da criança e do adolescente reais. É relevante que a formação contínua aborde as dimensões ética, política, técnica e estética, considerando possibilitar a integralidade dos sujeitos educadores e educandos. São dimensões que dão visão integral da vida, considerando contextos e leitura crítica da realidade, da inclusão, das experiências de soli­ dariedade; e ainda o que transcende a vida humana, o que é sagrado, o campo da contemplação, da simbologia estética, da linguagem, das manifestações; os saberes sobre mediação pedagógica, criatividade, protagonismo; das técnicas ensináveis, dos projetos, dos planejamentos e documentações; das relações interpessoais, das visões de mundo e dos posicionamentos institucionais, das leituras de território, das valorizações culturais, da justiça, da presença, da sustentabilidade, do conhecimento específico e sua transversalidade; da comunicação, do pensar e agir pelo exemplo, entre outros. A pedagogia “se faz com o tripé: ações, teorias e crenças”, ou seja, organiza-se “em torno dos saberes que se constroem na ação situada em articulação com as concepções teóricas e com as crenças e os valores”.73 Essa linha propõe uma formação que revê antigas crenças, valores e práticas, e consolida uma identidade profissional de acordo com a dinamicidade do ato de educar. OLIVEIRA-FORMOSINHO, Julia. Pedagogia(s) da infância: reconstruindo uma práxis de participação. In: OLIVEIRA-FORMOSINHO, Julia; KISHIMOTO, Tizuko Morchida; PINAZZA, Mônica Apezzato (Org.). Pedagogia(s) da infância. Coleção Dialogando com o passado: construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.

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7. FORMAÇÃO CONTINUADA COMO ALIMENTO DA PRÁTICA EDUCATIVA

A formação “não se constrói por cumulação (de cursos, conhecimentos ou técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal”.74 A formação contí­ nua rever­ bera na prática do educador quando a transmissão de conteúdos dá lugar à problematização, à pesquisa e ao exercício de criação, a partir do olhar e da experiência do educando. A formação provoca no educador a superação da pedagogia da transmissão, e dá luzes à pedagogia da participação. Assim, “o saber da experiência a princípio espontâneo se transforma em saber epistemológico, por meio de um processo de conscientização”.75 A ideia de um educador pesquisador exige o exercício da práxis (ação, reflexão, ação ressignificada), buscando uma prática que forma, informa e transforma. “O sujeito educador só alcança essa concepção se encontrar na instituição onde atua a possibilidade de organizar-se como sujeito de sua práxis”.76

NÓVOA, António (Coord.). Os professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1997. p. 25. GONÇALVES, Yara Pires. Ensinantes aprendizes. Curitiba: CRV, 2010. p. 97. 76 FRANCO, Maria Amélia. Pedagogia e prática docente. São Paulo: Cortez, 2012. p. 187 74 75

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A prática profissional deve ser uma “prática informada, alimentada por velho e novo conhecimento formal, investigada e discutida com os pares e com os supervisores – ou, desejavelmente, tudo isto numa prática colectiva de mútua supervisão e construção de saber inter pares”.77 Com o objetivo de efetivar a formação contínua nas Unidades, é importante que se construa um plano de formação que dialogue com as macropolíticas institucionais e governamentais, bem como com as micropolíticas de cada Centro Social e em rede. Nessa linha, parte-se de um diagnóstico das necessidades e potencialidades da equipe de educadores, de indicadores da escuta dos educandos e das demandas do território. Esse diagnóstico é complementado pelas análises das linhas de ação institucionais, da legislação que rege a oferta de atendimento e das discussões que acontecem nos demais Centros Sociais da RMS. A partir dos dados do diagnóstico, define-se o plano de formação, que é pactuado com a equipe interdisciplinar, com a equipe de educadores e com assessores. Nessa atividade é importante considerar temas que incluam todos os colaboradores e temas específicos dos educadores, e estabelecer o foco formativo, para que o plano de formação tenha um fio condutor, em vez de se assemelhar a uma “colcha de retalhos”. A metodologia da formação contínua merece relevância porque depende dela os resultados da formação. O importante é criar uma identidade de comunidade de aprendizagem, aquela que valoriza o

77 ROLDÃO, Maria do Céu. Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação. Campinas, v. 12, n. 34, jan./abr. 2007. p. 102.

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7. FORMAÇÃO CONTINUADA COMO ALIMENTO DA PRÁTICA EDUCATIVA

questionamento sobre a prática, o levantamento de dúvidas, e que ao mesmo tempo fortaleça a pesquisa e o conhecimento teórico, remetendo-nos a refletir sobre o papel do educador pesquisador. Nessa ótica, Freire nos inspira: “Pesquiso porque, enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. [...] pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo”.78 Quanto à compreensão da pesquisa sobre a prática, buscamos responder à pergunta: em que medida os conhecimentos aprendidos fazem sentido para os educandos? Para responder a isso, percorre-se o caminho do “refletir e atuar”, num movimento que percebe o pla­ nejamento como algo em construção, que se alimenta a partir das reflexões sobre a prática. A pesquisa como prática cotidiana busca um diálogo crítico, criativo e que acontece no espaço social. A indagação nasce da prática, e a pesquisa a eleva para o campo teórico, tecnológico, e de outras práticas similares ou contraditórias àquela que foi ponto de partida para a indagação. Assim nasce a inovação, do olhar profundo e estudioso sobre o cotidiano. As fontes para essa pesquisa podem ser variadas: especialistas, livros, experiências em outros espaços educativos, outros colegas educadores, educandos, entre outros exemplos. O importante é não aceitar a ideia de que estamos prontos. Nenhum educador, especialista ou generalista consegue sozinho responder às demandas atuais, que exigem pesquisar, estudar, debater, sistematizar, difundir e avaliar as experiências.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p. 29.


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Ainda em relação à metodologia, é imprescindível impregnar uma concepção de educação emancipadora e humanizadora, desfetichizando modismos e problematizando o que é pontual e sem significado aos educandos (como as tradicionais formas de tratar as datas comemorativas no currículo, por exemplo). A criação de comunidades de aprendizagem sobre temas relevantes pode ser uma alternativa metodológica para auxiliar a construir conhecimento sobre a prática, que se baseia num processo de analisar, observar, conceituar, planejar, propor e avaliar ações, considerando ênfase na reflexão coletiva e democrática.79 É um caminho exitoso de formar pesquisadores da prática, educadores investigadores e produtores de conhecimento, sem a intenção de produzir pesquisas acadêmicas, mas com o intuito de encontrar soluções para as questões cotidianas, a partir de sua melhor compreensão. Nesse sentido, o coordenador pedagógico, o assistente social, o psicólogo, o pastoralista e outros profissionais da equipe interdisciplinar, como formadores e problematizadores, ocupam lugar relevante no crescimento da equipe de educadores. Qualquer proposta curricular exitosa passa pela ideia de que educandos e educadores são produtores de identidade cultural e de conhecimento. O educador comprometido reconhece a importância de uma escolha metodológica adequada.

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FRANCO, 2012.

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7. FORMAÇÃO CONTINUADA COMO ALIMENTO DA PRÁTICA EDUCATIVA

A formação contínua responde ainda à ampliação do repertório do educador, possibilitando a ele experimentar a dimensão estética por meio de recursos culturais que abrem oportunidades e desejos em sua formação (filmes, exposições, músicas, poesias, sabores, aromas, dança, entre outros). Isso significa olhar para o educador em sua integralidade, como ser histórico, e não apenas na dimensão técnica de sua formação. Essas considerações evidenciam a necessidade de enfatizar a formação como alimento para que as ações ganhem sentido e significado, desenvolvendo ao máximo o sujeito reflexivo e crítico, com o rigor científico que a atuação na educação exige.

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Diretrizes

da

Ação

QUANDO sinto que já sei. Direção: Antônio Sagrado, Anderson Lima e Raul Perez. Despertar Filmes. 2014 (78 minutos).

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Rua Imaculada Conceição, 1.155, Bloco Administrativo – 9º andar Prado Velho, Curitiba – PR - 80215-901 Fone: (41) 3271 6400 www.grupomarista.org.br




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