GRUPO DE PESQUISA OPINIÃO PÚBLICA, MARKETING POLÍTICO E COMPORTAMENTO ELEITORAL
Em Debate Periódico de Opinião Pública e Conjuntura Política Missão Publicar artigos e ensaios que debatam a conjuntura política e temas das áreas de opinião pública, marketing político, comportamento eleitoral e partidos.
Coordenação: Helcimara de Souza Telles – UFMG Conselho Editorial Antônio Lavareda – IPESPE Aquilles Magide – UFPE Arthur Leando Alves da Silva - UFPE Cloves Luiz Pereira Oliveira – UFBA Denise Paiva Ferreira – UFG Gabriela Tarouco – UFPE Gustavo Venturi Júnior – USP Helcimara de Souza Telles – UFMG Heloisa Dias Bezerra – UFG Julian Borba – UFSC Letícia Ruiz Rodrigues – Universidad Complutense de Madrid Luciana Fernandes Veiga – UFPR
Luiz Ademir de Oliveira – UFSJ Luiz Cláudio Lourenço – UFBA Malco Braga Camargos – PUC-MINAS Moritz Lohe – Freie Unversität Berlim Paulo Victor Melo – UFMG Pedro Floriano Ribeiro – UFSCar Pedro Santos Mundim – UFG Ricardo Costa – FMU/FIAMFAM Rubens de Toledo Júnior – UNILA Silvana Krause – UFRGS Thiago da Silva Sampaio – UFMG Yan de Souza Carreirão – UFPR
Jornalista Responsável Érica Anita Baptista
Endereço Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de Ciência Política – DCP Av. Antônio Carlos, 6.627 – Belo Horizonte Minas Gerais – Brasil –CEP:31.270-901 + (55) 31 3409 3823 Email: marketing-politico@uol.com.br Facebook: Grupo Opinião Pública Twitter: @OpPublica
Equipe Técnica: Angélica Bicego Parceria Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas – IPESPE
As opiniões expressas nos artigos são de inteira responsabilidade dos autores.
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EM DEBATE Periódico de Opinião Pública e Conjuntura Política Ano IX, Número II, Agosto de 2017 SUMÁRIO Editorial
5-7
Pesquisando
8-11
Dossiê:
Crise Política no Brasil: Qual a saída?
Algum passo à frente, mil passos atrás, e o que não fazer?
12-22
Guilherme Simões Reis Dois prefeitos, duas medidas: A lua de mel na grande imprensa paulista
23-34
João Feres Júnior, Eduardo Barbabela
Opinião Guerras culturais e populismo antipetista nas manifestações por apoio à Operação Lava Jato e contra a Reforma da Previdência Esther Solano Gallego, Pablo Ortellado, Márcio Moretto
35-45
Resenha Mascarados - A verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc Angélica Bicego Ferreira, Diana Kalazans Em Debate, Belo Horizonte, v.8, n.5, p.3-4, jul. 2016.
46-52
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Colaboradores desta edição
Em Debate, Belo Horizonte, v.8, n.5, p.3-4, jul. 2016.
53-54
EDITORIAL
Editorial Crise política no Brasil: Qual a saída? Uma sucessão de acontecimentos desde a crise econômica mundial de 2008, ajustes fiscais, inflação e desemprego, associadas às manifestações de junho de 2013 agravaram o sentimento de descrença do povo em relação a política brasileira. Os protestos clamavam por melhorias nas instituições e serviços estatais, como o SUS, transporte e até o próprio Congresso, o fim da corrupção e melhor investimento do dinheiro público. Ao mesmo tempo em que as investigações descortinam os atos ilícitos da classe política em conluio com o setor privado, revelam, também, que a corrupção não tem limites de legenda partidária ou ideológicos. E se os protestos também pediam por melhorias na representatividade e na prestação dos serviços do Estado, o que assistimos é um retrocesso das instituições democráticas e de políticas que acreditávamos estarem consolidadas, como as leis trabalhistas. Os desdobramentos nos levaram aos meandros de um complexo jogo político, no qual os beneficiários não fomos, nem de longe, nós, o povo brasileiro. Passamos pelo impeachment/golpe da ex-presidenta Dilma Rousseff e vivemos as mudanças trazidas pelo governo Temer. Nesse conturbado cenário, o Grupo Opinião Pública percebeu a necessidade em potencializar a discussão acerca da crise política no país, discutindo suas causas, consequências e impactos na vida população, no Estado e mundialmente. Dessa forma, a presente edição da Revista Em Debate abordará o tema “Crise política no Brasil: qual a saída?”. Para abrir a coluna Dossiê, o artigo “Algum passo à frente, mil passos atrás, e o que não fazer?”, de Guilherme Simões Reis, professor adjunto da Escola de Ciência Política (ECP) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), tratando sobre a redemocratização como a solução da crise política. Porém, como o Brasil vive uma ditadura civil, para reverter esse quadro é analisada duas alternativas absolutas: anulação do impeachment e eleições diretas antecipadas para presidência e parlamentares.
EDITORIAL
Considerando a impossibilidade dessas opções, o artigo apresenta o caminho do que não fazer e discorre sobre a reforma política e o grande acordo de pacificação. Em seguida, o artigo “Dois prefeitos, duas medidas: A lua de mel na grande imprensa paulista” de João Feres Júnior, professor do Instituto....... (IESP-UERJ) e coordenador do Laboratório de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) e Eduardo Barbabela, doutorando em Ciência Política pelo IESP-UERJ, analisa a valência das matérias pulicadas nas capas e páginas de opinião da Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo durante os primeiros 150 dias dias dos mandatos de Fernando Haddad (PT) e João Doria (PSDB) e averiguam a existência de um período de trégua por parte da oposição e da mídia para descrever o tratamento dos mais recentes prefeitos da cidade de São Paulo. Na coluna Opinião, contamos com o artigo “Guerras Culturais e populismo antipetista nas manifestações por apoio à Operação Lava Jato e contra a Reforma da Previdência”, de Esther Solano Gallego, professora adjunta da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e da Universidad Complutense de Madri, Márcio Moretto, professor doutor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (USP) e Pablo Ortellado, professor no programa de pós-graduação em Estudos Culturais da Universidade de São Paulo (USP). Os autores trazem os resultados da aplicação de questionários nas manifestações de 25 de março de 2017 em apoio da Operação Lava Jato e 31 de março de 2017 com a reforma da previdência com o propósito de confirmar a validade da hipótese das guerras culturais (centralidade dos temas morais e o antagonismo moral na da agenda do debate público) entre os grupos conservador e progressista no atual cenário brasileiro e a presença do antipetismo como fator de coesão do novo populismo de direita que começou se configurando em torno ao impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e continua hoje convocando manifestações. Na coluna Pesquisando, de autoria de Gláucio Soares, pesquisador sênior nacional do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), o artigo “Auge e declínio do estruturalismo econômico” aborda sobre o ngrams em diferente línguas de autores e instituições que conversam sobre “crescimento econômico” e suas variações.
EDITORIAL
Pela coluna Resenha, Angélica Bicego e Diana Kalazans, ambas graduandas em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais e bolsistas do Grupo Opinião Pública, resenham o livro “Mascarados: A verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc”, no qual os autores Esther Solano, Bruno Paes Manso e Willian Novaes, apresentam uma nova maneira de pensar a tática Black Bloc, superando os noticiários quase sempre parciais focados na espetacularização do movimento, por meio de entrevistas e acompanhamento das ações dos participantes, oferecendo ao leitor novos recursos para pensar quem são os Balck Bloc, quais seus propósitos, anseios e desejos, acompanhando a ascensão e a queda do movimento durante as manifestações de junho de 2013.
8 PESQUISANDO GLÁUCIO SOARES AUGE E DECLÍNIO DO ESTRUTURALISMO ECONÔMICO
AUGE E DECLÍNIO DO ESTRUTURALISMO ECONÔMICO Gláucio Soares Pesquisador do IESP/UERJ soares.glaucio@gmail.com
O conceito de “desenvolvimento econômico”, central em muitas teorias e doutrinas, como o “nacional desenvolvimentismo” e o estruturalismo econômico, teve um crescimento rápido na literatura em vários corpora e um declínio longo, mas menos rápido, que começou na década de 70. O ascenso ou declínio de uma teoria ou doutrina, como o nacional desenvolvimentismo, o estruturalismo econômico, ou o marxismo não acontece isoladamente: subteorias, outros conceitos que integram a teoria, autores e até instituições covariam, em maior ou menor grau, com a teoria (ou doutrina) mais ampla. Sobem e descem mais ou menos juntos. Foi o caso da “industrialização substitutiva de importações”, ou do “crecimiento hacia adentro” e vários outros. A substituição de importações era um conceito e um procedimento. Cresceu e baixou com o estruturalismo desenvolvimentista cepalino. Seguiu percursos semelhantes em espanhol e em inglês:
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Os dados sobre o “crecimiento hacia adentro” e sobre o “intercambio desigual” seguiram um padrão semelhante. As teorias têm autores, cujos nomes estão associados com elas, que as acompanham no ascenso e no declínio. No caso, Raúl Prebisch, o nosso Celso Furtado, que o desenvolveu o estruturalismo econômico e o divulgou em diferentes culturas acadêmicas, ou Aníbal Pinto, chileno, com várias contribuições pontuais são três exemplos. Prebisch é o nome associado com a criação da CEPAL e com a identidade teórica que a marcou durante décadas. Foi o Secretário Executivo da instituição de 1950 a 1963. Seu ngram atingiu o ápice em 1968, com um valor de 0,000008. Sua morte foi em 1986, quase duas décadas depois do seu ápice. Embora no caso de muitos autores, a morte inicie o declínio do valor do ngram, o de Prebisch começou a declinar muitos anos antes. Foram outras as causas do declínio. Dos três, Celso Furtado foi o mais mencionado fora do corpus espanhol. Em três corpora, o ápice dos seus ngrams foi no início da década de setenta (1970 a 1972), quando começaram a baixar as referências a ele na literatura. Preparei os gráficos dos ngrams em Espanhol, Inglês e Francês. Usei ponderações porque as escalas do ngram nesses corpora eram muito diferentes e não seria possível ver, num só gráfico, que as curvas foram semelhantes se usássemos os valores
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originais.
Em espanhol, o ápice dos seus ngrams foi atingido em 1971 (0,000067), mais de três décadas antes da sua morte, em 2004. O ngram “Aníbal Pinto” cresceu de 1960 até 1984, quando atingiu 0,00006. A partir dessa data, seu ngram declinou e, em 2008, último ano para o qual tenho dados, estava em 0,000018, menos de um terço do ápice. Seu ápice foi atingido mais de uma década antes da sua morte. E as instituições? E a CEPAL?
A CEPAL, como esperado, seguiu um caminho semelhante ao dos conceitos e ao dos autores. Semelhante, mas não idêntico.
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Comparando CEPAL, em espanhol, e ECLA, em inglês, podemos fazer observações relevantes:
A frequência das menções à instituição na literatura segue um mesmo padrão, que resulta em duas curvas de semelhantes;
Porém, como esperado, os ngrams estão em escalas de frequência muito diferentes: tivemos que multiplicar os do corpus em inglês por 24 para que seus detalhes pudessem ser vistos na mesma escala que os do corpus em espanhol;
Há um claro ápice nos dois corpora, seguido por um descenso, mas os que publicam livros em espanhol levaram mais tempo a reduzir as menções à CEPAL - quase vinte anos a mais;
Analisando os ngrams dos que publicam em espanhol, a CEPAL pode ter se reinventado a partir do início do novo milênio; mas os ngrams ECLA, dos que publicam em inglês, continuaram em queda livre. São dados simples mas, creio, instigantes, que talvez provoquem reflexões criativas.
12 DOSSIÊ GUILHERME SIMÕES REIS ALGUM PASSO À FRENTE, MIL PASSOS ATRÁS, E O QUE NÃO FAZER?
ALGUM PASSO À FRENTE, MIL PASSOS ATRÁS, E O QUE NÃO FAZER? Guilherme Simões Reis Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro guilherme.s.reis@unirio.br Resumo: A Ciência Política brasileira não vê a instucionalização como o caminho mais eficaz de avanço na democracia, os atores não estão comprometidos e qualquer conquista pode ser substituída rapidamente. O resultado do que foi exposto somado ao descrédito da população perante a classe política e os partidos é crise política, na qual a redemocratização entendida como a solução. Contudo, Brasil vive em uma ditadura civil, não só uma crise política, assim, para reverter esse quadro é analisada duas alternativas absolutas: anulação do impeachment e eleições diretas antecipadas para presidência e parlamentares. Haja vista a impossibilidade das opções acima, o artigo apresenta o caminho do que não fazer e discorre sobre a reforma política e o grande acordo de pacificação.
Palavras-chave: intucionalização; democracia; crise política; ditatuda civil; impeachment; reforma política; grande acordo
Abstract: Brazilian political science does not see institutionalization as the most effective way forward in
democracy, actors are not committed and any achievement can be quickly replaced. The result of what was exposed added to the discredit of the population before the political class and the parties is political crisis, in which redemocratization understood as the solution. However, Brazil lives in a civil dictatorship, not only a political crisis, so to reverse this picture is analyzed two absolute alternatives: annulment of impeachment and early elections for the presidency and parliamentary. Given the impossibility of the above options, the article sets out the path of what not to do and discusses political reform and the grand pacification agreement.
Keywords: Intuitionalization; democracy; Political crisis; Civil ditatuda; impeachment; political reform; Big deal
A Ciência Política brasileira ficou perplexa ao constatar que a institucionalização não é um caminho de contínua evolução, que os atores não são naturalmente comprometidos com a manutenção da democracia por causa de determinado desenho institucional e que um lento e gradual avanço pode ser revertido em poucos meses quando a correlação de forças permitir isso. A Nova República teve vida mais curta do que o esperado, e o permanente aprofundamento da democracia, que parecia tangível, deu lugar a novo golpe
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de Estado, mesmo que com a cautela de se substituírem os tanques de guerra pelos ritos procedimentais. Some-se a isso o agravamento do perene descrédito popular da classe política e dos partidos, com a exposição de esquemas longevos e disseminados de corrupção e sua espetacularização midiática. Como sair da crise política? Não é questão simples de se resolver. Entendendo-se que a democracia é um valor consensual na ciência política brasileira, que se construiu em oposição ao regime militar, minha resposta geral é: redemocratizando. A despeito dos pudores generalizados em usar este termo, o Brasil está em uma ditadura civil, fruto de um golpe de Estado institucional. A resposta certa, portanto, seria a anulação do impeachment ilegal, sem crime de responsabilidade, e recondução da presidenta legítima, Dilma Rousseff, ao poder. Como disse em artigo recente, o Superior Tribunal Federal (STF) tinha o dever de considerá-lo inconstitucional, sendo fajuto seu argumento “[...] de que o rito do impeachment foi cumprido à risca e que, para não interferir na separação de Poderes, não julgaria o mérito, isto é, se houve crime de responsabilidade da presidenta. Um guardião da Constituição que se prende ao rito e não avalia o mérito é tão efetivo quanto um cérbero, o cachorro de três cabeças guardião do Hades, desprovido de dentes.” (REIS, 2017).
O certo, no entanto, não parece factível. Primeiramente, porque mesmo dentro do Partido dos Trabalhadores o movimento “Volta, Dilma”, que existe, é muito minoritário. Adicionalmente, o eventual retorno da presidenta significaria sim imediata redemocratização, restabeleceria a legitimidade do sistema político, mas não afastaria a crise: com maioria oposicionista e comprovadamente desleal no Congresso, não seria evitada a ingovernabilidade. Os golpistas sabotariam novamente a presidenta, tentando deixá-la com os custos até mesmo de reformas impopulares às quais ela se opusesse. Alternativa um pouco mais plausível na direção da redemocratização, mas também improvável, seria a opção das eleições diretas antecipadas – evidentemente, sem a exclusão de candidato que lidere as pesquisas em função
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de alguma deturpação dos processos judiciais (como delações premiadas que são direcionadas e tratadas como se fossem provas). As eleições, no entanto, não poderiam ser exclusivamente para presidente. A legislatura que deu o golpe de Estado não tem legitimidade para se manter e, assim como o ditador Michel Temer, também deveria ser substituída por novos representantes no Congresso Nacional escolhidos democraticamente. O fato de boa parte deles estar indiciada, aliás, é motivação adicional (mas não o motivo fundamental) para que fossem convocadas novas eleições parlamentares; as investigações seriam facilitadas no momento em que eles perdessem o foro privilegiado. O problema, evidentemente, é que a antecipação das eleições requereria maiorias qualificadas para que tal expediente fosse introduzido em nosso arcabouço institucional, e há a dificuldade proveniente da endogeneidade: por que os parlamentares votariam por sua própria dissolução, perda de foro privilegiado e enorme risco de, desacreditados, não conseguirem a reeleição, em votação potencialmente volátil (isso se pudessem se candidatar, pois, pior, correm o risco de ser enquadrados como “ficha-suja”)? Este ensaio, portanto, não traz respostas para a saída da crise. As opções justas são ambas improváveis. Sigo, então, discutindo os efeitos e motivações das demais alternativas ventiladas. É preciso, ao mesmo tempo, salvar o sistema político da criminalização da política e das aventuras tecnocráticas ou fascistas e, ao mesmo tempo, não pactuar com a atual escalada autoritária e reacionária e não aumentar o sentimento popular de impunidade e distanciamento da representação. Não acredito que isso se consiga no curto prazo. A crise criada pelos setores que deram o golpe para manter seus esquemas ilegais e avançar em uma agenda seguidamente derrotada nas urnas, portanto, dificilmente será debelada tão cedo. Reforçá-la com remédios que são veneno, no entanto, é pior do que administrá-la e buscar algum ganho a partir dela. Então, o que não fazer?
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Adiar as eleições seria, seguramente, a medida mais descarada para proteger a atual legislatura. Aumentaria o descrédito do Congresso e o caráter autoritário do atual regime. Por sua vez, a ideia de uma Assembleia Constituinte, que há quatro anos seduzia os movimentos sociais e a esquerda, hoje causa calafrios. Trata-se da pior correlação de forças possível, em momento de criminalização da política e de encolhimento dos setores progressistas. É difícil ter o otimismo de imaginar que nova Constituição produzida hoje não significaria dramático retrocesso em relação à Carta cidadã de 1988, com brutal perda de direitos em todos os níveis. Não é por acaso que a Firjan defende nova Constituinte. Resta, então, avaliar outros dois pontos em discussão: reforma política e grande acordo de pacificação. Vou me deter mais detalhadamente nesses pontos no restante do ensaio, defendendo a primeira sem entendê-la como solução para a crise, e me opondo ao último, julgando que pode dar fim à crise em uma dimensão, mas é nocivo para o país. Reforma política: há males que vêm para o bem Quando anunciada a proposta de reforma política, houve forte reação na mídia por se entender que visava a proteger os investigados pela Lava Jato. Falharam em perceber que ela teria efeitos positivos, sendo completamente divergente daquela que a maioria dos parlamentares defendia antes. Era como a “escrita certa por linhas tortas” do provérbio religioso – mas não se pode analisar a proposta sem ter em conta tais tortuosas linhas. Em outras palavras, haveria um efeito positivo no longo prazo, tratando-se de oportunidade única para reforma desta natureza, mas não se resolveria a crise no curto prazo: na verdade, ampliaria a sensação de impunidade. As intenções de muitos dos atores por trás da reforma nada têm a ver com a visão do melhor arcabouço institucional para o Brasil, sendo mera reação ao
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cenário atual de risco generalizado de perder o mandato, ser preso e engolido pelo Judiciário. Entretanto, tal reforma uniria uma série de medidas extremamente positivas para se consolidar mais adiante um sistema político mais programático, menos machista, menos pró-mercado. A proposta inicialmente defendida pelo relator, o deputado Vicente Cândido (PT-SP), incluía lista fechada com alternância das candidaturas por gênero, fim das coligações proporcionais, financiamento público com teto de gastos, separação das eleições para Executivo e Legislativo em épocas diferentes, limite de mandato (dez anos) para cargos de nomeação política no Judiciário como o dos ministros do Supremo Tribunal Federal, fim dos cargos de vice. A última das medidas soa um tanto esdrúxula, sendo reflexo da falta de transparência, aos olhos do eleitorado, sobre quem é essa figura; seria preciso definir se o eventual substituto sairia de novas eleições. Quanto às demais mudanças, caminhariam para o fortalecimento das legendas (fim das coligações e do voto nominal, e maior ênfase nos programas partidários nas eleições parlamentares); para o aumento da representação feminina (que no Brasil é inferior à média dos países árabes1); para o fim da excessiva judicialização, que, em vez de assegurar o cumprimento da Constituição, têm atentado tanto contra os direitos e garantias, como contra a accountability; e para a redução do poder do dinheiro nas campanhas, do viés que ele causa em prol de políticas conservadoras e do comprometimento com interesses que não o público ou o da maioria.2 Não havia surpresa em que deputado petista apresentasse tal proposta, posto que lista fechada, fim das coligações e financiamento público já eram
Matos (2011, p. 117). Não cabe o recorrente argumento de que fortaleceria o caixa dois. Campanhas compulsoriamente mais franciscanas tornam muito mais visível qualquer financiamento adicional ilegal do que campanhas milionárias. Paralelamente, a exclusão máxima possível do poder do dinheiro na política é o único caminho para que a democracia representativa seja de fato democrática e não mera ferramenta de legitimidade e estabilidade para a manutenção de um status quo socialmente desigual. 1 2
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defendidos pelo partido. Entretanto, além de esse arranjo institucional ter data para se desmanchar (está previsto apenas para as eleições de 2018 a 2022), o que evidencia que não seja uma visão de bom ordenamento institucional o que orienta a maioria dos apoiadores é, hoje, figuras como Aécio Neves e Rodrigo Maia também estarem a favor. Conforme discuti anteriormente (REIS, 2013), o PSDB era ferrenho defensor do financiamento privado e advogava por um sistema eleitoral que incluísse algum elemento majoritário: idealmente seria o de maioria simples, mas um sistema misto de combinação era visto com bons olhos como modo de conseguir consenso no Congresso – e foi justamente Aécio Neves quem encampou sua defesa. PSD e PDT também apoiavam o sistema uninominal, enquanto Renan Calheiros e José Sarney eram favoráveis ao misto.3 Há quatro anos, o então vice-presidente Michel Temer, seu aliado Romero Jucá, e a bancada do PP defendiam o voto único não transferível, chamado vulgarmente de “distritão”4, em claro sentido oposto ao da lista fechada: enfraquecer as legendas programáticas, fortalecer as máquinas eleitorais pessoais e o impacto do dinheiro nos resultados dos pleitos. Em caminho diametralmente contrário ao da atual proposta de descasar eleições majoritárias e proporcionais, dando visibilidade às campanhas para o parlamento, o PMDB defendia ainda que todas as eleições nacionais, estaduais e municipais, para o Executivo e para o Legislativo, ocorressem ao mesmo tempo! Em 2013, apenas PT e PSOL defendiam a lista fechada – estando o PCdoB em dúvida entre lista fechada e lista flexível. Somente PT e PSOL defendiam financiamento público exclusivo. Na direita, talvez a única liderança
Os nomes tecnicamente adequados dos sistemas eleitorais nunca são utilizados pelos atores. O sistema uninominal é chamado de “distrital”, como se algum sistema eleitoral não usasse distritos eleitorais, e o misto é chamado de distrital-misto, sem que saibam que há variações e que o modelo geralmente defendido, o de combinação, não é o utilizado na Alemanha, que adota o de correção. 4 O ditador Temer voltou a defendê-lo para 2018 em entevista para a Rede TV, transmitida no dia 4 de maio de 2017, mas a utilização do sistema misto para 2022 em diante. 3
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relevante que apoiava essa pauta era, inusitadamente, o deputado ruralista Ronaldo Caiado (DEM-GO), que, desde que foi relator de proposta de reforma em 2011, quer lista fechada e financiamento exclusivamente público. Rodrigo Maia, por sua vez, dizia que essa não era a posição de seu partido (o mesmo de Caiado), dividido entre o uninominal e o voto único não transferível – “distrital” e “distritão” nas palavras dele, evidentemente. Tal conversão à defesa da lista fechada está ligada à segurança para os políticos mais influentes dos grandes partidos de se situarem nas primeiras posições da lista pré-ordenada. Assim, mesmo que com alta volatilidade eleitoral decorrente do descrédito de seus partidos, e ainda que estes não tenham um perfil que atraia votos de legenda, eles basicamente assegurariam a reeleição. Também não por acaso partidos com perfil mais personalista só passaram a apoiar a lista fechada quando afundou a popularidade do PT, particularmente, e da esquerda em geral. Ao defenderem esse modelo, parlamentares antes adeptos de sistemas majoritários estão mais preocupados com sua reeleição do que com a eleição de bancada numerosa por seus próprios partidos. Isso, no entanto, pode levar o chamado “baixo clero” a se rebelar e votar contra a proposta dos líderes. Vai no mesmo sentido a separação entre eleições majoritárias e proporcionais: dar nova chance de eleição aos “caciques” derrotados em eleição para o Executivo. Por sua vez, o financiamento público asseguraria o custeamento das campanhas sem que os candidatos precisassem enfrentar o que deverá ser uma difícil arrecadação, em época de maior atenção e reprovação das “doações” em função da euforia em torno dos esquemas de corrupção. Além disso, provavelmente beneficiaria com maior soma justamente os partidos que hoje têm maior número de deputados (se adotado um padrão de distribuição similar ao do horário eleitoral gratuito de televisão e rádio), estancando a iminente sangria nas suas bancadas, para usar um termo caro a Romero Jucá.
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Uma Lei de Abuso de Autoridade que limite desmandos do Judiciário, por sua vez, é necessária, por mais que alguns legisladores a defendam apenas por se sentirem pessoalmente ameaçados por ele. É um enorme desequilíbrio aos freios e contrapesos a falta de punição a juízes, promotores e policiais que incorram em abuso de poder, todos eles sequer submetidos ao crivo popular por via eleitoral: “[...] o Judiciário [vem] ampliando suas prerrogativas, sem poder ser controlado efetivamente por outros poderes ou ser submetido a accountability, e contornando os próprios princípios jurídicos fundamentais: respeito a direitos e garantias, inocência até prova em contrário, ausência de pauta política etc.” (REIS, 2017).
O Judiciário foi empoderado e, aproveitando-se disso, vem atuando como uma casta que age por cima das leis e não movida por elas, impondo uma agenda elitista e de ódio à política e em defesa dos próprios privilégios. Houve, no entanto, reviravolta em um dos tópicos daquela promissora proposta. Rodrigo Maia leu em 5 de maio deste ano em plenário a PEC 77/2003, do deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), que defendia o aumento do mandato dos senadores para dez anos, o fim da reeleição para o Executivo, e a realização de eleições casadas para todos os cargos. Isso foi interpretado por blogs e politólogos como manobra para anular as eleições de 2018, postergando a permanência de Temer no cargo. Em nota, Cândido negou, afirmando que a leitura foi simbólica, por ter tema correlato, atendendo solicitação da Comissão Especial da Reforma Política. Acrescentou que apresentaria substitutivo instituindo os elementos de reforma antes mencionados, entre eles a descoincidência entre eleições legislativas e executivas. Entretanto, disse na nota também que tal substitutivo prevê sim a adoção do sistema misto a partir de 2026. Isso é enorme recuo em relação à lista fechada e também à atual lista aberta, por incluir elemento majoritário na eleição dos deputados, fortalecendo assim o caráter personalista e territorial; esse equívoco de alguns membros do PT não é novo e eu já o havia apontado em outro artigo (REIS, 2015).
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Um novo grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo Outra possibilidade que está em negociação e tem grandes possibilidades de ir adiante é o “acordão”: um grande pacto envolvendo todas as principais forças políticas em nome da governabilidade, para tirar o país da crise, com uma figura de consenso para assumir a Presidência em 2018 (ou quem sabe até antes, via eleição indireta, com uma conveniente renúncia de Michel Temer, generosa ou coercitivamente abrindo mão de sua vaidade). Tal personagem tem até nome: Nelson Jobim, ex-ministro do STF, da Justiça no governo FHC e da Defesa no governo Lula. Alguém com bom trânsito, portanto, no PMDB, no PSDB e mesmo no PT, particularmente junto ao próprio Lula. Críticas constantes de Jobim, na imprensa, aos abusos do Judiciário e à espetacularização da Operação Lava Jato, e a defesa da necessidade de pactuação mostram que ele, alguém que dificilmente não saberia lidar com o Judiciário, seria também o defensor da política contra a sua criminalização. Parece o plano perfeito para erradicar a crise... se não fosse por matar a política enquanto terreno de disputa democrática. Tal pacto põe uma pá de cal na instabilidade institucional, podendo ter impacto positivo na economia (retomada de crescimento econômico, por exemplo); todavia não nos efeitos nefastos próprios a uma política ultraneoliberal (precarização de empregos, desmonte do patrimônio público), que não seria revertida. Possivelmente estenderia a estabilidade para a sociedade, hoje polarizada, mas ao custo da desmobilização. Evitaria que um “caudilho redentor” – termo usado pelo próprio que Jobim (2017) –, ou seja, que um outsider (ou nem tão outsider assim) judiciário, televisivo ou fascista (categorias não mutuamente excludentes) chegasse ao poder criminalizando a política. Entretanto, igualmente levaria à despolitização, à distopia tecnocrática positivista.
21 DOSSIÊ GUILHERME SIMÕES REIS ALGUM PASSO À FRENTE, MIL PASSOS ATRÁS, E O QUE NÃO FAZER?
Isso seria trágico, do ponto de vista de quem deseja reverter todos os retrocessos políticos alavancados no presente período autoritário. O eventual alinhamento do PT aos partidos do golpe para defender a “classe política” seria a assinatura final da capitulação, da indiferenciação, da desistência de participar de um projeto que se contraponha à ofensiva conservadora. Seria banalizar e deslegitimar sua própria retórica, que estava correta, sobre o golpe contra a democracia e a presidenta Dilma Rousseff. Os efeitos do golpe de Estado e do apetite reacionário neste primeiro ano de ditadura civil ecoarão por bastante tempo e é incerto quantos direitos e patrimônios usurpados do povo brasileiro serão recuperados. Isso com ou sem a capitulação de segmentos atingidos pelo golpeachment.5 O “acordão” significa tão somente uma desaceleração desse processo, sendo também a resignação diante do leite derramado. Os limões azedos estão aí; melhor seria, ao menos, fazer uma limonada. A tragédia atual do Brasil pode ser a oportunidade para o esvaziamento do centro-geleia, com opções mais claras para o eleitorado. Para os defensores da estabilidade acima de tudo, tal proposta pode assustar. Prontamente citarão a atual crise venezuelana, como se o cenário no Brasil fosse democrático. Bom exemplo da dinâmica que menciono, no entanto, é a política uruguaia. Desde a ascensão da Frente Ampla, inclusive com a migração dos setores mais progressistas dos partidos tradicionais para a coalizão de esquerda, e a guinada neoliberal do Partido Nacional e do Partido Colorado, o sistema político do Uruguai teve seu centro esvaziado. O Partido Independente, o único de centro, tem apenas um senador. Os eleitores se dividem em cerca de 50 por cento para a Frente Ampla e 50 por cento para os partidos tradicionais. Não Até onde tenho conhecimento, o primeiro a utilizar a feliz expressão “golpeachment” para se referir a golpes de Estado travestidos de impeachment – também conhecidos como “golpes parlamentares”, “golpes institucionais”, “golpes brancos”, “golpes frios”, “golpes de novo tipo” ou “golpes paraguaios” – foi o cientista político e jornalista Cristian Klein, em artigo para a edição de 31 de março de 2016 do jornal Valor Econômico intitulado “O ‘golpeachment’”. 5
22 DOSSIÊ GUILHERME SIMÕES REIS ALGUM PASSO À FRENTE, MIL PASSOS ATRÁS, E O QUE NÃO FAZER?
que não haja políticos moderados, centristas, mas eles têm que escolher se estão do lado da esquerda ou do lado da direita. Essa polarização programática me parece um modelo que o Brasil, por vias muito tortas (um golpe de Estado com praticamente toda a direita levando à ruptura democrática), tem inédita oportunidade de emular. A democracia uruguaia é um exemplo de politização, sem que isso signifique violência ou quebra de regras. Isso enquanto a onda de golpes de Estado que se proliferam no continente (Reis, 2017) não chega por lá.
Referências CÂNDIDO, V. Nota de esclarecimento, 05 de maio de 2017. JOBIM, N. A Crise. Zero Hora, 17 abr 2017. MATOS, M. Recentes dilemas da democracia e do desenvolvimento no Brasil: Por que precisamos de mais mulheres na política? Sinais Sociais, n. 17, p. 110-141, 2011. REIS, G. S. Inventário do fragmentado debate sobre reforma política: propostas contrastantes e temor dos efeitos inesperados. Breviário de Filosofia Pública, v. 115, p. 172-183, 2013. ___. O Sistema Eleitoral Misto Alemão e o Mito do Melhor dos Mundos. Breviário de Filosofia Pública, n. 132, p. 25-38, 2015. ___. O fim da era das democracias na América. Breviário de Filosofia Pública, n. 146, p. 32-47, 2017.
23 DOSSIÊ JOÃO FERES JÚNIOR, EDUARDO BARBABELA DOIS PREFEITOS, DUAS MEDIDAS: A LUTA DE MEL NA GRANDE IMPRENSA PAULISTA
DOIS PREFEITOS, DUAS MEDIDAS: A LUA DE MEL NA GRANDE IMPRENSA PAULISTA João Feres Júnior Pesquisador do IESP – UERJ jferes@iesp.uerj.br Eduardo Barbabela Pesquisador do IESP – UERJ dududefigueiredo@hotmail.com Resumo: Neste artigo averiguamos a adqueção de se expandir o conceito de Lua de Mel, período de trégua por parte da oposição e da mídia que políticos eleitos em tese desfrutariam, para descrever o tratamento recebido pelos dois mais recentes prefeitos da cidade de São Paulo, Fernando Haddad (PT) e João Doria (PSDB). Para tal, fazemos uma análise de valências das matérias publicadas nas capas e páginas de opinião dos dois principais jornais paulistas, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo durante os primeiros 150 dias de seus mandatos. Além de testarmos a hipótese da existência de Lua de Mel nas eleições recentes para prefeito da cidade de São Paulo, também examinaremos a hipótese secundária de que tal tratamento foi semelhante em intensidade e perfil para cada um dos prefeitos em começo de mandato. Os resultados mostram que houve Lua de Mel somente para Doria, pois Haddad não recebeu qualquer trégua da cobertura jornalística, e que tal Lua de Mel terminou em torno do final do seu terceiro mês de mandato, prazo similar ao que a literatura norte-americana estima para os presidentes daquele país.
Palavras-chave: Jornais Impressos, Imprensa Paulista, Prefeitura; PT; PSDB; Lua de mel; Análise de Valências
Abstract: In this article we investigate the idea of expanding the concept of honeymoon, a period of truce by
the opposition and the media that elected politicians would enjoy, to describe the treatment received by the two most recent mayors of the city of São Paulo, Fernando Haddad (PT) and João Doria (PSDB). To do this, we analyze the stories published in the covers and pages of opinion of the two main newspapers of São Paulo, Folha de S. Paulo and S. Paulo during the first 150 days of their mandates. Besides testing the hypothesis of the existence of honeymoon in the recent elections for mayor of the city of São Paulo, we will also examine the secondary hypothesis that such treatment was similar in intensity and profile to each of the mayors at the beginning of the term. The results show that there was Honeymoon only for Doria, since Haddad did not receive any respite from the journalistic coverage, and that such a Honeymoon ended around the end of its third month in office, a period similar to that estimated in North American literature For the presidents of that country.
Keywords: Printed Newspapers, Press Paulista, City Hall; PT; PSDB; Honeymoon; Valuation Analysis
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A literatura norte-americana de Ciência Política identificou que presidentes recém-eleitos gozam de um período de trégua tanto por parte da grande imprensa quanto da oposição política, ou seja, dos derrotados no pleito. Esse período é denominado "Lua de Mel". O conceito foi desenvolvido para analisar relações entre o executivo nacional, legislativo, sistema político e opinião pública. Em artigo recente, o usamos para comparar o tratamento dedicado a Dilma Rousseff e a Michel Temer nos períodos imediatamente posteriores às suas posses na presidência.1 Neste artigo, procuramos expandir o uso do conceito de Lua de Mel, aproveitando o fato de que 2016 foi ano de eleições municipais no país, e testando a hipótese de que prefeitos da maior cidade brasileira, São Paulo, contariam também com tal tratamento, ao menos no que se refere à cobertura dos dois principais jornais paulistas, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. É importante notar que estes formam junto com O Globo, do Rio de Janeiro, o grupo dos três quality newspapers2 mais vendidos no país. Trata-se aqui de um dado não fortuito, pois essa imprensa, que se apresenta como “séria”, apregoa padrões elevados de profissionalismo em suas práticas jornalísticas que incluem, entre outras coisas, isenção, equilíbrio e pluralismo na cobertura (Folha De S. Paulo (Firm), 1992; Marinho et al., 2011). Assim, ao testarmos a hipótese da existência de Lua de Mel nas eleições recentes para prefeito da cidade de São Paulo, também examinaremos a hipótese secundária de que tal tratamento foi
1http://www.manchetometro.com.br/index.php/publicacoes/serie-m/2017/04/24/de-dilma-a-
temer-o-cao-de-guarda-e-a-lua-de-mel/ 2Um quality paper ou quality newspaper é definido da seguinte maneira pelo Oxford English Dictionary: “A newspaper, typically a broadsheet, that is considered to deal seriously with issues and to have high editorial standards”. Esse conceito, também às vezes referido coletivamente como quality press, surgiu no Reino Unido para diferenciar a imprensa “séria” dos tabloides sensacionalistas.
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semelhante em intensidade e perfil para cada um dos prefeitos em começo de mandato. O peessedebista João Doria foi eleito com 53,29% dos votos, já no primeiro turno, e sua administração teve início em janeiro de 2017. A vitória convincente no maior colégio eleitoral do país em sua primeira candidatura política alçou Doria à condição de potencial candidato a Presidência da República em 2018. O político do PSDB foi precedido na prefeitura por Fernando Haddad, um quadro do Partido dos Trabalhadores (PT) que, apesar de já ter atuado como Ministro da Educação durante os dois governos do expresidente Lula, também assumiu na Prefeitura de São Paulo seu primeiro cargo eletivo. Na verdade, a semelhança é ainda maior, pois Doria também havia no passado exercido cargo importante no Governo Federal. Entre 1987 e 1988 ele foi presidente da Embratur (Instituto Brasileiro de Turismo), uma autarquia especial do Ministério do Turismo. O número de dias que dura a Lua de Mel é arbitrário e nos Estados Unidos assume-se que o número 100 é uma boa estimativa. Neste artigo vamos analisar os primeiros cinco meses de mandato, ou 151 dias da cobertura de ambos os prefeitos da capital paulista pois só faz sentido falarmos de Lua de Mel se ela tem fim, ou seja, se o comportamento da mídia em relação ao prefeito se altera depois do período de “trégua”. Levamos em conta os textos publicados nas capas e nas páginas de opinião dos dois jornais paulistas, já devidamente codificados no âmbito do projeto Manchetômetro. A metodologia empregada no exame dos textos foi a análise de valência, que consiste em atribuir os valores
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favorável, contrário, neutro ou ambivalente para cada uma das matérias e manchetes, em relação a seu respectivo objeto.3
Fernando Haddad Em janeiro de 2013, o petista Fernando Haddad assumiu a missão de administrar a cidade de São Paulo. Nos seus primeiros 151 dias à frente da prefeitura, foi objeto de 114 textos nas capas e páginas de opinião dos dois jornais. No agregado do período, a proporção de neutras em relação ao total de matérias foi de 54%, a de contrárias 34%, enquanto favoráveis e ambivalentes foram bastante raras, 4% e 7%, respectivamente. A distribuição temporal de sua cobertura no agregado dos jornais apresenta o perfil abaixo: Gráfico 1 – Série temporal de valências de Haddad na Folha e no Estadão (capa e páginas de opinião) 30 25 20 15 10 5 0 Jan-13
Feb-13
Contrária
3Para
Mar-13
Neutra
Apr-13
Favorável
May-13
Ambivalente
uma discussão mais aprofundada sobre essa metodologia ver (MIGUEL, 2015; FERES JÚNIOR, 2016b; a).
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Fonte: Manchetômetro
A primeira característica que chama atenção, conforme demonstra o gráfico 1, é a queda abrupta na quantidade de textos sobre o prefeito Haddad logo no segundo mês de sua gestão. As análises do Manchetômetro mostram que, com raras exceções, como Fernando Henrique no pleito presidencial de 1998, políticos recebem uma cobertura dominada por neutras e negativas, e com baixa incidência de matérias favoráveis. A cobertura de Fernando Haddad segue essa tendência geral. No entanto, o resultado de Haddad é digno de nota pois tal dominância de neutras e contrárias caracteriza períodos de normalidade e não a suposta Lua de Mel, quando a neutralidade deveria imperar e as negativas mostrarem parco resultado. Entretanto, o número de notícias negativas começa bastante alto em janeiro e ultrapassa o de textos neutros para o prefeito do PT, ainda que por pouco, nos meses de fevereiro e março. Notícias ambivalentes ou favoráveis apareceram de maneira muito esparsa na cobertura do prefeito ao longo do período estudado. Vejamos agora se houve diferença de perfil na cobertura de cada jornal e na comparação entre capas e páginas de opinião. O gráfico abaixo dá conta de ambos os aspectos. Gráfico 2 – Valências Haddad por tipo de página e jornal
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80 70 60 50 40 30 20 10 0
Contrária
Neutra
Favorável
Ambivalente
Fonte: Manchetômetro
O primeiro dado a se notar é que não identificamos textos favoráveis a Haddad nas capas dos jornais. Já nas páginas de opinião, os favoráveis aparecem em uma relação de um para cinco textos contrários. Nas capas, a Folha concedeu mais espaço a notícias sobre Fernando Haddad que o Estadão, sendo que ambos fizeram uma cobertura majoritariamente neutra neste espaço, com uma porcentagem de notícias contrárias ligeiramente menor na Folha (25%) que no Estadão (28%). Já nas páginas de opinião, que incluem artigos e editoriais, o prefeito foi objeto de 33 textos na Folha, número muito próximo ao do Estadão, 35. A distribuição de valências foi bastante distinta nestas páginas se compararmos os dois jornais: a Folha cravou 27% (9) de textos contrários e o dobro, 54% (18) de textos neutros. Já o Estadão quase inverteu essa proporção ao publicar 51% (18) de textos de opinião contrários para 31% (11) de neutros. Para além do padrão de favoráveis anotado acima, inexistente nas capas e modesto nos textos de opinião, duas características reveladas pelo gráfico 2 devem ser ressaltadas: primeiro, a prevalência de neutralidade nas capas, a despeito da presença de um número não desprezível de contrárias, e, segundo,
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a disposição bem mais contrária do Estadão, quase o dobro de notícias contrárias e a metade de neutras de seu parceiro paulista. Ainda assim é preciso anotar que, em si, a cobertura da Folha de S. Paulo está longe de ser favorável à Haddad. Durante o período ele recebeu míseros dois textos de opinião favoráveis no jornal. Vejamos agora como foi o tratamento recebido pelo prefeito do PSDB. João Doria O novo prefeito de São Paulo, João Doria, assumiu a Prefeitura em 2017 e logo começou a ganhar o espaço nas páginas dos jornais. O número total de textos dedicados a Doria é 33% superior ao de Haddad para o mesmo período. Sua proporção agregada de contrárias é exatamente igual a de Haddad, 34%, mas Doria recebe uma proporção menor de neutras, 31% e bastante significativa de favoráveis, 20%, além de também obter uma taxa duas vezes maior de ambivalentes em relação a seu predecessor petista, 14%. Ou seja, no agregado podemos dizer que os jornais tiveram disposição similar para criticar os dois políticos, mas bem distinta para simplesmente noticiá-los e para elogiálos. Vejamos como foram distribuídas as valências das notícias a respeito do prefeito peessedebista: Gráfico 3 – Série temporal de valências de Doria na Folha e no Estadão (capa e páginas de opinião)
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18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Jan-17
Feb-17
Contrária
Mar-17
Neutra
Apr-17
Favorável
May-17
Ambivalente
Fonte: Manchetômetro
A cobertura dos primeiros meses de Doria tem desenho bastante distinto da de Haddad. Excetuando o primeiro mês, no qual ambos os candidatos tiveram número alto de textos nas três valências principais (favoráveis, contrários e neutros), notamos claramente que enquanto Haddad penou com a prevalência de negativas em fevereiro e março, Doria teve um aumento do número de favoráveis por três meses seguidos, alcançado o recorde de 11 no mês de abril. Nesse mesmo mês o número de favoráveis de Haddad foi zero. A comparação mostra que de fato houve Lua de Mel para Doria e ela durou aproximadamente o mesmo período adotado pela literatura norteamericana, em torno de 100 dias. No mês de maio João Doria patrocinou uma ação da prefeitura coordenada com a polícia na região do centro de São Paulo conhecida como "Cracolândia" =, causando a expulsão massiva de usuários e moradores de rua e até a morte de pessoas, o que lhe custou pesadas críticas e marcou o término de sua Lua de Mel com a imprensa. Nossa comparação também mostra que Haddad, do PT, não gozou de simpatia comparável por parte dos grandes jornais impressos e já começou seu mandato com uma cobertura de perfil desfavorável. Ainda que a curva de
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contrárias mostre decréscimo ao longo do período, ele não contou com a simpatia de matérias favoráveis e ambivalentes que marcaram a Lua de Mel de seu sucessor tucano. A diferença não para aí, como revela o gráfico abaixo. Gráfico 4 – Valências Doria por tipo de página e jornal 120 100 80 60 40 20 0
Contrária
Neutra
Favorável
Ambivalente
Fonte: Manchetômetro
De maneira geral a comparação desse gráfico com o de Haddad mostra uma diferença substancial entre um jornal e outro. Enquanto ambos se comportaram de maneira similar em relação ao prefeito petista, tanto na intensidade da cobertura (número total de textos dedicados ao assunto) quanto em seu perfil (proporção de valências), a intensidade foi marcadamente diferente na cobertura de Doria. A Folha de S.Paulo publicou no período quatro vezes mais textos sobre o tucano do que seu par, 120 contra 32. É curioso notar que a despeito da grande diferença de ativação de cada cobertura em relação ao prefeito, o Estadão foi publicou praticamente só matérias favoráveis e neutras. Mesmo em maio, com o fracasso da intervenção na "Cracolândia", Doria recebeu somente dois textos negativos no jornal. Na verdade, a cobertura
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dispensada a Doria pelo Estadão é tão exígua e benigna que o efeito Lua de Mel notado antes pode ser atribuído quase que exclusivamente à Folha, como mostra o gráfico abaixo: Gráfico 5 – Série temporal de valências de Doria na Folha (capa e páginas de opinião)
14 12 10 8 6 4 2 0 jan
fev
Ambivalente
mar
Contrária
abr
Favorável
mai
Neutra
Durante os três primeiros meses da cobertura, ou seja, aproximadamente 100 dias, a Folha tratou Dória com um número grande de notícias neutras e com favoráveis em número comparável às contrárias – luxo não dispensado pelo jornal ao prefeito petista. Com o fatídico episódio de maio, a Lua de Mel se encerrou. Voltando à comparação do gráfico 4 com o 2, notamos claramente a presença de textos favoráveis a Doria nas capas dos dois jornais, algo ausente no caso de Haddad. Também um significativa maior abundância de textos ambivalentes para Doria. A maneira mais clara de obtermos uma comparação abrangente entre as coberturas dos dois prefeitos é calcular o Índice de Viés (IV) de cada jornal para cada prefeito. Fazemos isso com uma fórmula simples: IV = (F-C)/(N+A), onde F é o número de favoráveis, C o número de
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contrárias, N o número de neutras e A o número de ambivalentes. Tal fórmula tem essa forma de razão entre duas grandezas porque é razoável assumir que o viés negativo ou positivo da cobertura é afetado pelo número de neutras e ambivalentes. Isto é, uma coisa é ter 10 matérias negativas diluídas em meio a 100 neutras, outra bem diferentes é ter 10 negativas e 5 neutras e uma ambivalente, por exemplo. Reduzindo o período de análise aos três primeiros meses, de janeiro a março, ou seja, aproximadamente o período da Lua de Mel “clássica”, obtemos os seguintes valores do IV: Haddad teve -0,37 na Folha e -0,87 no Estadão, confirmando nosso diagnóstico anterior de negatividade geral da cobertura do petista e de intensidade maior de negatividade por parte do jornal da família Mesquita. Já Doria marcou IVs de -0,12 na Folha e de 1,5 no Estadão. Assim, a Folha apresentou um índice negativo, mas bem reduzido, enquanto que o Estadão tratou Doria de maneira marcadamente positiva, como denotam o sinal do IV e sua grandeza. Conclusões Essa breve análise comparada das coberturas dos prefeitos da cidade de São Paulo, Fernando Haddad e João Doria revela uma mistura de coisas que já sabíamos com novidades. O viés da grande mídia brasileira contra o PT e seus políticos vem sendo detectado pela literatura especializada no estudo da mídia há décadas. Nossa contribuição vem se somar a essa literatura. Outra confirmação é a distância relativa entre Folha e Estadão nesse âmbito. Ambos mostram claro viés antipetista, mas o Estadão o faz de maneira mais acentuada do que a Folha – talvez “descarada” seja o adjetivo mais correto aqui. As novidades encontradas dizem respeito ao teste da hipótese da Lua de Mel. De fato, fomos capazes de identificá-la na cobertura dispensada pela Folha de S. Paulo a João Doria. Mas aí é que as coisas também complicam, pois tal
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comportamento não foi dispensado pelo jornal da família Frias ao prefeito petista. Ou seja, a Lua de Mel existe para prefeitos da cidade de São Paulo, mas ela é dispensada de maneira discricionária e nem por todos os jornais. Poderíamos conjecturar que Doria goza no Estadão de uma Lua de Mel perene, pois mesmo quando do affair "Cracolândia" o jornal evitou criticá-lo, mas tal afirmação cancela o próprio sentido do conceito, que é de comportamento restrito a um período. Em outras palavras, a hipótese principal é confirmada, mas a secundária, da igualdade de tratamento dos prefeitos, é rejeitada. A Lua de Mel de Doria na Folha não foi destituída de críticas, mas teve também muitos afagos. Os estudos da cobertura midiática de prefeitos de grandes cidades é um tópico ainda muito pouco explorado. A codificação contínua feita pelo Manchetômetro vai nos permitir comparar as coberturas de maneira mais minuciosa, à medida que Doria avança em sua gestão – isso se ela não for interrompida por uma possível candidatura sua à Presidência da República. Contudo, se por um lado tal evento cancela a possibilidade de comparações de longo período com a cobertura de Haddad, por outro abre outras possibilidades de análise do comportamento da grande mídia nacional, um dos atores políticos mais exaltados e menos sujeitos a qualquer tipo de accountability que temos hoje em nossa alquebrada democracia.
Referências FERES JÚNIOR, J. Análise de valências, debate acadêmico e contenda política. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 20, p. 313-322, 2016a. ISSN 0103-3352. Available at: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010333522016000200313&nrm=iso >. ______. Em defesa das valências: uma réplica. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 19, p. 277298, 2016b.
35 DOSSIÊ JOÃO FERES JÚNIOR, EDUARDO BARBABELA DOIS PREFEITOS, DUAS MEDIDAS: A LUTA DE MEL NA GRANDE IMPRENSA PAULISTA
FOLHA DE S. PAULO (FIRM). Novo manual da redação. São Paulo: Folha de S. Paulo, 1992. 331 p. MARINHO, R. I.; MARINHO, J. R.; MARINHO, J. R. Princípios editoriais do Grupo Globo. 2011. Disponível em: <http://g1.globo.com/principios-editoriais-do-grupo-globo.html >. MIGUEL, L. F. Quanto vale uma valência? Revista Brasileira de Ciência Política, n. 17, p. 165178, 2015.
35 OPINIÃO ESTHER SOLANO GALLEGO, PABLO ORTELLADO, MÁRCIO MORETTO GUERRAS CULTURAIS E POPULISMO ANTIPETISTA NAS MANIFESTAÇÕES POR APOIO À OPERAÇÃO LAVA JATO E CONTRA A REFORMA DA PREVIDÊNCIA
GUERRAS CULTURAIS E POPULISMO ANTIPETISTA NAS MANIFESTAÇÕES POR APOIO À OPERAÇÃO LAVA JATO E CONTRA A REFORMA DE PREVIDÊNCIA Esther Solano Gallego Universidade Federal de São Paulo prof.esther.solano@gmail.com Pablo Ortellado Universidade de São Paulo paort@usp.br Márcio Moretto Universidade de São Paulo marcio.mr@gmail.com
Resumo: Este artigo traz os resultados da aplicação de questionários nas manifestações de 25 de março
de 2017 em apoio da Operação Lava Jato e 31 de março de 2017 com a reforma da previdência com o propósito de confirmar a validade da hipótese das guerras culturais (centralidade dos temas morais e o antagonismo moral na da agenda do debate público) entre os grupos conservador e progressista no atual cenário brasileiro e a presença do antipetismo como fator de coesão do novo populismo de direita que começou se configurando em torno ao impeachment da presidente Dilma Rousseff e continua hoje convocando manifestações Palavras-chave: manifestações; operação Lava Jato; reforma da previdência; antipetismo; populismo de direita; impeachment
Abstract: This article presents the results of the application of questionnaires in the demonstrations of
March 25, 2017 in support of Operation Lava Jato and March 31, 2017 with the reform of the pension system with the purpose of confirming the validity of the hypothesis of cultural wars (centrality of the themes Moral and moral antagonism in the agenda of public debate) between the conservative and progressive groups in the current Brazilian scenario and the presence of antipetism as a factor of cohesion of the new right-wing populism that began to be shaped around the impeachment of President Dilma Rousseff and continues Today calling for demonstrations. Keywords: manifestations; Operation Lava Jato; Pension reform; Antipetismo; Right populism; impeachment
36 OPINIÃO ESTHER SOLANO GALLEGO, PABLO ORTELLADO, MÁRCIO MORETTO GUERRAS CULTURAIS E POPULISMO ANTIPETISTA NAS MANIFESTAÇÕES POR APOIO À OPERAÇÃO LAVA JATO E CONTRA A REFORMA DA PREVIDÊNCIA
Introdução Durante os últimos dias do mês de março tiveram lugar em São Paulo duas manifestações que levaram às ruas em menos de uma semana os grupos que durante mais de um ano têm protagonizado os protestos a favor e contra o impeachment de presidente Dilma Rousseff. A organização destes dois eventos em tão curto espaço de tempo fez com que fosse interessante a aplicação de um survey para comparar os grupos presentes em ambas manifestações.1 Na primeira foram realizadas 512 entrevistas, com margem de erro máxima com 95% de confiança de 4.3% e na segunda 442 entrevistas, com margem de erro máxima com 95% de confiança de 4.7%. Nosso intuito com esse survey era medir a adesão às guerras culturais para estes dois grupos de manifestantes e a força do antipetismo como fator de identidade no núcleo do populismo de direita acionado pelos novos movimentos Guerras culturais Dentro e fora da imprensa, todo debate político hoje é dominado por um discurso que coloca temas morais como o combate ao homossexualismo e o endurecimento penal em primeiro plano e subordina as questões econômicas e sociais a essa visão de mundo punitiva. Estamos vendo no Brasil e em outros países uma expansão mundial das guerras culturais que tomaram os Estados Unidos a partir do final dos anos 1980. A antiga polarização entre uma direita liberal que defendia a meritocracia baseada na livre iniciativa e uma esquerda que defendia intervenções políticas para
Resultados completos: http://rawgit.com/pesquisaR/resultados/master/relatorio2.html (manifestação do dia 26 de março), http://rawgit.com/pesquisaR/resultados/master/relatorio3.html (manifestação do dia 31 de março) 1
37 OPINIÃO ESTHER SOLANO GALLEGO, PABLO ORTELLADO, MÁRCIO MORETTO GUERRAS CULTURAIS E POPULISMO ANTIPETISTA NAS MANIFESTAÇÕES POR APOIO À OPERAÇÃO LAVA JATO E CONTRA A REFORMA DA PREVIDÊNCIA
promover a justiça social passa a ser não substituída, mas crescentemente subordinada a um novo antagonismo entre, de um lado, um conservadorismo punitivo e, de outro, um progressismo compreensivo. Costuma-se atribuir a James Hunter a precisa identificação do fenômeno e a difusão do termo “guerras culturais” para se referir ao processo pelo qual temas como o direito dos homossexuais, a legalização do aborto, o controle de armas e a legalização das drogas passaram a ganhar proeminência no debate político americano no final dos anos 1980, opondo “conservadores” a “progressistas”. Os conservadores se definiriam por um “compromisso com uma autoridade moral externa definida e transcendente”, e os progressistas, por uma autoridade moral “caracterizada pelo espírito da era moderna, um espírito de racionalismo e subjetivismo”. Num influente livro de 1996, o linguista George Lakoff concordou com Hunter que o novo antagonismo que se via nos Estados Unidos opunha visões de mundo baseadas em concepções da autoridade moral, mas definiu essa oposição de maneira um pouco diferente. Apoiado na teoria da centralidade das metáforas para a formação dos conceitos, ele notou que as guerras culturais se assentavam no confronto de duas metáforas familiares para a sociedade, isto é, os dois discursos olhavam para a sociedade como uma grande família: uma família com pai rigoroso e uma família com pai carinhoso – e, para cada visão da sociedade como família, esse pai metafórico imporia uma ordem moral. Assim, na perspectiva conservadora, teríamos uma ordem moral punitiva e disciplinar e, na progressista, uma ordem compreensiva. Na literatura não há unanimidade sobre o que teria dado início às guerras culturais, mas alguns autores como Hartman em seu livro “A War to the Soul of America: a History of the Culture Wars” apontam a gênese do fenômeno como uma reação ao questionamento político das normas sociais
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pela contracultura dos anos 1970 ou à fratura das identidades coletivas proposta pelos novos movimentos sociais e pelo discurso pós-moderno. Seja como for, parece claro que quem reorganizou o discurso político nesses termos foram os conservadores e que os progressistas ainda precisam se adaptar ao novo terreno de disputa discursiva. A relação entre discurso moral e político não é nova. No final do século XIX e início do XX, os liberais já utilizavam um discurso moral que justificava a miséria dos trabalhadores pela indolência. Antes, porém, o discurso moral era instrumentalizado pelo político, e agora parece que ocorre o contrário. Embora não exista identidade nem mesmo correlação necessária entre o discurso liberal e o conservador, de um lado, e o discurso socialista e o progressista, de outro, essas articulações discursivas são preponderantes. Assim, após o início das guerras culturais, vimos uma mudança de natureza do discurso liberal. Desde o pós-guerra, o discurso liberal tinha assumido a forma de um discurso de moderação e bom senso ao qual só podiam aspirar aqueles que tomavam os fundamentos da sociedade atual como pressuposto e tratavam as questões sociais e econômicas como prosaicos problemas de administração. Após as guerras culturais, ele retomou um caráter de ódio e desprezo de classe que trata os trabalhadores como indolentes que merecem ser punidos com a pobreza pela falta de industriosidade, capacidade de poupança e empreendedorismo. Pelos mesmos motivos, toda ação social do Estado é vista por esse discurso como complacência socialista com a incompetência e o comodismo. O inverso acontece com o discurso socialista. Se no antigo quadro discursivo o bom senso e o equilíbrio caracterizavam o discurso liberal, o discurso socialista que colocava em xeque os fundamentos do sistema concorrencial de mercado era radical por sua própria natureza e era desqualificado pelo establishment como extremista e irrazoável. Já no novo quadro discursivo, no qual prevalece o discurso moral, o caráter compreensivo
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e solidário do progressismo sugere que o discurso socialista adote o equilíbrio e o bom senso trazidos pela empatia. Esse antagonismo moral redefine as regras do debate político. Há oitenta anos, o fabiano Harold Laski defendia a ideia de que a penetração política e intelectual do socialismo advinha de sua capacidade de explorar a contradição entre liberdade e igualdade presente no discurso liberal, isto é, liberais e socialistas compartilhavam os valores de liberdade e igualdade, e o pensamento socialista ascendeu demonstrando que a igualdade de poder concorrer no mercado era uma formalidade jurídica sem substância. Assim, o debate clássico que opunha liberais e socialistas tinha um fundamento comum de valores que foi erodido pela cisão em visões morais de mundo incomensuráveis. Com o intuito de medir o impacto das guerras culturais nos grupos mobilizados, construímos um questionário que incluía as principais pautas do debate brasileiro atual que definem os grupos progressista e conservador e com a formulação como são apresentados nos dois campos em disputa. -Campo conservador: Precisamos punir os criminosos com mais tempo de cadeia, A pena de morte deve ser aplicada para punir crimes graves, Menores de idade que cometem crimes devem ir para a cadeia, O cidadão de bem deve ter o direito de portar arma, Os direitos humanos atrapalham o combate ao crime, O lugar da mulher é em casa cuidando da família, A união de pessoas do mesmo sexo não constitui uma família, Fazer aborto é sempre errado, As escolas deveriam ensinar valores religiosos, Os valores religiosos deveriam orientar as leis, O bolsa-família estimula as pessoas a não trabalhar -Campo progressista: Fazer aborto deve ser um direito da mulher, Não se deve condenar uma mulher que transe com muitas pessoas, Cantar uma mulher na rua é ofensivo, A mulher deve ter o direito de usar roupa curta sem ser incomodada, Os negros ainda sofrem preconceito no Brasil, A polícia é
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mais violenta com os negros do que com os brancos, Cotas são uma boa medida para fazer com que os negros entrem na universidade, Dois homens devem poder se beijar na rua sem serem importunados, A escola deveria ensinar a respeitar os gays, Travestis devem poder usar o banheiro feminino, Deveria ser permitido aos adultos fumar maconha. Os manifestantes do dia 26, que se consideram conservadores (47.3% muito conservadores, 34.4% pouco conservadores, 31.4% de direita e 17.4% de centro-direita) apresentam uma unidade de respostas baixa que se constrói em base ao discurso punitivo (82.6% apoiam o aumento de pena para punir criminosos, 84.6% apoiam a redução da maioridade penal) a rejeição aos programas sociais e de redistribuição de renda caraterísticos das gestões petistas (82.2% pensam que o programa Bolsa Família estimula as pessoas a não trabalhar, 75.2% pensam que as cotas não são uma boa medida) e, fundamentalmente, no antipetismo. Se pegarmos, porém, outras pautas, referentes ao papel da religião, direito da mulher ou direitos LGBT, a variabilidade entre as respostas é grande: 34.8% concordam com que a união de pessoas do mesmo sexo não constitui uma família, 57.2% que feminismo é machismo ao contrário, 51.4% afirmam que cantar uma mulher na rua é ofensivo, 58.6% pensam que dois homens podem se beijar na rua sem serem importunados e 48.6% concordam com que as escolas deveriam ensinar valores religiosos. Todas estas pautas, portanto, não criam homogeneidade nas respostas,
pelo
contrário,
observamos
posturas
díspares
entre
os
entrevistados, caso oposto do que acontece com os entrevistados da manifestação
contra
a
reforma
de
previdência
que
se
definem
majoritariamente progressistas ou de esquerda. Os manifestantes de dia 31 (68.8% se consideram nada conservadores e 83.0% se definem de esquerda) apresentam um perfil muito coeso, tendo um grande número de entrevistados que respondeu o questionário exatamente da mesma maneira. A maioria das
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respostas oscilam entre um índice de 70%-90% de concordância ou discordância inclusive tocando pautas totalmente diferentes: 8.8% concordam com que a união de pessoas do mesmo sexo não constitui uma família, 12.2% que feminismo é machismo ao contrário, 77.1% afirmam que cantar uma mulher na rua é ofensivo, 87.1% pensam que dois homens podem se beijar na rua sem serem importunados e 17.9% concordam com que as escolas deveriam ensinar valores religiosos Os seguintes grafos apresentam outra ilustração do mesmo fenômeno. Em ambos os nós representam cada uma das 22 perguntas e quanto maior seu tamanho maior o grau de coerência nas respostas. O peso da aresta entre dois nós indica a proporção de entrevistados que deram a mesma resposta para ambas (positiva ou negativamente). O primeiro grafo representa a pesquisa do dia 31 de março no ato contra a reforma da previdência. É chamativa a consistência das respostas. A imensa maioria dos entrevistados discordou das perguntas no cluster da esquerda e concordou com as do cluster da direita. Os nós são todos muito grandes – com a notória exceção da pergunta sobre a necessidade de maior punição aos criminosos – e se organizam em dois polos com pouca intersecção entre si.
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O segundo grafo ilustra a pesquisa do dia 25 de março. Neste os nós são menores indicando menor consenso – aqui as exceções notórias são a posição progressista em relação ao papel da mulher e seu direito de escolher o que vestir e o reconhecimento da existência de racismo. Além disso, sua organização é bem menos óbvia, mas indica coerência em três grupos: um com valores morais progressistas que respondeu positivamente às perguntas no campo azul, um que poderíamos chamar de conservadorimos laico que respondeu positivamente às perguntas no campo laranja e outro convervadorismo religioso que defendeu positivamente às perguntas no campo verde.
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Antipetismo e antipolítica A manifestação de dia 26 de março convocada na Avenida Paulista tinha um conteúdo altamente heterogêneo construído ao redor de vários grupos e diversas pautas. Vem para a Rua, Movimento Brasil Livre, Partido Novo, Movimento de Restauração da Monarquia no Brasil, assim como diversos grupos militaristas. As pautas ocupavam também um amplo espectro: aquelas relativas à luta contra a corrupção (apoio à Operação Lava Jato e fim do foro privilegiado) as referidas a reforma política (contra a lista eleitoral fechada, contra a ampliação do fundo partidário público) até a volta da monarquia, a retomada do poder pelos militares ou o fim do estatuto do desarmamento e pautas de corte liberal (apoio a reforma da previdência e trabalhista e privatizações). No meio a esta diversidade, um dado chama a atenção. Os vários carros de som presentes na Avenida Paulista estavam bastante esvaziados, incluindo o do Movimento Brasil Livre que focava seu discurso em apoio a pautas privatizantes e de Estado mínimo. O carro de som que mais aglutinava manifestantes, com uma grande deferência quantitativa, era o do Vem para a Rua centrado nas pautas anticorrupção e cujo lema era “faxina geral”. Esse fato nos leva a apresentar nosso primeiro dado. Para este grupo presente, que se define majoritariamente de direita e conservador, o discurso antipetista é o grande fator de coesão e identidade: 84.8% se definiram como muito antipetistas. Definimos aqui um populismo de direita no sentido de Laclau que utiliza o antipetismo como conceito aglutinador Por outro lado, também o discurso de negação da política tradicional e rejeição do partido político é amplamente aceito entre eles. Além no
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antipetismo, que aparece como maior fator de coerência, o discurso antipolítico, resumido no slogan “faxina geral”, está se transformando num importante fator de coesão para estes grupos. À pergunta “com qual partido político você se identifica”, 72.9% responderam que nenhum, seguidos por 11.7% que escolheram o PSDB e 6.8% o Partido Novo. Dados muito diferentes da manifestação do dia 31 de março na qual a maioria dos manifestantes se definiu de esquerda não conservador que era mais vinculada a partidos políticos onde 33.0% não se identificava com nenhum, 35.7% com o PT e 20.6 com o PSOL. Conclusões Os manifestantes que se identificam como progressistas ou de esquerda tem um padrão muito coeso de posições sobre questões morais referentes a mulheres, LGBT, drogas, população negra ou políticas de mobilidade social. Uma grande homogeneidade nas respostas caracteriza este grupo. Os manifestantes que se definem como conservadores ou de direita, porém, não apresentam esse grau de homogeneidade como grupo, com uma disparidade muito maior nas respostas referentes a questões morais. As caraterísticas comuns são o punitivismo, a rejeição às políticas públicas de mobilidade social e, fundamentalmente, o antipetismo, que é o fator que oferece maior coerência interna e identidade ao grupo. Os discursos antipolíticos, nas últimas manifestações também estão ganhando força como fator de coesão destes manifestantes, diante dos avanços da operação Lava Jato e as últimas delações. Uma identidade não propositiva ou não afirmativa, construída no plano relacional, na negação da identidade alheia, seja, principalmente, o petismo, ou a política tradicional. Poderia se pensar que uma possível caraterística interna afirmativa deste grupo seria o apoio às políticas neoliberais, fazendo uma analogia entre conservadorismo social com o apoio
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ao neoliberalismo econômico. Esta afirmação, porém, não é consistente: 74.% dos manifestantes do protesto de 26 de março discordam da reforma da previdência apresentada pelo governo Temer. Em outro survey que realizamos na manifestação verde-amarela de 16 de agosto de 20152 os dados mostraram que 88.6% concordavam totalmente com que o Estado devia prover serviços de saúde para todos os brasileiros, 92.3% educação para todos e 72.1% transporte coletivo, rejeitando, portanto, a ideia do estado mínimo. Identidade conservadora não neoliberal, punitiva, que toma forma num populismo antipetista e antipolítico Referências HUNTER, J. Culture wars: the struggle to define America. Nova York: Basic Books, 1991. LAKOFF, G. Moral politics: what conservatives know that liberals don’t. Chicago: University of Chicago Press, 1996. LACLAU, E. A razão populista. São Paulo: Três estrelas, 2013 LASKI, H. The rise of European liberalism: an essay in interpretation. Déli: Aakar, 2005.
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Dados completos, http://gpopai.usp.br/pesquisa/160815/
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MASCARADOS – A VERDADEIRA HISTÓRIA DOS ADEPTOS DA TÁTICA BLACK BLOC
MASCARADOS – A VERDADEIRA HISTÓRIA DOS ADEPTOS DA TÁTICA BLACK BLOC Angélica Bicego Ferreira Universidade Federal de Minas Gerais angelicabicegof@gmail.com Diana Kalazans Universidade Federal de Minas Gerais dianarkr@hotmail.com
A socióloga Esther Solano e os jornalistas Bruno Paes Manso e Willian Novaes, foram convidados do Programa do Jô e, os dois primeiros para o programa Pânico, da rádio Jovem Pan em outubro de 2016 para falarem sobre seu livro “Mascarados - A Verdadeira História Dos Adeptos da Tática Black Bloc” Entretanto, ambas entrevistas geraram polêmicas, já que os apresentadores demonstraram não terem lido o livro, pois o discutiram com superficialidade e reproduziram preconceitos relacionados ao assunto, os quais foram desmistificados ao longo do texto. Tal temática tomou primazia no discurso brasileiro durante um período de manifestações no país, no qual os autores acompanharam de perto entre agosto de 2013 até a Copa de Mundo de 2014. Os jovens adeptos da tática Black Bloc eram vistos de forma negativa frente a imprensa nacional principalmente por usarem capuzes e blusas pretas, picharem o muro da Prefeitura, jogarem molotv em agências bancárias e virarem carro de polícia. Livre de preconceitos, os autores mergulham no universo dessas manifestações, conversam com seus atores para apurar, compreender e interpretar os fatos da forma mais pura possível e trazer ao leitor uma maneira de pensar para além do ponto de vista parcial e manipulado da mídia jornalística.
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Já no início e ao longo do livro é ressaltado e endossado a importância de ouvir e colocar em diálogo os dois lados da história, cada um com a sua voz, como sugere o trecho “[...] prestar atenção nas palavras de todos. Entender. A verdade, se existe, tem muitas vozes” (p.11). Para apresentar essa visão, o livro foi divido em quatro partes, sendo a primeira, intitulada “A Pesquisa”, de Esther Solano Gallego, professora da UNIFESP, que se propôs a pesquisar as motivações dos adeptos da tática Black Bloc. A segunda parte, “O Jornalista”, tem a autoria de Bruno Paes Manso, jornalista e diretor da Geração Editorial, e traz uma reflexão acerca do papel da imprensa. Na terceira parte, nomeada de “Os Manifestantes”, o economista e jornalista o Wiliam Novaes realizou sete profundas entrevistas com os jovens manifestantes d tática tentando traçar o perfil por trás de cada máscara e história. Já a quarta parte, “O Policial Coronel Reynaldo”, que consiste na entrevista do policial militar Rossi sobre o episódio no qual foi agredido por membros da tática Black Bloc. E por último, um posfácio por Pablo Ortellado, professor da Escola Belas Artes, Ciências e Humanidades da USP no qual apresenta um panorama histórico do movimento Black Bloc pelo mundo. Esther Solano foi a campo nas manifestações e confrontos durante um ano, observando, perguntando, dialogando e conversando com diversos jovens para compreender o significado dos atos violentos e interpretar as vozes desses manifestantes. A partir de entrevistas, nos mostra alguns dos diferentes perfis presentes na manifestação, porém com as mesmas motivações. A autora analisa o momento que os Black Bloc apareceram nas manifestações do Brasil, já que, historicamente, é um movimento autonomista da Alemanha, presente nos anos 1980 pelas lutas antiglobalização e contra a Organização Mundial do Comércio e o G8 em outros anos em diferentes países. Pelas entrevistas, os ativistas adotaram a tática posteriormente às manifestações de junho de 2013, ao constatarem que as reivindicações vindas de protestos pacíficos não foram
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atendidas e, também, como reação da truculência policial contra os manifestantes. Diante disso, apresentaram em seu relato a radicalização como a última saída e utilizaram-se da internet, principalmente do Facebook, para convocar, organizar e difundir os eventos e também para fortalecer a identidade coletiva Black Bloc. A tática tem a violência como espetáculo, uma forma de chegar nas primeiras capas de jornais e revistas pelo mundo e assim criarem a oportunidade de denunciar o descaso público e o abuso da polícia. Já o vestuário e o rosto coberto de preto têm o objetivo de constituir uma identidade coletiva, sem dar importância para as diferenças, e sim salientar as ideias em comum. Para eles, a violência institucional é muito maior comparada com a qual eles promovem, tanto que as consideram “vandalismo simbólico”. Porém, apesar de toda essa união, eles possuem seus conflitos, já que dentro da tática há quem acredite na necessidade de mais diálogo e estratégia a fim de evitar conflito e violência e há quem aspira uma ação ainda mais direta, com mais quebradeira e agressividade, geralmente, os mais novos. Para finalizar, Esther Solano faz um breve resumo de seus sentimentos ao longo dessa pesquisa de um ano e analisa mais criticamente essa relação dos jovens, a violência e a Polícia Militar, que ao mesmo tempo são frutos do sistema, mas que se valem da autorização institucional para matar todos os dias nas periferias. Já na segunda parte, o jornalista Bruno Paes Manso consegue esclarecer o momento de forma a explicitar o quão surpreendente foram as reações dos movimentos de junho de 2013. Para a imprensa, se tratava do cotidiano realizar reportagens e acompanhar às manifestações de jovens insatisfeitos, todavia ninguém esperava que dessa vez seria tão notável quanto foi. Influenciados pelos movimentos que iniciavam em Salvador, Bahia (2003), pelo aumento das passagens de ônibus – “Revolta do Buzú” -, os jovens
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começaram a se organizar e no ano seguinte, em 2004, ocorreu o mesmo em Florianópolis, Santa Catarina. Em 2005, o Movimento Passe Livre foi formado no Rio Grande do Sul, cidade de Porto Alegre, com uma nova proposta de fazer política e de pensar o convívio nos grandes centros urbanos, analisando a mobilidade e questões da globalização. Posteriormente, o movimento ganhou maior propensão e adesão em São Paulo e esteve na linha de frente das mobilizações emergentes de 2013. Antes de 2013, manifestações até ocorriam e incomodavam, porém não era algo que reverberasse na mídia como um assunto dos mais relevantes. O diálogo com os anarquistas e adeptos das táticas Black Bloc não era novidade. O que surpreendeu a imprensa foram as novas estratégias de ação, o grande número de adesões e o bom planejamento político, articuladas através das redes sociais, pois não deram pausas que permitissem ações governamentais. A tática Black Bloc testemunhada por Bruno mostrava um espírito de ousadia e raiva. Jovens indo ao encontro da polícia para o confronto direto, quebrando vidraças e bancos e colocando fogo em carros. Com a intensificação das pichações, quebra das fachadas e de fogo, o governo acabou cedendo à demanda dos manifestantes e reviu o valor da passagem de ônibus. Essa vitória espalhou o processo por todo Brasil e a população de 353 cidades foi às ruas para exprimir suas mensagens de protesto em cartazes com as mais diversas reivindicações. Assim, a novidade Black Bloc foi um coadjuvante que fomentou total diferença na intensificação do processo e também aderiu pós violência policial. A indignação mobilizou ainda mais, o que para o jornalista Bruno Paes, parecia um “estouro de boiada”, culminando em mais de um milhão de pessoas no dia 20 de junho de 2013, nas ruas, por todo o Brasil. Várias demandas foram apresentadas e partidos políticos foram expulsos das manifestações. Uma grande diversidade de grupos estava questionando a
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qualidade da democracia, a forma de enxergar e posicionar-se frente aos problemas do país também havia mudado. Entender as razões pelas quais levaram os jovens assumirem tal posição e agiram dessa forma foi fundamental para refletir sobre aquele momento do Brasil. “Os adeptos da tática Black Bloc que passaram a engrossar os protestos queriam colocar seu ódio nas ruas. Mais do que ligada à uma estratégia política como a do MPL, que provocou a queda da tarifa de ônibus, a segunda geração dos adeptos da tática Black Bloc parecia, acima de tudo, interessada em apavorar o sistema” (p.184). Willian Novaes traz a visão dos manifestantes dando voz aos atores desse capítulo histórico, proporcionando aos mesmos a oportunidade de se expressarem e mostrarem a sua verdade perante ao ocorrido. O autor percebe, sobretudo que esses jovens passam despercebidos em meio à multidão quando não estão em confronto direto durante as manifestações. Protegidos por nomes fictícios eles contam suas histórias e trazem a humanização a essas pessoas que poderiam ser alguém que conhecemos. Contam suas razões e o que os impulsionaram a aderir a essa tática. Os depoimentos e entrevistas de sete jovens trazem consigo as mais variadas histórias e vivências que desembocam em um mesmo objetivo, de reivindicar e se fazer ouvir de uma forma bem contundente. “A população dá mais valor para o bem material do que para uma pessoa. Então essa é nossa tática, provocar o debate por meio da quebradeira” (p. 196). Com perfis que oscilam entre a coragem e a timidez, a religiosidade e as filosofias teóricas de grandes pensadores, os privilégios da elite e as mazelas de sofrer preconceito e racismo; eles se partilham da mesma tática para demonstrar suas insatisfações. “Não creio que exista uma revolução sem caos, sem combate. A minha vida transformou com a tática Black Bloc” (p. 252). A última parte refere-se ao caso do Coronel Reynaldo Simões Rossi que foi agredido “a socos, pontapés, golpes com pedaços de madeira e outros meios
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encontrados por adeptos do movimento Black Bloc” (p. 263) no dia 25 de outubro de 2013 na região central de São Paulo. Na entrevista concedida por e-mail, após a autorização do Comando, o coronel responde sobre suas visões sobre a tática e posições da PM frente a alguns questionamentos sobre a truculência policial. Sob um discurso burocrático de linguagem militar, muitas vezes suas respostas foram confundidas com o posicionamento da corporação, mas em síntese, a polícia faz o que pode para proteger a população, mesmo diante da precariedade do sistema. Compreender as várias faces de um fato é ter a responsabilidade com o ocorrido e com a verdade. Toda história é um prisma e tem vários lados. É preciso averiguar cada um deles para que se possa constituir uma análise coerente, munida de todos os argumentos possíveis. A realidade dos Black Bloc foi levada a sério nesses registros e conhecer os atores que fizeram parte do movimento e das manifestações, entender seus motivos e aceitar a importância de suas ações - ainda que julgadas como controversas e dividindo opiniões - é fundamental para construir um pensamento crítico e elaborar a nossa linha do tempo da história de forma fidedigna. O livro se enquadra num caráter jornalístico e a leitura é de fácil leitura. Sua relevância está em proporcionar a oportunidade de conhecer os fatos num contato mais direto possível, sendo uma fonte para futuras pesquisas sobre assunto. Além disso, nos dá mais visões para que possamos avaliar e refletir sobre esses acontecimentos tão significativos que foram as manifestações de 2013. Conhecer nossa realidade é um grande passo para traçar os caminhos do futuro.
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Referências SOLANO, Eshter; MANSO, Bruno Paes; NOVAES, Willian. “Mascarados: A verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc”. São Paulo: Geração Editorial, 2014.
COLABORADORES
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COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Gláucio Ary Dillon Soares é doutor em Sociologia pela Washington University at St Louis Mo. Atualmente é pesquisador sênior nacional do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ). Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Criminologia e em Sociologia Política, atuando principalmente nos seguintes temas: violência, homicídios, democracia e regimes ditatoriais. João Feres Junior é professor do IESP-UERJ e coordenador do Laboratório de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), que produz o website Manchetômetro e do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA). Eduardo Barbabela é graduado em Ciência Política pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, mestre e doutorando em Ciência Política pelo IESPUERJ. Pesquisador do LEMEP. Esther Solano é professora adjunta da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) no curso de Relações Internacionais e professora do mestrado interuniversitário internacional de estudos contemporâneos da américa latina da Universidad Complutense e da pós-graduação lato sensu em conflitos internacionais e globalização da Universidade Federal de São Paulo. É membro do fórum brasileiro de Segurança Pública. Pablo Ortellado é professor doutor do curso de Gestão de Políticas Públicas e orientador no programa de pós-graduação em Estudos Culturais da Universidade de São Paulo. É coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso â Informação (Gpopai) adjunta da Universidade Federal de São Paulo
Em Debate, Belo Horizonte, v.9, n.1, p. 48-49, maio 2017.
COLABORADORES
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Márcio Moretto é professor doutor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades – USP. Tem experiência na área de Ciência da Computação, com ênfae em Segurança da Informação. Guilherme Reis é professor adjunto da Escola de Ciência Política (ECP) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), no mestrado e no bacharelado em Ciência Política. Leciona, também no mestrado em direito com ênfase em políticas públicas na mesma instituição. Angélica Bicego Ferreira é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e bolsista no grupo Opinião Pública. Diana Raffaella Kalazans Ribeiro é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e bolsista no grupo Opinião Pública.
Em Debate, Belo Horizonte, v.9, n.1, p. 48-49, maio 2017.