Revista Em Debate - Abril 2018

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GRUPO DE PESQUISA OPINIÃO PÚBLICA, MARKETING POLÍTICO E COMPORTAMENTO ELEITORAL

Em Debate Periódico de Opinião Pública e Conjuntura Política Missão Publicar artigos e ensaios que debatam a conjuntura política e temas das áreas de opinião pública, marketing político, comportamento eleitoral e partidos.

Coordenação: Helcimara de Souza Telles – UFMG Conselho Editorial Antônio Lavareda – IPESPE Aquilles Magide – UFPE Arthur Leando Alves da Silva - UFPE Cloves Luiz Pereira Oliveira – UFBA Denise Paiva Ferreira – UFG Gabriela Tarouco – UFPE Gustavo Venturi Júnior – USP Helcimara de Souza Telles – UFMG Heloisa Dias Bezerra – UFG Julian Borba – UFSC Letícia Ruiz Rodrigues – Universidad Complutense de Madrid Luciana Fernandes Veiga – UFPR Jornalista Responsável Érica Anita Baptista Equipe Técnica: Angélica Bicego Joscimar Silva Parceria Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas – IPESPE

Luiz Ademir de Oliveira – UFSJ Luiz Cláudio Lourenço – UFBA Malco Braga Camargos – PUC-MINAS Moritz Lohe – Freie Unversität Berlim Paulo Victor Melo – UFMG Pedro Floriano Ribeiro – UFSCar Pedro Santos Mundim – UFG Ricardo Costa – FMU/FIAMFAM Rubens de Toledo Júnior – UNILA Silvana Krause – UFRGS Thiago da Silva Sampaio – UFMG Yan de Souza Carreirão – UFPR

Endereço Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de Ciência Política – DCP Av. Antônio Carlos, 6.627 – Belo Horizonte Minas Gerais – Brasil –CEP:31.270-901 + (55) 31 3409 3823 Email: marketing-politico@uol.com.br Facebook: Grupo Opinião Pública Twitter: @OpPublica As opiniões expressas nos artigos são de inteira responsabilidade dos autores.


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EM DEBATE Periódico de Opinião Pública e Conjuntura Política Ano X, Número I, Abril de 2018 SUMÁRIO Editorial Pesquisando

5-9 10-11

Dossiê:  A direita na rede: mobilização online no impeachment de Dilma Rousseff Claudio Luis de Camargo Penteado, Celina Lerner

12-24

 Democracia de democratas insatisfeitos e a emergência dos Alternative Right (AR)

25-30

Helcimara Telles  O dispositivo pentecostal e a agência dos governados

31-38

Mariana Côrtes  Outro olhar sobre as forças armadas: os grupos de pressão política formados por militares da reserva

39-45

Eduardo Heleno  A tradição do pensamento político na nova hegemonia das direitas: Algumas questões preliminares Fabrício Pereira da Silva Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.3-4, abril 2018.

46-53


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 Interesse, neoliberalismo e cinismo político

54-62

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Opinião  À procura de inspirações para a reforma políticaa brasileira:

visitando

o

sistema

eleitoral

e

o

63-76

financiamento de campanha no regime políticoo alemão Marina Rodrigues Siqueira

Resenha  Tem Saída? Ensaios críticos sobre o Brasil Alessandra Margotti, Pedro Mateus Almeida

77-89

Colaboradores desta edição

90-94

Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.3-4, abril 2018.


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EDITORIAL “Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes”

A presente edição da Revista Em Debate traz uma rica contribuição de ensaios teóricos e fundamentados em resultados de pesquisas sobre “Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes”. Esta edição é fruto de uma parceria do periódico Em Debate com a Associação Brasileira de Ciência Política – Regional Sudeste (ABCP-Sudeste), e inspirado no Seminário “Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes”, realizado pela ABCP-Sudeste e pelo Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (NEAMP) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). O Seminário ocorrido no dia 29 de março de 2018 na PUC-SP contou com participação de diversos pesquisadores de 17 instituições de ensino e pesquisa que debateram, dentre outros, os seguintes temas: A direita nas ruas, redes e o governo Dilma Rousseff (mesa 1); Conservadorismo, novos grupos de direita e religião (mesa 2); A direita nas forças armadas, lideranças e instituições (mesa 3); O pensamento conservador e as Direitas na América Latina e no Brasil (mesa 4). O Seminário contou, ainda, com uma conferência de abertura, proferida pelo professor João Feres Júnior (IESP-UERJ) sobre a genealogia da nova direita brasileira e a genealogia da atual crise da democracia brasileira. Algumas das importantes falas do debate sobre Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes expostas e debatidas nesse Seminário estão reunidas aqui. O artigo de Claudio Penteado, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), intitulado “A direita na rede: mobilização online no impeachment de Dilma Rousseff”, traz uma análise importante sobre diferentes grupos de Direita atuando no Facebook durante o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016. A partir de mineração de dados e análise Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.5-9, abril 2018.


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de redes, utilizando-se de ferramentas e métodos digitais, Penteado nos apresenta a pluralidade de grupos de direita que se entrelaçavam e até se sobrepunham sobre alguns pontos específicos, sendo o de maior destaque o anti-petismo. O autor organiza também uma análise sobre o comportamento desses atores na rede, o que contribui muito para o enriquecimento teórico do campo de estudos em social media e política a partir de pesquisas empíricas. O ensaio de Helcimara Telles, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do grupo Opinião Pública, traz uma densa reflexão tecida a partir de resultados de pesquisas empíricas situando a conjuntura dos novos conservadorismos brasileiros no debate sobre os novos conservadorismos globais, em especial o contexto europeu. Seu texto sobre a relação entre a avaliação da democracia e o desenvolvimento dos Alternative Rights utiliza-se de resultados de pesquisa sobre como a fragilidade das instituições democráticas corrobora para o surgimento, consolidação e atuação dos Alternative Rights. O ensaio contribui com uma síntese teórica e empírica que dá subsídios e respostas avançadas a partir da perspectiva comparativa sobre pouco compreendido fenômeno dos novos conservadorismos no Brasil. Mariana Côrtes, professora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), colabora nesta edição com uma análise sobre a relação mútua entre neopentecostalismo e a governabilidade neoliberal. Com uma nova perspectiva de olhar para o neopentecostalismo, o artigo rejeita as teorias deste como reflexo de um aparente atraso e o analisa enquanto uma das expressões mais contemporâneas das faces da governança neoliberal. Baseando-se principalmente em estudos empíricos sobre a Igreja Universal do Reino de Deus, Mariana Côrtes consegue desenvolver categorias analíticas capazes de lançar compreensão sobre outras denominações e ramificações do pentecostalismo e neopentecostalismo brasileiro. Eduardo Heleno Santos, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), contempla em seu artigo “Outro olhar sobre as forças armadas: os Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.5-9, abril 2018.


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grupos de pressão política formado por militares da reserva” uma importante abordagem sobre a composição dos representantes civis em meio às forças armadas e as estratégias de opinião pública das forças militares. Essa análise lança luz sobre para além das instituições militares, pensando o poder das forças militares bem como seu papel como ator político na opinião pública e na democracia brasileira. O artigo de Fabrício Pereira da Silva, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), situa o conservadorismo brasileiro em sua conjuntura regional latino-americana, ao mesmo tempo em que pensa uma genealogia desse perfil conservador brasileiro através de uma retomada aos clássicos do pensamento político brasileiro e ao mesmo tempo costurando essas interpretações com momentos, fatos históricos e conjunturas. Dessa forma, o artigo carrega com primor um rico convite a compreender as linhagens do conservadorismo brasileiro, ao mesmo tempo em que auxilia o leitor a trilhar passos importantes nesse caminho. No ensaio “Interesse, Neoliberalismo e Cinismo Político”, Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), discute os resultados da radicalização do neoliberalismo impactando a igualdade política, a virtude cívica, o nacionalismo patriótico, da solidariedade e a proteção do ambiente. Numa análise teórica, histórica e de conjunturas, Bresser-Pereira desnuda as faces e os riscos do neoliberalismo mais que como forma econômica, mas suas formas e implicações sociais, políticas e históricas, dentre elas o cinismo político. Na segunda parte desta edição da Revista Em Debate, reflexões riquíssimas em formato de síntese de opinião, resenha, novas descobertas científicas e críticas ilustram preocupações dessa conjuntura contemporânea. Em seu artigo de opinião intitulado “À procura de inspirações para a Reforma Política brasileira: visitando o sistema eleitoral e o financiamento de campanha no regime político alemão”, Marina Siqueira, doutoranda em Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.5-9, abril 2018.


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Ciência Política na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), discute a Reforma Política brasileira a partir do Sistema Eleitoral e de Financiamento de Campanha alemão. Para além de um comparativo entre as duas realidades, Marina Siqueira consegue abstrair e pensar resultados e impactos possíveis de mudanças em sistemas eleitorais. Na resenha do livro “Tem Saída? Ensaios Críticos sobre o Brasil”, organizado por Winnie Bueno, Joanna Burigo, Rosana Pinheiro-Machado e Esther Solano, somos convidados à leitura a partir de uma convidativa degustação. Alessandra Margotti, doutoranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Pedro Almeida, graduando em Ciências Sociais na mesma instituição, além de trazerem uma síntese convidativa de cada capítulo de um livro sobre conjuntura político democrática escrito exclusivamente por mulheres, conseguem também manter viva na resenha o espírito crítico, combativo e provocador. Para concluir esta edição trazemos dois ensaios de Gláucio Soares, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Apaixonado pela ciência e todas suas interfaces, especialmente aquelas que causam impactos diretos na vida dos cidadãos comuns, o professor traz duas importantes reflexões. No primeiro texto “O novo pó que matará milhões”, Gláucio Soares faz uma provocativa reflexão sobre as drogas sintéticas que tem exercido muito mais violência física e agressividade mortal que os clássicos indicadores de violência. No segundo escrito, sob o título de “O crescimento de escritos baseados na globalização”, o autor conclui através de análise computacional de difusão científica na rede de internet que há uma tendência teórica a redução dos trabalhos que retratam a globalização. E nos deixa a provocação do que isso possa significar. Esperamos que esta 1ª Edição do Ano 10 da Revista Em Debate possa ser tão instigante aos nossos leitores e leitoras, quanto é à nossa equipe e aos Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.5-9, abril 2018.


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nossos colaboradores desta edição. Que seja um convite à defesa da democracia, das suas instituições e das suas conquistas!

Joscimar Silva Revista Em Debate Equipe Opinião Pública/UFMG

Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.5-9, abril 2018.


PESQUISANDO GLÁUCIO SOARES O CRESCIMENTO DE ESCRITOS BASEADOS NA GLOBALIZAÇÃO

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O CRESCIMENTO DE ESCRITOS BASEADOS NA GLOBALIZAÇÃO Gláucio Soares Pesquisador do IESP/UERJ soares.glaucio@gmail.com

Nas versões anteriores dessa coluna, vimos que o conceito de desenvolvimento econômico, associado às teorias estruturalistas, associado também a autores, como Prebisch e Celso Furtado, e a subconceitos que compunham a teoria, como substituição de importações, e também a instituições, como a CEPAL, tiveram um percurso semelhante na literatura (usando os Google Books) em diferentes idiomas. Houve algum conceito, ou conjunto de teorias, elaboradas ou não, que ocupasse o vazio deixado pela ênfase à outrance no desenvolvimento econômico constatada nas décadas anteriores? Houve. A partir de meados e do fim da década de 80, houve um crescimento aceleradíssimo de teorias que se baseavam, ou pelo menos incluíam, a globalização. Os ngrams em diferentes idiomas refletem esse crescimento. Os valores absolutos variam muito entre os corpora; por isso usei pesos ao calcular os ngrams para que o leitor possa melhor aquilatar a sincronicidade dessa explosão. Várias teorias – e não somente na economia – passaram a enfatizar a globalização (em Francês chamada de mundialização). O estruturalismo latinoamericano, baseado em conceitos como o crescimento “para dentro” e a “substituição de importações”, entre outros, não conseguia acomodar o Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.10-11, abril 2018.


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PESQUISANDO GLÁUCIO SOARES O CRESCIMENTO DE ESCRITOS BASEADOS NA GLOBALIZAÇÃO

crescimento do comércio mundial, nem as peregrinações do capital, que acabaram por engendrar economias poderosas como a da China e, em grau menor, a da Índia. Não há como testar seriamente a relação entre o decréscimo de um e o crescimento do outro. Teorias causais e teorias de simples ocupação de vazios poderão ser desenvolvidas. Não obstante, uma nota de precaução: uma análise preliminar de dados entre 2000 e 2008 mostra o início do que poderá ser a queda dessa presença forte do pensamento globalizante. Em alguns corpora houve redução dos ngrams. Mais uma “onda” teórica? Com ascensão, auge e queda? Figura 1 - O Crescimento Ultra-rápido da Globalização nos Livros de 1900 a 2000 4,00E-05 3,50E-05 3,00E-05 2,50E-05 2,00E-05 1,50E-05 1,00E-05 5,00E-06

Inglês

Espanhol

Francês

Fonte: Autor (2018).

Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.10-11, abril 2018.

Italiano

Alemão

2000

1996

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1976

1972

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12 CLAUDIO PENTEADO, CELINA LERNER A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF

A DIREITA NA REDE: MOBILIZAÇÃO ONLINE NO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF1 Claudio Luis de Camargo Penteado Professor e pesquisador na UFABC claudio.penteado@ufabc.edu.br Celina Lerner Doutoranda na UFABC celina.lerner@ufabc.edu.br

Resumo: O artigo apresenta uma análise sobre a mobilização online dos grupos de direita

no debate sobre o impeachment de Dilma Rousseff no Facebook. Com o objetivo de descobrir as características desses grupos de direita na rede, o artigo realizou um estudo das comunidades de direita que atuaram diretamente no debate nas redes sociais, por meio da extração e análise de dados do Facebook. Os resultados apontam que existe uma grande variedade de clusters, com diferentes características temáticas e ideológicas, que se articularam em torno da produção de uma narrativa discursiva antipetista. Palavras-chave: Direita na rede; Impeachment Dilma Rousseff; mobilização online; Facebook.

Abstract: The article presents an analysis of the online mobilization of right-wing groups

in the debate on Dilma Rousseff's impeachment on Facebook. With the objective of discovering the characteristics of these right-wing groups in the network, the article carried out a study of the right-wing communities that acted directly in the debate on social networks, through the extraction and analysis of data from Facebook. The results indicate that there is a great variety of clusters, with different thematic and ideological characteristics, that have been articulated around the production of an antipetista discursive narrative. Keywords: Right on the network; Impeachment Dilma Rousseff; online mobilization; Facebook.

Artigo apresentado no seminário "Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes" organizado pela Associação Brasileira de Ciência Política - Regional Sudeste e NEAMP / PUC SP. São Paulo, 29 de março de 2018. 1

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Introdução A eclosão da onda de protestos que tomaram as ruas em junho de 2013 em várias cidades brasileiras chamou a atenção para o poder das mídias sociais como ferramenta de mobilização política e expressão de indignação e esperança (CASTELLS, 2017), como espaço alternativo de produção de informação política (PERUZZO, 2013) e colocando em discussão os modelos emergentes de participação institucional (ROMÃO, 2013). No campo da comunicação política, o uso das redes sociais já havia se destacado a partir da campanha digital vitoriosa Obama em 2008, principalmente pela arrecadação online e o engajamento de jovens por meio das redes sociais. A campanha de Obama não foi a primeira a usar os recursos, mas a repercussão alcançada criou um novo paradigma de marketing político digital, que passou a dar maior destaque para o uso das redes sociais (GOMES et al., 2009). No Brasil, as Jornadas de junho de 2013 despertaram a atenção da Ciências Sociais e da sociedade em geral para a importância das redes sociais dentro do atual contexto social de crise de representação e a emergência de novas formas de mobilização e expressão política (GOHN, 2014; MARICATO et al., 2013; SINGER, 2013). A arquitetura em rede distribuída da internet e a popularização das redes sociais possibilitou que diversos grupos, organizações, coletivos e pessoas utilizarem as redes sociais para expressarem e compartilharem suas posições políticas de diferentes matizes ideológicas. As manifestações que tiveram início com um protesto contra o aumento da tarifa na cidade de São Paulo, se espalharam pelo país aglutinando novas demandas e pautas (SINGER, 2013), e um deslocamento discursivo em direção a valores conservadores (JARDIM PINTO, 2017).

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Nas eleições de 2014 às redes sociais foram um espaço para o embate não somente entre as campanhas, mas também entre os eleitores e militantes. A campanha de 2014 foi marcada pela radicalização ideológica entre direita e esquerda (CHAIA, BRUGNAGO, 2014), expressões de ódio (WAINBERG, MILLER, 2017) e um clima hostil contra Dilma Rousseff em sua campanha de reeleição (PENTEADO et al., 2014). As redes sociais também foram um importante espaço e ferramenta de mobilização dos grupos em favor do impeachment de Dilma Rousseff, recém eleita em 2014 por uma pequena margem de votos, nos anos de 2015 e 2016 (DE FRANÇA et al., 2018a; PENTEADO, GUERBALI, 2016). ordem alfabética A mobilização online em prol do impeachment, principalmente pelo uso de mídias sociais, teve a importância participação de grupos políticos de direita emergentes como Movimento Brasil Livre (MBL) e o VemPraRua, assim como outros perfis de direita já com grande visibilidade dentro das redes sociais como Movimento Contra a Corrupção e o Revoltados Online. O movimento pró impeachment também contou com o apoio de partidos políticos da oposição ao governo petista, de segmentos da mídia (grandes empresas de comunicação, jornalistas, grupos de mídia online e celebridades), grupos conservadores e militaristas como o Força Patriótica - Comando Nacional de Caça aos Corruptos e alguns a favores da intervenção militar na divulgação de conteúdos antipetista e anticomunista na sua rede. O MBL é um grupo político que se caracteriza pelo rápido crescimento de seguidores dentro das redes sociais2. Fundado em novembro de 2014, o MBL está associado a organização Estudantes Pela Liberdade e defesa de Há rumores que o MBL recebeu apoio financeiro de grupos de think tanks conservadores americanos e empresários nacionais. Reportagem publicada pela Agência Pública em 23/06/2015. Disponível em: <https://apublica.org/2015/06/a-nova-roupa-da-direita/> 2

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valores e ideais liberais e um posicionamento antipetista (SILVA, 2016). Suas lideranças são formadas por jovens com grande capacidade de comunicação nas mídias sociais e com trânsito no meio político tradicional. Nas eleições municipais de 2016, algumas das lideranças foram eleitas vereadores, com expressivas votações, por diferentes legendas (DEM, PSDB, PRB e PV). Após o impeachment o grupo começa a defender pautas conservadoras como o projeto Escola Sem Partido e censura à expressões artísticas como a exposição “Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”. O VemPraRua é um grupo que se apropriou de um dos gritos de ordem das Jornadas de Junho de 2013. Criado também no fim de 2014 (outubro de 2014), o VemPraRua se autodenomina como um movimento suprapartidário que atua na mobilização política, principalmente com o discurso de luta contra a corrupção e valores liberais. O perfil do Revoltados On Line (ROL) no Facebook, um dos mais populares durante os protestos do impeachment, foi suspenso em agosto de 2016 (dia do afastamento de Dilma Rousseff). Liderado por Marcello Reis, o ROL ganhou destaque desde as manifestações de 2013 e se caracterizou por publicar conteúdos de críticas radicais ao PT, principalmente contra Lula. Ainda busca atuar nas mídias sociais com vídeos com a tag #LulaNaCadeia para o YouTube, contudo não alcança a mesma popularidade da época da página do Facebook3. O Movimento Contra a Corrupção (MCC) tem início em janeiro de 2013. Como indica um dos seus fundadores, Ernani Fernandes4, o MCC tem Informações extraídas da reportagem publicada em 26/05/2017 na Revista <http://www.contracorrupcao.org/2013/05/por-que-lutar-contra-corrupcao.html> Piauí: <http://piaui.folha.uol.com.br/o-ostracismo-do-maior-revoltado-online/>. Acesso em 19/02/2018. 4 Entrevista de Ernani Fernandes está disponível em: <http://www.contracorrupcao.org/2013/05/por-que-lutar-contra-corrupcao.html>. Acesso em 23/02/2018. 3

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o objetivo de produzir informações para combater a corrupção e conseguir mobilizar a população na “luta contra a corrupção”. Com forte crítica aos grupos de esquerda na política, principalmente contra o PT, suas publicações no Facebook também fazem apologia ao juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava-Jato. As empresas de mídia, tradicional e alternativa, assim como jornalistas (blogueiros e twiteiros) tiveram um papel importante na difusão de conteúdos, principalmente em favor do impeachment dentro das redes sociais (DE FRANÇA et al., 2018B). As celebridades, favoráveis ao impeachment, também tiveram um importante papel na difusão de informações (PENTEADO, GUERBALI, 2016). Por possuírem um número grande de seguidores, suas publicações possuem grande capacidade de difusão e influência. Os grupos organizadores dos protestos utilizaram em seus feeds publicações e declarações de celebridades para ajudar na mobilização das manifestações. As manifestações em favor do impeachment de Dilma Rousseff ainda contaram com a participação de grupos e perfis defensores da intervenção militar, com a apresentação de faixas e gritos de ordem. Segundo a pesquisa de Pimentel Junior (2015), sobre o perfil e as motivações dos participantes das manifestações de março e abril de 2015 na cidade de São Paulo, 36% das pessoas eram favoráveis ao impeachment e a intervenção militar. Um dos grupos favoráveis a intervenção militar que se destaca dentro das redes sociais é o Força Patriótica - Comando Nacional de Caça aos Corruptos. Com publicação de conteúdos ligados a temas militares, discurso de ordem e referências a valores liberais. Como aponta Telles (2015, p. 38), a “nova direita” se caracteriza por um discurso antipartidário e antipetista, e “encontrou nas mídias sociais um

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espaço para expandir sua clientela”. Com o objetivo de descobrir quais são as características da atuação desses grupos de direita na rede, o artigo apresenta um estudo dos clusters de direita que atuaram diretamente no debate nas redes sociais, mais especificamente no Facebook (rede social mais popular no Brasil), durante o impeachment de Dilma Rousseff. Por meio da extração e análise de dados do Facebook, detalhado abaixo, o artigo apresenta e analisa as principais comunidades que atuaram no debate online em prol do impeachment.

Comunidades de direita no Impeachment de Dilma Rousseff Inicialmente identificamos as páginas públicas do Facebook dedicadas à defesa do Impeachment de Dilma Rousseff através da busca por palavraschave: Impeachment Dilma, Fora Dilma, Fora PT, Fora Lula, Contra corrupção, Tchau querida e outras. As buscas com a aplicativo Netvizz (RIEDER, 2013) retornaram mais de 1.500 páginas. Filtramos as páginas com um mínimo de 20 mil fãs, resultando num grupo de 63 páginas pró-impeachment5. A partir destes dados, montamos a rede de páginas curtidas por essas 63 páginas iniciais e as páginas curtidas por aquelas com o programa Gephi (BASTIAN et al., 2009). Aplicamos algoritmos de espacialização (JACOMY et al, 2014) e de detecção de comunidades (BLONDEL et al, 2008; LAMBIOTTE et al, 2009) e excluímos as comunidades não relacionadas à defesa do impeachment. O resultado é a rede representada na figura 1, com quase 6 mil nós (páginas) e mais de 40 mil arestas (curtidas entre as páginas). Figura 1 - Rede páginas pró-impeachment de Dilma Rousseff no Facebook

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Os dados para esta pesquisa foram colhidos em agosto de 2017.

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Fonte: Autores (2018).

As comunidades identificadas estão marcadas em cores distintas. No centro da rede, em azul, com 496 páginas, estão páginas identificadas com pautas da direita conservadora. As páginas de maior centralidade6 desta comunidade são: Jair Messias Bolsonaro; Olavo de Carvalho; Danilo Gentili; Canal da Direita; FORA Corrupção; Direita Conservadora; Direita Vive 3.0; Campanha do Armamento; Eduardo Bolsonaro; e Reinaldo Azevedo. À esquerda, estão as comunidades verde claro e verde escuro. Em escuro, páginas ligadas às forças armadas e, em verde claro, páginas de caráter punitivista, em especial com relação ao PT e à Lula. As duas comunidades são puxadas pela página Conacc - Comando Nacional de Caça aos Corruptos, que tem um comportamento bastante anômalo tendo curtido sozinha mais de

Centralidade é uma medida de importância de um vértice em um grafo. Em análises de rede, existem diferentes tipos de medidas de centralidade. Nos referimos aqui à centralidade de grau indegree, isto é, o número de ligações direcionadas para o nó. Em outras palavras, os nós com maior centralidade representam as páginas que receberam mais curtidas dentro da rede. 6

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2 mil páginas. De toda forma, há várias ligações entre páginas da comunidade azul e as duas comunidades verdes. À direita e na parte inferior do gráfico está a comunidade roxa, também com forte ligação com a comunidade azul. Com 381 nós, ela concentra páginas ligadas principalmente aos ideais liberais. As páginas de maior centralidade são: MBL - Movimento Brasil Livre; Instituto Mises Brasil; Paulo Eduardo Martins; O Reacionário; Marcel van Hattem; Implicante; SFLB Students For Liberty Brasil; Movimento Endireita Brasil; Socialista de iPhone; e La Banda Loka Liberal. Logo acima, está a comunidade turquesa, com 431 páginas relacionadas ao movimento Vem Pra Rua. A página nacional VemPraRua Brasil - é a página de maior centralidade, seguida pela página O Antagonista, do blog de ex-jornalistas da Veja, e por várias páginas locais do Vem Pra Rua. Figura 2 - Detalhe da Rede páginas pró-impeachment de Dilma Rousseff no Facebook. O tamanho maior dos títulos indica a maior centralidade (indegree) da página na rede.

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Fonte: Autores (2018)

Em rosa, na parte superior da rede, a maior comunidade com 810 páginas reúne veículos de imprensa tradicional como VEJA, Folha de S.Paulo, O Globo, Exame, Época e Portal R7, além de políticos ligados, principalmente ao partido DEM, como Ronaldo Caiado e Onyx Lorenzoni. Logo acima, está o grupo amarelo, com 404 páginas e forte ligação ao PSDB. As páginas de maior centralidade são: Aécio Neves, PSDB, Álvaro Dias, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Geraldo Alckmin, Carlos Sampaio, Aloysio Nunes Ferreira, Conversa com os Brasileiros e Observador Político. A esquerda desses agrupamentos e mais ao centro do gráfico está a comunidade laranja, com 359 páginas, relacionadas ao MCC - Movimento Contra Corrupção. Além da página do movimento, as de maior centralidade são: Juventude Contra Corrupção, Movimento Contra Corrupção - São Paulo, Dia do Basta, NasRuas e Política na Rede. Destaca-se também na comunidade laranja a presença de veículos próprios das mídias digitais e aparentemente

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não ligados a grandes empresas como Folha Política e TV Revolta. Há forte ligação entre a comunidade laranja e a comunidade verde claro. Comentários gerais sobre os resultados Os dados encontrados ilustram que os grupos que atuaram dentro do debate em favor do impeachment de Dilma Rousseff no Facebook é composto por diferentes comunidades (cada qual com seu viés específico), mas que se interligam e em alguns casos até se sobrepõem. Os diversos grupos mostram uma coesão (a formação de uma rede) pois têm o mesmo objetivo político: o afastamento de Dilma Rousseff. Muitas páginas identificadas são responsáveis pela conexão entre as comunidades, por exemplo, a página de Jair Bolsonaro tem maior popularidade na comunidade da direita conservadora, contudo também possui conexões com as comunidades do Exército e da direita com discurso “punitivista”. Os dados também ilustram que existe uma forte densidade entre as comunidades da direita conservadora (que de certa forma serviu como referência ideológica para os demais clusters da direita), as páginas ligadas aos grupos militares (aqui identificados como exército), a comunidade punitivista e a comunidade liberal (agrupado em torno do MBL). A figura também indica que existe maior proximidade entre os clusters do VemPraRua, com as páginas de mídia, políticos da oposição (principalmente PSDB e DEM) e a comunidade das páginas contra a corrupção. A figura 2 ajuda, ainda, a identificar as páginas que tiveram maior centralidade: Exército Brasileiro, Jair Bolsonaro, MBL, Veja, Folha de São Paulo, Aécio Neves, Movimento Contra a Corrupção, Estadão, VemPraRua e Olavo de Carvalho. Essa variedade de perfis permite verificar que os

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principais nós da rede da direita reúnem páginas diversas que variam desde políticos tradicionais (Aécio Neves), políticos representantes do setor conservador e militar (Jair Bolsonaro), novos grupos de direita (MBL, MCC e VemPraRua), ideólogos de direita (Olavo de Carvalho) e a mídia tradicional (Veja, Folha SP e Estadão).

Considerações finais A direita nas redes sociais de internet conseguiu mobilizar diferentes setores e segmentos da sociedade durante os protestos contra Dilma Rousseff nos anos de 2015 e 2016. Como aponta Castells (2013), o poder na sociedade em rede é o poder da comunicação, isto é, os grupos de direita, com diferentes matizes, conseguiram programar as diferentes comunidades com a produção de conteúdos que conseguiram tecer uma narrativa que associou as investigações de corrupção ligadas à Lava-jato com o governo petista e direcionar os protestos para pressionar em favor do impeachment. A rede de direita se caracteriza por conseguir estabelecer conexões com diferentes setores da sociedade, com celebridades, setores e atores da mídia tradicional e apoio de empresários, criando condições para a ampliação do poder mobilização política e de recursos. A direita na rede que atuou no debate político do impeachment também conseguiu se articular em torno de uma identidade anti PT, anti Corrupção e anti Comunismo. A produção do discurso que conseguiu associar o Partido dos Trabalhadores com a corrupção e os “perigos do comunismo”, permitiu formar uma frente ampla de direita que se articulou na construção de uma identidade de um “nós” (cidadãos de bem) em oposição a “eles” (esquerda, petistas, comunistas). Como indica Mouffe (2005) em sua

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construção teórica de seu modelo de democracia agonística, o político, em sua essência passional e conflitiva, inerente às relações humanas, se estabelece pela distinção discursiva da criação de um nós em oposição a eles. Assim, a rede de direita conseguiu agrupar em torno de si perfis e páginas com posicionamentos políticos, sociais e ideológicos diferenciados, mas agrupados em uma “identidade de direita” na luta para “tirar o PT do poder”. O referencial de network analysis (PORTUGAL, 2007) ainda permite destacar que a rede de direita no Facebook se caracteriza pela existência de alguns nós, que por seu capital social (dentro e fora da internet), ajudaram a produção do discurso e, principalmente, na difusão de uma interpretação de uma conjuntura específica. A presença da mídia tradicional na rede, demonstra que esta também teve um papel central: na produção de conteúdos que alimentaram a construção da narrativa; na divulgação e mobilização para os eventos de protesto; e na validação da perspectiva que criminalização do PT expressa em suas reportagens e análises. Com o afastamento de Dilma Rousseff em 2016, a direita nas redes perde seu elemento unificador (identidade). Os grupos políticos rumam por caminhos diferentes e mostram sua fragmentação temática e ideológica, assim como contradições. Alguns actantes importantes da rede perdem a centralidade, outros migram dentro das comunidades para se realinhar a uma nova conjuntura. Essa fragmentação deve ser expressa na formação das chapas presidenciais para as eleições de 2018, principalmente se Lula não puder ser candidato à presidência.

Referências

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25 HELCIMARA TELLES DEMOCRACIA DE DEMOCRATAS INSATISFEITOS E A EMERGÊNCIA DOS ALTERNATIVE RIGHT (AR)

DEMOCRACIA DE DEMOCRATAS INSATISFEITOS E A EMERGÊNCIA DOS

ALTERNATIVE RIGHT (AR)1 Helcimara Telles Professora e pesquisadora na UFMG mara-telles@uol.com.br

Resumo: O presente artigo parte do descontentamento e desafeição à democracia apontando para o

crescimento de partidos insurgentes, analisando, assim, suas características e efeitos emergentes de uma política predominantemente radical. Além disso, pondera sobre o avanço de movimentos de outsiders que se expandiram através da internet, definidos como alternative right (AR) e indaga os limites das lideranças e instituições brasileiras acerca da expressão institucional desta nova força. Palavras-chave: partidos insurgentes; alternative right; ar; democratas insatisfeitos; direita radical.

Abstract: The present article starts from the discontent and disaffection to the democracy pointing to the

growth of insurgent parties, analyzing, their characteristics and emerging effects from a predominantly radical politics. In addition, there is the weighting about the progress of outsiders' movements that have expanded through the internet, defined as alternative right (AR), and investigates the limits of Brazilian leadership and institutions about the institutional expression of this new force. Keywords: insurgent parties; alternative right; ar; Democrats dissatisfied; radical right.

A literatura mais recente demonstra o crescimento da corrosão da confiança do público nas instituições políticas democráticas. Trata-se de um fenômeno que tem atingido diversas democracias, inclusive as mais consolidadas, o que tem sido denominado como democracia

de democratas insatisfeitos. Quais os impactos do descontentamento e a desafeição à democracia pode ter sobre a estabilidade dos regimes democráticos? E ainda, a insatisfação com a democracia pode ameaçar o seu funcionamento? Alguns cientistas consideram que a insatisfação não se constitui em um problema para a estabilidade democrática, uma vez 1

Artigo apresentado no seminário "Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes" organizado pela Associação Brasileira de Ciência Política - Regional Sudeste e NEAMP / PUC SP. São Paulo, 29 de março de 2018. Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.25-30, abril 2018.


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que as críticas a ela podem ser reduzidas em função da ação das lideranças e da força das instituições, que estariam aptas e fortalecidas para barrar os movimentos dos grupos autoritários ou dos democratas ambivalentes, e prover as demandas dos cidadãos por maior qualidade da democracia e das políticas públicas. Contudo, é inegável que existe um crescimento de grupos que se insurgem contra o sistema político e que passaram a controlar agendas nacionais e internacionais. Em toda a Europa, a elite política está sendo questionada pelos novos partidos menores e ágeis, de ideologias de esquerda e de direita, que têm conseguido forçar mudanças na agenda da União Europeia, além de influenciarem os partidos convencionais a adotar suas posições. A decisão dos britânicos de abandonar a União Europeia, cujo plebiscito foi organizado pela nacionalista UKIP, é uma manifestação das forças anti-establishment. Os partidos não convencionais estão ganhando assentos em governos locais, regionais, nacionais e europeus, e questionando as posições dos grupos políticos tradicionais sobre a forma de legislar. Eles têm representação, desempenham funções em governos de inúmeros estados membros da União Europeia e possuem centenas de assentos em parlamentos. O Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR) identificou 45 partidos insurgentes, sendo 27 deles de “direita radical”. Dessemelhante dos partidos nazistas, vistos como “patológicos”, a direita radical seria sintoma de uma malaise democrática – crise de confiança na democracia representativa. Uma característica básica dos partidos de direita radical é sua retórica antissistema. O núcleo desta família ideológica deve ser definido por duas características: a xenofobia etno-nacionalista e o populismo anti-establishment. Rotulados como alternativa à direita, populistas, extrema direita, fascista, protesto das

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organizações de base, eles são partidos autoritários, têm posicionamento anti-pluralista, rechaçam a democracia liberal e não podem ser classificados a partir de uma clivagem econômica, porque a ênfase que dão ao papel do Estado pode variar entre eles do liberalismo econômico a um Estado forte. Em termos programáticos, estas formações em geral são céticas sobre a União Europeia (eurocepticismo), críticos em relação aos Estados Unidos, mas menos críticos em relação à Rússia. Em geral eles são favoráveis a limitar a imigração e a sair da União Europeia. Além disso, preferem fronteiras fechadas, imigração escassa e protecionismo comercial. O quanto e como influem? As principais alavancas de influência são a sua capacidade de gerar debates na mídia em vez de trabalhar a partir das instituições. Estas formações não são todas semelhantes, muito embora a questão da migração seja o elemento que mais os unifique e, além do eurocepticismo ser outro dos pilares ideológicos da direita radical europeia. Contudo, suas condutas dentro do Parlamento Europeu nem sempre são coesas e a falta de unidade dentro do Parlamento Europeu fornece evidências de pouca coesão em suas estratégias e débeis laços de organização transnacional. Por sua descrença nos políticos tradicionais usam o populismo para criticar as elites e “castas” e “devolver o poder ao povo" através da democracia direta. As estratégias utilizadas são o uso das mídias e redes sociais, a pressão popular e cargos políticos que ocupam para forçar referendos nacionais sobre questões que anteriormente estavam sob o controle dos governos. Eles são mais enraizados na sociedade do que ocupam cargos públicos. Em consequência, são excluídos dos recursos públicos, que consistem principalmente de financiamento estatal, mais disponível aos partidos cartel. Os partidos da direita radical estão cientes

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das vantagens que têm com a representação institucional em parlamentos, pois o financiamento público tornou-se importante para a sobrevivência

dos

partidos

na

contemporaneidade.

Direta

ou

indiretamente, participar da vida institucional é um grande negócio para a sobrevivência financeira e organizacional dos pequenos partidos radicais. Por que emerge a direita radical? A direita radical é dividida em uma infinidade de posições e preferências políticas e antagonismo político. Seus fundamentos ideológicos e programáticos e as suas características organizacionais são tão diversos que é complicado difícil agrupá-las sob um nome distinto de uma família de partidos. Estas formações surgiram a partir das alterações do clima da política: insatisfação com os partidos, sobretudo os de matriz de esquerda, acusados de não representarem as demandas sociais; a cartelização dos partidos tradicionais, que fracassam em sua função de representação e que enfatizam a função de recrutamento de elites e participação em governos.

Além disso, a própria proposta da União Europeia e a

globalização, que desfez as identidades, teve como consequência um movimento de “retorno às identidades”, o nacionalismo, e o medo da “invasão” de valores não europeus, gerando a islamofobia. Após o resultado das eleições alemãs, na qual a direita e a social democracia perderam territórios eleitorais importantes, ficam mais fortes duas hipóteses explicativas (e alternativas) para o crescimento da direita radical: uma primeira tem o seu foco nas características dos partidos (ofertas), a outra se concentra no perfil dos eleitores. A primeira explicação argumenta que a convergência (ou indiferenciação) dos partidos social democratas e dos conservadores moderados, assim como o longo período de governo destes últimos, encorajou os eleitores a abandonar a sua fidelidade aos partidos conservadores estabelecidos.

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Para outros, ao contrário, é a radicalização política e a polarização do sistema partidário que explica a emergência da extrema-direita. Os partidos radicais seriam efeito da "revolução pós-materialista". Isso significa que a adoção de temas pós-materialistas pelos partidos, ao invés de terem levado gradualmente ao "progressismo", teriam impactos neoconservadores do ponto de vista político-cultural (retorno de valores tradicionais como ordem, família, Estado forte) e econômico (crítica do Estado de Bem-Estar, individualismo, elogio da empresa), assim como uma “direitização” dos partidos conservadores. Combinam-se duas explicações para o crescimento da direita radical:

a polarização crescente a partir de 1945, um processo de

convergência dos partidos dominantes no período e a “cartelização dos partidos”, cada vez mais afastados da função de “representar” e mais aptos para apenas “governar”. Os últimos resultados na França, Espanha e Alemanha - fracasso eleitoral histórico dos sociais democratas -, indicam uma “onda” em direção a um populismo do tipo autoritário. Não se pode desconsiderar que o patriotismo, a identidade e o nativismo – o exclusivismo da Nação, que exclui outros grupos -, são fortes elementos discursivos destas formações, o que se pode notar nas campanhas da AFP, que obteve um resultado inédito na Alemanha em 24 de setembro, combinando patriotismo, islamofobia e desejo de segurança. Os eleitores destes partidos podem ser cunhados como os “perdedores da globalização”. Historicamente, na construção dos regimes autoritários, o binômio “lei e ordem” foi fundamental para dar legitimidade e criar adesão e cooperação com regimes totalitários, como o Nazismo. Na “Front Nacional” francesa, o discurso xenófobo e racista foi afastado e, em seu lugar, foi inserido o eixo “lei e ordem” como justificativa

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racionalizada de “segurança”. A FN se aproximou mais do cidadão médio, que recusa o racismo e ofereceu uma justificativa para aderir à FN. Segurança e “soberanismo radical” têm sido a base da extrema direita, assim como o “populismo autoritário”. A “segurança” – física ou simbólica (segurança de bens imateriais, como a cultura e os valores, por exemplo) é fundamental para o Nativismo que caracteriza a direita radical europeia.

Alternative Right (AR) - Falamos muito da associação entre direita radical e outsiders para nos referirmos a pessoas da direita radical que podem “entrar” no sistema político com discursos populistas e sem capital político. Os outsiders são uma referência ao recrutamento de novos quadros políticos fora das elites tradicionais. Mas, existem os outsiders sociais, que são fundamentais para o entendimento do pensamento da direita radical. Eles são os “marginais sociais” - grupos que não seguem os valores propostos. Outro tema é o da segurança, pois o reforço ao Estado policial foi fundamental para os regimes autoritários e totalitários. Além do consenso e da tolerância para a limpeza dos social outsiders, outro elemento para garantir a política de varredura e de eugenia no nazismo foi a ascensão da polícia à custa do Estado de Direito para realizar ações contra os “criminosos”. Cada vez mais foram aumentando os poderes da Polícia, sem qualquer referência aos tribunais. Recentemente a literatura cunhou o termo Alt-Right (AR) para denominar movimentos que se expandiram através da Internet. Os AR cresceram junto aos jovens por usarem de uma linguagem adequada a estes grupos, na forma de memes produzidos por profissionais. A sua ascensão ocorre durante o Brexit e atinge seu apogeu na campanha de Trump. Atacam a esquerda e os liberais, de forma geral, são racistas e

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anti-multiculturalismo. Além do extremo nacionalismo e xenofobia, há um aspecto específico nesta “ideologia”: a “Masculinidade”. O movimento vem atraindo mais os homens que as mulheres, especialmente por ser antifeminista. O movimento se caracteriza também por defender a radical liberdade de expressão e são contra qualquer “censura”. Isso significa que se pode encontrar um AR por aí na Internet disseminando discursos de ódios e justificando isso como “defesa da liberdade de expressão”. O AR é irracional, dogmático e combate a ciência (e a universidade). Na realidade, os AR negam qualquer verdade verificável - por isso são dogmáticos. Não adianta demonstrar que algumas de suas afirmativas são “pós-verdade”, pois eles agem pela fé e movidos por suas crenças. Assim, podem relativizar tudo e contestam até mesmo a existência de ditaduras e reinterpretam os fenômenos sem sustentação científica ou factual, do tipo “Nazismo é Esquerda, Ditadura no Brasil nunca existiu”. Mas, muito embora desinformados, os AR recrutam seu exército entre os mais escolarizados. O AR é um fenômeno online, surgido depois dos NEOCON e seu foco é o “nacionalismo branco”. E, o que permitiu sua emergência? A globalização que retirou a "identidade" da pauta, a perda da soberania dos Estados Nacionais, os limites enfrentados pela socialdemocracia e para manter o Estado de Bem-Estar, além do sequestro dos Estados pelas corporações explicam muito os AR, que criticam o sistema político, propõem devolver a “democracia ao povo” e se consideram numa cruzada contra os “politicamente corretos”, leia-se, contra os direitos civis e minorias. É uma reação total e radical aos direitos. O ethos discursivo bolsonariano possui muito dos elementos da direita radical, ideologia trasladada para os trópicos com novos Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.25-30, abril 2018.


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elementos. Mas não se trata de um grupo nazista. Os nazistas eram considerados uma patologia, a direita radical é explicada como um sintoma da malaise democrática, que supõe uma crise de confiança nas democracias representativas em um contexto de globalização econômica. Contudo, este mal-estar iniciado na Europa transbordou para as Américas e Trump foi eleito Presidente dos Estados Unidos. O Brasil já está no caminho de expressar institucionalmente a extrema direita e ela agora já tem o seu líder. Resta saber se as lideranças e as instituições brasileiras, absolutamente fragilizadas, num período de crise institucional, caos social, insatisfação com a democracia e sob um governo fraco, terão capacidade de reduzir o peso da expressão institucional desta nova força, uma vez que ela já existe em parcelas cada vez mais significativas da opinião pública brasileira.

Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.25-30, abril 2018.


31 MARIANA CÔRTES O DISPOSITIVO PENTECOSTAL E A AGÊNCIA DOS GOVERNADOS

O DISPOSITIVO PENTECOSTAL E A AGÊNCIA DOS GOVERNADOS1 Mariana Cortês Pesquisadora e Professora da UFU marianampcortes@gmail.com Resumo: O presente ensaio-síntese pretende analisar a relação entre o pentecostalismo e a chamada “onda conservadora” no Brasil a partir da relação entre o estabelecimento de uma governamentalidade neoliberal que governa a partir de recortes das populações marginais e a criação de um dispositivo pentecostal que gere os sujeitos periféricos segundo critérios de vulnerabilidade e perigo. Palavras-chave: Neoliberalismo; pentecostalismo; governamentalidade; dispositivo.

Abstract: The present essay-synthesis intends to analyze the relationship between Pentecostalism and the

so-called "conservative wave" in Brazil from the relationship between the establishment of a neoliberal governmentality that governs from cuts of the marginal populations and the creation of a pentecostal device that generates the peripheral subjects according to criteria of vulnerability and danger. Keywords: Neoliberalism; Pentecostalism; governmentality; device.

Ronaldo de Almeida (2017) propôs um mapeamento do que tem sido denominado de “onda conservadora” e sua relativa ascensão em anos recentes no Brasil. Reconhecendo a imprecisão do termo e a dificuldade de se definir, do ponto de vista metodológico, o que é exatamente o conservadorismo, o autor, contudo, delineia as linhas de força que o atravessam e tenta situar o papel da Frente Parlamentar Evangélica nesse processo. O sociólogo reconhece quatro frentes de atuação da Bancada Evangélica no Congresso Nacional: 1) econômica, com agenda liberal de valorização da disposição empreendedora e do mérito individual e rejeição da políticas redistributivas de transferência de renda; 2) moral, com proposta ativa de regulação dos comportamentos, corpos e vínculos primários e recusa clara das reivindicações dos direitos à diferença de grupos minoritários; 3) securitária,

1

Artigo apresentado no seminário "Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes" organizado pela Associação Brasileira de Ciência Política - Regional Sudeste e NEAMP / PUC SP. São Paulo, 29 de março de 2018. Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.31-38, abril 2018.


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com demanda por radicalização das ações punitivas dos aparelhos de segurança do Estado; 4) interacional, com o impacto que a polarização política entre “direita” e “esquerda” produziu nas relações interpessoais ao gerar um acirramento dos afetos. Das quatro dimensões analisadas por Ronaldo de Almeida (2017), o conservadorismo moral da bancada evangélica talvez seja o que tenha mais chamado a atenção da produção acadêmica sobre o tema (MACHADO, 2017; MARIANO, 2016). Contudo, para os fins desse ensaiosíntese, gostaria de analisar a dimensão propriamente econômica do chamado conservadorismo evangélico. Em outros termos, gostaria de propor uma reflexão sobre as afinidades eletivas entre o pentecostalismo (mais especificamente, o neopentecostalismo) e o neoliberalismo. Para compreender a relação entre ambos, faz-se necessário analisar o deslocamento da questão social no Brasil contemporâneo a partir da perspectiva das populações marginais, que compõem as camadas portadoras por excelência do pentecostalismo. O contexto da redemocratização, durante os anos 1980, foram marcados por movimentos sociais que lutaram por direitos sociais e a concretização do sonho de construção de uma cidadania universal. Contudo, na década de 1990, a difusão do fatalismo neoliberal e o fim da “hipótese superadora” (TELLES, 2010) produziram resultados dramáticos na vida dos habitantes das periferias das grandes cidades. Observou-se a emergência de uma nova configuração societária nas periferias das grandes cidades, principalmente para o contexto de São Paulo: a estabilidade do emprego fordista cedeu lugar ao desemprego ou ao subemprego precário; o mundo do crime tornou-se uma alternativa sedutora para jovens que viram suas perspectivas de futuro fraturadas; os setores progressistas da Igreja Católica saíram de cena ao passo que proliferaram igrejas pentecostais que prometiam a libertação do mal por meio da expulsão de demônios e a conquista da prosperidade (FELTRAN, 2007). Diante da perplexidade da dissolução de

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uma promessa de constituição de uma sociedade mais democrática, justa e igual, as análises de parte dos autores das ciências sociais durante os anos 1990 enfatizavam a potência destruidora do neoliberalismo – o “desmanche” neoliberal (SCHWARZ, 1999) havia criado um clima de “terra arrasada”. Contudo, durante os anos 2000, começou-se a se suspeitar de que o neoliberalismo não operava apenas por meio da destruição, não era possível interpretá-lo somente sob a perspectiva do que ele desmontava (no caso do Brasil, muito mais um projeto ideado do que uma realidade concreta), mas também sob o ponto de vista do que ele criava. Desse modo, o que estava acontecendo não poderia exclusivamente ser descrito como um desmanche. Os processos em curso indicavam a criação de uma nova tecnologia de poder, uma nova racionalidade governamental. Portanto, o neoliberalismo não é simplesmente uma ideologia da meritocracia que mascara a intensificação da exploração do trabalho sob o capitalismo flexível, ou um conjunto de políticas econômicas, que incluem a austeridade fiscal, o corte nos gastos públicos, o enxugamento do Estado, a dissolução de direitos sociais, a privatização de serviços públicos, a flexibilização das relações de trabalho. O neoliberalismo, nesse sentido, não pode ser entendido apenas como ideologia ou política econômica. Trata-se disso, mas não apenas. Na esteira dos estudos de Michel Foucault (2008a; 2008b) e do trabalho de Christian Laval e Pierre Dardot (2016), pode-se pensar o neoliberalismo como uma nova modalidade de governamentalidade, ou seja, uma forma emergente de conduzir a conduta dos indivíduos. A arte de governar neoliberal não visa direcionar o povo rumo a um telos civilizatório ou a uma escatologia emancipatória. Não quer planificar um povo, mas administrar uma população (FOUCAULT, 2008a; 2008b). O neoliberalismo gere a população não como um bloco homogêneo que deve ser direcionado por um plano que foi previamente traçado, mas por cesuras biopolíticas diferenciais. Com a

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derrocada do horizonte do universalismo da cidadania, institui-se um governo seletivo que produz recortes nos sujeitos que habitam as margens, conforme parâmetros de vulnerabilidade e perigo (FELTRAN, 2014). Desse modo, estabelece-se uma relação entre o Estado e suas margens, pois os próprios sujeitos moradores das periferias passam, segundo os critérios a partir dos quais foram recortados (pobres, carentes, precários, vulneráveis, perigosos, sofridos, jovens em conflito com a lei, mulheres vítimas de violência doméstica, adolescentes grávidas, catadores de lixo, viciados em craque), a criar dispositivos de gestão de seus dramas cotidianos, que foram, por sua vez, previamente nomeados, classificados, catalogados por um governo que só funciona por meio de cesuras biopolíticas. Com isso estamos em condições de decifrar uma das estratégias mais sutis da racionalidade neoliberal: o neoliberalismo não governa contra a liberdade. A liberdade não representa um obstáculo para o governo: é sua condição de possibilidade (DARDOT, LAVAL, 2016; FOUCAULT, 2008a, 2008b). A governamentalidade só é possível a partir da agência dos governados; sua criatividade, produtividade, engajamento. Assim, a partir desse preâmbulo sobre a especificidade do neoliberalismo, gostaria de argumentar que, a partir dos recortes fomentados pelo governo seletivo, o pentecostalismo é uma das agências sociais que produziu, a partir do engenho dos próprios governados, uma das formas mais inventivas de gestão da conduta das populações marginais no Brasil. Recortados como marginais (e suas infinitas variantes) os pentecostais criaram suas próprias estratégias para lidar com o sofrimento nas periferias. Com isso, é necessário revisitar o diagnóstico de parte da sociologia da religião dos anos 1990 sobre a expansão das igrejas pentecostais naquele contexto. Na apreensão de Pierucci e Prandi (1996), por exemplo, a remagificação do religioso, a democratização do êxtase e a exacerbação do emocional eram

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sintomas do renitente atraso brasileiro, próprio de um país que não levou o processo de secularização às últimas consequências. Contudo, dificilmente poderíamos continuar descrevendo o movimento pentecostal, principalmente o neopentecostal, como apenas uma espécie de “pronto-socorro” mágico para desesperados, sinal inequívoco da nossa inoperância civilizacional. O pentecostalismo tornou-se, de fato, uma tecnologia social de condução da conduta extremamente eficaz e absolutamente adequada à racionalidade neoliberal – mais avant garde impossível. Desde os anos 1990, observa-se, por exemplo, a disseminação de uma indústria pentecostal de bens materiais e simbólicos, que institui, como argumentei em outros trabalhos (CÔRTES, 2007; 2017), um mercado de pregações e testemunhos, em que o passado mundano de pregadores-itinerantes é vendido como mercadoria simbólica – o sofrimento torna-se valor agregado em uma espécie de capitalismo religioso altamente competente. A partir da década de 2010, a Igreja Universal do Reino de Deus, uma das principais denominações da corrente neopentecostal, passa a instituir um novo agenciamento da subjetividade de seus fieis: não se trata apenas de resolver de forma pontual um demanda aguda de uma população flutuante, mas de praticar uma “fé racional” – estabelecer uma nova relação de si para consigo, que implica racionalizar a vida cotidiana, cumprir desafios, estabelecer metas, trabalhar para a criação de si próprio como um capital humano que deve ser sistemática e infinitamente valorizável. Em uma estratégia de fidelização do cliente, para usar um dos mantras do new manegement, a Universal criou grupos específicos (como o Godlywood, voltado para as mulheres; e o Intellimen, direcionado aos homens), em que os participantes são instados a vencer desafios semanais na execução de “tarefas” (as mais variadas, desde preparar um jantar para a família como ser vigilante nos cuidados higiênicos com o corpo) (ABREU, 2017; GUTIERREZ, 2017). Nessa modulação da subjetividade, o mundo da casa torna-se análogo ao

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mundo corporativo – todas as ações são meios de produção para a valorização permanente do capital de si mesmo. Se, por princípio, pode parecer contraditório que no Brasil uma pauta conservadora se combine como uma agenda neoliberal, o mecanismo de subjetivação da Universal resolve a aparente contradição: afirmar valores tradicionais e revitalizar velhos papéis sociais do que significa ser homem ou mulher, ou seja, ser conservador, ou melhor, tornar-se de forma mais eficaz um “bom conservador”, faz parte de um empreendimento racionalizado de intensificação do capital humano, um dos princípios fundamentais da racionalidade neoliberal. Além disso, a Universal, direcionada aos grupos dominados, desestimula a permanência em empregos formais que implicam a subordinação a um patrão, e incita todos e todas a se tornar empreendedores em um mercado informal, ainda que na figura estranha de uma ralé-empreendedora. Outros exemplos poderiam ser dados sobre o dispositivo pentecostal que reelabora o neoliberalismo nos seus próprios termos. Contudo, para os fins desse breve ensaio-síntese, pode-se concluir que para além da luta político-ideológica entre “progressistas” e “conservadores”

e

a

guerra

parlamentar

no

Congresso

Nacional,

neoliberalismo e pentecostalismo devem ser compreendidos como tecnologias de poder de modulação da conduta que rebatem uma sobre a outra: entre o governo seletivo que recorta a população marginalizada e os dispositivos pentecostais criados pelos sujeitos periféricos previamente delimitados como tais, há uma relação que se retroalimenta nas formas de gerir os marginais, por meio de uma racionalidade governamental que só é capaz de governar a partir da agência dos governados. A criatividade pentecostal, surgida de dentro das margens, é uma das pré-condições, entre outras, que permite a perpetuação da governamentalidade neoliberal.

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Referências ABREU, Nayara. “Magia” neopentecostal e “espírito” neoliberal. (Dissertação) Mestrado em Ciências Sociais. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Universidade Federal de Uberlândia. 2017. ALMEIDA, Ronaldo de. A onda quebrada – evangélicos e conservadorismo. In: Dossiê Conservadorismo, direitos, moralidade e violência. Cadernos Pagu, n. 50, 2017. CÔRTES, Mariana. O bandido que virou pregador. São Paulo: Hucitec, 2007. _____ Diabo e fluoxetina: pentecostalismo e psiquiatria na gestão da diferença. Curitiba: Appris, 2017. DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. FELTRAN, Gabriel. Vinte anos depois: a construção democrática brasileira vista da periferia de São Paulo. Lua Nova: Revista de Cultura Política, n. 72, 2007. Valor dos pobres: A aposta no dinheiro como mediação para o conflito social contemporâneo. Caderno CRH (UFBA. Impresso), v. 27, pp. 495-512, 2014. FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008a. _____. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008b. GUTIERREZ, Carlos. Reflexividade evangélica a partir da produção crítica e construção de projetos de vida na Igreja Universal do Reino de Deus. Tese (Doutorado em Antropologia Social), Unicamp, Campinas, 2017. MACHADO, Maria das Dores C. Pentecostais, sexualidade e família no Congresso Nacional. Horizontes Antropológicas (UFRGS. Impresso), v. 47, p. 351-280, 2017. MARIANO, Ricardo. Expansão e ativismo político de grupos evangélicos conservadores: Secularização e pluralismo em debate. Civitas: Revista de Ciências Sociais, v. 16, p. 710-728, 2016. PIERUCCI, Flávio; PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1996. SCHARWZ, Roberto. Sequências brasileiras: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. TELLES, Vera. A cidade entre as fronteiras do legal e do ilegal. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010.

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OUTRO OLHAR SOBRE AS FORÇAS ARMADAS: OS GRUPOS DE PRESSÃO POLÍTICA FORMADOS POR MILITARES DA RESERVA1 Eduardo Heleno de J. Santos Professor e pesquisador INEST/UFF eduardoheleno@id.uff.br

Resumo: Este artigo mostra como se articularam grupos de pressão política formados por militares da

reserva ao longo da redemocratização aos dias atuais. Eles buscam influenciar a opinião pública a respeito de temas como o avanço das esquerdas, a anistia dos crimes cometidos no regime cívico-militar e a assunção de maior papel político dos militares. Palavras-chave: Grupos de pressão política; militares; Forças Armadas; Sociedade

Abstract: This article shows how the pressure groups formed by retired military are formed throughout the

re-democratization to the present day in Brazil. Among its objectives were to influence public opinion on issues such as the advancement of the leftist, the amnesty of crimes committed in the civil-military regime and the assumption of a greater political role of the military. Keywords: Pressure Group; military; Armed Forces; Society

Embora haja uma extensa literatura sobre as Forças Armadas no Brasil e sua relação com o poder civil, mostraremos nesse breve artigo um aspecto pouco conhecido, presente desde a redemocratização: a existência de grupos de pressão política formados por militares da reserva, constituídos para recuperar o status quo ante e se contrapor à agenda dos partidos e movimentos de esquerda. Esses grupos são formados por oficiais de alta patente (generais, coronéis), muitos com experiência na área de informações e inteligência, atuantes durante o regime cívico-militar e na redemocratização.

Artigo apresentado no seminário "Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes" organizado pela Associação Brasileira de Ciência Política - Regional Sudeste e NEAMP / PUC SP. São Paulo, 29 de março de 2018. 1

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Atuando em várias cidades, alguns grupos contam com centenas de integrantes. Os discursos pelos quais seus integrantes buscam influenciar a opinião pública estão marcados pela prédica com forte viés anticomunista, pelo retorno do papel político das Forças Armadas, e pelo ressentimento em relação aos media, em particular, e à sociedade, como um todo. Presente por muito tempo nos rituais e cerimônias, assim como no imaginário de alguns oficiais e praças, o discurso de viés anticomunista balizou, desde 1935, a criação do novo Exército no período Vargas.2 Embora a década de 1930 seja marcada por um golpe de Estado, pela fragmentação do Exército da República Velha, pela guerra civil de 1932, e por quase uma centena de quarteladas, é a narrativa da Intentona Comunista que causa marcas profundas no processo de institucionalização da memória da corporação. No âmbito interno, os comunistas, mais do que os integralistas, serão vistos como traidores e inimigos da instituição.3 Essa percepção será continuada no período da Guerra Fria, por exemplo, nos debates no Clube Militar na década de 1950. Cabe lembrar que os expurgos de oficiais associados ao comunismo, que tem início em 1935, ganharão novo fôlego a partir de 1964. Segundo Paulo Cunha e Marcus Figueiredo, os militares serão a categoria mais afetada com as perseguições e expulsões ocorridas no regime cívico militar: 7500 militares serão punidos. O anticomunismo, revigorado pelas doutrinas de Guerra Revolucionária e de Segurança Nacional no âmbito militar, e pelos mais diversos grupos no âmbito civil, marcará a identidade das Forças Armadas por muitos anos.

O primeiro ensaio dessa propaganda está presente no cerimonial instituído em seu governo e no livro Em Guarda contra o Comunismo, uma compilação de artigos da imprensa e do governo contra a quartelada protagonizada pelos militares comunistas em novembro de 1935, publicado pela então Biblioteca Militar. 3 Curiosamente, no âmbito externo, os pracinhas brasileiros atuarão na segunda guerra mundial, no grande esforço global com democratas e comunistas, na contenção do nazismo. 2

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Outro aspecto ideológico presente por gerações nas Forças Armadas e visível nesses grupos de pressão política é a concepção de uma autonomia ampliada da instituição, capaz de projetá-la a realizar um papel político distinto, reconhecível e instrumentalizável por suas lideranças, de salvaguarda das instituições nacionais, de promotora do desenvolvimento nacional e árbitro das crises políticas. Relacionado com a própria instauração da República, construído ao longo do processo de modernização do Exército na década de 1920 e gradativamente efetivado a partir da década de 1930, esse processo de autonomia política seria a base para a Política Laudatória, segundo interpretação de Edmundo Campos Coelho, ou o Poder Moderador, para Alfred Stepan. Essa autonomia tem o seu clímax em 1964, com o golpe e com o regime por ele instaurado, tendo consequências nos mais diversos campos da administração pública, incluindo, é claro, as Forças Armadas. Essa autonomia será lentamente reduzida, em avanços e retrocessos, de tal forma que somente a partir de 1990 o poder civil não sofrerá a tutela dos militares. O ressentimento com a sociedade presente nos discursos desses grupos de pressão política não virá somente dessa redução do papel político das Forças Armadas, como também da constante e silenciosa tensão entre o poder civil e o poder militar, devido à possibilidade de um maior enquadramento dos militares ao novo status quo, em especial no que tange ao julgamento, como ocorrera na Argentina, dos agentes envolvidos na repressão. Nesse aspecto, o papel da mídia e dos políticos críticos ao regime cívico-militar ampliou a sensação de revanchismo presente, reforçando entre esses militares o anticomunismo e a defesa de maior representação política. Tendo como base esses elementos discursivos, notamos o surgimento de 22 grupos de pressão política formados por militares da reserva desde 1984. Relatamos aqui, de forma sucinta, a atuação de alguns deles.

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Na transição, militares da ativa e da reserva ligados ao Centro de Informações do Exército (CIE) utilizaram o jornal Letras em Marcha, que tinha tiragem de 15 mil exemplares e era distribuído para a tropa, como instrumento de pressão para fazer campanha contra o candidato Tancredo Neves. A disseminação da propaganda feita pelo jornal era parte da Operação Bruxos, planejada pela cúpula do CIE para impedir a vitória de Neves. A operação chegou a contar com ataques a gráficas em várias cidades. Na visão desses militares estava em jogo a possibilidade de julgamentos como o que vinha acontecendo na Argentina. Ao longo do governo Sarney, parte dos civis e militares que contribuíam para o jornal Letras em Marcha passou a se nuclear em grupos de pressão política, tais como o Grupo Independente 31 de Março e a Associação Brasileira de Defesa da Democracia (ABDD), que era integrada inclusive por grandes empresários. A preocupação desses grupos era o rumo que tomaria o governo, a perda da imunidade obtida com a lei da Anistia, além do ressentimento com que eram tratadas as questões militares. Diante do crescimento da esquerda, esses grupos se envolviam numa disputa de corações e mentes, com forte viés anticomunista, para alertar ao público sobre os riscos do novo panorama político. O jornal Ombro a Ombro, criado em 1988, por exintegrantes do Letras em Marcha, será tanto uma tribuna dessas inquietações quanto um grupo de pressão política. Os primeiros meses do governo Collor, com a extinção do SNI, a mudança de status do EMFA e o próprio contraste de como ele lidava com a questão militar, causaram novas reações a respeito de revanchismo. Durante aquele turbulento mandato, foram criados, em todo o país, nove grupos de pressão política formados por militares da reserva, como o grupo Guararapes, de Fortaleza, e o Inconfidência, de Belo Horizonte. Esses grupos buscavam fazer pressão enviando manifestos para a tropa, para os clubes militares e para Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.39-45, abril 2018.


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os jornais de grande circulação. Não raro, seus discursos pregavam o fechamento do Congresso e a solução manu militari. Embora não tenham logrado a solução mais radical, lembramos que o vice-presidente Itamar Franco, ao assumir o governo, convidou o general da reserva Francisco Batista Torres de Mello, do grupo Guararapes, para fazer parte da Comissão Especial de Investigação que apurou irregularidades referentes ao orçamento no mandato de Collor. Outra leva de grupos de pressão política foi constituída no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando foi implementada a política de Direitos Humanos e de Memória em relação às vítimas do regime cívico-militar. Nesse novo contexto, o general da reserva Hélio Ibiapina de Lima, integrante do grupo Independente 31 de Março e líder do grupo Estácio de Sá, com sede no Rio de Janeiro, foi eleito para a direção do Clube Militar. Um dos objetivos de Ibiapina, que havia sido um dos “coronéis do IPM”, foi utilizar a revista e as instalações da instituição para promover uma memória positiva dos militares e do golpe de 1964 – ação que foi alvo de elogios do então ministro do Exército, general Zenildo Zoroastro de Lucena. Também nessa época é criado o grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), com sede no Clube Militar do Rio e com uma sucursal em Brasília. Esse grupo de pressão vai utilizar de documentos sigilosos das Forças Armadas para se contrapor às narrativas sobre os tempos autoritários, divulgando inclusive um index na internet com nomes de autoridades do governo que haviam participado da luta armada. Um dos militares ligados a esse grupo era o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI. Cabe lembrar que, em 1999, como um dos últimos atos do então ministro do Exército, foi criada a coleção de História Oral do Exército sobre 1964, com 15 tomos e o depoimento de vários oficiais e civis, alguns deles ligados aos grupos de pressão política aqui citados.

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Com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, uma batalha pela memória será notável nos manifestos, jornais, livros, sites e eventos produzidos por esses grupos. Integrantes do grupo Inconfidência e do Terrorismo Nunca Mais participam de cerimônias alusivas ao dia 31 de março nos quartéis. Em 2008, por exemplo, junto a outros grupos, como o Guararapes, eles organizaram um debate no Clube Militar sobre a Lei de Anistia, convidando, entre vários nomes da direita, o jornalista Olavo de Carvalho e o jurista Wladimir Zveiter. Já no final do mandato de Lula, com a expressiva vantagem de Dilma Rousseff nas pesquisas de intenção de voto, a Folha de S. Paulo chegou a publicar em primeira página uma ficha falsa do DOPS do período em que ela estava na luta armada. Segundo a própria candidata, a imagem manipulada era oriunda do site do grupo Terrorismo Nunca Mais. Podemos entender a gênese desses grupos de pressão não somente pela cultura de autonomia, anticomunismo e ressentimento desses militares, mas também como uma forma de compensar a falta de representação partidária no Congresso em relação a temas sensíveis à agenda deles. Embora o período inicial da redemocratização tenha sido marcado pela tutela em relação a prerrogativas e autonomia das Forças Armadas, havia falta de representação e articulação dos interesses desses militares nos partidos políticos mais influentes.

O lobby militar se deu mais pelo caráter

institucional do que uma defesa aberta a esses agentes do Estado. O novo status quo, mesmo com suas fragilidades em estabelecer o controle civil, mantinha tensão em relação à possibilidade de julgamento e punição dos militares envolvidos na repressão política.

Ao tempo em que as Forças

Armadas passaram a ser melhor adequadas ao poder civil, o discurso desses grupos representava mais a fraqueza e isolamento de suas posições do que o retorno ao status quo ante.

Não obstante, a irradiação da ideologia

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anticomunista desses grupos no meio militar empobrece a capacidade de adaptação da instituição e de entendimento de seus integrantes em relação tanto ao panorama internacional, onde o Brasil tem atuado cada vez mais com missões de paz, quanto no âmbito interno, no qual a democracia deve ser vista como complexa, diversificada, inclusiva e sempre em aperfeiçoamento. Referências CUNHA, Paulo R. R., A Comissão Nacional da Verdade e os militares perseguidos. Acervo, Rio de Janeiro, v. 27, nº 1, p. 137-155, jan./jun. 2014 – p. 155. SANTOS, Eduardo H. J. Grupos de Pressão Política formados por militares da reserva nos países do Mercosul. Tese (Doutorado em Ciência Política). Programa de Pós-graduação em Ciência Política. Universidade Federal Fluminense. Rio de Janeiro, 2015.

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46 FABRICIO PEREIRA DA SILVA A TRADIÇÃO DO PENSAMENTO POLÍTICO NA NOVA HEGEMONIA DAS DIREITAS: ALGUMAS QUESTÕES PRELIMINARES

A TRADIÇÃO DO PENSAMENTO POLÍTICO NA NOVA HEGEMONIA DAS DIREITAS: ALGUMAS QUESTÕES PRELIMINARES1 Fabrício Pereira da Silva Pesquisador e professor na UNIRIO fabriciopereira31@gmail.com Resumo: Estamos presenciando o fim do ciclo político de esquerda na América Latina, e a ascensão de

um novo ciclo de direita. Esse novo ciclo é uma releitura do conservadorismo e do liberalismo, as duas principais famílias intelectuais tradicionais no pensamento e na política latino-americana desde o século XIX. Ele mescla elementos das duas linhagens em doses variadas. Focando no caso brasileiro, esse ensaio destaca esses elementos. O principal objetivo é questionar a novidade dessas direitas, enfatizando seu enraizamento nas tradições locais. Palavras-chave: Neogolpismos; pensamento político latino-americano; conservadorismo; liberalismo.

Abstract: We are witnessing the end of the leftist political cycle in Latin America, and the rise of a new

cycle of the right. This new cycle is a re-reading of conservatism and liberalism, the two main traditional intellectual families in Latin American thought and politics since the nineteenth century. It mixes elements of the two lineages in varying doses. Focusing on the Brazilian case, this essay highlights these elements. The main objective is to question the novelty of these rights, emphasizing their rootedness in the local traditions. Keywords: Neogolpismos; Latin American political thought; conservatism; liberalism.

Estamos presenciando o fim do ciclo político de esquerda na América Latina (dos chamados “governos progressistas” por falta de definição melhor), e a ascensão de um novo ciclo de direita (MEDEIROS, 2018; PEREIRA DA SILVA, 2017; SCHAVELZON, 2016). Essa nova maré de direita constitui uma releitura do conservadorismo e do liberalismo, as duas famílias intelectuais mais tradicionais no pensamento e na política latino-americana desde o século XIX (DÉVES VALDÉS, 2017). Tratando especificamente do caso brasileiro, Gildo Marçal Brandão (2005) delimitou desde os “saquaremas” e “luzias” do Império o que denominou as duas “linhagens” principais do pensamento político. A primeira linhagem defende a Artigo apresentado no seminário "Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes" organizado pela Associação Brasileira de Ciência Política - Regional Sudeste e NEAMP / PUC SP. São Paulo, 29 de março de 2018. 1

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impossibilidade de se construir um Estado liberal e democrático numa sociedade amorfa, e considera que o Estado deve ser forte e tutor da sociedade. A segunda linhagem considera que as instituições devem ser reformadas de forma a liberar as potencialidades sociais que têm sido abafadas desde a colonização (para alguns desde a criação do Estado português)2. O novo ciclo mescla em doses variadas elementos dessas duas linhagens tradicionais. Neste ensaio pretendo apenas destacar esses elementos e reconhecer a falta de clareza do presente quadro, para em trabalhos posteriores refletir acerca dos desdobramentos desses elementos arquetípicos das linhagens conservadora e liberal nesse novo ciclo. Por razões de espaço, vou me ater ao caso brasileiro para pensar as ideias dessa “nova direita”. O principal objetivo será questionar sua novidade, enfatizando seu enraizamento nas tradições locais – como já foi sugerido por André Kaysel (2015). Antes de tudo, deve-se observar que em alguns casos essa mudança de ciclo foi marcada pelo neogolpismo (SOLER, 2015; TOKATLIAN, 2009, 2012), que se manifestou em países como Honduras (2009), Paraguai (2012) e Brasil (2016). Apontar que a mudança de ciclo no Brasil se deu mediante um neogolpe não é uma questão menor. Ajuda a explicar os principais elementos e as delimitações dessa hegemonia em construção, e os rumos que ela deverá tomar. Procuremos então caracterizar esse fenômeno. As novas formas de golpe não têm a princípio a participação direta dos militares, e se processam por meio de interpretações distorcidas das instituições. Se deve entender então o neogolpismo como formas de golpe de Estado legais na aparência, e que buscam seu processamento preferencialmente por meio das instituições vigentes. O ponto principal é que são formas mais processuais e mais sutis no Desse modo, ambos reconhecem “a centralidade do papel do Estado na formação social brasileira, com a radical diferença de que para os primeiros é o caráter inorgânico da sociedade que põe a necessidade de um Estado forte que a tutele e agregue, enquanto, para os segundos, é a presença do Estado todo poderoso que sufoca a sociedade e a fragmenta” (BRANDÃO, ibid., p. 248). 2

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48 FABRICIO PEREIRA DA SILVA A TRADIÇÃO DO PENSAMENTO POLÍTICO NA NOVA HEGEMONIA DAS DIREITAS: ALGUMAS QUESTÕES PRELIMINARES

uso concentrado da força. É isso que dificulta sua condenação pela comunidade internacional e, por contraste, facilita seu reconhecimento pelos governos estrangeiros que desejaram ou apoiaram essas mudanças de regime. São golpes processados formalmente através de institutos previstos constitucionalmente, porém distorcidos. Essas novas modalidades de golpe foram denominadas de muitas formas nos últimos anos, por exemplo golpe “brando” ou “branco”, termos que já utilizei mas que não definem muita coisa, mais além de que esses processos buscam ser “sutis”. Vêm sendo nomeados mais recorrentemente “golpes parlamentares”, tendo como pressuposto que o parlamento é o caminho principal para sua consecução – o que não é correto, dado o papel também central do judiciário em sua realização e reconhecimento, e o próprio caráter judicializado essencial ao processo. Minha sugestão é que possam ser chamados de “golpes institucionais”, dado sua consecução por meio das instituições vigentes e sua obsessão formalista – o que, a propósito, encontra afinidades eletivas com certa tradição bacharelesca associada ao nosso liberalismo. Foi um fenômeno desse tipo que se deu no Brasil. Temos como atores principais do processo os setores liberais e conservadores na política e no judiciário (aparato de seguridade incluído), sustentados pelos poderes fáticos da burguesia local (agro/industrial/rentista, hoje hibridizada) associada ao capitalismo transnacional, dos setores religiosos e dos grandes meios de comunicação privados – com o ainda difícil de comprovar mas provável apoio de think tanks de direita internacionais e do governo dos EUA. É das articulações, formulações e movimentações desses variados setores que surge o emaranhado de ideias e discursos à direita que vem configurando o novo discurso hegemônico que se impõe. Trata-se de um mosaico, cujos elementos predominantes ainda não estão definitivamente cristalizados. No caso brasileiro se expressam elementos nacionalistas típicos

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de certa tradição conservadora, particularmente no que Angela Alonso (2017) chama de “repertório patriota”, que surgiu ao longo dos protestos de junho de 2013 e que se impôs definitivamente nas manifestações pelo impeachment em 2015 e 2016. Apresentam-se elementos também de um discurso moralista defensor de valores religiosos e da família tradicional – igualmente característico da linhagem conservadora. Por outro lado, ao mesmo tempo se manifestam ideias individualistas, cosmopolitas, de uma pretensa gestão tecnocrática (“desideologisada”...) da economia e de um sentimento antiestatista que já seriam por sua vez propostas típicas da tradição liberal. A mescla entre as duas tradições é também comum, o que dificulta ainda mais a compreensão. Por exemplo, não é tarefa tão óbvia decifrar à luz da tradição do pensamento brasileiro e latino-americano associações de antiestatismo

e

liberalismo

econômico,

conservadorismo

cultural

obscurantista, religiosidade, militarismo e autoritarismo, condensadas em diferentes doses no Movimento Brasil Livre (MBL) ou em Jair Bolsonaro. Contribui para associações como essas a aparente ausência de alternativas ao liberalismo econômico entre as formulações de nossas direitas, o que confirma sua “conversão neoliberal” desde os anos 1990, apontada por Kaysel (op. cit.). Será difícil encontrar nesse quadro algum projeto nacional intervencionista e dirigista a partir do Estado no campo econômico, como formulado durante o Estado Novo e parte da ditadura civil-militar. Para além desses elementos diversos, destacaria os dois temas que condensaram os discursos à direita nesses últimos anos: a corrupção e o autoritarismo. Como Alonso observou ao tratar do ciclo de protestos que se impôs após as eleições de 2014: “Uma tônica era o conservadorismo moral, com ataque a minorias e proposição de políticas autoritárias, via intervenção militar ou judicial. Outra era a corrupção (‘Lula, pai do Mensalão. Dilma, mãe do Petrolão’)” (op. cit., p. 54). O discurso anti-corrupção foi o que deu maior

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coesão a esse mosaico desde o princípio. Trata-se do que foi caracterizado em algum momento como “udenismo”, mas que de forma geral sustenta boa parte da visão de Brasil da linhagem liberal, centrada no conceito de “patrimonialismo” e no entendimento de que o país e sua sociedade civil foram historicamente sufocados ou tutelados por um Estado parasitário, aparelhado, privatizado, cartorial, ibérico, asiático, etc. De Tavares Bastos a Raymundo Faoro, se caracterizou o Estado brasileiro como um negócio voltado para os interesses privados de seus ocupantes, porque dominado por um “estamento burocrático-patrimonial” a bloquear secularmente o desenvolvimento da sociedade. Entender a corrupção como o principal dos “males brasileiros” passa por essa concepção de Brasil e de sua história. Esse discurso foi por vezes apropriado por projetos que não eram necessariamente autoritários e antipopulares, mas propugnavam alternativas de iniciativa individual, reforma social, direitos, liberdades, associativismo, libertação da sociedade. Basta pensar no projeto de Ruy Barbosa expresso em A questão social e política no Brasil. Definitivamente não é a apropriação desse discurso nesse momento, na medida em que vem imbricada com o segundo tema que quero destacar, o do autoritarismo – crescentemente protagônico. Em suas expressões mais diversas como a defesa da ordem, da intervenção militar, do retorno à monarquia ou da repressão ao diverso, o tema do autoritarismo esteve presente desde o princípio nas manifestações “verde e amarelas” e nos discursos de agentes da derrubada do Governo Dilma. Trata-se historicamente de um núcleo central da linhagem conservadora, de Paulino Soares de Sousa a Oliveira Vianna, que sempre privilegiou a ordem, a coesão, a unidade nacional, o controle social, obtidas de cima para baixo a partir de um Estado forte, centralizado e autoritário. Mas esses elementos ainda não eram majoritários naquelas manifestações, ao menos explicitamente, o que pode ser observado até mesmo pela tentativa de

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acusar de autoritárias às próprias esquerdas (ou de “bolivarianas”, “populistas”, o que dessa perspectiva vem a ser o mesmo). Agora, porém, o autoritarismo e a ordem vêm assumindo primazia sobre o tema da corrupção – o que fica evidente com a força da candidatura presidencial de Bolsonaro e com a centralidade do tema da segurança e a intervenção federal no Rio de Janeiro. Isso não surpreende, na medida em que sempre foi uma possibilidade presente no mosaico constituído pelas direitas, e considerando que seu projeto condensou-se num golpe de Estado. Nesse sentido, estamos numa “transição à ditadura” (MIGUEL, 2016), num processo de “desdemocratização” (TILLY, 2013). Trata-se de um processo de esvaziamento da democracia, que para ser preciso responde a duas tendências: a reação ao “ciclo progressista” latino-americano (que é o tema deste ensaio), mas também uma crise global das democracias (sobre a qual não se poderá tratar nestas páginas, mas se deve ao menos mencionar). Na melhor das hipóteses, desenha-se um simulacro de eleição presidencial em outubro de 2018, restringida, que prolongará o golpe de 2016 consolidando a reoligarquização da política brasileira ao modo da Primeira República de 1889 a 1930 ou do período de peronismo proscrito na Argentina de 1955 a 1973. Na pior das hipóteses, se caminhará passo a passo para uma ditadura “clássica”, como no Uruguai de 1968 a 1973. São as duas possibilidades colocadas no nosso horizonte, a não ser que se consiga formular alguma alternativa popular. Como se vê, elementos tanto da linhagem liberal quanto da conservadora na tradição do pensamento político brasileiro fazem parte do repertório de ideias da nova maré de direita. Qual é o ponto central a ser destacado? Que estas direitas estão enraizadas na nossa realidade, dialogam com nossas sociedades, se comunicam com linhagens históricas. Brandão apontava também o surgimento ao longo do século XX de linhagens mais

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radicais (“antiaristocráticas”), como o que chama de “pensamento radical de classe média” e o “marxismo de matriz comunista”. Essas linhagens alimentaram o projeto petista e o lulismo, porém nunca se impuseram na sociedade – nem no aparato estatal, e em certo sentido nem mesmo no governo. Decorre então que o ressurgimento das direitas não é efetivamente um ressurgimento, é uma volta dos que não foram. E não supera uma suposta hegemonia de esquerda ou progressista, algo que nunca chegou a se impor no Brasil3, mas uma hegemonia democrática condensada na Nova República. Isso evidencia que o que ruiu no Brasil não foi apenas o “ciclo progressista”, mas a Nova República. A intelectualidade de esquerda se constituiu num dos principais fiadores da Nova República – a Ciência Política brasileira também, é bom que se diga. A propósito, fiadoras – a intelectualidade de esquerda e a politologia – de uma democracia mais institucional e formal do que substantiva. Com a narrativa socialista derrotada após o fim do “socialismo real”, na melhor das hipóteses esperava-se progressivamente preencher o arcabouço formal com mais participação popular e deliberação. Na pior, mergulhou-se mesmo no mainstream da democracia elitista-pluralista dominante na teoria política. De todo modo, não deveria surpreender que essa democracia basicamente formal, oriunda de uma transição “pelo alto”, se mostrasse ao fim e ao cabo tão frágil. No entanto, depois de décadas como fiadores daquele arranjo, seguimos entregues à perplexidade e à melancolia. Mas para começar a decifrar os enigmas postos diante de nós, é essencial compreender nossas direitas e mergulhar seriamente no estudo de suas linhagens. Isso nos permitirá entender

também

que

suas

duas

principais

correntes

alimentam

historicamente duas visões distintas de Brasil, mas podem em momentos decisivos abraçar majoritariamente soluções autoritárias e oligárquicas, como Mas sim em países como a Bolívia, a Venezuela e o Equador, o que reforça a necessidade de entendermos a América Latina em toda a sua pluralidade. 3

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fizeram em 1964 e fazem hoje. Afinal, como Brandão destacou muito bem, são duas linhagens aristocráticas, e em oposição a elas se constituíram as alternativas populares. Referências ALONSO, A. A política das ruas. Protestos em São Paulo de Dilma a Temer. Novos Estudos CEBRAP, n. especial, junho de 2017. BRANDÃO, G. M. Linhagens do Pensamento Político Brasileiro. Dados, v. 48, n. 2, 2005. DEVÉS-VALDÉS, E. Pensamiento Periférico. Asia, África, América Latina, Eurasia y más. Una tesis interpretativa global. Santiago: Ariadna Ediciones, 2017. KAYSEL, A. Regressando ao Regresso: elementos para uma genealogia das direitas brasileiras. In: VELASCO E CRUZ, S.; KAYSEL, A.; CODAS, Gustavo (orgs.). Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo político brasileiro. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005. MEDEIROS, J. Regressão democrática na América Latina: do ciclo político progressista ao ciclo político neoliberal e autoritário. Revista de Ciências Sociais, v. 49, n. 1, 2018. MIGUEL, L. F. Transição à ditadura. Blog da Boitempo, 2016. Disponível em <https://blogdaboitempo.com.br/2016/10/28/transicao-a-ditadura/> PEREIRA DA SILVA, F. “Fin de la marea rosa y el neogolpismo en América Latina”. In: DE SIERRA, Gerónimo (org.). Los progresismos en la encrucijada. Montevidéu: Departamento de Sociología, Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de la República, 2017. SCHAVELZON, S. “The end of the progressive narrative in Latin America”. Alternautas, 2016. Disponível em <http://www.alternautas.net/blog/2016/5/24/the-end-of-the-progressivenarrative-in-la-tin-america> SOLER, L. Golpes de Estado en el siglo XXI. Un ejercicio comparado Haití (2004), Honduras (2009) y Paraguay (2012). Cadernos PROLAM/USP, v. 14, n. 26, 2015. TILLY, Charles. Democracia. Petrópolis: Vozes, 2013. TOKATLIAN, J. Gabriel (2012). “El auge del neogolpismo”. La Nación, 24 de junio de 2012. Disponível em <http://www.lanacion.com.ar/1484794-el-auge-del-neogolpismo> ___________________ (2009). “Neogolpismo”. Página/12, 13 de julio de 2009. Disponível em <http://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/subno-tas/128159-411462009-07-13.html>

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INTERESSE, NEOLIBERALISMO E CINISMO POLÍTICO1 Luiz Carlos Bresser-Pereira Professor emérito na FGV bresser-pereira@gmail.com Resumo: A tragédia do nosso tempo é a hegemonia ideológica de neoliberalismo – um liberalismo que deixou de ser temperado pelas lógicas da democracia ou da igualdade política, da república ou da virtude cívica, do nacionalismo patriótico, do socialismo ou da solidariedade, e da proteção do ambiente. Ao se tornar dominante, exacerbou o individualismo, colocou-se a serviço de uma estreita coalizão de capitalistas rentistas e financistas, e se tornou cínico. adsuhsdhus Palavras-chave: interesse; neoliberalismo; republicanismo; democracia; socialismo; cinismo

Abstract: The tragedy of rhythm is an ideological hegemony of neoliberalism - the liberality of civic

freedom, patriotic nationalism, socialism and solidarity, and the protection of the environment. By becoming dominant, he exacerbated individualism, put himself at the service of a close coalition of rentier capitalists and financiers, and became cynical. adsuhsdhus adsuhsdhus adsuhsdhus adsuhsdhus adsuhsdhus adsuhsdhus adsuhsdhus adsuhsdhus Keywords: interest; neoliberalism; republicanism; democracy; socialism; cynicism

A tragédia do nosso tempo – do tempo que começou em torno dos anos 1980 – está no fato que, pela primeira vez o neoliberalismo se tornou hegemônico e a ideia do interesse público perdeu força enquanto a afirmação do interesse individual passou a reinar soberana. O neoliberalismo é um liberalismo radical ou puro; é o liberalismo não devidamente moderado pelo republicanismo, pelo nacionalismo, pelo socialismo, pela democracia e pelo ambientalismo. Entre aproximadamente os anos 1830 e os anos 1920, enquanto a burguesia se tornava dominante no capitalismo dos empresários, o liberalismo econômico foi dominante nos países que primeiro realizaram sua

1

Artigo apresentado no seminário "Conservadorismo, Novas Direitas e Grupos Insurgentes" organizado pela Associação Brasileira de Ciência Política - Regional Sudeste e NEAMP / PUC SP. São Paulo, 29 de março de 2018. Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.53-61, abril 2018.


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revolução industrial e capitalista (Inglaterra, Bélgica e França), mas era um liberalismo conservador no qual havia um elemento republicano, nacionalista e democrático que o moderavam. No neoliberalismo esses freios desapareceram ou perderam força. O republicanismo é a ideologia antiga de Aristóteles, Cícero e Maquiavel. É a ideologia que defende a virtude cívica, a solidariedade dos cidadãos, e o conceito de liberdade dos antigos – um conceito diferente do conceito de liberdade liberal. Para o liberalismo o indivíduo é livre quando pode fazer o que bem entender desde que não seja contra a lei. Esse é um conceito negativo de liberdade que torna impossível a construção da boa sociedade, já que não conta com os atores políticos necessários. Ao invés, para o republicanismo a liberdade é um valor social positivo; ela não existe para a fruição individual, mas para o bem da república. Para o republicanismo o indivíduo só é livre quando ele é capaz de defender o interesse público, mesmo quando esse interesse esteja em conflito com seu próprio interesse. Se em cada sociedade houver um número razoável de cidadãos com espírito público será possível construir a república – o bom Estado. O nacionalismo econômico é uma forma de republicanismo, porque o interesse público também é central para ele, mas há duas diferenças. Primeiro, enquanto o republicanismo é uma ideologia dotada de universalidade, o nacionalismo é uma ideologia para cada estado-nação, que parte do reconhecimento que nas sociedades capitalistas o mundo está politicamente organizado em estados-nação que competem entre si, de forma que o interesse público é entendido como interesse nacional; segundo, não obstante a luta de classes interna, as elites nacionalistas buscam se associar com os trabalhadores em torno de uma estratégia de desenvolvimento econômico – o que implica reconhecimento mútuo. Enquanto para os países pobres o nacionalismo econômico é uma necessidade para que haja desenvolvimento Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.54-62, abril 2018.


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econômico, para os países ricos e poderosos ele é menos necessário, e pode facilmente se transformar em imperialismo. E quando não é apenas econômico, mas também étnico, o nacionalismo é muito perigoso, levando, no limite, ao genocídio. Diferentemente do republicanismo e do nacionalismo, a democracia no século XIX, nos países ricos, não havia ainda sido alcançada. Era uma demanda das classes populares que os liberais rejeitaram durante todo esse século, com o argumento de que ela levaria à ditadura da maioria e à expropriação da classe capitalista. Afinal, porem, como mostraram Göran Therborn (1977) e Adam Przeworski (1985), a pressão das forças populares foi tão grande, ao mesmo tempo que foi ficando claro para a burguesia que partidos socialistas eventualmente eleitos não a expropriariam, que, na virada para o XX, o sufrágio universal foi implantado nos países ricos. Como adoto o conceito mínimo de democracia, que passa a existir quando o sufrágio universal se soma à garantia dos direitos civis ou do Estado de direito, a partir de então os países que completaram sua revolução industrial e capitalista tenderam a se tornar democracias consolidadas.2 Mas democracias pouco desenvolvidas, liberais. Durante o século XIX, o liberalismo dominante foi temperado pelo republicanismo e pelo nacionalismo econômico. O liberalismo expressava a luta de classes no seio da sociedade civil, a democracia, a igualdade política, o nacionalismo a cooperação de classes no seio da nação, e o republicanismo, a república ou a sociedade ideal. Na segunda metade do século, com a emergência e a organização de uma grande classe trabalhadora, uma nova ideologia emergiu, o socialismo, enquanto a democracia ganhava forças. O socialismo era também uma ideologia republicana na medida em que colocava o interesse público acima 2

Sobre a relação entre revolução capitalista e consolidação democrática ver Bresser-Pereira (2012).

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dos interesses particulares, mas seu conceito de interesse público era identificado com o interesse dos trabalhadores o qual se imporia aos capitalistas pela luta de classes e sua expropriação. Enquanto o socialismo foi forte politicamente, ele substituiu em parte o republicanismo e o nacionalismo econômico no papel de moderador do liberalismo. Mas havia um problema. Sua plena realização implicava a abolição da propriedade privada dos meios de produção – implicava uma profunda transformação econômica – que causou violenta oposição da classe capitalista. Sua derrota deveu-se menos a essa oposição e mais ao fato de que economias centralizadas só são eficientes na primeira fase da industrialização – a da indústria de base e da infraestrutura; ultrapassada essa fase o mercado é insubstituível na coordenação de sistemas econômicos complexos e sofisticados tecnologicamente. A democracia que surgiu com o sufrágio universal foi denominada “democracia liberal”. Era uma democracia limitada, como o próprio título que lhe foi dado indicava. Democracia liberal é um oxímoro, porque o liberalismo é a ideologia autoritária que foi obrigada a conviver com a democracia. O grande liberal-conservador, Winston Churchill, dizia que “a democracia é o pior dos regimes, exceto todos os demais”. Em outras palavras, para as classes dirigentes a democracia é um mal necessário. Mas, ultrapassadas as duas grandes e irracionais guerras mundiais, o capitalismo na Europa se torna um capitalismo desenvolvimentista e social-democrático – um capitalismo no qual o liberalismo era moderado pela democracia, pelo socialismo, pelo nacionalismo econômico e pelo republicanismo. Por isso os Anos Dourados do Capitalismo foram o grande momento do capitalismo. A lógica do liberalismo é a lógica do interesse próprio para os indivíduos, do lucro para as empresas, e da competição para os estados-nação; é uma forma dura senão implacável de competição, uma suposta meritocracia na qual os contendores estão longe de contar com condições de igualdade na Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.54-62, abril 2018.


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competição. Essa lógica define as sociedades capitalistas, porque, até hoje, foi ela que se revelou a mais capaz de promover o desenvolvimento econômico e a melhoria dos padrões de vida. Mas há outras lógicas que estão também presentes no capitalismo: há a lógica da república ou da virtude e do interesse público; a lógica da democracia ou da igualdade política; a lógica do socialismo ou da igualdade e da solidariedade; a lógica do nacionalismo ou do patriotismo e da nação; e uma lógica mais recente, mas da qual depende a sobrevivência da humanidade: a lógica do ambientalismo ou da proteção da natureza. São cinco lógicas mais humanas do que o liberalismo, talvez porque há nelas um componente utópico importante. Elas correspondem a valores que estão de alguma forma presentes nas sociedades modernas, mas não são dominantes. Seu grande papel é o de temperar o capitalismo, é de dar sentido a um projeto coletivo de nação e mesmo a um projeto coletivo de humanidade. É tornar o capitalismo menos individualista, menos corrupto, menos autoritário, menos injusto, e menos predatório da natureza. Os Anos Dourados do Capitalismo estavam longe de serem o paraíso sobre a terra, mas foram o momento culminante de uma construção política que avançou com a Renascença, a revolução constitucionalista inglesa, o Iluminismo, a Revolução Americana, a Revolução Francesa, o socialismo e a democracia. Uma construção política na qual as cinco lógicas se encarregavam de dialetizar o estado capitalista – torná-lo um processo permanente de superação de contradições. Nicos Poulantzas (1968), apoiado em Gramsci, disse que o Estado do seu tempo era uma “condensação da luta de classes”. Nada mais verdadeiro. O capitalismo desenvolvimentista e a socialdemocracia eram o resultado dialético de um sistema complexo de lutas políticas e de concessões mútuas. As fontes da cultura política socialdemocrática eram as quatro primeiras lógicas das sociedades modernas (a democracia, o socialismo democrático, o nacionalismo econômico e o Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.54-62, abril 2018.


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republicanismo macroeconomia

cívico)

e

keynesiana

se e

traduziam no

no

plano

econômico

desenvolvimentismo

clássico

na ou

estruturalismo. De repente, nos anos 1980, depois de uma crise econômica moderada nos Estados Unidos nos anos 1970, e, principalmente, depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, esta ordem foi violentamente alterada. Ao invés da grande coalizão de classes fordista dos Anos Dourados, associando empresários, executivos e trabalhadores, ao invés de uma democracia social e republicana, o mundo rico submeteu-se a uma estreita coalizão de classes formada por capitalistas rentistas e financistas – os 1 por cento mais ricos. A transformação tinha caráter estrutural. Na primeira metade do século XX os executivos ou altos tecnoburocratas haviam substituído os empresários na gestão das grandes empresas, e tivemos um capitalismo tecnoburocrático ou do conhecimento; na segunda metade desse século foi a vez dos capitalistas rentistas, geralmente herdeiros ociosos, substituírem os mesmos empresários na propriedade das empresas, enquanto os financistas (jovens brilhantes formados em MBAs ou PhDs em economia das grandes universidade) usavam a teoria econômica neoclássica ali aprendida para atuarem não apenas como administradores da riqueza dos rentistas, mas principalmente como intelectuais orgânicos do capitalismo financeiro-rentista e neoliberal. O capitalismo nasceu desenvolvimentista com o mercantilismo, tornouse liberal no século XIX, voltou a ser desenvolvimentista, mas agora social e democrático no após-guerra. Podemos interpretar o neoliberalismo que se torna dominante a partir dos anos 1980 como um movimento cíclico? Não creio, porque faltam ao neoliberalismo as qualidades morais mínimas para ser uma alternativa legítima. A alternância conservadorismo–progressismo poderia ser pensada como legítima, porque ambas têm como critério último o bem comum. Já o neoliberalismo é uma regressão cínica, é uma manifesta Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.54-62, abril 2018.


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regressão moral, que só sobreviverá se abandonarmos qualquer esperança em um mundo no qual as virtudes cívicas e a solidariedade têm um lugar na história. Há muitas maneiras de definir o cinismo. O Dicionário Houaiss o define como “o descaso pelas convenções sociais e pela moral vigente”, e oferece como sinônimo, “desfaçatez”. O Oxford Dictionary define o cínico como “a pessoa que acredita que as pessoas são motivadas exclusivamente pelo interesse próprio”. Uma crença que transforma todos, inclusive o cínico, em atores antissociais incapazes de construir a civitas – o corpo de cidadãos unidos pela lei, pelos seus próprios direitos e pelas obrigações para com os demais cidadãos. O cinismo é um individualismo radical. É a descrença em valores universais transformada em salvo-conduto para defender os próprios interesses. Peter Sloterdijk, em A Crítica da Razão Cínica (1983), o associou à crise da razão iluminista e à perda da confiança nos “novos valores” – na democracia, na qualidade de vida, na proteção do ambiente. Sou menos pessimista. O capitalismo favorece o cinismo político quando se identifica com uma ideologia perversa, que maximiza o interesse próprio, como é o caso do neoliberalismo. Conforme afirmou Vladimir Safatle em Cinismo e Falência da Crítica (2008, p.14), para compreender a crise geral de legitimação das sociedades capitalistas é preciso “compreender como elas foram capazes de legitimar-se através de uma racionalidade cínica”. Essa racionalidade cínica é o capitalismo sem freios, é o capitalismo legitimado pelo neoliberalismo. É um cinismo que está em toda parta, que se revela na prática daqueles que defendem ideias e políticas que atendem aos próprios interesses ou aos de sua classe social, e, para justificá-las, apresentam argumentos que sabem não serem verdadeiros ou apropriados. Cinismo é defender o liberalismo com o argumento que mercados livres diminuem a desigualdade. É afirmar que os Estados Unidos defenderam a democracia ao invadir o Iraque em 2003. No Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.54-62, abril 2018.


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Brasil, é negar que a violência da polícia em relação aos pobres e aos negros tem um forte componente racista. É justificar o impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016 com um argumento (as “pedaladas”) que sabiam não ser o verdadeiro. É afirmar que bastam mais reformas neoliberais e o necessário ajuste fiscal para que o Brasil volte a se desenvolver. Ao fazer essas afirmações, ao supor que “o melhor dos mundos possíveis” do dr. Pangloss está no dobrar da esquina, o cinismo e o otimismo legitimador da injustiça se completam e se realizam Na segunda metade do século XX o liberalismo se transformou em neoliberalismo e caiu no vício do cinismo político. Por que? Há muitas respostas a essa pergunta, mas sugiro que isto aconteceu porque a hegemonia ideológica que o neoliberalismo alcançou foi extraordinária. Porque os neoliberais construíram uma narrativa tão falsa quanto persuasiva sobre o valor do trabalho duro e da competição. Porque a lógica da democracia foi transformada em bandeira imperialista. Porque a lógica do nacionalismo ou do patriotismo foi desclassificada, identificada com populismo, com o argumento que viveríamos hoje “em um mundo sem fronteiras”. Porque a lógica do socialismo ou da solidariedade entrou em profunda crise com a queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética, embora esta não ter sido uma sociedade socialista, mas estatista. E porque a lógica republicana – a lógica da primazia do interesse público e da virtude cívica – foi cinicamente esquecida ou reprimida. Termino este ensaio com duas palavras sobre este último ponto. Na fundação dos Estados Unidos o republicanismo foi uma ideologia central. Os founding fathers eram mais republicanos do que liberais. Todos tinham uma noção muito clara de que a república só se constrói com base em virtudes cívicas, com a participação de cidadãos que se definem menos pelos seus direitos e mais pelos seus deveres para com sociedade, e pela luta contra todas Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.54-62, abril 2018.


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as formas de corrupção. Conforme assinalou J.G.A. Pocock (1975, p. 506-7), em seu livro clássico sobre o republicanismo dos antigos e o republicanismo moderno dos ingleses e dos americanos, O Momento Maquiavélico [...] a cultura política que ganhou forma nas colônias do século XVIII [o futuro Estados Unidos] possuíam todas as características do humanismo cívico neoharringtoniano... um ideal cívico e patriótico no qual a personalidade estava fundada na propriedade, aperfeiçoada pela cidadania, e sempre ameaçada pela corrupção.3

O republicanismo talvez seja incompatível com o capitalismo, porque este é inerentemente corrupto, mas estava ainda vivo nos Estados Unidos nos anos 1960, quando eu lá estudei. Era impressionante a coesão da sociedade americana naquela época. A democracia americana servia de exemplo para o mundo. Começava-se a construção de um estado do bem-estar social. Li então o livro que John F. Kennedy escreveu enquanto senador, um pouco antes de ser eleito presidente dos Estados Unidos. Nesse pequeno livro, Kennedy conta a história de senadores do passado que ele admirava. O critério que adotou para escolher os senadores foi, em um momento crucial de sua vida pública, terem eles tido a coragem de arriscar não serem reeleitos porque adotaram posições que julgavam atender ao interesse público, mas não contavam com o apoio dos seus eleitores. Kennedy adotou um critério rigorosamente republicano. Mas a partir dos anos 1980 um liberalismo individualista sem limites, que emerge naturalmente do liberalismo quando ele não é moderado, tomou conta do país; o interesse próprio foi transformado no valor maior da sociedade; esta deixou de ser solidária, dividiu-se, e, hoje, quando comparamos os indicadores dos Estados Unidos com os países europeus, eles continuam o país mais rico, mas em profunda decadência moral 3

James Harrington (1611-1677) foi o grande filósofo político inglês que trouxe as ideias republicanas de Aristóteles, de Cícero, dos humanistas italianos e de Niccolò Machiavelli para a Inglaterra. Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.54-62, abril 2018.


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e política. Sua democracia transformou-se em uma plutocracia, seu estado não se transformou em um estado do bem-estar social, a desigualdade aumentou enormemente, enquanto um individualismo exacerbado abriu espaço para o cinismo político.

Referências Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2011) “Transição, consolidação democrática e revolução capitalista”, Dados Revista de Ciências Sociais 54 (2): 223-258. Kennedy, John F. (1956) Profiles in Courage, Nova York: Harper & Row. Pocock, J.G.A. (1975) The Machiavellian Moment, Princeton: Princeton University Press. Przeworski, Adam (1985 [1989]) Capitalismo e Social-Democracia, São Paulo: Companhia das Letras. Edição original em inglês, 1985. Safatle, Vladimir (2008) Cinismo e Falência da Crítica, São Paulo: Boitempo Editorial. Sloterdijk, Peter (1983 [1987]) Critique de la Raison Cynique, Paris: Christian Bourgois Éditeur. Original em alemão, 1983. Therborn, Göran (1977) “The rule of capital and the rise of democracy”, New Left Review, 103, maio-junho: 3-41.

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63 OPINIÃO MARINA RODRIGUES SIQUEIRA À PROCURA DE INSPIRAÇÕES PARA A REFORMA POLÍTICA BRASILEIRA: VISITANDO O SISTEMA ELEITORAL E O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA NO REGIME POLÍTICO ALEMÃO

À PROCURA DE INSPIRAÇÕES PARA A REFORMA POLÍTICA BRASILEIRA: VISITANDO O SISTEMA ELEITORAL E O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA NO REGIME POLÍTICO ALEMÃO Marina Rodrigues Siqueira Doutoranda DCP/UFMG marinasiqueira.dcp@gmail.com Resumo: O presente artigo tem por objetivo compreender a arquitetura do sistema político alemão com a

finalidade de refletir sobre uma possível reforma política no Brasil que leve em consideração aspectos desse sistema. O sistema eleitoral alemão está organizado como ‘distrital misto’, onde os eleitores dão dois votos, um para um candidato que pleiteia à vaga majoritária do distrito, e outro em uma lista fechada disponibilizada pelo partido. Além disso, aborda-se temas como organização partidária, cláusula de barreira, financiamento de campanhas entre outros. Palavras Chaves: Reforma política; Sistema Político Eleitoral Alemão; Sistema Distrital Misto

Abstract: This article aims to describe a German policy with a purpose of reflection on public policy in

Brazil. The German electoral system is organized as a "mixed district", where voters show two votes, one for a candidate who applies to the majority seat of the district, and another on a list of signatures. In addition, topics such as party organization, barrier clause, financing of communication campaigns, among others. Keywords: Political Reform; German Political Electoral System; Mixed District System

Introdução A percepção de que é necessária uma reforma política no Brasil move o próprio sistema político a se repensar. O modus operandi da reforma não é consensual e demanda um debate mais amplo sobre ‘o quê’ e ‘como’ deve ser reformado. Portanto, à procura de inspirações e soluções para a melhoria do sistema eleitoral brasileiro, o Congresso Nacional investiu na última década em uma série de estudos que analisam a viabilidade da implantação total ou parcial do sistema político alemão: que tem em sua arquitetura o sistema Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.63-76, abril 2018.


64 OPINIÃO MARINA RODRIGUES SIQUEIRA À PROCURA DE INSPIRAÇÕES PARA A REFORMA POLÍTICA BRASILEIRA: VISITANDO O SISTEMA ELEITORAL E O FINANCIAMENTO DE CAMPANHA NO REGIME POLÍTICO ALEMÃO

eleitoral misto: majoritário e proporcional, que operam na configuração distrital. O objetivo desse artigo é apresentar o sistema político eleitoral contemporâneo da Alemanha e incitar uma breve reflexão sobre as implicações de sua implantação no Brasil. Na primeira parte do texto discutese a engenharia institucional do sistema político eleitoral alemão, e a segunda parte, aborda-se o financiamento de campanhas. Por fim, nas considerações finais é elencado os principais pontos fortes e pontos fracos de sua implantação no Brasil. I. O sistema político alemão contemporâneo I.A - Reflexões iniciais sobre o sistema político na Alemanha Quando se fala sobre o sistema político alemão contemporâneo e se observa a arquitetura institucional do país, as regras vigentes, a cultura cívica do povo germânico e, principalmente, os resultados políticos, econômicos e sociais que alcançaram chega a soar com estranhamento à sua história de transição para o ‘Estado Moderno’. Pois, a constituição histórica do ‘povo alemão’ tem sua base em povos considerados bárbaros, guerreiros, vikings, ou seja, institucionalmente dizendo, pareciam seguir poucas regras, leis próprias (de pouca abrangência) e se organizavam em tribos (clãs) de pequeno porte até

poucos

séculos

atrás.

Para

endossar,

o

termo

“germânico”

(Gehrmann ou Wehrmann) significa “Homem de Guerra” ou “Homem de lança”1. Ou seja, como aconteceu a transição de uma “sociedade” em que a guerra era uma condição natural em um Estado Moderno, com instituições sólidas e altamente eficientes? Bem, essa pergunta nos remete aos teóricos 1

http://www.dw.com/pt/o-povo-alem%C3%A3o/a-890124

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clássicos da ciência política, mas a primeira vista, busca-se em Hobbes (1651) a principal hipótese: o povo alemão teve que se organizar em um sistema político em que as regras são severamente seguidas para que, no seu estado de natureza, não se matassem mutualmente, extinguindo a si próprios. Ou seja, na perspectiva hobbesiana poderia se dizer que o Estado Alemão nasceu de um pacto forte para garantir, sobretudo a vida. Ainda no campo reflexivo e teórico poderia ser feito o seguinte enquadramento: o Estado Alemão nasceu coeso, institucionalizado e com alta adesão dos governados, mas a cultura de guerra não foi dissolvida, e o inimigo de vez ser ‘interno’ passou a ser ‘externo’ às suas fronteiras. A partir dessa visão, em decorrência da forte cultura da guerra enraizada no povo e nas instituições, pode não ser coincidência que o Estado Moderno Alemão foi protagonista das duas Guerras Mundiais do século passado. Só atualmente, há cerca de 70 anos, desfruta do seu maior intervalo sem guerras e experimenta a estabilidade e a paz. Nos próximos tópicos serão apresentados de forma sintética e descritiva o atual sistema político alemão, salienta-se que não se tem a pretensão de esgotar todos os temas e reflexões neste texto. I.B - A natureza do regime político e suas características institucionais Atualmente, o regime político alemão trata-se de uma democracia parlamentar federativa que possui 16 estados (Bundesländer)2 sob administração da unidade federal. Dessa forma, por adotar o parlamentarismo, o poder executivo está sob o comando do(a) Chanceler Federativo, o qual é eleito(a) pelo parlamento a cada quatro anos. A atual chanceler é Angela Merkel (CDU 2

Estados alemães: Baden-Württemberg, Baixa Saxônia (Niedersachsen), Baviera (Freistaat Bayern), Berlim (Berlin), Brandemburgo (Brandenburg), Bremen (Freie Hansestadt Bremen), Hamburgo (Freie und Hansestadt Hamburg), Hesse (Hessen), Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental (Mecklenburg-Vorpommern), Renânia do Norte-Vestfália (Nordrhein-Westfalen), Renânia-Palatinado (Rheinland-Pfalz), Sarre (Saarland), Saxônia (Freistaat Sachsen), Saxônia-Anhalt (Sachsen-Anhalt), Schleswig-Holstein, Turíngia (Freistaat Thüringen)

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Christlich Demokratische Union Deutschlands - União Democrata-Cristã), que ocupa o cargo desde 2005. O poder legislativo é organizado por meio de um parlamento bicameral, em que há o Bundestag – parlamento propriamente dito, com 598 parlamentares e Bundesrat, que é o conselho federal. O conselho federal apenas é acionado para se manifestar sobre temas relacionados aos interesses federativos e é composto por 69 representantes eleitos de forma indireta nos 16 estados. I.B.1 - O sistema eleitoral adotado e o sistema partidário prevalecente Após a segunda Guerra Mundial a Alemanha reestruturou suas instituições e adotou o sistema eleitoral misto (que combina o sistema majoritário e o sistema proporcional), que vem sendo aprimorado de lá para cá. A última reforma significativa ocorreu em 3 de maio de 2013, em que se buscou corrigir imperfeições do seu complexo sistema eleitoral que combina o sistema eleitoral majoritário e o sistema eleitoral proporcional. O sistema eleitoral majoritário: A Alemanha foi subdividida em 299 distritos uninominais, cada um deles tem em média 250 mil habitantes. O objetivo desse desenho é garantir a aproximação dos representantes e dos representados. Cada partido político lança um candidato para concorrer na eleição majoritária em cada subdistrito e o candidato que obtiver a maioria simples dos votos terá direito à uma cadeira na legislatura do parlamento. Sendo assim, no Bundestag, das 598 cadeiras 299 são preenchidas pelos candidatos vencedores em cada distrito. Além da aproximação dos candidatos com o eleitorado, esta prática também garante a cobertura de representação geoespacial do território. (BACKES, 2013; CINTRA, 2000; PONTES, HOLTHE, 2015). Isto evita situações de “gap de representação espacial”, Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.63-76, abril 2018.


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condição que é possível no sistema eleitoral Brasileiro. Como por exemplo, sendo a composição do parlamento no Brasil organizada por Estados Federados, e os Estados possuem grandes dimensões territoriais, podem haver áreas importantes que não conseguem eleger candidatos. O sistema eleitoral proporcional: Os partidos políticos apresentam a cada um dos 16 Estados Federados uma lista fechada de candidatos, ou seja, uma lista com nomes pré-ordenados. Quanto maior o número de votos no partido em cada Estado, maior número de candidatos terá no parlamento, respeitando a proporcionalidade das vagas. Esta tática visa garantir a proporcionalidade da representação de cada partido político no parlamento segundo a preferência ideológica e de issues dos cidadãos. No Brasil, há estudos realizados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado sobre uma possível adoção do sistema eleitoral misto, aos moldes do Alemão. (BACKES, 2013; CINTRA, 2000; PONTES, HOLTHE, 2015). Cada cidadão então tem direito a dois votos, o primeiro no candidato o qual concorre pelo subdistrito e será eleito se conseguir a maioria simples de votos, e o segundo na lista do partido, o qual comporá a câmara de forma proporcional. O cálculo das cadeiras por partido pelo sistema proporcional sofre interferência das eleições distritais, e isso pode provocar a existência de mandatos excedentes. Importante destacar que o voto na Alemanha não é obrigatório. O sistema alemão é multipartidário, possuindo cinco partidos principais:3 Quadro 1 – Principais partidos políticos da Alemanha 3

Fonte das informações sobre os partidos políticos alemães: http://www.tatsachen-ueber-deutschland.de / pt/o-sistema-politico/main-content-04/os-partidos-politicos.html

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Sigla partidária

Nome do partido

CDU

União Democrata Cristã da Alemanha

CSU (Baviera) 4

SPD

FDP

União Social Cristã

Partido Social Democrata da Alemanha

Partido Liberal Democrata

Verdes

Partido Verde

Partido à esquerda

Partido à esquerda

Breve descrição

Principais estratos que o apoia

São partidos da união, fazem parte da _Classes dos família europeia de profissionais liberais partidos democratas_Comerciantes cristãos. _Empresários Maior partido Faz parte da família dos partidos socialdemocratas e socialistas democráticos da Europa. Segundo maior partido Faz parte da família dos partidos liberais europeus

_Sindicatos

_Classes sociais de maior poder econômico _Pessoas de nível de escolaridade alto _Eleitores de alta renda _Eleitores com formação superior

Fazem parte da família europeia de partidos verdes e ecológicos Força política significativa mais recente na Alemanha _Estados que foram Como um partido incorporados à que defende o tema Alemanha após a da justiça social, ele reunificação concorre especialmente com o SPD

4

Na Baviera a CDU não possui um diretório regional, deixando a representação a cargo da União Social Cristã (CSU), à qual está ligada por laços muito estreitos.

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I.B.2 - As implicações presumíveis do sistema eleitoral sobre a cena política O sistema eleitoral alemão adaptou-se e aperfeiçoou-se em 2013 para evitar votos negativos decorrentes da sobra dos coeficientes do cálculo da proporcionalidade de cadeiras que resultavam do segundo voto dos cidadãos alemães, e por isso, criou os mandatos excedentes dos candidatos para quando for o caso. Este tema será melhor discutido a frente, pois o aspecto que realmente causa implicações sobre a cena política são as regras da cláusula de barreira. A cláusula de barreira é uma regra criada em 1949 e tem como objetivo impedir grande fragmentação partidária como aconteceu em 1920, ano em que o sistema multipartidário alemão contava com 17 partidos no Parlamento. O grande número de partidos inviabilizava a formação de maiorias. Por isso, essa cláusula de desempenho e de exclusão (barreira) visa garantir a estabilidade do sistema político uma vez que favorece a governabilidade e dificulta o acesso de partidos extremistas ao parlamento, como o partido nazista. Segundo o site oficial do governo alemão, a cláusula de barreiras é conhecida como ‘a cláusula dos cinco por cento’. [...] Qualquer partido só obtém representação no Parlamento se obtiver um mínimo de 5% do total de votos de legenda. Isto evita que um número infindável de partidos nanicos se façam representar no Bundestag, com conseqüências negativas para um trabalho parlamentar efetivo. (DW5, 2015)

5

Disponível em: <http://www.dw.com/pt/dois-votos-o-sistema-eleitoral-alem%C3%A3o/a-622004)>. Acesso em 20/12/2015

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A exceção da regra da cláusula de barreira se aplica caso o partido conquiste pelo menos quatro mandatos majoritários em qualquer dos distritos da Alemanha, e assim, participa da distribuição proporcional das cadeiras no Parlamento. Dos 34 partidos que participaram das eleições de 2013, os partidos que atingiram a cláusula de barreira foram: CDU, SPD, Partido Verde, Partido “A esquerda” e CSU. I.B.3 - Eventuais perspectivas ou debates existentes sobre mudanças no sistema Como já abordado, em 3 de maio de 2013 foi aprovada a mais recente reforma eleitoral da Alemanha, fruto de um longo diálogo institucional entre o Parlamento e a Corte Constitucional. Esta lei procurou soluções às críticas que o sistema possuía como a solução para o “peso negativo do voto”, fenômeno que ocorria pela complexidade da junção do sistema majoritário com o proporcional e do fenômeno da perda de proporcionalidade da representação partidária, sobretudo, consequência da cláusula de barreira e a técnica dos “mandatos excedentes. Ou seja, a desproporcionalidade causada pelos mandatos excedentes foi corrigida por meio da criação de mandatos adicionais. (PONTES, HOLTHE, 2015). Ainda há dois aspectos referente ao sistema alemão que devem ser melhor pensados e fazer parte de debates futuros sobre o aprimorado de suas regras eleitorais, mas devido à complexidade desse sistema político eles serão apenas apresentados de maneira mais sintética, sem a pretensão de aprofundamento. O primeiro ponto a ser destacado são os votos descartados dos partidos que não atingiram a cláusula de barreira. Nas eleições de 2013, 15% dos votos válidos foram desconsiderados, uma vez que os partidos pequenos não tiveram direitos à cadeiras no Parlamento. A princípio, isso soa Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.63-76, abril 2018.


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como um problema ao considerar a proporcionalidade das ideologias no legislativo, pois uma parcela significativa dos votos simplesmente é excluída. Portanto, vale reflexões a respeito do descarte dos votos válidos. O segundo tema é relacionado ao primeiro, o desenho do sistema político alemão dificulta o acesso às minorias, uma vez que a própria cláusula de barreira impede que esses grupos cheguem ao congresso. Como efeito colateral, o eleitor alinhado com os temas de minoria pode, a partir de uma decisão racional, não necessariamente votar no candidato que melhor lhe represente, pois sabe que se votar no partido com bandeiras de minoria dificilmente ele passará pela cláusula de barreira. Ou seja, o eleitor vota em outro candidato que não o preferido ideologicamente. I.C - O financiamento de campanhas IC1 - O sistema político alemão em interação com as regras de financiamento de campanhas eleitorais I.C.1a - Os tipos de restrições incidentes sobre doações e/ou arrecadação Na Alemanha, os partidos políticos são os principais catalisadores do financiamento das campanhas, e no processo eleitoral, são responsáveis por gerir o dinheiro. As fontes dos seus recursos são: ● Contribuições públicas (em que há um teto/limites – as regras serão expostas a seguir) ● Doações de filiados portadores de mandatos ou doações regulares de pessoa física possui o limite de 3.300 euros por pessoa. Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.63-76, abril 2018.


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● Doações de empresas privadas, que são incentivados por meio de dedução no pagamento de impostos. Com esse desenho, as regras de financiamento de campanha alemão, de certa forma, protegem os partidos e os candidatos da influência de grandes financiadores (como ocorre no Brasil). I.C.1b - A presença de recursos públicos diretos ou indiretos Como já mencionado, há a presença de recursos públicos no sistema de financiamento das campanhas. Como sistematizado por Backes (2013), o Estado subvenciona os partidos anualmente no nível federal da seguinte forma (regra vigente a partir de 1994): ● 0,70 euros para cada voto que o partido tenha recebido em sua lista para as eleições nacionais ou europeias; ● 0,70 euros para cada voto que o partido recebeu em distrito em que não tenha apresentado lista; ● 0,38 euros para cada euro que o partido tenha recebido por doação de filiados, de portadores de mandato ou doações regulares, até o limite de 3.300 euros por pessoa física. Recebem as doações referidas no primeiro e terceiro itens aqueles partidos que tenham recebido para suas listas 0,5% dos votos nacionais ou 1% dos votos no estado; as doações do item b) são distribuídas aos partidos que façam 10% ou mais dos votos do distrito. É interessante que a lei alemã estabelece limites para as contribuições públicas para cada partido - a soma dos recursos públicos não pode ultrapassar os recursos que o partido tenha recebido de fontes próprias (doações e contribuições permitidas por lei, de acordo com o definido no § Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.63-76, abril 2018.


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24, item 4, nºs 1 a 7). É o chamado limite relativo de recursos que o partido pode receber (relative Obergrenze). A soma dos recursos que todos partidos recebem do Estado não pode ultrapassar um limite fixado na lei para os gastos públicos com partidos, é o chamado limite absoluto (absolute Obergrenze) de recursos públicos. I.C.1c - A provisão ou não de regras de transparência Os partidos políticos devem, anualmente, prestar contas ao governo alemão. As informações sobre o volume e gastos dos recursos recebidos por cada partido são disponibilizados publicamente pelo site do poder legislativo. Tabelas com esses dados detalhados são facilmente encontrados, inclusive, nos sites oficiais, bem como no Wikipédia6 e em artigos sobre o tema (BACKES, 2013). Por meio desse controle, sabe-se que o financiamento público é responsável, em média, por 30% dos recursos destinados às campanhas. Esse percentual varia conforme o partido, sendo registrado o mínimo 22% e o máximo 59%. I.C.2 - A interação presumível desse conjunto de regras com o sistema político Com esse conjunto de regras, os partidos políticos grandes tendem a se fortalecer ainda mais, por contar com grande número de benefícios provenientes do financiamento de campanha. E em via oposta, dificilmente os partidos pequenos e partidos de minorias conseguirão acessar o parlamento. E isto trata-se de um grande problema, uma vez que as vozes das minorias são

6

Dados do financiamento de campanhas: http://de.wikipedia.org/wiki/parteinfinanzierung,

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abafadas e o sistema democrático configura-se justamente pela capacidade das instituições absorverem as demandas sociais e ideologias distintas. Considerações Finais De fato, o sistema político alemão baseia-se em uma engenharia institucional complexa, originada de um sistema misto, com níveis majoritário e proporcional para composição do parlamento. Pensado e consolidado para ser adotado após a segunda Guerra Mundial, possui cerca de 70 anos de amadurecimento. O principal desafio ainda visto no sistema e que são passíveis de mudanças são dois. O primeiro diz respeito ao aumento exacerbado e inconstante de cadeiras no parlamento em cada legislatura, após a correção por meio da adoção de mandatos excedentes (reforma política de2013). Solucionar este ponto sem dúvidas é bastante complexo, mas uma possível alternativa seria colocar um teto máximo de parlamentares excedentes na casa legislativa, como 610 por exemplo. Ou seja, a abertura de no máximo 10-12 cadeiras a mais poderia resolver a adoção de um número ainda maior. Essas cadeiras teriam como propósito corrigir o problema da proporcionalidade, mas uma vez estipulado o número máximo de cadeiras, ainda assim, poderia ocorrer alguma distorção. O segundo seria quanto ao financiamento de campanha propriamente dito, não há teto de doação para pessoa jurídica. Poderia ser interessante pensar e estabelecer um delimitador. Embora o Estado incentive a doação privada por meio de políticas de isenção de impostos, ainda assim, corre o risco de grandes doadores “canibalizarem” certos mandados por demandarem

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postura específica segundo o interesse privados. Trata-se de um risco detectável, mas pouco observável no cotidiano institucional alemão. Sem dúvidas, o sistema político alemão é interessante, sólido, complexo e tenta reunir os benefícios da votação majoritária - elegendo os representantes mais populares dos distritos para os representarem no parlamento, ou seja, há a oportunidade do candidato conseguir a simpatia dos eleitores (voto personalista); E também, os benefícios de composição proporcional partidária - que possibilita que o parlamento tenha representações que correspondam as ideologias e expectativas da população. Ao pensar uma possível implementação da arquitetura político-eleitoral alemã no Brasil, a principal vantagem seria a regulamentação dos votos personalistas, pois no país, os eleitores medianos não tendem a analisar e montar sua intenção de voto baseada na ideologia/bandeiras partidárias, mas sim, na imagem do candidato. O que torna o custo das campanhas altas. Outro ponto positivo seria a divisão do território brasileiro em distritos e a capacidade de garantia da representação geoespacializada, uma vez que o Brasil é extenso e podem haver gaps de representação quando uma base eleitoral de uma determinada localidade não consegue eleger os seus candidatos. O que poderia ser um problema ao se adotar o desenho distrital no Brasil seria que, pela grande extensão do território, teriam distritos enormes (em casos de territórios com pouca densidade demográfica, por exemplo, no Amazonas) o que acabaria dificultando, ainda assim, o relacionamento íntimo do candidato com seu distrito. Além disso, correria o risco de ter que aumentar muito os números de cadeiras no Parlamento Brasileiro, para garantir a proporcionalidade dos mandatos segundo o desempenho eleitoral

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dos partidos. Por fim, se o sistema alemão for implantando, o problema da exclusão das minorias do parlamento deverá de ser analisada.

Referências ALEMANHA. O povo alemão. Disponível em < http://www.dw.com/pt/o-povoalem%C3%A3o/ a-890124> Acesso em: 26 dez. 2015. BACKES, A. L. Financiamento Partidário e Eleitoral: Alemanha, França, Portugal e Espanha. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. Março de 2015. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/areas-daconle/tema3/2012_22272.pdf> Acesso em: 20 dez. 2015. HOBBES, T. O leviatã. (1951). PONTES, R. C. M.; HOLTHER, L. O. V. O sistema eleitoral alemão após a reforma de 2013 e a viabilidade de sua adoção no Brasil. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. Abril de 2015. Disponível em < http://www2.camara.leg.br/documentos-epesquisa/publicacoes/estnottec/areas-da-conle/tema6/2015_1531-sistema-eleitoralalemao-leo-van-holthe-e-roberto-pontes> Acesso em 12 de dezembro de 2015. Sistema Eleitoral e Sistema Partidário http://www.scielo.br/pdf/ln/n36/a08n36.pdf TATSACHEN UEBER DEUTSLAND. Partidos políticos. Disponível em < http://www.tatsachen-ueber-deutschland.de/pt/o-sistema-politico/main-content-04/ospartidos-politicos.html> Acesso em: 28 dez. 2015.

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77 RESENHA ALESSANDRA MARGOTTI, PEDRO MATEUS ALMEIDA TEM SAÍDA? ENSAIOS CRÍTICOS SOBRE O BRASIL

TEM SAÍDA? ENSAIOS CRÍTICOS SOBRE O BRASIL Alessandra Margotti Doutoranda pela UFMG alemargotti@hotmail.com Pedro Mateus Almeida Granduando pela UFMG pedromateusalmeida@gmail.com

O Brasil, atualmente, passa por um difícil e importante momento de crise. Crise essa não apenas política, mas multifacetada, que subdivide e fragmenta a população em polos diversos, mormente em dois extremos, considerados a direita e a esquerda no país. Não são raros os embates político-ideológicos ou mesmo brigas pessoais na atual conjuntura, em que cada lado, irresignado, adota a verdade do golpe ou impeachment - o que melhor convier -, tornando o diálogo produtivo uma realidade cada vez mais árdua e distante. Nesse contexto, um grupo de pensadoras e ativistas feministas formado pelas organizadoras do livro “Tem saída? Ensaios Críticos sobre o Brasil”, nomeadamente, Winnie Bueno, Joanna Burigo, Rosana Pinheiro-Machado e Esther Solano, propõem-se a juntar textos prospectivos a partir do real estado do Brasil, acreditando não haver apenas uma possibilidade de saída para referida “crise multidimensional”, mas inúmeras, incluindo para a crise enfrentada pela própria esquerda. As organizadoras acreditam que as saídas para a crise que assola o país e a esquerda atualmente virão obrigatoriamente por uma “radicalização do projeto democrático conhecido”, ação esta que exige a presença das diversas Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.77-89, abril 2018.


78 RESENHA ALESSANDRA MARGOTTI, PEDRO MATEUS ALMEIDA TEM SAÍDA? ENSAIOS CRÍTICOS SOBRE O BRASIL

vozes constantemente subalternizadas, as quais precisam estar à frente dos debates públicos. Aplicando a própria teoria, o livro traz textos de autoras renomadas no ambiente político, ativista e/ou acadêmico, “mulheres que são deixadas em segundo plano: das mulheres negras, trans, pobres, indígenas ativistas, políticas, intelectuais. Cientistas, anarquistas e partidárias. Do Rio Grande do Sul ao Pará.” (BUENO et al., 2017, p. 13) Não só por este motivo o livro é instigante e provocativo, mas também e principalmente pelos temas abordados. Sob uma perspectiva claramente feminista e “de esquerda”, a obra se divide em cinco partes, as quais delimitam e orientam os artigos e conteúdos apresentados. No primeiro tópico, “Globalização, neoliberalismo e governabilidade”, as autoras, a partir de uma perspectiva neoliberal, analisam os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) e o cenário político como um todo, do Brasil e do mundo, além de revelar as claras aproximações com o conservadorismo O primeiro artigo, de autoria de Flávia Biroli, intitulado “O fim da Nova República e o casamento infeliz entre o neoliberalismo e conservadorismo moral”, traz uma análise do período considerado democrático no país, de 1988 a 2016, entre a promulgação da Constituição Federal e o golpe. Durante o período, setores conservadores se mantiveram no poder, barrando a ascensão de uma real democracia igualitária, marginalizando questões sociais e legitimando, assim, uma visão minimalista de democracia. A autora acredita que, mesmo nesse ambiente limitado, movimentos sociais ganharam espaço e poder e tal pode ter sido o aspecto fundamental do desvelamento da crise atual. Ademais, sua tese, que inclusive dá nome ao texto, é de que a agenda neoliberal necessita de algumas pautas levantadas pelo conservadorismo moral para ser aplicada, sobretudo do

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combate a questões de gênero e às transformações de papéis sociais, o que justifica tais bandeiras serem hasteadas pelo mesmo grupo. No segundo artigo, “Projetos sem sujeito e sujeitos sem projetos”, a autora Tatiana Roque se dedica a analisar os governos do PT sob uma percepção crítica e, em seguida, pensar um projeto para a esquerda, a qual ressalta precisar de governantes corajosos e de programas. Uma importante constatação da autora é que o PT, de certa forma, incentivou o surgimento de novos atores na política, por meio das manifestações populares iniciadas com as Jornadas de Junho, e, em seguida, tentou desmantelá-los, ao invés de apoiar seu governo sobre estes, não os incluiu enquanto sujeitos em cena, nem os integrou a seus projetos, que caminhavam a despeito destes. Márcia Tiburi, no artigo denominado “Brasil, o projeto: há futuro para o Brasil enquanto objeto de governamentalidade neoliberal?” objetiva, da mesma forma, levantar questões que possam auxiliar a construção de um projeto para o país, nesse momento. De uma perspectiva assumidamente pessimista, acredita que o Brasil está cada dia mais trágico, mas que isso seria bom; é bom pensar o país além das ilusões, para nos reorganizarmos a partir da desesperança, pois a esperança pode sustentar a inércia. Encerra destacando que é preciso pensar o Brasil enquanto exigência, que ele exige um projeto, e que esse pensar seria o primeiro passo político efetivo nesse momento, apto a escorar os que o sucederem. Já Luciana Genro, em seu texto “Em busca de transição”, inicia ressaltando que o neoliberalismo é uma fase de emancipação do capitalismo, um processo perverso e excludente, que não se sustenta em uma estrutura social que forneça mínimas condições de dignidade humana e de trabalho à população. Acredita que a solução seria revolucionar esse sistema capitalista por meio de medidas socialistas (muitas das quais ela enumera), mas que o PT,

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o governo supostamente mais popular, sequer passou perto dessa agenda progressista. Por fim, Adriana E. Abdenur, em seu artigo “Estratégia Internacional do Brasil em uma ordem multipolar”, encerra o primeiro tópico trabalhando as mudanças que tem surgido na nova ordem de organização política e econômica do mundo e informando qual a participação do Brasil nesse novo processo. A autora busca explanar, principalmente, a expansão da política externa chinesa através da Nova Rota da Seda (NRS) e como o país asiático tem defendido a importância da globalização. Ela menciona que os Estados Unidos, governado por Trump, têm ocupado uma posição secundária em todo esse processo, assim como a União Europeia, que se encontra em crise, sobretudo, após o movimento BREXIT. Neste trabalho, também explana como potencias países emergentes podem se beneficiar e se reconfigurarem com a aplicação da NRS o que, consequentemente, pode favorecer uma ordem multipolar. Apesar do Brasil não estar localizado no eixo implementador da NRS, que seria o eixo Eurásia, o país tem condições de tirar proveito da situação, uma vez que a China é um dos grandes parceiros comerciais do Brasil. A implementação da Nova Rota da Seda seria uma oportunidade de o país estar negociando de forma mais justa com grandes nações. Passando à segunda parte, nomeada “Impeachment e Resistência”, destinase a apresentar análises sobre o impeachment/golpe contra a presidenta Dilma Rousseff sobre diferentes perspectivas, e também sobre os novos atores políticos que surgiram nesse período de crise, em sua maioria por meio de manifestações populares, examinando-se suas estratégias de atuação. No primeiro artigo dessa segunda parte, “Impeachment e seus efeitos: quando vencedores e vencidos são derrotados”, de Helcimara Telles, a autora demonstra a transição da preocupação popular, antes focada em pautas Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.77-89, abril 2018.


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econômicas e materialistas e, agora, na corrupção. Afirma que todo o movimento de afastamento da presidenta Dilma causou um sentimento de desconfiança e insatisfação na classe política como um todo, originando um novo discurso apolítico e antipolítica, sendo esse o principal efeito da crise, e a imprensa teve um papel central nisso. Ressalta que a crise política no Brasil origina exatamente da ausência de política, que foi substituída pela economia e por interesses eleitorais. Na sequência, em “Uma saída radical para tempos dramáticos”, a autora Sâmia Bomfim inicia falando que o governo vivenciado em tempos de crise sempre existiu para os oprimidos da sociedade e agora se alastra e escancara para toda a população. Acredita que o “golpe” foi, na verdade, contra a classe trabalhadora, e orquestrado com participação do próprio PT, em um processo de “reversão neocolonial”. Contudo, afirma que a população já está se insurgindo e não poderá ser ignorada e silenciada por muito tempo; o povo está tomando ciência de sua condição de explorado, o que facilita a revolta contra tudo isso. E essa revolução, ressalta, só pode ser socialista. O terceiro artigo, de autoria da sempre presente Marielle Franco1, cujo título é “A emergência da vida para superar o anestesiamento social frente à retirada de direitos: o momento pós-golpe pelo olhar de uma feminista negra e favelada”, apresenta o momento atual como de asfixia do processo de democratização que se encaminhava no país, o que traz grandes desafios para a esquerda. A autora destaca a atuação de mulheres negras e faveladas enquanto atoras políticas e capazes de mudanças sociais, e escreve seu texto a partir da perspectiva dessas mulheres, que, para além do machismo, sofrem também com o racismo estrutural. Destaca que, para essas mulheres, o A autora foi brutalmente assassinada no dia 14 de março de 2018, em uma tentativa de calar uma voz que denunciava as atrocidades praticadas pela Polícia Militar no Estado do Rio de Janeiro, mormente contra negros e pobres. Disponível em: <https://www.google.com.br/search?ei=gzDWqWGL4eCwQSynK9Q&q=marielle+franco+assassinada&oq=marielle+franco+assassinada&gs_l=psy -ab.3..35i39k1.8534.9051.0.9408.4.4.0.0.0.0.189.580.0j4.4.0....0...1.1.64.psy-ab..0.4.579....0.zskBtHVJup4>. Acesso em: 02 abr. 2018. 1

Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.77-89, abril 2018.


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cotidiano pós-golpe pouco se diferencia do que sempre viveram: interdição e dominação do Estado, em uma realidade de poucos direitos e liberdades. A despeito de tudo isso, são atuantes, ativas em seus territórios e estão cada vez mais dentro dos cenários políticos, artísticos e culturais. Manter crescente a participação dessas mulheres na política é o novo desafio para a esquerda, no intuito de se superar o conservadorismo que toma o país. Por fim, a autora enfatiza que não se pode dizer que nada mudou nos últimos anos no Brasil, direitos foram alcançados e agora estão sendo ameaçados. O último artigo dessa sessão é de autoria de Fhoutine Marie e nomeado “Game of Thrones, política e resistências”, no qual a autora faz um paralelo entre a atual situação política do país e o enredo de uma consagrada série americana. A autora também destaca a insurgência da população contra a classe política e afirma que tudo isso contribui para que políticos e partidos tradicionais sejam descredibilizados, fazendo surgir novos personagens na política, tais como empresários levantando a bandeira de renovação da política e de esmaecimento da divisão entre esquerda e direita. Afirma, ao final, que a esquerda precisa se reeducar: mais do que bradar por união de pautas e querer encontrar uma solução unitária que supostamente contemplaria a todos, deve manter diálogo, fazer-se entender em linguagem clara e incluir pessoas. Já a terceira parte do livro, sob o título “Democracia, Nação e Interseccionalidade”, traz artigos que buscam evidenciar o mito do Brasil como nação democrática e igualitária e demonstrar como, na verdade, suas veladas características racistas, machistas e classistas aviltam direitos individuais de subalternos a todo momento, mormente de mulheres negras. O primeiro deles, “Fazendo o Brasil e o brasileiro: raça, nação e Estado no país da ‘democracia racial’”, de autoria de Tatiana Vargas Maia, denuncia a falácia do Brasil enquanto uma comunidade homogênea e de democracia racial, o que muito se tenta defender. Ela traz diversos dados que demonstram Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.77-89, abril 2018.


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o racismo estrutural no país e como essa ideologia nacionalista termina por estabelecer uma estrutura hierarquizada, em que os brancos figuram entre cidadãos de primeira classe, com amplo acesso institucional e a direitos, e os demais, mormente pretos e pardos, possuem acesso diferenciado, conforme suas características pessoais e sociais. Nos dizeres da autora, o amadurecimento político de um país desenvolvido perpassa, obrigatoriamente, por negar e denunciar essa ideologia nacionalista. A partir da pergunta que dá título ao seu texto, “Por que as mulheres negras não são vistas como um setor estratégico na construção de um novo cenário político econômico para o Brasil?”, Laura Sito ressalta a premente necessidade de trazer essas vozes não só para a política, como para todos os demais espaços de poder. Destaca a essencialidade de se empoderar essas atoras político-sociais, no intuito de se garantir a representatividade de parcela significativa da população brasileira (23% atualmente) que é ignorada pelos poderes públicos. Destaca-se que, em um breve percurso histórico e social, a autora chama a atenção para a importância e urgência de se diferenciar pautas do feminismo considerando não só questões de gênero, como também questões raciais e de classe. No artigo seguinte, “Gênero raça e classe: entender nossas origens para construir reais alternativas políticas aos projetos societários da direita”, Luka Franca salienta que a esquerda desconsidera o debate sobre raça e gênero como substância da classe trabalhadora, enquanto a direita, ao contrário, tem o racismo e o machismo como parte fundamental de seus projetos, sabendo como se valer deles. A autora enfatiza que a esquerda não conseguirá superar o capital e emancipar a classe trabalhadora, sem centralizar o debate e os programas e projetos políticos nas questões de gênero, ração e classe na sociedade. Na mesma linha dos textos anteriores, a autora acredita que são os

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movimentos de mulheres negras que devem nortear os projetos de saída da crise política e econômica no país. Já Juliana Borges, no texto “Feminismo negro: resistência anticapitalista e radicalização democrática”, embasada pelo sociólogo Boaventura Souza Santos, afirma que para se falar em crise da democracia, deve-se atentar ao conceito desta, ressaltando que a crise refere-se especificamente à democracia representativa. Esse é o motivo pelo qual, como já ressaltado em textos anteriores, há um movimento atual de aversão a partidos e políticos clássicos, e personagens que dissociam suas imagens destas instituições ganham espaço no cenário político, supostamente, por “não fazerem política” e, consequentemente, não serem corruptos. Ainda com base no sociólogo, a autora ressalta que o processo de radicalização da democracia perpassa pela intensificação das tensões com o capitalismo, onde as relações neoliberais insistem em operar pelo extermínio dos grupos desprezados ao sistema. Por isso, a saída está por estes grupos, pelos movimentos sociais e ativistas da esquerda que devem repensar uma democracia mais participativa, que os inclua, sobretudo os movimentos de feministas negras. No artigo que encerra este subtema, “Estado ‘democrático e de direito’ para quem? Identidades para uma construção de democracia para a população negra no Brasil”, a autora Suelen Aires Gonçalves inicia inserindo um conceito de O’Donnel, segundo o qual, “a democracia é uma aposta institucionalizada” (p. 137). Ao longo do texto, adentra nos argumentos que levaram ao golpe político de 2016, onde a presidenta eleita Dilma Rousseff (PT) fora deposta. Em seguida, menciona que este rompimento político na democracia brasileira, que gerou um estado de exceção, já estava presente antes mesmo do golpe acontecer, dentro das periferias, com ações das polícias despreparadas para lidar com sociedade e com a democracia existente, onde os inimigos são os negros, mais especificamente a juventude negra, que tem Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.77-89, abril 2018.


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sofrido com um genocídio. Enfim, a autora conclui que os movimentos que se declaram de esquerda tendem a secundarizar a luta antirracista e antimachista, colocando à frente a luta anticapitalista. Tais movimentos esquecem que essa postura só fortalece a manutenção da subalternidade. O terceiro tópico traz os artigos: “Corpo, Vida e Morte”, traz seis artigos, sendo eles: “Corporeidades críticas na (ins)urgência deste instante”; “’Mayara morreu três vezes’: feminicídio e consenso autoritário na crise brasileira”; “Crise política e as esquerdas”; “’Hoje somos festa; amanhã seremos luto’: Políticas culturais e sobrevivência em tempos de crise”; “A crise, a violência no Rio de Janeiro e a grande mídia”; e “A reconstrução do mínimo: falsa ordem democrática e extermínio”. Eles foram escritos respectivamente pelas autoras Fernanda Martins, Daniela Mussi, Linna Ramos, Adriana Facina, Laura Astrolabio e Suzana Jardim. O primeiro artigo, de Fernanda Martins, aborda o atual projeto político de violência “falo-logocentrica”, que é ditada pela ideia do universal masculino e com elementos econômicos neoliberais desenvolvimentistas. Tais características seriam em decorrência do golpe político sofrido pela presidenta eleita Dilma Rousseff. As consequências que este projeto tem gerado é o reforço de um discurso, que vinha num caminhar de desconstrução, por exemplo,

etnocentrismo,

sexismo

e

racismo.

Esses

reforços

vêm

intensificando, principalmente, genocídios de negros e índios, sem mencionar o processo de silenciar o subalterno. A autora menciona que hodiernamente a sociedade se vestiu um véu democrático institucional com pitadas de discurso de liberdade para justificar o extermínio de grupos vulneráveis em nome de um suposto igualitarismo repressivo. Já a autora Daniela Mussi busca explorar o conceito de mugging e de consenso autoritário criado por Stuart Hall. A pesquisa desenvolvida por S. Hall buscava estudar o assalto violento no imaginário político da população Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.77-89, abril 2018.


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inglesa. Através desses conceitos D. Mussi usa o feminicídio como exemplo de analise, esta utiliza o assassinato da musicista Mayara Amaral em julho de 2017. A autora exemplifica como o este crime opera no processo de construção de um consenso autoritário a respeito do feminicídio. Ela pondera que tal crime gerou uma serie de violências, sendo elas, estatal, privada e desfiguração de imagem. Por fim o caso de Mayara deixa à percepção da existência de uma misoginia que justifica a violência física, simbólica e institucional sobre as mulheres, e destacada a importância do surgimento do feminismo como discurso de contestação da atual realidade das mulheres. Em seu texto, Linna Ramos aborda a atual política genocida de negros e negras e o racismo estrutural em que vivemos. O foco de sua análise são as mulheres negras que historicamente são as mais marginalizadas, exploradas, as principais vitimas de violências e que tem seus corpos objetificados pelo sistema capitalista patriarcal racista. Esta menciona que as mulheres negras são a classe trabalhadora que mais sofre com a precarização do trabalho e com a política neoliberal atual. E por outro lado, são classe que menos tem acesso a recursos econômicos. Ao longo do artigo Ramos, também, faz um critica ao movimento feminista que por muito tempo “esqueceu” da pauta racial nesta luta. Esta realiza um paralelo entre a melhoria das estatísticas para mulheres brancas e a estagnação ou piora das estatísticas para mulheres negras. No enceramento do seu texto encionando que o negro não vive em um estado democrático de direito, pois constantemente sobre com aviltações dos seus direitos. A autora Adriana Facina desenvolve em seu artigo o conceito de cultura de sobrevivência tão presente nas favelas. A pesquisadora trabalha com a ideia de que pessoas que estão em um ambiente onde viver e morrer é uma preocupação recorrente acaba gerando um sentimento de sobrevivência. Segundo Facina aqueles que vivem isso, sendo sua maioria pobres e negros Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.77-89, abril 2018.


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das periferias do meio urbano, acabam vivendo um processo de criação cultural, basicamente esse “instinto” de sobrevivência é o combustível para a produção artística dessas pessoas que vivem neste meio. Ela menciona que a criação desta arte esta vinculada com o tempo e o território em que estão inseridos. A partir do momento que a morte passa ser algo certo na vida dessas pessoas que estão submetidos a espaços de exceção o processo de criação é interrompido. Dessa forma a autora menciona que a cultura que emerge desse método criação de arte geralmente representa um foco de resistência diante toda opressão que essas pessoas vivem, “A história das culturas populares, entretanto, nos permite afirmar que onde tem dor tem festa, onde tem festa tem luta” (p. 183). Em seu trabalho, Laura Astrolabio busca evidenciar o papel das grandes mídias na sociedade moderna e o impacto nos enquadramentos das noticias dadas, esta evidência a importância de rever as concessões dadas às empresas de comunicação que são conhecidas como quarto poder na democracia contemporânea. A autora destaca o papel crucial que as mídias tiveram para atual crise institucional e para o aumento da percepção e construção da cultura da violência e do medo. Esta frisa que o quarto poder tem que realizar sua verdadeira função social que é de informar e não propagar um ostracismo, uma cultura do consumo, alienar, desinformar, propagar medo e a violência. Propagações que acabam induzindo o cidadão ao erro. A autora sublinha que a mídia atual é aliada das elites políticas que propagam interesses pessoais distanciando a sociedade do interesse comum. E toda essa violência que tem sido divulgada só tem servido para espalhar uma cultura do medo e fortalecendo a ideia de um estado hobbesiano. O ultimo artigo deste subtema, escrito por Suzane Jardim, busca trabalhar o espaço do negro na crise política e na democracia atual. Ao longo de sua escrita a autora perpassa por diversos argumentos para afirmar que a Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.77-89, abril 2018.


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presente democracia nunca incluiu o negro brasileiro nos mesmos direitos de um branco. Se por um lado não ocorreu segregação institucional, assim como ela menciona que ocorreu nos Estado Unidos, por outro lado o racismo estrutural foi cada vez mais reforçado. Suzane Jardim menciona diversos acontecimentos históricos onde o negro foi marginalizado, segregado e o teve sua força de trabalho precarizada. E diante toda essa construção surgiram o que ela chama de território negro. Dessa forma S. Jardim conclui que a democracia brasileira não é inclusiva e nem representativa, e que a atual crise política que vivemos nada mais que um desdobramento desse absurdo que chamamos de democracia e que foi construído ao longo de anos e décadas. No subtema “Crise, imaginação, sentido e saídas” há seis artigos, sendo eles: “O longo caminho de volta” de Catariana Brandão; “Onde foi parar sua imaginação? A crise da cultura, da arte e do teatro e as potenciais saídas” de Jussilene Santana; “Uma nova independência nacional” de uma entrevista de Manuela D’Ávila concedida a Joanna Burigo; “A Crise de sentido e saída à esquerda” de uma entrevista de Helena Vieira concedida a Rosana PinheiroMachado; “Imaginar novas saídas” de Rosana Pinheiro-Machado; e “Crise, democracia e a esquerda no século XXI: um olhar da mulher indígena” de Avelin Buniacá Kambiwá. O primeiro artigo, de Catarina Brandão, tem como objetivo tratar da crise que assola a esquerda brasileira e a de outros países do mundo. Esta mostra que a institucionalização da esquerda acabou distanciando as elites políticas da esquerda do seu eleitorado e dos movimentos sociais, assim acabou criando uma separação onde esses políticos deixaram de ser vistos como “nós” e passam a ser vistos como “eles”, ou seja, mais um político como qualquer outro. A autora menciona que a esquerda não soube se adaptar as mudanças sociais e econômicas que a sociedade moderna sofreu. No caso do Brasil uma parcela significativa teve uma melhora econômica e Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.77-89, abril 2018.


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passou a demandar outros tipos de serviços como educação, saúde e segurança. Por fim, ela menciona que a esquerda esta presa num “mundinho” acadêmico com falas direcionadas a classe média que teve o “privilegio de entender a leitura” (p. 209), e dessa forma acaba se distanciando dos seus demais eleitores. Em seu texto, Jussilene Santana trabalha a crise da cultura nos temos atuais de crise da esquerda e democrática. Santana menciona que por muitos anos foi cobrado que a arte, a cultura, fosse um movimento político. Ela sugere que temos que ver o que Aristóteles propõe, o homem é um animal político, dessa forma tudo que é produzido pelo homem tem um caráter político. Jussilene Santana propõe que para sair da crise é preciso aprender com a cultura, pois é importante ter imaginação para criar e repensar alternativas para o contexto atual. Assim como a autora do primeiro artigo esta destaca que a esquerda não soube se adaptar as novas demandas de serviço da sociedade. O terceiro artigo é uma entrevista realizada com a jornalista, política e pré-candidata a eleição presidencial de 2018 Manuela D’Ávila. A entrevista foi concedida a Joanna Burigo e nela são abordados temas como a atual crise na democracia, perspectivas de mudanças, crise na esquerda e os impactos das reformas na luta pelos direitos das mulheres. Outra entrevista também originou um artigo deste livro e foi realizada com uma ativista dos direitos humanos, transfeminista e escritora conhecida como Helena Vieira, concedida a Rosana Pinheiro-Machado. São abarcados temas como a crise da esquerda e da democracia brasileira, as dificuldades enfrentadas pela esquerda a partir do momento que se tornou governo e se distanciou dos movimentos sociais, sobre a perda de identidade da esquerda diante as mudanças que a sociedade vem sofrendo e perspectivas de saída da crise. Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.77-89, abril 2018.


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No trabalho de Rosana Pinheiro-Machado, a colunista, professora e pesquisadora aborda a importância de imaginar alternativas para crise atual, saídas que vão para alem de uma proposta neoliberal. A necessidade de pensar um “projeto que coloque o marginal-coletivo no centro da perspectiva” (p. 237). Ela menciona a existência de alguns grupos que devem estar no centro de qualquer projeto pautado pela esquerda que são as comunidas quilombolas, indígenas, estudantes secundaristas e a informalidade urbana. PinheiroMachado reforça um ponto de uma entrevista dada por Tatiana Roque ao jornal El País (07/08/2017), “enquanto a esquerda se recusa a discutir certos temas, a direita vai lá e faz a seu modo” (p. 238). No final reforça a ideia de repensar o Brasil e o projeto político vigente com urgência. No ultimo artigo do livro, Avelin Buniacá Kambiwá explora o impacto do golpe e da crise democrática na situação das mulheres indígenas brasileiras. A autora menciona que o golpe desenhado pela elite política tem a presença dos interesses do mercado e de latifundiários e estes tem buscado acabar com as poucas políticas conquistadas ao longo dos anos que gera como consequência a destruição dos povos indígenas. Kambiwá menciona algumas pautas que seriam exclusivas mulheres indígenas, por exemplo, a importância da presença e empoderamento das mulheres indígenas no sistema político. Ela conclui mencionando que é importante que a esquerda desperte imediatamente, uma vez que uma direita reacionária e retrógrada esta cada vez mais presente e atuante no cenário político brasileiro. Estas são as ideias básicas defendidas nos vinte e seis artigos presentes no livro. Textos de autoras admiráveis que se complementam e enfocam a necessidade de imediata reflexão e atuação da esquerda, para acabar com a crise que assola a democracia no país, sobretudo a democracia representativa. Atualmente, está claro o solapamento de direitos de minorias e o massacre de subalternos - o que sempre existiu, mas agora se escancara -, retirando do Em Debate, Belo Horizonte, v.10, n.1, p.77-89, abril 2018.


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povo os poucos direitos adquiridos por lutas árduas e constantes. Mais do que nunca, a política de esquerda precisa incluir atores políticos que de fato representem toda a população brasileira, em toda a sua extensão territorial, mulheres e homens, cis e trans, homo e heterossexuais, negros, brancos, indígenas e tantos outros sujeitos livres de direitos, que caracterizam essa magnífica diversidade social. Referências BUENNO, Winnie; BURIGO, Joanna; PINHEIRO-MACHADO, Rosana; SOLANO, Esther. Tem Saída? Ensaios Críticos sobre o Brasil. Editora Zouk: Porto Alegre. 2017. 247 p.

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COLABORADORES

COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alessandra Margotti dos Santos é doutoranda e mestre em Direito pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito e Ciências do Estado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Celina Lerner é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC, bolsista UFABC e PDSE/CAPES. É mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela mesma instituição. É documentarista e tem experiência na docência no campo audiovisual e de novas mídias. Cláudio Luis de Camargo Penteado é professor associado e atua no programa de pós-graduação em Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal do ABC (UFABC). Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Internet e Política, atuando principalmente nos seguintes temas: internet,

democracia,

blogs,

políticas

públicas,

marketing

político,

ciberativismo e cultura digital. É pesquisador do Núcleo de Estudos Pósgraduados em Ciências Sociais da PUCSP (NEAMP) e do Laboratório de Tecnologias Livres da UFABC (LabLivre). Eduardo Heleno é professor do Departamento de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e jornalista formado pela mesma instituição. Elabora pesquisas principalmente nos seguintes temas: forças armadas e sociedade, história do jornalismo, ditadura militar, políticas públicas de

defesa,

relações

internacionais

e

integração

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sul-americana.

Foi


COLABORADORES

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correspondente freelancer do El Mundo (2009-2010), e trabalhou no bureau regional da McClachy Newspapers/Miami Herald no Rio de Janeiro (20052007). Membro da Rede de Segurança e Defesa da América Latina (Resdal), com sede em Buenos Aires, do Laboratório de Estudos sobre Política Externa (LEPEB) e do Núcleo de Estudos Estratégicos Avançados do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (NEA/INESTUFF). Integrante do Conselho Universitário da Universidade Federal Fluminense (2016-2017) Fabrício Pereira da Silva é professor do Departamento de Estudos Políticos e Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Colíder do Centro de Análise de Instituições, Políticas e Reflexões da América e da África (CAIPORA), sediado na UNIRIO. Investigador Associado do Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane (CEA-UEM) de Moçambique. Professor da Maestría en Estudios Contemporáneos de América Latina da Universidad de la República (UdelaR) do Uruguai. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Gláucio Ary Dillon Soares é doutor em Sociologia pela Washington University at St Louis Mo. Atualmente é pesquisador sênior nacional do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ). Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Criminologia e em Sociologia Política, atuando principalmente nos seguintes temas: violência, homicídios, democracia e regimes ditatoriais.

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Helcimara Telles é doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Realizou pós-doutorado na Universidad Complutense de Madrid e na Universidad de Salamanca. Foi professora visitante na Universidad de Salamanca e na Universidad de Santiago de Chile (USACH), no Programa de Mobilidade Acadêmica da AUGM. É professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretora da Regional Sudeste da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP). Coordena o grupo Opnião Pública, sediado na UFMG, e o grupo de pesquisa Comunicación Política y Comportamiento Electoral, vinculado à Associação Latino Americana de Ciência Política (ALACIP). Também é coordenadora do curso de especialização em Marketing Político da UFMG. Atualmente é representante do Brasil junto ao Wapor - World Association for Public Opinion Research e compõe a diretoria da Asociación Latinoamericana de Investigadores en Campañas Electorales (ALICE). Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas; fundador e editor do Brazilian Journal of Political Economy, desde 1981; e Doutor Honoris Causa pela Universidade de Buenos Aires. Foi ministro da Fazenda (1987), da Administração Federal (1995-98) e da Ciência e Tecnologia (1999) do Brasil. É autor de muitos trabalhos e livros acadêmicos, entre os quais o Desenvolvimento e Crise no Brasil (1968/2003), A Sociedade Estatal e a Democracia (1981), Lucro, Acumulação e Crise (1986), Reformas Econômicas em Novas Democracias, com Adam Przeworski e José M. Maravall (1993), Construindo o Estado Republicano (2004), Macroeconomia da Estagnação (2007), Globalização e Competição (2009), Macroeconomia Desenvolvimentista, com Nelson Marconi e José Luis Oreiro (2016), Em Busca do Desenvolvimento Perdido (2018). Nos últimos 15 anos, desenvolveu uma macroeconomia aberta do desenvolvimento e uma economia política das coalizões de classe e do Estado desenvolvimentista.

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COLABORADORES

Mariana Côrtes é professora do Instituto de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). É coordenadora do grupo de pesquisa Travessias - Grupo de Pesquisas Urbanas. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), mestrado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Realizou um estágio doutoral durante o ano de 2009 na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, França. Tem experiência na área de Sociologia, atuando principalmente nos seguintes temas:

teoria

sociológica;

religião;

conversão

religiosa;

violência;

neoliberalismo; gestão da diferença; psiquiatrização do sofrimento. Marina Rodrigues Silveira é doutoranda e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em metodologia quantitativa. Tem ampla experiência em pesquisas nas áreas: eleitoral, políticas públicas, mercado e meio ambiente. Fez parte da equipe socioeconômica da pesquisa de Avaliação da Educação no Brasil, realizada pelo Banco Mundial, e pesquisas de política pública pelo Instituto da Criança e do Adolescente (ICA). Foi bolsista da equipe de docência em metodologia no Departamento de Ciência Política (DCP - UFMG). Atualmente, é membro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) e do grupo de pesquisa Opinião Pública (UFMG). É diretora do Instituto Metodológico Tecnologia em Pesquisa e Projetos Socioeconômicos LTDA. Pedro Mateus Moraes de Almeida é graduando em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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