22 de Março de 2016
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João Pereira 1º Dan
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Introdução O tema que me foi proposto para este trabalho foi a seguinte questão:
"Qual o papel do Go No Sen, Sen No Sen e Sen Sen No Sen na prática e evolução dentro do Karate-Do?" Começando por falar um pouco sobre etimologia, e para situar os termos apresentados, começamos com a palavra Sen (戦). Esta palavra é uma abreviatura de Sente (先⼿), que significa primeiro(a) ataque/iniciativa. Está então relacionada com a iniciativa que o Tori efetua num trabalho a pares. Por sua vez, os termo Go No Sen, Sen No Sen e Sen Sen No Sen correspondem a diferentes tempos de reação a essa iniciativa, por parte do Uke. Podemos distingui-los como: •
Go No Sen - após a iniciativa.
•
Sen No Sen - sobre a iniciativa.
•
Sen Sen No Sen - antes da iniciativa.
Diferenças entre Go No Sen, Sen No Sen e Sen Sen No Sen
Estes conceitos devem ser aplicados quando existe um trabalho entre dois oponentes, Tori e Uke, seja ele Kihon a pares ou mesmo Kumite.
Mas como se relacionam estas reacções com as Sete Máximas do Karate-Do? Como podemos avaliar a evolução destes estados ao longo da prática marcial? Estas são apenas algumas perguntas que irei abordar e tentar responder com este trabalho.
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Sete Máximas do Karate-Do Não poderia começar por falar sobre o treino entre o Tori e o Uke sem referir os princípios básicos e fundamentais inerentes ao mesmo. As Sete Máximas do Karate-Do são ideias que devem ser trabalhados de maneira a serem instintivamente aplicados numa situação real de confronto. •
Timing
•
Yoi
•
Ma-ai
•
Oportunidades
•
Kime
•
Reacção / Explosão
•
Respiração
Estes princípios, em estados iniciais da prática de Karate-Do, são estudados e desenvolvidos separadamente já que o praticante não possui maturidade marcial para os conjugar com um treino a pares. Mas com o evoluir da prática, e à medida que o praticante aumenta tanto em graduação como em maturidade, estes devem ser interligados de forma natural para que o objetivo proposto do treino a pares possa ser alcançado com a maior eficácia. Os conceitos de Go No Sen, Sen No Sen e Sen Sen No Sen, por serem aplicados num treino a pares pelo Uke em resposta à iniciativa do Tori, fazem parte das Sete Máximas. Apesar destas Sete Máximas estarem todas interligadas umas com as outras, não sendo possível na prática compartimentar cada uma individualmente, a meu ver estes conceitos representam os diferentes estados de evolução do Timing que um praticante aplica neste tipo de treino.
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Timing O Timing, tal como o nome indica, refere-se ao tempo. Neste caso, de um confronto entre dois praticantes, significa o tempo certo do Uke reagir à iniciativa do Tori. O objetivo máximo da aplicação deste princípio é camuflar de tal modo a iniciativa do Tori com a reacção do Uke que estes deixam de existir. Passa a existir uma harmonia tal entre os praticantes que não se consegue distinguir qual deles tomou e qual reagiu à iniciativa. Existe apenas um objecto e a sua imagem espelhada. Como atingir então este expoente máximo? E será que pretendemos sempre reagir sobre a iniciativa do Tori? Ou poderão existir alturas em que nos é vantajoso quebrar este Timing a favor do Uke? Para responder a estas questões é necessário primeiro aprofundar os conceitos base deste trabalho, começando com Go No Sen. Go No Sen (後の戦), após a iniciativa, pode ser traduzido para “ataque atrasado”. O Uke realiza uma acção defensiva e/ou contra-ataque a uma iniciativa do Tori. Neste estado, o Uke reage depois da acção do Tori.
1º - Bloqueio / Defesa
2º - Contra-ataque
Este é o primeiro estado de Timing por onde todos os praticantes de Karate-Do passam, num momento inicial. Nas gradução base, 9º e 8º Kyu, o Kumite é realizado de forma a que o Uke possa aplicar este estado de Timing. Como é um treino estático, e porque o praticante ainda não tem bases suficientes, as repostas às iniciativas do Tori são feitas com uma defesa seguida de um contra-ataque. Assim, o Uke consegue começar a criar uma noção real de desvio do ataque e de roubo da iniciativa ao oponente. Neste estado, o contra-ataque do Uke para roubar a iniciativa é feito depois do ataque do Tori, daí ser chamado de “ataque atrasado”. Depois deste estado inicial passamos para um estado de Timing mais real de confronto, e que deve ser começado a trabalhar mesmo nas graduações base em que o Kumite é mais controlado.
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Sen No Sen (先の戦), sobre a iniciativa, significa que a reacção do Uke não é feita após a iniciativa do Tori mas sim ao mesmo tempo. Desta forma, o Uke ataca o oponente ao mesmo tempo que este o Tori toma a iniciativa.
Reacção sobre a iniciativa
Este é o segundo estado de evolução de Timing, em que a resposta do Uke é mais pro-activa e não tem como objetivo defender mas roubar a iniciativa. Este estado de Timing deve começar a ser fomentado a partir de graduações como 7º Kyu, em que os Kumite passam a ser mais móveis e com uma aplicação prática de confronto mais real. Com o subir de graduação, também o aspeto prático dos Kumite altera-se aumentando a sua dificuldade, e é essencial que o praticante consiga ter as bases necessárias para que não existam lacunas nem dores de crescimento na prática. Por fim, temos o último estado de evolução de Timing considerado como o nível mais alto de reacção. Sen Sen No Sen (先々の戦), iniciativa antes da iniciativa, consiste numa antecipação por parte do Uke à iniciativa do Tori.
Antecipação sobre a iniciativa
O último estado de evolução do Timing, em que o Uke se apercebe das intenções do Tori de atacar a antecipa-se atacando primeiro. Esta reacção é aplicada no momento em que o Tori já está comprometido com a sua iniciativa, e não consegue cancelar ou mudar o seu movimento. No entanto, é necessário que o Uke tenha um poder de concentração
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bastante apurado para que este Timing seja aplicado de forma correcta, pois nestes casos, se ao tentar antecipar o oponente não o faça no momento ideal, o Tori pode mudar a sua acção e não permitir que o Uke se antecipe à sua iniciativa. Este estado de Timing vai contra um dos ideais defendidos por Gichin Funakoshi, “Karate ni sente nashi”, que diz que no Karate não existe primeiro ataque. Mesmo que o praticante se aperceba das intenções do Tori em tomar uma iniciativa, está a provocar um primeiro ataque sem confronto anterior. Mas ao contrário do que defendia Funakoshi, Choki Motobu respondeu dizendo “Karate is sente”, que significa que o Karate é agressividade. Será que neste caso de Timing vamos contra o ideal de Funakoshi e defendemos a ideia de Motobu? Para mim, são estes três conceitos que formam os diferentes estados de evolução do Timing, em que um praticante começa num estado de Go No Sen quando dá início à sua prática, e conforme vai subindo na graduação tem que existir a preocupação em aumentar as suas capacidades, não só de Timing, podendo atingir o estado máximo de Sen Sen No Sen. Mas estes conceitos apenas são aplicados apenas ao Timing? Tal como foi dito anteriormente, as Sete Máximas quando aplicadas na prática não podem ser vistas como algo compartimentado, mas sim como um conjuntos de variáveis que o praticante tem ao seu dispor de forma a obter melhores resultados nos objetivos propostos. Sendo assim, não podemos analisar os conceitos de Go No Sen, Sen No Sen e Sen Sen No Sen apenas no Timing, pois outras máximas têm influência no tempo de reacção do Uke às iniciativas do Tori, podendo limitar o estado de Timing que o praticante aplica.
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Yoi Yoi, concentração, é, para mim, das Sete Máximas mais difíceis de masterizar e que mais influência acaba por ter no rendimento do praticante. Esta máxima consiste em estar atento pronto a reagir, caso seja num trabalho a pares, à iniciativa do nosso oponente. Devemos estar concentrados para que a nossa reacção seja realizada com a rapidez e decisão necessárias para inutilizar a iniciativa do Tori. Para o estudo e treino da concentração, existem diferentes estados de evolução que um praticante passa conforme a sua maturidade e graduação. Esses estados condicionam o tempo de resposta do Uke, o que acaba por influenciar o Timing. Considerando os quatro estados de evolução: •
Yoi - ver para reagir.
•
Irimi - sentir para reagir.
•
Zanchin - pressentir para reagir.
•
Satori - harmonia total.
Começando pelo primeiro estado Yoi, em que o Uke espera pela iniciativa do Tori para reagir. Este estado vai fazer com que a reacção à iniciativa seja sempre atrasada. Neste caso, o praticante terá sempre um Timing de Go No Sen, não conseguindo ter o mesmo tempo de reacção ou mesmo de antecipação em relação ao ataque. Caso o praticante consiga estar concentrado em estado de Irimi, de forma a sentir a iniciativa do Tori para reagir, este já terá duas opções de Timing. Tanto poderá optar por um Timing de Sen No Sen, como o tempo de reacção é o mesmo permite-lhe optar por uma reacção mais pro-activa e roubar a iniciativa; como poderá optar por Go No Sen podendo ter uma reacção mais defensiva e roubar a iniciativa com o contra-ataque. No terceiro estado de concentração, Zanchin, o praticante terá no seu leque de opções de reacções qualquer um dos Timing. Como o estado de concentração é de alerta constante, é possível detectar qualquer intenção de iniciativa por parte do Tori e antecipar a sua acção. Isto permite ao Uke uma maior liberdade no Timing e usar o estado que considerar mais vantajoso para a sua situação. E em relação ao último estado de perfeita harmonia, Satori? Retomando a pergunta sobre os ideias defendidos por Funakoshi, que no Karate não existe primeiro ataque, e Motobu, que o Karate é agressividade, ao aplicarmos Sen Sen No Sen estamos a provocar um primeiro ataque? A meu ver, este último estado de Timing de antecipação quando conjugado com o último estado de concentração permite-nos atingir um harmonia total em que deixa de existir confronto, daí não existir primeiro ataque no Karate.
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Ma-ai Tal como a concentração, o Ma-ai também tem influência no Timing do praticante. Esta máxima corresponde à distância de segurança mantida entre os oponentes, uma distância que o Uke controla e que inutiliza o ataque do Tori mas não retira ao Uke a oportunidade de atacar também. Existem três tipos de distância, que vão condicionar os estados de Timing que o Uke tem disponível para aplicar. Considerando os tipos de distância como: •
Recuo
•
Esquiva
•
Entrada
Na primeira distância, de recuo, o Uke opta por um estado de Timing de Go No SenNum primeiro instante aplica o bloqueio/defesa/ma-ai de forma a inutilizar o ataque do Tori e depois efetua o ataque para roubar a iniciativa. Assim, o roubo de iniciativa por parte do Uke é sempre efetuado depois da iniciativa do Tori - ataque atrasado. Com a distância de recuo não existe mais nenhum Timing a ser aplicado pois os outros dois estados pressupõe que o praticante tem uma atitude mais pro-activa e que o seu tempo de reacção é simultâneo, ou até de antecipação. Caso o praticante mantenha uma distância de esquiva, Taisabaki, o estado de Timing adequado é o Sen No Sen. Este estado permite ao Uke acompanhar a iniciativa do Tori com a sua iniciativa, ao mesmo tempo como se fosse uma imagem espelhada, permitindo alterar a direcção da técnica e realizando assim o Taisabaki. O último estado de Timing, Sen Sen No Sen, é aplicado em distâncias de entrada. Este Timing faz com o que o Uke antecipe a iniciativa do Tori e consiga roubar a iniciativa fazendo uma entrada. Esta última distância pressupõe não só um Timing de antecipação por parte do Uke como também um estado de concentração mais apurado, como o Zanchin.
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Oportunidades Esta máxima é um dos objetivos destes diferentes conceitos de Sen, a do Uke roubar a iniciativa ao Tori. Num trabalho a pares, existe um praticante definido como atacante, Tori, que tem a iniciativa e não deixa o oponente a roubar; e outro definido como defensor, Uke, que está constantemente à procura de falhas em algumas das Sete Máximas para aproveitar e roubar a iniciativa. Existem diversas oportunidades que um praticante pode aplicar, dependendo da sua graduação. E conforme a graduação aumenta, o número de oportunidades e a sua liberdade vai aumentando também. Pegando no exemplo das oportunidades de 9º e 8º Kyu temos: •
Mandar parar
•
Trocar de perna e Mae-te
•
Desvio 180º
A primeira oportunidade, mandar parar, é a que requer um Timing e uma concentração mais apurada. Neste caso o Uke tem que se antecipar ao Tori e agir num momento antes de este tomar a iniciativa, por isso, podemos concluir que o estado de Timing indicado para este caso é o de Sen Sen No Sen. Para a segunda oportunidade, trocar de perna e atacar Mae-te, o Uke não precisa de um Timing e concentração tão apurada como na primeira. Basta ao Uke reagir ao mesmo tempo do Tori para que este consiga roubar a iniciativa com o ataque. Para este caso, o estado de Timing indicado é o de Sen No Sen. O último caso, desvio 180º, é a oportunidade que requer menos poder de Timing e concentração. Para esta oportunidade, mesmo que o Uke reaja após a iniciativa do Tori este consegue realizar a oportunidade para roubar a iniciativa. Podemos então concluir que para este último caso o estado de Timing mais indicado seria o de Go No Sen. Para as oportunidades de graduações mais avançadas, as entradas, o estado de Timing terá de ser sempre Sen No Sen ou Sen Sen No Sen. O Uke necessita de um Timing mais pro-activo para roubar com sucesso a oportunidade ao Tori, e caso mantenha um Timing de Go No Sen a sua reacção irá ser sempre uma consequência da iniciativa do Tori. Limita as opções do praticante em relação aos estados de Timing, mas como já foi dito, conforme a graduação aumenta também aumenta o aspeto prático e real dos exercícios.
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Conclusão Apesar de Go No Sen, Sen No Sen e Sen Sen No Sen serem conceitos que acabam por estar relacionados com diferentes Máximas do Karate-Do eu considero que estes constituem os diferentes estados de evolução do Timing, tal como acontece com os estados para a concentração. Mas como foi possível ver, as Sete Máximas do Karate-Do devem ser estudadas, analisadas e treinadas como um todo para o seu melhor aproveitamento, já que um praticante tem ao seu dispor muitas variáveis e combinações possíveis que pode aproveitar para sua vantagem. Além das Sete Máxima aprofundadas como o Timing, Yoi, Ma-ai e as Oportunidades, as restantes também podem influenciar o estado de Timing do Uke. Por exemplo, a Reacção/Explosão pode ser vantajosa para o Uke caso este pretenda aplicar um Timing mais pro-activo do que o Tori. Ao alterar o ritmo por sua iniciativa, tem a possibilidade de antecipar a iniciativa do Tori e roubar a mesma para sua vantagem. O Kime e a Respiração acabam por estar sempre presentes em qualquer técnica aplicada para que a mesma tenha um resultado prático efectivo, seja esta de defesa ou ataque. Neste caso, o Uke ao defender ou roubar a iniciativa ao Tori é necessário que aplique a decisão final com a respiração na técnica, esteja o praticante em qualquer estado de Timing. Podemos concluir que estes conceitos têm um papel muito importante na prática de Karate-Do, principalmente no trabalho a pares, e que é importante que os praticantes, logo desde graduações mais baixas, se preocupem em tentar atingir sempre os níveis mais altos para que não existam lacunas com o aumentar da graduação.
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