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Cinema

BEASTS of the Southern Wilds


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Eu só não entendo é que a mesma indústria não perceba a mim e as demais pessoas negras dessa cidade como consumidoras em potencial de produtos que falem das relações raciais.

Indomável Sonhadora: Nasce uma estrela negra Por Claudia Santos ogumstoques.com


E

ssa semana, já que estou de férias do trampo, tive mais tempo que o usual para estudar e para meu lazer. Numa dessas horas de lazer baixei um filme norte-americano. O título original é “Beasts of the Southern Wild”, no Brasil recebeu o nome de “Indomável Sonhadora”. Descobri o filme bem ao acaso. Navegando em sites de notícias estrangeiras, aportei num texto, um brevíssimo resumo da história. Fiquei sabendo ali que a película era estrelada por uma garotinha negra. Fisgada por essa isca, abri um hiperlink, e lá estava mais: a atriz Quvenzhané Wallis tinha apenas 6 anos durante a filmagem foi indicada ao Oscar 2013. Desde então, acometida por uma onda devastadora

de curiosidade e tracei minha estratégia: primeiro ver o filme e depois… bom, depois o filme é que me diria o que fazer. Agradeço mesmo, de coração, aos gentis blogueiros antenados. Essa gente simpática, seres d´além mar virtual, que disponibiliza arquivos. É certo que há o risco de infecção viral, mas a vida é assim também. Há sempre o risco de contaminação, que serve para fortalecer o corpo e estimular defesas. Ah! Sim! Se você quiser pode me condenar, mas sou a favor de compartilhar informações, livros, músicas, vídeos se isto for para fins educativos e associados ao desenvolvimento de consciência racial.

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Sim, tenho os meus critérios e princípios. Não saio baixando qualquer coisa. Ah! Antes que você aponte o dedo e me rotule como infratora confessa, aviso que entendo porque uma parte dos artistas e da indústria cultural veja essa prática como “pirataria” e tente impedir. Eu entendo que se sintam prejudicados já que formataram o produto. Entendo até que instalem sanções legais. Eu só não entendo é que a mesma indústria não perceba a mim e as demais pessoas negras dessa cidade como consumidoras em potencial de produtos que falem das relações raciais. Também não entendo que a indústria cultural corra para reprimir tão rápido essas formas de circulação

contemporâneas e nem se ocupe com a eterna apropriação indevida de bens culturais da população negra. Você que lê meu texto, não entenda a minha vontade de ver o filme como vingança. Eu chamo minha disposição de defesa. Afinal o filme foi produzido em 2011, sua circulação foi mais que restrita, sem destaque na imprensa, uma gota em mares de festivais que antecipa tendências de indicação e premiação dos festivais internacionais. O fato é que a indústria se defende ao modo dela, eu me defendo ao meu modo.

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Estou cansada de ter que ir correndo ao cinema, no apagar das luzes, apreciar uma narrativa que fala da nossa presença na diáspora. Ao fim vale sempre descobrir aquela trajetória incrível de artistas negros que nunca ouvi falar. E, ao mencionar artistas, me refiro não só aos que atuam na frente das câmeras, mas “Indomavel Sonhadora” não está cartaz em nenhuma sala de cinema da nossa cidade. Ao baixar e ver o filme, me defendo da sensação de impotência ao tempo em que rompo com a decepção de não saber antes das coisas interessantes que estão no filme. Na minha rotina militante, penso sempre em como me defender já que os ataques não cessam. Saber como se defender é crucial numa cidade em que desaparecemos como poeira, me defendo para evitar que a nossa morte física seja mera faxina. Eu vejo no cinema um modo audaz de permanecer negra, aprender sobre nossa história e de agitar a consciência racial. Aqui em Salvador – capital do Estado da Bahia – há crianças, jovens e adultos que vão morrer sem saber que com Indomável Sonhadora para o cinema nasceu uma estrela negra e muito brilhante. E foi bom vê-la atuar

também escritores, roteiristas, figurinistas, maquiadores, músicos, sonoplastas e fotógrafos. Por vezes aquele mergulho no escuro da sala de cinema nos faz esquecer que as imagens em movimento formam um espetáculo tão intenso que demanda a reunião de muitas artes e saberes.

Aqui em Salvador – capital crianças, jovens e adultos que vã que com Indomável Sonhadora nasceu uma estrela negra e mui

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e descobrir que a menina que vem de uma família negra que vive em Houma, uma cidade no Estado da Louisiana nos Estados Unidos da América, lá na região onde passou o furacão Katrina, lá no país onde existe um Presidente Negro.

Negros e negras daqui vão ignorar que como muitos de nós, a menina traz uma mistura dos nomes de mãe e pai inspirado na ancestralidade africana. Para me defender do risco de viver sem saber, ou mesmo de ser mal informada pelo manjado comentarista daquela emissora de TV oficial de transmissão do Oscar, pesquei mais informação e descobri que Quvenzhané Wallis, estrela do filme, é filha da professora Qulyndreia e caminhoneiro Venjie Wallis.”Quven”, a primeira parte do seu nome é junção das letras iniciais do nome da mãe e do pai. “Zhané”, a segunda parte do nome, é Swahili e significa “fada” in Swahili.

ital do Estado da Bahia – há ue vão morrer sem saber dora para o cinema muito brilhante.

Hushpuppie, nome da personagem da pequena Quvenzhané, é também muito original. Se refere a um bolinho salgado, frito, feito de farinha de milho. Muito significativo e metafórico para a narrativa da menina que vive cercada de vida natural e furiosa num território apartado da riqueza norte americana que vemos em outros filmes. Os pés da criança e seu ingênuo par de galochas brancas conhecem bem a terra. Ali reside a sabedoria e experiência de quem a qualquer momento pode caminhar sobre as águas salgadas do dique que os ameaça. Hushpuppie acreditava

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ser a melhor receita de sua mãe, uma cozinheira fantástica, cuja ausência física dialoga incessantemente com a menina. É densa e maravilhosa a narrativa do filme, inspirador apreender um contexto tão adverso pelos olhos infantis de Hushpuppie que conta só com os cuidados do pai. Aliás presença pouco comum nos filmes, uma família negra formada só por pai e filha. E essa é a outra grata surpresa no elenco, a presença de

Dwight Henry que interpreta Wink, pai de Hushpuppie. Henry tem uma trajetória pessoal muito incomum: nasceu no Texas, aos dois anos mudou para New Orleans, já adulto estudou no Tenessi, formou em artes, trabalhou no rádio, foi prefeito de uma pequena cidade rural em que vivia e depois voltou para Nova Orleans com a esposa e os filhos pequenos. Trabalhou em várias padarias até abrir seu próprio negócio depois da passagem do furacão

É uma personagem que encarna a responsabilidade pela socialização das crianças e zela pelo conhecimento daquela comunidade negar sua ancestralidade.

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Katrina. Foi chamado para fazer testes porque trabalhava em frente ao escritório dos produtores que tomavam café na manhã e faziam lanches na padaria. O elenco também nos brinda com a presença de Gina Montana, atriz estreante como os demais, recrutada em Nova Orleans, que chama atenção pelo personagem Senhorita Bathsheeba. Professora pronta para ensinar e curar, guardião dos livros e remédios, interprete de outras civilizações para os pequenos que nela confiam. É uma personagem que encarna a responsabilidade pela socialização das crianças e zela pelo conhecimento daquela comunidade sem negar sua ancestralidade. O personagem me lembrou que naquela região há muita presença Garífuna, grupo étnico que emergiu dos desastres provocados pelo tráfico trasatlântico,

mas resiste ancorada as suas matrizes africanas e nativo americanas. O personagem tem aparição breve porém importante para o roteiro. Depois de assistir o filme, li/vi também alguns artigos/entrevistas dos dois atores principais. Notei que a imprensa norte americana insiste em chamá-los de não atores, eu diria exatamente o oposto. Ambos protagonizam com explosão a relação entre pai e filha, é uma atuação extraordinária e delicada, emoldurada pela pobreza que determina as relações humanas. Henry e Wallis são artistas espetaculares e este é apenas o primeiro longa metragem de suas carreiras. Eles chegaram ao mercado por uma porta transversa, porém definitiva.

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Interessante que essa condição de estreante está também aplicada ao diretor, Ben Zeitlin que antes de “Indomavél Sonhadora” dirigiu só 3 curtas. O filme tem também o mérito da estreante Lucy Alibar. Ela é a autora da peça “Juicy and Delicious” que deu origem ao roteiro escrito em parceria com Zeitlin. Ela também é branca. E aí mora o filtro racial, o diretor é branco, a co-autora do roteiro é branca. Ambos são estreantes e isso nem de longe faz com que a imprensa norte americana os chame de não diretores ou não escritores. Eu poderia contar mais sobre o roteiro, tive o cuidado de ler já que está disponível para baixar no site do filme. Eu poderia analisar mais os contextos narrativos em contraponto a vasta bibliografia sobre o modo como as

pessoas negras resistem ao modo como o estado norte americano quer tratá-las, mas não vou. Prefiro dizer que você puder e quiser, veja o filme. Evite a choradeira, ative seus filtros para ler nossas heranças, identifique os desafios impostos pelas relações raciais e agite suas ferramentas de busca. Em tempos de leitura multimodal, aprender é isso: explorar o suporte fílmico, confrontar seus conhecimentos, extrapolar seu limite e trocar conhecimentos. “Indomável Sonhadora” é assim, uma experiência. Só depois de passar por ela você saberá a coisa certa a fazer.

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Os pés da criança e seu ingênuo par de galochas brancas conhecem bem a terra. Ali reside a sabedoria e experiência de quem a qualquer momento pode caminhar sobre as águas salgadas do dique que os ameaça.

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