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O major Jones pede a mão da moça William T. Thompson (1812-1882)


Introdução Esta nova empreitada da Oficina de Tradução da Casa Guilherme de Almeida, intitulada “Contos de Humor, Ironia e Sátira”, buscou contemplar contos da língua inglesa que retratam situações humorísticas, irônicas e satíricas, sempre revelando – ou sugerindo – uma visão crítica da sociedade e das ações humanas. Trata-se de uma coletânea de contos que inclui sobretudo autores americanos, ingleses e irlandeses: Mark Twain, O. Henry, Ring Lardner, William T. Thompson, Saki, Oscar Wilde, James Joyce e Seumas O’Kelly; entretanto, aqui se encontram também respeitados autores de outros países de língua inglesa: Premchand (Índia), Thomas C. Haliburton (Canadá) e Henry Lawson (Austrália), aparentemente pouco conhecidos no Brasil. Com isso, pretendemos mostrar a variada gama de estilos, aspectos culturais e morais de diferentes regiões e a universalidade dos sentimentos e atitudes humanas. Esperamos ter contribuído para a difusão da cultura e da literatura em tradução. Com exceção de um conto, “O Funeral de Buck Fanshaw”, de Mark Twain, que foi traduzido coletivamente, os outros foram traduzidos em pares, pequenos grupos ou, em situações especiais (casos de desistência), individualmente. A elaboração desta coletânea em tradução, é importante dizer, foi uma riquíssima fonte de aprendizado e de conhecimento para todos os participantes. A troca de informações, as discussões coletivas e as interpretações compartilhadas resultaram nestes textos que agora submetemos à apreciação do leitor, que terá a oportunidade de ler (ou reler) alguns autores conhecidos e de conhecer alguns até então desconhecidos no Brasil, mas que em seus respectivos países desfrutaram de grande sucesso. Que o humor, a ironia e a sátira aqui contidos revelem um pouco mais da face humana que, apesar de diferente aqui e acolá, revela-se, no fim das contas, a mesma em qualquer rincão do universo. Alzira Allegro Coordenadora da Oficina de Tradução


O major Jones pede a mão da moça William T. Thompson (1812-1882)


William T. Thompson (1812-1882) William T. Thompson nasceu em Ravenna, estado de Ohio, Estados Unidos; foi cofundador e editor do Savannah Morning News, um dos mais importantes jornais da Geórgia. Foi também editor de vários outros jornais. Criou o famoso personagem Major Joseph Jones, um dos mais originais personagens da literatura americana de humor; sob a forma epistolar, Major Jones escreve contos a Thompson, retratando em dialeto – e utilizando gramática e grafia sofríveis – a vida rural na Geórgia; esse estilo foi posteriormente adotado por outros escritores, inclusive Mark Twain, sobretudo em As Aventuras de Huckleberry Finn. Sua obra, boa parte como ficção epistolar (como o conto aqui traduzido), foi colecionada em vários volumes, entre os quais Major Jones’s Courtship (1843), Major Jones’s Sketches of Travel (1848) e Chronicles of Pineville (1845).


O major Jones pede a mão da moça Prezado senhor Thompson, O Natal já acabou e a coisa foi finalmente sacramentada! O senhor lembra quando eu lhe disse na minha última carta que eu ia resolver a questão com a senhorita Mary no Natal? Pois então, resolvi tudo e de um jeito bem imaginoso; mas a coisa toda ficou bem perto de um belo de um desastre. Vou lhe contar como tudo aconteceu. O fato é que mais de vinte vezes eu tomei a seguinte decisão: é só ir até lá e resolver a coisa de uma vez por todas; acontece que toda vez que eu chegava lá e ela me olhava com aqueles olhinhos de enlouquecer e ficava meio encabulada, eu sempre amarelava – quase desmaiava – e tudo o que eu tinha preparado pra dizer pra ela, sumia da minha cabeça e eu não conseguia pensar em nada pra me garantir. Mas o fato é que o senhor é um homem casado, senhor Thompson, então eu não tenho nada pra lhe dizer sobre esse negócio de pedir a mão, como se diz por aí. Dizem que as viúvas não ligam nem um tiquinho pra isso, mas, como diz o pastor, estou cometendo uma transgressão. Na véspera do Natal vesti meu terno novo, fiz a barba até ficar com a pele bem lisinha e depois do chá lá fui eu visitar as filha da velha madame Stallins. Foi eu pôr o pé na porta da sala de visita, onde elas estavam sentadinhas em volta da lareira, e a senhorita Carline e a senhorita Kesiah caíram na gargalhada. – Vejam só! Vejam só! – elas disseram. – Eu não disse? Eu sabia que era o Joseph! – O que que eu fiz, senhorita Carline? – perguntei pra ela. – Você veio por causa da minha irmãzinha e daquele osso da sorte; tenho certeza que ela sabia que você viria quando ela pôs o osso em cima da porta. – Não! Eu não fiz isso; eu não fiz nada disso – disse a senhorita Mary, e o


rosto dela ficou todo vermelho de tão encabulada que ela ficou. – Ora essa! Não negue! – disse a senhorita Kesiah. – Agora você pertence ao Joseph; tão certo quanto a simpatia do osso da sorte. Eu sabia que naquela hora eu tinha a maior chance do mundo de dizer alguma coisa, mas a coitadinha da criatura parecia tão desarvorada e estava tão envergonhada, com o rosto todo vermelho, que eu não consegui dizer nada acertado! Então, puxei uma cadeira, estiquei os braços, peguei o osso e guardei ele no bolso. – O que é que você vai fazer com esse osso velho agora, major? – a senhorita Mary perguntou. – Enquanto eu viver vou guardar ele de presente de Natal da moça mais bonita da Geórgia – eu falei pra ela. Quando eu disse aquilo, ela ficou ainda mais vermelha de vergonha. – Não tem vergonha de dizer uma coisa dessas, major? – ela me perguntou. – Agora você tem que dar a ela um presente de Natal, Joseph, para ela guardar para toda a vida – disse a senhorita Carline. – Ah! – disse a velha madame Stallins. – No meu tempo de juventude, a gente costumava pendurar nossas meias. – Que horror, mamãe! – disseram todas as três juntas. – Falar de meias na frente do... Aí foi a minha vez de mudar um pouquinho de cor, porque elas estavam todas mais vermelha do que maçã, de tanta vergonha que estavam sentindo. – Ora bolas! – disse a velha. – Que melindre mais exagerado esse de vocês! Eu queria muito saber que mal há em falar de meias de mulher. As pessoas hoje em dia estão ficando tão fingidas que não conseguem chamar nada pelo nome certo, e elas não são nem um pouco melhores do que as pessoas de antigamente. Quando eu era mocinha, como vocês, meninas, eu costumava pendurar minhas meias na árvore e elas amanheciam cheinhas de presentes.


As moças continuaram a rir, com o rosto todo vermelho de vergonha. – Vamos deixar isso pra lá – disse a senhorita Mary –, o major vai me dar um presente de Natal, não vai, major? – Ah! É claro que vou! – eu disse. – Você sabe que eu lhe prometi. – Mas eu não quis dizer isso – ela disse. – Eu tenho um presente pra você, que você vai ter que guardar pro resto da vida, mas vou precisar de um saco bem grande pra ele caber lá dentro – eu disse pra ela. – Ah! Entendi... Um saco bem grande – disse ela. – Mas você tem que prometer guardar esse presente pro resto da vida – eu disse pra ela. – Claro que prometo, major. – Que melindre mais exagerado esse de hoje em dia; ninguém mais sabe nada de cortesia – disse a velha senhora Stallins, quase caindo no sono com o tricô no colo. – Você ouviu isso, senhorita Carline? – eu falei. – Ela está dizendo que vai guardar o presente pra toda a vida. – Prometo que vou – disse Mary –, mas qual é o presente? – Não precisa ficar preocupada – eu disse pra ela –, é só pindurar um saco bem grande na árvore e você vai descobrir o que que é quando for ver de manhã. A senhorita Carline deu uma piscadela pra senhorita Kesiah, e depois cochichou alguma coisa no ouvido dela; então as duas caíram na gargalhada e olharam pra mim de um jeito bem matreiro. Elas estavam desconfiando de alguma coisa. – Se eu pendurar o saco, você vai ter que me dar o presente – disse a senhorita Mary. – E vai prometer cuidar dele – eu disse pra ela.


– Bem... prometo, porque sei que você nunca me daria nada que não valesse a pena guardar. Ficou então combinado que elas iam pendurar na varanda de trás da casa um saco pra eu pôr o presente de Natal da senhorita Mary; e quando eram mais ou menos dez horas eu despedi delas e fui pra casa. Fiquei acordado até a meia-noite e quando eu tinha certeza que todas já tinham ido dormir, saí de casa, fui bem de mansinho até o portão dos fundos, cheguei na varanda e lá estava, de verdade, um baita dum saco – desses de carregar fubá – pindurado na árvore. Tive um trabalho danado pra chegar até ele, mas eu já tinha decidido que ia em frente. Então, botei umas cadeiras em cima de um banco e consegui alcançar a corda; aí escorreguei pra dentro do saco; mas bem na hora que eu estava entrando nele, ele balançou as cadeiras e lá se foram elas com um barulho danado; mas ninguém acordou, exceto o vira-lata das Stallins, e lá veio ele feito louco pelo pátio afora e ficou lá rondando, rondando, tentando ver se descobria onde é que estava o problema. Fiquei bem encolhidinho dentro do saco, respirando até menos do que um gatinho, de tanto medo que ele me achasse; e logo ele parou de latir. O vento começou a soprar de um jeito abominoso e o bendito saco girava e balançava tanto que me deu um enjoo dos diabos. Eu fiquei com medo de me mexer e a corda arrebentar e eu cair; e lá fiquei eu tiritando de frio, batendo os dentes como se tivesse aqueles calafrios de febre. Parecia que nunca ia amanhecer e acho mesmo que se eu não fosse tão apaixonado pela senhorita Mary, eu iria congelar e morrer ali mesmo; meu coração era a única parte do meu corpo que estava quentinha, mas ele não dava mais do que duas batidinhas por minuto; mas quando pensava na surpresa que ela ia ter de manhã, ele disparava. Não passou muito tempo o maldito vira-lata apareceu na varanda e começou a farejar em volta do saco, e depois começou a latir como se tivesse descoberto alguma coisa. “Au! Au! Au!”, ele latia. Em seguida farejava


de novo e tentava pegar o saco. “Vai embora!”, eu disse pra ele, bem baixinho, com medo que as meninas me ouvissem. “Au! Au!”, ele latia de novo. “Some daqui, seu pateta insuportável!”, eu disse pra ele; eu estava em maus lençóis, porque achava que a qualquer minuto ele ia me dar uma mordida, e o que era ainda pior – não dava pra saber que parte do meu corpo ele ia atacar. “Au! Au! Au!” Então, resolvi mudar de estratégia e tentei conquistar o bicho com jeitinho. “Venha cá, meu simpático companheiro”, eu disse e assobiei um pouquinho pra ele, mas não adiantou nada. Lá ficou ele plantado, gemendo e latindo sem parar, a noite inteirinha. Não dava pra saber quando ia amanhecer se não pelo cocoricó das galinhas; morri de alegria quando ouvi o barulho delas; se eu tivesse que ficar lá mais tempo, acho que nunca ia conseguir sair vivo daquele saco. A velha madame Stallins foi a primeira que apareceu; e nem bem viu o saco ela disse: – O que será que o Joseph pôs naquele saco para a Mary? Aposto que é um filhotinho de algum animal, senão o Bruin não latiria tanto. Ela entrou de novo pra chamar as menina e eu fiquei sentado lá, tiritando de frio; estava difícil até de abrir a boca e falar alguma coisa, mesmo se eu tentasse, mas eu fiquei bem quietinho. Não demorou muito e elas vieram correndo até a varanda. – Deus do céu! O que é isto? – disse a senhorita Mary. – Nossa! E está vivo! – disse a senhorita Kesiah. – Está se mexendo! – Chame o Cato e peça a ele para cortar a corda – disse a senhorita Carline –, vamos ver o que tem lá dentro. Venha cá, Cato, e desça aquele saco. – Pelo amor de Deus! Não o machuque! – implorou a senhorita Mary. Cato desatou a corda da árvore e desceu o saco pro chão e eu saí de dentro dele todinho coberto de fubá – da cabeça aos pés. – Virgem Maria! – disse a senhorita Mary. – É o major em carne e osso!


– Pois é... – eu falei pra ela –, e você prometeu guardar até morrer o meu presente de Natal. As moças quase morreram de tanto rir e começaram rapidinho a espanar o fubá que me cobria, dizendo que sempre que fosse Natal, elas iam pindurar aquele saco, até achar um marido pra elas também. A senhorita Mary – que Deus abençoe aqueles olhos brilhante – ficou corada de tanta vergonha, mas ela estava linda como a manhã mais gloriosa, e ia cumprir a promessa. Ela tinha acabado de levantar da cama e o cabelo dela estava todo despenteado, e a roupa toda amarrotada, mas mesmo assim ela estava uma formosura de enlouquecer. Até acredito que se eu tivesse morrido congelado, só um olhar pra aquele rosto tão meigo, quando ela ficou lá olhando pro chão com aqueles olhinhos marotos, aqueles cachos sedoso e brilhante caindo até o pescoço alvo como a neve, já dava pra me ressuscitar. Digo-lhe uma coisa – valia a pena ficar pendurado num saco de fubá de um Natal pro outro pra eu sentir tão feliz como nunca senti. Depois que a gente deu muita gargalhada, eu fui pra casa e sentei perto do fogo até descongelar. De tarde elas todas vieram pra nossa casa e a gente fez a maior ceia de Natal que já teve na Geórgia, e eu nunca vi tanta gente tão feliz sentada na mesa da minha casa. A velha madame Stallins e a minha mãe acertaram os detalhes do casório e falaram sobre tudo o que tinha acontecido na família de cada uma, riram de mim e de Mary e choraram de saudades dos maridos falecidos, porque eles não estavam vivo pra assistir o casamento dos filhos. Agora já está tudo resolvido, exceto que a gente ainda não marcou a data do casamento. Eu queria que tudo fosse resolvido de pronto, mas o senhor sabe como é, as moças sempre gostam de esticar os preparativos um pouco além da conta; então, acho que ainda vou ter que esperar um mês ou dois. A Mary (ela diz que agora não posso mais chamar ela de senhorita Mary)


está me dando um trabalho e uma amolação dos diabos; mas se o senhor conhecesse ela, o senhor ia dizer que eu não devo de reclamar por nenhum sofrimento, mesmo que seja bem pequeno, porque eu consegui arranjar noiva meiga pra chuchu. O senhor precisa dar um jeito de vir no nosso casório. Quando a gente acertar a data, escrevo de novo pro senhor. Por hoje é só.

De seu amigo – até morrer

Jos. Jones N.B. Quase esqueci de contar pra você sobre o primo Pete. Quando ficou sabendo de meu noivado, ele estava tomando gemada e engasgou de tanto susto; e desde que isso aconteceu, ele anda mais bem-humorado e despreocupado do que nunca.

Tradução: Alzira Leite Vieira Allegro


criação: angela kina | carlos santana


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