A Aventura de Bernardo - livro infantil ilustrado

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Edição 2018 © Guilherme Cahú TEXTO E ILUSTRAÇÕES: Guilherme Cahú CAPA E PROJETO GRÁFICO: Guilherme Cahú 1ª edição – maio de 2018 | 1ª impressão – maio de 2018 | 2ª impressão – novembro de 2018 | 3ª impressão – março de 2019


Aos amigos que me apoiaram nesse projeto, assim como Bernardo tambĂŠm foi ajudado.



Baixa Verde até que era um pouco movimentada para uma vila. Tinha uma feira que atraía diversos moradores das vilas vizinhas e, com tanto movimento, era fundamental ter também um prédio para a corporação de ofício dos mensageiros. Eles eram responsáveis por trazer notícias de outras regiões e correspondências à população. Quando chegavam em um local com uma corporação e concluíssem seu trabalho, podiam ir até lá para descansar e receber orientações sobre as próximas tarefas. Na corporação, inclusive, era possível encontrar mensageiros vindos de outros lugares, então era bastante comum dar de cara com trabalhadores novos que ninguém nunca tinha visto antes.


Era lá onde estava Bernardo, um camundongo que havia chegado de manhã e tinha acabado de concluir seu trabalho. Ele não conhecia muito a região porque era a primeira vez que estava ali; só tinha ouvido algumas poucas recomendações e nada mais. Foi enquanto descansava que ouviu outros mensageiros conversando: — Rapaz, aquele era o Fernando? — Perguntou o tatu. — Sim, era sim — respondeu um furão. — O cara é doido! Foi embora e deixou tudo aqui! — Espero que ele conheça bem a área, porque sair assim é tenso. Bernardo se aproximou e perguntou: — Vocês tão dizendo que ele saiu e não levou nada? — Isso aí — respondeu o tatu. — Deixou a bolsa e saiu sem mapa nem água? — Exatamente. — Mas por que vocês não foram atrás dele? — Cara, quando a gente se deu conta, ele já tinha saído — disse o furão — e a gente ainda tem trabalho pra fazer aqui. Não dá pra ir atrás dele. — Pelo menos vocês sabem pra onde ele foi? — Pela direção, deve ter saído pelo norte da vila. Bernardo não pensou duas vezes: pegou a bolsa de Fernando e saiu em disparada.



Da vila havia uma trilha que dava direto na mata e Fernando só poderia ter ido por lá. Pelo menos, como era ainda o início da tarde, daria para caminhar na floresta sem problemas. De noite é que era difícil, porque a escuridão não permitia que se visse nada. O camundongo seguiu pela trilha até que começou a ouvir o som de passos que não eram seus. Ele parou para ouvi-los melhor; percebeu que estavam se aproximando. Em questão de segundos apareceu atrás de si uma criatura enorme, de focinho comprido, pêlo escuro, com umas marcações curiosas e uma volumosa cauda.




Era um grande tamanduá-bandeira. Bernardo congelou. Nunca tinha visto esse tipo de tamanduá antes. O tamanduá olhou pra ele, depois olhou ao redor, e olhou pra ele de novo. — Você tá perdido? Bernardo não conseguiu responder. — É uma estátua, então? Não sabia que já faziam estátuas tão realistas assim. — O que? — Ufa, ainda bem que não é uma estátua. Imagina dar de cara com uma assim no meio do nada, que sinistro. — Eu... olha, eu tô procurando uma criatura que deve ter passado por aqui. O nome dele é Fernando. É que ele esqueceu isso e eu tô indo devolver. — Ah, Fernando! Conheço sim. Ele passou por essa mesma trilha. Falei até de longe com ele. Se você seguir em frente, deve encontrá-lo. — Poxa, muito obrigado! — De nada. Mas tome cuidado que, mais adiante, o caminho não é muito bom. — Pode deixar! O grande tamanduá cruzou a trilha se misturando novamente às árvores enquanto Bernardo saiu acelerado.


A trilha virava aqui e ali. Às vezes a passagem era estreita, outras vezes mais larga. Em um ponto precisou passar por cima de uma rocha que era quase do seu tamanho. Ele se perguntou se não teria se perdido, mas aquilo era impossível. Só havia aquela trilha, e ele não se desviou do caminho nenhuma vez; mas é que a rota parecia não levar ele a lugar nenhum. “Eu devo estar exagerando,” pensou. Mas por ficar divagando ao mesmo tempo que andava, Bernardo tropeçou. A primeira coisa que veio à sua frente foi o arbusto de uma pitangueira. No calor do momento, ele se agarrou a ela e pegou justamente a ponta dos galhos, onde a madeira é mais fraca. Assim ela se partiu, deixando o camundongo rolar ribanceira abaixo. Até umas folhas ele arrancou (pelo menos folhas de pitangueira são cheirosas), mas não veio nenhuma pitanga de consolação. Quando o barulho da queda passou, tudo o que se podia ouvir eram os pássaros da floresta que pareciam não se importar com nada que acontecia no solo. Outra criatura, porém, se importava bastante.



Um tapiti, um coelho de pelo amarronzado e barriga branca, estava se segurando para não explodir de irritação em cima de Bernardo. — Mas rapaz, eu termino de fazer essa toca aqui e você quase me soterra! Ainda meio atordoado, o camundongo se levantou e tentou explicar. — Olha, desculpa.. É que eu caí lá de cima e… — Caiu? De onde? Do céu? Tá pensando que é anjo, é? — Moço eu não queria ter vindo parar aqui, e nem sabia aqui era sua casa… ou a entrada dela. Pode me dizer como voltar pra trilha lá de cima, por favor? Daqui não vai dar pra escalar. — Pra voltar pro céu acho difícil você conseguir. — Não, olha.. ah, deixa pra lá. Bernardo se virou para ir embora. Não podia perder tempo. — Vai naquela direção, ó — apontou o tapiti. — Vai dar numa cachoeira, que é onde a trilha passa, mesmo. Mas nem me peça pra lhe acompanhar. — Tá bem. Obrigado! Bernardo seguiu seu caminho e ouviu o coelho murmurar ao fundo “toda semana é isso!”


O trajeto indicado era paralelo à trilha original, mas Bernardo tinha que seguir por entre as árvores, sem nunca perder a ribanceira de vista, já que estava se guiando por ela. “Talvez agora eu esteja realmente perdido,” pensou. “Ou não.” Ele ouviu um som de água correndo. Quanto mais andava, mais alto o barulho ficava, até que finalmente ele deu de cara com uma massa de água que caía e batia nas pedras e estourava, arremessada a todos os lados. E Bernardo estava ali embaixo, pertinho de onde isso acontecia. O som era alto, contínuo, e bastante agradável. A cachoeira… ela era um pouco alta, mas até era possível subir.


Pela disposição das pedras ao redor, dava para escalar (diferentemente daquela ribanceira), e foi o que o camundongo fez, pensando em voltar para a trilha que deveria passar lá por cima. De pedra em pedra, uma pata de cada vez, Bernardo escalou para chegar no topo da cachoeira. Lá em cima era cheio de rochas que permitiam a travessia do rio. Curioso era que aquela trilha de antes dava exatamente naquele local e continuava do outro lado do rio. De lá de cima dava para ver muita coisa. A mata, lá em baixo, se parecia com um mar de árvores e os morros se pareciam com ondas. Lá longe, vapor saía da floresta onde talvez fosse uma vila.



Depois de uma hora de caminhada pela trilha, Bernardo chegou àquela vila que tinha visto. De lá dava até para ver aquela cachoeira bem de longe. Aquela era a vila de Areia Branca. Ela era menor que Baixa Verde, mas ainda assim, era movimentada. Para buscar informações, Bernardo se aproximou de uma timbu que carregava frutas num cesto.


— Com licença, eu tô procurando um mensageiro chamado Fernando, você sabe se ele passou por aqui? — Ah, Fernando? Claro que sim! — Ele saiu de Baixa Verde e esqueceu uma coisa importante. Vim de lá pra entregar isso a ele. — Mas Fernando é tão competente… nunca achei que um dia isso fosse acontecer, porque ele nunca se esquece de nada. — É, mas parece que dessa vez ele esqueceu... Sabe onde posso encontrá-lo? — Moço, por aqui ele não tá não, viu? — Ele não veio aqui trazer alguma notícia ou alguma mensagem a ninguém não? — Que eu saiba, não… Só deu um oi e foi-se embora lá pras dunas. — Que estranho… — Não faz muito tempo. Se você for logo, deve conseguir alcançá-lo. Bernardo agradeceu e saiu na direção das dunas, com a timbu lhe desejando sorte.


As árvores e arbustos que rodeavam Areia Branca a protegiam da areia que vinha das dunas. Fora da vila, e portanto sem a proteção da vegetação, o vento soprava com intensidade, trazendo o cheiro salgado do mar, mais distante, e alguns grãos de areia ao viajante desprotegido. Lá fora, porém, era possível ver o rio correr por entre as dunas em direção ao mar, além do que parecia ser uma casa de madeira bem ao longe e, a meio caminho, uma criatura em movimento. Era Fernando, com certeza, e parecia ser um camundongo também. Bernardo pensou logo em sair correndo mas decidiu traçar um plano. Pelo que podia ver, Fernando estava fazendo um caminho mais longo para chegar à cabana. Se pudesse pegar um atalho, talvez Bernardo o alcançasse antes dele chegar lá.


Assim, caminhando contra o vento constante, ele desceu o acesso de Areia Branca e seguiu pelos montes de areia pela parte mais central, que era o trecho mais seguro para caminhar. Logo Bernardo foi chegando cada vez mais perto de Fernando, que parecia não estar atento a nada ao seu redor. Para alcançá-lo definitivamente, Bernardo desceu uma duna deslizando pela lateral, quase se afundando na areia, e tentou subir a duna seguinte, também pelo lado. Com dificuldade ele foi escalando, mas chegando perto de Fernando, perto de alcançar o topo da duna, a areia cedeu e ele escorregou monte abaixo. Por causa daquela movimentação, muita areia passou a escorrer para cima de Bernardo e logo ele estava sendo soterrado. Não dava nem para escalar a duna nem sair por entre elas porque metade do seu corpo já estava envolto em areia. Cada vez mais, Bernardo ia sendo enterrado vivo. Desesperado, tentou um último recurso.



Gritar


Fernando ouviu o grito e correu para ver o que era. Quando notou que havia uma criatura em perigo, correu mais rápido ainda. Ele chegou no topo de uma das dunas, olhou para Bernardo e depois para um lado e para o outro na tentativa de encontrar uma solução, mas não havia nada que pudesse fazer. Ao mesmo tempo em que tentava entender a situação e encontrar uma saída, Fernando não sabia nem o que falar. Conforme a duna ia erodindo e caindo sobre Bernardo, o galho de uma velha e resistente árvore começou a aparecer. Ela devia ter sido engolida pela areia quando a duna foi se formando e se movimentando com o vento. Era a chance de Bernardo. O galho era inalcançável, mas o camundongo mensageiro teve uma ideia: esticou a alça da bolsa de Fernando ao máximo e arremessou para o galho. Lá ela se prendeu e Bernardo a utilizou como numa corda. Ele conseguiu sair do vale de areia e chegar até o galho, que ficava cada vez mais descoberto. Como dava para se apoiar nele, o camundongo desenganchou a bolsa e a lançou novamente para cima, agora na direção de Fernando, que a segurou sem pensar duas vezes e fez o máximo que pôde para puxar Bernardo para cima.



Bernardo estava salvo. Cansado, ele ficou ali mesmo em cima da duna, junto de Fernando, enquanto tentavam entender direito aquela situação. — Você deve ser Fernando — disse, ofegante. — Sou sim… como é que você sabe? — É complicado… mas também sou mensageiro — e ele apontou para a bolsa nas mãos de Fernando. — Vim entregar isso aí. — Ah... obrigado, mas… é que não precisava. — Como não? A gente nunca deve sair a trabalho sem isso, e eu ouvi um pessoal dizendo que você esqueceu lá na corporação… Fernando deu um sorriso discreto. — Devem ter entendido errado. Eu tava indo visitar um amigo, na verdade, e deixei isso lá na mesa pra guardarem. E eu conheço bem a região, sabe, então não precisava de nada… mas espera, — ele olhou bem para Bernardo e questionou — você saiu sem suas coisas?


Nessa hora, da direção do rio vinha chegando uma lontra. — Fernando? — Afonso! E aí! — Desculpa a demora. Hoje tava meio complicado pra pescar. — Eu tava achando estranho que a sua cabana tava toda fechada a essa hora… — É, acontece... E esse aí, é seu amigo? — Acho que sim, conheci ele agora — e deu uma risada. — Bom, já que a tarde tá acabando, por que vocês não ficam pra jantar e passar a noite?


Assim Bernardo conheceu a ótima sopa de peixe que Afonso fazia. E assim, também, Fernando ouviu toda a história de Bernardo, e Afonso entendeu o porquê de toda aquela confusão. — Você é uma figura, Fernando — disse Afonso. — Toda semana faz um amigo novo.




Enquanto isso, na floresta de Baixa Verde, um esquilo se informava com um grande tamanduá-bandeira: — Eu tô procurando uma criatura que deve ter passado por aqui. O nome dele é Bernardo e ele saiu da vila esquecendo isso...


Este livro foi composto em Edo 56 para o título, Aller 18 para o nome do autor e EB Garamond 16/19 para o miolo. Miolo em papel couché fosco 150g. Capa em cartão 250g.



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