Releitura BRAVO!

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Revista BRAVO! Novembro 2010

O melhor da cultura em Novembro de 2010 www.bravonline.com.br

ARTES PLÁSTICAS

TEATRO

DANÇA

R$ 14,90

PAUL MCCARTNEY SE APRESENTA NO BRASIL

MÚSICA

CINEMA

LIVROS

E MOSTRA PORQUE É O COMPO SITOR MAIS BEM-SUCEDIDO DE UMA GERAÇÃO BRILHANTE

Literatura

CONFESSIONÁRIO

Um poema inédito de Mancel de Barros, Eleito Artista do Ano no Prêmio Bravo! Bradesco Prime

Fernando Meirelles, conta sobre sua vida filmes e inspirações.


LIVORS

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PRIMEIRA FILA

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MÚSICA

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CINEMA

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FICÇÃO INÉDITA

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SITE

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CARTA DO EDITOR CARTAS


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PARA QUE SERVE UMA ESTATUETA? O que há para refletir sobre a entrega do Prêmio BRAVO!Bradesco Prime, no mês passado na Sala São Paulo

Existem duas maneiras de

encarar um premio cultural. Uma duvidosa é a esportiva. Como se na arte houvesse vencedores e derrotados, ou como se estatuetas do tipo Oscar, Ursos De Ouro ou Jabuti equivalessem a uma copa do mundo. a outra mais adequada, é levar em consideração o significado cultural em um premio. o que ele aponta em termos de tendências e que a soma de seus indicados e vencedores tem a dizer sobre o espírito de uma época. Nesse segundo sentido, o Premio Bravo! Bradesco Prime (leia cobertura completa na página 24)é um excelente tema para reflexão. Único no Brasil a contemplar todas as áreas, artísticas, ele fornece uma fotografia nítida do momento atual da cultura brasileira. a edição deste ano foi especialmente ilustrativa. O período sobre qual os jurados se debruçaram - entre agosto de 2009 e julho de 2010 - não teve filmes que combinassem densidade artística com grande apelo popular (como Tropa de Elite, vencedor em 2008) ou livros de medalhões da literatura brasileira (caso de Chico

Buarque, vencedor em 2009, com seu Leite Derramado). Num ano em que os grandes nomes viveram uma entressafra a cultura brasileira mostrou, no Premio Bravo! Bradesco Prime, que vive uma fase de efervescência criativa entre os artistas jovens. Alguns exemplos. Na área de música popular, a cantora nina Becker e Thalma de Freitas, expoentes da nova geração do pop brasileiro, receberam o premio de melhor show representando a Orquestra Imperial, uma espécie de coletivo de músicos jovens. Na literatura, Fabrício Corsaletti , de 31 anos levou a estatueta com seu livro de poesias Esquimó. No cinema, o vencedor foi Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo , de Karin Ainouz e Marcelo Gomes, representantes da nova safra do cinema nacional. Esses artistas tiveram a honra de receber seu premio em nomes consagrados da cultura brasileira, como o poeta Ferreira Goulart, no caso de Corsalette o cantor Paulo Miklos, do grupo Titãs, que entregou a estatueta a Nina e Thalma, ou Paulo José, que deu o premio ao ator Irandir

Costa, protagonista do filme de Gomes e Ainouz. Nos três casos os entregadores foram artistas veteranos em plena capacidade criativa que talvez estejam entre os indicados do Premio Bravo! Bradesco Prime de 2010 , esta talvez seja a principal reflexão que a festa na Sala São Paulo provoca: uma cena artística saudável se compõe de jovens e veteranos inquietos, desafiando-se mutuamente Nesse sentido, podese dizer que a cultura brasileira vive um bom momento.

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Leitores elogiam reportagem sobre Ferreira Gullar, destaque da edição de outubro

Ferreira Gullar

Fiquei muitos anos sem ler a

BRAVO! Achava que os textos não despertavam o meu interesse. Resolvi comprar a edição de setembro para ler sobre a Bienal de artes plásticas e, muito feliz, redescobri a revista. Neste mês, comprei novamente e minhas expectativas foram cumpridas, pois a publicação está ótima! Nunca dei muita bola para o poeta Ferreira Gullar, mas , lendo a matéria escrita pelo jornalista João Barile, vi o que estava perdendo. As matérias informam e contextualizam, explicam porque as coisas são ou não, especiais. Para quem está

acostumado a acompranhar as noticias em sites de blogs, ao ler uma revista como a BRAVO!, temse a sensação de ler um romance, tamanha a diferença na qualidade dos textos. Fabio Sandes, São Paulo, SP A edição de outubro de BRAVO! Me fez lembrar quando descobri Ferreiro Gullar nos livros de literatura da escola. O que ficou mais guardado em meu coração é o poema Não há vagas. Repetia como se fosse uma letra de canção: eu o adaptava a um acontecimento cotidiano. Era meu refrão intimo, minha canção popular na adolescência. Só faltava assoviar Ferreira Gullar. Dalena Carvalho,

Salvador, BA O poeta da vila Fiquei sensibilizado com a carta do editor da edição de outubro de BRAVO!. Li a biografia de Noel Rosa há cerca de dez anos, e o que mais me chamou atenção foi a maturidade do poeta com sua pouca idade e brevíssima vida. O quanto ele tocava as pessoas com poesias de vida cotidiana daquele Rio de Janeiro de 1920 e 30. Quero agradecer a BRAVO! Por homenagear Noel este ano porque o que faz uma pessoa normal ser chamada de artista é seu poder em tranformar coisas simples em algo que emocione. Patricia Forner, Sorocaba, SP

ERRATA Naagenda de musica edição n} 158 de BRAVO!, a orquestra que se apresentou na sala de São Paulo foi a orquestra Bach da Gewandhaus sob regência de Georg Chistoph Biller. E não a orquestra de Gewandhaus, sob regência de Ricardo Chailly FALE CONOSCO Envie as cartas ou e-mail para esta seção com o nome completo, RG, endereço e telefone, a revista BRAVO! Reserva o direito de, sem alterar o conteúdo, resumir e adaptar os textos publicados. As correspondecias devem de ser endereçadas a seção cartas, av. Nações Unidas, 7221, 5º andar, CEP 05425-902. São Paulo. Os email a cartasbravo@abril.com.br


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Crítica

Na obra-pima “As Armas Secretas” , o escritor argentino Julio Cortazar leva o leitor à lona com alguns dos melhores contos da literatura contemporânea. POR ANDRÉ NIGRI

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m uma conversa com um colega argentino apaixonado por boxe,Julio Costázar ouviu uma das melhores analogias entre esporte e literatura já feitas. Enquanto o romance sempre vence por pontos, o conto precisa ganhar por nocaute. No excelente reeditado recentemente - As Armas Sevretas (publicado em espanhol em 1959), o escritor portenho mescla a potência de um peso pesado com a agilidade de um pugilista ligeiro. Nos cinco contos do livro, Cortázar leva oleitor à lona, mas o impede de jogar a toalha. Pelo contrário .Ao término do quinto e último round, queremos estender a luta. O livro é umcombate repleto de golpes cruzador e diretos traduzidos em frases curtas, como a obstinada duração dos fantasmas”, do conto Cartas de Mamãe,no qual um casal de argentinos radicando em Paris não cosegue se livrar da “presença” de um morto da família em Buenos

Set de filmagem de Blow Up - Depois daquele Beijo, com o diretor Michelangelo Antonioni ( à esq.) Enredo inspirado em conto de Cortázar.

Aires.Já em Os Bons Serviços, uma ex-criada velha e decadente é misteriosamente convcada por senhores ricos para cuidar de umamatilha de ca~esdurante uam festa e depois interpretar um sinistro papel durante um funeral. O ÁPICE DA LINGUAGEM A destreza e a habilidade do narrados atingem o ápice em AsBabas do Diabo, conto no qual o diretor italiano Michelangelo Antonioni inspirou-se para realiazar sua obra prima, Blow Up - Depois daquele Beijo - (1966). No conto, as vozes narrativas se misturam para tecer a história de uma foto realizada por umhomem em uma pequena praça em Paris. Ao examinar a ampliação, ele percebe que pode ter testemunhado umcrime (imagine o que Cortázar faria hoje, a era da fotografia digital) .Antonioni mudou o cenário para a Londres dos

anos 60 tendo como objetivo fazer a cronica da cidade, que, naquela decada, ultrapassava Paris e Nova York e se erigia emcapital cultural do mundo. Outro cume a ser alcançado pelo leitor de A s Aramas Secretas é O Perseguidor, que o proprio Cortazar considera seu melhor ponto. Aqui , o autor entrelaça as traget´rorias do narrador, um jornalista que escreve sobre um idolo do Jazz, Johnny Carter, e do biografado ( que é baseado em um dos herois do proprio Cortazar, o saxofonista Charlie Parker). Impossivel tirar os olhos dessa narrativa. Ainda que o nocaute seja inevitável. OLIVRO As Armas Secretas, de Julio Cortázar. Tradução de Eric Nepomuceno. Civilizaçao brasileira, 192 pags. R$ 29.

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Fernando Meirelles no viveiro que mantêm em sua casa de São Paulo. Gosto pela solidão.


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O Cineasta está lançando o livro “Cegueira, um Ensaio”, em que esmiúça os bastidores do filme “Ensaio sobre a Cegueira” POR ARMANDO ANTENORE Foto Ana Ottoni

Ele costuma guardar árvores no

bolso. Os cartesianos (por que existem tantos pelo mundo?) se apressarão em corrigir. “Não são árvores! São caroços”. De fato: são caroços. Mas caroços, uma hora, se tornam árvores. Então... – O hábito incomum certamente decorre da escendência rural de Fernando, um paulistano de sobrenome tão comprido quanto o dos barões que, um dia, floresceram sob as graças de cafeicultura: Ferreira Junqueira Vilela Meirelles. Todos os ramos da família, oriundos de Minas Gerais, se dedicavam – e ainda se dedicam – à agropecuária. O próprio cineasta possui uma fazenda. Comprou-a na década de 1990, em Rifaina (SP), quase como um autômato. Ouvia os apelos sorrateiros dos genes. “Quem nasce debaixo de nossa aba”, ordenavam em silêncio, “deve estudar, arrumar uma profissão, casar, adquirir uma fazenda...” No começo, destinou as terras à criação de gado. Há uns seis anos, porém, resolveu , transformá-la em uma floresta. Abdicou dos pastos e iniciou o plantio de árvores nas margens dos rios que cortam a propriedade de 630 hectares. Até agora, semeou cerca de 25 mil pés – bananeiras, cajueiros, paineiras, ipês, guapuruvus, pequizeiros. Com o tempo, planeja atingir a cifra de 1 milhão. A idéia é permitir que o arvoredo e a mata ao redor ocupem a fazenda inteira. Para que? Para nada. O diretor não almeja explorar comercialmente o oásis que está produzindo. Agradalhe apenas imaginar que onças, tucanos, macacos ou tamanduás irão usufruir tranqüilos daquele recanto. – E os caroços, como entram na história? Sempre que saboreia uma fruta com potencial para virar uma árvore, Fernando trata de recolher as sementes. Deposita-as no bolso da calça e, mal arranja uma folga, planta-as em um viveiro doméstico.

Quando as mudas alcançam um tamanho razoável, coloca-as numa caminhonete e pega a estrada rumo à fazenda. Lá replanta cada espécime, dessa vez a céu aberto. Seus dois filhos, Kiko e Carolina, gostam de alimentar a mania e trazem para o pai os caroços que garimpam nos lugares onde viajam. Sua mulher, Ciça, suspeita um pouco da excentricidade. Meio de brincadeira, meio seriamente, afirma que o marido sofre de TOC, o transtorno obsessivo-compulsivo. – Um antigo ditado ensina que, se não quiserem despencar no esquecimento após a morte, os homens precisam gerar filhos, escrever livros e plantar árvores. Fernando, que comemorou 55 anos em setembro, cumpriu as três metas mesmo assim, segue incrédulo. Nunca sucumbiu a ilusão de que se perpetuará longamente na memória alheia, Já compreendeu que, dedo ou tarde, filhos, livros, árvores e filmes desaparecerão por completo, sem deixar rastro nenhum.

Tem celular, mas jura só atender as

ligações de Ciça, Julio e Carolina. Tem perfil no facebook e no twitter, mas dificilmente os visita. Tem inúmeros compromissos de trabalho, mas aprecia a quietude. Não á toa, cultiva práticas que reivindicam a solicita com ES mudas do viveiro, guiar serenamente numa rodoviária, nadar três vezes por semana. Encararia tais atividades como ladainhas ou mantras que o conduzem a um exílio onde o pensamento distraido cai no vácuo. A faceta reclusa, entretanto, não lhe conscurece caráter agitado. Muitos o consideram impaciente ainda que gentilíssimo. Há quem o classifique pé trator - um sujeito tão elétrico que, sem preceber, acaba desrespeitando o ritimo dos outros. Na esperança de driblar o transito vai de moto nas reuniões profissionais pelo centro de São Paulo. Sabe que

se arrisca, certa ocasião escarrou na porta de uma lija e levou um tombo. A motocicleta desabou em cima de sua perna esquerda quebrando-a. Ficou 6 meses de molho. Embora tema novos importunios não abre mão de percorrer a cidade em cima de umas 250 cilindradas. O desassossego supera o medo.

Odeia bate boas, conflitos, gritaria.

Quando briga passa dias lamentando o episodio. Por isso foge de atores geniais, mas geniosos. No set procura criar uma atimosfera pacifica e colaborativa. Nem sempre consegue, as vzes se desentende com Cezár Charione fotografo que o acompanha na maioria dos projetos. Discutem sobre iluminação das cenas, o uso das lentes, o posicionamento das câmeras. Na tentativa de minimizar o confronto o cineastra aceita uma proposta que lhe parece lapidar: diante de um impasse, filma das duas maneiras – a dele e a de Cezar. Normalmente os ânimos se acalmam. O problema é na hora de escolher a melhor sequencia. “ Aposto que vai descartar a minha” reclama o fotografo. “ Estou para conhece ruma cara mais teimoso que você Fernando”.Depois de lançar o fiel jardineiro o diretor mergulhou em uma depressão imensa. Exaurido já não via sentido em rodar um próximo longa. Cogitou desitir da carreira e se azilar na fazenda. Recorreu a terapia. Nas divagações com a psicóloga enxergou em si. Algo que até então, não notava. “ porque você deseja se superar continuamente?” indagava a analista. “Será que você não tem uma lado sombrio? Porque isnsiste tanto em agradar?” e se tem pq n mostra?. Ferndando saia arrasado do consultório. Quer dizer que a precocencia pode se transvestir de eficácia e simpatia ? A resposta ainda hoje o surpreende.

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Paul McCartney, que vem ao Brasil para os três shows mais esperados do ano, e o compositor mais bem-sucedido da história da música popular. E suas canções envelheceram melhor do que as do ex-parceiro John Lennon.


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Paul McCartney em show na Holanda, em sua turnê Good Evening Europe de 2009. O músico é um colecionador de recordes.


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“A PARTIR DE ‘ELEANOR RIGBY’, PAUL MCCARTNEY PASSOU A ENCARAR A MÚSICA USANDO AS FERRAMENTAS DE ESCRITOR. ANDAVA NAS RUAS EM BUSCA DE PERSONAGENS COM O OBJETIVO DE TRANSFORMÁ-LOS EMCANÇÕES. NASCIA UM NOVO PAUL - E NASCIA, TAMBÉM . UMA NOVA FASE DOS BEATLES”.

S

e certas pessoas são uma metarmofose ambulante - de malucos beleza a políticos em busca de votos -, Paul McCartney é uma hipérbole ambulante. Com Macca, tudo é macro. Segundo o livro de recordes, obsessivo com estatísticas, Paul é simplesmente o compositor mais bem sucedido da história da música popular- auge de uma saga que começou com o Homem de Neandertal batucando a sua clava no couro do pobre bisonte e chegou aos dias de hoje com Lady Gaga saracoteando no Youtube. Não tem para ninguém. E não apenas na esfera comercial, mas também na influência estética. Claro que McCartney se projetou mundialmente pelos Beatles, a maior banda de todos os tempos. Mas, ora essa, os Fab Four, apesar do seu pedigree incomparável a da sua alteração de paradigma em áreas que trancedem as partituras, duraram uns relativamente mixurucos dez anos. Paul tem mais 40 anos de estrada posteriores ao conjunto. Somados os dois períodos, ele coleciona 60 discos de ouro e vendeu mais de 100 milhões de compactos simples só no Reino Unido. Os leitores do site da BBC, a principal rede de comunicações britânica, elegeram McCartney

como o maior compositor do milênio. A mesma BBC atesta que Yesterday, composta quando Paul ainda era um Beatle, é a canção mais gravada da história, por cerca de 2,2 mil artistas. Desde o lançamento , em 1965, já foi executada mais de 7 miljões de vezes só nos Estados Unidos. Macca detém também os recordes de permanência mais duradoura no cocuruto das paradas musicais, tanto nos compactos como nos álbuns. Neste mês, Paul McCartney vem ao Brasil para os shows mais agardados do ano. Serão duas récitas em São Paulo e uma em Porto Alegre. Paul nos visita numa época em que o país se consolida como parte integrante de turnês internacionais dos pricipais artistas. As últimas excursões da cantora Madonna e dos grupos U2 e Rolling Stones- únicos da cena pop atual que ombreiam em relevãncia com McCartney tiveram sua perna brasileira. PAINEL VERTIGINOSO SOBRE A SOLIDÃO Isso se dá por três rezões. A primeira é a boa situação econômica do país, que permite que a classe média lote estádios com capacidade de 60 mil lugares pagando ingressos caros, que vão

de R$ 140 a R$ 1.400, no caso dos shows de Paul ( na Inglaterra, os ingressos para o mesmo espetáculo custaram em média R$ 470, e nos Estados Unidos, R$ 365).A segunda é o dólar baixo. Graças a ele,os emrpesários podem arcar com os altíssimos cachês e custos de produções. Fretam-se aviões e mais aviões para que a estrutura de uma turnê seja padronizada no mundo inteiro - ou seja, quem for ao show de Paul McCartney verá cada ruga do artista no mesmo telão de alta definição que fez parte da excursão internacional. Por ultimo, conta o fato de os grandes artistas terem voltado à estrada, já que o shows se tornaram sua principal fonte de renda com a crise domercado de discos. E o Brasil, país com visibilidade crescente, faz mais do que nunca parte dessa rota das estrelas. Na lista de músicas do show brasileiro, estão previstos sucessos da carreira solo de Paul, como Let Me Roll It, e do tempo dos Beatles, como The Long and Winding Road. Com base em músicas como essas, é possível meditar sobre como Paul se tornou o mago dos números acima - e talvez o maior criador de clássicos desde que a canção pop passou a ter o baixo e a guitarra como acompanhamentos principais. A resposta talvez


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QUEM FOR AO SHOW PODERÁ VER CADA RUGA DE PAUL NO TELÃO DE ALTA DEFNIÇÃO QUE ACOMPANHA A TURNÊ

NA FOTO:Os Beatles Ringo Starr, John Lennon( ao fundo), Paul McCartney e George Harrison em foto de 1968. Paul foi marcante na melhor fase da banda, a partir do álbum Revolver (1966).

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‘’SHE’S LEAVING HOME ‘’;DE PAUL,É TALVEZ A MAIR OBRA -PRIMA ENTRE TODAS AS CANÇÕES CRIADAS PELOS BEATLES

Os Beatles em 1968 e,Londres. A briga entre McMarctney e Lennon (que fingem lutar boxe acima) durou até a carreira solo de ambos, quando John se dedicou a falar mal da obra solo de Paul.


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esteja num longínquo dia de 1966, quando McCartney compôs a obra-prima que mudaria sua visão de mundo e sua carreira: Eleanor Rigby. A composição é um painel vertiginoso sobre a Soliidão e a velhice, ancorado numa descrição de feição literária da personagem título. Na biografia autorizada organização pelo jornalista Barry Miles, Macca diz sobre essa canção:Aos 24 anos ,que tinha na época ,pensava em tocando em uma ?De alguma maneira ,queria compor coisa mais serias.E Eleanor Rigby me pareceu o caminho “.A partr daí ,Paul passou a encaregar da música popular usando as ferramentas do escritor .Andava nas ruas em busca de personagens com .Nascia um novo Paul- e nascia, também ,uma nova fase dos Beatles, A dos discos conceituais ,como Revolver,Sgt Peppers e Álbum branco. Nesses três álbusns,estão as grandes obras -primas de Paul McCartney. Em Revover está for NO ONE ,talvez a mais pungente canção já escrita , com seus versos : ‘’Haverá um dia em que todas as coisas que que ela disse encherão a sua cabeça / Você não vê nada / Nenhum sinal de amor nas lágrimas ,chorandas por ninguém /Um amor que deveria ter durado muitos anos ‘’. Em Sgt.Pepper’s,está She’s Leaving Home, talvez a maior obra- prima entre todo

conjunto fantásticas das canções criadas pelos Beatles.A música se basea numa notícia de um jornal britânico Daily Mail, que foi falava de uma garota que saiu de casa numa e nunca mais foi encontrada . Baseado nessa nota, Paul TECEU UM ENREDO em três atos com cenas que, de maneira sutil a altamente literária, dão o clima da história - a porta aberta devagar para não acordar os pais, o blihete deixado pela moça, que não dava conta da emoção que sentia, a mãe lendo a carta de despedida no alto da escada, como um retrato da solidão, Lennon deu sua pitada de gênio à canção, um coro de tragédia grega que reproduz a voz dos pais. Mas o que John invejava mesmo era Eleanor Rigboy - a ponto de espalhar, desonestamente, que era o verdadeiro autor da letra. LORENZO DI MEDICI E A NOUVELLE VAGUE Cabe entrar, aqui, na inevitável comparação entre Lennon e McCartney. Quem resume o talento de cada um de forma brilhante é o escritor - e crítico de música de BRAVO! Arthur Dapieve: “Paul é o perfeito artista pop e, por isso, tornou-se o clássico dos clássicos modernos. Forçoso dizer que algumas canções masi políticas do Lennon ficaram datadas, por naturalmente fazer referências a fatos da época. Já

Paul sempre apagou os rastros do tempo e do lugar, de modo a fazer com que suas músicas, mesmos as menos boas, se tornassem atemporais ou universais”. Até que ponto Lennon tinha consciência de que Paul caminhava para se tornar mais perene? Talvez mais do que se pensa. Depois de consumado o cisma dos Beatles, Johnnyzinho “paz e amor” empregou uma boa parte de sua energia ridicularizando a obra de Paul em sua carreira solo. Lennon chamava a canções dos Wings de muzak, o nome que se dava naquela epoca às músicas que tocavam em elevadores. E até se deu ao trabalho de compor , expressamente para o seu cupincha de infância em Liverpool., uma dasmúsicas masi cruéis de todos os tempos, How Do You Sleep?, na qual informava ao mundo que “the only thing good you done was Yesterday” (“a unica coisa voa que você fez foi Yesterday”). Essa “desconstrução” da imagem de Paul por John, para usar um termo caro aos marqueteiros políticos de hoje, de certa forma funcionou. Em alguns cenáculos, McCartney sobretudo o Macca pós-Beatles - parece emanar uma persona algo fasisaica, meio kitsch, quase filistina. Enfim, um fabricante de tolas canções de amor. Durante a memorável década dos Beatles

APAGANDO OS RASTROS DO TEMPO “SEGUNDO O CRÍTICO ARTHUR DAPIEVE, PAUL É O PERFEITO ARTISTA POP E , POR ISSO, TORNOU-SE O CLÁSSICO DOS CLÁSSICOS MODERNOS. ELE SMEPRE APAGOU OS RASTROS DO TEMPO E DO LUGAR, DE MODO A FAZER COM QUE SUAS MÚSICAS, MESMO AS MENOS BOAS, SE TORNASSEM ATEMPORAIS OU UNIVERSAIS

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POSES DIGNAS DO CIRQUE DU SOLEIL

‘’COMO O PASSAR DO TEMPO, PAUL FOI SENDO CADA VEZ MAIS ATRALADO A UMA REPUTAÇÃO DE MESQUINHO. SOBRETUDO DEPOIS DO BARRACO COLIS SAL QUE FOI O SEU DIVÓRCIO DA SEGUNDA MULHER, HEATHER MILLS. CIRCULARANM PELAS DINAS DO CIRQUE DU SOLEIL’’

(os anos 60), John foi aos poucos se transfigurando em mais do que um integrante da banda hype. Mais do que um vocalista. Mais do que um guitarrista. Mais do que um compositor. Reciclado numa espécie príncipe renascentista ( tipo Lorenzo di Medici), foi canonizado como autor nao no prosaico sentido em que sou o autor deste texto, mas naquela acepção com que a Nouvelle Vague francesa aureolou ativista. Enfim, um expoente do canone não acadêmico mas do cânone revolucionário. Por fim,Lennon morreu assassinado por um daqueles mentecaptos ávidos por cada segundo dos seus 15 minutos de fama .A contemporaneidade trituradora de mitos adora as mártires precoces . Lá me Dean: ‘’Viva depressa,morra jovem e deixe um corpo bonito’’. No século 19. o poeta austríaco Hungro von Hofmannsthal puplicará uma série de obras primas antes de completar 20 anos - e em seguida secou completamente .Até o fim da sua longa vida . Um crítico malicioso exclamou :’’Que que grande poeta ele teria sido se tivesse morrido aos 19 anos ! Talvez - e os outros têm trabalhar para viver. Foi o que Paul fez durante 40 anos, a ponto de cantar a ele próprio com expectativas de idade , sua When I am Sixty- Four. FOCAS ,VEGETARIANISMO R DÍVIDA EXTERNA

Enquanto John morria era de certa forma canonizado, Paul seguiu vivendo e exercendo sua humanidade - vale dizer- seus defeitos.Com o passar do tempo , foi cada vez mais atrelado a uma reputação de pau- duro e mesquinho. Sobretudo depois do colossal barraco que foi o divorcio da segunda mulher mais nova. Após a briga nua numa cama o acordo saiu em 2008 não sem antes circularem para internet em posições dignas de cirque du solei. Perto dessa baixaria. Paul e sua ex mulher Heather Mills no Golfo do de St. Lawrence no Canadá.O casal a caça preparatória de focas - em 2006, morriam 30 00 Sovina? Alienado? Bem, Paul defende há muitos anos direitos dos animais , o vegetarianismo ,a educação musical obrigatória .Militou em Inúmeras campanhas contra minas explosivas, a caça ás focas . a dívidas do terceiro Mundo . Tendo teste munhado os de atentados do 11 de setembro do aeroporto em Nova York, McCartney foi o principal mentor das vítimas . Ainda np mês passado , o mais careta e egoístas dos Beatles’’ se mostrou solidário ao cantor George Michael , preso em Londres desde foi condenado ao dirigir sob efeito de maconha . Segundo ao jornal Britanico The Sun , carta de duas páginas , Mc Cartney prometeu visitar o colega . Em se tratando de maconha e prisão, Macca tem alguma experiência.Em 1980, passou dez dias em uma cadeia japonesa por porte da erva. Também arriscou seu prestígio

atuando em outras áreas artísticas. Paul compôs trilha sonora (por sinal, excelente, do filme de James Bond Live and Let Die), enveredou pela música clássica (entre outras, atuou com a Filarmônica de Liverpool, ao lado da soprano Kiri Te Kanawa). E é um pintor bissexto, mas palatável, melhor do que alguns colunáveis metidos que se pavoneiam nas bienais posando de vanguardistas. Basta consultar o livro Paintings. A exposição de gravuras de Macca em Hamburgo mereceu ensaios aprovadores de vários críticos britânicos respeitáveis. Em que pé ficamos, no frigir dos ovos? Lennon ou McCartney? Não se trata de achincalhar um para reabilitar o outro. Até porque Paul não precisa disso, e John não merece isso. Caramba, o que John ainda poderia nos ter dado! Paul? Bom, Paul continua a dar. Paul e sua ex mulher Heather Mills no Golfo de St.Lawrence, no Canadá. O casal militava contra a caça predatória de focas- em 2006, morriam 30 000 espécimes por ano. ONDE E QUANDO Turnê Up and Coming, de Paul McCartney. Estádio do Beira Rio (Porto Alegre). Dia :07 às 21h. Estádio Morumbi (São Paulo). Dias 21 e 22 às 21h30. Valor: De R$ 140 à R$ 1.400 – ingressos esgotados. Mais informações em : WWW.paulmccartnay.com/ tickets/


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Paul e sua ex mulher Heather Mills no Golfo de St.Lawrence, no Canadá. O casal militava contra a caça predatória de focas- em 2006, morriam 30 000 espécimes por ano.

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Crítica

Os personagens de “ A Vida durante a Guerra” disputam , entre eles, quem sofreu mais desgraças. Eo diretor Todd Solondz firma sua reputação de cronistas das famílias infelizes. Por PAULO ROBERTO PIRES.

E

nquanto a ONU continua investigando o mundo para atribuir as pessoas e nações o seu IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, Toss Solondz avalia sem piedade o IMH, Índice de Miséria humana. Seu método de pesquisa é o do bom artista: olhar em volta. Assim o fez em Bem Vindo À Casa de Bonecas (1995) e felicidades (1998).Desse último, que o consagrou como o mais amargo dos mderninhos, o recente A Vida durante a Guerra é uma continuação meio estropiada e assustadora. Como se sabe, o IMH nos filmes de Solondz é alto. Talvez porque ele leve às ultimas consequências máxima de Tolstói e não consiga pensar em família sem disfunção. Por isso, retoma com outros atores a saga das irmãs judias de Felicidade : Joy, triste de dar dó,asombrada pelos fantasmas dos namorados suicidas; Helen,a roteirista que vive à parte da família , entre uma transa e outro com um ceto Keanu ; e, finalmente,a cinquentona

O atores Paul Reubens e Shirley Hendenson ,como Andy e Joy.Na cena , ela toca para o fantasma do namorado suicida.

Trish, criando duas crianças como órfans para protegê-las do pai, pedófilo que acaba de sair da cadeia e ai à procura do filho mais velho, estudante de antropologia, que tenta enterder o que acoeceu em sua vida. RITO DE PASSAGEM O protagonista do filme é Timmy, filho de Trish, menino de 12 anos em preparativos para o bar mtzvah, aqui transforma num cruel rito de passagem para um mundo sem esperanças. Um mundo que, como nos adverte o título, está em guerra. E é aí que Solondz vai além do que poderia ser um sofisticado exercício de humor negro. O título A Vida durante a Guerra lembra, na tradição do cinema norteamericano, personagens submetidos a aprovações, enquanto o mundo em armas luta, contra o mal inequívoco. Mas a guerra que assombra os deprimentes subúrbios coloridos da América começou em 2001. E o pobre Timmy acha que “Pedófilo”

e “Terrorista” são sinônimos, o que se explica pelo estado de exceção permanente da paranóia cívica e moral. O barbudo da esquina pode muito bem estar fazendo, sei lá, um curso para piloto. E o vizinho do lado, sei não, esse negócio de estar smepre no computador... Entre a irmãzinha, linda e sedada por Rivotril, e a mãe, que conta como usou uma toalha de papel para se recuperar da formte impressão causada pelo novo namorado, Timmy vai vivendo. E Toddy Solondz escrevendos diálogos como o do grupo de jovens que disputam desgraças familiares e desqualificam a competidora que sofreu um abuso do padrasto: “Não tem nada de mais. Ele só usou os dedos”. Vida emtempo de guerraéisso aí. O FILME A Vida durante e Guerra, de Todd Solondz. Com Shirley Henderson, Allison Janney.Estréia prevista para este mês.


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VIVER A VIDA De Jean-Luc Godard 1969 (imovision). Em dos títulos básicos do diretor, em que brilha o talento de Anna Karina , na pele da jovem mulher que larga tudo e se arrisca a um mergulho na prostituição.

O ESCRITOR FANTASMA De Roman Polanski. 2010(Paris). Com Ewan McGregor e Pierce Brosnan. Suspense de primeira, com roteiro requintado e direção na medida, carregando o espectador para o centro de uma trama envolvente. Ewan McGregor é o motor da ação, quando aceita escrever as memórias de um ex-primeiroministro britânico e mergulha na mesma espiral de riscos que custou a vida de seu antecessor. O elento é outro ponto alto. Nenhum ator seria melhor do que o escocês McGregor para encarnar a aura de inocência e curiosidade que caracteriza o seu herói.

ALMAS À VENDA De Sophie Barthes, 2010 (Paramount) Com Paul Giamatti e Emily Watson, muita originalidade na estrela da Sophie Bartnes, criando uma trama que lembra o melhor de outros criativos roteiristas, como o norteamericano charlie Kaufman (de Quero ser John Malkovich, 1999). A diretora acerta na combinação de humor, seriedade e até umas pitadas de poesia para criar a aventura de um ator em crise (Giamatti), que arrisca extrair a própria alma numa empresa especializada nessa inusitada operação.

NO LIMIAR DA VIDA De Ingmar Bergman. 1958 (Versátil). Com Ingrid Thulin, Bibi Anderssone Eva Dahlbeck. Um dos títulos mais premiados do cineaste sueco, vencedor do trofeu de melhor direçao no Festival de Cannes. O roteiro inspirado em contos de Ulla Isaksson, realiza um instigante mergulho na maternidade, focalizando três grávidas, que trocam impressões sobre seu estado em situações distintas: uma delas( Ingrid), num casamento sem amo; outra (Eva), feliz pela próxima vinda de uma criança; e uma adolescente (Bibi) dividida pelo peso da eminente responsabilidade.

MUITO MAIS QUE UM CRIME De Costa-Gavras. 1989 (Lume). Com Jéssica Lançae Armim Mueller-Stahl.O diretor grego cria um verdadeiro thriller familiar no drama de uma advogada (Jéssica) que mergulha num pesadelo de duvidas quando seu pai (Armin), um imigrante húngaro é repentinamente acusado de um passado nazista. Da mesma forma que fez num título mais recente, Amém (2002), em que voltou ao tema do nazismo, Gavras evidencia a relação indissociável, entre as relações públicas e privadas apoiando-se em um ótimo elenco

DESTINOS LIGADOS De Rodrigo Garcia.2010 (PlayArte). Sensível retrato de três mulheres diante da maternindade opondo as atrizes Annet Bening, Nomi Watts e Kerry Washington escolhas bem diferentes.

REDS De Warren Beatty. 1981 (Paramount). Beatty faturou o merecido Oscar de melhor diretor nessa biografia de John Reed, o jornalista norte-americano que se apaixonou pela revolução Russa.

O LIVRO DE ELI De Albert Allen Hughes. 2010 (Sony). Ficção cientifica aposta no carisma de Denzel Washington na pele de um andarilho solitário que usa seus dotes para proteger um misterioso livro.

THE RUNAWAYS – AS GAROTAS DO ROCK De Floria Sigismonal. 2010 (Paris). A história da dupla de roqueiras Joan Jetti e Cherlie Currie, que viveram os anos 70 em alta voragem – e pagaram o preço.

A CAIXA De Richard Kelly. 2009 (Imagem). Cameron Diaz e James Marsden recebem uma caixa pelo correio e devem decidir apertar um botão para ganhar muito dinheiro – o que vai custar a vida de alguém.

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Onze narrativas do livro “Quero Ser Paulo César Peréio”, que o baiano Herculano Neto lança em fevereiro. Ilustração Guilherme Israel

Direito preescrito Nasci com defeito de fabrica, defeito na alma, minha mãe não notou, meu pai não notou, ninguém notou. Só perceberam quando inventei de me remendar, de me colar ,de me parafusar. Mas ai, já era tarde: não era possível a devolução.

A minha Alma nua Houve um tepo que eu tinha desistido de mim, não sabia o que era luz do dia, nem alimento que não fosse bebido, injetado ou aspirado. Quis cair de boca na boca da noite e acabei caindo nos dentes da boca do Rio. Era requisitado pelos Playboys da pituba, pois portava sempre a massa boa, a de qualidade. Curtia a noite até sua ultima ponte, suas dores, seus atalhos, seus clichês, suas miragens. Até conhecer Pérola, uma negra de porte altivo e cabelos de náilon, que realizava um trabalho social com as prostitutas e travestis afro-descendentes da orla. Eu era

útil para ela porque sabia o ponto e o nome de todas, de algumas até o nome de batismo. Cheia de revolta e idéias socialistas, me fascinou seu discurso caduco, suas vestes de princesa africana e sua idolatria por Omulu, “o que mata sem faca”. (Pérola era o arco-íris de Madagascar.) Seu conceito de igualdade pouco se chocou com meu desencanto humanitário. Foi minha pele parda, de mestiço do recôncavo que não combinava com a dela – que me considerava muito branco para seu universo.

Casa de massagem Sou atendente de uma casa de massagem no centro de Salvador há seis meses. Meus parentes acreditam que trabalho como doméstica numa casa de família, mas na verdade ofereço serviços sexuais rápidos e baratos. Tudo é muito simples, os clientes tocam a campainha , encontram dez garotas, escolhem a que desejam, depois pagam e vão embora, como

se tivessem acabado de sair de uma lanchonete Hoje, observando pelo olho mágico, tive a impressão de que havia um homem com um bebê. Quando abri a porta, descobri que ele carregava o irmão de 19 anos, que não possuía nem braços nem pernas. O homem disse que era aniversário do irmão e queriam comemorar. As meninas, assustadas, baixaram a cabeça com receio de serem contempladas; eu não – talvez por isso ele tenha me escolhido. Dentro do quarto, tentei puxar conversa, descontrair o ambiente, mas ele não dizia nada. Então, tirei sua roupa com cuidadosamente, segurei seu torso como se fosse uma boneca ( ele era mais pesado do que apresentava) e o coloquei numa posição que eu imaginava ser a mais apropriada para o ato. Foi a primeira vez que gozei no trabalho.

Pólvora Ainda me avisaram para eu não ir,


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que era barril. Só não imaginava que o pavio fosse tão curto

Mais uma dose Minha cidade é uma cidade de bares. Mas não é uma cidade da noite – a noite ri da minha cidade. Botecos, cervejarias, lanchonetes que vendem mais cerveja que refrigerante. Mercadinhos que vendem mais dose de aguardente que farinha se proliferam por suas esquinas, abrigando castas de desiludidos como eu. O templo evangélico de outrora agora é um bar. Certa feita, sentado nas cadeiras da congregação, acompanhei a pregação do pastor que, inflamado, exaltava os presentes com urros: “ Aquele que tiver fé coloque aqui o seu dinheiro”. Levantei e fui embora. Não porque eu não tivesse caraminguás, ainda dava pra mais

uma dose, mas porque percebi que não tinha fé.

Quero ser Paulo César Peréio Não acreditei quando ele falou que atravessou o túnel eu entraria na mente de John Malkovich. Ele insistiu para que eu fosse, argumentou que a experiência era incrível, que na noite passada ele tinha vivido o que não viveu a vida inteira, que eu não iria me arrepender que eu passaria a ver o mundo diferentemente, que eu encontraria minha essência (ou algo assim). Com o saco cheio de tanta persistência inútil, desselhe, segurando seu colarinho agressivamente: _Não quero ser John Malkovich! Quero ser Peréio, porra!

Aqueles seios Trabalho no setor de mamografia de um hospital público há pouco tempo. Mas o suficiente para eu perceber que sou o homem errado no lugar errado. Atendo oito pacientes por turno, nenhum a mais. Todos os dias são iguais, mulheres amedrontadas na companhia dos maridos ou das filhas, com suas tetas velhas flácidas, pálidas, gastas e adormecidas. Para mim, indiferentes montes de carne. Até eu conhecer Dona Helena. Dona Helena apareceu no meio do expediente de uma quartafeira. Quarenta e quatro anos, seis filhos, semi-alfabetizada, moradora da zona rural. Era o que dizia sua ficha. Tomei o último gole do café frio e enquanto assinalava mecanicamente algumas opções de formulário , pedi para ela fazer a gentileza de tirar a roupa. No entanto, quando vi aqueles seios

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emudeci assustado, logo eu, tão acostumado a malta infinda de donas de casa desnudas, me deparei com o mais belo e perfeito par que já encontrei. Antes, acreditava que peitos bonitos só freqüentassem clinicas particulares. Dispensei-a sem realizar seu exame. Alguns meses depois também numa quarta-feira, ela retornou. E novamente não realizei seu exame. Se aqueles seios tinham algum vestígio de câncer eu prefiro não saber.

de que realmente tinha morrido. Mas eu quis continuar por conta própria, era pessoal. Quando eu adentrei o salão, decorando com antigos quadros, ele estava sentado na poltrona, de frente para a lareira – parecia muito mais gordo do que sai ultima aparição. Sem olhar pra mim, ele falou com um tom de voz tranqüilo e extremamente grave: _Creio que você sabe que não poderá sair daqui. _ Sei, mas isso é o que menos importa

No corredor da morte

Na calada da noite

Acho que a injeção letal não seria problema. O pior é a espera.

Elvis não morreu Basileia, 1983. Os últimos anos de investigação me levaram aquele chalé. No inicio, encarei como mais um extravagante trabalho, depois se tornou quase obsessivo. Os contratantes me dispensaram ainda nos primeiros meses, alegaram que estavam convencidos

Só me dei conta quando eu estava voltando para o hotel, exausto, de cara e sozinho: nem toda noite é noitada.

Sacizeiro Se fosse numa obra do Monteiro Lobato, sacizeiro poderia até ser uma arvore encantada no meio da floresta, mas aqui, na 15º DP, sacizeiro é o usuário de crack que mantém o vicio através de pequenos furtos, é o elemento mais nocivo da sociedade, é aquele

que perambula pelas ruas feito um zumbi, totalmente sequelado, amedrontado e abordando a população, pedindo centavos, na maior noia, ou no saci , como eles mesmo dizem. Sacizeiro é uma referencia ao saci-pererê, devido ao uso do cachimbo para o consumo de pedras, numa alusão infeliz – minha infância não merecia uma homenagem dessas. Todos os dias, detínhamos mais de uma dezena, mas terminávamos liberando a maioria, não teria espaço para tanta gente aqui. Depois que os comerciantes do centro da cidade nos contrataram para formar uma milícia, nem nos damos mais ao trabalho: derrubamos o vagabundo onde ele estiver. A mídia não divulga as mortes para n aparecer neguinho dos direitos humanos fazendo barulho por causa de pombo sujo. Nosso trabalho é festejado em silencio. Antes de eliminar o individuo, costumo quebrar sua perna com um bastão de beisebol, que meu filho trouxe de Orlando. Então, mando o malandro pular com uma perna só, para, finalmente, poder acertá-lo com um tiro na cabeça.


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De Caetano Veloso a Woody Allen, do prêmio Bravo! Bradesco Prime ao premio Nobel Concurso cultural “Artista plástico do ano” Concorra uma viagem para conhecer o instituto cultural onhotim(foto), vencedor na categoria melhor programação cultural do 6º premio Bravo! Bradesco Prime de cultura, respondendo a pergunta: Qual artista plástico mais se destacou no último ano? Porque? Saiba mais sobre o concurso no site www.bravonline.com.br.

Do cinza as cores Caetano Veloso e Gilberto Gil (foto) são alguns dos artistas que trouxeram cores à cincenta musica brasileira dos anos 60. Ouça algumas das canções que deu nome ao movimento tropicália

Qual é o seu limite? Confira performaces como How we in the balkans kill rats e Thomas lips (como matamso ratos nos balcãns e lábios de Thomas, em tradução livre em que o artista seria Marina Abravamovic (foto) teste seus próprios limites físico e mentais.

A rebeldia do Rock A rebeldia dá o tom em dois musicais que marcaram a historia e estão em cartaz no ria de janeiro, hair e hadwig e o centímetro enfirecido (foto). Confira no site suas versões cinematográficas

Entre amigos Em 1981, uma conversa que durou 3 dias foi o pontapé inicial para uma amizade que já rendeu até um livro. Na ocasião, o jornalista Ricardo Setti havia sido incumbido de entevistar, para a revista PlayBoy o autor peruano Mario Vargas Liosa.No mês passado, uma semana depois de o escritor ganhar o

Woody na fase londrina Em seus filmes mais recentes vários deles rodaram em Londres. Woody Allen (foto) deixou de lado os personagens ricos, e passou a retratar tipos que precisam ganhar dinheiro para viver. Veja no site trechos do filme de sua faze Londrina

Premio Nobel ( Setti a dir. na foto) o entrevistou novamente, num evento ocorrido no dia 13 de outubro na editora Abril. Veja no site trechos desse bate-papo.

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Releitura da revista BRAVO! da editora Abril feita por Guilherme Israel. Trabalho proposto pelo professor Fernando Ferreira. Dezembro de 2010


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