Reportagem sobre Comércio Justo

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Comércio Justo: o Comércio ao serviço do Ser Humano

Situada numa das artérias mais comerciais do Porto, passa facilmente despercebida no aglomerado de montras que se estendem ao longo da Rua de Cedofeita. Mas esta loja é diferente das outras que a rodeiam. Esta loja pretende colocar a solidariedade, a ética e o ser humano acima dos lucros. Quem entra na loja de Comércio Justo da Rua de Cedofeita depara-se com cores, ritmos e sabores característicos de países como a República Dominicana, a Índia, o Laos, o Equador, o Sri Lanka, a Etiópia, entre muitos outros. São países com características e culturas muito distintas, mas com vários denominadores comuns: são do Sul, são Os produtos do comércio justo dividem-se em três categorias: têxteis, artesanato e alimentação têxteis, artesanato e alimentação

países

em

vias

de

desenvolvimento

e

precisam do Comércio Justo para entrarem nas rotas comerciais dos países do Norte.

Com cerca de 40 anos de existência, o Comércio Justo pretende promover a justiça social, o desenvolvimento sustentável e o respeito pelas pessoas e pelo meio ambiente. Para isso, garante aos produtores um salário justo pelo trabalho que desenvolvem, rejeita a exploração laboral infantil, pratica a igualdade de remuneração entre homens e mulheres, assegura que os produtores dediquem uma parte dos lucros às necessidades básicas das comunidades e privilegia os produtos biológicos. No comércio justo, a margem dos lucros para o produtor é substancialmente maior do que

no

comércio

convencional

porque

são

eliminados

os

intermediários

desnecessários. Regra geral, há apenas dois intermediários entre o produtor e o consumidor: o importador e o comerciante. Além de assegurar o transporte, o armazenamento e a distribuição dos produtos, o importador garante o financiamento antecipado da produção até 60 por cento, para que os produtores se auto-sustentem sem recorrer aos empréstimos.


Aos comerciantes compete vender os produtos, informar os consumidores das características e origens dos produtos e divulgar a cultura das comunidades produtoras. O Comércio Justo apareceu no Porto no ano 2000 pela mão da Associação Reviravolta, uma instituição de direito privado sem fins lucrativos. O vice-presidente da Reviravolta, Guilherme Rietsch Monteiro, declarou que as associações de comércio justo pretendem “humanizar” o comércio, através uma relação de “diálogo e transparência entre quem produz e quem comercializa, as organizações do Comércio Justo”. “São várias as acções pelo respeito dos direitos humanos. Se por um lado os produtores têm uma palavra a dizer pelo valor do seu trabalho, também não poderão usar mão-de-obra infantil ou explorar as mulheres.” – Acrescentou. Na prática, a Reviravolta estabelece contactos com as cooperativas de produtores e com os importadores europeus para conhecer todo o processo que vai desde a produção até à venda final numa loja. Um dos objectivos estratégicos da Reviravolta é a comercialização dos produtos de comércio justo. Para tal, a associação tem dois postos de venda no Porto: a loja da Rua de Cedofeita e o Núcleo Rural do Parque da Cidade. Produzidos por famílias ou cooperativas de agricultores e artesãos que vivem em comunidades pobres, os artigos do comércio justo são ligeiramente mais caros e em menores quantidades que os do comércio convencional. Nos 45 países do Hemisfério Sul que entram na rota do Comércio Justo existem 800 cooperativas que representam cerca de um milhão de trabalhadores. É das cooperativas que provêem os produtos alimentares, têxteis e o artesanato vendidos na loja de Comércio Justo de Cedofeita. Produtos tão variados como o arroz da Índia, o chocolate da República Dominicana, os chás de África do Sul, a cevada do Equador ou a quinoa da Bolívia, um cereal cultivado há mais de cinco mil anos nos Andes, levam o consumidor a conhecer novas realidades e novas culturas e, ao mesmo tempo, a contribuir para a promoção do desenvolvimento dos países do Sul. É este duplo papel que leva Marina Reis a fazer compras na loja de Comércio Justo: “As lojas de comércio justo são uma óptima ideia, nós temos de ajudar e os produtos aqui são lindíssimos, fora de vulgar. Assim conhecemos novos mundos”.


Por detrás de uma estatueta, de uma moldura, de um brinquedo e de um pacote de café ou de chá existe uma história do produto: onde nasceu, quem o produziu e que matérias-primas foram utilizadas na produção. Elsa Tavares entra na loja de Comércio Justo pela primeira vez. Olha atenta à sua volta e confessa que os produtos que a rodeiam levam os clientes a conhecer novas realidades: “Estou a conhecer ainda, mas é uma ideia mesmo porreira, porque é utilizada mão-de-obra de pessoas mais desfavorecidas e acabamos por conhecer uma cultura diferente”. Atrás do balcão da loja de Comércio Justo da Rua de Cedofeita está Sara Fonseca. Sara descobriu o Comércio Justo em 2003 numa feira. Na altura trabalhava na Quercus, mas o Comércio Justo despertou-lhe logo o interesse, por isso inscreveu-se na Reviravolta como voluntária. “O Comércio Justo atrai-me porque não é caridade, o objectivo é tentar fazer uma justiça social, um comércio mais ético; não se faz caridade porque as pessoas trabalham para ter uma vida melhor e sentem-se úteis” – declarou Sara Fonseca. O Comércio Justo pretende não só contribuir para a sustentabilidade económico-social, mas também ambiental. Para estimular uma maior consciência ambiental junto dos produtores e uma

exploração

sustentável

dos

recursos

naturais, o Comércio Justo tem uma taxa verde, ou seja, quem produz biológico ganha mais do O comércio Justo aposta nos alimentos biológicos

que os outros produtores.

Nas prateleiras da loja de Cedofeita, a preocupação com o ambiente é visível: “O café do México, da Etiópia e da Nicarágua e os chás do Sri Lanka e da Índia são totalmente biológicos. As tintas utilizadas nos objectos artesanais são naturais e o papel não é feito com a madeira das árvores, mas sim com plantas invasoras, como o jacinto de água.” – Explica Sara Fonseca. Desde que apareceu no Porto, há cinco anos, o Comércio Justo tem crescido e tem-se afirmado aos poucos. Iniciativas organizadas pela Reviravolta, como palestras nas


escolas, o coffeebreak ou o Sabores Solidários, têm permitido um estreitamento de laços entre os portuenses e o Comércio Justo. Actualmente, a Loja da Rua de Cedofeita conta com clientes fidelizados, muitos dos quais já com uma consciência social e ambiental, como revela Sara Fonseca: “Temos clientes desde os 8 aos 80 anos. Junto dos jovens universitários temos muita receptividade. Nota-se que a nossa clientela é muito preocupada, são pessoas muito curiosas e com alguma sensibilidade para as causas sociais e ambientais”. Mas, apesar de a consciência para as causas sociais ser uma tendência em crescimento, Sara Fonseca admite também que a maioria dos portugueses escolhe o produto tendo em conta apenas o preço: “As pessoas ainda não têm muita consciência de analisar os produtos que compram. Quando compramos um produto temos de pensar com que recursos humanos e recursos ambientais foi feito. As pessoas ainda não têm muito esta preocupação, normalmente é o produto que vale e o preço.” Também o vice-presidente da Reviravolta considera que a generalidade dos portugueses ainda não é receptiva ao Comércio Justo porque não é exigente nas escolhas que faz: “Os portugueses não estão habituados a questionar. Nem os seus governantes, nem a origem dos produtos que consomem. Para além disso, atravessamos uma grande crise económica e por isso é natural que as pessoas optem pelo que é mais barato” – revela Guilherme Rietsch Monteiro. As Lojas do Comércio Justo mundiais vendem, anualmente, produtos no valor de 92 milhões de euros. As receitas das vendas contribuem para tornar a vida dos produtores mais digna. A cooperativa mexicana de café Uciri (União de Comunidades Indígenas da Região do Istmo), por exemplo, criou, graças ao comércio justo, uma rede sanitária e um programa de medicina natural. O comércio justo coexiste com um consumo desenfreado mas, mesmo assim tem conseguido avanços na tentativa de tornar o comércio mais ético. Por isso, há uma questão que se impõe: será o comércio justo o comércio do futuro? Para Guilherme Monteiro, o Comércio Justo não é uma utopia, mas as preocupações com o lucro são um entrave à humanização do comércio: “O Comércio Justo já resolve os problemas de milhares de pessoas, por isso não é uma utopia. Se houver interesse e vontade política, pode ter um futuro risonho. O clímax do Comércio Justo seria a extinção das organizações que hoje o suportam, quando todo o Comércio fosse justo.”


“A crise que atravessamos agora poderia ser um contributo para mudar as regras. É em períodos de crise, que novas soluções surgem. Mas as medidas que têm surgido para salvar a crise não impõem a contra partida de alterar as regras. E por isso, qualquer medida que ponha as pessoas à frente do lucro, terá sérias dificuldades em vingar.” – Concluiu o vice-presidente da Reviravolta. Sara Fonseca considera que aos poucos vão sendo dados grandes passos para tornar o comércio mais ético: “Temos consciência que somos uma gota no oceano, mas vamos mudando o mundo de algumas pessoas. (…) No parlamento europeu só se bebe café de comércio justo. Nota-se que as grandes empresas já têm alguma responsabilidade social e os clientes já começam a exercer alguma pressão para que estas empresas tenham algum cuidado na confecção dos seus produtos.” “Eu espero que o comércio justo um dia desapareça, porque queremos que o comércio justo esteja já difundido em todo o mundo” – acrescenta. O Comércio Justo convive com uma sociedade consumista mas que, aos poucos, começa a despertar para as causas sociais e ambientais. As lojas do Mundo, como a da Rua de Cedofeita, mais do que produtos, vendem histórias. As prateleiras estão recheadas de cores e de sabores do mundo que buscam uma maior justiça, solidariedade e igualdade.

Cátia Monteiro


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