tambores de rua: design, produção e intervenção trabalho final de graduação aluno Daniel Ramos La Laina Sene orientadora Profa. Dra. Maria Cecília Loschiavo dos Santos 9.12.8 FAUUSP
tambores de rua: design, produção e intervenção trabalho final de graduação aluno Daniel Ramos La Laina Sene orientadora Profa. Dra. Maria Cecília Loschiavo dos Santos 9.12.8 FAUUSP
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Sumário Explicação necessária Linha do tempo: para mostrar de onde viemos e para onde vamos Design, produção e intervenção: protótipo inicial, primeira, segunda e terceira gerações de tambores de rua, contexto e breve histórico (2002 a 2007) Design, produção e intervenção: quarta geração de tambores de rua (2008) Considerações finais
Explicação necessária
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Qualquer texto é de difícil começo, ainda mais quando se pretende emocionar e entusiasmar o leitor. O relato que se segue busca sintetizar o trabalho de dezenas de pessoas ao longo de vários anos e é resultado de um imenso esforço coletivo na tentativa de transformação da vida dos homens que (sobre)vivem nas cidades modernas, repletas de contradições. Coloco-me na posição de um interlocutor, que nesse momento pode dar voz a esse desejo radical de transformação, no intuito de contaminar aqueles que se debruçam sobre estas páginas repletas de letras e imagens. O presente trabalho é fruto da necessidade histórica e não mera formalidade acadêmica. Parar a própria vida para pensar a arquitetura seria um grande equívoco e um descolamento do que há de mais vivo na própria arquitetura, que é o desenho — enquanto desígnio, enquanto desejo. Justamente por isso que escolhi um tema tão familiar para finalizar o curso: a arte, a música, os tambores, a possibilidade de intervenção sobre a cidade e a possibilidade de motivar os homens que ocupam a cidade — estes me fizeram viver durante os últimos anos e, justamente por isso, sustentam meu trabalho a partir de um sentido e não como mera formalidade. Os tambores,
todos sabem muito bem disso, exalam pelos meus poros e faço deles a locomotiva que anima o espírito dos camaradas que seguem nessa árdua jornada comigo. Há referências fundamentais que sustentam teoricamente este trabalho. São referências teóricas porque falam da própria vida e dão expressão ao que considero fundamental no conhecimento — apontam perspectivas. Antonin Artaud, no livro O Teatro e seu Duplo, falando da relação intrínseca entre civilização e cultura, escreve: Não diria que os sistemas filosóficos sejam coisas para se aplicar direta ou imediatamente; mas de duas, uma: Ou esses sistemas estão em nós e estamos impregnados por eles a ponto de viver deles, e então que importam os livros? Ou não estamos impregnados por eles, e nesse caso não mereciam nos fazer viver; e, de todo modo, o que importa que desapareçam?1 Design como desejo, projeto enquanto projétil Flavio Motta, no texto Arquitetura e Emancipação, traz à tona uma leitura fundamen-
1. ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo, 2a ed., Martins Fontes, São Paulo, 1999.
tal acerca do significado da palavra “desenho” e das mudanças de significado que a própria palavra sofreu ao longo do tempo. Ele inicia o texto assim: O problema do desenho tem muito a ver com nossa emancipação política. Ele se confunde com o desígnio de forjarmos uma cultura humanística. Bem sabemos que a palavra “desenho” tem, originalmente, um compromisso com a palavra “desígnio”. Ambas se identificam. Na medida em que reestabelecermos, efetivamente, o vínculo entre as duas palavras, estaremos também recuperando a capacidade de influir no rumo do nosso viver. Assim o desenho se aproximará da noção de “projeto” (projet), de uma espécie de lançar-se para frente, incessantemente, movido por uma “preocupação”. Essa “préocupação” compartilharia da consciência da necessidade. Num certo sentido, ela já assinala um encaminhamento no plano da liberdade: desde que se considere a preocupação como resultante de dimensões históricas e sociais, ela transforma o projeto em projeto social.2
2. MOTTA, Flávio. “Desenho e emancipação”, Desenho Industrial e Comunicação Visual, folheto do Departamento de Projeto da
No entanto, o sentido apresentado por Motta, a cada dia que passa, perde seu significado e se transforma no que ele mesmo classificou como o “fazer técnico”, muito mais próximo do significado das palavras “draw” (desenho técnico, rabisco, croqui) e “draft” (resultado do ato de desenhar: desenho, croqui, planta, projeto)3. Essa perda de sentido torna a arquitetura uma mera reprodutora de formas ocas de conteúdo, sem discurso, sem desígnio. O período de esvaziamento político que vivemos hoje no país, que, sem dúvida, tem reflexos na universidade apenas contribuiu para acelerar esse processo do grande vazio de sentido do próprio ensino e da falta de perspectivas para a arquitetura. Não nos basta as constatações anteriores, embora muitos não queiram ver o rombo que se abriu diante de nós, mas é preciso construir uma ponte para ultrapassá-lo. Essa construção só será possível a partir do momento em que preenchermos
FAUUSP, 1970. 3. Em português não há a distinção da palavra desenho, como há no inglês as palavras “draw”, “draft” e “design”. Justamente por isso, Motta busca salientar os vários sentidos contidos na palavra “desenho”.
de significado nosso próprio fazer, para que as formas ocas parem de se reproduzir. Então, as palavras de Motta voltarão a fazer sentido. Caminharemos, pois, na direção da liberdade dos homens, movidos por uma necessidade de transformar a vida. À vista disso, não parei minha própria vida para iniciar um trabalho de conclusão de curso, apenas dei forma a ela. Não é simples parar pra pensar e olhar para trás, relembrar cada discussão, cada racha dentro do grupo (desse coletivo que citei anteriormente)4 para se chegar até hoje. Digo de peito aberto: se chegamos até aqui é porque há muita fome de viver. E esse trabalho ganha sentido naturalmente, porque é reflexo do próprio viver, possui a “pré-ocupação” e a necessidade histórica. Sempre fui um inconformado com situação de barbárie de nossas cidades, mas, mais do que isso, inconformado com a situação
4. Hoje em dia esse grupo está consolidado enquanto Coro de Carcarás. No entanto, desde 2003 até essa determinação atual, passamos por várias fases distintas quando muitas pessoas entraram e saíram deste coletivo. Por essa variedade de formações, no decorrer deste trabalho designarei apenas como o grupo essa união de pessoas.
à qual os próprios homens, que constroem e vivem na cidade, estão submetidos a cada dia. Se os tambores são as locomotivas que nos levam adiante, é porque por trás deles estão nossos desejos mais profundos de arrancarmos alegria ao futuro e projetarmos como projéteis que nos lancem incessantemente para frente. Resgatar o que há de mais forte na cultura popular: a produção para a vida É bastante significativo produzir tambores, já que são instrumentos ligados às manifestações mais diversas da humanidade, sejam rituais, guerras ou festas, eles sempre estiveram presentes na cultura da imensa maioria dos povos em todo o planeta. Desde o originário Drum of the Earth5 (Tambor da Terra), quando cavidades eram feitas no próprio solo para tirar sons percutindo o chão, até a infinita riqueza de timbres que podemos encontrar nos dias de hoje, há algo de muito forte na batidas
5. BLADES, James. Percussion instruments e their history. Neste livro Blades, ao buscar as origens dos instrumentos de percussão se refere à pelo menos três manifestações em partes distintas do globo, onde há referência a utilização de tambores feitos na própria terra.
que são capazes de animar desde os soldados no fronte de batalha até as crianças e adultos nas grandes cirandas e festas populares. Os tambores são instrumentos de comunicação por natureza, sobre os quais o homem se debruça, executando ataques diversos em alto e bom som e por essa razão são instrumentos de manifestação, dando cara e peculiaridades a cada uma delas. A força das manifestações populares retoma em parte o sentido do “desejo” apresentado por Motta, como expressão da própria vida. Mas, há outra referência muito importante em relação a esse tema, que é a contribuição da arquiteta Lina Bo Bardi no seu famoso livro Tempos de Grossura. Nesta obra está sintetizada, através de textos de diversos autores, uma leitura profunda acerca da busca de um sentido para a arquitetura brasileira e mais precisamente para o design, feitos por toda uma geração de artistas e estudiosos durante a década de 60, que tiveram como referência fundamental o nordeste e suas manifestações populares. Na busca por uma produção autóctone, ou seja, sem a influência imperialista norte-americana ou européia, aquela geração encontrou no nordeste uma produção simples, dura e indigesta (como eles mesmos a classificaram), que
era a expressão mais sincera da realidade brasileira. Como destaca Lina: Arte popular é o que mais longe está daquilo que se costuma chamar Arte pela Arte. Arte popular, neste sentido, é o que mais perto está da necessidade de cada dia, NÃO-ALIENAÇÃO, possibilidade em todos os sentidos.6 A retomada de uma arte popular, portanto, buscava, naquele momento, destacar o aspecto não alienado da arte, que aparecia nos detalhes mais brilhantes de criatividade de um povo que, na falta total de recursos materiais, recriava a partir do lixo, das sobras, da própria terra objetos que simplesmente lhes serviam como valores de uso — e isso já bastava. Esse é o aspecto forte do popular, ao qual também nos referimos em nossa produção. A produção dos tambores, objeto central deste trabalho, é, em parte, tributária do contato com as várias formas de arte popular que chegaram à São Paulo a partir da década de 1990 e que fizeram parte de uma retomada contemporânea das manifestações populares do nordeste nos
6. BARDI, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse. Instituto L. e P.M. Bardi, 1994
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grandes centros urbanos. Essa retomada influenciou de forma latente a juventude que naquele momento buscava uma base para construir sua própria identidade. Por outro lado, no caso do nosso grupo, tínhamos uma visão critica acerca do que representava retomar a cultura popular em uma cidade como São Paulo. Sobretudo, buscando as bases e questões levantadas pela geração de artistas da década de 60, passamos a questionar a apropriação que a maioria dos outros grupos fazia das mesmas referências7. Para estes, o importante era reproduzir, como forma de respeito aos antepassados. Para nós, pelo contrário, o fundamental é não reproduzir, mas recriar como forma de apontar para o presente. A discussão da relação entre tradição e cultura será retomada posteriormente neste trabalho, por hora, nos basta entender melhor o que Lina e seus companheiros nos queriam transmitir. Se essa geração falava de emancipação, era porque pensava no presente e,
7. A partir de 1990 inicia-se um período em que centenas de pessoas começarão a se organizar em grupos ligados ao folclore brasileiro. Surgirão grupos de música, teatro, dança e todo tipo de expressão popular.
nesse sentido, repudiavam a reprodução e estetização das formas encontradas no nordeste. Para eles, esta era a tarefa da burguesia esclarecida que, ao incorporar as formas tradicionais, faziam dela folklore e aniquilavam, assim, estruturas potencialmente questionadoras. Em uma passagem bastante elucidativa, Lina escreve o seguinte: O Brasil se industrializou, a nova realidade precisa ser aceita para ser estudada. A volta a corpos sociais extintos é impossível, a criação de centros artesanais, o retorno a um artesanato como antídoto a uma industrialização estranha aos princípios culturais do país é errada. Quando a produção popular se petrifica em folklore, as verdadeiras e suculentas raízes culturais de um País secam: é sinal de que “interesses” internos ou de importação tomaram o poder central, e as possibilidades de cultura autóctone são substituídas por “frases feitas”, pela “supina repetição” e pela definitiva sujeição a esquemas esvaziados. Procurar com atenção as bases culturais de um país, (sejam quais forem: pobres, míseras, populares) quando reais, não significa conservar as formas e os materiais, significa avaliar as possibilidade criativas originais. Os materiais modernos
e os modernos sistemas de produção tomarão depois o lugar dos meios primitivos, conservando, não as formas, mas a estrutura profunda daquelas possibilidades (grifos no original). Foi com esse olhar que nos apropriamos das artes populares a que tivemos acesso, para fazer delas uma base viva da nossa produção e expressão da nossa própria vida. Assim, fizemos não só com a cultura popular, mas com todas as referências mais fortes da cultura universal, já que a miséria não é uma qualidade nacional, tão pouco as propostas mais radicais que de alguma forma buscaram superá-la. Mais do que produzir, seria necessário e latente intervir. A capacidade de dizer não ao não: é preciso intervir Se falta enxofre à nossa vida, ou seja, se lhe falta uma magia constante, é porque nos apraz contemplar nossos atos e nos perder em considerações sobre formas sonhadas de nossos atos, em vez de sermos impulsionados por eles. Antonin Artaud Como seres políticos e engajados, assumimos em nossas próprias mãos as possibilidades — arriscamos apontar para o futuro, mesmo sem saber por onde caminhar.
Em certo momento, no meio dos anos que se passavam (e que a seqüência deste trabalho irá mostrar) a nossa consciência — enquanto seres urbanos — nos delimitou a superfície de ação. As ferramentas eram aquelas que já desenvolvíamos há certo tempo: a música, o teatro, o cinema. Portanto, fizemos delas pontas de lança para reconstruir o presente. Assim, como nossa ação se politizou, perdeu a inocência da cultura pasteurizada e deu a cara à tapa. Dentre os vários grupos que reivindicavam a cultura popular e se baseavam em algumas de suas referências e ritmos, nosso trabalho despertou polêmica e críticas, e assim passamos, com o desenvolvimento do nosso trabalho, a ser vistos por muitos deles como os “transgressores da tradição”. Mas, isso certamente não foi resultado de um grande esforço, apenas o caminho natural de quem não aceita o status quo. Se nosso caminho natural foi agir politicamente e se para isso usamos as ferramentas que tínhamos à disposição, foi porque era a nossa única opção; o que não era possível, era nos calarmos diante de tamanha barbárie.8
8. Em 2005 estoura a crise do mensalão, que escancara toda falência e corrupção do
Intervir para transformar a fagulha em fogo, esta passou a ser nossa principal meta. Colocar em movimento toda forma de contestação, fugir da rotina como se foge da peste. Na cidade, nas escolas e universidades incendiamos muitos jovens, tomamos salas de aulas mortas, reconquistamos centros acadêmicos fechados pela burocracia, derrubamos as grades que impediam o acesso ao espaço estudantil dos departamentos de Ciências Sociais e de Filosofia da USP, fomos às ruas contra a corrupção, contra a roubalheira no congresso nacional, contra a retirada da autonomia das universidades, contra a repressão aos estudantes; enfrentamos a polícia, a tropa de choque, as guardas privadas, os policiais à paisana. A cultura está viva e quem a move é a fome.
sistema político nacional. Em poucos meses a crise se alastra do Congresso para várias outras instituições estruturais do Governo (executivo, legislativo, judiciário, forças armadas, dentre outras), estremecendo as bases de sustentação do sistema. Nessa época, parte da juventude e dos movimentos sociais se organizam para questionar a situação e exigir mudanças.
Como escreveu Artaud: Nunca como nesse momento, quando é a própria vida que se vai, se falou tanto em civilização e cultura. E há um estranho paralelismo entre esse esboroamento generalizado da vida que está na base da desmoralização atual e a preocupação com a cultura que nunca coincidiu com a vida e que é feita para reger a vida. Antes de retornar à cultura, constato que o mundo tem fome e que não se preocupa com a cultura; e que é de um modo artificial que se pretende dirigir para a cultura pensamentos voltados apenas para a fome. O mais urgente não me parece tanto defender uma cultura cuja existência nunca salvou qualquer ser humano de ter fome e da preocupação de viver melhor, mas extrair, daquilo que se chama cultura, idéia cuja força viva é idêntica a fome. Acima de tudo precisamos viver e acreditar no que nos faz viver e em que alguma coisa nos faz viver — e aquilo que sai do interior misterioso de nós mesmos não deve perpetuamente voltar sobre nós mesmos numa preocupação grosseiramente digestiva. Quero dizer que se todos nos importamos com comer imediatamente, importanos ainda mais não desperdiçar apenas na preocupação de comer imediatamente
nossa simples força de ter fome. O que dá sentido a este projeto é que ele não é a solução de um problema em si, mas faz parte de um todo, onde o que está em jogo é a vida dos próprios homens. A solução do problema vem quando há trabalho dedicado, no entanto, a formulação do problema é anterior. Se este é colocado apenas do ponto de vista prático, é muito provável que sua solução seja prática e técnica. Se, por outro lado, o problema é colocado do ponto de vista social, sua solução implica em usar as partes que o compõem como ferramenta. Leiam o trabalho que se segue com fome de viver. Busquem a beleza que há em um projeto feito com amor e portador de uma intenção. O conteúdo está posto, a forma está preenchida. Os tambores têm alma de briga, espírito de combate, carregam os desejos de jovens sonhadores que não se calaram, apenas começaram a cantar. As batidas começarão a soar como socos no estômago de quem quer controlar a todo instante as forças revolucionárias, não há como controlálos, porque são movidos por um desejo incontrolável de vir a ser / de libertar o homem de suas amarras / de tirar os homens da caverna.
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Linha do tempo: para mostrar de onde viemos e para onde vamos
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Descrevo aqui uma linha do tempo que dá a dimensão social das atividades de um grupo de pessoas, que há seis anos traçam um caminho tortuoso, mas de pegadas firmes, na direção dos desejos expostos acima. A história desse grupo (que surgiu sem nome) se iniciou em 2003, quando eu e Cris Bosch, também estudante da FAUUSP, nos juntamos para fazer uma oficina de maracatu aberta aos estudantes. Nesses últimos seis anos, mais de cem pessoas já fizeram parte do núcleo central do grupo, e mais de 500 já participaram de nossas oficinas abertas. Após um longo período sem nome, e também sem uma perspectiva clara para o trabalho, a não a ser o desejo de organizar os estudantes, nos denominamos Urbando. Nessa época, em 2005, as discussões acerca da necessidade de um posicionamento político, cujo foco eram os centros urbanos e a universidade, toma grande parte dos nossos momentos de reflexão. É a partir de então que passaremos a intervir de forma mais presente no movimento estudantil e nas manifestações de rua. Com o estopim gerado pela crise do mensalão, que rapidamente toma dimensão nacional, o que antes aparecia de forma isolada na barbárie das cidades, toma dimensão polí-
tica com poder de abalar as próprias bases de sustentação do país. Indignados, embora ainda em um grupo isolado, escolhemos o caminho da expressão de massa, para o máximo de pessoas possível. Nessa época iniciamos o contato com o grupo Corrente Teatral (grupo de teatro, também organizado por estudantes da USP). As possibilidades abertas pela crise geral, que passou a reverberar nas universidades e escolas através da reação dos próprios estudantes, apenas fortaleceram a unidade que se criava ali entre os dois coletivos. No início de 2008, essa fusão se completa com a fundação do Coro de Carcarás, um grupo de agitação cultural, que hoje é a expressão mais significativa e fortalecida de todo esse caminho. Criar um grande coro teatral-musical, é nosso objetivo enquanto carcarás não do sertão, mas da grande metrópole. Carcarás que tem mais coragem do que homem, carcarás que pegam, matam e comem! Na tentativa de expandir as reverberações do coro, hoje estamos na cidade e na universidade, realizando oficinas e ensaios, intervenções e todo tipo de agitação políticocultural. Esse breve histórico, que será retomado na linha do tempo a seguir, é apenas
uma pincelada geral para mostrar que há uma história de pessoas, que se construiu a partir da prática cotidiana e das determinações históricas que lhes apareciam pelo caminho, e que muitas vezes, tomando os caminhos mais difíceis, sempre estiveram na frente de batalha, contra toda forma de burocratização, em defesa da liberdade dos estudantes, construindo uma organização capaz de canalizar os desejos mais profundos de uma geração.
Caderno de apresentação do Cursos e Oficinas, parte da Fau Paralela, organizada pelo Gfau. Foi o início das oficinas de maracatu na Fau
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Arrastão pelo centro de São Paulo. Protótipo inicial em pleno uso
JUL
AGO
Oficinas na Fau Cursos e Oficinas – Fau //
SET
OUT
NOV
DEZ
2003
10
Arrastão no centro de São Paulo durante a Semana dos Bixos na Fau
Foto do arrastão da Semana dos Bixos publicada no Estadão
Oficinas realizadas na USP
28 2004
JAN
6 semana dos bixos FAU arrastão centro SP
15
arrastão pelo centro
FEV
MAR
ABR
Oficinas FAU
repiauer fau paralela
MAI
JUN
oficinas com shacom (mestre do porto rico)
11
Oficina realizada na Fau
27
Repiauer Fau Paralela
Apresentação na Escola de Aplicação – Usp
26
18
Abertura do ExpoFau 20 Favela do Campo Limpo
Apresentação na Marquise do Ibirapuera
12 Apresentação na Fea – USP
Apresentação em Feira Cultural na Vila Madalena
14
10
3
apresentação na EMEI Profª Neyde Guzzi – Lapa
Apresentação na música – USP
Encerramento ExpoFau – USP
NOV
DEZ
27 Arrastão de vários grupos – centro SP
Enea Brasilia
JUL
AGO
Oficinas FAU
SET
OUT
12
12
1 Semana dos Bixos Fau Intervenção no centro de São Paulo na Semana dos Bixos da Fau
2 Calourada na Praça do Relógio
Ato durante a greve das estaduais na Av. Paulista
4 Intervenção na Letras da USP
17 Carta resposta para a diretoria da FAU (proibição de tocarmos)
30 2005
JAN
FEV
Oficinas Fau
24
Show Trama musical
email de balanço bem duro (ruptura)
MAR
ABR
MAI
4 oficina com mestre Afonso (nação leão coroado) na fau
JUN
Faixa feita pelos estudantes da Fau para o ato
Ato contra a corrupção na Av. Paulista
13
Ato contra a corrupção na Av. Paulista
15 Ato Masp 15 – Paulista
1 Festa Junina Fau
21 Intervenção no Enea-Brasília
JUL
28 Ato Estaduais – Paulista
17
28
9
Ato em Brasília contra a corrupção
Greve estaduais – Ato na Brigadeiro e Paulista
Lançamento da revista Contravento 3 – Fau
AGO
SET
Oficinas Fau
Greve das universidades estaduais
OUT
NOV
DEZ
14
10 Repiauer Proibido – Fau
14 Ato greve da PUC
16 Anti-festa Unesp Araraquara
10
17
Feira na Vila Madalena
Anti-festa PUC
13
21
Matrícula Gfau
Ato greve PUC
21
22
CrossFau – Semana do Bixos
Anti-festa na Letras – Unicamp
22 Anti-festa na Letras – USP
23
2006
JAN
24 Repiauer FAU
Intervenção junto com a Corrente Teatral na Festa Junina da Fau
21
Semana dos bixos FAU – centro SP
29 Ato greve da PUC
Intervenção com teatro – É Proibido Proibir – FAU
FEV
MAR
ABR
Oficinas Fau Ensaios com música eletrônica
8
2
intervenção no Encontro Nacional dos Estudantes – Sumaré
Festa junina FAU – Usp
MAI
JUN
23 Intervenção FAU e Psicologia
15
Intervenção junto com a Corrente Teatral na Campanha pelo Voto Nulo no centro de SP
15
26 Ato pelo Voto Nulo
JUL
Ato pelo Voto Nulo – PUC
Intervenção no colégio Fernão Dias – Pinheiros
24
22
Ato pelo Voto Nulo – Letras USP
Ato pelo Voto Nulo – Osasco Festa Osama Bin Reggae
25
23
Ato pelo Voto Nulo – História
29
Rock pelo Voto Nulo – Franco da Rocha
Ato pelo Voto Nulo – Largo da Batata
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6
Intervenção na São Remo
Intervenção ExpoFau
Ato aumento da passagem – centro SP
AGO
SET
NOV
DEZ
Oficinas Fau
Campanha pelo Voto Nulo
4
OUT
1
Intervenção na PUC
Intervenção na Semana dos Bixos da FAU
16
8
ato de derrubada da jaula construída pelo diretor na FFLCH
Calourada PUC
2007
JAN
9
2
Ccalourada Metodista – São Bernardo
Semana dos bixos FAU – centro SP
27
10
Calourada FFLCH – Abrah Jaulah – Ciências Sociais – USP
Intervenção no Teatro Oficina Intervenção na Física – Usp
Ato-festa em escola – Santo André
28
23
12
Festa na Rotatória – USP
Intervenção na Química – Usp
FEV
MAR
Ensaios na Praça do Relógio
22
9
Atos durante a greve das estaduais e a ocupação da USP
2 Intervenção no bandejão central Usp – Abrah Jaulah
19
17
Ato – greve na estaduais – Paulista–Centro
Ato contra decretos do Serra – Paulista
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Intervenção no Ime-Usp
Ato Fora PM na USP
ABR
MAI
JUN
Oficina na Praça Roosevelt com estudantes secundaristas
Oficinas em Santo André
Greve universidades estaduais contra decretos do Serra – Ocupação da reitoria da Usp
Intervenção durante a ocupação da reitoria
17
9
Atos durante a greve das estaduais – Paulista e Palácio dos Bandeirantes
Intervenção na escola Américo – Santo André
JUL
10
1
Intervanção na escola Guaracy Silveira – Pinheiros
Intervenção em São Carlos
21 Festa na Reitoria – Usp
Intervenção na Etesp – Centro Festa Sociais USP
28
27
Abrah Jaulah 2 – Ciências Sociais– USP
Festa na Psico – cheque guarda
Intervenção em escola – Sapopemba
Território Livre na Each – USP
AGO
SET
Oficinas na FFLCH
14
19 28 OUT
NOV
DEZ
18
Intervenção no I Festival Território Livre
29
2008
JAN
Semana dos bixos FAU – centro SP
8
FEV
MAR
Ato contra Bush – Paulista
Oficinas de domingo no centro de SP Ensaios com o Coro de Carcarás Oficinas na Usp
ABR
MAI
JUN
2008
Intervenção no II Festival Território Livre
19
Ato da greve dos professores estaduais na Av. Paulista
Festival Experimental Int. de Artes – Unesp Ipiranga
JUL
5
23
25
Festival Contracultura Território Livre II – Cia Antropofágica
Ato Metodista – SBC Lançamento da revista Contravento IV – FAU -Usp
Oficina na escola Paul Ugon – Zona Norte – SP
Festival Taboão – Centro Cultural Taboão da Serra
AGO
SET
OUT
NOV
Oficinas de domingo no centro de SP Ensaios com o Coro de Carcarás Oficinas na Usp
Comemoração dos 50 anos do Teatro Oficina – Unicamp
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8
DEZ
20
Design, produção e intervenção: protótipo inicial, primeira, segunda e terceira gerações de tambores de rua, contexto e breve histórico (2002 a 2007)
Uma parte importante do estudo desenvolvido para o Trabalho Final de Graduação (TFG) foi se ater de forma crítica e atenciosa a produção material do próprio grupo. Esse olhar sobre a longa experiência acumulada foi fundamental para se entender as principais fases de desenvolvimento dos instrumentos e de que forma essas mudanças estavam ligadas às próprias discussões internas ao grupo e apontavam para transformações necessárias. Faremos um breve percurso sobre a história desses sete anos de trabalho. Esse histórico, que para o leitor leigo e desavisado pode parecer um pouco longo e minucioso, será fundamental para entender o porquê do próprio TFG e colocará de forma mais clara os problemas que impulsionaram o seu início e as várias gerações . A discussão que se segue, portanto, é a tentativa de colocar o problema na sua relação entre forma e conteúdo. Talvez esse pareça um problema estranho à produção de um instrumento musical, no entanto, para este trabalho e para a compreensão que desenvolvemos da nossa própria atuação, este é o problema fundamental e é quando ele toma corpo que as principais mudanças acontecem. Nossa produção material aparece, portanto, como expressão das idéias funda-
mentais que impulsionam o grupo e neste processo vivo, muitas vezes acontecem descolamentos entre forma e conteúdo. No nosso caso esse descolamento fica evidente principalmente a partir de 2005, quanto nossos princípios estético-políticos passaram por grandes mudanças e chegamos a uma situação em que tínhamos um conteúdo sem forma. Os instrumentos e figurinos que utilizávamos já não condiziam mais com o que acreditávamos, na verdade, nossa aparência nos prendia à formas anteriores, ancestrais, ao maracatu tradicional. Foi a partir desse momento, em um movimento natural e contínuo que passamos a desenvolver novos instrumentos, fundados sobre outras bases, relativas ao nosso próprio tempo e necessidade.
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Histórico A partir de agora faremos um percurso pelos cinco momentos que marcam o design dos tambores por nós produzidos e utilizados: protótipo inicial (2002), 1a geração (2003), 2a geração (2005), 3a geração (2007/2008) e 4a geração (atual). Mas antes de seguirmos adiante, para que o leitor se acostume com o tema tratado, convém apresentar as partes que compõe o instrumento chamado tambor com as denominações mais peculiares ao uso cotidiano e não necessariamente com seus nomes técnicos. A descrição a seguir, está focada no exemplo analisado, portanto, nem todos os tambores seguem a estrutura apresentada.
1. aros: anel feito em geral a partir de uma barra chata (uma das dimensões muito superior as demais), utilizando metal ou madeira. Estruturalmente servem de suporte para a afinação e para o instrumento como um todo e musicalmente permitem recursos sonoros distintos da pele quando percutido, além de servir como corpo ressonante.
2. bojo: anel feito a partir de uma chapa (uma das dimensões muito inferior as outras duas) ou de objetos tubulares encontrados na natureza. É propriamente o corpo do instrumento e sua caixa acústica, ou corpo ressonante. Através da sua forma tubular, adquire grande resistência com pequena espessura e peso. A variação de material e volume desse corpo interferem diretamente no som gerado.
3. arquilha (ou semi-aro): anel feito a partir de uma barra com seção reduzida. Os materiais utilizados em geral são madeira, fibra de vidro ou metal. É a estrutura sobre a qual se envolve ou fixa a pele para poder tensioná-la. Em instrumentos artesanais a pele é molhada e enrolada (empachada) sobre esse aro para depois de seca ser afinada. A maioria das peles industrializadas já vem de fábrica esticadas sobre essa estrutura.
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4. pele: membrana fina e flexível que varia de diâmetro conforme varia o diâmetro do tambor. Para essa membrana utiliza-se em geral materiais sintéticos (o mais comum é mylar) ou natural (cabra, boi, cordeiro).
5. sistema de afinação: em geral é feito de três maneiras: com cordas, com hastes metálicas que tracionam uma pele contra a outra ou parafusos ligados diretamente à presilhas (canoas), que por sua vez estão presas ao bojo. sua função é pressionar o aro contra a arquilha que, por sua vez, transfere a tração para a pele, dando a ela uma tensão e uma variação de tonalidade. Portanto, o sistema de afinação é o responsável pela montagem e união de todas as outras peças em um objeto único.
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Para cada geração de instrumentos há alguns tópicos expostos: uma breve contextualização do momento histórico (do grupo e dos instrumentos), descrição da fôrma, materiais e procedimentos adotados e uma avaliação dos resultados obtidos.
Protótipo inicial:
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Contexto Produzido entre o final de 2001 e o começo de 2002, a partir apenas da observação de outros instrumentos existentes, possui características que expressam alto grau de trabalho empírico. No entanto, eram os primeiros passos no escuro, ainda despretensiosos (eu mesmo nem sabia tocar), que dariam início à uma longa história. Apesar de ser um começo sem muita base, os problemas que apareciam já eram os fundamentais e muitos deles permaneceram até hoje: que material usar, como dar forma cilíndrica a ele, como dimensionar, como executar? Naquele instante também já surgia um questionamento sobre qual instrumento construir, se seria uma cópia dos tambores de Recife ou se utilizaríamos os materiais à disposição em São Paulo. Certamente uma cópia seria irrealizável, já que o material na-
tivo era um tronco de palmeira em extinção. Por outro lado, a cópia nunca foi a intenção, já que desde o princípio queria desenvolver algo de fácil acesso, baixo custo e que pudesse ser reproduzido futuramente. Fôrma Esse primeiro experimento utilizou como fôrma um aro de bicicleta posicionado internamente às camadas de laminação de madeira1. A utilização do aro de bicicleta havia sido usada na produção de um tambor feito na FAU alguns meses antes do início dos meus trabalhos e avaliei que era uma boa opção, já que estava disponível no mercado e garantia o formato cilíndrico perfeito. Madeira A madeira, enquanto matéria prima fundamental na construção de muitos instrumentos musicais é sempre algo com o qual se deve tomar cuidado extremo. No entanto, o
conhecimento dessa técnica estava muito distante do meu interesse naquele momento. A indústria, por sua vez, também está pouco interessada na produção artesanal dos luthiers e os produtos que disponibiliza são muito mais grosseiros e preparados para a produção moveleira ou da construção civil. Da minha parte, considerava que não era a hora de correr atrás de um fornecedor de madeira, queria resolver rápido e com menor custo. Encontrei no mercado um compensado de 3mm feito de pinho, que garantia flexibilidade, resistência, bom acabamento e baixo custo. Apenas destacaria que de lá para cá, até hoje, uso o mesmo material sem maiores ressentimentos. Aros A madeira bruta é comprada em placas de 160x210mm. A partir dessa grande folha, para esse protótipo, foram cortadas
tiras de 55mm de altura para fazer os aros e 350mm para fazer o bojo. Na produção dos aros as camadas foram prensadas de fora para dentro utilizando uma ferramenta chamada sargento de fita2, além de vários pregadores, sargentos normais e todo tipo equipamento disponível para pressionar uma camada contra a outra. Desde o protótipo inicial as madeiras sempre foram fixadas umas as outras com cola branca, o que é comum ao se trabalhar com madeira. A cada camada prensada era necessário esperar a completa secagem para aplicar a nova camada, o que exigiu um trabalho pausado e com ciclos diários, já que a cola branca demora em média 24h para secar completamente. Esse ciclo era necessário já que, como a prensagem era feita de fora para dentro e a cola estava mole, não era possível retirar os sargentos sem que
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1. Os desenhos acima exemplificam a relação de distâncias entre aros e bojo na comparação entre protótipo inicial / primeira geração e segunda geração
o instrumento desmontasse. Um detalhe a se destacar era o encontro das duas extremidades das tiras de madeira utilizadas na laminação dos aros. Inspirado nos tambores tradicionais feitos em madeira maciça, as duas pontas eram chanfradas para lados opostos e se sobrepunham garantindo melhor colagem e acabamento3 p.25. O problema, no entanto, era garantir que o chanfro ficasse preciso já que a madeira possuía apenas 3mm de espessura e o comprimento do chanfro 150mm. Arquilha A primeira arquilha foi feita a partir de um aro com menos camadas de compensado, que depois foi fatiado longitudinalmente, produzindo de uma só vez 3 arquilhas. A princípio, essa parecia um boa forma de se fazer a arquilha, pois garantia um produto de execução semelhante aos aros. Com o
uso essa técnica se mostrou pouco resistente e, a partir desse momento, aprendi que essa seria a peça mais complicada de se produzir dentre todas as necessárias. Bojo O bojo foi feito tendo como fôrma os próprios aros, já que um deve se encaixar o outro3. No entanto, a relação entre o tamanho dos aros, do bojo e da arquilha possui uma proporção importante a ser seguida, e essa relação demorou a ser alcançada1. Nesse primeiro protótipo usamos de espaçamento entre os aros e o bojo mais uma camada de 3mm de compensado, que não era colada, apenas servia de calço. Como mostra o desenho acima, essa distância é importante para que a pele tenha como passar entre o bojo e o aro, porém, caso ela seja muito grande, há uma chance do aro não ter base suficiente para se apoiar
durante afinação e o que acontece é que o aro escapa da arquilha, impossibilitando o processo de afinação. Além dessa questão da relação de tamanho entre as partes, havia também a questão do seu peso e resistência. Para essa experiência inicial fizemos um bojo de apenas uma camada de compensado, com reforços de mais uma camada nas bordas2 (nesse caso foi aplicado um princípio básico que aprendemos na FAU assim que entramos na escola, que é a questão das dobras para dar maior resistência ao objeto sem aumentar muito seu peso. Assim como um copo de plástico tem uma dobra na sua extremidade aberta e isso lhe garante resistência, aqui também utilizamos o mesmo princípio, dobramos a espessura do bojo apenas na sua borda). Porém há um problema que surge quando se faz um
bojo de apenas uma camada: como ligar uma extremidade à outra já que é justamente nesse ponto onde se concentram as maiores tensões? Nas extremidades, a cinta descrita acima resolve o problema, mas no resto do seu comprimento não. O projeto para resolver esse problema é bastante simples, basta aplicar um pequeno pedaço de madeira na transversal que faça justamente a ligação dos dois lados. O problema é executar a prensagem desse pequeno pedaço de madeira. Avaliação Para um primeiro protótipo, fiquei muito satisfeito e orgulhoso com o resultado. Era um instrumento grande, muito bem acabado, que impressionava a todos. Porém, do ponto de vista dos processos aplicados, via sérios limitadores quanto à sua reprodutibilidade. O primeiro ponto era que sua
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realização havia levado aproximadamente quatro meses, o que daria uma média de produção de três instrumentos por ano. O modo de laminação também era muito lento. A prensagem feita de fora para dentro era um processo penoso, já que a cola demorava muito para secar e não havia maneira de iniciar uma nova camada sem que a anterior estivesse completamente seca. Além disso, a prensagem com o sargento de fita era muito mal distribuída pois ela se concentrava apenas em um ponto de tensão que era distribuído pelo resto do aro por uma fita de aço. A partir de uma certa tensão a madeira já não deslizava mais sobre a fita devido ao atrito que passava a puxá-la junto com ela, o que gerava uma barriga próxima ao ponto de tensão máximo, além de pequenas barrigas ao longo de todo o aro.2 p.25 Esse problema era resol-
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vido com muitos apetrechos, na verdade, uma grande gambiarra, já que o aro ficava repleto de sargentos, grampos e molas e a madeira sumia em meio a tantas outras peças. A cada dia tudo se repetia. As arquilhas responderam bem ao esforço sobre a qual eram submetidas durante apenas alguns meses. Mas, aos poucos, as fibras da madeira não resistiram e começaram a torcer em torno do seu próprio eixo, até virarem noventa graus em alguns pontos. Logo elas quebraram e precisaram ser substituídas. Surgia aí um grande problema a ser resolvido: qual seria outra forma de se produzir arquilhas mais resistentes? Ao descrever esse primeiro protótipo, aos poucos percebo as dezenas de detalhes que precisaria explicar para mostrar a totalidade do projeto. Escrevi muitas linhas e mesmo assim escrevi pouco, tendo que
omitir vários pequenos detalhes. Imagino que não seja uma leitura fácil, assim como a solução dos problemas também não foi, mas espero que daqui por diante o leitor, já familiarizado com os termos, possa acompanhar os desdobramentos de forma mais fluida, como quem ao poucos vai aprendendo uma nova linguagem.
Primeira geração:
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1. caderno desenvolvido pela gestão do GFAU concreto armado para divulgação dos cursos e oficinas da FAU paralela
Contexto Após a realização do protótipo inicial, além do curto aprendizado sobre marcenaria e um pouco sobre laminação de madeira, ainda faltava aprender a tocar, afinal de contas não tinha produzido um instrumento para ficar olhando pra ele. Sempre tive muito interesse em aprender percussão e desde muito pequeno, quando via passar nas ruas as bandas marciais, ou as fanfarras de carnaval, pouco me importava com as cores e com toda aquela gente, só esperava pra ver a bateria passar e me arrepiava com as batidas dos tambores. Depois de muitos anos estava com o pré requisito nas mãos pra começar as primeiras aulas e foi o que fiz durante o ano de 2002. Em 2003 surgiu a chance de fundar um grupo na FAU e logo encabecei o projeto junto com outra aluna da FAU, Cris
Bosch, que, alguns anos depois, inclusive abandonou o curso para se tornar musicista. Na época eu estava no GFAU (Grêmio dos Estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na USP) e tínhamos um programa denominado FAU Paralela1. Nas salas de aula se reproduzia uma rotina enfadonha e buscávamos produzir coisas belas pra fora dela. Como há tempos os laboratórios didáticos estavam sub-utilizados incentivávamos o seu uso e iniciamos várias oficinas neles (marcenaria, processos gráficos e a oficina de construção de instrumentos musicais). Bom, já havia a experiência acumulada do primeiro instrumento, mas nesse momento era hora de ampliar seu número, mesmo porque tínhamos um grupo pra construir, gente pra ensinar e poucos instrumentos a disposição.
Fôrma Produzida durante o segundo semestre de 2003 e primeiro de 2004, utilizava como fôrma aros de bicicleta de mais de um tamanho para construir instrumentos de pesos e tonalidades distintas, o que representou um grande avanço. Aros Porém foi no processo de prensagem que obtivemos o maior salto qualitativo. Havia um outro modo de prensar a madeira que havia ouvido falar: a fôrma era utilizada por fora das camadas de laminação e essas eram prensadas de dentro para fora com a utilização de cunhas da própria madeira2. Além disso, as fatias passaram a ser cortadas com 11 cm de altura para produzir dois aros de cada vez3. Arquilhas As arquilhas passaram a ser produzidas a
partir de sarrafos maciços de pinho4, cortados em pequenas barrinhas com 6 mm de largura, 15mm de altura e comprimento de 2m. Essas barras eram deixadas imersas em água por vários dias até que amoleciam e podiam ser dobradas delicadamente sobre os bojos. Esse sistema de utilização de madeira maciça é a forma mais comum para se produzir os aros e as arquilhas em Recife. Porém não é uma técnica simples de ser executada e há muita perda de material, já que a madeira possui falhas, alguns nós e uma variação muito grande na direção de suas fibras, o que provoca seu rompimento durante o processo de dobragem. Em média metade das arquilhas quebravam durante o processo de modelagem. Além da modelagem, a arquilha ainda precisava ser chanfrada e colada nas suas extremidades com tamanho preciso para
4. arquilha da esquerda: sarrafo de pinho
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2. sistema de cunha para prensagem
3. tiras de 11cm para produção de 2 aros
que não ficasse nem muito afastada do bojo (o que facilita o seu rompimento), nem muito próxima (de forma que não coubesse no bojo depois de colocada a pele). Bojos Continuaram sendo produzidos a partir dos aros, da mesma forma como no protótipo inicial, utilizando espaçamento de 3mm entre aro e bojo. Nessa etapa foram produzidos cinco novos tambores com diâmetros distintos, dois com 45 cm, um com 50 cm e dois com 57 cm, cada um deles utilizando um tamanho de fôrma. Avaliação Tanto o novo processo de prensagem como o fato de produzir dois aros de uma vez foram grandes avanços do ponto de vista do tempo de execução. Mas, apesar dos avanços, o processo como um todo era muito lento, já que para fazer 5 instrumentos le-
vamos quase 6 meses. A produção ainda era muito artesanal. Com a prensagem de dentro para fora era possível colar todas as camadas em apenas um dia, porém isso dificilmente acontecia, pois cada pedaço de madeira, em conjunto com a respectiva cunha, deveria estar precisamente cortados. Nessa época a forma mais precisa de fazer isso era cortar os 3mm de madeira com estiletes pois as máquinas a disposição eram muito brutas e não faziam cortes tão precisos. Além disso, os bojos continuaram a ser feitos da mesma maneira e isso tomava muito tempo. A sequência da produção continuava muito atrelada entre si: os bojos só poderiam ser iniciados quando os aros estivessem prontos e as arquilhas quando os bojos estivessem prontos.
5. distribuição das forças
Segunda geração
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1. na imagem ao lado aparece claramente a diferença de distância entre aro e bojo. à esquerda está um tambor da segunda geração e à direita o protótipo inicial.
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2. tambor da segunda geração
3. detalhe da laminação dos aros
4. detalhe da laminação do bojo
Para a segunda geração consolidamos a técnica da utilização da fôrma por fora das camadas de laminação e desenvolvemos um pouco mais o sistema de cunhas, cortando todas elas com máquinas. Experimentamos também fazer bojos laminados com 2 e 3 camadas, já que todos os primeiros instrumentos tinham sido feitos com uma camada apenas. Outra mudança importante foi o acerto da medida de tamanho da relação entre o aro e o bojo. Antes o espaçamento era dado por mais uma camada de madeira de 3 mm, nessa geração passamos a usar uma chapa de polipropileno de 1 mm, que garantiu uma precisão muito maior1. Avaliação Com o sistema de fôrmas mais consolidado conseguimos executar 7 instrumentos do mesmo tamanho em um prazo mais
curto, apenas variando a quantidade de camadas nos bojos. Como estávamos produzindo “em série”, algumas partes da produção puderam ser desmembradas, os bojos foram produzidos sobre uma mesma fôrma enquanto outros aros eram produzidos separadamente. O mesmo aconteceu com as arquilhas, que foram todas moldadas sobre um mesmo bojo. Porém ainda persistia, como um todo, um processo muito artesanal de produção. Cada peça tinha sua especificidade, pequenos erros, uma camada mal colada, falta de proteção e acabamento por pressa de terminar, uma arquilha muito frágil que logo entortava, ou seja, desdobramentos normais de uma produção artesanal, onde cada peça é única. Hoje em dia podemos avaliar, a partir da experiência prática e da exposição a um longo tempo de uso, que certos instrumen-
tos estão muito mais desgastados do que outros, resultado do processo de produção, da má qualidade da prensagem e da mão de obra empregada.
O rompimento com a cultura popular
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A discussão aqui iniciada traz à tona certos aspectos necessários à compreensão das relações entre a cultura popular e o design, a produção e a intervenção desenvolvidas pelo grupo do qual faço parte. Levanto certos apontamentos do que considero uma discussão fundamental que pretendo fazer com mais calma no futuro. Por hora, os elementos apontados já bastam para explicitar a influência que essa discussão teve sobre nosso próprio grupo e sobre nossa produção. A conclusão do processo de produção da segunda geração de instrumentos, na passagem de 2004 para 2005, coincide com um momento importante de discussão interna no grupo. Já havíamos formado uma geração de batuqueiros que compartilhavam de certa unidade de princípios e que a partir daquele momento teriam o papel de formar novas gerações. Ao mesmo tempo que aprofundávamos as discussões estético-políticas dentro daquele núcleo central, era o momento de fortalecer nossas bases para um crescimento mais sólido. Dentre as discussões de fundo mais importantes estavam, de um lado, a relação que os grupos de São Paulo estabeleciam com a tradição do maracatu de Recife e outras referências da cultura popular e, de outro, o desejo de estabelecer uma produção autêntica e urbana, expressão da própria vida em São Paulo. Em um contexto mais geral caberia destacar algumas informações importantes. O maracatu de baque virado (porque há também o de baque solto) chega ao sudeste em meados da década de 90, muito influenciado pelo sucesso da banda Nação Zumbi (a banda havia estourado no Brasil e no mundo em 1993) e Mestre Ambrósio. Há também nesse momento outras figu-
ras — estandartes da cultura popular do nordeste — como Antônio Nóbrega e Ângelo Madureira (do Balé Popular do Recife) que chegam à São Paulo para mostrar seu trabalho. Quero apenas ressaltar que há um delimitador de águas importante nessa época, que implicou na retomada da discussão sobre a cultura popular e sua importância na formação de uma cultura brasileira. Essa discussão chega de forma avassaladora sobre a juventude, que naquele momento, já não encontrava chão sobre o qual poderia construir uma unidade política ou estética. A década de 80 não havia produzido grandes figuras no campo das artes, pelo contrário, se vivia um grande refluxo causado pela ditadura militar que havia calado o imenso potencial desenvolvido durante as décadas anteriores ao golpe. Destacamos na música o movimento tropicalista, na literatura os Concretistas, Ferreira Gullar, no artes cênicas o Teatro Oficina e Teatro Arena, entre os arquitetos, Niemeyer, Artigas, Lina, Sérgio Ferro, Flávio Império, Rodrigo Lefevre, no cinema Glauber Rocha, todas essas frentes, e as propostas delas decorrentes, vividamente desenvolvidas entraram em um período de hibernação. Na política, assim como nas artes, também se vivia um grande vazio e a esquerda já não possuía um programa que encantasse as massas. Durante meados da década de 90, concomitante a esse renascimento da cultura popular no sudeste, já havíamos tido o primeiro presidente eleito corrupto do país (direita) e um segundo presidente liberal (centro), que de longe não agrada a juventude. Na ala esquerda havia o PT, com um programa que já despontava sinais de reformismo (se comparado com
1. manifestação pupolar de maracatu rural
3. show no cia. caracaxá
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2. oficinas organizadas no colégio Alves Cruz, em São Paulo, pelo grupo Bloco de Pedra
a radicalidade que carregou na época de sua formação no final da década de 70), que ainda mantinha uma base muito forte em uma geração um pouco mais velha, mas que para a juventude não representava uma perspectiva de militância e uma base forte para se pensar no futuro. Esse panorama facilitou a assimilação da cultura popular por uma grande parte da pequena burguesia das cidades como válvula de escape para a construção de sua própria identidade.9
9. No site do grupo Cia de Artes Baque Bolado, há uma colocação que confere com a posição colocada. Lá se lê: A década de 90 foi marcada por muitas mudanças significativas no cenário cultural brasileiro, uma delas, foi o crescente interesse por
No final da década de 90, em São Paulo podia-se contar nos dedos os grupos radicados em grandes centros urbanos que reivindicavam a cultura popular do nordeste como uma referência fundamental para a discussão da arte legitimamente brasileira: dentre esses grupos podemos destacar a Cia de Artes Baque Bolado (primeiro grupo a desenvolver o maracatu em São Paulo), o grupo Batuntã e o Brincante (instituto criado por Antônio Nóbrega e Rosane Almeida). Embora em pequeno número, esses grupos eram representantes de raízes sólidas da
parte de jovens da classe média urbana das grandes capitais, nas diferentes práticas das nossas manifestações populares de caráter folclórico (música, dança, artesanato etc).
cultura tradicional e traziam em sua bagagem uma força que influenciou todo uma geração. Resultado disso é que hoje esse número cresceu imensamente, ao ponto de já não se ter idéia da quantidade de grupos que de alguma forma foram influenciados por essa retomada da cultura popular no campo das artes e repercutiram essa influência nos seus trabalhos e projetos. Apenas esse elemento do crescimento numérico de grupos em uma década já é sinal da força com que essa ideologia se espalhou por todo canto, em vários estados do Brasil. No entanto, se torna necessário iniciar uma discussão acerca do conteúdo da própria cultura popular e mais do que isso, pensar sobre qual maneira essa cultura foi apropriada e referenciada. Até agora me ative apenas em colocar alguns dados que ilustrassem a chegada e crescimento des-
se movimento da busca de uma identidade, que como ressaltei anteriormente, ressentia de bases sólidas. Sobre quais princípios se dava esse movimento que teve como base a cultura popular? De que maneira interpretavam as manifestações populares típicas do nordeste e de que forma elas foram transportados para São Paulo? Além disso, cabe comparar essa retomada contemporânea com as discussões levantadas por Lina Bo Bardi no livro Tempos de Grossura e por toda uma geração que na década de 60 buscou no nordeste uma referência para uma produção autóctone. Na retomada contemporânea, iniciada na década de 90, identifico que há certa uniformidade dentre a grande maioria dos grupos artísticos no que diz respeito à interpretação da cultura popular e a importância que é dada a sua existência en-
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quanto uma forma acabada e estática que precisa ser preservada a todo custo. Essa retomada da cultura popular em São Paulo se deu com base na cópia, na reprodução e no que as próprias lideranças desses movimento caracterizam como o estabelecimento de uma relação de respeito à tradição e seus mestres. Diferente do que colocava Lina em seus textos —da força criadora que existia na produção do nordeste, mesmo que dura e podre à luz da cultura burguesa— a apropriação dessa cultura a partir da década de 90 até os dias de hoje se deu nas suas formas acabadas e sem criatividade, no que claramente aparece enquanto um formalismo desprovido do conteúdo vivo da cultura do povo nordestino. A cópia e a reprodução na cidade de São Paulo sempre me pareceram como algo desprovido do conteúdo gerador da-
quilo tudo, que de fato encantava as pessoas por sua força e beleza plásticas, mas que não expressavam a mesma dureza e persistência de viver da forma original, natural de seus criadores. No meu modo de ver, o que esses grupos estavam fazendo era justamente o que Lina buscava negar. Através da reprodução, no meu ponto de vista, estavam matando o que havia de mais vivo na cultura popular, que era o fato dela ser expressão das próprias condições de vida, duras, secas, pobres e indigestas. Os paulistanos digeriram a dureza da cultura popular, apresentando-a de forma doce a agradável, bonita e sem contradições. Por mais que quisessem falar em nome dos mestres, da situação sofrida de suas vidas, falavam de uma situação distante, romantizando-a para o povo da cidade, estetizando-a para o consumo. Preferi negar
tudo isso, assim como Lina também o fez, para repensar nossa atuação em São Paulo, conservando, não as formas, mas a estrutura profunda daquelas possibilidades (Lina Bo Bardi), para recriar uma cultura urbana, capaz de encantar as pessoas que vivem na cidade. Considero de extrema importância a discussão que está esboçada acima tanto para o nosso grupo quanto para o desenrolar dessa apropriação da cultura popular que continuou se dando pela juventude em todo o canto. Do nosso lado, porque foi essa discussão de fundo, que a partir do início de 2005 começou a dar cara à nossa própria produção musical e material e que nos destaca de toda uma série de outros grupos que se debruçaram sobre as mesmas referências. O que do nosso lado serviu de fonte inspiradora
para um desejo de uma produção libertária e viva do povo da cidade, do outro, acabou servindo de bloqueio para toda uma geração de jovens que se despolitizaram ao escolher a reprodução de uma cultura externa à sua realidade cotidiana. Será a partir de 2005 que o grupo fundado na FAU em 2003 passará a ser reconhecido como um grupo com atuação política clara, diretamente relacionada à sua produção artística, se destacando da infinita maioria dos outros grupos que se focarão na reprodução dos ritmos, ritos, adereços, instrumentos, de uma cultura externa, que absorveram como parte de sua própria. Esse processo, de certa maneira descolado da realidade urbana e de todas as contradições da cidade era o que justamente mais me incomodava. Enquanto
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arquiteto em formação e jovem militante, acreditava na função da arte politizada e transformadora, capaz de encantar não apenas por sua beleza, mas por seu conteúdo, e que esse fosse capaz de se comunicar com os habitantes de nossa cidade, trazendo-os junto de nossas apresentações. Na verdade, era justamente esse o aspecto que considerava fundamental de ser apreendido da cultura popular: que sua força estava justamente no sentido fundador, reflexo da vida cotidiana e era justamente por isso que ele ganhava dimensão social local. Deslocado do seu local de origem cairia fatalmente no que Lina Bo Bardi chama de folklore, ou seja, quando a força geradora e viva é absorvida pelo mercado, se tornando apenas forma morta, desprovida de conteúdo vivo. Porém, como fazer isso em São Paulo?
Onde buscar nossas bases, nossas referências? Foi a partir desse momento de tomada de consciência, durante o ano de 2005 e constantes reuniões e discussões que se processaram durante aquele ano até o meio de 2007 que geraram as mudanças mais profundas dentro do grupo. E mais cedo ou mais tarde essas mudanças chegaram aos próprios instrumentos. Como havia apontado no início desse texto, se tornou latente o distanciamento entre nossos desejos e nossa produção material. Mais do que isso, a situação era contraditória, já que criticávamos toda reprodução da cultura popular, mas ao mesmo tempo mantínhamos instrumentos que nos identificava diretamente àquele movimento, ou seja, por onde passávamos, éramos reconhecidos como mais um grupo de maracatu. O ponto a que che-
gamos pode ser definido como grupo que tinha um conteúdo sem forma definida e era hora de mudar aquilo. É nesse momento que chegamos à terceira geração de instrumentos, que se constituiu enquanto um grande ensaio para a quarta geração. Com ela, busquei resolver os problemas mais latentes relacionados ao instrumento musical e dar cara ao grupo. O resultado ficou aquém das necessidades, mas naqueles tambores já estavam contidos apontamentos fundamentais que só seriam resolvidos na geração atual.
Terceira geração
3. série de parafusos: terceira geração
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1. formas feitas a partir de concretubos. na parte da frente está o perfil em “L”para fechamento
2. à direita arquilha feita de fibra e papelão
Após várias experiências anteriores, para essa geração de instrumentos as mudanças de projeto e execução foram bem grandes. Caberia colocar quais eram os principais problemas apontados na época para serem resolvidos: 1. agilidade no transporte, na montagem e desmontagem dos tambores e na afinação; 2. diminuição do peso de cada instrumento; 3. produção seriada a partir de moldes mais precisos. E também quais foram os resultados obtidos em cada etapa e em cada peça produzida: A. As fôrmas foram feitas a partir de concretubos de papelão1 (normalmente utilizados como fôrmas de pilar de concreto armado). Pela precisão dos tamanhos dos
fôrma era a possibilidade de prensagem de camadas subseqüentes com alturas de até 35cm. Com isso foi possível fazer 6 aros de cada vez. B. Arquilhas: sempre haviam sido feitas de madeira maciça, dobrada após longo tempo imersas em água. Esse procedimento, além de demorado, era muito complicado pois exigia a utilização de um sarrafo de pinho sem falhas e nós. Qualquer deslize durante a modelagem da madeira causava sua ruptura. Para essa geração essa peça foi substituída pelo mesmo concretubo de papelão revestido com 3mm de camada de fibra de vidro resinada2. Foi produzido um anel largo que depois era fatiado em pequenos anéis com 1,5 cm de altura. Pela primeira vez as arquilhas eram produzidas em série a partir de um molde que lhes garantiam precisão absoluta.
tubos foi possível conceber três tamanhos subseqüentes de bojos que quando desmontados poderiam ser acondicionados um dentro do outro. Além disso as fôrmas foram cortadas no sentido transversal, e em cada um dos lados foi aplicado uma cantoneira que permitia que os lados fossem reaproximados e fixados com a utilização de parafusos1. Além disso, a menor fôrma era utilizada para fazer um bojo pequeno, a fôrma de tamanho superior era utilizada para fazer os aros do tambor menor e o bojo do tambor médio e assim por diante. O resultado era que com quatro fôrmas foi possível fazer três tamanhos distintos de tambor (no caso, esse era o projeto inicial, de fato foram produzidos apenas dois tamanhos de tambor). Os bojos eram produzidos a partir de fôrmas próprias e não mais a partir dos aros. Outra inovação propiciada pela
C. Sistema de afinação: a corda finalmente seria substituída, já que ela sempre representou uma dificuldade na afinação. Para afinar um tambor com corda, além da impossibilidade de qualquer precisão, era necessário desamarrar toda corda e repassar nó por nó (um processo longo e cansativo). O processo de afinação é bastante recorrente quando se usa pele natural já que qualquer alteração climática interfere na tensão da pele. Como solução desse problema foram desenhadas várias formas de tensionamento utilizando cordas e parafusos. Chegou-se a um resultado final que foi a união de um raio de bicicleta (que propiciava maior leveza e resistia bem a tração) a um pedaço de parafuso rosqueado3 (que permitia o ajuste fino de tensão). Avaliação No início dos trabalhos do TFG a terceira
4. sequência de montagem de um tambor da terceira geração...
5. não há superfície plana
6. pontas que machucam outras peles e carro
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4. ...dificuldade de montar, facilidade para afinar
geração de instrumentos acabara de ficar pronta. Alguns erros e acertos já apareciam nas primeiras semanas de uso, mas passado outros oito meses podemos fazer uma análise mais precisa. As três alterações indicadas acima representaram de fato e finalmente grandes mudanças de projeto e execução. Se aproximaram bastante da solução de problemas como transporte e afinação, além de ter tornado muito mais ágil na prática a execução do instrumento, produzindo várias peças em série. O novo sistema de fôrmas garantiu uma precisão razoável (mas não absoluta) de todas a peças dentro de um sistema (uma mesma fôrma serviu para produzir mais de uma peça: aro, bojo e arquilha). O processo de prensagem passou a ter definitivamente uma qualidade muito superior a todas as anteriores. Tanto os aros quanto
os bojos ficaram muito mais robustos e resistentes, além de uniformes. O sistema de afinação garantiu a velocidade e precisão necessárias. Com os novos tamanhos de instrumentos (40cm e 45cm) passamos a poder transportar oito instrumentos dentro de uma carro de passeio enquanto antes levávamos cinco. Parece uma lista de qualidades respeitável e de fato os novos instrumentos representaram um grande avanço. Mas muitos problemas persistiram. O principal deles era sem dúvida o sistema de afinação que não resolveu o problema de montagem e desmontagem4. Os tambores foram dimensionados para caberem um dentro do outro, mas o sistema não garantiu a agilidade necessária. Os parafusos eram leves, mas desajeitados e dificilmente uma pessoa sozinha conseguia operá-los para montar o
7. detalhe do parafuso
8. uso de mais de uma ferramenta
instrumento por exemplo. Outro problema sério foi a falta de precisão na produção dos parafusos que, embora tenham sido feitos a partir da utilização de máquinas de precisão, ainda pecavam por sua artesanalidade —cada peça ficou de um tamanho, por exemplo. O resultado dessa diferença é que os tambores dificilmente podem ser empilhados porque não há uma superfície plana para um se apoiar no outro5, além do que o acabamento dos parafusos pode machucar a pele de instrumentos maiores6. Outro problema claro é que o peso dos instrumentos no geral não diminuiu e essa era uma demanda necessária de ser resolvida, já que muitas vezes tocamos por horas seguidas e o instrumento quanto mais pesado, mais desconfortável fica ao longo do tempo. A avaliação que faço dessa geração de instrumentos, de maneira geral, é de que
são tambores de transição e apontam para mudanças necessárias (desejos), mas que ainda não tinham chegado a uma forma final. São a expressão de um grupo em formação. O cuidado com o sistema de afinação era fundamental, sem ele não havia como garantir agilidade e eficiência e o uso de parafusos apontava nessa direção. O uso de fôrmas que possibilitavam produzir em série apontava para um crescimento rápido do grupo e a capacidade de multiplicar instrumentos na velocidade em que se multiplicava a necessidade de se organizar e movimentar. Porém ficaram, tanto o parafuso, quanto as fôrmas para laminação de madeira muito aquém de nossas necessidades. Ainda caberia um grande salto que se iniciava com o TFG.
design, produção e intervenção: quarta geração de tambores de rua (2008)
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ato de derrubada da jaula construída pelo diretor na FFLCH
2. oficina organizada pelo coro de carcarás no centro aos domingos
Premissas Após seis anos de experiências testadas na prática por um grupo consolidado a partir de centenas de intervenções na cidade, nas ruas, nas universidades, nas escolas, chegava ao início de 2008 com um novo projeto a ser executado. As experiências acumuladas e as discussões sedimentadas garantiam terreno fértil para essa nova geração de instrumentos. Alem disso, após várias tentativas e algumas experiências esporádicas de atividades conjuntas, dois grupos distintos se fundiam para levantar uma única bandeira de combate a partir da arte e de seus ideais revolucionários. Em 2008, fundamos o Coro de Carcarás, confluência de idéias e pessoas do grupo Corrente Teatral organizado por estudantes de várias faculdades da USP e o grupo de música que eu organizava desde 2003. O
consolidaram enquanto problemas fundamentais ao longo dos vários anos de trabalho e que para essa etapa precisavam necessariamente ser resolvidos para que tivéssemos avanços significativos frente às gerações anteriores. Para entender melhor os problemas e estabelecer objetivos que o projeto deveria contemplar os separei em três grandes grupos: uso, produção, transporte. 1. uso: — possibilidade de tocar em qualquer ambiente e condição climática sem que o instrumento sofra muita alteração sonora. — solução de problemas ergonômicos: adequação da interface de contato do instrumento com o corpo e melhoria na forma de carregá-lo. — redução do peso 2. produção: — produção seriada dos instrumentos
grande coro formado a partir dessa união daria finalmente a expressão urbana que por muitos anos procuramos ter. Fundimos em um mesmo pólo de produção teatro, música e cinema potencializando cada frente de atuação. O rufar dos tambores nunca havia sido tão forte e consistente. Essa unidade enquanto coro foi um elemento decisivo na idealização dos tambores, já que são eles a locomotiva do nosso fronte de batalha e os animadores dos combatentes. Aquela busca iniciada a partir de 2005, de dar expressão aos nossos desejos a partir da própria produção e possibilidade de intervenção sobre a realidade, nessa quarta geração chegou, sem dúvida, a sua forma mais bem acabada. Objetivos da 4a geração Além dos princípios geradores relatados acima, também há alguns elementos que se
dentro de um sistema que contemplasse maior velocidade e qualidade dos produtos finais. — estudo de materiais para fôrma e para cada parte componente do instrumento, levando em consideração técnicas de utilização desses materiais e meios de produção disponíveis, disponibilidade do material no mercado, preço e densidade, alem da interferência gerada sobre a acústica do instrumento. — maior industrialização da produção, seja nos procedimentos realizados pela nossa própria força de trabalho, seja pela possibilidade de encontrar no mercado e em indústrias específicas matéria prima para nossos tambores. 3. transporte: — atender às necessidades de transporte de muitos instrumentos em pouco espaço, com
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3. transporte da terceira geração em um carro de passeio: cinco tambores no banco de trás, dois no porta malas. o motorista fica sem espelho central e os parafusos rasgam as partes internas do carro
o menor peso possível tanto para o transporte em veículos, quanto manualmente. — evitar elementos pontiagudos que durante o transporte possam causam qualquer tipo de estrago as partes internas do veículo e machucados aos usuários. apontamentos sobre acústica de tambores O estudo de acústica de instrumentos é um campo de pesquisa bastante técnico e exige tecnologia específica, como estúdios preparados e sistemas de medição parametrizados. Há uma série de pesquisadores como Thomas Rossing, Neville Fletcher e Luiz Henrique, os quais tive contato com a obra, que produziram estudos sobre os instrumentos de percussão, mais focados nos instrumentos utilizados em orquestras (tímpanos, caixas e bom-
bos) onde a precisão é fundamental. Tais estudos são muito focados na análise qualitativa e quantitativa do som gerado pelo instrumento e não há uma relação entre esse fenômeno e conformação material e de desenho dos próprios. Embora minhas pretensões estivessem bastante distantes desse grau de detalhamento (inclusive fui aconselhado pelo professor de acústica da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECAUSP) Fernando Iazzetta a não adentrar muito no campo da análise física do instrumento devido ao seu grau de complexidade), as pesquisas realizadas serviram para entender e conseguir propor uma maneira de analisar o instrumento de percussão nas suas partes componentes e no que diz respeito ao som produzido. Nesse sentido, busquei fazer uma expo-
sição mais intuitiva sobre esses aspectos com intuito de que a leitura se tornasse algo compreensível para a grande maioria das pessoas. As principais referências pesquisadas sobre acústica de instrumentos enfatizam basicamente dois elementos fundamentais como formadores do som dos membranofones (nome genérico dado aos tambores): a membrana (pele) e o fuste (bojo). No caso, a membrana é o corpo que recebe o estímulo mecânico da baqueta ou das mãos (sistema excitador) e que passa a vibrar dentro de modos de ressonância diversos, dentre os quais alguns são considerados fundamentais e que dão ao instrumento a qualidade de ter altura definida ou indefinida. O fuste serve como caixa de ressonância (sistema ressonante) e reverbera em modos próprios ao formato e materiais
que o constitui. A relação acústico-mecânica entre essas duas partes acontece, pois elas estão ligadas entre si através de um complexo de peças que denominei sistema de afinação. A partir da apreciação anterior pudemos delimitar as partes componentes do tambor e a partir delas analisar o instrumento produzido: membrana, que chamaremos também de pele; fuste, também denominado bojo e o sistema de afinação. Essa separação, além dos seus aspectos físicos, também representaram para o trabalho etapas distintas de desenvolvimento, que hora correram juntas, hora separadas. Outro aspecto importante de se destacar sobre a acústica do tambor é o de que eles são reconhecidamente instrumentos sem altura definida, ou seja, não é possível atribuir uma nota específica ao som
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emitido pelo conjunto. Isso, segundo Luiz Henrique não é visto como inconveniente justamente porque é o que dá a esse grupo de instrumentos timbres tão característicos. Portanto, por mais que se tente, não é possível afinar um tambor como se afina um violão. Por outro lado há certas características mais palpáveis que interferem diretamente sobre o som e que no nosso caso são importantes: a espessura da pele e o volume do bojo. Quanto mais grossa a pele mais grave o som emitido. Quanto menor o volume do bojo mais agudo o som emitido. Para um bom observador esses dados apenas confirmam o que já se vê na prática: no samba, por exemplo, as caixas e repiniques (instrumentos pequenos) são agudos e os surdos (instrumentos grandes) são graves. Além dos dois elementos destacados anteriormente há um outro fator, externo ao
instrumento, que também é estudado em acústica e que é bastante importante para o projeto em questão que é a interferência da baqueta sobre a pele. Tanto o tamanho quanto o material utilizado interferem diretamente sobre o som gerado. Esse fator se dá predominantemente pelo tempo de contato entre baqueta e membrana, que por sua vez altera a quantidade de absorção que se dará nesse contato. Basicamente, quanto mais fina e dura a baqueta mais brilhante o som (palavra utilizada em música para designar predominância de sons agudos) e conseqüentemente quanto maior e mole, mais grave o som. O novo instrumento: forma e conteúdo Feitas a considerações anteriores, podemos a partir de agora se debruçar sobre o projeto e produção do próprio tambor. É
importante destacar que a escolha feita para a ordem de exposição dos fatos, desenhos e referências no texto, tem o intuito de facilitar a compreensão sobre o projeto, mas não representam a ordem cronológica do desenvolvimento no seu todo. Espero conseguir explicar todo o esforço para superação das dificuldades encontradas para chegar até o ponto final desse trabalho, com tudo funcionando dentro dos conformes. Como método para a exposição, em um primeiro momento, farei um percurso sobre cada parte componente do tambor, trazendo suas especificidades e quando necessário fazendo as relações cabíveis com as outras partes. Em outro momento, farei uma comparação com outros instrumentos que existem hoje no mercado e com os instrumentos das gerações ante-
riores. Espero com isso deixar claro que há avanços significativos no produto final e que sem dúvida chegamos à um objeto diferente de todos os outros, adequado ao uso do coro urbano e representante legítimo de seus desejos. Dou a palavra aos tambores. Os componentes Sistema de afinação: por que começar por ele? Ao iniciar os primeiros rabiscos desse projeto tive de fazer uma escolha de por onde começar. Já sabia que os elementos fundamentais na conformação do som nos instrumentos de percussão (membranofones) eram a pele e o bojo. No entanto, as possibilidades de alteração nessa relação eram muito pequenas, já que tensionar uma
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membrana sobre um corpo cilíndrico é o princípio básico de qualquer tambor. Além disso, e principalmente após estabelecer todos os problemas e objetivos do projeto, ficava claro que a resolução do sistema de afinação, ou seja, o complexo de peças capaz de unir todas as outras partes entre si, era a questão fundamental. Resolver esse sistema de forma simples e clara garantia agilidade para montar e desmontar, o que possibilitaria acoplar três tamanhos diferentes de tambores um dentro do outro sem que esse fato se transformasse em um martírio. O acoplamento de três tambores seria fundamental para facilitar o transporte, que poderia ser feito manualmente dentro de uma mochila por apenas uma pessoa ou dentro de um carro de passeio, só que agora não mais transportando de forma precária oito tambores, mas pelo menos quinze sem que
o motorista ficasse sem espelho retrovisor. Apenas com esse breve esquema já fica claro o porquê da escolha —para resolver o problema como um todo não tinha como não começar pelo sistema de afinação. As primeiras idéias Durante o primeiro semestre de 2008 todo o trabalho de desenho e produção se voltou para o sistema de afinação e dessa forma, ao final de alguns meses já tinha apontamentos e um modelo em escala real sobre o qual pude fazer uma análise da eficiência do projeto, no que tange a montagem e desmontagem, afinação e transporte dos tambores e dos ajustes que precisariam ser feitos para cumprir com as objetivos estipulados na época e novas demanda que surgiram com o uso. As idéias iniciais para o sistema de afinação partiram do princípio de que as
forças1 que agiam sobre o sistema eram prioritariamente de tração. Nesse sentido o material utilizado deveria ser o mais próximo de um cabo. As antigas hastes rígidas estavam descartadas, pois representavam uso excessivo e inadequado do material, assim como as cordas, já que sua resistência a altas tensões exigiriam uma seção espessa. Os primeiros desenhos seguiam na linha do uso de cabos de aço finos, ligados diretamente ao aro e a um “tensionador” que ficaria preso ao bojo. A primeira questão fundamental surgiu nesse momento: como tracionar esse cabo? Como no desenho, o cabo de aço poderia se enrolar à uma roldana2. O sistema exigiria um sistema de catracas complexo, pois ao girar/tensionar, a força aplicada não poderia ser perdida e ao mesmo tem-
po teria que permitir o movimento no sentido oposto, no momento de afrouxar. Logo cheguei a pensar em usar um sistema semelhante as tarraxas de instrumento de cordas, como por exemplo, violões e guitarras, que usam cordas de aço3. No caso da tarraxa, o sistema funciona por engrenagens, de forma que a força aplicada à uma engrenagem gere um movimento que será transferido à seguinte com uma grande redução, enrolando o cabo. A primeira engrenagem garante o atrito para que a tensão não se perca. O problema a que se chega: uma somatória de pequenas peças delicadas sob alta tensão. Além disso, e talvez o maior dos problemas, um sistema que tensionaria um cabo de cada vez gerando o uso de dezesseis pontos de fixação. Nesse caso, a solução de um problema gerava diretamente
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outro: onde haveria espaço para a interface de contato do corpo com o instrumento? Permanecia a questão de como tensionar. Em um modelo com escala real (utilizando tambores desenvolvidos na terceira geração) as idéias começaram a se desenvolver. Como na imagem da página anterior4, com pedaços de corda simulando os cabos de aço cheguei à uma solução interessante. Cada cabo seria responsável por tensionar dois pontos de cada vez. A aplicação desse simples sistema de tensionamento reduziria os pontos de fixação do bojo pela metade; quatro para a parte da pele de pergunta e quatro para a pele de resposta. Unindo os pontos de tensão em uma única peça reduziu-se mais uma vez pela metade os pontos, chegando à apenas quatro pontos de contato com o bojo. Como princípio o problema estava resolvido. Ainda era necessário pensar como dar tensão a esse cabo. Os primeiros desenhos do que poderia vir a ser uma presilha com parafusos se esboçava sem maiores dificuldades. Um parafuso para cada lado, que seriam tensionado por uma porca. Aparecia um novo problema: o parafuso giraria conforme o giro da porca caso não estivesse fixo de alguma maneira. O parafuso precisaria correr por um trilho que ao mesmo tempo seria o responsável por impedir o seu giro. A solução foi o desenho de um parafuso desenhado de forma que um de seus trechos tivesse lados retos e outro rosqueado. Por fim, seria necessário fixar o cabo ao parafuso através de um gancho ou um furo. Estava resolvido o problema enquanto um princípio geral, bastava o detalhamento para a produção de um protótipo, que foi realizado alguns dias antes da entrega do relatório de atividades do primeiro semestre.
Etapa de produção do modelo Para a realização da canoa (assim chamaremos a presilha fixa ao bojo, onde se acoplam os parafusos e a porca) escolhi um material nobre e bastante resistente: um tubo retangular de inox 304 (tipo de inox mais comum e barato que não contém impurezas de ferro) de 15x30 mm. O motivo da escolha do material foi sua resistência mecânica à grandes esforços, além da durabilidade e aparência. Dentre os materiais disponíveis em ferro velho era o mais adequado. Para os parafusos o material escolhido também foi o inox 304, mas dessa vez comprado em forma de barra redonda e sextavada com bitola de 1/4”. Para esse primeiro modelo, o formato do trilho para o parafuso ainda estava indefinido, podendo ser originado tanto da barra sextavada quanto da redonda. O processo de produção da canoa foi o seguinte: o tubo foi serrado na policorte (máquina de serra circular vertical e angulado), limado, para retirada das rebarbas, esquadrejado na fresa3 (ou seja, os lados foram deixados com medidas precisas e no esquadro) e furado na furadeira vertical. Em um primeiro teste tentamos fazer o trilho sextavado, mas não havia como produzir um furo sextavado correspondente na canoa com as ferramentas disponíveis (até tentamos na força da martelada, mas não teve jeito). Com isso, nos restou o furo oval feito na fresa, que gerava mais uma etapa de trabalho tanto na canoa quanto no parafuso. Para a fixação da canoa ao bojo foram feitos dois furos passantes centralizados verticalmente na peça. Os parafusos foram feitos no torno mecânico4 a partir da barra sextavada e redonda. Nesta máquina as barras são cortadas com ferramentas especiais até atingirem
3. fresa em funcionamento
5. tipos de parafuso. o do centro foi escolhido
6. primeira canoa finalizada
7. canoa rotacionada em função da tensão
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as medidas especificadas em projeto. Nela também é possível fazer a rosca do parafuso com o passo escolhido, mas nesse caso utilizamos uma ferramenta manual chamada cavaca, que ao ser rotacionada corta o material produzindo a rosca. Feito esse procedimento, o parafuso foi cortado na fresa, produzindo dois lados retos e paralelos. Na extremidade fresada do parafuso foram feitos furos e ganchos, duas propostas distintas para testes5. Com as duas peças prontas iniciei o processo de montagem desse primeiro experimento utilizando bojo e aros da terceira geração, ou seja, ainda no improviso, já que a idéia era testar apenas o sistema de afinação. Os cabos de aço também foram presos ao aro de maneira improvisada apenas para permitir os testes. Com o sistema montado foi iniciado o tensionamen-
to por quatro pontos em apenas uma das peles. O resultado foi bastante animador, mostrando a eficiência do sistema, que garantiria uma montagem e desmontagem rápida e eficiente, principalmente através dos parafusos com ganchos e da redução de pontos de tensão. O sistema, enquanto princípio inovador, cumpria sua função primordial que era tensionar a pele. Ainda que o sucesso relativo à eficiência do sistema, acima descrito, tenha sido alcançado, surgiram problemas de ordem técnica e projetual que merecem destaque. Um deles, gerado em função da falta de precisão das peças produzidas, ajudou e evidenciar problemas de ordem mecânica dos esforços sobre a peça. Acompanhe através da foto acima7 como a canoa torce em função do momento gerado pelo tensionamento do cabo. Outro problema, era
quanto as reais possibilidades de se produzir em série parafusos tão complexos e além disso pensar sua interface com o cabo de aço para que a montagem e desmontagem fossem de fato facilitadas. Foram dois problemas chaves que permaneceram para a quarta geração. Projeto e produção final dos tambores Foi a partir desse estágio que iniciei os trabalhos no segundo semestre, com o sistema de afinação basicamente determinado, faltando apenas seu detalhamento. Paralelo ao desenvolvimento desse sistema passei a projetar as outras partes também, como as fôrmas, o bojo e os aros, mas por hora vamos continuar apenas com o sistema de afinação. Logo no início do segundo semestre, busquei conversar com professores, designer (Giorgio Giorgi e Reginaldo Ronconi,
professores da FAU e Newton Gama, renomado designer com trabalho intenso na indústria de eletrodomésticos) e pessoas ligadas diretamente a produção metalúrgica sobre o projeto que havia desenvolvido, pois ainda tinha muita dúvida quanto ao forma de produção que poderia ser implementada a partir daquele projeto. Tinha como princípio uma maior industrialização dos processos produtivos das partes componentes do instrumento, mas quanto a isso tinha pouco conhecimento técnico do próprio funcionamento da indústria. Logo nas primeiras conversas nas fábricas e no comércio especializado percebi que não seria fácil inserir o projeto em uma produção seriada em escala industrial, mesmo porque as próprias fábricas de instrumentos, como as baterias e instrumentos de samba, por exemplo, hoje possuem
4. parafuso trava com o próprio cabo
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5. redução do comprimento do parafuso
suas próprias manufaturas com máquinas específicas, onde desenvolvem e produzem as peças para uso em pequena escala. O projeto que estava desenvolvendo, mesmo que tivesse condições financeiras de produzir 100 tambores dificilmente entraria em um processo de produção automatizado. No entanto, há que se destacar que esse não era um problema de projeto, mas sim de escala. As conversas com professores e designers, também renderam alterações de projeto na relação entre a canoa e o parafuso. No protótipo inicial havia uma porca para atarraxar o parafuso, que se localizava na parte externa da canoa (acompanhe pelo desenho)1. Esse desenho determinava um percurso de 25mm de rosca desnecessário até que o parafuso encontrasse a porca. Além disso a rosca formava uma ponta ex-
terna à peça. A solução para esse problema foi o desenho de uma peça que atendia a função de atarraxar e ao mesmo tempo encurtava o caminho para que o parafuso encontrasse a porca2. Essa simples alteração resolveu de uma vez só o problema a dimensão do parafuso e a protuberância que ele causava no desenho final. Outra alteração fundamental foi no parafuso. A partir de alguns testes percebi que o parafuso não precisaria de um curso reto para que não girasse, já que o próprio cabo, pelo seu formado em “V”, cumpriria essa função4. Essa alteração facilitou muito a possibilidade de encontrar na indústria um parafuso que atendesse as necessidades de projeto. E foi o que aconteceu através de um contato que tive com a CAT Fixadores, uma empresa de pequeno porte (pequeno porte nesse setor significa pro-
dução de toneladas de parafusos por dia), mas que produzia modelos especiais de parafusos que, em geral, não se encontrava no mercado. O parafuso se assemelhava muito aos ganchos utilizados para afinação de tamborins (instrumento usado no samba), mas sobre o qual pude fazer algumas alterações, como passo da rosca e desenho e comprimento do gancho5. Completando o sistema de afinação, ainda havia a interface dos parafusos com o cabo de aço e a interface deste com os aros. O cabo de aço utilizado no protótipo era o mais esbelto que se encontrava no comércio da construção civil , mas mesmo assim era muito espesso e difícil de se trabalhar e moldar. Por sugestão do professor Giorgio busquei, em lojas especializadas em materiais para pesca, cabos de aço de espessuras menores utilizados nesse se-
tor, que atenderam minhas necessidades. Ainda antes de iniciar a produção das peças tinha de resolver um sério problema que havia surgido no modelo do primeiro semestre, que era como controlar a distribuição das forças na canoa sem que ela se movesse. O fato dos parafusos estarem posicionados de forma espelhada na canoa fazia com que a resultante das tensões forçasse a peça a girar (acompanhe pelos desenhos da página 45)6 e isso de fato aconteceu no modelo inicial, parte por mal execução das peças, parte pela intensidade da força. Na busca de uma solução para esse problema desenvolvi dois partidos de projeto: um deles como o protótipo inicial, com os parafusos espelhados2 e outro com eles alinhados3. A partir desse ponto, embora cada partido tivesse seus prós e contras, que im-
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12. bucha de inox: diametro de 6,3mm
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6. desenhos esquemáticos de distribuição de forças nas canoas.
plicavam alterações consideráveis para o desenho e para a produção, busquei um respaldo técnico, ou seja, calcular a distribuição de esforços para tomar uma decisão. Nesse momento busquei suporte de dois professores da Escola Politécnica, que foram muito atenciosos e se envolveram com o projeto ao ponto de ajudarem de forma decisiva, foram eles André Paulo Tschiptschin do departamento de Engenharia Metalúrgica e Materiais e Henrique Lindenberg Neto do departamento de Estruturas e Fundações. Os cálculos podem ser acompanhados na tabela da página 55, mas as questões fundamentais que implicavam em limites importantes eram o ângulo que o cabo formaria entre a canoa e o aro e a relação que isso tinha com tensão de ruptura do cabo. Quanto maior o ângulo formado, menor a parte vertical força que
iria para tensionar a pele. A partir dos dados obtidos escolhi o partido inicial (com parafusos espelhados), pois era o que garantia melhor aproveitamento da distribuição das forças. Com o partido escolhido, ainda permanecia o problema do momento gerado sobre na canoa que seria transferido para o parafuso de fixação junto ao bojo. Para solucionar esse problema foi produzida uma bucha de aço inox12 aplicada à madeira, com um furo para passagem do parafuso. A bucha garantiria assim maior área para distribuição das forças sobre o casco de madeira. Outro problema relativo à distribuição de forças e momentos era quanto à torção da canoa na direção transversal, ou seja, no movimento de descolamento do bojo na parte inferior (tração) e de pressão sobre o bojo na parte superior (compressão)8 e 13. A
13. canoa distorcida: tração e compressão
solução para esse problema foi um somatório de alterações: nas dimensões do tubo utilizado para a canoa, no posicionamento do furos de fixação da canoa ao bojo e na quantidade de canoas utilizadas e desenho formado na relação com o aro. Quanto ao tubo, a proposta inicial de projeto era de que ele tivesse 16x20mm, no entanto, essa era uma medida inexistente no mercado, além disso oferecia pouca parede para a distribuição da compressão citada acima. O tubo escolhido foi portanto foi o de 15x25mm, com parede de 1,5mm. Os furos de fixação foram desalinhados (verticalmente) do centro, como havia sido feito no modelo do primeiro semestre e realinhado (horizontalmente) pelo centro em uma primeira proposta10. Esse realinhamento pelo centro na horizontal melhorava a distribuição de momentos frontal, mas
mantinha o problema do momento transversal. A solução final foi o somatório das duas opção anteriores, ou seja, desalinhado do centro nas duas direções11. Uma última alteração importante no desenho da canoa feita em relação a inicial foi a forma de fixação desta com o bojo. Na proposta inicial havia um furo passante de duas dimensões distintas, um para o parafuso e outro para dar acesso ao parafuso; a porca ficava para lado de dentro do bojo. Esse projeto ampliava o número de furos na peça e ainda tinha o inconveniente de ter dois tamanhos diferentes. A solução proposta para a peça final foi de produzir uma rosca na própria canoa, de forma que bastaria o parafuso para fixá-la ao bojo. Após toda essa descrição chegamos finalmente à produção da canoa. Como havia ressaltado anteriormente o principal en-
2. fresa: na busca do tamanho preciso
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1. gabarito de madeira para cortar com precisão na serra de fita
3. limar cada peça: trabalho de paciência
4. depois de limar, fios de aço
trave à industrialização dessa peça estava na sua escala de produção e não no projeto. Nesse sentido ela poderia facilmente entrar em uma produção seriada utilizando máquinas do tipo CNC (Computer Numeric Control ou em português Controle Numérico Computadorizado), que são máquina programadas para executar tarefas repetitivas. No caso, como a produção seria artesanal, busquei desenvolver um sistema para executar a peça, de forma que tivesse maior número de repetições de tipos de tarefas. A começar pelo corte da peça, que ao invés de ser feito como no modelo, na policorte, foi realizado na serra de fita a partir de um gabarito de madeira1. Essa alteração garantiu uma precisão muito maior na peça após o corte e além disso muito menos rebarba para ser limada. Como não imaginava que o corte ficaria tão perfeito
com mesa coordenada, que agilizou e deu bastante precisão a esse trabalho. Para a furação foram montados dois gabaritos, um para os furos passantes de 6,7mm e outro para os furos de fixação ao bojo de 3,3mm. Em um processo seriado todas as peças passaram por etapas iguais: primeiro era feito uma marcação com um broca de centro (essa etapa servia para garantir precisão na posição do furo já que muitas vezes em função da resistência do material a broca de furação escorrega até iniciar o furo), na sequência era feito o furo. Cada peça recebeu 6 furos, 4 de 6,7mm e 2 de 3,3mm. O gabarito permitiu que as peças fossem posicionadas sempre no local inicial correto de forma que a furadeira ficasse sempre parada e a mesa coordenada permitiu que, mantido o mesmo gabarito, o segundo furo passante fosse feito a 15mm
do anterior com a máxima precisão5. O mesmo procedimento foi mantido para os furos menores, só que nesse caso, como eram apenas dois furos em posições simetricamente opostas bastou o rotacionamento da peça para fazer os furos, o que garantiu uma rapidez muito grande5 e 6. Com todos os furos feitos as peças foram limadas e finalmente estavam prontas para a última etapa que era a realização da rosca. Essa etapa foi feita na FAU e de uma maneira um pouco mais precária, pois não havia uma mesa coordenada na furadeira. As peças foram posicionadas segundo um gabarito (compare os dois gabaritos nas fotos5 e 7). Para fazer a rosca se utiliza uma ferramenta chamada macho de roscar em conjunto com um desandador8, que é uma alavanca para rosquear o macho. O procedimento utilizado foi o seguinte: po-
acabei cortando metade das peças (20) com 26,5mm de comprimento para depois esquadrejar e deixar na medida na fresa. A outra metade apenas cortei com 25mm de comprimento, já deixando com o tamanho final, reduzindo em uma etapa o trabalho na peça. A primeira metade, depois de limada foi acertada na fresa2, o que era feito de 4 em 4 peças. Após essa etapa, com as peças esquadrejadas e na medida todas foram limadas3 e depois passadas no disco de fios de aço4 para retirada das rebarbas. A segunda etapa de trabalho executada sobre as canoas foi a furação. Esta etapa foi realizada fora da FAU, pois as máquinas disponíveis na escola não garantiam a precisão necessária. Recorri ao laboratório existente no departamento de Metalúrgica e Materiais da Escola Politécnica da USP, onde utilizei uma furadeira vertical
5. gabarito para furação
6. produção em série: furo de centro e final
9. parafuso recebe rosca no rolete
11. torno semi-automático em ação
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7. gabarito para realização da rosca
8. macho de roscar e desandador
10. prensa manual
sicionamento do macho na furadeira para garantir esquadro no furo; posicionamento da canoa no gabarito; inicio da rosca na furadeira rotacionando o mandril manualmente; continuação e finalização da rosca com o desandador. Como o aço inox é um material muito duro e o macho é uma peça delicada foi utilizado fluido de corte para lubrificar o furo. Mesmo assim durante o trabalho da trigésima quinta canoa, ou seja, no septuagésimo furo o terceiro macho quebrou (em geral o machos vem em jogos de 3 peças, cada qual com uma entrada diferente da rosca para facilitar o início do furo). Como as 35 peças já garantiam um bom número de canoas parei os trabalhos por aí. Estavam prontas as canoas! Quanto aos parafusos a produção deles é um pouco mais simples, mesmo porque foram feitos um uma fábrica de parafusos
que possui maquinário para produção de larga escala. Diferente dos parafusos feitos para o modelo, em que a partir de uma barra maciça mais grossa se utilizava o torno para chegar a medida necessária e depois disso se cortava o material com a cavaca, para a produção final foi utilizado outro procedimento. Nas fábricas de parafuso em geral a matéria prima não é uma barra reta, mas sim um arame em bobinas que entra na máquina para ser usinado. Em primeiro lugar o arame é retificado, depois ele recebe a rosca a partir de roletes que são placas com rosca que pressionam o material deformando-o e expandindo-o (diferente da cavaca que corta o material). Em seguida, o parafuso recebe a cabeça, ou algum tipo de dobra. No nosso caso, como o produção era muito pequena (150 parafusos) os
procedimentos foram feitos manualmente. O arame foi todo retificado e cortado na medida. Na sequência, foram passados no rolete9 para receber a rosca de passo 3/16” e em seguida dobrados em uma prensa manual10. As porcas (assim chamaremos esta peça, embora ela seja mais complexa do que uma porca) também foram produzidas em uma pequena fábrica em um torno semi-automático11. A partir de uma barra sextava de latão de bitola 5/16”. A porca possui comprimento de 35mm, dos quais apena 5mm são sextavados, ou seja, 30mm são cortados com uma ferramenta especial. O torno é uma máquina que possui pinças de precisão para segurar o material que giram em torno de seu próprio eixo. Com uma ferramenta de corte fixa, conforme a barra gira ela é cortada e desbastada até chegar
à medida estipulada em projeto, que nesse caso é de 6,5mm. Mas antes deste desgaste também são feitos os furos por onde passarão os parafusos. Quinze milímetros de comprimento receberão rosca de 3/16”, o restante da porca é apenas furada com 5mm de espessura, ou seja, maior do que a rosca do parafuso. Em dois dias de trabalho, as 150 porcas estavam prontas. Os bojos: fôrmas Como havia deixado explícito anteriormente, o bojo utilizado para o modelo preparado no final do primeiro semestre era uma peça antiga que serviu apenas para aquela experiência. Nessa etapa busquei um avanço significativo para a produção dos bojos e nesse sentido investi na produção de fôrmas metálicas com três tamanhos distintos. Diferente das gerações anteriores, quando para a produção de fôrmas bus-
2. chapa em processo de preparação
3. ajuste fino do diâmetro: feito na marretada
1. calandra sendo operada por funcionário. aos poucos a chapa se torna um tubo
4. dobra para fechamento da fôrma
5. fôrmas prontas
cava materiais cilíndricos existentes na indústria, como os aros de bicicleta nas primeiras gerações e os concretubos de papelão na terceira, nessa tive que adotar um outro caminho. Não porque as anteriores não atendiam às necessidades, mas principalmente porque para a produção atual havia adotado um partido de projeto que era pautar-se pelas medidas das peles industrializadas, portanto padronizadas em polegada. Essa escolha se deu basicamente porque o processo produção da arquilha e de empachamento da pele (ou seja fixação da pele à arquilha) eram, nas gerações anteriores, processos muito complicados e trabalhosos. A pele é o componente menos durável do instrumento, pois constantemente rasga com o uso e nesse sentido, como toda peça que quebra e se torna inutilizável precisa ser substituída. Se
para que o bojo de madeira pudesse ser desmoldado, portanto a chapa de aço antes de ser calandrada recebeu uma dobra nas duas extremidades para formarem abas4 onde posteriormente quatro parafusos seriam fixados, garantindo resistência à fôrma quando parafusados e maior amplitude quando desparafusados. Na mesma fábrica também foram feitos 3 pares de aros, nas medidas de 16”, 18”e 20” a partir do processo de calandragem e solda. Com as fôrmas prontas já era possível iniciar a execução dos bojos. Como partido de projeto havia o desejo de produzir em maior escala de forma seriada e nesse sentido o processo de laminação de madeira que havia sido utilizado em todas as outras gerações não parecia um bom método. No entanto, não havia muita escapatória ao uso da madeira. Decidi manter a laminação
a partir de compensado de pinho de 3mm, como já vinha fazendo e busquei experimentar a fibra de vidro como material de fácil acesso e modelagem como alternativa. A conclusão que cheguei é que ambos os processos são bastante artesanais e exigem muito trabalho manual, no entanto o uso da madeira garantia maior rapidez e limpeza, menor custo e mais importante que os outros três fatores, menor peso devido à menor densidade do material. A fibra apenas superava a madeira no tempo de secagem que era até oito vezes menor e na impermeabilidade. Optei por fazer três bojos de cada material como forma de experimentar as fôrmas e avaliar o som produzido por cada um deles. Outro aspecto muito importante vinculado ao projeto do bojo era a espessura da sua parede, uma vez que seria ela a medi-
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essa substituição é lenta e complicada, o instrumento acaba ficando inutilizado da mesma forma. Mais fácil e simples é ir à qualquer loja de instrumentos musicais e comprar a pele pronta, mesmo porque o custo de uma pele industrializada e do couro bruto são muito semelhantes, economizando no quesito trabalho. Escolhido os tamanhos dos bojos em função das peles (16”, 18” e 20”) foi necessário encontrar uma fábrica que tivesse maquinário para produzir peças tubulares em pequena escala. Essa fábrica foi encontrada em Ribeirão Pires, na grande São Paulo. A máquina utilizada para produção das fôrmas é chamada calandra1 e sua função é transformar uma chapa em um tubo através da pressão exercida por três cilindros de aço maciços. As fôrmas também tinham a especificidade de serem abertas
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6. estudos para determinação das dimensões máximas da canoa
da determinante na largura máxima da canoa (para que um tambor coubesse dentro do outro havia uma matemática simples a ser feita)6. Como a diferença de tamanhos entre os bojos era de duas polegadas, significava que quando um tambor estivesse colocado centralizado dentro do outro havia a distância entre as paredes externas dos bojos de apenas uma polegada, ou seja, 25,4mm. Como cada camada de compensado possui 3mm, a utilização de 3 camadas de compensado deixaria a parede do tambor com 9mm, restando 16,4mm para a canoa (lembrem-se, que a medida ideal colocada anteriormente era de utilização de um tubo de 16x20 mm, ou seja, no limite do tamanho disponível. Claro que essa medida havia sido determinada em função justamente da relação com os tamanhos dos bojos). Mas por que utilizar três cama-
das de compensado? Por que não usar só duas? Aí entrava outra questão fundamental quanto à forma de produção e a relação com os materiais disponíveis. A laminação dos bojos, como descrito nas gerações anteriores, tinha uma grande dificuldade de ser feita quando se utilizava apenas uma camada de compensado e uma tira de reforço nas bordas. A melhor forma de resolver esse problema era laminar duas camadas de compensado e depois fazer o reforço com mais uma camada. No entanto, no mercado, o compensado mais fino vendido é o de 3mm. Uma outra opção seria, ao invés da camada externa ser feita de compensado, substituí-lo por uma folha de revestimento, que em geral tem espessura de 1 mm. Essa opção foi testada em um modelo feito durante o segundo semestre de 2008,
utilizando uma folha de compensado de 1mm que a FAU dispunha há muitos anos de um projeto feito pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), ou seja, era um material raríssimo não encontrado no mercado, mas que simulava a folha de revestimento. O uso do compensado de 1mm resolveu o problema de forma bastante satisfatória, pois além de tudo deixou o bojo muito leve. No entanto, ao afinar o tambor utilizando as próprias canoas, a compressão desta sobre o bojo deformava sua parede consideravelmente13 p.45 . Esse fenômeno também se repetiu nos bojos de fibra de vidro. Em função desses testes decidi por manter as três camadas, sendo duas em todo o comprimento e uma de reforço apenas nas extremidades, como forma de aumentar a resistência à compressão da parede do bojo.
Determinado o número de camadas dei início à produção dos três bojos. Para agilizar o processo e tendo como base toda a experiência de anos anteriores, mantive a utilização de cunhas para efetuar a prensagem entre as camadas. No entanto, para essa geração de instrumentos todas as cunhas foram cortadas com o mesmo comprimento, angulação e 350 mm de altura, ou seja, 50 mm maiores do que a altura do próprio bojo. Esse procedimento permitiu que as folhas das camadas do bojos não tivessem que ser cortadas com comprimentos absolutamente precisos, já que os 50 mm excedentes corrigiam os pequenos erros. Para que esse procedimento fosse aplicável sem gerar muitos erros era necessário apenas que os ângulos, tanto da cunha como das camadas, fossem precisamente os mesmos, tanto o lado reto,
1. cunha base ao ser reproduzida
2. corte da cunha em serra tico-tico pequena
3. processo de laminação: cola
4. pegada para colocação
5. colocação cautelosa na fôrma
6. cunha é pressionada
quanto o lado inclinado. Para tal foi escolhido um angulo aleatório, mas bastante vertical para facilitar a entrada e deslizamento da cunha1. Portanto, antes de iniciar propriamente a laminação fiz uma tabela com o tamanho que deveria cortar cada camada de compensado para cada tamanho de bojo utilizando a fórmula do comprimento da circunferência C=d.π2. (onde C é o comprimento, d é o diâmetro e π é igual a 3,14). Como a cada camada o diâmetro diminui 6 mm, o comprimento diminuiria respectivamente aproximadamente 18 mm. E com essa regra todas as camadas foram cortadas e separadas para então iniciar a laminação. O processo de laminação é bastante simples, basta passar cola em um dos lados da madeira3, tanto da cunha quanto do pedaço maior de compensado e inseri-lo
cuidadosamente dentro da fôrma sem as camadas se toquem antes de estarem posicionadas5. Em primeiro lugar se coloca a parte maior de compensado e em seguida entra a cunha que é pressionada com a ajuda de um martelo e um toquinho de madeira como calço para não machucar a borda do compensado6. Como para cada tamanho de bojo há apenas duas camadas inteiriças, esse procedimento é feito apenas uma vez para cada tamanho. A tira de reforço é colada da mesma maneira, no entanto, tanto seu dimensionamento, quanto o corte foram feitos, desta vez, sem seguir um padrão, já que para ela não se utiliza cunha, mas sim as duas extremidades com cortes chanfrados e paralelos7. O uso da fibra de vidro Já os bojos de fibra de vidro passaram por procedimentos completamente distintos.
Nesse caso o trabalho inicia-se pela fôrma que precisa ser preparada para receber a resina e a manta. Esse preparo é algo bastante sacal e manual, já que para a peça final não ficar colada à fôrma, esta precisa estar encerada e ter recebido uma camada de desmoldante. O processo de enceramento é feito com uma estopa e cera normal incolor, que precisa ser aplicada (nas primeiras vezes em que se usa a fôrma) em quatro demãos. Depois de encerada se aplica o desmoldante de PVA (solução a base a álcool polivinílico), que demora algumas horas para secar. Com a fôrma preparada se inicia a laminação propriamente dita. A manta de fibra de vidro foi o material escolhido para a laminação (já que também existe a opção de se usar o holving (fibra desfiada) ou do tecido) pelo seu baixo custo e adequação
a forma final da peça. Ela é vendida em pedaços ou em rolos de 1,4m de altura. Para a laminação dos tambores preparei vários pedaços de manta cortados com 15x30cm (para o corpo) e com 20x5cm (para a faixa de reforço das extremidades). A manta é como se fosse um tecido trançado com vários pedaços de fibra de vidro, que para ganhar forma precisa receber uma resina de poliéster. Esta no seu estado inicial é liquida e adere à manta penetrando por pequenos poros (como se estivesse molhando a manta), mas que em um tempo determinado, pela quantidade de catalisador e acelerador misturados à ela, se torna totalmente rígida permanecendo no formato idêntico à fôrma em que foi aplicada. Me utilizando desse procedimento laminei três bojos com espessura de 3 mm no corpo e 3 mm de reforço.
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7. tiras de roforço cortadas previamente
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8. laminação sem reforço
9. laminação com reforço
10. sistemas de fôrmas em ação
11. comparação visual entre aros
Cabe destacar alguns inconvenientes que a utilização de fibra de vidro trouxeram: A resina de poliéster é um material muito tóxico, sendo necessário a utilização de máscaras durante a sua aplicação; A manta de fibra de vidro solta pequenas partículas de vidro que ficam suspensas no ar sem que se possa vê-las e essa partículas muitas vezes ficam em contato com corpo causando uma coceira característica; A resina é dissolvida em tinner e é com esse produto que se limpa todos os materiais utilizados (pincel, rolinho e potes). O tinner além de tóxico, deixa a pele muito seca e ao se limpar as mãos e os braços, por exemplo, aquelas partículas de vidro que estavam depositadas na pele são pressionadas e causam pequenos cortes por onde o tinner entra causando um leve ardor.
São apenas alguns detalhes sobre essa técnica que é muito versátil, mas que tem seus contratempos. Os aros Nos resta agora apenas os aros para completarmos todas as partes que compõem o tambor. Para essa geração de instrumentos os aros foram os grandes responsáveis pela redução do peso do instrumento como um todo e isso é uma grande qualidade. Do bojo não havia de onde tirar peso porque as camadas tinham uma espessura mínima e do sistema de afinação também não, pois afetavam muito pouco no peso total. Sobrou para os aros. Em todas a gerações anteriores os aros foram feitos de madeira e isso gerava uma peça de grande seção comparada com o restante do instrumento. Para a sua produção era necessário a laminação de quatro, cinco e até seis ca-
madas de compensado, o que gerava um trabalho longo de preparação das placas de pinho. Mesmo com os avanços conseguidos na terceira geração, quando a partir de uma fôrma alta foi possível produzir seis aros de uma só vez, ainda assim os aros acabavam se deformando na laminação e ficavam levemente ovalados. Mas os maiores problemas que permaneciam nos aros de madeira eram, a interface com o cabo de aço e a sua seção exagerada em relação ao tambor como um todo. No modelo preparado no final do primeiro semestre a interface entre cabo de aço e o aro de madeira foi bastante improvisada e foi um dos entraves para um tensionamento maior, já que o cabo começou a cortar a madeira no ponto de contato de maior tensão. Quanto a seção basta uma comparação11 para percebermos os
ganhos com o aro metálico. A seção dos aros da terceira geração tinham 18x50mm (900mm2) e a dos aros de metal 2x20mm (40mm2), uma redução 860 mm2 na área, garantindo a mesma eficiência e função. Está aí a diferença clara para a redução no peso. Escolhido o aro metálico ainda restava a solução de interface com o cabo de aço. O princípio para solução deste problema veio da antiga referência das cravelhas de instrumentos de cordas, onde a própria corda ao passar duas vezes pelo mesmo orifício, dando uma volta em si mesma já é suficiente para travar aquela extremidade de forma que a corda não perca tensão ao ser afinada. Esse também é o mesmo princípio de vários nós de travamento utilizados em alpinismo e em navegação. Mas porque escolhi esse partido para a solução
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7. furação seriada no tubo, que depois é cortado
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de interface do cabo com o aro? A resposta é bastante simples: resolveu o problema com uma solução simples e fácil de executar. Para a solução desse problema há também outros esboços que ainda não puderam ser testados na prática devido à dificuldade de se trabalhar com o cabo de aço, que é um material que não aceita solda e que portanto necessita de um tratamento especial para fazer o acabamento e arremate de suas extremidades. Como os nós resolviam bem o problema, permaneci com essa proposta. A produção dos aros foi feita na mesma fábrica onde foram produzidas as fôrmas, utilizando a mesma máquina. A diferença era a dimensão das seções e que os aros formavam um anel fechado. No projeto inicial a proposta era de se utilizar o próprio aro como havia saído da fábrica, apenas
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com as furações para fixação dos cabos. Cheguei a desenhar vários croquis com arranjos distintos de fixação do cabo, utilizando mais de um furo, formando chicanas para travar o cabo1. No entanto, a escolha final foi a utilização de apenas um furo e uma solução muito próxima à das cravelhas para a fixação do cabo2. Durante os testes de um novo modelo executado no segundo semestre de 2008 ainda surgiria um sério problema que afetaria no desenho do aro. Como é possível de se ver no desenho3 e na fotografia6, a relação entre o cabo que sai do aro e a arquilha que prende a pele é contraditória à própria função do cabo. Ao mesmo tempo que a tensão vertical no cabo faz com que o aro seja puxado em direção à canoa, tensionando a pele, a conformação do sistema como um todo, faz com que o
6. pressão exercida pelo na arquilha
8. soldagem do tubo ao aro
mesmo cabo pressione a pele em direção ao centro do tambor, afrouxando-a. Para solucionar esse problema realizei dois testes diferentes, ambos tinham a função de afastar, em relação ao centro do tambor, a saída do cabo, fazendo com que este não tocasse na arquilha. O primeiro teste foi feito apenas soldando um pequeno pedaço de uma barra maciça de aço ao aro4. Como solução estética e funcional essa opção não resolveu o problema de forma satisfatória, já que a seção da barra teria que ser muito grande para fazer com que o cabo não tocasse a arquilha. A segunda opção foi um avanço da primeira, pois também era baseada na fixação de uma peça ao aro. Neste caso, ao invés de uma barra, foi soldado ao aro a metade de um tubo cilíndrico de 20mm de diâmetro, ou seja, mesma altura do aro, ge-
rando um acabamento mais preciso5. Além disso, o uso do tubo permitia a produção de pecinhas em série7, já furadas que seriam soldadas8 em posições específicas do aro. Do ponto de vista da execução do aro esse era um procedimento muito mais prático, já que é muito mais simples furar o tubo em série e depois cortá-lo em pequenas partes, do que produzir uma base para furar o próprio aro. Do ponto de vista da fixação do cabo de aço, a utilização do tubo também permitia uma solução mais limpa e bem arrematada, onde a ponta solta do cabo ficaria “escondida” dentro do tudo. Na busca de uma outra solução para o tensionamento da pele também cheguei a testar a utilização de um aro chamado “confortável”,9 nome dado por causa do seu uso em tambores nos quais se toca com as mãos e que portanto possuem um dese-
9. aro confortável: formato “L”
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nho que deixa a área de contato das mãos com o aro e a pele sem pontas. No nosso caso, esses aros serviram também para solucionar o problema do contato do cabo com a arquilha, já que pelo seu desenho eles possibilitavam que o cabo fosse fixado ao aro em um parte inferior à arquilha, de forma que não correria nenhum risco de toca-la. Por outro lado, esse aro, pela mesma razão anterior, trazia um outro problema já descrito durante a explicação do sistema de afinação, ele tornava o ângulo formado entre a canoa e os ponto de fixação muito grande, aumentando a tensão sobre o cabo.
Finalização de modelos
2. canoa rotacionada e teste de 2 aros
4. teste com parafuso gancho
1. dois protótipos: à esquerda com canoa retangular e à direita com canoa vertical
3. cabo de aço marcado pelo parafuso
5. teste com parafuso olhal: rompimento
O modelo finalizado no primeiro semestre já foi amplamente descrito anteriormente, mas gostaria ainda de retomar alguns aspectos. A partir dele aprovei a utilização de um esquema geral para o desenho dos cabos de aço e das canoa, ou seja, do sistema de afinação. Permaneciam como problemas o momento que fazia a canoa girar e o fato dele não ter permitido chegarmos a tensão necessária para afinar a pele por causa da interface do cabo com o aro. Já no segundo semestre, com novas idéias para o projeto, descritas nas páginas anteriores, busquei finalizar dois modelos de testes, um deles utilizando a canoa com o tubo retangular e outro com a solução vertical1. É importante ressaltar que para toda descrição anterior busquei manter as partes separadas para que fosse mais simples de compreendelas. Mas há problemas que surgiram no de-
a porca, esta começava a ranger e em alguns casos espanar a rosca. 2. mesmo em baixas tensões a canoa começava girar sobre o próprio eixo, nas duas direções sobre as quais recebia esforços de rotação que geravam momentos2. Como primeira solução, alterei o posicionamento dos furos de fixação com o bojo, que melhorou a situação, mas não resolveu totalmente. Além disso, o esforço transversal ao instrumento comprimia exageradamente a parede do bojo, que parecia não agüentar muito mais pressão. 3. o parafuso executado manualmente para funcionar em par com a porca possuía cantos vivos que por semanas provocaram o rompimento dos cabos de aço. Algumas soluções paliativas foram tentadas, como a utilização de pedaços de tubos de PVC para diminuir o atrito entre o parafuso e o
cabo, mas este continuava rompendo. 4. quando finalmente consegui substituir o parafuso por um de tipo gancho, a rosca muito folgada da porca não casava com a rosca muito fina do parafuso. A solução foi testar o parafuso com uma porca simples no modelo vertical4. 5. o teste derradeiro de resistência para o cabo foi quando preparei o modelo para funcionar com um outro parafuso, dessa vez do tipo olhal. Esse parafuso possuía um formato sem cantos, que dificilmente forçaria um rompimento precoce do cabo. Com tudo montado iniciei os testes. Resultado: o cabo rompeu mesmo assim. Era sinal de que as tensões estavam muito altas5. Havia duas soluções possíveis, aumentar a espessura do cabo ou aumentar o número de pontos de fixação ao bojo. Aumentar a espessura do cabo era muito difícil
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correr da produção que envolveram várias partes simultaneamente e que serão explicitadas a partir de agora. Nesse momento da produção tinha como partido de projeto, para os tambores de 16” (e foram eles que utilizei para os testes), a utilização de apenas três canoas. Além disso, como a idéia inicial era utilizar um tubo de aço inox de 15x20mm, acabei só encontrando um tubo de 20x20mm e foi com este que acabei realizando o primeiro experimento. Por algumas semanas me dediquei arduamente para finalizar os modelos, mas alguns problemas me perseguiam sobremaneira. As fotografias exemplificam bem todos eles. O modelo com canoa tubular apresentou os seguintes problemas: 1. como a relação do passo da rosca entre parafuso e porca não estava muito preciso, a partir de certa tensão, ao rosquear
tabela de tensões
* dados calculados a partir da tensão sobre a pele de Mylar = 2000N/m (fonte: HENRIQUE, Luis. Acústica Musical. pg. 475)
diâmetro
comprimento
tensão total
6 pontos
8 pontos
10 pontos
16”
1276mm
2552N
425N / 43kg
319N / 32kg
18”
1435mm
2670N
478N / 48kg
20”
1595mm
3190N
531N / 53kg
255N / 26kg
a / tensão tipo1 30º / 369N
a / tensão tipo 2 35º / 389N
358N / 36kg
287N / 29kg
34º / 431N
38º / 454N
399N / 40kg
319N / 32kg
30º / 369N
35º / 389N
tipo1
tipo2
pois não existia cabo mais grosso no ramo de pesca, teria que pesquisar em outros setores da indústria e isso não seria nada fácil (na indústria naval também não havia nada). Aumentar o número de pontos parecia a solução mais lógica. Foi a partir desse momento que comecei a me concentrar mais nos cálculos e a partir de alguns dados colhidos em livros de acústica e algumas simulações feitas com o professor André Tschiptschin cheguei à alguns valores bastante razoáveis de tensão, tendo como parâmetro estipulado as tensões médias das peles de Mylar e a resistência do cabo de 90kg (veja tabela acima). Foi também nesse momento em que finalizei o primeiro modelo no segundo semestre que surgiu o problema com os aros em relação à arquilha citado anteriormente. Além disso, o prazo começava a apertar e
era o momento de fechar um projeto executivo para o sistema de afinação, que envolveria na esfera da produção três locais distintos onde as peças seriam usinadas. O primeiro problema que empacou todos os outros foi a viabilidade de encontrar no mercado tubos de inox na medida estipulada. Já havia desistido dos tubos de 15x20mm (mesmo porque eles nem existiam no mercado), mas mesmo os tubos de 15x25mm e 15x30mm se tornaram peças raras nos maiores distribuidores de São Paulo (além disso, mesmo onde o tubo estava em estoque só vendiam com faturamento mínimo de R$ 500 e eu precisava de R$ 60 em material). Tentei doação, mas tudo em vão. Por fim, após duas semanas de incertezas, encontrei o que precisava em um ferro velho. Essa somatória de problemas me levou
a fazer algumas alterações consideráveis no projeto original: 1. aumentei para quatro o número de pontos de fixação ao bojo. 2. passei a usar um tubo de 15x30mm para as canoas. 3. os aros passaram a ser feitos com o acoplamento de um tubo cilíndrico. 4. mantive o parafuso olhal para testar, já que ainda não tinha as peças finais que estava em produção. Finalmente o tambor foi afinado com sucesso! E o melhor foi que vários problemas foram solucionados de uma vez só. Os cabos param de romper, e os momentos na canoa diminuíram muito em função do desenho final do sistema. Para completar a montagem de ao menos três tambores ainda restava esperar o término da produção das porcas, dos parafusos, e fazer todo
acabamento e montagem dos bojos que já estavam prontos há algumas semanas.
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Considerações finais
2. partes componentes do tambor da 2a geração
3. partes componentes do tambor da 3a geração
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1. sistema de cordas para afinação: um pouco mais de força do que jeito
4. sistema de afinação da 3a geração
Os tambores de rua por nós produzidos (2002 – 2008) e os existentes no mercado
seja reutilizada inúmeras vezes mantendo o mesmo padrão, inclusive para laminação com materiais diferentes (no caso, madeira e fibra de vidro). O material utilizado na laminação — peso das partes: os tambores da quarta geração, principalmente em função dos aros metálicos, tem peso bastante inferior a todos os anteriores. O peso do instrumentos é um fator que atrapalha muito nos momentos de uso prolongado e sua redução é um grande avanço no que se refere ao conforto do músico e a praticidade no transporte de mais de um instrumento acoplado. —tipo e quantidade de canoas (sistema de afinação): a implementação do novo sistema de afinação é, em conjunto com o aro, umas das mudanças fundamentais no projeto. É através desse sistema que con-
Com a finalização dos modelos da última geração de tambores de rua pelo presente TFG, foi possível testar alguns parâmetros por mim determinados, relativos ao conjunto da performance do instrumento. Foi também possível estabelecer uma comparação entre os tambores de rua por nós produzidos (2002 – 2008) e os existentes no mercado, colocando frente a frente todas as 4 geração de instrumentos que foram produzidas até hoje inclusive os instrumentos da quarta geração. A princípio, essa comparação pode parecer um mero formalismo, ou mesmo pautada em parâmetros técnicos, na verdade é a constatação do que estava posto
inicialmente enquanto desejo no desenho. Toda intenção sem realização cai em retórica. Neste caso, a comprovação da eficiência do projeto apenas fortalece sua base sólida e seu princípio fundador. Para a comparação escolhi sete tópicos que considerei fundamentais na concepção dos instrumentos da quarta geração, sobretudo relacionado ao seu uso cotidiano: — materiais utilizados: após vários anos na busca de materiais variados para a construção dos tambores, na quarta geração há avanços significativos que superam as outras gerações desenvolvidas pelo próprio grupo. As fôrmas metálicas garantiram uma precisão para que fosse possível a utilização de peles industrializadas. A durabilidade e rigidez do material permite que a fôrma
segui, de uma só vez, resolver o problema da montagem, desmontagem e afinação, transporte e adequação ao corpo dos tambores de rua. Para tal, foi desenvolvido um complexo de peças que envolvia a canoa e os parafusos como sistema de tração e a utilização de cabos de aço como tirante. Comparado às primeiras gerações, quando utilizávamos cordas, há uma redução gigantesca no tempo e praticidade de afinação. Comparado à terceira geração, quando introduzimos os parafusos, finalmente encontramos uma solução para o transporte de três instrumentos acoplados, que se deu graças ao sistema ágil de montagem e desmontagem. Comparado aos sistemas tradicionais das baterias há diferenças fundamentais, embora os usos dos instrumentos sejam distintos. Em um surdo de bateria por
6. detalhe da canoa de perfil
7. detalhe do nó de fixação do cabo ao aro
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5. sistema funcionando com todas as peças na 4a geração
8. detalhe do contato do tambor com o corpo
exemplo, há utilização de oito canoas para cada umas das peles, ou seja dezesseis no total. No nosso caso há apenas 4 canoas. Esse fator reduz peso, custo e tempo de afinação. — transporte: com o novo projeto há um avanço gigantesco na possibilidade de transporte dos tambores, tanto se carregados individualmente, quanto em conjuntos de três dentro de uma sacola, assim como no transporte de mais de um conjunto em sacolas em um carro por exemplo. Com terceira geração já havíamos conseguido ampliar o número de instrumentos tranportandos em um carro de passeio. Agora esse número foi muntiplicado por três. Além disso, os novos instrumentos, mesmos que não transportandos em sacolas próprias possuem poucos elementos pontiagudos externos ao seu corpo e nesse sentido
te que fixa o instrumento ao corpo). Esse novo componente foi projetado especialmente para os novos tambores e alteram a forma de se tocar o instrumento. Os talabartes anteriores era usados na vertical, semelhante as alças de bolsas. Os novos talabartes são utilizados como cintos, na altura do quadril. A alteração implica maior liberdade de movimento de tronco e pernas e ainda padroniza a distância de impacto entre o braço, a baqueta e a pele do tambor. Ou seja, o uso como sinto padroniza uma proporção de distância de impacto, de acordo com a altura da pessoa. Nos antigos talabartes essa altura era variável de acordo com o ajuste da alça e dificultava tanto o aprendizado do inicialnte (que em geral se sente desconfortável com o novo objeto ao seu redor), quanto a troca de instrumento entre pessoas, que exigiao ajuste
melhoram a interface com o meio de transporte, como os bancos e revestimentos do carro. Essa melhoria no transporte, com certeza, terá reflexos na durablidade tanto do tambor quanto do meio de transporte. — ergonomia / interface com o corpo: o desenho formado pelos cabos e canoas garantiu que nenhuma parte do corpo fique em contato com estas. Todo contato do uuário com o instrumento se dá através da parede do bojo. O conforto conseguido com isso ainda precisa de testes de uso mais prolongados, já que até o memento isso não foi possível. No entando, a performance feita com uma intervenção parada já mostrou sua eficiência. Outro elemento importante relacionado à ergonomia, que ainda não foi tocado em nenhum outro momento deste trabalho, é que desenvolvi um novo talabarte (tiran-
de tamanho. Como síntese final gastaria de destacar que as colocações anteriores estão respaldadas sobre alguns poucos testes, que foram feitos nos últimos dias. Não há ainda um número suficiente de tambores, nem houve tempo para testes efetivos, nas mais variadas circunstâncias que enfrentamos no dia a dia, que foram os provocadoras do novo projeto. A avaliação a partir do uso ainda implicará em novos ajustes ao projeto, mesmo porque nunca chegaremos a uma solução perfeita e final. O processo de produção e comprovação na prática é sempre processo de aprensdizado e desenvolvimento. Assim que temos feito nos últimos sete anos, arriscaremos, daremos a cara a tapa, colocaremos os instrumentos no seu limite. A história da quarta geração de tambores está apenas começando.
Tambores de rua são fagulhas
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Chegamos ao fim de mais um ciclo na história desse grupo de combatentes, que se encerra com a conclusão desse TFG e apresentação para a banca. Nem todos os instrumentos que pretendíamos ter finalizado estão prontos para ser testados na prática, mas esse é apenas um detalhe que em mais algumas semanas poderemos resolver. A tentativa de síntese a que me referi no início do texto foi traçada e servirá de base para nos debruçarmos no próximo período. Servirá de base para um balanço crítico do grupo e para pensarmos futuros avanços. Enquanto trabalho que se desenvolve no cotidiano e na relação entre pessoas, na construção de um objetivo comum, percebo a importância do exercício realizado durante todo esse ano, de síntese das referências, de expressão dos desejos mais profundos, de transformação da realidade a partir do design que é realizado na prática. As discussões apontadas acerca da cultura popular são um marco para um desenvolvimento futuro. No entanto, consideroos de extrema importância para o debate com a juventude que buscou nas raízes do nordeste as bases para a construção de uma identidade. No meu entender há utilização inapropriada das fortes referências da expressão da cultura popular, quando
as mesmas são empregadas de forma acrítica, sem transformação, sem antropofagia. A estagnação nesse estado significa declarar a morte da cultura que deve estar intimamente relacionada à vida para que tome um caráter social. Enquanto coro urbano, espero que nossos ecos rebatam nessa juventude trazendo-os para um caminho mais lúcido, mais duro sem dúvida, porém, que aponta para a construção de um novo futuro. Enquanto objeto, como apontado anteriormente, o tambor cumpriu bem as metas estabelecidas, reduziu os pontos de afinação, reduziu o tempo de montagem, desmontagem e de afinação, permitiu o acoplamento de três tamanhos de tambores um dentro do outro, facilitando muito o transporte, reduziu drasticamente o peso e melhorou a interface do instrumento com o corpo. É um tambor urbano e já não carrega resquícios das suas formas originárias, relacionados aos típicos tambores do maracatu. É uma nova ferramenta de trabalho adequada às necessidades do seu grupo gerador, fruto do desenho e da intenção. ... Enquanto projeto acadêmico esse trabalho poderia ter sido finalizado com apenas alguns desenhos (no sentido técnico da palavra / draw) e em uma série de citações de
livros de história. Seria engavetado como tantos outros. Enquanto projeto de design (desenho enquanto desígnio / desejo) esse trabalho teve de ganhar forma, sair do papel para ganhar vida. Não diria que a missão está cumprida apenas porque temos objetos em mãos sobre os quais podemos nos debruçar. Digo que a missão está cumprida porque temos diante de nós um projeto que está vivo na sua dimensão histórica, social, política e transformadora. Se a função do arquiteto e da arquitetura é projetar, não apenas para que os homens vivam, mas vivam bem, este projeto ainda não cumpriu sua função enquanto arquitetura. Não vamos recair nos mesmos erros de gerações passadas de arquitetos e intelectuais que buscaram no projeto a solução dos problemas de todo um sistema. As contradições mais profundas da nossa sociedade não são de caráter formal, portanto não serão resolvidos a partir do desenho (mesmo que este contenha desejos de superar as contradições). O desenho pode apontar, mas não resolver. Os sintomas da crise, agora sim, de todo um sistema, batem as nossas portas, abalam as estruturas falsas e podres do mercado mundial e é o momento oportuno para o arquiteto se posicionar enquanto um
ser político. Se esse projeto cumprirá ou não sua função enquanto arquitetura ainda não podemos saber. Enquanto um projeto que ainda está em processo ele deixa uma fagulha em todos os locais por onde passa, na FAU, nas universidades, nas escolas, nas ruas, nas pessoas. A crise, que hoje afeta todos os países, mesmo os mais ricos, abre uma brecha por onde podemos tentar ver através da escuridão da caverna. Se acreditamos na construção de uma cidade de homens livres, produtores apenas de valores de uso, e não na reprodução da cidade capitalista, que a cada dia priva os homens do mínimo necessário, destrói os meios de sua própria sobrevivência e pior, destrói os próprios homens, precisamos olhar adiante com olhos livres. Como dizia Glauber Rocha, mais fortes são os poderes dos homens. Se é possível olhar para o futuro e ver par além da barbárie que nos espera é sinal de que acreditamos que há a possibilidade de mudanças profundas em nossa estrutura social. Hoje somos uma fagulha, os tambores são apenas ferramentas desse processo necessário de transformação. Um passo determinante está dado, daqui pra frente serão apenas os nosso atos que dirão se acertamos ou não. Que rufem os tambores!
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Agradecimentos
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Espero que eu lembre de todos que merecem ser agradecidos ao final desse trabalho, afinal de contas foi um longo caminho até aqui, que sozinho não teria conseguido nem dar os primeiros passos. Agradeço em primeiro lugar à banca examinadora, pela paciência de esperar até a última hora para receber esse material, ao André Tschiptschin pelas horas gastas com cálculos e pesquisas na internet para chegarmos aos valores das tensões na pele e nos cabos, ao Reginaldo Ronconi pelos conselhos que vieram em boa hora e pelo apoio político as nossas atividades militantes, ao Maurício Sdoia, baterista e grande conhecedor da acústica e construção de tambores, com quem, com certeza, manterei contato nos próximos anos e, ao Laércio, tutor na utilização de todos os materiais para construção dos tambores desde o protótipo inicial até hoje, o cara que me ensinou a ter um pouco mais de paciência com cada detalhe. Agradeço também a todos os funcionáros do LAME e do Canteiro, parceiros nessa empreitada (sem eles, nada feito), que espero que a partir desse trabalho entendam melhor o porque de tanta dedicação aos tambores: Celso, Julio, Renato, Ricardo, Rocha, Neto, Emílio, Walter, Alexandre, Peixoto e Romerito. Agradeço também ao Rubens, funcionário do laboratório de Mecânica do Departamente de Metalurgia e Materiais da Poli, que me salvou na
hora exata, emprestando a furadeira vertical. Agradeço o pessoal das fábricas que produziram parte do material utilizado no projeto, que abriram espaço dentro da rotina normal trabalho para inserir um produto de pequena escala, ao Júnior da SCA Calderaria, ao Milton, Cesar e Roberto da CAT Fixadores e ao Roberto da Ussagui, sem esses meios de produção não teria como ter atingido as metas estipuladas em projeto. Agradeço aos grandes fotógrafos que cederam fotos inestimáveis, em especial Fernando Stankus e Oliver de Luccia. Ainda bem que vocês estavam lá na hora certa. Agradeço àqueles que estão mais próximos de mim no dia a dia, e ultimamente nem tão próximos assim porque sumi de casa, esses sim me viram dar os primeiros passos: meus pais Joel e Loli, meu irmão Mario (ele não viu), minha vó Ziza, e toda família, Tata, Edu, Silvia, João, Bel, Giu, Justine, Vera, Dan, Pedro, Isadora. Agradeço, em especial, ao grande advogado Idibal Pivetta, que na madrugada do dia 9 de agosto, relembrou os velhos tempos de ditadura e tirou dois jovens da cadeia, porque esses se organizaram contra a corrupção que comia solta no país. Um agradecimento especial aos camaradas que mantiveram a firma andando pra que a força de trabalho que escreve esse texto se mantivesse viva enquanto realizava trabalho não remunerado. Um forte salve aos camaradas, companheiros nessa dura jornada, que acreditam em um ou-
tro futuro possível e constroem isso com todas as forças no dia a dia, na militância pesada, que mantém acesas as fagulhas e que irão incendiar os homens que vivem nas cidades. Em especial aos revisores das madrugadas, Rafa Padial e Suelen, aos diagramadores de prontidão Tatu e Ilana e aos caixeiros que seguaram a bronca enquanto eu não estava, Tatu e Elfa (agora quero meu apito de volta). Ao Coro de Carcarás e MNN, Adiante camardas! Um agradecimento especialíssimo a minha orientadora, Ciça, que me apóia incondissionavelmente, a qualquer instante, em qualquer horário, em qualquer lugar e que se envolveu com o projeto de cabeça desde o primeiro email que trocamos. Ciça, vamos adiante! E Má, bom, você já sabe, sem seu apoio e ajuda eu não seria ninguém, você a pessoa que está comigo toda hora, pra qualquer coisa, nas madrugadas sem fim desse trabalho. Por fim, uma menção a todos que já participaram do grupo até hoje, em especial à Cris, e aqueles que eu possa ter esquecido, são muitos, a perder de vista, que de alguma forma constribuiram com a sua construção (claro que tem os que atrapalharam também). Estamos mais vivos do que nunca. Carcará, pega, mata, come! Tive que diminuir a fonte pra caber, é muito agradecimento. Com certeza não mencionei todos que mereciam, então agradeço a todos esquecidos que ajudaram nesse trabalho.
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