Histórias (não tão) absurdas: projeto de uma história em quadrinhos

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Histórias (não tão)

absurdas:

Projeto de uma História em Quadrinhos

Guilherme Yabu Tamura

Orientadora Clice de Toledo Sanjar Mazzilli Trabalho Final de Graduação FAUUSP 2015/1 3


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Sumário Introdução 8 Experimentação e Temática Urbana 10 Fases da Vida 11

Referências e Projetos Similares Building Stories 12 Vizinhos 14

Processo 16 Roteiro 16 Personagens 17

Descrição das Histórias 1 Primeiros Passos 18 2 Pai Nosso 20 3 Valores 22 4 Crise da Meia-Idade 24 5 Esquecida 26 Título do Livro 28

Histórias Finalizadas 1 Primeiros Passos 29 2 Pai Nosso 39 3 Valores 49 4 Crise da Meia-Idade 59 5 Esquecida 69

Considerações Finais 81 Referências Bibliográficas 83

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AGRADECIMENTOS Agradeço à professora Clice Mazzilli, pelas orientações e incentivo que possibilitaram a realização deste trabalho; aos professores Luís Antônio Jorge e Luiz Gê por aceitarem o convite de participar da banca; à Pingado, pelo aprendizado, apoio e o constante interesse que tiveram no projeto ao longo desse ano. Aos amigos da FAU, em especial Bernardo, Leo Pai e William que me acompanharam durante toda a minha formação. à toda minha família, principalmente a minha mãe, pelo paciência e compreensão; à Thais, pelo carinho e pela força nos bons e maus momentos; e por fim, à Bela e Mapetit.

Bela

mapetit 7


Introdução Minhas primeiras ideias para este TFG eram de trabalhar com pintura digital contrapondo a pintura tradicional. Para o projeto não ser meramente uma pesquisa sobre as diferentes ferramentas de pintura, procurei estabelecer uma narrativa que guiasse meu trabalho. Inicialmente meu objetivo era de tentar configurar um bairro através de retratos de seus frequentadores, sempre levando em consideração a experimentação gráfica. A questão é que não estava satisfeito com o caminho que o projeto estava caminhando, principalmente junto a narrativa do trabalho. Percebi que para fazer o que planejava seria necessário um número imenso de retratos e talvez não iria conseguir atingir a meta pretendida. Além disso, tais representações não poderiam ser totalmente livres visto a necessidade de ter que possuir uma relação de figuratividade com a pessoa a ser desenhada. O projeto estava se tornando mais complicado e confuso do que eu gostaria, e talvez uma máquina fotográfica fosse uma melhor ferramenta para este objetivo visto a necessidade de inúmeros retratos.

Figs. 1.1 - 1.6

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Alguns dos retratos realizados durante o processo inicial, no bairro da Liberdade. Pintura Digital, Photoshop.


Decidi então, pensar na narrativa junto ao desenho, e me desafiar a fazer uma história em quadrinho, na qual a narrativa é parte fundamental do projeto, assim como a parte gráfica, onde uma interdepende da outra. Sempre tive a vontade de fazer uma história em quadrinho, porém nunca tive a coragem de me dedicar tempo e esforço o suficiente para finalizar uma. Juntando o útil ao agradável resolvi que este seria o produto final do meu projeto de TFG. Quando se pensa em quadrinhos, as possibilidades de criação são infinitas. Pode ser uma releitura de um livro, um conto, uma música ou uma história totalmente nova. Os assuntos são infinitos, tanto quanto a forma que o autor decide conta-las. Defini, portanto, alguns pontos iniciais para que eu conseguisse me localizar melhor no que eu gostaria de fazer.

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EXPERIMENTAÇÃO E TEMÁTICA URBANA Primeiro de tudo eu ainda queria manter o aspecto da experimentação gráfica do meu plano inicial. Um dos pontos definidos era que eu iria testar diversas formas de finalização, assim como, de narrativa. Todas utilizando da mesma ferramenta de finalização, o computador. Escolhi trabalhar com o software Photoshop por já ter familiaridade com o programa e por questões de praticidade e tempo disponível. O meu plano era testar graficamente traços, bem como modos de acabamento que ajudassem expressar melhor a história de forma não escrita. Defini então que seriam várias histórias, cada uma explorando um estilo estético. Todas se passariam em um mesmo cenário, uma cidade metropolitana. Defini este cenário, pois ao longo da faculdade de arquitetura, fui aprendendo a observar a cidade, tanto nas aulas quanto no caminho de ida e volta, onde passava de duas a três horas por dia entre pontos de ônibus e o transporte coletivo. Da mesma forma que na minha idéia inicial onde os retratos das pessoas definiriam um bairro, pensei que seria interessante utilizar de forma similar a mesma idéia, onde as histórias contadas definiriam uma face da cidade. Além disso, a cidade moderna é composta por milhares de pessoas com histórias e culturas diferentes, trazendo diversidade e inúmeras possibilidades em questão de roteiro e estilos estéticos, podendo agregar muitos temas dentro do mesmo universo.

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FASES DA VIDA Como um morador nascido e criado no centro de São Paulo, sempre tive a sensação da cidade ser fria, cinza e distante, como apenas um cenário. Isso também inclui as multidões e outros habitantes com quem cruzo meu caminho todos os dias. O dia-a-dia agitado e estressante de uma cidade grande faz com que a maioria de nós não enxerguemos os demais como pessoas com histórias, casas e sentimentos como os nossos, e sim faz com que simplesmente não os enxerguemos. À partir da idéia de trabalhar com a temática urbana, e com base nas sensações prévias que tenho sobre a cidade, pretendi criar histórias envolvendo personagens de diferentes faixas etárias, começando desde a infância até a velhice e enfim a morte, afim de tentar contar parte da história de cada habitante da cidade, desde o seu mais jovem até o seu mais idoso, cada história podendo ser identificável por diversas pessoas. Disso também surgiu a idéia para as subcapas de cada história, representando as fases da vida de uma pomba, pássaro comumente encontrado nas grandes cidades, que se inter-relaciona com as histórias contadas no livro, estando presente e algumas vezes interagindo com os personagens.

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Referências e projetos similares Building stories

Chris Ware

Este livro se trata de uma caixa com quatorze livros e panfletos de variados tamanhos que podem ser lidos separadamente, ou sem ordem distinta. O nome gera duas possibilidades de significado, uma é de building no sentido de contruir, onde o leitor pode construir a sua própria história ao ler cada livro na ordem de sua vontade; o outro, se refere a building no sentindo de construção/edifício, pois todas ocorrem num mesmo cenário, onde é mostrado diferentes pontos de vista sobre um mesmo prédio. No livro, o autor explora conexões entre as histórias, onde duas dividem o mesmo cenário de perspectivas diferentes. No exemplo a seguir o simples ato de pisotear um inseto, de pouca importância para um dos protagonistas de determinada história, é a cena de morte de outra, onde o protagonista é a abelha pisoteada. Refletindo sobre as possibilidades de narrativa envolvendo conexões entre as histórias, vi uma grande similaridade com situações que ocorrem no cotidiano de uma cidade grande. Um acontecimento por mais banal que seja pode influenciar na vida de milhares outros moradores que dividem um mesmo local. Pode-se pensar como um exemplo uma colisão entre dois veículos em uma rua, que formará uma fila de trânsito e em cada carro preso nesse congestionamento há uma história diferente se passando dentro do veículo. Resolvi utilizar desse recurso para criar uma conexão inicial entre as histórias. A princípio a unidade do livro ia ser feita apenas com as conexões e um cenário comum, entretanto, ao esboçar os rascunhos fui vendo novas possibilidades.

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Figs. 2.1 - 2.3

Páginas do livro “Building Stories” Fig. 2.1 A abelha voa por um cenário invertido, ao fundo é possível notar duas figuras embaçadas sobre uma escada. Fig. 2.2 A abelha é atraída até uma poça no chão de um líquido escuro e é coberta por uma sombra de algo prestes a pisotea-la. Fig. 2.3 Em outra história do livro, conhecemos as figuras embaçadas apresentadas anteriormente como dois personagens e a fonte da sombra que encobriu a abelha como o pé de um deles, que limpa as solas do sapato após perceber que pisou em algo.

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VIZINHOS

Laerte Coutinho

O outro projeto que eu considero de grande influência para o meu TFG é o Vizinhos do Laerte. Essa história é construída sem falas, e dispõe de uma estética simples e traço solto. Portanto, pode ser interpretada de diversas formas pelo leitor, e a experiência resultante da leitura dependerá disso. A história contada poderia se passar em qualquer metrópole, e é facilmente identificável por qualquer morador de uma grande cidade. O personagem principal desta história se vê em um estado de paranóia após se irritar com um “flanelinha” que passa a ocupar a frente de seu prédio, sendo portanto o seu “vizinho”, que dá nome à história. Em uma metrópole, onde todos os seus ocupantes são forçados a compartilhar de espaços públicos, histórias como essa se repetem todos os dias, mesmo que de formas e graus diferentes. Por conta disso considerei esse quadrinho como uma grande referência para este projeto.

Fig. 3.1

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Capa da HQ “Vizinhos”.


Fig. 3.2

Página da HQ “Vizinhos” A linha tracejada indica passagem de tempo. O personagem da história se vê obcecado por um “flanelinha” que frequenta a rua onde mora e possui caráter duvidoso.

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processo Definido alguns pontos iniciais: a temática urbana, a quantidade de histórias e o número de páginas, o passo seguinte tomado era pensar em como integrar tais histórias para formar uma unidade. Para o esboço da primeira história pensei em situações antagônicas que ocorrem em uma cidade que poderiam gerar algum tipo de humor. Ao pensar em uma metrópole como São Paulo consegui listar diversas situações que se enquadram nessa categoria. Por exemplo, uma pessoa que vai de carro para a academia de ginástica andar de bicicleta ergométrica; um pedestre andando mais rápido que um veículo; um gari urinando na rua; ou até mesmo um animal de estimação utilizando sapatos. São situações que a principio não fazem muita lógica mas que se for pesquisada mais a fundo possuem os seus motivos para serem assim. Foi a partir deste último exemplo que decidi construir a primeira história.

roteiro Na prática, acabei por fazer o roteiro e o esboço quase que simultaneamente. Assim como nas aulas de projeto, ora vinha primeiro o desenho, de forma quase instintiva, e depois a reflexão sobre o que estava posto no papel, ora o contrário, primeiro a ideia depois o desenho. Foi de grande dificuldade organizar as ideias que tive ao pensar em cada história, porém tentarei a medida do possível transmiti-las através dos esboços e de um memorial sobre cada história. Como o TFG se trata do processo e não do produto final, resolvi colocar primeiro os esboços e no fim no livro as páginas finalizadas. Recomendo a leitura das finalizadas antes de ver os rascunhos.

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PERSONAGENS “No dicionário, “estereótipo” é definido como uma ideia ou um personagem que é padronizado numa forma convencional, sem individualidade. Como um adjetivo, “estereotipado” se aplica àquilo que é vulgarizado. O estereótipo tem uma reputação ruim não apenas porque implica banalidade, mas também por causa do seu uso como uma arma de propaganda ou racismo. Quando simplifica e categoriza uma generalização imprecisa, ele pode ser prejudicial ou, no mínimo, ofensivo. A própria palavra vem do método usado para moldar e duplicar as placas na impressão tipográfica. Apesar dessas definições, o estereótipo, é bastante comum nos quadrinhos. Ele é uma necessidade maldita - uma ferramenta de comunicação da qual a maioria dos cartuns não consegue fugir. Dada a função narrativa no meio, isso não é de se surpreender. “ (Eisner, Will. Narrativas Gráficas: Princípios e Práticas da Lenda dos Quadrinhos, pg. 21) Dada essa definição de estereótipo pelo autor Will Eisner, os personagens apresentados nas histórias não serão tão aprofundados no sentido de personalidade ou passado, e sim serão personagens que podem ser qualquer um e podem viver e se adequar a realidade de qualquer grande metrópole, sendo eles meros “estereótipos” de personagens geralmente encontrados em um cenário urbano, dentro de cada faixa etária.

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descrição das HISTÓRIAS

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1 Primeiros passos Algo muito comum que notei em alguns bairros de classe média e classe média alta de São Paulo foram cachorros de estimação usando sapatinhos. A partir disso pensei em uma situação hipotética onde esse cachorro estivesse usando o sapato por vontade própria, pelo desejo do consumo. Defini o cenário como uma família de classe média ou média alta. A mãe vai trabalhar e deixa os filhos para uma babá criar. Ela usa uma roupa social e faz parte de um modelo de família mais atual. O pai não aparece, pode ser que sejam separados ou o pai já foi para o trabalho. A babá (também personagem da história 5) é mostrada em um quadro como se fosse um monstro pelos filhos, pois ela é considerada pelos filhos como um ser que impõe ordem, características que a mãe, por estar sempre trabalhando não consegue cumprir. Tentei ressaltar isso dando destaque a expressão do menino mais velho ao ser obrigado a ir à escola. O filho mais novo, ao assistir durante o intervalo comercial a propaganda de tênis, é atingindo pelo consumismo e quer o tênis de qualquer modo. O bebê não para de chorar até o momento em que revê a mesma propaganda, a mãe ao notar tal cena, encomenda os tais pares de tênis. Pensei em enquadramentos onde não aparece a cara do filho mais novo, o bebê. Apenas ao final da história, é revelado então que o bebê não se trata de uma criança, e sim de um cachorro “humanizado” por sua dona, que o vê como um filho; comportamento comum encontrado nos tempos atuais e principalmente em grandes cidades metropolitanas.

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Figs. 4.1 - 4.8

Esboços iniciais da história.

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O título “Primeiros Passos” é uma referência aos primeiros passos de um bebê, bem como, aos primeiros passos do cachorro com os seus novos pares de tênis. Como esta é a minha primeira história a ser concluída, considero também os meus primeiros passos no mundo dos quadrinhos. Em questão de estética, tentei criar uma estilização mais próxima ao cartoon. Com proporções exageradas, cores saturadas e sem falas. Quis explorar a pintura digital como forma de desenho, sem traços definidos por linhas, e sim criar o cenário e os personagens através de formas e “pinceladas”.

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Figs. 5.1 - 5.4

Processo de finalização do quadro. Fig. 5.1 Aplicação dos tons médios. Fig. 5.2 Aplicação da sombra. Fig. 5.3 Definição das formas e aplicação da luz. Fig. 5.4 Detalhes finais.

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2 Pai nosso

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A segunda história se trata de um adolescente que, como qualquer outro, quer parecer maduro e descolado. O garoto sai com os amigos e está voltando para casa tarde da noite. Sem a presença dos colegas, ele se sente muito mais vulnerável e não tão confiante. O adolescente se vê, então, sozinho no centro da cidade, areá que não conhece muito bem. Assustado facilmente por um som que vem da esquina, ele se distrai quando descobre a origem do som; o cachorro usando sapatos da primeira história, e perde o último ônibus. Pelo restante da história o personagem tenta chegar em casa, passando por outros personagens de outras histórias, como uma idosa (personagem da história 5) que o indica o caminho errado para o terminal de ônibus. Para cada passo feito em direção a sua casa, o protagonista volta dois e se aprofunda cada vez mais no labirinto urbano. Por fim, ele se envolve em um acidente de carro (guiado pelo personagem da história 3) e recorre à sua última esperança para chegar em casa: seu pai. Como todo jovem orgulhoso, a última coisa que ele não quer é ser resgatado pelo seu pai, porém, isso é exatamente o que acontece. O título é inspirado no momento desesperador em que o jovem se encontra caído no chão, perdido, sem nenhuma esperança. Onde, num ato desesperado de autopiedade pede ajuda ao pai quase como um ser divino.

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Figs. 6.1 - 6.8

Esboços iniciais da história.


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Esteticamente, procurei transmitir uma linguagem mais próxima do estilo “zine”, remetendo ao traço de autores do underground, como Robert Crumb e Joe Sacco, justamente para tentar trazer um pouco da rebeldia e do punk da época adolescente de muitos de nós.

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Figs. 7.1 - 7.3 Processo de finalização do quadro. Fig. 7.1 Finalização do traço. Fig. 7.2 Aplicação das cores. Fig. 7.3 Texturas e saturação.

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3 valores

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A televisão na metrópole é o grande comunicador às massas e acima de tudo, faz parte do momento de lazer de muitos dos habitantes. Por estar tão presente na vida das pessoas, pensei em uma história que se inicia com o final da história anterior, de dentro de uma tela de televisão, onde está acontecendo um programa estilo “game show”, no qual os participantes devem adivinhar palavras por meio de associação, concorrendo a um prêmio de 1 milhão de reais. Dada as características para o cenário, pontuei quais seriam os traços do personagem principal para esta história. Seguindo a idéia de trabalhar dentro das fases da vida, desenvolvi um personagem já na fase adulta, porém não completamente amadurecido. Um personagem que ainda há de cometer muitos erros, e por essa razão não mede com cautela as consequências de seus atos. O personagem principal se envolve com uma quadrilha que planeja um roubo histórico durante transmissão do programa de televisão, envolvendo todos os espectadores da platéia. Porém, para salvar sua mãe de uma doença terminal, o personagem decide trair todos os seus comparsas e agir por conta própria. Quando chega o momento de agir, o personagem consegue tomar posse da maleta contendo o grande prêmio, e escapa em meio a fumaça de uma bomba de gás. Durante a sua tentativa de fuga, ele se vê surpreendido pelo personagem adolescente da história 2, e ao desviar o carro para não o atropelar, acaba atingindo um poste de luz. Com o carro completamente destruído e o personagem principal semi desacordado, as notas de dinheiro da maleta voam livremente pelo cenário. Estampada nelas, quase como zombando dos assaltantes que tão cuidadosamente planejaram o roubo desse dinheiro, se lê “SEM VALOR”, em grandes letras garrafais e uma foto debochada do apresentador do programa de TV.

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Figs. 8.1 - 8.8

Esboços iniciais da história.

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Quanto a estética da história, pensei em trabalhar com alto contraste e criar uma atmosfera noir, devido ao roteiro se tratar de um crime. Porém para dar um aspecto não tão pesado pensei nos personagens de forma mais caricatural e não tão realista. Nos quadros de memória, não são feitos requadros a fim de deixar a cena mais confusa, assim como, nas nossas próprias lembranças do passado. A fumaça da bomba, da mesma forma que na memória, é pensada para criar um aspecto sutil de confusão, passando entre os quadros, ora os juntando, ora os separando.

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O título dessa história remete aos valores morais do protagonista como também das notas falsas de dinheiro. Onde tal ambiguidade necessita a interpretação do leitor, para poder dizer se são valores positivos ou negativos.

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Figs. 9.1 - 9.3 Processo de finalização do quadro. Fig. 9.1 Finalização do traço. Fig. 9.2 Aplicação das cores. Fig. 9.3 Aplicação dos balões.

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4 crise da meia-idade

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O dia-a-dia de uma cidade grande é constituído por atos rotineiros que, juntos, fazem tudo funcionar e caminhar paralelamente todos os dias, de uma maneira quase mecânica. Quando a rotina de um de seus habitantes é repentinamente interrompida, o mesmo entra em estado de pânico e acaba por afetar a rotina de muitos de seus coabitantes, e até mesmo, chegar a mudar completamente o rumo de sua vida. É com base nas rotinas diárias dos habitantes de uma metrópole que se foi construída a história 4, sendo seu personagem um homem de meia idade acostumado a um modo de vida habitual e rotineiro. Como ainda não cheguei a vivenciar uma crise da meia idade e todo conhecimento que possuo sobre essa fase da vida foi adquirido por terceiros, como filmes e literatura, decidi por seguir a idéia clássica de uma crise da meia idade e criar um personagem que procura uma mudança de vida, um escape de sua realidade. Procurei apresentar esta mudança de forma metafórica, com a introdução da pomba na história como uma porta de saída da rotina diária entediante do personagem principal. A história se inicia com as ações diárias do personagem principal, o qual, sempre alerta ao horário em seu relógio, vive de forma metódica. Por conta de pequenos golpes do destino, o personagem se encontra preso em seu próprio apartamento, vendo os preciosos minutos de seu dia se dissiparem, pois sua única chave, necessária para que saia e dê continuidade à sua rotina, está em posse de uma pomba do lado de fora de sua janela. Desesperado, o personagem se arrisca andando pelo parapeito para tentar reconquistar suas chaves. Quando está quase conseguindo alcançar a pomba, o parapeito quebra e o personagem se segura apenas com suas mãos, prestes a cair. Ele dá mais um último relance ao seu relógio e tenta uma manobra arriscada, tentando se equilibrar em uma linha de varal.

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Figs. 10.1 - 10.8

Esboços iniciais da história.

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Enquanto isso uma pequena multidão se junta na rua, observando e torcendo pelo personagem em situação de risco. Em meio ao aglomerado de pessoas, surge um pequeno Fusca cor-de-rosa, e dentro saem uma trupe de palhaços, prontos para ajudar. Os palhaços estendem uma rede de segurança bem à tempo; a pomba pousa no varal e bica a linha, quebrando-a. O personagem é salvo pelos palhaços caindo perfeitamente, e até mesmo com direito a cambalhotas, em sua rede, rodeado pelos uivos e gritos da multidão. Ele é então convidado a se juntar aos palhaços e se mudar para o circo, e, ao ver que não tem muito a perder, aceita. Ao final da história, descobrimos que a pomba responsável por toda a situação que o personagem se viu envolvido, pertence à um mágico, e tudo foi apenas um plano muito bem executado para recrutar um novo acrobata para o circo. Em questão de finalização gráfica, tentei associar a rotina por um traço definido, sem muita ou nenhuma diferença de espessura, e cores chapadas. Nessa história em particular, tive grande influência pelo trabalho de Chris Ware, especialmente seu livro que utilizei de referência bibliográfica nesse projeto, “Building Stories”. Os quadros foram dispostos em quatro linhas de maneira simétrica entre as páginas lado a lado. Conforme a história se desenrola, alguns quadros são “quebrados”, de forma que se integram ao cenário e se relacionam aos acontecimentos da narrativa, como que criando uma quebra na rotina e associando-se a mudança de vida do personagem, de maneira figurativa.

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Figs. 11.1 - 11.2 Processo de finalização do quadro. Fig. 11.1 Finalização do traço. Fig. 11.2 Aplicação das cores.

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5 esquecida

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A metrópole, sempre apressada e frenética, ocupa tantos habitantes que muitas vezes é difícil constituir um senso de comunidade entre eles. Facilmente esquecemos ou não nos importamos com os que cruzam nossos caminhos diariamente. O acordo não-verbal na cidade grande é, basicamente, “cada um na sua”. E esse senso comum é que faz com que deixemos de enxergar coisas que acontecem, frequentemente, bem em nossas frentes. Com esta idéia em mente, e orientado a criar uma história que representasse a terceira idade com base nas diretrizes que estabeleci no início do projeto, resolvi criar uma narrativa sobre a decadência cognitiva de uma senhora de idade, seu declínio ao Alzheimer, doença comumente adquirida com a idade, e eventualmente sua falência. Apesar do tema mórbido e obscuro, tentei expressar um lado mais sensível e poético de sua ruína à loucura, como um sonho quase psicodélico e nostálgico do qual não se quer acordar. A história se inicia com uma senhora de idade, apresentada na primeira história como a babá das crianças, alimentando uma pomba (a mesma da história anterior, ainda em posse das chaves) no parque, como faz diariamente. Ao decorrer da história, a personagem começa a descender à loucura, começando por se esquecer das horas até não lembrar mais até mesmo para onde vai ou o que ia fazer. Sem saber, ela continua a caminhar sem rumo pela cidade. Durante sua caminhada, a senhora encontra com um adolescente (personagem da história 2), e ao ser questionada sobre a localização do terminal de ônibus, ela se envergonha por não se lembrar e aponta para uma direção qualquer, acabando por influenciar no desfecho da narrativa do adolescente. O tempo passa rapidamente sem a personagem ter noção alguma da onde foram parar suas horas, e continua a caminhar sem rumo pela cidade agora já anoitecida. Ela tentar procurar algum lugar para se abrigar durante a longa noite, porém não consegue encontrar um local desocupado e adequado. Acaba se dando por vencida ao cansaço e adormece em um parquinho infantil.

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Figs. 12.1 - 12.8

Esboços iniciais da história.

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Ao acordar, percebe que os cinzas da cidade se transformaram em lindas cores vivas e saturadas e suas costumeiras dores nos pés não estão mais presentes. Ela sente que consegue voar e, surpreendentemente, crescem asas em suas costas. Como sempre quis, a senhora de idade que sonhava em voar, agora plana sobre a cidade cinza em cores intensas e alegres contrastantes com a frieza que se observa abaixo, deixada para trás. Lá embaixo, estendido e imóvel no meio da rua, o corpo dela se encontra, esquecido, da mesma forma que ela se foi, esquecida; tanto de cabeça quanto pela sociedade.

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Inicialmente pensei somente nas cores, quanto a estética. A história começa dessaturada e os elementos da imaginação da protagonista vão adquirindo cores mais saturadas. Pensei no traço próximo do utilizado no rascunho para atingir um resultado mais livre.

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Figs. 13.1 - 13.3 Processo de finalização do quadro. Fig. 13.1 Finalização do traço. Fig. 13.2 Aplicação das cores. Fig. 13.3 Texturas e saturação.

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Título do livro Histórias (não tao) absurdas: A idéia do título veio de contar histórias que poderiam ter acontecido com alguém, e que possuem um grau de estranheza. Assim como quando se ouve uma história contada por um amigo de um amigo, onde não se tem uma garantia de veracidade, e há um mistério, que por mais inveraz que seja, engrandece a narrativa, deixando ela mais interessante. O título é ligeiramente genérico, e não tem uma relação direta com a idéia de ciclo da vida. Decidi por isso pois queria um título abrangente caso quisesse dar continuação. Por exemplo, o ciclo da vida ser o tema do primeiro livro, e o segundo ser composto por um tópico diferente não relacionado ao anterior ou posterior.

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considerações finais Desde o início do projeto, mesmo antes de decidir sobre o que faria, tinha certeza de que queria me desafiar e não só realizar um trabalho pela nota e sim pela satisfação pessoal, afinal essa é uma oportunidade única durante a faculdade de realizar um projeto totalmente autoral; um projeto que você escolhe fazer, e não que é passado por um professor em sala de aula. Por conta disso escolhi trabalhar com uma HQ, algo que nunca tinha feito antes de maneira séria. Nesse ponto, acredito que consegui atingir o meu objetivo quando me propus a me desafiar. Foi extremamente gratificante conceber uma história em quadrinhos do começo ao fim, e muito compensador ter a certeza de saber que consigo realizar tal façanha. Dada a proposta de criar uma narrativa gráfica finalizada, acredito que consegui realizar satisfatóriamente a proposta. Porém, sinto que por questões principalmente de tempo, deixei de fazer uma pesquisa mais aprofundada sobre os assuntos tratados em cada roteiro. Cada história foi contada de certo modo, superficialmente, e discute questões delicadas que podem requerer mais pesquisa. Quanto a estética do projeto, percebi que o tempo foi um fator que me ajudou pois para me manter dentro do cronograma tive que correr, e o desenho saiu de forma mais natural. Obviamente, a história em quadrinhos requer um estudo contínuo e aprimoração constante, e esse livro foi apenas o começo de muitos outros que virão, ou assim espero. Futuramente, pretendo trabalhar em aprimorar o modo como é transmitida uma mensagem ao leitor, de forma que não seja necessária uma conceitualização para que seja claro o objetivo da história, sendo passado apenas por imagens.

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bibliografia EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Seqüencial. São Paulo, Martins Fontes, 2010. EISNER, Will. Narrativas Gráficas. São Paulo, Devir Livraria, 1995. EISNER, Will. Nova York: A vida na cidade grande. Companhia das Letras, Quadrinhos na Cia, 2009. WARE, Chris. Building Stories. Pantheon Books, 2012. COUTINHO, Laerte. “Vizinhos”. São Paulo, Narval Comix, 2013. McCLOUD, Scott. Desvendando os Quadrinhos. São Paulo, Makron Books, 1995.

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