BOAS PRÁTICAS NA TRUTICULTURA
O projeto Dois Irmãos surgiu da demanda da Prefeitura de Itamonte, que procurou a Valor Natural para desenvolver uma proposta de recuperação dos recursos hídricos da microbacia de mesmo nome. O projeto contou, ainda, com a parceria da Associação dos Truticultores das Terras Altas de Itamonte (ATTAI), da EMATER, do SEBRAE e da APTA-SP e foi patrocinado pela Petrobras, através do Programa Petrobras Ambiental. O Projeto Dois Irmãos teve como objetivo o planejamento e a adequação ambiental das propriedades rurais produtoras de trutas e com isso garantir a preservação das águas de Itamonte e aumentar a renda dos produtores familiares. Entre as ações desenvolvidas estão o diagnóstico da microbacia do córrego Dois Irmãos; a realização de cursos para técnicos e produtores rurais; a avaliação e acompanhamento da qualidade da água do córrego Dois Irmãos; o planejamento das propriedades produtoras de truta; a análise da legislação ambiental e a elaboração de uma proposta de regulamentação; o desenvolvimento de atividades de educação ambiental; a produção de um vídeo e a elaboração de uma cartilha sobre as boas práticas na produção de trutas.
FICHA TÉCNICA Organização e edição Gisela Herrmann Cláudia Maria Rocha Costa Texto Yara Aiko Tabata - consultoria e texto sobre boas práticas de produção de trutas Joaquim Martins da Silva Filho - consultoria sobre legislação ambiental na truticultura Adequação da linguagem Isabel de Andrade Pinto Colaboração Catarina Romanelli Marcos Guilherme Rigolino Neuza Sumico Takahashi Thaís Moron Machado Vinícius Maltauro Ilustrações Luciana Guizan Projeto Gráfico Adaequatio Estúdio de Criação Ltda Realização Valor Natural Rua Coronel José Benjamim, nº 709. Bairro Padre Eustáquio - CEP 30.720-430 - Belo Horizonte - MG www.valornatural.org.br / gisela@valornatural.org.br & Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente Prefeitura Municipal de Itamonte Apoio Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios - APTA / Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Governo do Estado de São Paulo & Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais - EMATER-MG Patrocínio Petrobras, através do Programa Petrobras Ambiental Essa publicação é parte dos produtos produzidos pelo Projeto Dois Irmãos, executado pela Valor Natural em parceria com a Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente de Itamonte com patrocínio da Petrobras, através do Programa Petrobras Ambiental. Copyright© da Valor Natural. Agosto de 2012
AS TRUTAS E A SERRA DA MANTIQUEIRA A Serra da Mantiqueira, famosa pelas suas paisagens, montanhas e cachoeiras, também oferece ao mercado local e regional uma abundante produção de trutas. Quem mora por aqui sabe que as criações de trutas podem ser encontradas em diversas pequenas propriedades espalhadas pela Serra afora. Mas a truta não é nativa da nossa região. O lugar de origem da truta arco-íris, que é o tipo de truta criado na Mantiqueira, é a América do Norte. A truta arco-íris foi trazida para o Brasil na década de 50 com objetivo de oferecer uma alternativa de pesca para os moradores de beira-rio. Vinte anos depois, no começo dos anos 70, o Brasil passou a fabricar ração e a entender como se faz a reprodução artificial das trutas. Foi nessa época que algumas pessoas começaram a produzir trutas em tanques para vender. Afinal, quem cria trutas sabe que em tanques elas não desovam naturalmente e dependem da ração para sobreviver. A truta arco-íris é bastante agressiva e ávida para comer. Ela é carnívora e, na natureza, se alimenta de preferência de insetos e de outros tipos de animais, desde que possam ser engolidos inteiros, pois a truta não tem dentes para cortar ou mastigar a presa. Dependendo de seu tamanho, podem consumir insetos adultos que caem nas águas, ou suas larvas; moluscos; outros tipos de peixes ou filhotes de sapos, cobras, aves e até de roedores. Por causa disso, a ração utilizada na criação de trutas é composta de alto teor de proteína, tentando “imitar” o que seria a sua dieta na natureza. Como os países de origem da truta arco-íris são lugares bem frios, ela se adaptou bem nas regiões serranas do sul e sudeste do Brasil, onde as temperaturas são mais baixas. Só que nessas regiões serranas,
B OA S P R ÁT I C A S NA TRUTICULTURA
os rios também têm um volume pequeno de água, o que impede de ter grandes produções de truta. É por isso que a maioria das truticulturas no Brasil é pequena e, como tudo o que é pequeno, precisa de cuidado e inteligência para dar retorno econômico. Para serem economicamente interessantes, as truticulturas precisam basicamente de boas instalações e de um bom manejo. Como a produção de trutas é intensiva (ou seja, muitos peixes em lugares pequenos) ela ocupa uma área pequena das propriedades. Só que, apesar de ocupar pequenas áreas, o potencial de gerar trabalho e renda da truticultura é muito bom. Além disso, a atividade pode ser enriquecida com alternativas como a pesca esportiva, o turismo e o lazer. Sem falar que a truta é um alimento delicioso e muito saudável. A maioria das criações de trutas da região sudeste se concentra na Serra da Mantiqueira. O município de Itamonte, em Minas Gerais, se destaca neste cenário porque lá o número de truticultores aumentou muito nos últimos dez anos, transformando esta atividade em uma das principais fontes de renda da população rural do município. A criação de trutas da Serra da Mantiqueira é considerada uma atividade da agricultura familiar, onde prevalece a mão de obra da própria família em pequenas propriedades. Apesar de alguns produtores venderem diretamente para o consumidor, a maioria (54% dos produtores de trutas) vende para intermediários. De maneira geral, a produção de trutas na Serra da Mantiqueira ainda é feita de forma precária e os peixes são criados em tanques de terra. Este tipo de criação não permite aproveitar a água ao máximo e ainda gera problemas de saúde nos peixes e também poluição ambiental. Por isso fizemos este manual: para divulgar Boas Práticas de Produção e Manejo na Truticultura, de maneira a ajudar o pequeno produtor a sustentar melhor sua propriedade. Quando falamos de Boas
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B OA S P R ÁT I C A S N A T R U T ICULTURA
Práticas, estamos nos referindo aos cuidados que são necessários para que a produção de trutas gere renda e saúde para o produtor rural e para o meio ambiente.
Vamos entender melhor o que são as Boas Práticas de Produção?
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BOAS PRÁTICAS DE PRODUÇÃO As Boas Práticas de Produção são as atitudes que o produtor deve adotar para garantir uma melhor administração dos recursos ambientais, materiais e humanos no dia a dia da produção, beneficiamento e comercialização das trutas. Essas atitudes são importantes para diminuir os riscos da produção como, por exemplo, o aparecimento de doenças e o entupimento dos tanques que levam a mortandade dos peixes. Além de diminuir os riscos, as Boas Práticas de Produção contribuem para aumentar o lucro – ao diminuir os prejuízos – e também para tornar a atividade menos poluente. As Boas Práticas de Produção são atitudes fáceis de serem adotadas pelos produtores e também não custam caro. E, o melhor de tudo, são atitudes que dão resultado! Podemos apontar oito pontos críticos que são fundamentais para o sucesso de uma truticultura comercial, que são: •
Local adequado;
•
Quantidade e qualidade de água;
•
Capacidade de produção;
•
Instalações adequadas;
•
Alimentação dos peixes;
•
Manejo dos peixes nos tanques;
•
Beneficiamento dos peixes;
•
Adequação à legislação ambiental. São estes pontos críticos que veremos agora, um por um.
B OA S P R ÁT I C A S NA TRUTICULTURA
Local adequado Os rios que ficam nas áreas mais altas, e cujas águas frias e cristalinas correm em leitos pedregosos, são apropriados para a criação de trutas. Só que para uma criação ser lucrativa, é necessário um grande volume de água. Essa necessidade tem que ser considerada com atenção na hora de pensar em instalar uma truticultura. O ideal é que o lugar apresente as seguintes condições: •
Ter água com qualidade e quantidade suficiente para atender a produção inicial e também garantir uma sobra de água para aumentar a produção no futuro. A água tem que ser muita e boa durante o ano inteiro;
•
Ser de fácil acesso, com boas estradas que facilitem a comercialização da produção e de insumos;
•
Ter um relevo que permita que a água chegue aos tanques por gravidade;
•
Ter área suficiente para construção dos tanques e para decantação e tratamento dos efluentes;
•
É importante que a área seja legalizada tanto do ponto de vista fundiário quanto do ponto de vista ambiental. Procure se informar, pois alguns locais, como encostas de morros muito íngremes ou matas à beira dos rios, não podem ser desmatados e ocupados;
•
Ser livre de contaminantes. Como a truta precisa de água muito limpa, é importante conhecer a região acima do local onde se
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quer implantar a truticultura porque as águas das chuvas, principalmente em áreas de montanha, podem transportar para o rio agrotóxicos, fertilizantes, esgotos, e outros poluentes que podem causar sérios prejuízos às trutas. Todos os cuidados devem ser tomados para se proteger a água!
Quantidade e qualidade da água Cada espécie de peixe precisa de um tipo de água para se desenvolver. Para ser boa para a truta arco-íris, a água deve ter as seguintes características:
Temperatura Para o cultivo de trutas, a temperatura da água deve variar entre 10 e 20 °C. Mas a truta cresce mais mesmo é quando a temperatura está entre 15 e 17 °C. Fora desta faixa, tanto na água muito fria quanto na mais quente, o crescimento dos peixes diminui muito. Já para a reprodução, os melhores resultados são na água ainda mais fria, com temperatura de 10 °C. Tenha uma boa atitude: é muito importante que o produtor conheça a variação da temperatura da água no local de produção. Assim ele vai saber se a água é boa para reprodução artificial, ou se é boa só para a engorda dos peixes. O produtor deve anotar todos os dias a temperatura da água, usando um termômetro de máximo e mínimo. Esse registro pode ser colocado na forma de uma tabela, onde aparecem os valores máximos, mínimos e médios de todos os dias do mês.
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B OA S P R ÁT I C A S NA TRUTICULTURA
DATA
mínima máxima
média
Modelo de tabela para acompanhar diariamente a temperatura da água.
É somando as médias diárias que se pode calcular a duração do tempo para cada fase de desenvolvimento da truta. Esta somatória das temperaturas médias diárias é chamada de UNIDADES TÉRMICAS ACUMULADAS EM GRAUS CENTÍGRADOS DIAS (UTA). Por exemplo: a duração da incubação, desde a fertilização até a eclosão dos ovos da truta, é de 300 UTA, então se a temperatura média da água for de 100 °C, serão necessários 30 dias (300/10=30) para ocorrer a eclosão. Se a temperatura média for 120 °C, esta fase da incubação vai durar 25 dias (300/12 = 25). É a temperatura média que se usa na tabela de arraçoamento, de oxigênio dissolvido na água, etc.
Oxigênio Outra característica muito importante para a criação de trutas é a quantidade de oxigênio que tem na água, pois este é o principal fator que limita a produção. Nos países da América do Norte, onde as trutas ocorrem naturalmente, elas vivem em rios de águas frias, cristalinas
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e com muito oxigênio por causa das muitas corredeiras que ali existem. Neste tipo de rio a água é saturada de oxigênio, ou seja, a água tem o máximo de oxigênio possível. A quantidade de oxigênio dissolvido varia com a temperatura da água, com a altitude do local e com a quantidade de material suspenso. Quanto maior for a temperatura e a quantidade de material suspenso na água, menos oxigênio vai ter na água. E quanto maior a altitude, menos oxigênio também. Isso significa que uma água na mesma temperatura vai ter menos oxigênio dissolvido no alto da montanha do que ao nível do mar.
Para respirar bem,
Para ter certeza
a truta precisa
que a água dos
de águas com
tanques está
concentrações de
adequada, ela
oxigênio maiores
precisa ter no
do que 5 miligramas
minímo 5mg em cada
por litro.
litro de água que sai do tanque.
Apesar da quantidade exata de oxigênio na água só poder ser medida com um aparelho chamado oxímetro, ou em laboratório, existe uma forma bem prática para o produtor ter uma idéia sobre a quantidade de oxigênio que tem na água dos tanques. Tem uma tabela que
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relaciona a altitude com a temperatura da água e diz qual é a quantidade máxima de oxigênio que pode ter na água do local. Nem sempre a quantidade máxima vai ser a real, porque outros fatores como a poluição, por exemplo, podem diminuir a quantidade de oxigênio da água. Na tabela que será apresentada a seguir, vamos descobrir qual é a quantidade máxima de oxigênio (mg/l) em uma truticultura que está localizada a 1070 m de altitude em um dia no qual a temperatura da água é de 16 °C.
Vamos testar como funciona?
Para isso, precisamos ir até a coluna de altitude de 1070 m e cruzar com a linha de temperatura de água de 16 °C. Dá o valor de 8,68 mg/l. Esse valor corresponde ao máximo de oxigênio que cabe em um litro de água, ou seja, a 100% de saturação. Se a gente medir a quantidade de oxigênio com um aparelho pode até dar menos. Vamos supor que dê um valor de 7,5 mg/l. Então isso vai significar que algum outro fator presente na água está contribuindo para diminuir a quantidade de oxigênio dissolvido. O truticultor deverá investigar o que pode estar acontecendo. Pode ser que a água já esteja vindo suja de cima, por exemplo.
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Tabela sobre a variação da quantidade máxima de oxigênio que cabe em 1 litro de água (mg/l), de acordo com a temperatura da água e a altitude do local Te m pe ra tu r a d a ág u a (° C )
A l t i t u d e d o local ( m )
61 0
760
915
1070
1220
1370
8
1 1, 0 1
10,81
10,62
10, 43
10, 25
10, 06
9
1 0, 7 5
10,55
10,37
10, 18
10, 00
9, 82
10
1 0, 4 9
10,31
10,12
9, 94
9, 76
9, 59
11
1 0, 2 5
10,07
9,89
9, 71
9, 54
9, 37
12
1 0, 0 2
9,84
9,66
9, 49
9, 32
9, 15
13
9 ,79
9,62
9,44
9, 27
9, 11
8, 95
14
9 ,58
9,40
9,24
9, 07
8, 91
8, 75
15
9 ,37
9,20
9,02
8, 87
8, 71
8, 56
16
9 ,17
9,00
8,84
8, 68
8, 53
8, 37
17
8 ,98
8,81
8,66
8, 50
8, 35
8, 20
18
8 ,79
8,63
8,48
8, 32
8, 17
8, 03
19
8 ,61
8,46
8,30
8, 15
8, 01
7, 86
20
8 ,44
8,29
8,14
7, 99
7, 84
7, 70
21
8 ,27
8,12
7,98
7, 83
7, 69
7, 55
22
8 ,11
7,96
7,82
7, 68
7, 54
7, 40
23
7 ,96
7,81
7,67
7, 53
7, 39
7, 26
Fonte: Klontz, G.W. 1991 Manual for rainbow trout production on the family-owned farm. Utah, Nelson & Sons, Inc., 70p.
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B OA S P R ÁT I C A S NA TRUTICULTURA
Potencial Hidrogeniônico (pH) O pH serve para indicar a acidez ou a alcalinidade da água. É um número que varia de 0 a 14. A água é ácida se tiver pH abaixo de 7; é alcalina se o pH for maior que 7 e é neutra se o pH for igual a 7. O pH pode ser medido no local, com aparelhos ou kits apropriados para isso, ou em laboratório. Boa parte dos seres vivos que vivem na água, e inclusive as trutas, não agüenta mudanças bruscas no pH, podendo até morrer quando elas acontecem. Como a as truticulturas utilizam água corrente em grande quantidade, fica difícil corrigir o pH. Para as trutas, o ideal é que o valor do pH esteja entre 6,5 e 7 porque as trutas excretam amônia, que fica mais tóxica quanto mais alcalino for o pH da água.
O pH da água Menor que 7=água ácida Igual a 7=água neutra Maior que 7=água menos ácida
Sólidos em suspensão Chamamos de sólidos em suspensão os pequenos materiais que ficam suspensos na água. Esse material suspenso existe naturalmente em qualquer riacho ou lago. Mas nos tanques de truta a quantidade de sólidos em suspensão aumenta muito por causa da ração que não é consumida, das fezes dos peixes e também pelo crescimento de algumas algas
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e bactérias. Quando está em grandes quantidades, esse material suspenso prejudica os peixes porque diminui a quantidade de oxigênio da água e porque irrita as brânquias dos peixes dificultando a respiração. Para garantir o bem estar dos peixes é importante fazer análises da qualidade da água periodicamente. A tabela que apresentamos a seguir mostra os valores normais, duvidosos e perigosos das principais características da água para a truta. Tabela sobre qualidade da água: valores normais, duvidosos e perigosos para a truta FATO R E S TE M P E R AT UR A DA ÁG UA
U N I DA D E
N ORMA L
DUV IDOSO
PE R IG OSO
ºC
< 20 º C
20 – 22 º C
> 22 º C
% D E SAT UR AÇÃO O2
%
≥ 80
50 - 70
< 50
pH
pH
6 ≤ p h≤ 9
pH< 6 o u pH> 9
pH< 5, 5 o u pH> 9, 5
COND UT I V I DA D E 2 0 º C
µS
20 a 500
500 a 600
≥ 600
A LC AL I NI DAD E ( HCO ₃ - )
mg/l
f ra co = 8 f o r te = 400
CALC I O
mg/l
f ra co = 8 a 60 f o r te = 60 a 200
S UL FATOS ( SO₄ - - )
mg/l
0 a 50
50 a 100
+ de 100
±
-
+
++
N I T R ATOS ( NO₃- )
mg/l
f ra co = 0 a 10 f o r te > 11
N I T R I TOS ( NO₂- )
mg/l
0 a 0, 1
0, 1 a 1
>1
AM ONI ACO ( NH₄ + )
mg/l
0 a 0, 01
0, 01 a 0, 4
> 0, 4
CLOR E TOS ( Cl- )
mg/l
< 20
20 a 50
> 50
MAT E R I A I S E M SUSP E N S ÃO
mg/l
< 30
30 a 70
> 70
GAS C A R B ONI CO ( CO ₂ )
mg/l
< 12
12 a 20
> 20
ÁC . SUL F I D R I CO ( H₂ S )
FONTE: Sabaut, J. J.: Cria de la trucha arco-íris. CIPASA, 1976.
Tenha uma boa atitude: é importante que o produtor faça análises periódicas da água
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Capacidade de Produção Como anteriormente mencionamos, no Brasil os rios que são bons para criar trutas geralmente são pequenos também. Por isso, a gente vê muito a água sendo superexplorada para aumentar a produção. Ou seja, muito produtor colocando mais peixe nos tanques do que a água do local consegue suportar. Essa superexploração prejudica a saúde dos peixes e acaba trazendo prejuízos para o truticultor e para o meio ambiente. Por isso que, depois de verificar se o local é adequado e se a água é de boa qualidade, o próximo passo é calcular o tamanho da produção de peixes que a água do lugar suporta. Essa boa atitude é muito importante porque ajuda o produtor a planejar a construção dos tanques e a sua produção. Para fazer o cálculo, precisamos conhecer as características da água (que vimos anteriormente) e também entender como essas características mudam com a presença dos peixes e com a vazão de água disponível.
Vazão disponível
Ela deve ser
é aquela que pode
medida sempre na
ser captada para a
época seca porque
criação de acordo
assim o produtor
com a lei, ou seja, é
garante oxigênio
quanto de água pode
para os peixes
ser desviada do rio
durante o ano
para os tanques.
inteiro.
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Como calcular a vazão disponível A quantidade e velocidade de água que jorra dos canos ou dos riachos para os tanques e canais deve ser medida para que possa ser calculada a vazão da água disponível para uso. Vamos ver como se faz? Quando a água está jorrando de um cano, é muito fácil calcular a vazão: basta colocar um balde de 10 ou quinze litros sob o jato de água e medir quantos segundos leva para o balde ficar cheio. O ideal
é fazer isso duas ou três vezes e depois tirar uma média. Depois é só dividir a quantidade de água pelo tempo para se obter a vazão. Calcular a vazão da água em um rio ou riacho é um pouco mais complicado mas também dá para fazer, seguindo os passos abaixo: a) Determinar o comprimento da seção do rio a ser medida; b) Medir as dimensões do rio e calcular a área da seção. Para isso deve-se multiplicar a largura pela profundidade do rio; c) Medir a velocidade da água, marcando o tempo que leva um pequeno objeto que flutue para percorrer a seção do rio a ser medida (ponto A até o ponto B). Fazer a medição duas a três vezes e calcular a média;
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d) Multiplicar a área da seção (altura x profundidade) pela velocidade média (comprimento/tempo) para obter a vazão da água naquele trecho.
Texto e ilustrações modificadas da cartilha: Small-scale rainbow trout farming. FAO. 2011
O principal elemento que vai determinar o tamanho da produção é a quantidade de oxigênio que existe na água. Esse oxigênio vai ser utilizado pelos peixes de acordo com a quantidade e o tamanho dos peixes e com a quantidade de alimento que é colocado no tanque. A seguir, vamos entender melhor como calcular a produção viável com base nestes fatores: A quantidade e o tamanho dos peixes: peixes menores consomem mais oxigênio porque precisam de mais energia para crescerem e se manterem. Essa energia vem da quebra do alimento e aproveitamento dos nutrientes através da digestão. Para transformar o alimento em energia é necessária a presença do oxigênio. A tabela a seguir ajuda a calcular quanto oxigênio será consumido por um quilo de trutas no prazo de uma hora (mg de oxigênio/Kg de truta/hora). Na primeira linha aparece a temperatura da água e na primeira coluna aparece o peso médio dos peixes. Se a gente cruzar o peso médio dos peixes com a temperatura, e verificar nos quadrados coloridos, vai saber qual é o consumo de oxigênio.
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B OA S P R ÁT I C A S N A T R U T ICULTURA
Nesta tabela, pode ser verificado que, na mesma condição de temperatura, um quilo de peixes pequenos consome muito mais oxigênio do que um quilo de peixes grandes. Por exemplo: se a água está com 150 C, no tempo de uma hora, um kg de peixes de 200 g cada consome 274,6 mg de oxigênio, enquanto que um kg de peixes de 0,5 g cada consome 794,9 mg de oxigênio. Tabela de consumo de oxigênio para diferentes tamanhos de trutas e temperaturas da água (mg de oxigênio / Kg de truta / hora) Pe so ( e m gra ma s)
Te m p e ratu ra d a á g u a ( em graus Celsius)
9
10
11
14
15
17
200
1 64 , 3
184,2
215,7
250, 3
274, 6
306, 5
155
1 70 , 0
190,0
223,0
268, 0
283, 9
316, 9
120
1 76 , 0
197,4
231,2
277, 9
294, 3
328, 5
90
1 83 , 0
205,4
240,5
289, 0
306, 0
341, 7
65
1 91 , 3
214,5
251,2
301, 9
319, 8
356, 9
46
2 00 , 8
225,3
263,7
317, 0
335, 8
374, 8
31
2 12 , 0
238,0
278,7
335, 0
354, 9
396, 1
19
2 26 , 0
258,8
297,0
353, 0
378, 0
422, 2
11
2 44 , 0
273,7
320,4
375, 0
407, 9
455, 3
6, 0
2 67 , 6
300,0
351,4
422, 0
447, 0
499, 0
2, 5
3 01 , 0
338,0
395,9
475, 8
504, 0
562, 5
1, 2
3 56 , 6
399,0
468,0
562, 8
596, 0
665, 0
0, 5
4 75 , 0
532,0
623,9
749, 9
794, 9
886, 5
Fonte: Cria de la trucha arco-íris. J. J, Sabaut. CIPASA, 1976.
A quantidade de alimento: é importante entender que quando o peixe come a ração precisa também de oxigênio para conseguir fazer a digestão. No exemplo da tabela acima, vimos que os peixes menores consomem mais oxigênio do que os peixes maiores.
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É por esse motivo que quando diminui o oxigênio da água, por falta d’água ou pelo aumento da temperatura, o produtor deve diminuir a quantidade de ração dada aos peixes. Esta atitude pode ajudar a evitar que as trutas morram por falta de oxigênio.
Para cada quilo de ração dado aos peixes no dia, deverá haver pelo menos 300 gramas de oxigênio no Tanque.
Vamos ver um exemplo de como calcular o quanto dá para produzir com certa quantidade de água? Vamos imaginar um rio que tem uma vazão disponível (água captada) de 100 litros por segundo, uma temperatura média de 14 °C e 8,5 mg de oxigênio em cada litro de água. Dessa quantidade total de oxigênio (8,5 mg/litro), a truta só aproveita 3,5 mg/litro, porque ela não consegue respirar quando a concentração do oxigênio na água é menor do que 5 mg/litro. Por este motivo, a água que sai do tanque deve ter no mínimo 5 mg/litro de oxigênio. Se a gente tem 100 litros por segundo, vamos ter 100 vezes 3,5 mg de oxigênio a cada segundo, o que dá 350 mg de oxigênio por
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segundo. Daí é só fazer a relação para um dia, que tem 24 horas ou 86.400 segundos. O que nos dará um valor de 30.240.000 mg de oxigênio disponível na água por dia. Para facilitar, vamos usar 30.240 gramas. Recapitulando, as características do nosso rio imaginário são: Vazão disponível : 100 litros/segundo Temperatura média da água: 14 °C Oxigênio dissolvido na água: 8,5 mg/litro Oxigênio disponível: 3,5 mg/litro Oxigênio disponível em 24 horas: 30.240 g Então vamos lá: Se para cada quilo de ração dada aos peixes são necessárias 300 gramas de oxigênio para a digestão e aproveitamento da energia, então com 30.240 gramas de oxigênio que vai entrar no tanque através da água captada, o produtor pode dar 100,8 quilos de ração por dia. É só fazer a regra de três: 1 quilo de ração ------- 300 gramas de oxigênio necessárias para digestão X ------------------------- 30.240 gramas de oxigênio disponível por dia X = 1 x 30.240 ÷ 300 = 100,8 quilos de ração por dia Então esse é o máximo de ração que os peixes vão conseguir digerir em um dia. Considerando que o produtor deve dar em média 3% do peso dos peixes em ração, poderão ser colocados nos tanques 3360 kg de peixes. 100,8 kg de ração ---------------------- 3% biomassa X ------------------------------------------ 100% da biomassa X = 3.360 kg de biomassa (peso total de peixes)
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Taxa de arraçoamento é a quantidade de ração que deve ser administrada aos peixes em relação ao seu peso. Ao iniciarem a alimentação os peixinhos podem comer até 8% de seu peso em
ração enquanto que um peixe em idade de reprodução come 1% de seu peso em um dia. Para o cálculo da produção é usada a Taxa de 3% porque é a Taxa empregada na maior parte do ciclo de produção.
Então podemos concluir que uma truticultura que seja parecida com a do exemplo imaginário, terá capacidade para manter 3.360 kg de peixes estocados em seus tanques. Se tiver também um bom manejo e uma boa conversão alimentar será possível manter uma produção de 1 tonelada de peixes por mês (desfrute de 30%). OBS: Desfrute é a quantidade de peixes que pode ser produzida para comercialização em relação à quantidade de peixes estocado.
Foto: Gisela Herrmann
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Vamos tentar agora, o cálculo da produção possível com a quantidade de água que há na sua truticultura? Passo a passo para cálculo da produção: 1) Medir a vazão disponível e a temperatura média. Estimar a quantidade de oxigênio que há na água usando a tabela que mostramos na página 13. Depois, precisa ainda considerar que a truta só vai usar a quantidade de oxigênio que está acima de 5 mg/litro que será o valor do oxigênio disponível, isto é, que vai poder ser aproveitado. Vazão disponível: _____ (litros/segundo) Temperatura média: _____ (°C) 2) Estimar o oxigênio total e o oxigênio disponível. Oxigênio total: ____ (mg/litro) Oxigênio disponível = ____ (mg/litro) – 5 (mg/litro) = ____ (mg/litros) Oxigênio total Vazão Oxigênio disponível 3) Multiplicar a vazão pelo oxigênio disponível. ____ (litros/segundo) x ____ (mg/litros) = ____ (mg/segundos) Vazão Oxigênio disponível 4) Calcular o oxigênio disponível por dia, multiplicando o valor por 86,4. ____ (mg/segundos) x 86,4 segundos = ____ gramas Oxigênio disponível por dia
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5) Fazer a regra de três, para calcular quanta ração pode ser dada por dia: ____ gramas / 300 gramas = ____ kg
6) Por fim, calcular quantos quilos de peixe podem ser colocados no tanque: ____ kg x 100 _____________ = ____ kg 3 Estes cálculos são feitos levando em conta a quantidade de oxigênio disponível na água, que é o principal fator que limita a produção. Mas a gente tem que pensar que a água pode ser reaproveitada em um segundo e até em um terceiro tanque, desde que esteja entrando mais oxigênio. Neste tipo de situação a concentração de amônia também vai limitar a produção.
Vamos entender por que a amônia limita a produção?
Quando o peixe come, gera a amônia como resíduo. Isso acontece porque as trutas comem alimento que é rico em proteína e excretam muita amônia. Para cada quilo de ração, os peixes excretam 32 gramas de amônia. Uma vez excretada, a amônia pode permanecer na água de duas formas: uma forma não tóxica (NH4) ou uma forma muito tóxica (NH3). Dependendo do pH e da temperatura da água, uma forma vai predominar sobre a outra. Quanto mais alto for o pH (água alcalina) e quanto mais alta for a temperatura da água, mais amônia tóxica haverá na água. O produtor deve ficar atento, principalmente
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quando reaproveita a água ou quando tem uma criação de trutas logo acima da dele e que usa a mesma a água, porque a truta é muito sensível a amônia. O melhor jeito de diminuir a quantidade de amônia da água é renovando essa água. Então, nos tanques onde a água é utilizada de novo, o produtor não pode esquecer dois fatores que limitam a produção: a quantidade de oxigênio e a quantidade de amônia na água. Tenha uma boa atitude: para uma truticultura ser produtiva e sustentável ela depende diretamente da manutenção da qualidade do sistema aquático. Então, todo truticultor deve saber que precisa usar a água de forma inteligente sem acabar com a qualidade e a quantidade da água que ele e as outras pessoas usam.
Instalações adequadas Outro ponto crítico para o sucesso de uma truticultura é a construção de instalações adequadas. Quando a truticultura é bem planejada ela facilita um manejo adequado e garante o bem estar dos trabalhadores e dos peixes também. Uma boa instalação também ajuda a reduzir a quantidade de poluição e tornar o empreendimento mais eficiente.
Captação e condução da água Ao construir uma truticultura, a forma de como a água é captada no rio e distribuída para os tanques deve ser muito bem planejada para evitar problemas com a falta ou até mesmo com o excesso de água. Além disso, é muito importante que a quantidade de água derivada do rio e as construções estejam de acordo com a legislação ambiental. A água deve ser conduzida por gravidade, da captação até o lançamento de retorno ao rio, pois assim não se gasta energia com bombas.
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A água captada deve ser conduzida até os tanques através de canaletas de alvenaria ou de concreto para evitar problemas com erosão ou desmoronamentos que podem parar o fornecimento de água.
Os tanques devem seguir a inclinação do terreno para a água ser conduzida por gravidade.
Canaletas de alvenaria ou de concreto evitam desmoronamentos.
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Grades ou telas devem ser instaladas no caminho das águas para diminuir a entrada de areia, folhas e galhos nos tanques.
No caminho percorrido pela água podem ser instalados sistemas de grades ou telas, e também tanques de decantação de areia. Estas estruturas ajudam a diminuir a entrada de areia, folhas e galhos nas canaletas e no tanque, evitando entupimentos. Tenha uma boa atitude: o produtor deve vigiar constantemente qualquer estrutura de uma truticultura para evitar problemas com o fornecimento de água.
Aeração Como vimos anteriormente, é muito importante que a água de uma truticultura contenha o máximo de oxigênio que a temperatura permitir. Algumas práticas simples podem contribuir para a aeração da água que chega aos tanques, aumentando a concentração de oxigênio.
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Dispositivos simples de aeração:
1
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4
Algumas poucas adapatações nos dispostivos de entrada de água podem aumentar a sua aeração: 1) arranjo em cascata de canais e tanques; 2) instalação de pequenos jorros e chuveirinhos; 3) tubos perfurados; 4) torneira com adaptador para entrada de oxigênio, para locais onde a água entra com muita pressão. Ilustrações modificadas da cartilha: Small-scale rainbow trout farming. FAO. 2011
Dimensionamento da área dos tanques de cultivo. Se a gente considerar que toda a água de um tanque deve ser completamente renovada pelo menos a cada hora, a vazão disponível irá nos dizer qual o tamanho que podem ter os tanques.
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Vamos ver um exemplo? Vamos voltar para nosso rio imaginário, que tem uma vazão de 100 litros/segundo que é igual a dizer uma vazão de 360 m³h. Ou seja, a cada hora, passarão pelo tanque 360 m³ de água. Então a água de um tanque será completamente renovada a cada hora se o tanque tiver 360 m² de água e 1 m de profundidade. Ou, se forem 10 tanques de 36 m² também. Deu para entender? Na criação de trutas são necessários vários tanques de engorda para facilitar a seleção de peixes de mesmo tamanho na hora de vender. Quando usamos um tanque muito grande, cabem muitos peixes, mas gastamos muito mais tempo para selecionar os peixes para o abate e os peixes acabam ficando estressados. As truticulturas mais bem planejadas são aquelas nas quais a água se renova de 2 a 3 vezes por hora. Além disso, todos os tanques devem ter abastecimento e escoamento de água independentes, sempre que possível. Outro ponto importante é o formato dos tanques que deve ser pensado para que a água seja aproveitada ao máximo e o manejo dos peixes fique mais fácil.
Revestimento e formas de tanques Os tanques para criação de truta devem ser sempre revestidos e impermeabilizados porque o fluxo de água pode causar desgaste das paredes, prejudicando a qualidade da água e a saúde dos peixes. O revestimento deve ter uma superfície bem lisa para evitar que a sujeira se acumule em buracos pois esse acúmulo favorece o desenvolvimento de doenças nos peixes. O material mais indicado para revestir os tanques é o cimento porque é resistente e dura bastante. Além disso, o tanque de cimento é
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mais fácil de limpar. Mas tem produtor que prefere usar manta asfáltica, manta plástica, fibra de vidro, bloco de pedra, tijolo e outros materiais. Só que, por mais que sejam mais baratos na hora de construir, esses materiais acabam sendo mais caros porque vão precisar de mais manutenção. Formatos típicos de tanques de cimento
1
2
3
1) Tanques retangulares de área ao ar livre; 2) Tanques retangulares de áreas abertas ou fechadas. 3) Tanques circulares de áreas abertas ou fechadas. O espaço é melhor aproveitado quando os tanques retangulares são colocados lado a lado O formato circular é o mais eficiente. Ilustrações modificadas da cartilha: Small-scale rainbow trout farming. FAO. 2011
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Quanto à forma do tanque, a mais recomendada é a circular. Este tipo de tanque é mais eficiente, porque o produtor consegue manejar a velocidade da água dentro do tanque mudando a direção do tubo de entrada. Por isso que os tanques circulares não apresentam áreas com pouco oxigênio, que a gente chama de “áreas mortas”, e que ocorrem nos cantos dos tanques retangulares. Como ponto negativo, os tanques circulares custam mais na hora de construir e também ocupam uma área um pouco maior. Os tanques circulares podem também ter duplo escoamento, um em cima para a saída da água limpa e outro no fundo para saída da sujeira que fica concentrada no fundo do tanque. A sujeira que sai do tanque deve ser levada para uma lagoa de decantação. Já os tanques retangulares devem ter na saída da água uma “zona de quiescência”. Quiescência quer dizer repouso; então a “zona de repouso” funciona como um lugar onde a sujeira pode repousar. Na zona de repouso as águas não estão se movimentando no mesmo ritmo do tanque e isso favorece a decantação do material em suspensão. A zona de repouso deve ter cerca de 10% da área do tanque e ser separada com tela da água dos peixes. A zona de repouso é muito eficiente: de 75% a 90% da sujeira sólida fica ali repousando. Como o que a gente quer é manter a água limpa, tanto a água mais suja concentrada no fundo do tanque circular como a que fica depositada na zona de repouso do tanque retangular, devem ser levadas para uma lagoa ou tanque de decantação para ajudar na limpeza da água. A seguir, vamos ver desenhos esquemáticos de como fazer essa limpeza.
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No caso do tanque retangular, o material acumulado deve ser retirado durante a limpeza periódica por varrição ou bombas de sucção.
Esquema do fluxo de poluentes da água no tanque retangular: P1 Entrada de água no tanque. P2 Alimentação - qualidade da ração e manejo alimentar. P3 Zona de repouso - sedimentação. P4 Saída da água do tanque. P5 Tanque de decantação - coleta e processamento dos sólidos.
Já no caso do tanque circular, a zona de repouso é o próprio fundo do tanque. A água de escoamento que é captada no fundo do tanque vai ter maior quantidade de sujeira e deve ser levada para lagoas de decantação. Outra alternativa é, em vez de sempre escoar a água do fundo para a lagoa, abrir a passagem da água só quando o material ficar mais acumulado.
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Tanque visto de lado
Tanque visto de cima
Esquema de tanque circular com dupla saída: 1) Entrada superficial de água. 2) Tubo de saída de superfície, com perfuração na porção superior (escoamento de cerca de 80% da vazão). 3) Tubo de nível para controlar a altura da lâmina d’água e a vazão de saída (escoamento da água de superfície contendo poucos sólidos em suspensão). 4) Tubos de saída de fundo para escoamento da água da zona de repouso contendo a maior porção dos sólidos decantados (cerca de 20% da vazão de escoamento) . 5) Tubo de saída dos efluentes (controla a vazão dos efluentes com sólidos decantados). Direciona a água do fundo do tanque para a lagoa de decantação. 6) Zona de repouso: deposição de fezes e ração não consumida. OBS. A diferença de vazão entre os tubos 3 e 5 pode ser controlada pelo diâmetro e pela altura dos tubos em relação ao nível da água do tanque.
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Lagoas ou tanque de decantação Na truticultura a principal fonte de poluição é a ração. A ração polui a água quando não é comida pelos peixes e também quando é comida e acaba saindo nas fezes dos peixes. Por isso é muito importante limpar a água antes de devolvê-la para o rio. Assim diminuímos os efeitos negativos da produção de trutas sobre o meio ambiente, tornando a atividade mais sustentável e inteligente. Para retirar o resto da ração não utilizada pelos peixes, o produtor deve construir tanques ou lagoas de decantação. Existem outras formas mais complexas de limpar a sujeira causada pela ração, mas o custo alto destes tratamentos pode tornar a atividade inviável para pequenos produtores. Nas pequenas truticulturas familiares o jeito mais recomendado para limpar a água é a lagoa de decantação. Isso porque a lagoa é de pequeno tamanho, mas bastante eficiente na limpeza dos sólidos em suspensão.
A lagoa deve ser construída abaixo dos tanques de criação e a água deve ficar parada por pelo menos 30 minutos. Por exemplo, na truticultura abastecida pelo nosso rio imaginário, que tem vazão de 360 m³/hora, a lagoa tem que ter 180 m³ de água. Ou seja, a quantidade de água que cabe na lagoa de decantação tem que ter a metade da vazão medida em horas.
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As lagoas não devem ser muito fundas para ficar mais fácil as partículas chegarem no fundo e também para facilitar a limpeza. A sujeira que fica no fundo deve ser retirada periodicamente para evitar que se formem substâncias tóxicas. Os resíduos podem ser aproveitados para adubar hortas e plantações.
Foto: Gisela Herrmann
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Tipos de grandes filtros ao ar livre IRRIGAÇÃO DO TERRENO
1 1
2
2 2.1 2.2
1 1
1
2
2
2
2.1 2.2 IRRIGAÇÃO DE PLANTAÇÃO DE ARVÓRES
1 2
2.1 2.2 FILTROS COM PLANTAS AQUÁTICAS OU DE BREJOS
VIVEIRO DE PEIXES
1 1 2
2
2.1 2.2 1.1
Passos na filtragem de efluentes: 1 Unidade de produção de truta 2 Filtro mecânico ( 2.1 água 2.2 lodo) Ilustrações modificadas da cartilha: Small-scale rainbow trout farming. FAO. 2011
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Alimentação dos peixes Quando vive solta na natureza, a comida preferida da truta são os insetos. Os insetos costumam ficar sempre em movimento, seja na correnteza ou na superfície da água. Por isso, mesmo quando presa nos tanques, a truta prefere pegar os alimentos em movimento. Então, todo grão de ração que vai para o fundo do tanque não será consumido e vai ficar lá. Isso significa dinheiro jogado fora e, ainda por cima, a água vai ficar suja, o que pode prejudicar os peixes.
Escolha da ração Considerando que a ração é o que custa mais caro na produção de trutas (60% do custo de produção), é fundamental garantir uma ração de qualidade. É fundamental também que a ração apresente boa conversão alimentar, ou seja, que os peixes engordem bastante com a ração. Por isso, se recomenda o uso de rações balanceadas específicas para trutas e que tenham todos os nutrientes que os peixes precisam. A escolha de uma boa ração, junto com as boas atitudes do produtor, melhoram muito o desempenho da atividade e reduzem o impacto ambiental. Estes são os fatores que devem ser observados para escolher uma boa ração: •
Ter os nutrientes adequados para cada fase do cultivo (discriminado no rótulo). Em cada fase da vida, a truta precisa de nutrientes diferentes. A ração para os alevinos deve ter tudo que os alevinos precisam para crescer bem. Do mesmo jeito, a ração para matrizes deve ter o que elas precisam e a ração para engorda também.
•
Apresentar boa conversão alimentar. O ideal é que toda ração comida vire gramas a mais dos peixes, ou seja que a conversão alimentar seja perto de 1:1.
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•
Ter grãos de diferentes tamanhos.
•
A ração para trutas não deve conter aflatoxina. Essa é uma toxina produzida por fungos que se desenvolvem nos ingredientes da ração. A truta é muito sensível a essa toxina e pode até morrer. Por isso, o fabricante de ração deve atestar para o produtor que a ração não contém aflatoxina.
•
O período de validade tem que aparecer no rótulo da ração.
Tenha uma boa atitude: é importante para o piscicultor estar em contato com os colegas criadores, através de associações de classe. Desse jeito ele fica por dentro da qualidade, preços e desempenho das rações disponíveis no mercado. Esta troca de informações pode ajudar na compra da ração. Lembrar que uma ração barata pode não reduzir seu custo de produção se a qualidade cair com o preço.
Como guardar a ração O jeito certo de guardar a ração ajuda muito a manter a qualidade da ração. Por isso, o produtor deve observar com muito rigor algumas atitudes: •
Ter um lugar separado só para guardar ração e sempre guardar a ração neste lugar. Assim, são evitadas possíveis contaminação por outros produtos.
• O lugar de guardar ração deve ser bem ventilado, seco e protegido de insetos, pássaros e ratos. As janelas devem ter tela.
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•
As pilhas de ração devem ter no máximo 15 sacos, para evitar a quebra dos grãos e a perda de ração.
•
Usar estrados para evitar o contato direto com o chão e manter distância das paredes. Assim, o produtor evita a umidade e também dificulta que animais achem lugares para se esconder. Se possível, use estrados feitos com “madeira plástica ou sintética”, mais resistente à corrosão, à umidade e a pragas, além de ser feita de material reciclado.
•
Mexer na ração sempre com cuidado para evitar que ela quebre e vire pó. Lembrar que o peixe não come esse pó. Então ração esfarelada é dinheiro jogado fora e sujeira na água.
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Fornecimento da ração A quantidade de ração que deve ser dada aos peixes vai depender da temperatura da água, do tamanho e da quantidade de peixes estocados no tanque (biomassa). Enquanto a ração estiver sendo dada aos peixes, é muito importante observar se os peixes estão comendo a ração assim que ela cai no tanque. Quando os peixes pararem de pegar a ração, é hora de parar de dar. A ração deve ser jogada devagar no tanque para ser possível observar se os peixes ainda estão comendo e parar de dar na hora certa. É importante também distribuir a ração por toda a superfície do tanque, para que todos os peixes possam pegar a comida. Tenha uma boa atitude: observe a superfície dos seus tanques ao final do dia e conte os grãos que não foram comidos. Lembre-se de que ração não comida no tanque é dinheiro jogado fora! Grãos de ração que sobraram na superfície da água
Foto: Marcos Guilherme Rigolino
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Tabelas de arraçoamento As tabelas de arraçoamento ajudam a calcular quanto de ração deve ser dada aos peixes. Elas levam em conta a temperatura da água e o tamanho dos peixes. É bom usar as tabelas para prever quanta ração vai ser usada e também para evitar desperdício. Tabela de arraçoamento em gramas de ração por quilograma de peixe, variando conforme tamanho dos peixes e temperatura da água Comprimento dos Peixes (milimetros)
Pe s o d o s Pe ixe s ( gra m a s )
Te m p e ratura da água (° C)
40
0,6
48, 5 55, 3 62, 1 68, 9 75, 7 82, 5 75, 7 68, 9 62, 1 55, 3 48, 5
50
1,2
38, 8 44, 2 49, 7 55, 1 60, 6 66, 0 60, 6 55, 1 49, 7 44, 2 38, 8
60
2,2
32, 3 36, 7 41, 4 45, 9 50, 5 65, 0 50, 5 45, 9 41, 4 36, 8 32, 3
70
3,5
27, 7 31, 6 35, 5 39, 4 43, 3 47, 1 43, 3 39, 4 35, 5 31, 6 27, 7
80
5,4
24, 2 27, 6 31, 0 34, 4 37, 8 41, 2 37, 8 34, 4 31, 0 27, 6 24, 2
90
7,8
21, 5 24, 6 27, 6 30, 6 33, 6 36, 7 33, 6 30, 6 27, 0 24, 6 21, 5
100
10,8
19, 4 22, 1 24, 8 27, 6 30, 3 33, 0 30, 3 27, 6 24, 8 22, 1 19, 4
110
14,6
17, 8 20, 1 22, 6 25, 1 27, 5 30, 0 27, 5 25, 1 22, 6 20, 1 17, 6
120
19,2
16, 2 18, 4 20, 7 23, 0 25, 2 27, 5 25, 2 23, 0 20, 7 18, 4 16, 2
130
24,6
14, 9 17, 0 19, 1 21, 2 23, 3 25, 4 23, 3 21, 2 19, 1 17, 0 14, 9
140
31,1
13, 8 15, 8 17, 7 19, 7 21, 6 23, 6 21, 6 19, 7 17, 7 15, 7 13, 8
150
38,5
12, 9 14, 7 16, 6 18, 4 20, 2 22, 0 20, 2 18, 4 16, 6 14, 7 12, 9
160
47,2
12, 1 13, 8 15, 5 17, 2 18, 9 20, 6 18, 9 17, 2 15, 5 13, 8 12, 1
170
56,8
11, 4 13, 0 14, 6 16, 2 17, 8 19, 4 17, 8 16, 2 14, 6 13, 0 11, 4
180
68,0
10, 8 12, 3 13, 8 15, 3 16, 8 18, 3 16, 8 15, 3 13, 8 12, 3 10, 8
190
80,6
10, 2 11, 6 13, 1 14, 5 15, 9 17, 4 15, 9 14, 5 13, 1 11, 6 10, 2
200
94,3
9, 7
11, 1 12, 4 13, 8 15, 1 16, 5 15, 1 13, 8 12, 4 11, 1
9, 7
210
1 0 9, 9
9, 2
10, 5 11, 8 13, 1 14, 4 15, 7 14, 4 13, 1 11, 8 10, 5
9, 2
220
1 2 8, 2
8, 8
10, 0 11, 3 12, 5 13, 8 15, 0 13, 8 12, 5 11, 3 10, 0
8, 8
230
1 4 7, 1
8, 4
9, 6
8, 4
10
11
12
13
14
15
16
17
18
10, 8 12, 0 13, 2 14, 3 13, 2 12, 0 10, 8
Continua...
41
19
8, 6
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Continuação
Tabela de arraçoamento em gramas de ração por quilograma de peixe, variando conforme tamanho dos peixes e temperatura da água Comprimento Pe s o dos Peixes d o s Pe ixe s (milimetros) ( gra m a s )
Temperatura da água (° C) 10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
240
166, 7
8, 1
9, 2
10, 3 11,5 12, 6 13, 7 12, 6 11, 5 10, 3
9, 2
8, 1
250
188, 7
7, 8
8, 8
9, 9
11,0 12, 1 13, 2 12, 1 11, 0
9, 9
8, 8
7, 8
260
217, 4
7, 5
8, 5
9, 6
10,6 11, 6 12, 7 11, 6 10, 6
9, 6
8, 5
7, 5
270
243, 9
7, 2
8, 2
9, 2
10,2 11, 2 12, 2 11, 2 10, 2
9, 2
8, 2
7, 2
280
277, 8
6, 9
7, 9
8, 9
9, 8
10, 8 11, 8 10, 8
9, 8
8, 9
7, 9
6, 9
290
303, 0
6, 7
7, 6
8, 6
9, 5
10, 4 11, 4 10, 4
9, 5
8, 6
7, 6
6, 7
300
333, 3
6, 5
7, 4
8, 3
9, 2
10, 1 11, 0 10, 1
9, 2
8, 3
7, 4
6, 5
310
370, 4
6, 3
7, 1
8, 0
8, 9
9, 8
10, 6
9, 8
8, 9
8, 0
7, 1
6, 3
320
416, 7
6, 1
6, 9
7, 8
8, 6
9, 5
10, 3
9, 5
8, 6
7, 8
6, 9
6, 1
330
454, 5
5, 9
6, 7
7, 5
8, 4
9, 2
10, 0
9, 2
8, 4
7, 5
6, 7
5, 9
340
500, 0
5, 7
6, 5
7, 3
8, 1
8, 9
9, 7
8, 9
8, 1
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350
555, 6
5, 5
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7, 1
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7, 1
6, 3
5, 5
360
588, 2
5, 4
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666, 7
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6, 0
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7, 4
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380
714, 3
5, 1
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5, 0
5, 7
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7, 1
7, 8
8, 5
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7, 1
6, 4
5, 7
5, 0
400
833, 3
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5, 5
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6, 9
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8, 3
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6, 2
5, 5
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410
909, 1
4, 7
5, 4
6, 1
6, 7
7, 4
8, 0
7, 4
6, 7
6, 1
5, 4
4, 7
Vamos ver como funciona? Em primeiro lugar, para que a quantidade de ração dada aos peixes esteja de acordo, é preciso saber quantos quilos de peixe têm nos
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tanques. Para fazer esse cálculo, o melhor jeito é pesar alguns peixes para calcular o peso médio de cada peixe. A biomassa total que tem no tanque vai ser igual o peso médio multiplicado pela quantidade de peixes. Depois, é só ir na tabela e cruzar a informação da temperatura com o tamanho de cada peixe. O número na coluna é igual a quantidade de ração que deve ser dada por cada quilograma de biomassa que tiver no tanque. Daí é só multiplicar pela biomassa total para saber quanto de ração deve ser dado por dia.
Exemplo de cálculo da quantidade de ração usando a tabela: Tanque com 2000 peixes de 57 gramas de peso médio 57 gramas x 2.000 peixes = 114.000 gramas ou 1 14 Kg = biomassa Temperatura da água = 13 ºC Pela tabela deve ser dado 16,2 gramas de ração por Kg de biomassa 114 Kg x 16,2 = 1846,8 gramas de ração por dia
Algumas dicas sobre alimentação dos peixes: •
Para os alevinos que começaram a se alimentar, o produtor deve ajustar a quantidade de ração em intervalos de 7 a 14 dias, pois nesta fase as trutas crescem muito rápido.
•
A quantidade diária de ração pode ser dividida em várias refeições. O número de vezes depende do tamanho dos peixes. Alevinos podem comer até 8 vezes ao dia. Já reprodutores podem comer uma ou duas vezes no dia.
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B OA S P R ÁT I C A S NA TRUTICULTURA
•
O tamanho do grão da ração deve ser adequado para o tamanho da boca do peixe.
Foto: Marcos Guilherme Rigolino
•
Evite alimentar os peixes em condições de estresse como temperatura alta, águas sujas ou oxigênio baixo.
•
O equipamento usado para dar ração aos peixes deve ser mantido limpo para evitar contaminação.
•
A pessoa responsável por dar ração aos peixes deve ser treinada.
Avaliação do desempenho da ração. É muito importante para o produtor, entender se a ração dada aos peixes está realmente servindo para engordá-los. Isso se chama a conversão alimentar, ou seja, quanto de alimento se converteu em quilos de peixe. Se a truticultura consome uma tonelada de ração por mês e produz uma tonelada de peixes por mês, a gente pode dizer que a conversão alimentar é de 1:1. Se consumir duas toneladas e produzir uma tonelada, aí a conversão é de 2:1. Uma conversão alimentar de 1:1 é possível de ser alcançada, desde que o produtor utilize ração de boa qualidade e adote um manejo alimentar correto. Anote a quantidade de ração dada aos peixes e anote também o quanto os peixes cresceram nos diferentes lotes. Assim você pode
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B OA S P R ÁT I C A S N A T R U T ICULTURA
determinar a conversão alimentar, além de avaliar os custos e a qualidade da ração usada. Tenha uma boa atitude: a ração é a principal fonte de poluição em uma truticultura. Além disso, mais da metade do custo de produção é gasto com ração. Então, escolher uma ração de boa qualidade e dar ração aos peixes do jeito certo torna uma truticultura mais sustentável tanto no bolso do produtor quanto no meio ambiente. Todos saem ganhando!
Manejo dos peixes nos tanques No Brasil, geralmente a truta é comercializada como truta porção, com peso médio de 300 gramas. Esse peso pode ser alcançado a partir dos 10 meses de idade. Durante este tempo, o produtor precisa mover os peixes várias vezes, o que acaba causando estresse nos peixes. O estresse pode afetar o crescimento e também o rendimento econômico da truticultura. Mas alguns cuidados podem ajudar a diminuir esse prejuízo: •
Comprar alevinos somente de lugares que não apresentam doenças;
•
Quando os alevinos chegarem na propriedade, devem primeiro ficar em tanques separados. A água destes tanques não deve ser utilizada em outros tanques.
•
Se os alevinos morrerem nas primeiras semanas, o produtor deve chamar um técnico. O produtor não deve usar remédios sem indicação técnica.
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•
Fezes e restos de ração que ficam nos tanques de alevinagem devem ser retiradas utilizando um sifão. Assim o produtor evita que esse material fique suspenso e contamine a água.
•
Peixes mortos também devem ser retirados diariamente. É importante também anotar o número e o peso desses peixes mortos.
Remoção de peixes mortos
Ilustração modificada da cartilha: Small-scale rainbow trout farming. FAO. 2011
• Quando os peixes do mesmo lote estiverem com tamanhos muito diferentes, devem ser separados por tamanho para formar lotes onde os peixes tenham tamanhos iguais. Senão, os peixes maiores acabam comendo toda a ração e os peixes menores não crescem.
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•
A separação dos peixes por tamanho pode ser feita na mão ou usando grades de seleção.
•
A melhor forma de mexer com os peixes é trabalhar dentro do tanque, usando caixas plásticas com furos para conter os peixes. O nível da água deve ser reduzido, sem interromper o fluxo.
•
Quando for mexer com os peixes, parar de dar comida um dia antes.
•
Para transferir os peixes de um tanque para o outro, ou para pesar os peixes, deve-se usar vasilhas com água. O ideal é deixar os peixes nas vasilhas o menor tempo possível. Manusear os peixes de preferência de manhã cedo, quando a água está mais fria.
•
Para retirar os peixes dos tanques o produtor pode utilizar caixas plásticas com furos ou puçás de tamanho adequado ao tamanho dos peixes.
Foto: Marcos Guilherme Rigolino
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Como transferir os peixes de local para outro: A transferência de alevinos ou peixes deve ser feita rapidamente na água. Os alevinos e peixes devem ser liberados suavemente dentro da água. A temperatura da água de ser verificada. Transferência de alevinos
Transferência de peixes:
Se necessário utilizar uma rampa deslizante para liberar os peixes no tanque. Ilustrações modificadas da cartilha: Small-scale rainbow trout farming. FAO. 2011
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Beneficiamento dos peixes Segundo a Organização Mundial da Saúde, a grande maioria dos casos de doença transmitida por alimentos é por causa do manuseio inadequado. A falta de cuidados na hora do beneficiamento pode contaminar o alimento com microorganismos que causam doenças ou apodrecimento do alimento. Essa contaminação pode acontecer na produção, manipulação, transporte, armazenamento ou distribuição dos alimentos. Os sintomas de contaminação costumam ser diarréia, vômito, cólica, enjôo, dores de cabeça e febre. As principais causas da contaminação dos alimentos são a falta de higiene pessoal e de higienização dos utensílios, equipamentos e superfícies que entram em contato com os alimentos. As Boas Práticas de Manipulação são as boas atitudes que o produtor deve ter para garantir que o alimento produzido por ele tenha boas condições higiênicas e sanitárias. As Boas Práticas envolvem a higiene de quem está mexendo com os peixes, a higiene dos equipamentos, o uso de gelo de boa qualidade e em quantidade suficiente, a qualidade da água, o controle de pragas, etc. Assim como os demais pescados, a truta arco-íris é muito perecível, ou seja, apodrece logo, por isso ela exige cuidados especiais na sua manipulação. Assim que a truta é retirada da água, ocorrem fenômenos que levam a sua deterioração e o único jeito de evitar essa deterioração é adotando práticas adequadas durante o cultivo, abate, estocagem e comercialização. É importante também, lembrar que todo produto de origem animal para consumo humano precisa de um REGISTRO que garanta ao consumidor que o alimento foi beneficiado em condições adequadas de higiene.
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Tipos de registro: •
SIM – Selo de Inspeção Municipal – para comercialização dentro do município;
•
SIE – Selo de Inspeção Estadual – para comercialização dentro do Estado;
•
SIF – Selo de Inspeção Federal – para comercialização no país todo ou para exportação.
Como a maioria dos produtores de truta da Mantiqueira conta apenas com estrutura de tanques de cultivo, ou seja, não possuem unidades de beneficiamento da truta, só podem comercializar a truta inteira, acondicionada no gelo. O truticultor deve buscar as informações sobre a comercialização na Secretaria de Agricultura do município. Algumas dicas de boas atitudes para a manipulação da truta: •
O abate e o acondicionamento da truta devem ser realizados com gelo, em uma área separada só para isso perto dos tanques.
•
O local para o abate deve ser na sombra e protegido de insetos, roedores, pragas e outros contaminantes ambientais (fumaça, poeira).
•
O local deve ser bem ventilado e iluminado.
•
O local deve garantir que boas condições de higiene.
•
A água deve ser clorada.
•
Os funcionários devem tomar banho todos os dias.
•
No local de acesso de pessoal deve ficar disponível sabão sanitizante para limpar as mãos, papel-toalha e recipiente fechado de
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lixo com pedal. As unhas devem ser mantidas sempre curtas e limpas. •
As mãos devem ser lavadas com água e sabão e desinfetadas antes do início do trabalho e depois do uso de sanitários ou outras ocasiões em que as mãos tenham se sujado ou contaminado. O uso de luvas não elimina a necessidade de lavar as mãos.
•
Não tossir, espirrar perto das trutas.
•
Durante a manipulação, é proibido fumar e comer no local.
•
As caixas de monobloco devem ser usadas apenas para conter as trutas e o gelo.
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•
O local, equipamentos e utensílios devem ser fáceis de limpar e a limpeza deve ser feita imediatamente após o uso. Deixar para o dia seguinte aumenta as chances de contaminação e dificulta a limpeza.
•
A limpeza dos utensílios deve ser refeita toda vez que forem usados.
•
Todas as pessoas que irão ter contato com a truta, equipamentos e utensílios, devem ser treinadas e conscientizadas a praticar as medidas de higiene e segurança para evitar a contaminação das trutas abatidas Tenha uma boa atitude: a manipulação da truta deve ser feita de maneira que impeça a sua contaminação. Pessoas que possuem feridas, lesões ou cortes nas mãos e braços, diarréia, infecção pulmonar, gripes, resfriados, não podem manipular as trutas.
Cuidados especiais para o abate •
Deixar os peixes em jejum por no mínimo 24 horas antes do abate para diminuir a quantidade de bactérias no intestino dos peixes.
•
Usar técnicas de abate rápido.
Assim como nós, seres humanos, as trutas também são capazes de sentir as sensações. Por isso, é importante diminuir o sofrimento delas, diminuindo o tempo do abate. Se o abate for mais rápido, elas vão sofrer menos e sentir menos dor também. Existem muitos métodos diferentes para o abate de trutas:
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a) morte por asfixia com retirada da água. b) choque elétrico para atordoamento. c) golpe mortal na cabeça. d) choque térmico com uso de gelo. Qualquer que seja o método empregado, deve ser imediatamente seguido da sangria.
Tenha uma boa atitude: uma boa opção para o abate é a utilização de choque-térmico com gelo potável e sangria.
Choque térmico com uso do gelo e sangria - como fazer Utilizar duas partes de água para uma de gelo em uma caixa ou tambor de plástico. Colocar as trutas em jejum na caixa e cortar as brânquias para promover a sangria. Depois, lavar a superfície da truta com água clorada (2-5 ppm) para reduzir os micróbios. Assim que a truta morre, sua carne passa pelas seguintes etapas: 1) Pré-rigor – logo após a morte quando os músculos ainda estão relaxados e flexíveis. 2) Rigor mortis – depois de um tempo, os músculos ficam duros. 3) Pós-rigor – mais tarde ainda, o músculo volta a ficar flexível. 4) Deterioração – e, por fim, o peixe começa a apodrecer.
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Quando a etapa de rigor mortis acontece de forma mais rápida, a tendência é que a carne comece a se deteriorar mais cedo. Por isso é melhor que a etapa do rigor mortis ocorra devagar para a carne ter maior qualidade. Tenha uma boa atitude: um abate rápido é menos estressante para a truta e também aumenta o tempo da etapa até rigor mortis, melhorando a qualidade da carne.
Como estocar os peixes A temperatura da truta deve ser imediatamente reduzida depois do abate e da lavagem, para garantir a qualidade do pescado. O ideal é manter a temperatura em 0 °C, pois assim diminui as chances de contaminação. O gelo usado para congelar os peixes também deve ser de boa qualidade para evitar a contaminação. É aconselhável colocar uma camada de gelo para cada camada de peixe. O gelo em escamas é mais recomendado, porque vai apresentar mais áreas de contato com o peixe. Na medida que o gelo vai derretendo, deve ser reposto. E, quando a truta não é eviscerada, o ideal é que, após o acondicionamento em gelo, ela seja comercializada imediatamente. Se o produtor tiver um restaurante em sua propriedade, ele mesmo poderá fazer a evisceração, mas é importante que o produtor tenha alvará de funcionamento expedido pela Vigilância Sanitária. Também é importante enterrar os resíduos do abate (cabeça, pele, nadadeiras e vísceras) em local apropriado e cobrir com cal virgem para evitar que sejam comidos por animais.
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O gelo não pode ficar só por cima do pescado.
O gelo tem que envolver todo o pescado: por baixo, por cima e pelos lados da caixa.
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Adequação à legislação ambiental Um dos aspectos mais importantes e complexos da produção de trutas está relacionado com o cumprimento da legislação ambiental, tendo em vista que os tanques são instalados próximo aos cursos d’água, nas chamadas Áreas de Preservação Permanente (APP) que, de acordo com a legislação ambiental, devem ser protegidas. A Lei Federal Nº 12.651, de 25/05/2012, que revogou o Código Florestal de 1965, conceitua as áreas de preservação permanente como:
Áreas cobertas ou não por vegetação nativa, que tem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora; proteger o solo e; assegurar o bem-estar das populações humanas.
A mesma lei define as seguintes áreas de preservação permanente: i) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, sendo: •
30 m de largura para os cursos d’água de menos de 10 m de largura;
•
50 m para os rios com 10 a 50 m de largura;
•
100m para os rios que tenham de 50 a 200 m de largura;
•
200 m para os rios que tenham de 200 a 600 m de largura;
•
500 m para os rios que tenham largura superior a 600m;
ii) nas nascentes, num raio mínimo de 50 m de largura;
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iii) no topo de morros, montes, montanhas e serras; iv) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; v) em altitude superior a 1.800 m, qualquer que seja a vegetação. Devido ao relevo acidentado da Serra da Mantiqueira, grande parte dos trutários está localizada em Áreas de Preservação Permanente. O pequeno tamanho das propriedades e as características do relevo fazem com que os produtores só tenham espaço na beira dos rios para instalar os seus tanques e demais estruturas necessárias à produção. E como sabemos, as beiras dos rios são consideradas APP. Por causa disso a maioria dos trutários não consegue obter a licença ambiental para regularizar a atividade. Com isso ficam sem acesso a financiamentos e canais formais de comercialização.
Atenção! Devem ser consideradas as novas regras introduzidas pela Lei de 2012 que leva em consideração as áreas rurais consolidadas até 22/07/2008, que, é exatamente o caso dos produtores de truta da Serra da Mantiqueira. Área rural consolidada é a área do imóvel com ocupação antrópica preexistente a 22/07/2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris.
Além da localização dos tanques em Área de Preservação Permanente, a adoção de práticas inadequadas de uso dos recursos hídricos na truticultura na Serra da Mantiqueira é responsável por forte degradação ambiental. A contaminação dos cursos d’água, devido ao lançamento sem tratamento prévio da água que sai dos tanques, chamada de efluente, aliado ao risco de escape de alevinos e peixes jovens, que
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pode comprometer a fauna nativa, são problemas relacionados com a atividade que precisam ser resolvidos. Somente a regularização ambiental e sanitária da atividade e o adequado funcionamento dos empreendimentos permitirão aos truticultores obterem o licenciamento e saírem da informalidade. A informalidade causa prejuízos sociais e econômicos e dificulta a organização da atividade, inclusive de conseguir um bom preço para comercialização das trutas. Durante a execução do Projeto Dois Irmãos foram executadas várias atividades para melhorar a produtividade e ao mesmo tempo diminuir os impactos ambientais causados pelas práticas inadequadas. Foram realizadas capacitações de técnicos agrícolas e de produtores; diagnóstico dos impactos da atividade; e planejamento das propriedades produtoras. Nessa cartilha apresentamos as boas práticas relacionadas à produção e os passos necessários para tornar a truticultura um negócio sustentável. Tendo em vista que a regularização é o grande gargalo enfrentado pelos truticultores, realizamos um detalhado estudo sobre a legislação ambiental que constatou que os truticultores de Itamonte e da Mantiqueira podem se beneficiar da flexibilidade de uso em Área de Preservação Permanente (APP) dada pela lei aos agricultores familiares. Após a realização de várias reuniões e dois seminários com truticultores e técnicos do governo estadual e federal, elaboramos uma Proposta de Deliberação Normativa que dispõe sobre a criação de trutas em região de montanha na Serra da Mantiqueira. A proposta apresenta argumentos para que a criação de trutas nessa região, ainda que localizada em APP, seja considerada de interesse social, nos moldes do art. 2º da Resolução CONAMA nº 425 de 24 de maio de 2010 (veja o texto da proposta no fim da cartilha no anexo 01). Na esfera Federal ocorreram mudanças na legislação que poderão auxiliar na regularização da truticultura. Há cerca de 10 anos estão
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em curso várias iniciativas e articulações para alterar o Código Florestal (Lei Federal No 4.771 de 1965). Após anos de discussão foi sancionada, em 25 de maio de 2012, a Lei No 12.651, que substitui o antigo Código Florestal. Essa Lei e a Medida Provisória No 571, editada em 25 de maio de 2012, é a legislação que está vigorando nesse momento, embora o tema ainda esteja em discussão até que o texto da Medida Provisória seja convertido em lei. O texto que está em vigor do novo Código Florestal permite a prática da aqüicultura e a infraestrutura física diretamente a ela associada em APP nos imóveis rurais com até 15 módulos fiscais, desde que: I
sejam adotadas práticas sustentáveis de manejo de solo e água e de recursos hídricos, garantindo sua qualidade e quantidade, de acordo com norma dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente;
II esteja de acordo com os respectivos planos de bacia ou planos de gestão de recursos hídricos; III seja realizado o licenciamento pelo órgão ambiental competente; IV o imóvel esteja inscrito no Cadastro Ambiental Rural - CAR. V não implique novas supressões de vegetação nativa. (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012). Além disso, o novo código florestal abre a possibilidade para que em áreas rurais consolidadas seja admitida a manutenção de atividades
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florestais, culturas de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo, bem como da infraestrutura física associada ao desenvolvimento de atividades agrossilvipastoris, vedada a conversão de novas áreas para uso alternativo do solo. No entanto, diante da repercussão e importância do tema para a sociedade brasileira e para a conservação do meio ambiente, as propostas de alterações continuam sendo alvo de um grande debate nacional. Como o assunto ainda não se esgotou, e as discussões seguem no Congresso Nacional, o Código Florestal poderá ser modificado nos próximos meses. Sugerimos aos leitores dessa cartilha que consultem os órgãos ambientais para se manterem atualizados sobre as possíveis mudanças na legislação que ainda venham a ocorrer. Até que uma regulamentação específica da atividade de truticultura na Mantiqueira seja aprovada em Minas Gerais ou no país, sugerimos que todos os truticultores busquem se adequar à legislação vigente, principalmente a relacionada às regras de intervenção em Áreas de Preservação Permanente. E o mais importante: não iniciem qualquer atividade ou instalação de estruturas sem antes consultar os órgãos ambientais. Desrespeitar a legislação ambiental é prejuízo na certa.
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Anexo 01 – DELIBERAÇÃO NORMATIVA (minuta) Dispõe sobre a criação de trutas em região de montanha na Serra da Mantiqueira e da outras providências. O Conselho Estadual de Política Ambiental – COPAM, no uso de suas atribuições................................................................................................. Considerando: I
que os municípios que compõem a Serra da Mantiqueira possuem relevo fortemente acidentados com terrenos localizados em sua maioria em áreas de preservação permanente;
II que a criação de truta de montanha está localizada especialmente na Serra da Mantiqueira devido as condições favoráveis à atividade naquele ecossistema; III que em decorrência de sua localização em uma região com feições topográficas montanhosas constituída, em sua maioria, por Áreas de Preservação Permanente - APP e de Unidades de Conservação, federal e estadual, existe município como o de Itamonte que hoje possui somente 2% (dois por cento) de seu território em áreas planas. IV que o uso e ocupação do solo, na sua maioria, tornou-se extremamente limitado aos munícipes, principalmente, para a comunidade que vive do que produz na zona rural; V que, além da importância da criação de trutas para sobrevivência das pequenas comunidades rurais, a atividade causa menor impacto ambiental para o sistema Mantiqueira que é um dos poucos locais favoráveis à produção de trutas no Brasil, configurando-se em um potencial importante para a geração de divisas e renda;
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VI que o Conselho Nacional de Meio Ambiente-CONAMA, pela Resolução nº 425 de 24 maio de 2010 em seu artigo 1º ,define os casos excepcionais de interesse social em que o órgão ambiental competente pode regularizar a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente - APP, de empreendimentos agropecuários sustentáveis do agricultor familiar, empreendedor rural familiar, e dos povos e comunidades tradicionais, caracterizados segundo critérios da Lei Federal nº 11.326 de 24 de julho de 2006; VII que os criadores de truta da região da Mantiqueira são empreendedores rurais familiares e vivem em estruturas similares aos agricultores e empreendedores familiares rurais descritos no art. 2º da Resolução CONAMA nº 425/2010 e definidos como beneficiários da Lei Federal nº 11.326/2006, inciso I, § 2º , art. 2º. RESOLVE: Art. 1º – Para efeito desta norma a atividade de criação de trutas da região de montanha localizada em área de Área de Preservação Permanente - APP fica declarada de interesse social, nos moldes do art. 2º da Resolução CONAMA nº 425 de 24 maio de 2010. Art. 2º – Para efeito desta norma considera-se o criador de truta da região empreendedor rural familiar aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo simultaneamente, aos seguintes requisitos: 1) não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 hectares (quatro) do módulo rural; 2) utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas
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atividades econômicas vinculada ao próprio estabelecimento ou empreendimento; 3) tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; 4) dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família; 5) explore reservatórios hídricos com superfície total de até 2 ha de lâmina d´água, ou ocupem até 500 m³ de água quando a exploração se efetivar em tanque rede. Parágrafo único – À Autorização Ambiental de Funcionamento - AAF, quando for o caso, deverá ser incluída na declaração firmada perante órgão licenciador que o interessado preenche os requisitos mencionados no caput deste artigo. Art. 3º – A atividade de criação de truta da região da Mantiqueira em área de Preservação Permanente - APP somente poderá ocorrer em casos de inexistência de alternativa técnica e locacional, bem como, quando inexistir vegetação nativa primária e secundária em estágio médio e avançado; Parágrafo único – Fica vedada a atividade objeto desta norma em áreas de nascente. Art. 4º – Para efeito dos parâmetros técnicos a serem adotados pelo criador familiar rural de truta da região da Mantiqueira em relação aos padrões de lançamento dos resíduos no corpo receptor será considerada a Deliberação Normativa Conjunta do CERH/COPAM Nº 001/2008 e Planos Diretores de Bacia. Art. 5º – Esta Deliberação Normativa entra em vigor na data de publicação, revogadas as disposições em contrário.
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Destacamos que a Proposta de Deliberação Normativa apresentada acima ainda não foi aprovada e está tramitando dentro do órgão de meio ambiente do Estado de Minas Gerais. Numa reunião realizada entre representantes da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), da Prefeitura Municipal de Itamonte e da Valor Natural, em agosto de 2011, a Proposta foi entregue ao Secretário Estadual de Meio Ambiente, que assumiu o compromisso de avaliá-la e encaminhá-la para o Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM) para aprovação.
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A Valor Natural é uma associação civil sem fins lucrativos, criada por pesquisadoras da área ambiental, preocupadas em contribuir com a manutenção da impressionante riqueza da fauna, flora e paisagens naturais brasileiras. Para isso, a Valor Natural desenvolve projetos nas áreas de criação e manejo de áreas protegidas, corredores ecológicos, educação ambiental, agroecologia, capacitação profissional, pesquisa e conservação de espécies ameaçadas e seus hábitats, manejo e recuperação da paisagem e desenvolvimento de estratégias para subsidiar políticas ambientais.
realização:
Prefeitura Municipal de Itamonte
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