A memória é mutável. Sintetizada e externada de diversas maneiras, ela representa histórias, lembranças e outros modos de perceber o mundo. Anamnese aborda as faces, a permanência e a fluidez da memória ao longo dos tempos.
SOBRE ANAMNESE O conceito da palavra Anamnese - que dá nome a este suplemento - é muito maior do que apenas o seu significado principal - a memória. Tem sua etimologia vinda do grego anámnesis, que quer dizer “ato de trazer algo à memória”. Em estudos da filosofia platônica, Anamnese é a rememoração gradativa a partir da qual o filósofo redescobre dentro de si as verdades essenciais. Pelos emaranhados e tortuosos caminhos da memória desde seu pioneiro estudo na Grécia antiga muita coisa mudou, menos o ato de documentação dessas lembranças. Vieram os eventos que marcaram a humanidade e que são difundidos até hoje, em aulas de história, livros e revistas. Uma das mudanças foi como os atos de relevância histórica são ou não documentados. A dimória e as técnicas de lembrança. Por exemplo: quem ainda revela fotos hoje em dia? Quem troca cartas? Apesar de ser tudo ‘‘eternizado’’ apenas no online, na nuvem e nos computadores, os métodos físicos de perpetuamento da memória resistem. Um livro usado, por exemplo, ainda desperta a curiosidade através não só de sua narrativa, mas como também do fagulho da lembrança e da história que ele conserva. Essa é uma das inquietações do Anamnese: mostrar quais as faces da memória e como esta sobrevive no caos da tecnologia que caracteriza as vidas atuais.
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Reitor: Sandro Roberto Valentini Vice-reitor: Sergio Roberto Nobre Curso de Jornalismo Coordenadora: Angela Grossi Vice-coordenador: Maximiliano Vicente
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ÍNDICE
O peso dos vestígios escritos ............................. 3 Criamos memória desde sempre, o significado vem depois ....................................4 Aprender é se lembrar ........................................4 Maus hábitos influenciam no aumento do Alzheimer ........................................5 Acumuladores: recordar é um ato saudável? ......................................................6 Memória e percepção: dois elementos que ultrapassam o plano visual.......................................................................6 Sebos sobrevivem ao mercado online mantendo viva a memória e a saudade.................................................................7 Armazenamento digital e preservação oral do passado ................................................................8 Evolução do armazenamento .............................8 Bailes flashbacks resgatam sensações do passado .....................................10 Quantas faces cabem na cidade de Bauru ...................................................................10 Ensaio Fotográfico: “Do fundo do Bauru”............11
Disciplina de Jornalismo Impresso II Professor: João Guilherme D’arcadia Disciplina de Planejamento Gráfico Editorial II Professor: Francisco Rolfsen Belda Av Eng Luiz Edmundo Carrijo Coube, nº 14-01 Bairro: Vargem Limpa CEP: 17.033-360 Bauru, SP Fone: (14) 3103-6063
Repórteres e Diagramadores ANA CRISTINA MARSIGLIA ARIELY POLIDORO DOUGLAS FRANÇOZA GIOVANNA CASTRO GUSTAVO LUSTOSA IURI SANTOS SERGIO PANTOLFI
O peso dos vestígios escritos
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É 1500: Pedro Álvares Cabral ancora sua caravela na praia de Porto Seguro. Na sua frota naval, traz consigo Pero Vaz de Caminha, um escritor que registra em cartas, todos os causos da expedição até seu caminho às índias. Mesmo não chegando ao país asiático, às cartas serviam como instrumento de comunicação entre os navegadores lusitanos e o reino português.
No Brasil não havia a troca de cartas, mesmo que os índios tivessem seus mecanismos de perpetuação de memória e de comunicação, esse foi o primeiro contato do país com a carta. Portanto, é possível dizer que a troca de cartas em terras tupiniquins tiveram início a partir da colonização portuguesa. Isso que desde a sua invenção na Mesopotâmia, a escrita se tornou um marco importante na história do mundo por demarcar a separação entre a história e a pré-história iniciando a documentação dos acontecimentos. O primeiro serviço postal semelhante ao que conhecemos hoje, com pagamento de selos para o envio da correspondência, surgiu na Inglaterra Vitoriana em 1840. O Brasil foi o segundo país do mundo a utilizar o selo, em 1843. Antigamente, a raiz das comunicações eram as cartas. Cartas de amor, cartas oficiais, cartas dramáticas. Receber uma carta é um sentimento único, um nome escrito à caneta no envelope que esteve durante dias viajando até chegar à caixa de correio de casa. Pegar o papel, sentir a letra, um perfume. Existe toda uma mística que envolve desde o abrir a carta, até ler o seu conteúdo, seja do seu amor, do seu amigo, do seu parente distante ou do seu ídolo. A carta é algo que permanece, que dura, algo que foi feito com carinho. É uma das maneiras mais simplistas e sinceras de demonstrar amor. É como olhar nos olhos do outro e dizer o que sente. Uma carta nos remete a fisionomia de alguém, os detalhes, os gestos, as formas de falar. O efeito é estarrecedor. Parece até bobagem vista a praticidade de mandar e-mails, mas é justamente esse o diferencial de uma carta, a sua carga sentimental e como ela envolve quem a recebe. Dentro desse contexto, a partir de uma transformação tecnológica oriunda da revolução industrial a troca de cartas começou a aviar. Rádio, telefone, televisão, internet e smartphones facilitam a comunicação entre os povos do mundo. Não à toa, que é raro encontrar quem ainda troque poemas, prosas, textos e histórias por meio de uma carta. Ela ainda troca cartas Em meio às mídias sociais, a baiana Clara Aguiar, 20, estudante de psicologia conversa com sua namorada que mora em Dublin, Irlanda, por meio de troca de cartas. ‘‘Desde sempre enviar cartas tem sido um mecanismo usado por mim e pela minha família nessa tentativa de encurtar distâncias. Meu pai biológico é gaúcho - e residente em Porto Alegre - enquanto eu fico aqui em Feira de Santana. Para manter contato com ele e a minha irmã enquanto criança, gostava de enviar e receber desenhos e cartinhas via correio nessa tentativa de encurtar a saudade através de uma lembrança física. Deu certo, sigo fazendo até hoje (e o melhor: funciona, ao menos pra mim)’’. Segundo Clara, a ideia sobre a troca de cartas com tem um viés sentimental e íntimo e isso facilita o contato entre elas. Ela afirma ainda que as correspondências sempre fizeram parte da sua vida. ‘‘Como as cartas são bem simbólicas nos meus relacionamentos, costumo dizer que elas são pequenos recortes de vivências com as pessoas que amo. Recebê-las é sempre especial e envolve Clara Aguiar, que escreve cartas desde que é um processo de expectativa com a espera, alegria com a chegada e reminiscência de uma história criança (Foto: Reprodução/Facebook) compartilhada’’, conclui.
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“Criamos memória desde sempre, o significado vem O especialista Edson Olivari explica como formamos depois”
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memória afetiva e os seus fatores sensoriais
comum que escutemos de nossos avós: “na minha época era muito melhor”, “as coisas eram mais simples”. O afago e a dor da memória estão tão relacionados com a nossa natureza quanto com a mudança da sociedade, nas histórias e estórias. As lembranças que guardamos fazem parte do nosso processo de desenvolvimento. O psicólogo Edson Olivari observa que “temos memória desde o começo da vida, a questão é que aquilo que foi vivido só vai receber um significado mais tarde. Essas coisas ficam registradas, principalmente afetivamente falando, em fragmentos, porque a memória temporal do bebê não é contínua”. Segundo ele, apenas tomamos conta de significar essas memórias no final da adolescência. No decorrer do cotidiano, nossa atenção se volta para coisas específicas. Desses eventos, retiramos o que vamos guardar. “A
consciência é só um lugar onde uma luz está focando. O resto todo da nossa experiência fica na penumbra, vão ter marcas dessa experiência na penumbra que não se tornarão conscientes”. Por outro lado, “se essa luz for lançada a elas, a pessoa vai construir uma determinada história, então a luz sempre vai focar num lugar e
“Em algumas situações o cheiro foi mais presente, para outras a cor ou a sensação térmica, essas coisas são marcadas pela força da associação que se faz. Isso tem a ver com a pregnância dessa associação”
Aprender é se lembrar
Iuri Santos deixar muito espaço afora”, afirma Edson. Nossa memória afetiva pode se desenvolver por sentidos, e nós a revivemos recordando deles. Os avanços técnicos reelaboram nossarelação com a memória. A frase “na minha época era melhor” é tanto um espelho do nosso resgate afetivo quanto da passagem do tempo e da história. Sobre o avanço tecnológico de armazenamento, Edson afirma que “está surgindo uma nova configuração subjetiva. Mas se lembrarmos, isso já aconteceu na história, quando se inventou a escrita, quando se inventou a imprensa, a televisão”. Em reflexão, ele sugere que a própria ‘saudade’ está mudando: “se eu estou o tempo todo falando com uma pessoa, ou quando eu estou com saudade dela eu estou com saudade do que? da presença física? do cheiro? da pele?”.
ou seja, a fatos, pessoas e lugares. No cérebro, o lobo temporal é a parte responsável por gerenciar as memórias, dentro dele, as estruturas mais importantes são os hipocampos. É através dos neurônios do sistema nervoso que informações obtidas através dos órgãos sensoriais chegam até o cérebro.
os processos neurais do funcionamento do cérebro estão intimamente ligados a aprender coisas novas
S
Gustavo Lustosa
e te perguntarem qual foi sua última refeição, provavelmente você conseguirá responder sem problemas. Mas e se te perguntarem sobre seu almoço neste mesmo dia só que há três anos? Se não se tratar de uma data comemorativa, naturalmente você não saberá a resposta. Mas por que isso ocorre? O cérebro funciona de formas distintas para armazenar informações. Nós podemos adquirir lembranças por dois jeitos: de curto e de longo-prazo. As primeiras são apenas temporárias e limitadas, servem para dar uma continuidade no raciocínio, como um almoço corriqueiro, que facilmente é esquecido algum tempo depois. A médica neurologista Mariana Oliveira comenta que as memórias de longo prazo podem se dividir em dois tipos: a implícita e a explícita. A primeira é inconsciente, relacionada a procedimentos e habilidades automáticas como andar de bicicleta por exemplo. A segunda é a relativa ao consciente,
Ilustração feita no site Canva. Créditos: Gustavo Lustosa
Como aprendemos coisas? Se não tivéssemos a capacidade de recordar episódios, não conseguiríamos aprender nada. Caso não lembrássemos das coisas, não poderíamos raciocinar e tirar proveito de uma experiência prévia. Portanto, aprendizagem e memória estão intimamente ligadas, elas são o suporte para fazermos planejamentos e obtermos habilidades. Outro fator importante que deve ser considerado é o emocional. Nosso Sistema Límbico, que é aquele responsável pelas emoções e comportamentos sociais, junta estruturas nervosas importantes para a aprendizagem. Mariana considera que aspectos emocionais positivos podem então, facilitar um aprendizado. “Uma pessoa em aprendizado que se encontra emocionalmente envolvido e motivado auxilia efetivamente as funções cognitivas e executivas a operarem de forma integrada e internalizada. O inverso ocorre com emoções negativas, como ansiedade”, afirma.
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E quando a memória falha?
Maus hábitos influenciam o aumento do Alzheimer
Atualmente estima-se haver cerca de 46,8 milhões de pessoas com demência no mundo Sergio Pantolfi
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Alzheimer afeta mais de 100 mil brasileiros por ano. A doença consiste na quebra das conexões celulares cerebrais, assim, as próprias células se degeneram e morrem, eventualmente destruindo a memória e outras funções mentais importantes. Segundo a Associação Brasileira de Alzheimer, a enfermidade atinge 1,2 milhão de pessoas em sua maioria acima de 60 anos. Segundo o último Censo, 19,6 milhões de brasileiros são idosos, (10% da população.) Com a taxa atual de fecundidade de 2,1 filhos por mulher e a expectativa de vida aumentando, a tendência é que a população estabilize até 2030, ou seja, está ficando velha. A doença é mais comum conforme a idade avança. Em um estudo de 2004, Ricardo Nitrini, professor da USP, observou que, após os 65 anos, a taxa de demência dobra a cada cinco anos. O Alzheimer é responsável por mais da metade dos casos de demência acima dos 65 anos, segundo o Ministério da Saúde.
que gera placas capazes de destruir as conexões entre as células. Outra causa conhecida tem a ver com uma proteína, chamada Tau, que forma novelos prejudiciais aos neurônios. Os maus hábitos também são colocados como inimigos em relação ao bem-estar. O sedentarismo, a obesidade, o excesso de bebidas alcoólicas e entorpecentes podem influenciar quem tem predisposição ou casos na família. A comunidade científica ainda não identificou a real relação entre a hereditariedade e a aparição da doença. Para o neurologista Guilherme Junqueira, a doença está ficando mais normal já que os hábitos da sociedade estão mudando ‘‘Uma vez que a obesidade está aumentando e principalmente casos que envolvem uso de entorpecentes, o comportamento da sociedade tem mudado e é claro que isso impacta tanto no corpo, quanto na cabeça de cada pessoa’’. Ele ainda ressalta que o cuidado com quem tem a doença é vital, e que práticas simples ajudam a manter uma convivência tranquila ‘‘ A família é a principal fonte de apoio sobretudo para os idosos. Causa incerta Não questionar, argumentar ou indagar Por mais que os avanços na medicina neuro- a pessoa portadora de Alzheimer, é um lógica tenham sido extremamente importan- bom começo para uma relação saudável. tes, ainda não se conhece exatamente o que causa o Alzheimer. O pouco que se sabe é em Modernidade relação ao aumento de uma proteína chamada beta-amiloide nas redondezas dos neurônios, O Alzheimer foi descoberto em 1906 na
Relembra o passado e atribui como se fosse uma memória do presente Total dependência Incontinência urinária e fecal Mutismo Imobilidade Crescente
Dificuldade em reconhecer familiares e amigos Perde-se em ambientes conhecidos Movimentos e fala repetitiva Distúrbios do sono Início de dificuldade motora Vagância e alucinações
França pelo psiquiatra e neuropatologista alemão Alois Alzheimer. E desde então, o número de casos no mundo tem aumentado significativamente logo após as duas grandes guerras onde houve o boom industrial e tecnológico nas maiores potências mundiais. Ou seja, as limitações recentes da memória também podem estar ligadas à difusão em meios tecnológicos.
Dificuldades Além de agravar a demência, o Alzheimer complica desde as tarefas cotidianas, até as mais complexas. Algo simples como lavar a louça ou tomar banho podem se tornar trabalhosos afazeres. Quem sofre com a doença acaba perdendo a autonomia e o controle do próprio organismo, gerando assim uma dependência. A irritabilidade também é comum em alguns casos porque a pessoa não consegue entender a sua real condição e muitas das vezes sofrem bastante com a situação O preconceito e os cuidados também são tabus em relação à enfermidade. Uma vez que as pessoas afetadas se tornam mais sensíveis. Muitos dos casos de maus tratos a idosos acontecem por cuidadores ou até mesmo pelos filhos que se aproveitam da circunstância debilitada da pessoa para tirar proveito para algo a seu favor. Na maioria dos episódios, os idosos sofrem de Alzheimer.
Lapsos de memória pontuais Dificuldade em resgatar lembranças quando se está estressado ou doente Ansiedade, ilusão e desconfiança Complicação em tarefas diárias
Memória e percepção: dois elementos que ultrapassam o plano visual
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A memória é um elemento puramente visual? Aqueles com deficiência visual podem provar o contrário
Ariely Polidoro
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auditório é grande. Ao fundo, há um painel todo colorido que se complementa com outros elementos, como brinquedos, e dá suspeitas sobre o que a peça quer contar ao público. Logo aparecem os primeiros personagens. Eles vestem roupas pretas, mas seus aventais também têm cores vibrantes. Os atores chegam em fila indiana e tateiam todo o espaço. Não bastasse isso, no chão do palco estão colados tapetes que os ajudam a perceber o caminho que deve ser feito. Mas para que tudo isso? A resposta é simples: todos eles têm deficiência visual. A peça de teatro ”Sempre é tempo de aprender” é organizada pelo Lar Escola de Cegos Santa Luzia de Bauru. Nela, temas como bullying e sustentabilidade são abor-
dados de forma simples e didática. A voluntária da instituição e artista plástica aposentada, Rosa Maria Riccó Plácido da Silva, conta sobre os elementos físicos que ajudam os atores durante a apresentação. “Nós temos que ter os pontos de apoio. Nesse (espetáculo) a gente põe cadeiras para fazer a marcação, os tapetes tácteis. Então, se eles não têm nada na frente, têm os tapetes que dão a segurança. Eles entram e já sabem onde está a primeira cadeira e dali também sabem que a quarta cadeira vai dar no balcão, por exemplo”, detalha Rosa. Mas, para além de apresentações teatrais, é importante destacar que há diferenças na memorização e percepção entre pessoas com deficiência visual adquirida, ou seja, aquelas que ficaram cegas por algum acon-
tecimento ao longo da vida, e pessoas com deficiência visual congênita, aquelas que já nasceram com cegueira. “O formato de uma fruta, a imagem de uma ave, um ipê florido, enfim, eles (os que têm deficiência visual adquirida) já tiveram acesso a isso, então está registrado no córtex”, explica a psicóloga Edi Yamamoto . Ela também pontua que é importante saber trabalhar com métodos diferentes para esses dois tipos de deficiência visual. Para os cegos de nascença, Edi trabalha com formatos e texturas. “Eu faço algumas gincanas e levo frutas e legumes bem diferentes. Eles vão ter o conhecimento através do tato, da sensibilidade. Então, eles vão formando a memória daquilo que estão tocando”, finaliza.
Acumuladores: recordar é um ato saudável? Guardar e acumular, duas palavras que apesar de possuírem um intuito parecido tem suas causas distintas
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uitas pessoas têm o costume de guardar objetos que lhe remetem a algum tipo de memória afetiva, como um livro, fotos ou algum brinquedo da sua infância, sendo assim, uma forma de lembrar um pouco do seu passado. Porém, para alguns, esse ato de guardar acaba se tornando intensivo e prejudicial à saúde. A acumulação intensiva ou o transtorno de acumulação está no ato de armazenar e no envolvimento emocional que o indivíduo traz com aqueles objetos, uma vez que acredita que possa precisar daquelas coisas no futuro. Em alguns casos esse transtorno se manifesta a partir de algum evento traumático como a perda de alguém próximo ou trans-
Ana Cristina Marsiglia tornos psíquicos,por exemplo, a ansiedade. De uma forma geral essas pessoas mantêm sua condição em segredo ou acreditam que Uma pesquisa feita pela Unidade de não possuem esse distúrbio. Sobre como auxiliar uma pessoa acumuVigilância em Saúde (UVIS) no períoladora, a psicóloga Sarah Teixeira comenta do de 2002 a 2015 mostra 493 registros que é necessário identificar eventuais exde acumuladores só na cidade de São cessos e partir disso, tentar conversar com a pessoa e ver se é caso de procurar uma ajuda Paulo, tendo deste total 72,6 % dos profissional para assim tentar compreender o casos (358 casos) um diagnóstico de comportamento e a origem a partir da históacúmulos de irreversíveis. Os nortes-a- ria do indivíduo em questão” completa. Tratando-se da memória afetiva, a psicómericanos já possuem essa realidade loga comenta também que pode haver uma de maneira mais bruta tendo 6% da relação, pois em algum momento do passado população americana caracterizada a pessoa pode ter relacionado o comportamento de guardar coisas como algo que seria com esta doença. muito valioso.
Sebos sobrevivem ao 7 mercado online mantendo viva a memória e a saudade No centro de Bauru, sebos pertencem a famílias que seguem tradição no mercado Douglas Françoza
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m uma velha fachada, uma pequena porta dá acesso a uma bancada que recepciona aqueles que chegam ao Sebo do Bau, na avenida Treze de Maio com a Rodrigues Alves. O estabelecimento segue à risca o que se espera de um sebo; um ambiente escuro e um corredor estreito em um dos pontos mais movimentados da cidade de Bauru e onde o comércio é feroz. Qualquer um se surpreende ao entrar. Uma escada dá acesso a um segundo andar repleto de salas arrebatadas de estantes e caixas lotadas de livros inevitavelmente empoeirados. Nas paredes, frases sobre a importância da leitura e do livro ambientam e complementam o local. Roberto Francisco administra esse sebo há, pelo menos, 19 anos. Anos antes da inauguração do endereço, sua família lutava para manter uma espécie de banca (que já havia se tornado mais um sebo do que uma banca) perto dali. “Meu pai tinha essa banca, que recebia muitas doações de livros e revista, e ao lado tinha também um estacionamento. Quando eu fiquei desempregado vim trabalhar com ele e no começo nãoqueria saber de sebo. Olha como é a ignorância, viu ?”, conta o comerciante rindo de si mesmo. Mais tarde, a família de Roberto perdeu o terreno para uma grande empreendedora e ele e seu pai montaram seus respectivos sebos.
História
Roberto Francisco, 55 anos, dono do Sebo do Bau. (Foto: Reprodução/Facebook)
O senhor João Francisco, pai de Roberto, aos 91 anos, é dono de um sebo há menos de um quarteirão do seu. Infelizmente, durante a produção da matéria, João tinha acabado de sofrer um acidente e estava em repouso na casa do filho. Mas se você pensa que a herança familiar no ramo é uma exclusividade de Roberto, você está enganado. Perto dali, na avenida Antônio Alves, Drielly Guerra é quem ajuda o pai a tocar um sebo um pouco mais novo, inaugurado há 11 anos. “Toda a família da minha mãe já trabalham com sebo nas cidades da região, em Marilia, São José do Rio Preto, entre outras. Meu pai tinha uma loja em Ourinhos que acabou de ser vendida para o meu primo”, conta a Drielly. Enquanto acompanhamos o fechamento de diversas redes de livrarias que perderam espaço para gigantes das vendas online, os tradicionais sebos mantêm-se firmes. De acordo com Drielly, a quantidade de vendas diminui com a crise. Apesar disso, o Sebo Literário investiu em vendas online em 2008, quando isso nem era ainda uma febre. “A vantagem é que se a loja física vai mal, a loja online nos compensa”, afirma a dona.
“Eu peguei gosto quando eu vi que as pessoas vinham aqui tristes ou desempregadas e pegavam um livro para estudar e passar no concurso. Eu fazia um trato com eles: eu faço o livro barato, mas você me passe nessa prova”, explica Roberto. Quando o assunto é o material, ambos não poupam esforços para conseguir o melhor. “A gente se enfia em fazenda, coloca bota, luva, máscara e se enfia em lugares horríveis”, conta Roberto. Após a entrevista, Drielly foi viajar em busca de novos livros. “Nós sempre viajamos para procurar novos livros e atualizar os produtos”, afirma a dona do Sebo Literário.
Tradição Roberto, por outro lado, é mais tradicional e provoca: “Sebo novo não sobrevive. Não é facíl”. Ele afirma que o que mantém o público, além do preço mais acessível, é a memória. “Sebo é lembrança, sebo é memória”, afirma o comerciante emocionado. Roberto conta que já viu vários TCCs e teses de doutorado sendo produzidas ali e que uma das maiores emoções é ajudar aqueles que querem estudar, passar em um concurso ou vestibular.
Preciosidades Roberto diz que tem muito carinho por tudo que tem no sebo e, às vezes, dói ver algumas coisas indo embora. Segundo o comerciante, são as memórias e a vida dele e de outras pessoas. “Eu tenho um livro da história de Bauru, que é muito antigo e caro. Ele é de capa dura e eu o guardo em casa”, revelou como se fosse um segredo de estado. Entre as preciosidades da loja estavam as antigas playboys da apresentadora Xuxa Meneghel. “O preço delas variava de R$ 1,5 mil a R$ 2 mil”. Discos também têm se tornado valiosos. “Tem um do Sabotage que eu vendi por 800 reais”, conta, orgulhoso.
Em entrevista para o “Anamnese”, o professor falou sobre questões envolvendo as novas funções de armazenamento, a alteração na relação dos suportes na memória, desde a mudança da mídia física para a digital até a transmissão mnemônica e oral da memória.
8 Armazenamento
digital e preservação oral do passado Iuri Santos
De forma sucinta, o que é memória coletiva? É um processo de elaboração de um certo referencial que um certo grupo tem sobre o passado. Coletiva no sentido em que um grupo mantém algumas informações que são relembradas sobre um passado específico ou vários passados.
Então ela funciona como o senso comum? Inercialmente?
O professor de história da Unesp, Célio Losnak, fala sobre proeminência do desenvolvimento de métodos de memória digital em relação à memória coletiva (FOTO: Gustavo Lustosa)
É. O grupo vai reproduzindo determinadas lembranças que ele considera boas, considera das caracterizadoras do próprio grupo, sua trajetória, sua origem, valores e o que é importan te para eles.
Uma evolução no
ARMAZENAMENTO Gustavo Lustosa
No decorrer da história, o modo como armazenamos memórias e dados mudou muito. Dispositivos eletrônicos sofreram evoluções ao longo do tempo. Veja nessa linha do tempo que mostra alguns modelos e suas evoluções de capacidade de memória.
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Você vê o desenvolvimento de Como podemos ver materialmente a métodos de armazenamento,comoa aplicação da memória coletiva? Um nuvem, alterando a forma como a exemplo de grupos resgatando me- memória coletiva é preservada? mórias, mesmo que para aprimorar Ou mesmo a individual e cultural. técnicas por exemplo: tribos indígenas que mantêm técnica de caça. Pergunta difícil. Autores dizem que essas fontes estão substituinO que é importante observar: tradicionalmente a memória é uma reprodução oral, então em sociedades iletradas a memória é um elemento fundante de constituição dela, de permanência, no caso você citou a sociedade indígena ou em uma sociedade camponesa, a arte, o conhecimento das plantas, as tradições religiosas, o conhecimento da terra, da natureza, tudo isso numa sociedade iletrada é transmitido oralmente, então a memória aparece na sua expressão mais plena, mais viva. Agora, a gente pode considerar que existem suportes de memória também, por exemplo, o álbum fotográfico de uma família, ou o diário de alguém.
do a memória. Agora, sob um aspecto, salvamos digitalmente as fotografias, não é mais um álbum impresso. Temos acervos de jornais, porque todo arquivo, todo museu, pode ser entendido como um espaço de memória, de acervo de memória, então os arquivos digitais se constituem em uma estratégia de guardar memória mas é importante de se observar que a ideia da memória é de que, as informações guardadas sejam resgatadas pelas próprias pessoas que produziram aqueles materiais, para relembrar a vida ou buscar interpretar materiais que outros deixaram. Por outro lado, há uma tendência hoje, talvez fazendo parte do mesmo movimento, da desconsideração da transmissão oral, e da questão mnemônica, as pessoas estão menos ligadas ao passado.
Você acha que o jovem hoje já não se preocupa mais em preservar memória oral? Ele delega isso pros meios digitais? Não vou ser assertivo, talvez tenha na medida em que a disponibilização das informações todas em meio digital e o acesso, em tese, fácil, libera as pessoas de se preocuparem em terem as informações guardadas, tanto na forma escrita quanto em imagem ou até mnemônica. Vou dar um exemplo: as pessoas talvez hoje se preocupem menos em memorizar ou ler com mais atenção porque a qualquer momento elas tem aquela informação disponível online, portanto, podemos acessar. Mas não nos esqueçamos, nós não temos a posse dessa informação, elas estão disponíveis por empresas, precisamos ter conexão e em alguns casos ter acesso aos provedores que mantém essas informações. Então são dois problemas: acesso à internet e a provedores específicos.
Bailes flash back resgatam10 sensações do passado A música está diretamente ligada à memória afetiva das pessoas Ana Cristina Marsiglia
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om o passar dos anos, a nossa mente armazena lembranças e sensações que com o tempo vão se perdendo na nossa memória. Músicas, fotos, livros e dentre outras coisas auxiliam a recuperar esse “passado perdido”. Os bailes flash back acabam sendo uma forma de relembrar um momento, uma vivência passada e a construção desses eventos terminam por resultar numa volta no tempo não só no âmbito musical e sim em um contexto por completo. “As músicas mais antigas estão cada vez mais no dia a dia de certa parte das pessoas e isso já vem aumentando já faz uns 5 anos”. É
o que aponta o contabilista Pedro Andreassi, que tem como hobby tocar em bailes flash back em Bauru há 10 anos. Ele comenta que seu público é em grande parte de pessoas que nasceram entre os anos 60 e 80, principalmente casais que querem reviver sua juventude e não conseguem isso a partir das músicas atuais. Essa é uma queixa do público mais velho em relação à mudança do meio musical. Grande parte das letras é mais sucinta e não traz a “mensagem” esperada por essa parcela das pessoas. André ainda sustenta que o comentário mais frequente é: “pena que hoje em dia não
fazem mais música assim”. De acordo com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição Direitos Autorais (Ecad) às músicas mais tocadas em casas de diversão no ano de 2016 foi em primeiro lugar “Aquele 1%” em segundo “Assiste aí de camarote” e em terceiro “Sosseguei”. Essas três músicas que são do gênero de sertanejo, o que comprova a preferência atual dos brasileiros a esse estilo musical do que a baladas mais românticas como nos anos de 1960, e algumas letras possuem uma mensagem mais reduzida que seria o motivo de algumas críticas de um público um pouco mais velho.
Quantas faces cabem na cidade de Bauru?
Pouco se sabe sobre a história de Bauru, mas cada pessoa tem sua própria memória sobre ela
A
cidade de Bauru foi fundada em 1896, muito tempo antes da criação do lanche de mesmo nome, que surgiu apenas em 1937 e que, ao contrário do que muitos pensam, não foi inventado na cidade, mas sim em São Paulo. Apelidada carinhosamente de “cidade sanduíche” por conta da coincidência entre os nomes, Bauru, no entanto, renegou o símbolo, destinando a estátua icônica do “Bauruzinho” a um canto pouco notório da rodoviária do município. Segundo o antropólogo e professor Cláudio Bertolli Filho, a negação do “Bauruzinho” como símbolo da cidade tem a ver com a identidade requerida pela população bauruense, que acha a estátua “simplória” e “feia” demais para representá-los. Ele explica ainda que é a partir deste abandono de símbolos identitários e da escolha de outros que uma nova memória sobre determinado local e povo é transformada aos poucos. É possível notar ainda que Bauru possui poucos prédios antigos, assim como museus e elementos urbanos preservados.
o Bauruzinho, estátua símbolo da cidade. (Foto: Reprodução/Twitter)
A falta de referências à história da cidade também é perceptível através dos nomes das principais avenidas e praças, que levam nomes universais e que pouco remetem a nomes locais, como “Avenida das Nações Unidas” e “Praça da Paz”. Para Bertolli, o município praticamente “destruiu” seu passado durante o processo de modernização.
Giovanna Castro
Os meios de comunicação também têm grande influência quando o assunto é a construção de memória sobre uma cidade na medida em que relembra e afirma constantemente nomes e símbolos que ficarão gravados no imaginário coletivo. É por isso que, ao se falar do Rio de Janeiro, se pensa em Cristo Redentor e ao se falar de Holambra, automaticamente se pensa em flores. A memória coletiva de uma cidade é, entretanto, diferente da memória afetiva, explica o professor. Isto é, apesar de existir um imaginário coletivo sobre um lugar, cada cidadão ou turista tem uma visão diferente daquele espaço ao ponto em que cada pessoa consome e constrói a sua própria memória de maneiras diferentes. A Bauru de uma pessoa que nasceu na região e viveu toda sua vida nela é diferente, portanto, da Bauru do jovem universitário que deixa sua cidade natal para viver no município apenas durante seu tempo de formação, ou ainda daquele que nasceu e viveu em Bauru há décadas, mas hoje vive em outra cidade.
Ensaio Fotográfico: 11 “Do Fundo do Bauru” Bauru. A cidade sanduíche tem seus primórdios na disputa entre duas tribos indígenas: os caigangues e os guaranis. Algum tempo depois, foi uma das mais importantes cidades cultivadores do café do oeste paulista, este grão, que foi responsável pela grande urbanização da cidade. O outro contribuinte para o crescimento da cidade foi a criação da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, em 1905. Este ensaio tem como objetivo fazer uma retratação de pontos importantes da cidade, seu centro, suas ruas e seus espaços comunitários. As fotos antigas utilizadas nesse ensaio foram retiradas do acervo histórico do site da Prefeitura de Bauru. As fotos novas foram tiradas em novembro de 2017.
Fotos por Ana Cristina Marsiglia e Gustavo Lustosa Texto por Gustavo Lustosa
Rua Batista de Carvalho
Foto: Ricardo Ursulino (Acervo da prefeitura municipal)
A rua é o coração do centro de Bauru. As fotos são do prédio que está no cruzamento da Batista com a Virgílio Mata. A rua virou calçadão em 1994. Os andares de cima estão com uma placa de alugase. o nome da rua é o de um antigo morador chamado João Batista de Carvalho. quando começaram a dar os nomes às ruas ele fez uma plaquinha e escreveu “Rua dos Esquecidos”, porque ela não tinha nome. O prédio atualmente é o da loja Foto: Ana Cristina Marsiglia “Q Bela”.
UNESP/Cantina da FEB
A Faculdade de Engenharia de Bauru foi fundada em 1967. Neste ano, entrou em atividade o curso de Engenharia Mecânica e, no ano seguinte, os cursos de Engenharia Civil e Elétrica, os quais eram mantidos pela Fundação Educacional de Bauru. Em agosto de 1988, a Universidade de Bauru foi incorporada à UNESP e os cursos de Engenharia e Tecnologia foram agrupados numa única Unidade. As fotos são da cantina da faculdade. Alguns anos depois as outras faculda- Foto da construção do campus, em meados dos anos 60 Foto: Gustavo Lustosa des foram surgindo. (acervo do site memorial.feb.unesp)
Av. Dr. Otávio P. Brisolla
Foto da Brisolla nos anos 60 Foto: Gustavo Lustosa (Ricardo Ursulino/acervo da Prefeitura Municipal)
Uma das maiores e mais importantes avenidas de Bauru. nasce na Vila Santa Tereza (região da avenida Duque de Caxias) e segue até o Aeroclube de Bauru, região do Bauru Shopping. Nela também está localizada a Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB/ USP). Seu nome é uma homenagem ao jornalista e prefeito de Bauru: Otávio Pinheiro Brisolla.
Coreto da Praça Rui Barbosa
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A praça central da cidade é fruto de um projeto do início do século XX, foi implantado em 1991. A praça era um local extremamente arborizado com inspirações nos jardins botânicos das grandes capitais. Passou por inúmeras mudanças para chegar em sua condição atual. Recentemente, uma professora de Arquitetura da Faac/Unesp concretizou uma pesquisa sobre a história da praça.
Coreto da praça, localizado de frente para a igreja Foto: Ana Cristina Marsiglia (Ricardo Ursulino/acervo da Prefeitura Municipal)
Estação Ferroviária
Um dos marcos históricos da cidade de Bauru, a antiga estrada de ferro Noroeste do Brasil foi construida em 1905. Sua linha-tronco ia de Bauru-SP até Corumbá-MS, na divisa com a Bolívia. A estação de madeira (primeira foto) durou até novembro de 1938, quando começou a ser desmontada. Em 1939 foi inaugurado a enorme estação Noroeste (segunda foto). A estação ja foi considerada a terceira maior do país. O único elemento que restou da construção original de 1906 foi a placa contendo sua data de inauguração. Estação ferroviária Noroeste do Brasil, em 1906 O prédio construído em 1945 A estação atualmente é onde está lo(Ricardo Ursulino/acervo da Prefeitura Municipal) Foto: Ana Cristina Marsiglia calizado o museu municipal da cid ade
Parque Vitória Régia
O parque localizado em meio a Avenida das Nações Unidas atualmente é referência em espaço público na cidade. Foi construído em 1963 pelo arquiteto Jurandyr Bueno Filho. É responsável por sediar a maioria dos eventos de grande porte que ocorrem na cidade como a Semana do Hip-Hop, aniversário da cidade, parada da diversidade, dia do trabalhador e Virada Cultural Paulista. Também é muito utilizado para praticar esportes, caminhadas e como um espaço de lazer
Construção do anfiteatro do parque, nos anos 60 Foto: Ana Cristina Marsiglia (Ricardo Ursulino/acervo da Prefeitura Municipal)
Bosque da Comunidade
Localizado na quadra 28 da Rua Araújo Leite, em meio às ruas, aos prédios e ao trânsito da cidade de Bauru, se encontra o Bosque da Comunidade. Foi fundado no ano de 1977 pelo então prefeito Oswaldo Sbeghen quando foi levado uma locomotiva até o terreno. Numa forma de preservar a memória da cidade. Possui uma área de lazer e árvores de diversas espécies como paineras, eucaliptos e jambolões. Possui uma pista de caminhada de 500 (Ricardo Ursulino/acervo da Prefeitura Municipal) metros de extensão.
Foto: Gustavo Lustosa