Revista Arabutã

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edição nº1

arabutã

novembro de 2018

Revista Arabutã - Edição 1

Os novos nomes da mpb

o legado do cinema novo brasileiro

a cena do hip hop tupiniquim


G A P O R P


G

A D N A


Arabutã - Edição 1

arabutã Edição 1 - novembro, 2018

REPORTAGEM:

CAIQUE RESENDE DOUGLAS FRANÇOZA GUSTAVO LUSTOSA IURI SANTOS MARINA KAISER PAULA BETELLI SERGIO PANTOLFI

DIAGRAMAÇÃO:

GUSTAVO LUSTOSA IURI SANTOS MARINA KAISER

Revista produzida durante as aulas de Jornalismo Impresso III e Planejamento Gráfico III, na Unesp de Bauru, pelos professores:

Mauro de Souza Ventura e Mara de Santi. Av. Eng. Luís Edmundo Carrijo Coube, 14-01 - Nucleo Res. Pres. Geisel, Bauru SP, 17033-360 Telefone: (14) 3103-6000

4| Novembro de 2018

5 Editorial 6 Desmistificação da arte Brasileira 18 Análise dos planos de Governo 22 Entrevista - Magu 28 Grafiti como forma de expressão 34 Crônica - Priim Priim 36 Resenha - Rita Lee 38 Quadrinhos no Brasil

ESPECIAL CINEMA 42 Pornochanchada 45 O legado do Cinema Novo 47 O Brasil no Oscar 52 Cronica - o cinema Brasileiro

sumário 14

Censura na arte Nos ultimos anos, diversas exposições e manifestações artísticas sofreram repressão. voltamos para 1964?

63 as novas caras da mpb Como anda o cenário atual do gênero? entrevistamos Luedjí Luna e Tiê para descobrir

68 Entrevista 54 O Brasil na Netflix 56 Animações brasileiras 59 Diversidade no Pop 74 Museu Itinerante da língua portuguesa 81 A arte Naif 84 Teatro Ágora

- Selvagens a procura de lei Dos palcos undegrounds do Ceará para todo o Brasil


editorial

Arabutã é a genuinidade do Brasil. É autêntica e coloca

em evidência a brasilidade da forma mais natural possível. E quando falamos de brasilidade, não falamos só dos brasileiros de corpo e alma, mas sim de todos os povos que compõem a nação. Há uma busca de sentido para a dinâmica da aventura moderna brasileira. Sabemos que estamos diante de um País múltiplo, variado, desigual, complexo e contraditório Somos cria da miscigenação que corre por essas terras e leva diversidade a um país tão enorme. Valorizar o que é nosso, não significa negar as nossas origens sejam elas vindas dos continentes Africano ou Europeu.

As paredes que separam e ao mesmo tempo unem as classes sociais, as distinções culturais, o popular e o culto, seus problemas específicos, os processos que atribuem nossas semelhanças e diferenças, a nossa rotina, os jogos de azar, a indústria cultural como forma alienante e alienada, as vivências e experiências modernas, nas expressões artísticas, na política, nas condições de cidadania e tantos outros mais. A cultura abrange tudo. Nesta edição da Arabutã tem como principal objetivo, dialogar entre as mais diferentes multifacetas culturais brasileiras, desde o cinema, até a música e a política. Alternar entre história e contemporaneidade expondo as diversas formas de fazer cultura, política e arte. Boa leitura!

Da equipe Arabutã

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Arabutã - Edição 1

Desmistificação da arte brasileira Por: Marina Kaiser 6| Novembro de 2018


Quando tudo é arte, ou nada é arte, como refletir crítica e politicamente?

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Bienal da Arte de São Paulo ocorre a cada dois anos, desde 1951. Maior exposição do hemisfério sul, é pautada por questões inovadoras e coerentes com o momento contemporâneo: a 29ª Bienal, por exemplo, teve base no pensamento de que é impossível separar arte e política. Algo que Verônica Sales, professora da Unesp - Bauru, ressalta ser fundamental, porém resguardando a autonomia estética da arte. “A expectativa pela exposição de suas obras e visi-

bilidade delas é alta, e, por se tratar de um espaço que, assim como em várias partes do mundo, a arte pode ser exposta, divulgada e reverenciada, assim como os objetivos a que se propõe, acredito que a relevância da Bienal da Arte sempre foi e sempre será muito grande”, afirma Roberta Cava, professora substituta de Cultura Brasileira na Unesp - Bauru. Paula Machado, responsável pelo ateliê de fotografia Além do Visível, afirma que a importância da Bienal se dá pelo seu tamanho, o capital que movi

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Arabutã - Edição 1 menta, as temáticas que propõe e ações educativas que vem desempenhando com o público jovem. “É pelo dispositivo Bienal que podemos ter acesso a artistas estrangeiros que possuem trabalhos que estão fora do circuito comercial, por exemplo”, afirma Machado.

Apesar de ser considerado um dos três principais eventos do circuito artístico internacional, ao lado da Bienal de Veneza e da Documenta, pode-se pensar que perdeu um pouco de sua força e relevância com o passar dos anos. “Antigamente, ela [Bienal da Arte de São Paulo] era uma referência muito importante e defendia momentos de expressão artísticas em qualquer país, portanto refletindo vários pensamentos culturais, identitários e sociais desse momento. O que aconteceu, principalmente aqui no Brasil, é que as nossas Bienais já não tem mais tanto esse poder, perderam muito a força, se tornaram muito efêmeras”, aponta Ana Beatriz Pereira, professora da Unesp - Bauru.

Rossi, professor na Unesp - Bauru, isso é um reflexo do momento em que vivemos atualmente, onde nada é livre. Para ele, retomar a liberdade perdida neste contexto pode ser considerado um luxo. Sales concorda com esta posição, afirmando que este tema pode significar “livre da censura ou do obscurantismo”.

Machado aponta que a proposta do curador da exposição deste ano é criar uma reflexão a respeito das relações afetivas que criamos ao entrar em contato com uma obra e o que ela diz sobre nós. “O tema da Bienal desse ano é mais o ‘como’ do que ‘o que’ exatamente. A arte está aí, sendo produzida como nunca, mas como consumimos? Estamos abertos para perceber algo, para dialogar com os trabalhos? O artista está fazendo sua parte, pensando o mundo, criando outras maneiras de se relacionar com ele, e nós? Procuramos um sentido, uma legenda, um texto do curador que nos explique o que estamos vendo. Não nos esforçamos, não queremos o diálogo nem no campo das artes”, afirma ela. “Como pensar a arte, como consumir a arte. Como Este ano, o tema escolhido pelo curador Gabriel pensar a vida, como perceber a vida. É disso que se Pérez-Barreiro foi livre (e exposição foi nomea- trata a Bienal desse ano. Nada mais oportuno… esda “Afinidades Afetivas”). De acordo com Dorival tamos em meio a um processo eleitoral reflexo des-


sa falta de ouvir, tolerar, compreender e negociar”, completa Machado.

micro (regional) e o macro (nacional), essas duas formas se integrando muito mais nos dias atuais do que antigamente. Roberta Cava, no entanto, afirA cultura nos tempos atuais ma que “a cultura nos tempos atuais é um espaço dinâmico e plural, mas muitas vezes antagônico, A arte por si própria pode ser considerada como tendo em vista que nem sempre alguns vieses são uma forma do ser humano expressar seus senti- bem aceito ou então encontram dificuldades em se mentos e emoções, ou seja, é algo muito subjetivo. inserir em seu espaço de atuação”. Cava ainda afirEssa forma de expressão pode ocorrer de manei- ma que o mérito principal da cultura atualmente ra diferente para cada pessoa: alguns utilizam da é permitir inúmeras releituras e recriações, o que música, da pintura, da literatura, artes plásticas, acaba por homenagear o clássico e dar espaço para expressão através do corpo, entre diversas outras o surgimento do novo. formas. Mas além de partir somente do indivíduo, a arte também é um reflexo da cultura e da história Para Verônica Sales, a cultura nos tempos atuais é de um período e sociedade. descentralizada, fragmentada e cheia de tensões e ambiguidades. Isso vai de encontro com o que Machado coloca: “A cultura é um traço, uma parte "A cultura é um traço, uma do pacto social que fazemos ao convivermos em um parte do pacto social que mesmo espaço-tempo. Hoje, esse pacto social tem fazemos ao convivermos sido tensionado. Não sabemos ao certo qual é o paem um mesmo espaço-tempo" drão de comportamento que devemos seguir, o que é preconceito, o que é assédio, o que é público ou A palavra cultura deriva do verbo latino colo e privado O que é um negro? Um indígena? Antes disAlfredo Bosi, em seu livro A Dialética da Coloni- so: com qual gênero me identifico? São 17 gênerzação, sustenta que o conceito de cultura considera os reconhecidos no Brasil, mais de 30 em Nova a operação de uma consciência de grupo (também Iorque”. Machado mostra com sua colocação os dié sujeita à intervenção externa) que sai do interior versos dilemas que vivemos atualmente porque os da existência social agregada aos projetos para o “pactos” feitos nas décadas passadas foram rompifuturo. Para o autor, a formação da identidade cul- dos e não fazem mais sentido nos dias atuais. tural acontece por meio de processos simbólicos, como por exemplo o canto, os ritos, as danças, entre A superação do Modernismo outros. Essa ideia é reafirmada por Gilberto Freyre em seu livro Casa Grande e Senzala: a identidade A arte em si é algo que muda muito frequentecultural brasileira se deu e se dá através da mistura mente, principalmente por vir de uma pessoa, o are miscigenação do português, do índio e do negro. tista, que interpreta suas vivências e experiências Essa afirmação de Freyre foi muito importante na de uma determinada forma. Último movimento culépoca (década de 1930), devido às ideologias e te- tural no Brasil com identidade e nome consensual orias raciais existentes na época que colocavam o no país (estudiosos divergem quanto ao período homem branco como superior em relação às outras vivido atualmente: pós-modernidade, contemporaraças e sugeriam um “embranquecimento” da pop- neidade e modernidade líquida são alguns dos terulação como um todo. mos utilizados), o Modernismo ocorreu entre 1922 e 1960, com três diferentes gerações: a primeira Ana Beatriz Pereira acredita que atualmente ex- (1922-1930) mais radical; a segunda (1930-1945) istem duas maneiras de se pensar em cultura: o mais amena; e a terceira (1945-1960), algumas vez-

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Arabutã - Edição 1 es chamada depós-modernismo, que se opunha à primeira. Esse movimento foi marcado principalmente pela liberdade estilo e aproximação com a língua falada.

poração da atuação do público na própria arte, ou melhor, como parte integrante da experiência estética e não como um mero espectador passivo”. Pereira afirma que o Brasil tem uma tradição modernista muito forte, mas que com “o advento das tecnoloA professora Roberta Cava aponta que o Modern- gias e da internet, hoje vivemos de uma forma muito ismo lidava com angústias condizentes ao contexto mais cosmopolita. Não sei se em termos de arte pohistórico de seus participantes e que foi justamente demos hoje em dia pensar em uma arte brasileira, isso que permitiu que ocorressem mudanças mar- talvez a gente tenha que pensar na arte como um cantes na expressão da arte desde então. Em sua todo, porque temos muitas influências cosmopolitas opinião, o movimento foi fundamental por ser “um que envolvem a arte de uma forma geral, e porque momento de ruptura, que abriu espaço para que, vivemos hoje o advento da contemporaneidade”. posteriormente, a efervescência é pluralidade da arte contemporânea galgassem sua própria sistemática”. A mudança da arte desde 1960 até os dias atuais é consequência direta da alteração não só na soPara Sales, a arte sofreu alteração desde o Modernis- ciedade brasileira, mas no mundo como um todo. mo especialmente no “estreitamento de suas relações Começando na própria década de 1960, vimos dicom o mercado, por um lado, e por outro, pela incor- versos regimes autoritários de direita assumirem o


poder (sobretudo na América do Sul), o assassinato de Martin Luther King e Robert Kennedy, a condenação de Nelson Mandela, a construção do Muro de Berlim e o levante de estudantes no mundo todo.

ment de Dilma Roussef, tudo o que havia sido conquistado começou a se perder, passando a privilegiar novamente as elites políticas em detrimento da população. “Isso altera por completo a nossa identidade cultural. Altera tudo e inclusive como Isso inclusive levou a 10ª Bienal da Arte de São essa cultura vai se formar daqui para a frente, cheia Paulo, em 1969, a se tornar uma das mais simbóli- de censuras e repressão. O golpe [impeachment de cas até o momento - inclusive, recebeu o apelido de Roussef] modifica sim a cultura e identidade de um “Bienal do Boicote”. Alguns meses antes da ex- país é isso é o que está sendo feito”, afirma Rossi. posição havia sido lançado o Ato Institucional nº5 (AI-5) e como forma de protesto contra a ditadu- Por isso, num cenário de futuro próximo que se não ra militar, de acordo com o site oficial da Bienal da se mostra muito convidativo (principalmente para Arte de São Paulo, 80% dos artistas convidados se as minorias existentes no país), é importante que recusaram a participar da exposição. Ainda como exposições reconhecidas se posicionem e abram forma de protesto, delegações estrangeiras, como espaços de forma livre para os artistas apresentaa da União Soviética, declinaram o convite, e na rem suas obras. “Da mesma forma que a influência França, 321 artistas chegaram a assinar um mani- europeia se tornou excessiva e a ditadura foi opresfesto (Non à la Biennale) no Museu de Arte Moder- siva à cultura brasileira em diferentes momentos na de Paris. da histórico, influenciando artistas de inúmeras formas, o momento político atual também o faz”, Guinada para a direita e arte política pontua Cava. Atualmente, temos visto o mundo dar novamente uma guinada para a direita. Como colocado por Cava, “o Brasil segue tendência observada em âmbito internacional de ascensão de movimentos, pensamentos e discursos conservadores. Entretanto, por se tratar de um país relativamente jovem, com um histórico sociopolítico marcado por momentos traumáticos à sociedade civil em especial, a prática democrática e a dinâmica dos direitos civis, políticos, econômicos e sociais ocorrem de maneira desordenada. Nesse sentido, a identidade cultural brasileira, por estar intimamente articulada a esses processos, reflete, consequentemente, tais aspectos”. A professora termina afirmando que a identidade cultural brasileira refletirá até certos pontos essa realidade, mas que também existirão discursos que se levantam em resistência.

Pereira, no entanto, acredita que atualmente não possuímos uma cultura nem expressões artísticas engajadas em todos os sentidos. “É muito difícil trabalhar com arte política, arte engajada - aliás, é muito difícil trabalhar com arte e cultura num geral porque não se tem apoio nenhum, e as pessoas agora nessa eleição estão falando um monte de barbaridade a respeito da lei Rouanet. Atualmente, não vejo mais esse vínculo da arte, da cultura e da política, que seria e foi uma coisa muito importante. O brasileiro atualmente é um povo muito despolitizado”.

Porém, como já colocado por inúmeras pessoas e personalidades, viver é um ato político. E vamos um pouco mais além. A cantora Fabiana Cozza disse em entrevista para o Samba em Rede, do Catraca Livre, que viver de arte é um ato político. “Acho fundamental estabelecer um contato direto e mais forte. Dorival Rossi explica que nos últimos 10 anos o país Nós não podemos nos calar e, sobretudo, quando viveu um período de glória em relação à educação, você lembra de onde vem, a transferência de hecultura e afirmação de várias culturas (queer, geek, rança acontece: só estou porque um dia estiveram. transgênero, entre outros) e que após o impeach- Viver de arte é um ato político. Quem sobe no palco

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Arabutã - Edição 1 tem que saber o que dizer e o que está fazendo ali. O artista é uma passagem, um instrumento de representação”.

Tudo é arte? A censura na arte O debate a respeito da censura na arte é algo existente já faz um bom tempo e tem voltado à tona devido a certas exposições que, de certa forma, chocaram uma parte da sociedade brasileira. Um exemplo foi a performance de um artista nu, chamada de La Bête (o Bicho), de Lygia Clark, no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, principalmente porque uma criança interagiu com a “exposição”, tocando no pé do homem nu.

possível introduzir a obra de arte para um público leigo de forma a contextualizá-la e facilitar a construção de uma reflexão. A professora ainda ressalta que a existência de grupos que, por diversos motivos (como morais ou religiosos), advogam a favor da censura na arte.

Como dito previamente, o mundo como um todo tem se voltado a pensamentos e líderes de extrema direita. “Vivemos em momento de transição”, afirma Machado. “Vida é movimento, é negação e afirmação. É ir e vir, como movimento de uma onda. Acredito que esse movimento conservador está vindo forte, mas vai passar. Não sabemos a que preço, pode ser um preço alto. Já estamos pagando O momento foi capturado em um vídeo e o MBL um preço alto por não compreendermos os lados (Movimento Brasil Livre) chamou a performance opostos”, completa. de repugnante, inaceitável, citou erotização infantil, entre outros adjetivos. O atual candidato à “A arte é analisada por alguns parâmetros, então presidência Jair Bolsonaro (PSL) chamou os en- existem coisas que, realmente, nos dias de hoje, volvidos na exposição de canalhas e a categorizou principalmente na área digital, precisamos pensar de como pedofilia. No entanto, O MAM divulgou se pode ser consideradas arte, porque a arte senem nota que a sala estava devidamente sinalizan- sibiliza, a arte emociona, propõe reflexão”, pontua do o teor do que se encontraria, incluindo a nudez Pereira. “Às vezes, vemos alguns tipos de coisas que artística, e ressalta que “o material apresentado nas as pessoas tentam a elevar ao título de arte que plataformas digitais não apresenta este contexto e não sensibilizam, não emocionam, não propõe munão informa que a criança que aparece no vídeo es- dança e não incomodam - porque a arte também tava acompanhada e supervisionada por sua mãe. pode incomodar”, finaliza. As referências à inadequação da situação são resultado de desinformação, deturpação do contexto e Para Cava, devido ao fato da arte ser uma expressão do significado da obra”. da subjetividade, “o que quer que possa ser considerado oriundo da criatividade humana merece “Sempre vai existir quem se incomode pelo que é esse título, caso seu autor o deseje, e haja, porvendito ou proposto por um artista”, reflete Machado, tura, apreciadores de sua criação”, afirma. De acorafirmando que a arte é transgressora por excelên- do com a professora, os indivíduos, assim como os cia. “Movimento de vanguarda é isso, não cabe em produtos de sua criatividade, estão expostos aos norma, se faz e se compreende só depois. O que ex- limites do contato social que pode, por sua vez, ser iste sim é um excesso de falso moralismo impres- abusivo e arbitrário. “O esperado é que os limites sionante, uma histeria coletiva em torno da moral do contrato social não se estendam à produtividade é dos bons costumes, uma onda de conservadoris- criativa; entretanto, por questões de moralidade, mo de extrema direita e intolerância às diferenças”, religiosidade, interesses políticos/econômicos, enafirma a fotógrafa. Para Sales, a censura é inconce- tre outros, a censura e/ou reações restritivas à exbível, apesar de considerar importante o papel de pressão artísticas foram recorrentes e, por vezes, um mediador (por vezes o curador) para que seja ainda o são.

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Arabutã - Edição 1

A Arte e a palavra Por: Paula Bettelli 14| Novembro de 2018


se esforçaram para censurá-la, por vezes com êxito, e seguem esse curso até hoje.

No Brasil, a censura legitimada existiu desde os anos 1940 e a partir de então esteve em funcionamento, ainda que de formas diferentes, até o fim da ditadura civil-militar. No entanto, a volta da liberdade democrática se deu em um contexto exclusivamente político, sem transformar a cultura reacionária alimentada durante os quarenta anos de cerceamento, porque não veio acompanhada de debates significativos sobre a importância da arte e sua potência.

Imagem: Editorial J (Flickr)

Recentemente, o fechamento da exposição Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte, com o foco temático em diversidade sexual, em setembro de 2017, trouxe de volta a discussão sobre os limites da arte, para tentarmos entender o que realmente representa uma ofensa à crenças e costumes. A mostra estava acontecendo no Santander Cultural, e foi suspensa depois de protestos feitos pelas redes sociais, liderados pelo Movimento Brasil Livre (MBL). A acusação era de fazer apologia à pedofilia e à zoofilia.

A

arte parece existir em um mundo próprio, onde o discurso não pode alcançar. Quando tentamos defini-la, de forma objetiva, através de conceitos específicos, dando um propósito único para algo tão subjetivo, acabamos por perdê-la e esvaziamos seu significado. Se nos abrirmos à ela, tem o poder de transformar nossa visão de mundo e nos revelar. Por isso o medo que causa aos setores conservadores da sociedade, que durante toda a história

É preciso salientar que fazer apologia é justificar, defender ou elogiar determinada atitude. Quando os contrários à mostra falaram sobre apologia à zoofilia, estavam se referindo ao quadro Cenas do Interior II, da artista Adriana Varejão. É importante observar a obra toda para entender o contexto. O retrato é de diversas práticas sexuais, incluindo uma entre dois homens e uma cabra. Sem criticar e sem enaltecer, ela apresenta essa realidade que, falemos dela ou não, é existente.

Trazer luz a determinado assunto não é fazer apologia, mas abrir espaço para o debate. A arte é política justamente por provocar um dissenso ao produzir novas formas do sensível e do visível, contra aquilo que é consenso. E aí está sua sublimidade: não há interpretação exata, ela provoca movimento, reflexão, mudança. E é por toda obra carregar múltiplas possibilidades de compreensão que defi

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Arabutã - Edição 1 ni-las é trivializa-las.

Cada espectador percebe-a de forma única, influenciado por experiências e conhecimentos próprios. Não é possível controlar os pontos de vista que miram certa obra, em todas há a quem se agrade e quem se desconforte - tal controvérsia é inerente à democracia, e precisamos mantê-la viva. Outra situação significativa de censura foi quando a Av. 23 de Maio, em São Paulo, amanheceu cinza no dia 14 de janeiro de 2017. Os 15 mil metros quadrados de muros eram, antes, preenchido de grafites do começo ao fim, com criações de mais de 200 artistas reconhecidos pelo movimento de arte de rua. Foram apagadas para dar lugar à tinta cinza lisa, parte de um projeto do ex-prefeito da cidade, João Dória, o qual ele chamava de “Cidade Linda”.

fechou a Avenida com grafites, explicou sobre a importância daquilo estar ali. Muitas vezes é o único contato no dia que o trabalhador, pobre e da periferia, vai ter com arte. Voltando para casa, dentro do metrô, ele observa as cores, as formas que destoam em meio à cidade preta, branca e cinza, e lhe é causado um impacto capaz de transformar seu dia. Essa é a potência que possui. Cercear o grafite é impedir o contato de milhares de pessoas com a arte, da população que não frequenta museus e galerias.

O senso comum e as opressões que lhe são intrínsecas, no entanto, também funcionam como censura, e em certos casos, como auto-censura. Em agosto de 2017, o coletivo feminista de arte, Guerrilla Girls, expôs no Museu de Arte de São Paulo (MASP), um cartaz onde denunciava a falta de obras expostas feitas por mulheres. Enquanto 60% dos nus do acervo são femininos, apenas 6% das obras foram "Trazer luz a determinado produzidas por elas. E então questionam: “As mulheres precisam estar nuas para entrar no Museu assunto não é fazer de Arte de São Paulo?”. As críticas feitas pelos deapologia, mas abrir espaço fensores da exposição Queermuseu e dos grafites, se aproximam do feminismo quando esse aponta a para o debate" arte tradicional como sexista, produzida por e para É possível compreender a natureza da ideia se um olhar exclusivamente heterossexual, masculino analisarmos que o projeto, que cerceou a liberdade e na maioria das vezes, branco e elitizado. da arte urbana, era o mesmo que, em prol da higienização da cidade, retirou moradores de rua dos Geralmente, as censuras são justificadas por tabus locais onde viviam para colocá-los em abrigos que e preconceitos que envolvem os temas relacionanão os contemplavam, apenas os escondiam. dos à sexualidade, raça e classe - e apesar da Constituição assegurar a liberdade artística (art. 5o, IX: “é Com o objetivo de afastar a população da possibi- livre a expressão da atividade intelectual, artística, lidade de ponderação, de descobertas em relação científica e de comunicação, independentemente à si mesma e ao mundo, usam-se pré-definições de censura ou licença”) essas demandas conserrasas, frutos de impressões pessoais. Dória, ao vadoras encontram aparato jurídico-policial. remover os grafites, alegou estes serem pixações, e limitou os pixadores a vândalos. Não avaliou A responsabilidade primordial da política como essa forma de expressão surgiu e de qual democrática não é eliminar as paixões da esfera maneira afeta a população paulistana, mas se do público, de modo a alcançar um consenso lógibaseou em seu preconceito e fez dele norma. co, mas manejar tais paixões para que todas tenham espaço dentro da democracia. Não há deQuando o prefeito anterior, Fernando Haddad, in- mocracia de fato sem reflexão, e a reflexão só é centivou as criações, através da iniciativa que possível se houver a liberdade de criar e pensar.

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A G A P O R P

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Como Eram as propostas de cada candidato à presidência para fomenTAR A CULTURA NO PAÍS? Por: Gustavo lustosa

Imagens: Wikipedia

Arabutã - Edição 1


A revista Arabutã estudou os planos de governo de todos os presidenciáveis para tentar entender melhor como os partidos políticos tratam a questão cultural no Brasil

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urante o período eleitoral, as mídias foram bombardeadas de informações sobre entrevistas e debates entre os candidatos. Nas eleições de 2018, alguns temas tomaram mais notoriedade entre os presidenciáveis, como segurança pública, dívida, economia, moradia e questões de gênero. A cultura, entretanto, ficou de fora das discussões.

A fim de entender melhor como a classe política trata o tema, a Revista Arabutã fez uma análise individual dos planos de governo dos candidatos à presidência e como eles tratavam a temática da cultura e de suas manifestações. De todos os candidatos, quatro deles nem citavam “cultura” ou termos correlatos em seus planos de Governo. São eles: Cabo Daciolo (Patriota), Henrique Meirelles (MDB), Jair Bolsonaro (PSL) e Vera Lúcia (PSTU). Dentre eles, apenas o candidato do PSL já se manifestou sobre o tema, indo contra a Lei Rouanet - lei de incentivos culturais - e afirmando ser favorável à extinção do Ministério da Cultura. Outros presidenciáveis falam brevemente sobre o tema, discorrendo apenas alguns parágrafos ou linhas. São eles: João Amoêdo (Novo), Eymael (PSDC) e Álvaro Dias (Podemos). Já Fernando Haddad (PT), Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Guilherme Boulos (Psol) e João Goulart Filho (PPL) trazem capítulos e planos de ação concretos sobre a temática João Amoedo (NOVO) O pela primeira vez candidato a um cargo público, João Amoêdo cita apenas em uma frase em suas 23 páginas o termo “cultura”, afirmando que buscará novas formas de financiá-la, o esporte e a ciência com fundos patrimoniais de doações. Essas do-

ações são os Endowments que, segundo o BNDES, são doações de pessoas jurídicas ou físicas para patrocinar algum museu, universidade, teatro ou organização. É uma prática muito comum nos EUA, mas no Brasil não possui muitos adeptos. Eymael (PSDC) O candidato, conhecido pelo seu jingle, cita a cultura apenas em uma sessão de seu plano. Afirma o desejo de criar parcerias público-privadas para arrecadação de investimentos e aborda de forma bem genérica seu pensamento. Afirma apenas que irá resgatar uma cultura e uma identidade nacional. Álvaro Dias (Podemos) O candidato traz a cultura como uma de suas metas para melhorar a sociedade, mas não explica nenhuma ação que pretende adotar. Apenas no fim de seu plano existe um trecho que faz um resumo das propostas que diz Cultura Livre via Cartão Cultura’. Geraldo Alckmin (PSDB) A parte direcionada ao tema ocupa 2 páginas do seu programa. O tucano diz que valoriza a cultura como forma de identidade individual dos cidadãos, e afirma que deseja permitir o acesso para todos os brasileiros e garantir a liberdade de expressão. Deseja também fomentá-la com mais financiamentos governamentais e mais editais do MinC, além de buscar fontes privadas de crédito para o mesmo fim.

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Arabutã - Edição 1 Também é citado a valorização dos artistas independentes por meio de redirecionamento de recursos. Um outro desejo de Alckmin é utilizar equipamentos públicos para criação de cursos de formação artística, além de novos meios para divulgar essas produções. Ele cita, também, a questão de preservação dos museus por meio da criação de um sistema nacional de memória cultural.

O capítulo é finalizado ressaltando a salvaguarda de bens naturais e culturais brasileiros e expressa a intenção de valorizar o aprendizado das artes no ensino fundamental. Marina Silva (rede) A ex-ministra do meio ambiente traz um capítulo dedicado ao tema, mas cita a cultura em outras seções. Na parte relacionada à educação, ela propõe uma aproximação entre as áreas, de modo a incentivar o ensino das artes e danças, por exemplo. Em outro capítulo ela afirma que a segurança pública é questão social, que transpassa pela cultura. Nas duas páginas dedicadas exclusivamente ao tema, o foco principal é a valorização das diversidades e a necessidade de políticas públicas inclusivas para a população. Aponta uma pesquisa que define os hábitos culturais dos brasileiros e afirma que o acesso a esses espaços de cultura é fundamental, em todos os municípios do Brasil. Também cita estímulos à produção audiovisual independente ou não, e também para mestres de cultura popular como do maracatu por exemplo.

Marina também apresenta propostas para conservação do patrimônio histórico brasileiro, garantindo o funcionamento e a manutenção de museus e bibliotecas pelo país, através de verbas e de tombamentos. Outro ponto é o incentivar a economia criativa, a fim de difundir conhecimentos sobre

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dezenas de áreas artísticas como fotografia, música e até mesmo games e softwares. João Goulart Filho (PPL) O filho do ex-presidente Jango trouxe um plano de governo sucinto e dedica um parágrafo para suas metas culturais. Ele tem como principal ideia usar o estado como principal forma de divulgação, investimento e organização das práticas culturais e, também, revigorar o MinC. Afirma o desejo de criar uma secretaria especial para culturas digitais, com o objetivo de armazenar e criar uma memória nacional. Comenta também sobre a intenção de fortalecer as propriedades intelectuais dos artistas, e finaliza afirmando o desejo de investir em produções independentes. Ciro Gomes (pDT) O candidato do PDT traz suas propostas em um de seus capítulos intitulado “A cultura como afirmação da identidade nacional”. Começa criticando o consumismo e afirma que quer trazer a valorização da cultura subjetiva em detrimento da material, e com isso, valorizar as identidades brasileiras. Expressa a vontade de fortalecer o Ministério da Cultura para fomentar novas expressões culturais, novas vanguardas na culinária, hábitos, música e etc.

Fala em investir na democratização do acesso à cultura, criando espaços propícios, principalmente nas periferias. Ciro fala também em estimular a cultura do Hip Hop e suas vertentes e, também, a cultura afro-brasileira. Outro ponto é a descentralização dos investimentos das capitais do sudeste, que concentram a maior parte do dinheiro e ações culturais. Fala em estabelecer um marco regulatório para as artes no Brasil, sobre a importância da preservação de museus e patrimônios históricos


e afirma o desejo de aperfeiçoar a Lei Rouanet. Guilherme Boulos (PSOL) O candidato do Psol, Guilherme Boulos, possui capítulos dedicados ao tema. Uma de suas propostas é destinar um mínimo de 2% da arrecadação da União para a cultura. Deseja fomentá-la criando editais, leis e programas; fortalecendo, dessa forma o Fundo Nacional de Cultura. Outra proposta é a de criar comissões com participação da sociedade civil, para garantir mais democracia na gestão das políticas culturais. Afirma querer criar mais espaços culturais em cidades que não apresentem uma programação e não possuem muitos recursos. Pretende aumentar a divulgação e produção de peças artísticas por meio de uma universalização da internet via banda larga.

vídeos sob demanda para divulgação de artistas e produções independentes e, também, no ambiente digital, afirma que é necessário mais políticas que tratem de direitos autorais.

Finaliza seu capítulo afirmando que a cultura é um direito de todos, e que serve como um campo de luta das liberdades individuais das minorias do Brasil. Jair Bolsonaro (PSL) O presidente eleito se manifestou, durante o período de eleição, contra a Lei Rouanet e a favor da extinção do Ministério da Cultura. Candidatos à presidência que não citaram a palavra"cultura", ou termos correlatos, em seus planos de governo:

Fernando Haddad (PT) O ex ministro da educação, Fernando Haddad, inicia seu capítulo dedicado ao tema expressando um repúdio aos recentes acontecimentos de censura a artistas, museu e exposições pelo Brasil. Promete criar novas políticas públicas com o MinC e a sociedade civil, a fim de democratizar a cultura. Tem a meta de utilizar 1% da arrecadação da União para esse fim. Acredita que o acesso aos serviços culturais é fundamental para a cidadania, e promete enfrentar o monopólio das empresas que atuam no setor pela lógica do mercado. Haddad tem a intenção de fortalecer leis e órgãos já existentes como a FUNARTE, a Ancine, a Lei Cultura Viva e o Fundo Setorial do Audiovisual. Expressa a vontade de criar políticas de incentivo à leitura e é favorável a proteção do patrimônio cultural. Outra proposta é a criação de uma política de

Cabo daciolo (patriota)

Henrique Meilles (MDB).

Vera Lúcia (PSTU)

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Arabutã - Edição 1

o hip hop é isso O Hip Hop é isso

Por: caique resende Por: Caique Resende Entenda a história e as características do Hip Hop, movimento/cultura que surgiu nas periferias dos EUA e se enraizou pelo mundo

Q

ue hoje a maioria da população já ouviu falar do Hip Hop, já viu um graffiti, ou ouviu um rap é fato. Entretanto sua história e suas origens não são tão conhecidos assim. Os pré-conceitos que rodeiam a cultura e as intenções do movimento, que por nascença luta pelas causas das periferias, afastam aqueles que até reconhecem sua função so-

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cial, mas não compreendem sua real dimensão.

do com que a cultura se torne própria e pertencente ao país, ainda que incorporada de outro Dos contratos, hoje milionários, lugar. á única saída para alguns. Fruto da população negra e periférica, Além disso o Brasil é pioneiro e o Hip Hop está, hoje, presente em até hoje um dos únicos países do todas as classes sociais nos seus mundo a ter leis específicas de mais diversos modos, práticas fomento a cultura Hip Hop. e estilos. No Brasil ganha novas características regionais, fazen- Renato Magú tem 37 anos e longa


Imagens: Bianca Furlani

o aí aí

caminhada admirando e compondo o movimento e suas práticas, é produtor cultural, coordenador geral da Casa da Cultura Hip Hop de Bauru, organizador geral da Semana do Hip Hop, maior evento gratuito de Hip Hop da américa latina, e um dos fundadores da ong Núcleo Cultural Quilombo do Interior, primeira ong registrada dedicada exclusivamente à cultura Hip Hop. Em entrevista para a Arabutã contou um pouco da história,

características, funções sociais e estórias do movimento que revolucionou e segue revolucionando gerações e que deu voz para uma parte “esquecida” da população.

grantes jamaicanos para fazerem suas festas nas ruas. Primeiramente com a discotecagem do dj Kool Herc e sua irmã Cindy, nessa onda chega o Afrika Bambaataa e vendo toda aquela movimentação de dançarinos, mcs, Arabutã Quando, como e onde surgiu a grafiteiros e Dj’s que faziam suas cultura Hip Hop? festas nas comunidades periféricas de Nova York, junta esses 4 elementos, os 4 pilares, e cria a Magu A cultura nasce em meados dos cultura Hip-hop. anos 70 nos bairros do Brooklin e do Bronx, em Nova York. Onde Então a cultura tem dois pais, se reuniam negros, latinos e imi- Kool Herc que começa com as

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Arabutã - Edição 1 festas e Afrika Bambaataa que O legal é que quando o Hip Hop junta todos os elementos e dá o começa a sair dos Estados Unidos nome de cultura Hip Hop. e chegar nos outros países, cada país incorpora uma característica regional, então por exemplo o Arabutã Quais são as características e os Hip Hop no Brasil ele é muito de elementos da Cultura Hip Hop? contestação, você vê muito da capoeira dentro do Break, então a Magu gente vê singularidades em cada Tem o Rap que é a música do lugar, no Japão o Hip Hop tem sua movimento, tem o graffiti que é singularidade, na América latia parte estética, tem o Dj que é o na tem outra singularidade, na coração do movimento e o Break- Europa tem outra singularidade, ing que é a nossa dança, a verda- mas uma coisa que é geral em todeira dança de rua. Ela chama dos é que sempre foi uma música break porque trabalha a dança de protesto, de contestação. nos breaks da música. Arabutã O Hip Hop é cultura ou movimenArabutã Como que essa cultura chega no to? Brasil? Magu Magu Existe uma eterna discussão se Ela chega no Brasil através de é cultura ou se é movimento, eu vídeos, propagandas que chegam vejo o Hip Hop como um movidos EUA, pessoas que iam para mento sociocultural, porque ele lá e voltavam trazendo histórias é movimento enquanto luta, é e um pouco da cultura para cá. Primeiramente nas grandes capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. A gente tem um marco simbólico da estação São Bento do metrô, em São Paulo, onde as pessoas começaram a se aglomerar para dançar, primeiramente, o break, depois dali surgem vários mc’s, como Thaíde e o próprio Racionais, então ficou esse marco da estação São Bento como berço do Hip Hop no país, porém a gente sabe que Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro também já tinham focos do movimento espalhados por lá.

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cultura enquanto a essência das artes e ele tem todo seu lance social, seu histórico de denúncias, de luta coletiva junto com a periferia. Eu vejo muito o rapper como um repórter porque ele vê as situações que acontecem no seu cotidiano periférico e relata isso em suas letras. Muitas vezes as pessoas falam “A mas o Rap é violento”, “É música de bandido”, mas se você vê flor, você fala de flor, se você só vê mazelas sociais, é isso que você vai retratar. Arabutã Como você começou a se relacionar com o Hip Hop?

Magu Em 1992, eu tinha 12 anos e tava passando na praça Rui Barbosa, vi um grupo pioneiro chamado Desacato Verbal tocando, curti, gostei e eu vi os caras quebrando uma televisão com um taco de beisebol falando várias paradas


que eu sempre quis falar e muitas vezes não via o caminho para expressar aquela angústia que eu tinha dentro de mim, aquela revolta da desigualdade e eu vi e falei “Porra mano, é isso, que parada daora”, a partir dai comecei a acompanhar, ir nos eventos, frequentar os shows e acompanhar a galera que fazia o movimento acontecer na cidade.

Hop e os seus elementos. Então meu envolvimento começou dali, primeiro acompanhando o Rap, depois cantando e depois ajudando a estruturar o movimento

mo, onde a gente tem sempre a intenção de trabalhar esporte, cultura e educação como temas transversais dentro do todo da sociedade.

Arabutã Arabutã O que é a Casa de Cultura Hip Hop Como a casa surgiu? de Bauru e como ela funciona? Magu Magu A casa de cultura Hip Hop de A casa é um centro de formação Bauru surgiu a partir da Casa de Em 1998 eu fui convidado para e difusão da cultura Hip Hop, a Cultura Hip Hop de Diadema, ela fazer parte de um grupo chama- gente chama de casa porque é ta fazendo 16 anos se não em endo Mente Abissal, que depois para ser um lar mesmo, para gen- gano e ela é um templo sagrado mudou seu nome para DeQuebra, te se alimentar de arte, de cultu- para nós, é a primeira casa de cule nesse ano eu comecei a cantar ra, de lazer. E, além da gente ter tura Hip Hop do mundo. O Brasil também. Em 2001 nós criamos os elementos da cultura Hip Hop tem uma singularidade, só aqui uma ONG chamada Núcleo Cul- a gente abre espaço para culturas a gente trabalha o Hip Hop juntural Quilombo do Interior, foi a que permeiam o Hip Hop, que es- to com a questão social, só aqui primeira ong registrada no país tão presentes na periferia, então que tem leis de fomento a culque trabalhava só a cultura Hip lá é um centro de difusão mes- tura Hip Hop, organizações regis

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Arabutã - Edição 1 tradas da cultura Hip Hop, né? E cultura cotidianamente. a casa de Diadema foi a primeira, e em uma das visitas que nós Arabutã fizemos lá surgiu a necessidade e Quais são as atividades que a nosso interesse de ter uma casa casa oferece e para qual público? aqui também. Magu No primeiro momento nós loca- Nosso público alvo é a população mos uma casa aqui no centro de da periferia, mas todas as ativiBauru, depois o projeto começou dades são abertas para todos os a crescer muito e a gente viu a públicos. Lá tem a oficina dos 4 elnecessidade de ter um espaço ementos da cultura Hip Hop, tem maior, então fizemos uma par- o cursinho pré-vestibular, estúceria com o poder público no dio de gravação, aulas de danças sentido de ocupar as salas da Es- urbanas, street dance, dança do tação Ferroviária de Bauru. Nós ventre, capoeira, Kickboxing, enfomos os primeiros a ocupar lá, tre outras. A gente oferece mais um lugar que estava a mais de ou menos 30 oficinas diferentes. 20 anos abandonado, totalmente degradado. Então nós revitaliza- Arabutã mos não só aquele espaço como A semana do Hip Hop de Bauru os arredores dele e a partir dis- é hoje o maior evento gratuito da so outras organizações também Cultura Hip Hop na América latiforam para a estação e hoje aca- na, como ela surgiu? bou virando um centro cultural que agrega várias organizações Magu que produzem arte e propagam A gente tinha a necessidade de

juntar tudo que a gente fazia durante o ano em uma semana, para poder dar mais visibilidade e para abrir espaço para conseguirmos trabalhar o resto do ano, então a primeira semana nasce em 2011. A gente começou bem simples, poucos recursos, pouca gente, em 2012 aumentou e em 2013 escrevemos uma lei e entregamos na prefeitura, negociamos com a câmara e a lei foi aprovada, a partir dali a semana do Hip Hop virou parte integrante do calendário oficial de eventos da cidade, então subiu os investimentos, subiu a estrutura e hoje a prefeitura é parceira. Arabutã Quais são as atividades que compõem a Semana do Hip Hop aquiem Bauru?

Magu Tem o combo dos cinco elementos que a gente leva os 4 elementos


da cultura mais o conhecimento nas escolas públicas e entidades socioassistenciais, tem diversas oficinas, debates e palestras. As oficinas permeiam o universo Hip Hop, como fotografia e produção musical que são atividades que nós usamos em nossos trabalhos então é sempre legal ter, além dos shows é claro. Esse ano a gente tem mais ou menos 120 atividades dentro da Semana do Hip Hop.

cos caminhos que a periferia tem para contestar seus anseios, suas mazelas, para fazer denúncia. Eu não acredito em evolução no Hip Hop eu acredito em transformações, eu acho que a gente está em constante mutação e o Hip Hop também vai mudar muitas vezes, mas eu espero que ele nunca perca a sua essência de luta, de estar junto com o povo preto, com o

povo pobre, que ele continue sendo porta-voz da periferia.

Se tem uma coisa que eu quero pedir é que não deixem essa essência morrer. Que a gente consiga não só criar amigos, mas criar cidadãos pensantes, pessoas melhores, enfim, eu só gostaria de poder envelhecer vendo essa cultura crescer forte sem perder a sua essência.

Arabutã A semana chega este ano a sua oitava edição, o que esperar?

Magu A gente vem para essa oitava edição com uma puta vontade de fazer a maior semana do Hip Hop que já teve aqui na cidade. No sentido de trazer várias coisas para dentro da cultura, de ter uma abertura para outras artes também. Esse ano a gente abre a semana, por exemplo, com a feira da reforma agrária em parceria com o MST, serão 4 dias de feira com os produtos da reforma agrária. Então a ideia para gente é trabalhar o Hip Hop em tudo, saúde, educação e agora inclusive no campo. Arabutã Alguma mensagem para quem admira, pratica ou até não conhece a cultura Hip Hop?

Magu Eu continuo vendo o Hip Hop como um caminho, um dos pou-

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Arabutã - Edição 1

O grito dos muros Por: Caique Resende 28| Novembro de 2018


Imagens: Caique Resende

mente passa despercebido, Em Brasília é fácil de encontrar pelos viadutos, bancos e bancas de jornais pela cidade. O Graffiti é um estilo de arte que não nasceu no Brasil, mas aqui ganhou novos significados e tornou o país referência quando o assunto é arte de rua para o mundo inteiro.

Nascido na década de 70 nas periferias de Nova York, sendo um dos elementos da cultura Hip Hop, o Graffiti surge como manifestação cultural, artística e social, como forma de protesto utilizada por aqueles que eram socialmente marginalizados. O nome vem da palavra Grafite, que originada do italiano remete às inscrições ou desenhos feitos com carvão nas épocas antigas.

P

ara quem mora em São Paulo, não é incomum cruzas com uma dessas obras durante o seu dia, quem nunca parou sequer alguns segundos para admirar o mural com a imagem de Oscar Neymeier na avenida Paulista, para quem mora no Rio, o mural do Boulevard Olímpico dificil-

O movimento artístico chega no Brasil também nos anos 70 e nas comunidades periféricas primeiramente da cidade de São Paulo, utilizado como forma de protesto e “grito” daqueles que tiveram seus direitos sociais negados. “Para mim o graffiti é um estilo de vida, uma forma de se expressar e reivindicar suas ideias, me ajudou a ter comprometimento com o trabalho, auxiliou muito a minha educação, hoje tenho orgulho de falar que sou um empresário que nunca saiu do elemento graffiti, graças ao Hip Hop, hoje tenho minha própria empresa e uma profissão” comentou Robinson Oliveira (Robinho), grafiteiro desde os 14 anos, hoje com 33, é artista plástico e pro-

prietário da Blackstar Design, empresa de comunicação visual, em Bauru.

Como forma de protesto e expressão artística se espalhou pelo país gerando preconceitos e curiosidades daqueles que não conhecem o movimento. Uma das maiores discussões em torno do assunto, é distinção entre o graffiti e a pixação (pichação). Nascidos no mesmo momento e com intenções parecidas, tem uma característica de diferenciação, a pichação advém da escrita enquanto o graffiti da imagem, entretanto é vista pelos praticantes das duas formas com as mesmas considerações pertencentes ao mesmo movimento. “Para mim não existe diferença entre os dois (pichação e graffiti), a única diferenciação é que um é proibido e o outro não”, comentou Robinho. A lei brasileira torna o Estado responsável por coibir comportamentos nocivos ao meio ambiente ou ao espaço urbano, fazendo com que a pixação posso ser enquadrada como dano ao patrimônio ou crime ambiental. Já o graffiti teve em 2011 sua prática legalizada como desde que com o consentimento do proprietário e visando a valorização do ambiente público ou privado” . Programa “Cidade Linda”

No começo de 2017, o então prefeito de São Paulo, João Dória, iniciou um projeto intitulado

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Arabutã - Edição 1 “Sp Cidade Linda”, uma iniciativa que tinha como intenção a diminuição da poluição visual da cidade. Como uma das propostas da ação, o prefeito ordenou a pintura sobreposta das pichações espalhadas pela cidade, apagando também grafites de longa data na cidade, revoltando os praticantes e os admiradores da arte. Um dos murais de graffiti apagados pelo gestor foi o da avenida 23 de Maio, um mural feito pelo artista brasileiro Kobra em 2015, com cinco quilômetros de extensão, a obra já foi considerada a maior obra de graffiti da américa latina.

ciou um projeto que permitia a pintura de murais de grafite na cidade e sancionou uma lei antipichação com multas que variam entre cinco e dez mil reais. As medidas geraram grande polêmica na época e movimentaram atos tanto pró quanto contra as práticas.

Além dos muros que eram apagados pela prefeitura, alguns moradores da cidade decidiram pintar seus muros por conta própria, como forma de apoio ao projeto, enquanto isso pichadores e grafiteiros organizaram manifestações e intervenções artísticas “Retrocesso! Em vez de apoiar em defesa de suas artes. a arte, surgiu um esquema de preconceito com o graffiti, nos- Um caso famoso na época foi o sa arte não recebe o devido val- de um senhor que mora em uma or, enquanto em alguns países das casas localizadas no Beco da Europa já é supervalorizado”, do Batman, local mundialmente comentou Robinho sobre o caso. conhecido por ser uma galeria Após a polêmica, Doria se defen- de arte de rua a céu aberto. João deu dizendo que respeita os mu- Batista da Silva pintou os muros ralistas e os grafiteiros, mas que de sua casa cobrindo os grafites não admite os pichadores, anun- com a mesma tinta utilizada pela

prefeitura de São Paulo, o ato chamou grande atenção da mídia na época e acalorou a discussão sobre as medidas da prefeitura. Com 72 anos, João é aposentado e morador do Beco do Batman desde sua nascença, após o ocorrido ficou popularmente conhecido como “João do Beco”

Entretanto Seu João explica o mal entendido e disse não ter nada contra a forma de expressão artística: “Eu gosto da arte, acho bonito, se eu não achasse não teria deixado grafitar o meu muro a tantos anos atrás, mas tem muito problema nesse meio, o que me motivou a pintar os muros foram problemas particulares com os que grafitaram meu muro”. João explicou que alguns grafiteiros se sentiam donos do muro e pintavam o que bem entendiam, sem o consentimento dele ou de sua família. Outro problema apresentado por João é a falta de rotatividade en-


tre os grafiteiros do beco. Segundo ele, não existe espaço para outros grafiteiros, são sempre os mesmos artistas que expõem suas obras nos muros do beco. “Se você é grafiteiro e quiser fazer uma obra aqui, eles não vão deixar e vai dar confusão”, comentou.

nunca deram um valor significativo para os moradores, que depois têm de lidar com a imprensa e com os turistas que visitam o local diariamente.

tos de grafites, como o Parque Ibirapuera, avenida Paulista, rua Augusta, bairro da Liberdade e o Museu Aberto de Arte Urbana, instalado nos pilares que sustentam o trecho elevado da O grafite brasileiro visto Linha 1-Azul do metrô. Os locais de fora atraem turistas do mundo inteiro, que vem o grafite brasileO senhor ainda reclama que Assim como o Beco do Batman, iro como uma forma única de exmuitos grafiteiros recebem pelas outros cartões-postais da ci- pressão, que não se encontra nos obras feitas em seu muro, mas dade de São Paulo estão reple- outros países.


Arabutã - Edição 1 David e Lucy são Irlandeses e estão viajando o Brasil para conhecer melhor o país. Em São Paulo dedicaram parte do seu tempo para a apreciação dos grafites, como um dos atrativos turísticos mais importantes da visita a cidade, segundo eles o grafite brasileiro é único e encantador. “Você até encontra alguns grafites lá (Irlanda), mas nada que se compare, os daqui são muito mais artísticos, mais profissionais.” comentou o casal enquanto admiravam as obras no Beco do Batman. Já Romani é Francesa e veio para São Paulo admirar as artes espalhadas pela cidade. “É muito bonito, na França você não encontra obras desse tipo”, apontou.

Binho Ribeiro são alguns dos nomes preferência quando o assunto é grafite no Brasil e eles Além disso, alguns grafiteiros fazem parte de uma lista extenbrasileiros são reconhecidos sa de grafiteiros que já tiveram no mundo inteiro e convida- seu trabalho exposto fora do dos a realizarem suas obras em país, tanto em murais pelas ruas, muitos países, em murais e até em quadros, objetos ou museus galerias. Eduardo Kobra, por de arte. exemplo, já grafitou murais em Londres, Atenas, Lyon, Los An- Larissa tem 48 anos e é a pessoa geles, Nova York, Moscou e Car- responsável pela parte financeirara, na Itália. Kobra detém o ra de uma galeria de arte de rua, recorde de maior mural de spray localizada no Beco do Batman, do mundo, com uma obra real- em São Paulo. Segundo ela, com a izada na Cacau-Show em Itape- popularização do grafite as obras vi, região metropolitana de São deixaram de ser produzidas apePaulo, ele e sua equipe também nas nos muros e passaram a ser conquistaram o Guinness World retratadas em outros objetos. “O Record para o maior mural pin- grafite é o embelezamento das tado por uma equipe, com a obra ruas, mas os grafiteiros tamNa cidade, já existem empresas realizada no Boulevard Olímpico bém trabalham com algum obespecializadas no turismo pro- do Rio de Janeiro. jetos que temos aqui na galeria movendo atividades e passeios como tampas de mesa, carteivoltados a arte de rua, como a Os Gêmeos, Crânio, Alex Horneste, ras, cadeiras, bancos, quadros e Free Walking Tour, que realiza um Nina Pandolfo, Nunca, Zezão e gravuras”, explica.

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tour pela cidade a fim de evidenciar os grafites e as artes urbanas.


A G A P O R P

A D N


Imagens: Caique Resende

Arabutã - Edição 1

Priiiim Priiim Priiiim Priiiiim Por: Caique Resende

D

espertador me acorda logo cedo, é 5:30 o céu ainda ta preto. Não tenho tempo, já to atrasado, engulo o café e pego o busão lotado. E todo dia sempre a mesma situação, a tia brava com os tarado e os noião. E eu na minha sempre ouvindo um bom rap, de vez em quando canto até uns reggae. Eu desço rápido e saio correndo, já bateu o sinal e o meu futuro ta la dentro. Mas o que dizem mas eu nunca boto fé, só bla bla bla, matemática? Sei nem quem é. A professora não gosta do meu estilo, fala que eu ando e me visto igual bandido. Ela não entende porque não é periferia, não sabe que o hip-hop tem o poder de mudar vidas. E se não fosse isso talvez a ideia dela fosse real, ia sair na tv como mais um marginal.

Na escola já encontro meus parceiros, o Jhow e o Luca os muleque é maloqueiro. E eu não sei fazer mas sempre admiro, o Luca tem o dom e ta sempre com um novo no passinho. “Vou te ensinar Marcinho, presta atenção, é break dance, facinho doidão” Eu acho legal, mas sou muito travado, coisa de loco parece que ta todo quebrado. O Luca é meu parceiro e ouve o mesmo zum zum zum, igual a mim o hip-hop salvou mais um.

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A aula acaba e eu já vou saindo fora, eu e o jhow compramo umas tinta daora. O jhow ta sempre estudando muleque é ligeiro, ainda por cima é pichador e grafiteiro. Mas nem sempre ele foi assim, já teve atrás das grades pertinho do fim. Não tinha medo saia pulando nas casas, pra pegar videogame ou só umas bolachas. Por brincadeira, só na molecagem, era sempre o primeiro a pegar pipa nas lages. Conheceu o elemento que salvou sua vida, continua escalando muro, mas agora cheio de tinta. Chega mais alto que qualquer um, e deixa a marca, “Hip-hop salvou mais um”

E eu fico olhando, também não sei fazer. Tenho que ficar esperto se os homi aparecer. Grafitti é lindo e todo mundo admira, já faz sucesso até lá nas gringas. Mas por aqui ainda rola repressão, se te pegarem a conversa é no tapão. Mesmo ce for bonito não dura muito tempo, a culpa é de um que já foi prefeito, ele é estranho e muito ranzinza, acha bonito a cidade toda cinza. Não tenho tempo, já tenho que sair fora, o meu patrão não tolera demora. E eu não queria trabalhar em lanchonete, odeio pastel e não aguento comer crepe. O que eu quero mesmo é viver de rap, eu vou rimando explicando o que acontece. Não tenho tempo já saiu mais um pedido, e o patrão já ta puto comigo. “Vai limpa a mesa, ta demorando muito, faz mais um lanche, para de ser vagabundo” E tudo isso pra ganhar só uns trocados, e ainda ouvir que eu sou mais um drogado.

Tenho que tolerar, não tem desculpa, sem o dinheiro não gravo EP nenhuma. Eu não vejo a minha hora de sair, o tic-tac nunca chega ao fim. Bate o horário e eu saio a milhão, vou pro barraco do meu amigo Claudião. Ele é antenado, sabe todas as novidades, “hoje você quer trap ou um boom bap sabotage?” Maior estilo o muleque representa, assume as pick ups com muita inteligência. Ele fez curso, mas aprendeu na rua, o som é de verdade e a verdade é nua e crua. Não teve pai, cresceu sem porra nenhuma, mas sempre foi forte e aguentou todas as buchas. Sem isso era só mais um pretinho comum, e hoje grita com orgulho, o HIP-HOP salvou mais um. Agora eu já tenho uma nova batida, tenho que focar minha mente na escrita. Minha realidade, o que eu passo no dia a dia, as injustiças e os abusos dos policias. Tudo isso tenho que pôr no papel, isso é difícil, agora sou meu próprio réu, e o juiz é o meu único sonho, por isso sigo paciente, concentrado, componho. Sem muito tempo volto correndo pra casa, mais uma vez a minha coroa ta brava. Não arrumei a casa e nem lavei a louça, mal ela sabe que comi toda a sopa. Não temos dinheiro para comprar o jantar, mas pra acalmar minha coroa corre atrás. Ela volta contente com 2 pedaços de pão, pra dividir entre eu e meus dois irmão, a gente não reclama sabe como é, mas vai melhorar um dia, eu ainda boto fé.

Por isso eu não gosto do meu trampo, eu sei que meu talento ta no meu canto, eu sigo rimando, sigo anotando, sempre esperto, sempre estudando. Eu não desisto e vou persistir porque um dia eu ainda quero ouvir, os meus amigos e o meu show lotado, tomo mundo unido pulando lado a lado. Agora vou dormir já to muito cansado, pra relaxar ascendo mais um baseado. E eu viajo nas ideias antes de dormir, fico sonhando, logo começo a rir. Podia ir pro crime e não estudar, não fazer nada só vagabundear, desistir do rap e deixar isso pra lá, nesse cenário é difícil não desanimar. Mas graças a minha mãe eu sempre fui ligeiro, um dia o problema não vai ser dinheiro, eu vou gritar com orgulho “O HIP-HOP salvou eu e os meus parceiros.”

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Imagem: Wikipedia

Arabutã - Edição 1

Por: Douglas Françoza

Rita Lee Não quer só saúde Autora de 3 livros, uma das cantoras de maiores relevância no país ainda nos faz feliz com seus contos que vão do hilário ao trágico

O

s inúmeros álbuns vendidos não foram o suficiente para a magrela mais famosa da música brasileira. Recordista de vendas de discos (a quarta colocada no Brasil), Rita Lee resolveu, aos 68 anos, que as prateleiras das livrarias deveriam contar com um pouco de sua nada ponderada loucura. Antes disso, ela já havia lançado um livro não tão relevante, com contos que escrevia em seu Twitter e que foram ilustra-

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dos pela cartunista Laerte. Aposentada dos palcos e com uma carreira de dar inveja a qualquer um que almeja viver de música, a rainha do rock nacional lançou 3 livros que ajudam os mais novos a entender porque recebe esse título. Ditadura, abuso sexual, drogas, ídolos, fracassos e sucessos são pautas de sua autobiografia escrita a próprio punho. Não é possível imaginar que toda autenticidade da cantora permitiria um ghost writer para essa ocasião.

Desde então, foram 3 lançamentos que alcançaram o topo das listas de livros mais vendidos. Rita Lee: uma Autobiografia, Dropz e FavoRita são obras que dizem muito sobre a cantora que foi muito subestimada pelos machões do roque. Em todos eles, suas principais características ficam muito evidentes. Ela não consegue se levar tão a sério em nenhuma das obras e mistura palavras em inglês no meio de seus contos, sem que isso pareça uma forma soberba de se expressar. Lançado recentemente, a FavoRita é um livro para os fãs mais acalorados.

Em 1976, Rita lançou um dos álbuns mais importantes de sua trajetória, que recebeu o seu nome. Em Coisas da Vida, uma das canções mais especiais da cantora, ela fala que depois que ela envelhecer, “ninguém precisa mais lhe dizer como é estranho ser humano nessas horas de partida” e as estranhezas dessas partidas foram descritas pela paulistana ao falar de amigos que adoçaram sua vida, mas que já partiram. Hebe, Elis, Cazuza, Tim Maia estão registrados nas linhas que se revezam entre momentos de tristeza e felicidade... Coisas da vida. Rita parece não se esquentar muito com essas coisas. O pesado discurso anti moralista de uma hiponga encontra leveza nas palavras da famosa ruiva (mas que hoje cultiva belos fios brancos na cabeça). Logo no ínicio de sua autobiografia, ela narra um episódio que, descrito por alguém que se levasse um pouco mais a sério, seria retratado como uma catástrofe. Na página 12 do livro, Rita conta que foi abusada aos 6 anos de idade, com uma chave de fenda, por um técnico que foi até sua casa consertar a máquina de costura de sua mãe. No mesmo livro, mais á frente, conta, com resquícios de ódio, sobre a sua saída do grupo ‘Os Mutantes’, do qual foi fundadora e teve uma saída conturbada. Pode-se entender que se trata de uma expulsão. Um episódio escandaloso do livro aconteceu durante a ditadura militar, quando a cantora foi presa devido a uma retaliação de militares, que supostamente encontraram maconha em sua casa. Ela estava grávida de seu primeiro filho e, no livro, jura que “não tomava nem coca-cola”. Elis Regina, foi a grande responsável por livrá-la das grades. A cantora gaúcha era muito respeitada, mesmo pelos militares, e assim que soube que a roqueira havia sido presa grávida armou um barraco na delegacia. “Se um médico não chegar em cinco minutos você é quem vai precisar de um cafézinho, porque eu vou convocar uma coletiva e denunciar o que está acontecendo aqui com minha amiga Rita Lee”, teria dito Elis aos milícias.

Entre romances e frustrações, no auge da idade, ela narra com carinho os momentos iniciais de sua relação com o guitarrista Roberto de Carvalho, com quem vive até hoje. Antes de conhecer a moça, ele fazia parte da banda que viajava com Ney Matogrosso, grande amigo de Rita e quem ela apelida de “cupido”. Entre doçuras, amarguras e descontentamentos, ela cria uma atmosfera toda dela. Com muita honestidade, trata de assuntos que muitos poderiam querer esconder ou silenciar depois de certa idade. Depois de seus três livros, a única certeza que podemos ter é que não importa quanto tempo passe, a ruiva do roque fez, faz e fará um monte de gente feliz.

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Arabutã - Edição 1

Nova geração de quadrinhos brasileiros e as transformações no meio literário Por: Paula Bettelli

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A

s produções culturais possuem função importante na construção da identidade pessoal - através do reconhecimento de si mesmo dentro dessas produções - ou da falta dele - podemos desvelar parte do que somos e perceber o espaço que ocupamos no mundo. Isso porque a indústria cultural realiza a mediação da realidade política, reproduzindo características e ideias que tecem a sociedade contemporânea. Através da cultura e da comunicação de massa produz efeitos na economia, na política e na sociedade. As histórias em quadrinhos seguem esse caminho, acompanhando e registrando as transformações dos contextos sociais nos quais estão inseridas.

e objetificadas, sem questionar a ausência de pluralidades étnicas, enaltecendo a masculinidade e usando da visão maniqueísta de mundo, onde as pessoas são divididas entre Bem e Mal.

inseguranças que perpassam os corpos femininos. Suas tirinhas são objetos políticos, para se expressarem e também para estimular a identificação. Thaiz, designer que administra a página Mãe Solo, explica: “a pessoa olha Foi-se o tempo em que quadrin- e se reconhece, fala “essas olheihos eram feitos unicamente para ras cansadas eu conheço, essas o universo masculino. As mulheres pernas peludas eu conheço”, e foi não apenas começaram a produzir justamente no ícone imagético, HQs em massa, como transforma- na semiótica da coisa que as mulram as formas de produzi-las. As heres começaram a se identificar mais variadas identidades visuais mais com o projeto”. permitem que a gente saiba a autora da tirinha apenas observando O Mãe Solo é um projeto que os traços - elas não seguem o estilo surgiu há quatro anos, ainda sem mangá à risca, presente na maioria nome e sem ambições de crescidos quadrinhos. mento. Quando o filho de Thaiz nasceu ela sentiu a necessidade Para além dos desenhos que de expressar questões que apafazem, suas criações também in- reciam em sua maternidade, as As mudanças ocorridas são signif- ovam porque apresentam mul- quais, olhando superficialmente, icativas se tratando de um meio heres protagonistas de forma não via preocupar outras mães. que inicialmente foi criado repro- não sexualizada, pelo contrário “Em primeiro momento criar a duzindo os valores patriarcais - - retratam a falta de glamour da série Mãe Solo era uma questão com mulheres hipersexualizadas rotina, as pautas feministas, as de me tornar visível, resistir.


Arabutã - Edição 1 Hoje, é uma questão de dar lugar e voz a milhares de mulheres, e co criar com elas uma ressignificação do que é maternidade, respeitando somente o nosso lugar de fala e não um apanhado de ordenamentos sociais”. Ela transgride tanto em seus traços como em suas pautas.

Nessa mesma linha inovadora está a jornalista e quadrinista Carol Ito, que através de suas HQs confirma que mulheres não se interessam só por assuntos que dizem respeito à feminilidade, também participam ativamente de discussões políticas. “Existe uma falta de espaço mesmo, tanto em publicações de editoras quanto em premiações, eventos, que as mulheres são sempre secundárias, ou são chamadas para falar apenas sobre ser mulher”, denuncia. Apesar de admitir ser um processo lento, que demanda uma

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desconstrução estrutural para se concretizar, Carol reconhece o crescimento da produção feminina. Isso porque, com o uso da internet como plataforma de divulgação autônoma, as mulheres deixaram de esperar as oportunidades aparecerem através de formas convencionais e passaram a divulgar seus trabalhos e a se reunirem com outras mulheres do meio, para assim criarem uma base conjunta, como os coletivos de mulheres quadrinistas que surgiram nesses últimos anos.

nhos quando eu vejo algum padrão de comportamento diferente ou curioso, agora ainda mais em política que temos grandes acontecimentos bizarros dá muito subsídio para criar”.

Diferente do texto escrito, onde é preciso argumentação, as tirinhas causam um impacto por serem objetivas com poucas palavras, a comunicação é feita em maior parte com a imagem. Por isso a representatividade é importante, quando a imagem não se correlaciona com o espectador é mais Além de seu blog, chamado difícil a mensagem ser passada. Salsicha em Conserva, onde publica quadrinhos de temas diver- Antonio Junião, músico e quadrisos, também administra a fanpage nista, conta que tem histórias Políticas HQ, com quadrinhos de identificação com suas tiras, sobre política feitos apenas por “Dona Isaura é muito usada em mulheres. Seu processo criativo é livros didáticos e salas de aula fluido, “as ideias vêm de todas as como referência negra e temática, situações que eu vivo, né, geral- e recebo vários relatos de intermente eu gosto de fazer quadri- nautas que falam da identificação


familiar com personagens e ambientes que envolvem a tira”.

Junião participou de diversos projetos durante a carreira, criou tiras diárias para jornais, esteve em coletâneas internacionais de HQs, além de publicar histórias longas com 15 páginas. Dona Isaura foi seu primeiro projeto com total liberdade criativa, nele Junião explora temáticas que envolvem representatividade, negritude e luta de combate às desigualdades. Revela que a internet foi um meio fundamental de divulgação dos seus trabalhos, “senti que nas redes as tiras fizeram muito mais sentido pra mim do que quando elas estavam em um ambiente impresso”. A vantagem das redes sociais como plataformas de divulgação é que não há padrões externos a serem seguidos, tudo pode ser publicado, e o encontro de quem se identifica é facilitado pela possibilidade de busca.

Para Junião, em tempos que a internet não era tão popular, foi dificultado esse encontro com histórias que contassem situações parecidas com as da sua vida. “Minhas referências de ilustração são das mais variadas pois na minha casa sempre tiveram muitos livros. (...) Mas um dado interessante é que, em toda minha descoberta artística como adolescente e depois como estudante de artes, eu não tive acesso a artistas negras e negros.

Falha grave na formação educacional brasileira que sempre se apoiou na desigualdade racial, social e de gênero, enquanto estrutura, e não ensina que nosso país é diverso. As referências negras eu tive que estudar por conta própria”.

para programas de educação popular em países como o México e Peru”.

Os quadrinhos funcionam também como uma aula à parte, fora das instituições educacionais, e são uma alternativa a um sistema brasileiro que conserva e reproWaldomiro de Castro Santos Ver- duz ideias questionadas pelas gueiro, fundador e coordenador novas gerações. Eles transfigudo Observatório de Histórias em ram a comunicação na medida Quadrinhos, da Universidade que mostram que a maternidade de São Paulo (USP), explica as é romantizada, pouco falada, e potencialidades carregadas pe- falam dela trazendo novas visões. las HQs para a melhoria social: Mexem no senso comum quando “o leitor, pela própria dinâmica mostram que mulheres querem da linguagem quadrinística, vai espaço na política, e estão atrás completando os elementos que dessa melhora, militando, se unnão estão descritos tanto de for- indo. ma gráfica como escrita, ajudando a compor a mensagem final. Também quando expõem o ra(...) Nenhuma outra forma nar- cismo, a desigualdade, estimulam rativa exige esse nível de parti- o empoderamento de quem não cipação do leitor”. se vê retratado em mídias tradicionais, nos comerciais. A nova Esse convite à reflexão fez das geração de quadrinhos brasileHQs um meio de ensino em outros iros se distancia das convicções países. “Os quadrinhos foram es- reproduzidas pelas HQs em seu pecialmente utilizados, com mui- início, e fala o que outros meios to sucesso, para orientação e e- evitam. Um movimento que, uma ducação política dos tra- vez iniciado, vamos ver crescer balhadores chineses, bem como cada vez mais.

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UMA CÂMERA NA MÃO E UMA IDEIA NA CABEÇA Revolucionário em quase todos os sentidos, o Cinema Novo foi uma das mais latentes expressões políticas e artísticas brasileiras

Por: iuri santos e Gustavo lustosa

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onfluente às vanguardas européias, como o Nouvelle Vague e o Neorrealismo Italiano, o Cinema Novo brasileiro foi o movimento cinematográfico que demarcou as ideias do chamado “cinema de arte” brasileiro na década de 60. Insurgente à lógica da indústria cultural, o objetivo dos cinemanovistas era, através de uma estética que abominava os glamoures e de um conteúdo essencialmente crítico, criar uma identidade artística radical. “Sua preocupação inicial não é tanto com a conquista de público, porém mais com a ideia de difusão e afirmação de uma linguagem revolucionária em busca de uma identidade cultural”, explica o doutor em história, política e bens culturais, Wolney Malafaia. A cineasta Luiza Paulin ressalta que também tinham o objetivo de irem contra as produções cin-

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ematográficas brasileiras da época, “eles queriam muito se distanciar das comédias e musicais, que eram os sucessos de bilheterias, filmes chanchada, atores bonitões, produção meio hollywoodianas que eram distribuídas e produzidas por produtoras estrangeiras”, afirma.

Primeira Fase

Consumida, a princípio, por uma minoria de intelectuais, a primeira fase do Cinema Novo (que se iniciou entre o fim dos anos 50 e durou até metade dos 60) foi marcada pelo retrato da violência social e das parcelas marginalizadas da sociedade, em especial, sertaneja. “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha foram exemplos de um dos processos estéticos que definiu o movimento.

Segunda fase A segunda fase (iniciada em 1964) foi a consolidação das propostas estéticas e políticas do movimento. Com obras como “O bravo guerreiro”, de Gustavo Dahl, esse momento criticou, naturalmente, o regime vigente. Esse período foi marcado por uma revisão do idealismo cinemanovista; o fim do estado democrático promoveu, dentro do movimento, uma autocrítica da finalidade dos filmes produzidos.


“Nos anos 60, entre 1964 e 1969, o Cinema Novo viveu seu período áureo, quanto às articulações políticas de seus cineastas e às propostas estéticas afinadas com as novidades que existiam na Europa e EUA”, explica Malafaia.

O Estado O ideal do movimento, é claro, não era querido pelos órgãos do estado repressivo. A identificação com ideologias revolucionárias e a desarticulação inicial do movimento fizeram com que esse primeiro momento fosse o mais conturbado, em relação aos censores. Segundo o pesquisador, o fato de não terem acesso às verbas públicas, dotadas pelo Instituto Nacional de Cinema (INC) – dirigido pelos paulistas ligados à proposta de um "cinema industrial" –, prejudicou muito o movimento, ao lado da censura.

Esse cenário muda, entretanto, nos anos 70. Com a afrouxamento político que seria expresso nos governos Geisel e Figueiredo, sob uma perspectiva mais liberal. Wolney explica que os cinemanovistas articularam-se mais politicamente e desenvolvem um projeto de produção cinematográfica que iria influenciar a gestão de Roberto Farias na Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) e Gustavo Dahl no Conselho Nacional de Cinema (Concine). Nesse sentido, mesmo enfrentando alguns problemas com a Censura, o Cinema Novo produziu obras que encontraram maior aceitação da parte do público e se mantiveram como grupo articulado politicamente, aproveitando as brechas do regime militar.

O legado do Cinema Novo

“Uma estética da fome”. Esse foi o nome dado por Glauber para a sua tese-manifesto – escrita em 1965 – que, para além de qualquer análise científica, buscava identificar as características comuns ao processo de manifestação estética cinemanovista. A proposta de Rocha não era tratar das obras, necessariamente, mas mais do reflexo da realidade latino-americana nessas produções; da pobreza, da miséria, da violência e da fome. A assimilação dessa miserabilidade foi, na visão do autor, o que diferenciou o princípio do Cinema Novo...“A fome latina, por isto, não é somente um sistema alarmante: é o nervo da sua própria sociedade. Aí que reside a trágica originalidade do Cinema Novo diante do cinema mundial: nossa originalidade é nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo

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Arabutã - Edição 1

sentida, não é compreendida”, descreve Glauber. Algumas das temáticas do Cinema Novo perduram na narrativa cinematográfica brasileira até hoje: a pobreza, a desigualdade e a violência são assimiladas nos roteiros brasileiros – é o caso de “Cidade de Deus”, “Central do Brasil” e “Tropa de Elite”, por exemplo. Essas produções, entretanto, possuem algumas relações opositivas entre o conteúdo e a forma. Enquanto para Glauber a violência estética – chocante – seria o meio de atingir os objetivos ideológicos do filme, nos casos mais recentes, parece haver um esvaziamento em prol de um alinhamento estético hegemônico. Para explicar isso, a pesquisadora Ivana Bentes defendeu a tese da “Cosmética da Fome” que, hoje, encontramos o sertão e a favela inseridos em um outro contexto e imaginário, onde a miséria é cada vez mais consumida como um elemento de “tipicidade” ou “natureza”, diante da qual não

há nada a fazer. “Saímos da ‘idéia na cabeça e da câmera na mão’ ao steadcam, a câmera que surfa sobre a realidade, signo de um discurso que valoriza o ‘belo’ e a ‘qualidade’ da imagem, ou ainda, o domínio da técnica e da narrativa clássicas. A cineasta Luiza Paulin reitera que a partir dos anos 90, essas produções brasileiras começaram a retratar a pobreza como se fosse algo típico e cultural, e que não há nada para ser feito em relação a ela. “Então, o que acontece é uma romantização da favela, ao mesmo tempo que mostra a miséria, mostra o orgulho de ser do morro, o fascínio da comunidade, contrapõe com o terror. Em “Cidade de Deus” por exemplo, o personagem principal se envolve com os traficantes pois ele era fotógrafo”, afirma Luiza. Diferente da ótica estética Glauberiana, na cosmética, a pobreza é retratada como algo “bom de ver” e não algo que incomode o espectador. “Com isso, não é feita uma reflexão contundente,

pois não podem sacrificar o entretenimento, então parece que tudo fica tolerável. Acho que a cosmética da fome e os filmes dela são produções para vermos a “miséria comendo pipoca”, diz a cineasta. É possível observar, então, uma mudança de concepção de cinema no Brasil, que se estende da estética da fome à “cosmética da fome”. Essa transição pode ser justificada, entre outras coisas, pelo aprimoramento da hegemonia norte-americana na indústria cinematográfica. Wolney entende que, hoje, já existem gerações de espectadores formados pela linguagem estadunidense de cinema, o que era diferente nos anos pós segunda guerra mundial, com a emergência de propostas estéticas variadas. “Nesse sentido, trata-se de subverter por dentro, utilizando a linguagem norte-americana para introduzir novidades estéticas e narrativas e temáticas mais populares e até revolucionárias”, opina o autor.


O legado brasileiro A – se pode-se chamar assim – tradição nacional no Oscar remonta o período pré-ditadura militar e, apesar das poucas produções inteiramente nacionais, busca espaço na premiação até hoje

Por: iuri santos

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lorescia, em decorrência de toda a tensão da primeira metade do século XX que culminaria na Guerra Fria -, um dos momentos mais expressivos do cinema moderno. Em meio à polarização política mundial e às vésperas da investida militar contra o governo João Goulart, acontecia, no Santa Monica Civic Auditorium a maior premiação do cinema. A 35ª edição do Academy Awards (ou apenas Oscar) -, é claro, não deixava de possuir essa atmosfera. Naquele ano, “Lawrence da Arábia”, “O Mais Longo dos Dias” e “O Sol é Para Todos” seriam sagrados não só, respectivamente; melhor filme, melhor fotografia e melhor roteiro adaptado mas, também, um retrato do que foi o começo daquele século. Entre essas obras - primas -, que abordavam as duas guerras do século e questões cívicas, figurava, tímido e fruto de um cenário político latino efervecente, o primeiro representante brasileiro da história do Oscar.


Arabutã - Edição 1 “O Pagador de Promessas”, baseado na peça de Dias Gomes, trata da história de Zé do Burro (interpretado, com singeleza que radia, por Leonardo Vilar) buscando, como sugere o nome, pagar a promessa feita pela saúde de seu fiel amigo, o Burro (que é, de fato, o animal homônimo). Ademais à simplicidade do roteiro – o baiano é deve levar uma cruz até a Igreja de Santa Bárbara, em Salvador e dividir sua pequena propriedade de terra com os pobres –, a narrativa aborda questões relativas à intolerância, religião, imprensa e reforma rural em um Brasil prestes a viver um dos momentos mais conturbados de sua história. Apesar da indicação, o filme de Anselmo Duarte não conseguiu ser premiado como melhor estrangeiro em um ano de Elektra (Michael Cacoyannis, grego), 4 dias de rebelião (Nanni Loy, italiano), Tlayucan (Luis Alcoriza, mexicano) e, por fim, o francês, vencedor daquele ano, Sempre aos Domingos, de Serge Bourguignon. Passado o tempo e, claro, o cenário político, apenas em 1996 o próximo tupiniquim concorreria à categoria forasteira. Contaminado pelo recente clima de harmonia decorrente de uma década pós-ditadura militar e por um recente plano real, “O Quatrilho” não carrega o mesmo tom desafiador e provocativo do nosso vanguardista supracitado. O filme de Fábio Barreto é um romance de época, situado em uma comunidade rural no Rio Grande do Sul onde

dois casais de imigrantes italianos vivem um drama amoroso permeado por traição. Infelizmente, no ano onde Coração Valente e Apollo 13 disputavam a categoria principal, o filme brasileiro não conseguiu ganhar a estrangeira. Não demorou muito para que Bruno Barreto, irmão de Fábio – e diretor de Dona Flor e Seus Dois Maridos – também pleiteasse a estatueta dourada e, na edição de 1998, o mais velho foi indicado pelo filme “O Que é Isso, Companheiro?”. Curiosamente, o filme remonta o cenário da Ditadura Militar e conta, em um roteiro de realidade romanceada, a história do sequestro do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick pelas facções políticas Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), Dissidência Comunista da Guanabara e Ação Libertadora Nacional; grupos de extrema-esquerda avessos a ditadura. O holofote desse Oscar estava, entretanto, direcionada para um outro lado. Em 98, con-

corria a categoria de Melhor Filme o que seria um novo experimento e ponto de virada para o cinema comercial: “Titanic”, de James Cameron. Ano que, quando se trata de cinema e mundo, significa muito. 2001. No começo do novo século, pela primeira vez uma produção exclusivamente brasileira fugia da categoria de filme estrangeiro. Engraçado que, nesse ano concorriamos ao prêmio de Melhor Curta-metragem exatamente pela temática que mais nos gera reconhecimento internacional. “Uma História de Futebol”, de Paulo Machline, narra, de maneira romantizada, contos da infância de um jovem Edson Arantes do Nascimento. E, então, viria o que representa a maior experiência nacional na premiação. Aclamado pela crítica internacional (o filme chegou a fazer mais dinheiro fora do que dentro do Brasil), “Cidade de Deus” extrapolou a expectativa por uma indicação no prêmio de Melhor Filme Estrangeiro. Com temática social, fruto de um discurso político de desigualdade e contemporâneo a ascensão dos governos de esquerda na América do Sul, o longa de Fernando Meirelles disputou as categorias de Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição, Melhor Fotografia e, por fim, rendeu a nomeação de melhor diretor ao brasileiro, que concorria com Sofia Coppola, Clint Eastwood Peter Weir e o vencedor, Peter Jackson. Mais recentemente, em 2016, a animação “O Menino e O Mundo”, de Alê Abreu foi a última indicação brasileira ao prêmio. Marcando o rico momento da produção de animação do País.


Pornochanchada:

o erotismo e a comĂŠdia nos tempos de ditadura Sob a bota do autoritarismo, com uma roupagem insubordinada, o gĂŞnero foi um dos maiores expoentes do cinema brasileiro na dĂŠcada de 70

Por: iuri santos 47 | Novembro de 2018


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á meio século atrás, quando a caligem de uma sala de cinema ainda era, para a maioria, a referência de privacidade para o consumo de conteúdo erótico – décadas de distância da intimidade dos smartphones e computadores –, ascendia o gênero que protagonizou o mercado cinematográfico brasileiro, na estética e no conteúdo, por quase metade do período de regime militar.

da remetia à essa sexualização enquanto satisfação parcial e a mesma é um sujeito passivo – agindo mediante a ação masculina. Essa falsa subversividade garantiu aos produtores o assentimento dos mecanismos de repressão, já que, em geral, as produções não atacavam as questões sociais; pelo contrário, elas endossaram o moralismo conservador e o validaram por meio do seu discurso. A Censura, dessa forma, não tinha muitos motivos para perseO erotismo no Estado guir a pornochanchada enquanto repressivo ela não questionasse o sistema A pornochanchada, não à toa, foi a político. As produções, é claro, marca das constrições e dos lacei- não possuiam carta branca para os que caracterizaram aquele mo- fazer o que bem entendessem e mento histórico. “Ela se constituía o relacionamento com o Estado se em uma forma de discurso difer- dava, em partes, devido à sua popuenciado: o do permissível. Cham- laridade, como uma espécie de “pão avam a atenção por um tipo de e circo à brasileira”. nudez que, ora aparentava-se mais erotizada, ora aparecia ‘naturalizada’”, aponta o Mestre em História, Cultura e Identidades, Luis Gottwald Junior. Apesar do escracho e do cômico, essas produções não eram, necessariamente, críticas ou, até mesmo, politizadas. Naturalmente, a lascividade não era uma temática querida aos censores e, por isso, o gênero se adequou a um modelo leve de pornografia, onde Produzido na Boca do Lixo – epicentro das rea abordagem sobre a sexualidade alizadoras de pornochanchadas em São Paulo, era pouco subversiva. Gottwald localizada no Bairro da Luz –, o filme trata da explica que a maior parte dos história de Papaco, um pistoleiro que precisa chegar à cidade de Santa Cruz das Almas e nefilmes buscava a manutenção de gociar um misterioso tesouro, que carrega em um status quo, como é o caso de um caixão. Presume-se que, no decorrer des“Um Pistoleiro Chamado Pa- sa sátira dos westerns, o protagonista enconpaco”. Para o pesquisador, nesse tra uma mulher: Linda pede para acompanhar tipo de produção a mulher era Papaco, após ele mesmo assassinar seus três objetificada, a linguagem utiliza- maridos.

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É possível, entretanto, observar algumas exceções à esse modelo de manutenção dos valores reacionários. O sucesso das pornochanchadas e a diversidade de produções gerou, em alguns casos, obras que utilizaram características do gênero – como o erotismo e as relações conjugais – para reforçar ideias progressistas. “Em 1973, o filme ‘Os homens que eu tive’ demonstra paralelamente temáticas de feminismo, atribuição


de papéis sociais, enfrentamento do moralismo tradicional e crítica ao regime”, exemplifica o historiador.

Nacionalismo e investimento público

Apesar da aparente incoerência, os anos que se passaram após o golpe civil-militar foram marcadas por um frutífero momento para o cinema brasileiro, principalmente, no que toca a visibilidade e o investimento. Isso aconteceu, entre diversos motivos, pela necessidade de exaltar a produção e o avanço tecnológico nacional. Dentre as principais medidas adotadas, destaca-se a criação do Instituto Nacional do Cinema e do Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme), criados, respectivamente, em 18 de no-

vembro de 1966 (pré AI-5) e em 12 de setembro de 1969 (pós AI5). “O governo federal liberava verbas para filmes que dialogassem com a história – que entenda-se como heróica e patriótica – do Brasil. ‘Independência ou morte’ e ‘Como era gostoso o meu francês’ já ingressavam nessa linha, pois mostravam esse processo”, ilustra Luis. As pornochanchadas eram, em certo sentido, consonantes com alguns dos valores do governo, como a representação do milagre

“Os homens que eu tive” conta a história de um casal que vive em um relacionamento aberto. Pity, a protagonista, vive um triângulo amoroso consentido com seu marido e seu amante e, no decorrer da narrativa, se envolve com um quarto elemento.

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econômico, através das cidades, do protecionismo e da classe média paulistana e carioca, entretanto, suas produções se restringiam ao mercado independente.

vam com uma estética de repro- cial para a pesquisa em cinema, dutibilidade do que se evidencia- pois demonstra que objetos e va na TV àquela época. sujeitos históricos já estudados Com o tempo, todavia, a pesqui- em tempos anteriores podem sa histórica e na área do cinema voltar a ganhar perspectiva e inderam uma nova perspectiva à vestigação atual, à luz de novas pornochanchada. O gênero pas- indagações”, acrescenta Luis. O A releitura histórica do sou a ser a representação de um estudioso entende que é interesmovimento período histórico que, como visto sante pensar na pornochanchada Apesar da notável popularidade até aqui, foi marcado por diacro- a partir desse retrato da ditadudo gênero, a pornochanchada foi nias entre o conteúdo das pro- ra, pois há filmes que podem leduramente criticada por parcelas duções e os meios de repressão gitimar o regime militar e obras distintas da sociedade. À esquer- estatal. “Essa releitura é essen- que o questionavam sutilmente. da e à direita o movimento era rejeitado; no primeiro caso, os críticos observavam um esvaziamento político nos roteiros, uma antítese do que era o quase contemporâneo Cinema Novo (ver na página x). Já à direita, naturalmente, a nudez, sensualidade e erotismo eram vistos com maus olhos. Além do espectro político, a própria crítica cultural era avessa ao movimento, devido à baixa inventividade estética e de con- A série de TV Magnífica 70 é um exemplo metalinguístico desse teúdo. Segundo Gottwald, muitos fenômeno. Ambientada na Boca do Lixo, a produção da HBO retrata, dos filmes de gênero histórico, com elementos visuais e narrativos inspirados nas pornochanchapor exemplo, buscavam exaltar a das, a relação dos órgãos estatais (representados pelos censores) e das produtoras paulistanas. visão oficial ou mesmo dialoga-

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PROPAGANDA


Imagem: CC0 Public Domain

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Era Vulgaris Por: Sérgio Pantolfi

E

sses dias eu parei pra assistir um filme na globo. No auge da minha inocência, dei uma chance a mim mesmo e até a comédia brasileira riu de mim. Eu pensei que seria apenas um domingo comum e o pior é que realmente foi. Chovia mas fazia calor, como sempre acontece nas primaveras, não tinha o que fazer, meu amor estava longe, meus amigos também. Isso faz tempo.

Mas deixando de lado toda a parafernalha que pairava sobre minha cabeça, me descobri em um mundo estereotipado, razo, desconexo e num tanto quanto rude. Fiz reflexões, nada tão profundo que beire a

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soberba. Apenas reflexões sabe, daquelas que você pensa o porque o personagem principal do filme se chama João Ernesto Praxedes. É pra fazer uma sátira ao nome dos governantes? É para rir quando falarem ‘‘Praxedes’’? A verdade é que ninguém acha graça. Engraçado é tudo aquilo que nos faz rir. Mas nem sempre a gente ri do que é necessariamente engraçado. Mas falar que ninguém acha graça é errado. Eu estou errado. Meus tios por exemplo baforam gargalhadas a cada trapalhada que o intérprete tragicamente se envolve .

É estranho, pensei. Poderíamos definir apenas como um gênero no que confere a comédia cinematográfica brasileira. Eu, Sergio, chamaria de ‘‘Tragicomédia’’. Mas não aquela que diz respeito ao teatro, que traz uma carga política por trás, que carrega os alicerces mais brutos da dramaturgia clássica.

Em certos momentos me embaraça sabe? A mais crua e cruel representação do que é o rótulo do nosso povo e o pior disso, é que achamos graça. É um complexo de vira-lata que ecoa em alto e bom som por todas as instituições de um país fadado a rir de si mesmo. É o se humilhar perante a uma sociedade que tem o seu valor irreconhecível, principalmente em filmes como esses. Porém isso é só um ‘‘lado’’ da nossa cinematografia, pensei comigo mesmo. E é verdade, porém,angustiante, doloroso e impossível deleitar-se com tamanha vulgaridade - que nada tem a ver com o título deste texto - que exprime o pior dos conceitos em relação ao próprio povo. Grosserias à parte, me acomodo no sofá já desbotado e concordo comigo mesmo que não é assim. E não é mesmo. Talvez seja. Ao menos para quem está entubado por esse tipo de alienação. ‘‘Não deveríamos nos acostumar com pouco, isso é ruim para caralho’’ esbravejei. Fui pegar água. Chovia mas estava abafado, calor.

Seria eu injusto ao abranger isso a toda histórica - e magistral - história do cinema brasileiro. Leviandade. Lembrei-me de clássicos, Bandido da Luz Vermelha, Deus e o Diabo na Terra do Sol e Vidas Secas. Lembrei-me de novos, Esgoto,Cidade de Deus - Melhor filme que qualquer outro do Oscar de 2004 - Aquarius, Tropa de Elite. São vários.

Voltei, injusto seria eu, apequenar 200 milhões de pessoas a um comediante sem graça, há uns humoristas sem graça. Há vários. Não dá pra apenas culpá-los, também seja culpa minha também, sua culpa, nós todos. Eles não estão lá sozinhos e nossa opinião no meio da multidão de nada vale, se falar que vale é mentira.

Injusto são eles. Olham apenas para si mesmos. Qualidade é zero, importância é menos um e os milhões de zeros são todos deles. Disso eu ri. Que furada hein? E preso no sofá, escorrego para o tapete e falo que cansei. Vou mudar - de canal - isso não é se valorizar.. Abro a Netflix, ponho um episódio de Friends. Me mato de rir.

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Por: Gustavo lustosa

O Brasil na O

Imagem: Pixabay

Produções brasileiras ganham popularidade no serviço de Streaming no mundo todo

caminho natural de um filme era muito claro até alguns anos atrás. Ele ia para o cinema, saía de cartaz, ia para as locadoras em formato de VHS ou DVD e muito posteriormente para os canais de televisão, primeiro para a tv por assinatura depois a aberta.

era impensável outro ciclo que seja o de US$ 152 bilhões. não esse, os serviços de streaming vieram para revolucionar A mudança no esse meio. consumo A Netflix mudou o modo como se Criada como um serviço de en- consome cinema e séries. Hoje, trega de DVDs pelo correio em com a popularização do meio e 1997, a Netflix se tornou um aumento dos investimentos, proserviço de streaming em 2007, duções audiovisuais dos mais Com a popularização da internet, apenas nos Estados Unidos. Che- variados gêneros recebem verbas incluiu-se nesse processo a pira- gou no Brasil em 2011, com um milionárias, o que estremeceu o taria, onde era possível baixar o catálogo de filmes ainda restrito. mercado da TV por assinatura. filme logo depois de entrar nas 11 anos após sua criação, esti- Uma prática comum atualmente, salas de cinema. Se há 10 anos ma-se que seu valor de mercado são pessoas que migram dos

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serviços tradicionais para ficarem apenas com serviços de streaming. A professora Neiva Ribeiro se encaixa nesse perfil, no meio desse ano decidiu cancelar um pacote que possuía na televisão para assinar a Netflix.

de todos os continentes, incluindo na América do Sul, o Brasil. A primeira produção tupiniquim na Netflix foi uma minissérie do grupo de humor Parafernalha chamado “A Toca”, que era um falso documentário que “Eram muitos canais, contava o dia-aStreaming é uma tecnologia mas ainda assim dia de uma proque envia informações eu tinha a sendutora cinemultimídia, através da sação que não matográfica. transferência de dados havia nada inNão fez muito pela internet sem que o teressante sendo sucesso, o que consumidor baixe algum arquivo em seu transmitido [...] atrasou futudispositivo. A não ser que você ras peças audioassine pacotes extras, visuais nacionais a programação não agrada.” integrarem o catálogo de ela afirma. Conta que a questão filmes. A próxima série brasileieconômica também pesou, ra lançada no serviço foi a série mantendo apenas o serviço de “3%”, que traz um drama que se streaming ela economiza cerca passa em um futuro distópico de R$ 100,00 no final do mês. onde a sociedade se divide em duas, a grande parte da popuA Netflix alterou até o consumo lação vive em extrema pobreza de pirataria. Uma pesquisa da e uma pequena parte com regaKantar Media, encomendada lias e privilégios, mas existe uma pelo governo britânico concluiu chance de subir de classe, pasque a procura por downloads ile- sando por uma competição desugais caiu no mundo, isso devido mana onde poucos dos que tena facilidade em acessar esses no- tam, conseguem. A série, apesar vos serviços e pelos preços que de não fazer sucesso no Brasil, fossem mais acessíveis. foi a produção de língua não-inglesa mais vista em todo o munO Brasil nas telinhas do na plataforma na época de seu Conforme a empresa foi conqui- lançamento. stando mais territórios no mundo, os investimentos acompan- Segundo a cineasta Luiza Paulin, haram. As primeiras produções o “Complexo de Vira-Lata”, um exclusivas da organização eram conceito criado pelo escritor Nelnorte-americanas, mas depois, son Rodrigues, explica isso. Ele novos mercados começaram a dizia que o brasileiro não valoriganhar espaço. Hoje, os catálogos za a cultura nacional. Por isso a contam com produções de países série pode não ter feito sucesso

aqui, pois o público prefere produções internacionais com atores de Hollywood em detrimento das feitas em solo nacional

A série ganhou uma segunda temporada, e a Netflix ainda lançou mais duas séries e um documentário produzidos em terras nacionais: “O Mecanismo”, dirigida pelo diretor José Padilha, que trata da história da operação Lava-Jato. Um documentário da cartunista Laerte, chamado “Laerte-se”, que conta histórias de vida da desenhista. Mais recentemente foi lançada a sitcom “Samantha”, que conta a história de uma artista famosa quando era criança na televisão e está tentando voltar a ter fama nos dias de hoje. Além dessas, diversos shows de stand-up de humoristas brasileiros também integram o catálogo. Luiza também cita a questão de que a Netflix não apresenta só benefícios para as produções nacionais. Como a facilidade de acessar conteúdos acabou diminuindo a divulgação alternativa na internet, produções ci nematográficas independentes acabam ficando apenas no cenário alternativo, “os filmes que possuem um baixo orçamento não ficam muito tempo no cinema, é difícil ter acesso a eles na internet agora com a diminuição da pirataria. Assim, ficamos dependentes da Netflix, e ela, aqui não abarca essas produções pequenas, então elas se perdem”.

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Arabutã - Edição 1

Por: Marina Kaiser

Q

uando pensamos nos desenhos que assistimos quando éramos crianças, pensamos principalmente em animações estrangeiras, salvo algumas exceções apresentados pelo canal da Cultura ou então desenhos voltados exclusivamente para o público infantil, como a Turma da Mônica e o Sítio do Picapau Amarelo.

Criada por Célia Catunda e Kiko Mistrorigo, a animação conta as aventuras do Peixonauta, um peixe detetive que vive dentro de um traje de astronauta que o permite voar e respirar fora d’água. Comercializada no exterior com os títulos de Peztronauta, em espanhol, e Fishtrounaut, em inglês, o desenho já originou um filme e show musical e tem 14 músicas compostas por Paulo Tatit, do Palavra Cantada, Também voltado para este público, foi lançado em para a também figurarem a animação. 2009 o Peixonauta, série produzida pela TV Pinguim em associação com a Discovery Kids da região Porém um desenho brasileiro que vem conquistanda América Latina, e primeira animação de con- do já faz um tempo tanto o público infantil quando cepção artística e de autoria brasileira. o adulto é o Irmão do Jorel, criado por Juliano En-

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Imagem: Estação Nerd

An i mação brasile ira co n quista o coração d e c rianças e a dultos


rico. Sua primeira temporada foi lançada em 2014 e é a primeira animação original do Cartoon Network feita no Brasil e América Latina, tendo vencido em 2009 um pitching para a produção de novas animações nacionais promovido pela rede.

A série mostra o cotidiano de uma família brasileira grande e extravagante, trazendo situações de confusões típicas de um ambiente familiar ambientado na década de 1980. No caso do público infantil, apesar de não viverem no tempo ambientado, as situações e cenários que são mostrados nos episódios são de certa forma familiares e pemiWtem uma conexão e sentimento de representação entre aquilo que as crianças vivem e aquilo que estão vendo. Já para o público adulto, o desenho criado por Juliano Enrico traz memórias de tempos vividos e um sentimento de saudosismo e nacionalismo por ver aquilo que já se passou sendo divulgado novamente.

Jorel é o filho do meio da família e o menino mais popular da cidade. Ele é bonito, admirado por todos, seu cabelo é liso e sedoso, tem físico atlético e sua fama é o motivo pelo qual não sabemos o nome do seu irmão mais novo, que ficou conhecido por quase todos (com exceção de sua família) como o Irmão do Jorel. Quase sempre ofuscado pela popularidade de seu irmão, o irmão do Jorel tenta ganhar sua própria identidade dentro e fora da família, passando por diversas situações e momentos típicos da infância, mas com altas doses de aventura. O criador, Juliano Enrico, colocou muitas de suas experiências de infância no desenho, o que de fato confere grande autenticidade quanto à representação da criança brasileira e suas brincadeiras. Outra razão pela qual a animação remete à nossa

cultura é a unidade familiar. Vivem na mesma casa o pai, a mãe, duas avós (uma rabugenta e outra adorável), Jorel, Nico (o irmão mais velho) e claro, o Irmão do Jorel. Temos muito forte em nós esse costume de viver em uma só casa muitos membros da família, o que nos remete mais uma vez ao reconhecimento entre o que vemos e vivemos, diferentemente de diversos outras animações que se tornaram popular no Brasil mas que vem de outros países. Muito interessante é também as narrativas por detrás das aventuras do irmão do Jorel, que se mostram muito bem pensadas e desenvolvidas não somente para a diversão do público infantil, mas também para a reflexão dos adultos. Em certo momento, o telespectador fica sabendo que Seu Edson, o pai da família, foi um militante contra a ditadura militar brasileira, tendo criado uma peça infantil como modo de lutar contra a opressão vivida na época.

Existem também episódios em que se questiona a heteronormatividade vigente, com o Irmão do Jorel se vestindo de menina e usando saia para participar despercebido de uma competição, estimulando um debate entre os personagens sobre o fato deles, crianças, poderem brincar como e com o que quiserem, independentemente de seu sexo. O desenho também aborda a violência da polícia no país e a discriminação de homossexuais, o que acaba estimulando debate entre as crianças e seus pais sobre temas que até então não seriam conversados.

Atualmente em sua quarta temporada, o Irmão do Jorel já se solidificou como um desenho que aborda temas intrínsecos da sociedade brasileira e conquistou fãs de diversas faixas etárias, que continuam assistindo as aventuras que se sucedem e aprendendo de forma divertida um pouco sobre nossa identidade.

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Arabutã - Edição 1

PROPAGANDA


Diversidade no

Foto: Divulgação

pop Brasile iro

Drag queens, mulheres e negras traduzem o discurso por trás da nova onda da música pop nacional

Por: Douglas françoza


Arabutã - Edição 1

H

á mais ou menos 3 anos, nomes como Pabllo Vittar e Anitta são comuns aos brasileiros que acompanham as rádios ou frequentam festas mais animadas. Anitta, que agora mira a carreira internacional, antes foi Larissa e Mc Anitta. Saiu da periferia carioca, no bairro de Honório Gurgel e conquistou a América Latina. Pabllo é um menino, pobre e gay, que gostava de cantar e se produzir para se divertir com os amigos, uma drag queen que gravou versões brasileiras de hits americanos e ganhou até as pistas de dança mais conservadoras. LGBTs e mulheres periféricas dão um novo ar a música pop brasileira, driblam os preconceitos e tocam até em festas infantis. Hoje, Pabllo é uma das drag queens mais famosas do mundo. Seus videoclipes, lançados na internet, quebram recordes de visualizações, deixando produções internacionais no chinelo. Ela acaba de lançar seu segundo álbum em estúdio, o sucessor de “Vai Passar Mal”, titulado “Não Para Não”. De acordo com seu comunicado para imprensa, o disco é democrático e para todos. “O disco foi pensado como uma noite comigo: tem música pra se acabar de dançar, música pra chorar pelo boy lixo”, disse a cantora. O sucesso de Pabllo surpreende por se dar em um país tão violento com LGBTs, mas a grande sacada da Drag é justamente a diversidade. A mistura

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de ritmos e referências a suas origens nordestinas é facilmente detectável em todos os seus trabalhos.

Rodrigo Gorky, Pablo Bispo são alguns dos nomes mais importantes nessa indústria hoje. E são eles quem produzem e compõem a maior parte das músicas do que se chama de novo pop brasileiro. O primeiro, Gorky, fez parte do grupo Bonde do Rolê e produziu e assessorou a Banda Uó, famosa no meio LGBT. Pablo Bispo já assinou músicas gravadas por Anitta, Vittar e outros nomes importantes dessa geração, entre eles, Glória Groove. E aqui entramos no mundo de outra Drag Queen, que veio aos holofotes depois do sucesso de Pabllo Vittar. Assim como Glória, outras figuras como Aretuza Lovi e Lia Clark também conseguiram emplacar hits e ganhar fãs. “O “boom” midiático das drags deu-se por muitos motivos, mas principalmente porque a cena brasileira é vasta e muito plural. Temos feito música pra todos os ouvidos, e isso tem um enorme poder. Me vejo privilegiada em ter garantido um espaço num movimento tão revolucionário”, disse Groove.

do por ser um meio dominado por homens, mas fico feliz de ver que hoje temos uma cena que insere muito mais as minas cis e trans. Claro que ainda existe resistência, mas diria que estamos pintando um futuro muito mais diverso para o rap no Brasil”, conta a cantora, que sem a caracterização pode ser chamado de Daniel Garcia e tem apenas 23 anos. Seu grande hit, Bumbum de Ouro lhe rendeu não só os primeiros lugares nas paradas musicais, mas também parcerias interessantes com cantores de Axé, como Léo Santana, e outras drags, como a própria Pabllo Vittar.

O conceito de diva

Nina Simone, Tina Tuner, Donna Summer são alguns nomes de divas americanas que serviram de inspiração para a Iza, um dos nomes mais proeminentes do pop nacional. M u l h e r, negra e pobre, ela é dona de uma voz potente, arranjos e Enquanto Pabllo faz uma música estilos que pop cheia de swing e ritmos bra- podem ser sileiros, a aposta de Glória é no c o m p a ra d o s hip hop e, como drag queen, ela aos de Rihanna, outnão se intimida ao adotar esse ra diva americana. A estilo. “O hip hop ficou conheci- tendência e a amer-


icanização das cantoras brasileiras começou lá em 2016, quando Anitta lançou o seu sucesso Bang, todo inspirado em Pop Art e começou a olhar para fora do país. Parte da mesma geração, Iza ainda não fala muito em carreira internacional, mas reúne elementos que a fazem ser consideradas uma das maiores apostas da música feita no Brasil. Assim como Anitta, Isabella saiu do subúrbio carioca, mais especificamente do bairro de Olária e, ainda menina, já impressionava com sua potência vocal. Suas vivências como a única garota negra do colégio e seus conhecimentos

como publicitária a transformaram em IZA, que faz questão de usar suas músicas para falar sobre temas como racismo, preconceito e feminismo. “Eu lembro a menina que eu era, mais nova, e sei como é importante me ver nos lugares, me sentir representada, ter uma mulher forte me dizendo todos os dias que eu posso, que “quem sabe sou eu”. Então, sempre que eu puder, vou passar essa mensagem através do meu trabalho”, disse a cantora de 28 anos. Iza, Anitta, Pabllo e Glória são alguns nomes que representam um Brasil mais diverso e que se importa com questões como a lgbtfobia, racismo e preconceito social. “Acho muito importante ter a oportunidade de falar sobre esses temas. A gente só se dá

conta do papel que exercemos na vida das pessoas quando elas retornam as vivências dela com a música, as experiências que elas tiveram através do nosso trabalho”, destaca Iza. Usar a voz para falar sobre questões sociais é uma das principais características desse novo pop. Pabllo Vittar lançou o emocionante videoclipe de sua música indestrutível, para se manifestar contra o bullying com jovens LGBTs e foi apontada pelo BuzzFeed americano como o principal nome de resistência a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência. Apesar do sucesso estrondoso das Drag Queens, inclusive em ambientes heterossexuais, o Brasil ainda é o país que mais mata membros da comunidade de Pabllo e Groove.

Foto: Divulgação

O s n ú m e ros d e Pablo vit tar

- 20 milhões foi a quantidade de visualizações que o videoclipe de Sua Cara teve em apenas 24 horas no Youtube. (Essa marca, desbanca grandes estrelas da música como One Direction e Miley Cyrus.)

- Pabllo já tem parcerias com Lucas Lucco, Anitta, Alice Caymmi, Charli XCX, Preta Gil, entre outros. - Ela é a drag mais seguida no instagram: 6,9 milhões de seguidores.

- O videoclipe de K.O tem - JÁ cantou ao lado de Fermais 300 mil visualizações. gie no Rock In Rio 2017, para mais de 100 mil pessoas.

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Imagem: Facebook

ArabutãArabutã - Edição- 1 Edição 1 Revista


As novas caras da mpb Por: Marina Kaiser e sergio pantolfi Como as novas gerações têm reinventado a Música Popular Brasileira

O

Brasil é um país criado na mistura. Miscigenado desde 1500, a música sempre fez parte da identidade de um povo que tem no sangue, a arte de se reinventar, de ilustrar as mazelas que assolam e massacram a sociedade, assim como, tem a sensibilidade e a perspicácia de mostrar que não há nada melhor que o nosso país.

berto no violão, que trazia uma batida diferente do que se existia na época.

Em maio de 1958, Elizeth Cardoso lançou o famoso LP “Canção do Amor Demais”, que continha músicas de autoria de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Além disso, Elizeth era acompanhada por João Gil-

De começo, a MPB era chamada de MPM (Música Popular Moderna) justamente para diferenciar-se da bossa nova, do samba e das marchinhas de carnaval. O contraditório é que os artistas utilizavam a

Esse foi o pontapé inicial, porém pode-se dizer que a bossa nova foi propriamente inaugurada, em agosto de 1958, com o lançamento de um disco de 78 rpm (rotações por minuto) de João Gilberto, que continha músicas como “Deixa de Saudade” e “Bim A sigla MPB é muito mais do que uma simples Bom”, gravado com o apoio de outros músicos tamjunção de letras, é um lema que teve em seus curtos bém de extrema importância, como Dorival Caym60 anos diferentes contextos musicais, sejam eles mi. de revolução ou artísticos. Algumas das características da bossa nova eram leO nascimento da bossa nova tras que traziam temáticas leves e descompromissadas; o “canto-falado” ou cantar baixinho, vozes A música popular brasileira vem do estilo conhe- suaves pronunciando muito bem as palavras; e o cido como bossa nova. Derivado do samba de Noel acompanhamento e canto do artista integrando-se Rosa e com influências diretas do jazz norte amer- mutuamente. Uma das principais músicas da época, icano de Stan Getz, a bossa nova ecoava pelos ou- que repercutiu internacionalmente e teve interprevidos elitistas da cidade maravilhosa na década de tações de Frank Sinatra e Ella Fitzgerald, é Garota 50. No contraste dos sambas de gafieira, o gênero de Ipanema, composta por Tom e Vinícius. de pai triplo, dava prelúdios do que seria o movimento mais ‘‘brasileiro de todos’’. E veio a Música Popular Brasileira

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Imagem: James Norway (Flickr)

Arabutã - Edição 1 suavidade da bossa nova, o carisma regionalista e das ideias cosmopolíticas de canções norte-americanas que se tornaram famosas graças por meio do cinema. A sigla MPM foi substituída por MPB na virada da década de 1960 para 1970.

Durante a primeira metade de 1960, a bossa nova passava por momentos de transformações, devido principalmente à segunda geração de compositores que passaram a compor dentro do gênero. Um dos marcos da transição da bossa nova para a MPB foi a canção Arrastão, composta por Vinicius e Edu Lobo, e que, cantada por Elis Regina, venceu o I Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela não mais existente TV Excelsior, em 1965. Como marcos do final da ruptura entre um estilo e outro podem ser apresentadas Disparada, de Geraldo Vandré, e A Banda, de Chico Buarque, músicas vencedoras do II Festival de Música Popular Brasileira.

Muito diversificada e ampla, a MPB começou com um perfil nacionalista, principalmente por ter surgido logo depois do golpe militar de 1964, mas porque os músicos não apresentavam resistência ou aversão em misturar diferentes estilos musicais, o gênero foi mudando e incorporando diversos outros elementos à sua identidade, como ritmos rock, soul, funk, samba e, principalmente mais recentemente, o pop (entre diversos outros estilos musicais). Afasta de Mim esse Cálice

Durante os anos sombrios da ditadura militar, surgiu um movimento político e musical de suma importância para o país. A tropicália, ao unir o popular, o pop e o experimentalismo estético, acabou impulsionando a modernização não só da música, mas da própria cultura nacional.

corpo, sexo e ao vestuário. A contracultura hippie foi assimilada, com a adoção da moda dos cabelos longos encaracolados e das roupas escandalosamente coloridas. Por se tratar de um movimento de oposição durante o regime militar, as mensagens das letras tinham que ser “codificadas”, porém com bagagem cultural o suficiente para que pudessem ser compreendidas pelo público.

Um momento de extrema importância para a definição da Tropicália foi o III Festival de Música Popular Brasileira, em 1967, que contou com “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso e “Domingo no Parque”, com Gilberto Gil ao lado dos Mutantes. O movimento libertário durou cerca de um ano, entre 1967 e 1968, e acabou reprimido pelos militares. Descontraído, a Tropicália transformou os critérios Porém, seu legado continuou e perdura até hoje. de gosto vigentes, não só quanto à música e à políti- Artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Cosca, mas também à moral e ao comportamento, ao ta, Chico Buarque, Os Mutantes entre outros, foram

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nomes importantes na construção de uma identi- pação de 17 outros artistas brasileiros, como Chico dade musical brasileira que dita o ritmo dos novos Buarque, Arnaldo Antunes, Thiago Iorc, Zélia Dunartistas que surgem pelo país a fora. can, entre outros. Seu single “Mexeu Comigo”, do álbum “Gaya”, contou com um clipe feito unicamente A nova geração da MPB por mulheres. O interessante da música é a capacidade que ela tem de existir por um longo período de tempo ou então ressurgir nas mãos de novos artistas pertencentes a novas gerações. Um exemplo é a MPB, que tem aparecido novamente através de composições de músicos como Thiago Pethit, Tulipa Ruiz, Ana Canãs, Tiê, entre diversos outros. Os nomes desse “novo” estilo conhecido como a Nova MPB começaram a surgir a partir dos ano 2000, principalmente devido ao destaque que a música alternativa vinha recebendo: inadequadamente, artistas que se encontram nesse estilo foram por um tempo rotulados de Indie.

Esses novos artistas revisitaram a MPB e a apresentaram com toques mais pop, folk, R&B, rock e até mesmo trazendo um pouco do eletrônico, criando diferentes sons e elementos. Aos poucos, foram aparecendo em aplicativos de streaming (como por exemplo o Spotify) e pouco depois nos olhos da mídia, dando entrevistas para revistas e canais televisivos, surgindo em documentários e se apresentando em show em diversas cidades brasileiras. Conversamos com duas das mais influentes artistas da nova geração brasileira. Tiê e Luedji Luna são popularmente conhecidas por suas músicas genuinamente brasileiras. Tiê conta com quatro álbuns lançados e com mais de 10 anos de carreira, já colaborou com artistas como Toquinho, Thiago Pethit, Dorgival Dantas e Tulipa Ruiz. Além disso, em 2015, Tiê participou da canção “Trono de Estudar”, composta por Dani Black apoio aos estudantes que se articularam contra o projeto de reorganização escolar do governo do Estado de São Paulo. A faixa conteve a partici-

Já Luedji Luna tem uma carreira mais curta, mas muito promissora. Com o álbum intitulado ‘‘Um corpo no mundo’’ Luedji, que é natural de Salvador, leva um som de origens africanas e baianas para os grandes centro. O álbum, tem muito a ver com a formação da banda que gravou com a cantora, O queniano Kato Change nas guitarras, o paulista criado na Bahia Françõis Moleka, Antonio Somellian que comanda o baixo elétrico e o sueco Sebastian Notini.

Tiê e Luedji, contaram para Arabutã, como é se destacar no meio da MPB trazendo certas inovações. ARabutã Como e quando você descobriu/percebeu que queria trabalhar na indústria da música?

tiê Com 17 anos participei de um festival e senti o gosto de estar no palco. Apesar de muito tímida, consegui me controlar e senti que fiz o meu melhor. Aí só com 29 anos que lancei meu primeiro trabalho solo. Luedji Sempre cantei desde de criança, escrevia na adolescência, mas só aceitei a música profissionalmente com 30 anos. ARabutã Luedji, você lançou seu primeiro CD recentemente. Como foi o processo de se encontrar em termos de estilo musical, encontrar seu público (ou ser encontrada) é a criação e produção das músicas? Luedji Lancei Um Corpo no Mundo em Outubro de 2017, desde o lançamento o processo tem sido bastante

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Arabutã - Edição 1 intenso, muito mais demanda por shows e minha nos dias de hoje? visibilidade aumentou bastante. Acho que é um processo natural. tiê Acho que o mercado num geral está tenso com a política, não apenas no mercado de entretenimenARabutã Como você enxerga a influência da MPB na sua car- to. Por outro lado, estamos numa fase bem rica de reira? Tiê, você já fez parcerias com artistas como o artistas e talentos... e isso acontece também por Toquinho, por exemplo. O quanto isso agregou para conta do cenário complicado. Geralmente é nesse a sua trajetória? momento conturbado que as vozes (e as mensagens!) de alguns artistas sobressaem e fortalece a arte como um todo. tiê Toquinho foi meu grande professor. Me ensinou Luedji muito do que eu sei. Não só tecnicamente, mas tam- Acho que ela caminha para uma maior democrabém artisticamente mesmo... tipo comportamento tização, a internet hoje é que vem dando a tônica à no palco, interação com público, interação com a indústria. equipe envolvida no show. Até hoje cantamos juntos e somos amigos. ARabutã Os artistas da MPB sempre foram muito ligados ARabutã Você acredita que existam diferenças entre a à política e a expor suas ideias. Na sua opinião, MPB de antigamente e a dos dias atuais? Se sim, isso ainda acontece nos dias de hoje? Você é ligada quais seriam as maiores diferenças entre elas, na à política? sua opinião? tiê Acho importante o artista se posicionar. Mas sincetiê Eu acredito que sim. Como tudo na vida, né? Afinal, ramente não acredito que a classe [musical] tenha os tempos são outros e não teria como ser diferente. essa obrigatoriedade. Muitas pessoas cobram o Algumas histórias que se contam nas composições posicionamento, mas é uma responsabilidade muisão atemporais, como amor, esperança, desilusão. to grande, pois o artista tem uma grande capaciMas o contexto atual inspira outras histórias que dade de influenciar outras pessoas. fazem sentido nos dias de hoje, como igualdade, diversidade, feminismo, respeito, paz... Esse pano Eu acredito que cada um tem que fazer o que acha de fundo se reflete não só na composição, como certo. Se quiser se posicionar, ótimo... basta saber também nos ritmos, na mistura de estilos, nas co- que vai sempre existir quem te apoia e quem vai labs, etc. Quando o contexto mudar, veremos o re- te criticar por isso - independente do lado. Caso flexo novamente na arte. não queira falar nada, tudo bem também... Nos dois caso, sempre vai ter as consequências, tanto de se Luedji A MPB eu acho que tá sempre se renovando né? Eu expor, quanto de omitir. acho que agora há mais mulheres compositoras e cantoras no cenário. O artista está no direito de não falar nada, isso é o mais importante de todos refletirem. Luedji Sim, acho que na atual conjuntura mais artistas têm ARabutã O que você pensa a respeito da indústria da música se mobilizado no sentido de construir uma socie-

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dade mais justa. Sou ligada a militância negra!

ca no país?

tiê ARabutã Como é o processo de entrada no mercado musical Papel de entreter, de emocionar e de educar. e as possíveis dificuldades que aparecem ao longo Luedji do caminho? Acho que o papel de qualquer cidadão nesse momento, artista ou não, é lutar pela democracia! tiê Só posso falar sobre o meu processo, pois cada um ARabutã tem uma trajetória muito específica. Ele foi longo Para concluir nossa entrevista, se você pudesse dar e tive que ser bem determinada para não desistir. 3 conselhos para as pessoas que estão tentando Como em todas as carreiras, devemos saber bem o entrar no ramo da música (principalmente MPB), que queremos e tentar, na medida do possível, ter quais seriam? um bom planejamento - sabendo onde queremos chegar, é necessário traçar os caminhos e ter as ro- tiê tas alternativas. Descubra o que você tem de melhor, e não o que pode fazer sucesso e te dar dinheiro. A sinceridade É bem importante termos consciência do que sabe- é muito importante. Seja paciente. Seja corajoso! mos fazer muito bem e ter ajuda de outras pessoas Luedji nas áreas que não somos muito bons. Ninguém é Foco, força, fé! bom em tudo e tá tudo bem! Luedji É um processo difícil, mas não impossível. Acho que a maior dificuldade é ter recurso para instrumentalizar a carreira: assessoria de comunicação, social media, produção, clipe, foto, e etc, tudo isso tem um custo, e todo esse trabalho indireto a musical é tão essencial quanto ela própria. ARabutã Quais são suas influências musicais tanto nacionais quanto internacionais?

tiê Não tenho influencias artísticas diretas. Costumo ouvir de tudo um pouco para ter muitas referências, mas me influencio mais pela minha familia e amigos. Luedji Tiganá Santana e Nina Simone. ARabutã

Na sua opinião, qual é o papel dos novos artistas independentes (ou não) na conjuntura atual da músi-


Arabutã - Edição 1

Foto: divulgação

S elvagen s à p ro cura d e lei: a n ova velha cara do ro ck nacional Por: Sergio pantolfi

O

Selvagens à Procura de Lei é uma banda relativamente nova, formada em 2009 na cidade de Fortaleza. Os cearenses Gabriel Aragão (vocais e guitarra), Rafael Martins (vocais e guitarra), Nicholas Magalhães (bateria e vocais) e Caio Evangelista (baixo) despontaram para o Brasil e veem dando uma nova cara para o rock nacional. Em 2011 lançaram o primeiro álbum intitulado “Aprendendo a Mentir”, em 2013, divulgaram o segundo disco, homônimo, onde apresentaram ”Brasileiro”, uma de suas canções de maior repercussão.

Para começar, por que Selvagens à Procura de sobre rock com esse professor, que também tocava. Daí Lei? Sempre curti o nome Selvagens, porque, pra mim, veio o “click” pro nome da banda, que na época era remetia a uma frase do Tempo Perdido, da Legião Urbana, e ao terceiro disco dos Paralamas do Sucesso. O nosso “sobrenome” veio de uma aula de Sociologia, na faculdade de Direito, quando o professor falou mais ou menos a frase “nós todos aqui somos animais em busca de ordem, de leis”. Eu costumava trocar várias ideias

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apenas um projeto na minha mente.

E pra quem não os conhece, quem são os Selvagens à Procura de Lei? Somos todos selvagens

à procura de lei. Bem como é o significado do nome: é algo maior do que a própria banda. Mas enquanto


ENTREVISTA sELVAGENS À PROCURA DE LEI grupo, somos 4 irmãos com habilidades diferentes mas com a mesma importância. Selvagens é um trabalho em equipe na música.

taleza. Agora, na Tour Praieiro, estamos investindo mais no interior do Ceará. Fizemos um show recentemente em Quixadá. Queremos explorar mais as cidades do nosso No começo da carreira de Estado com esse disco. A mudança vocês, as pessoas compara- para São Paulo foi algo natural, não vam o aprendendo a mentir do dia pra noite. Já fazíamos várias com o primeiro disco do Arc- investidas da terra da garoa desde

tic Monkeys. Concordam com essa comparação? Quais artistas a banda costuma ouvir?

No começo da banda, ouvia muita coisa do universo indie, mas não apenas dos anos 2000, como Television, John Frusciante ou Blur. Claro que ouvimos o primeiro disco do Arctic Monkeys. Quem não ouviu naquela época? Assim como o primeiro do Strokes ou do Franz Ferdinand e por aí vai… Vejo o Aprendendo a Mentir como um bom disco da sua época, mas não acho nada parecido com o primeiro dos AM. Talvez a gente tivesse as mesmas influências, talvez algumas músicas tenham realmente uma influência direta deles, como “Casona” ou “Esperando Pelo 051”, mas enquanto disco, são duas obras bem diferente. Aprendendo a Mentir tem um lado Beatles que o primeiro dos AM não tem, por exemplo. Também, no nosso primeiro disco, já começávamos a puxar pra música brasileira/cearense, embora não fosse tão perceptível como os trabalhos mais recentes, mas algo já estava presente ali.

“É a força do grupo, e não a força de um indivíduo. Também somos uma banda de rock, e o rock é o grito do povo colocado pra fora pela garganta do artista. Ser do rock é libertador.”

Pode se dizer que foi um grande momento para a banda? Tocar

no Lolla em 2014 foi muito especial. Foi um show divisor de águas pra gente. Nos preparamos bastante para “entregar” uma apresentação diferenciada dos Selvagens. Lançamos “Bem-Vindo Ao Brasil” naquele dia, pra quem estava ali. Subimos no palco mascarados de políticos, num protesto irreverente e bem humorado. Desde então, nosso show se tornou algo maior do que simplesmente tocar um repertório. Levamos o que aprendemos naquele dia até hoje, na Tour Praieiro. Admiro muito as escolhas de bandas do Lolla. Eles fazem algo que nenhum outro festival do país faz. O Lolla abre portas para o novo. Espero que os Selvagens possam voltar em breve e mostrar a nova cara da banda para o novo Lolla que surgirá.

Seus fãs são conhecidos como “Mucambada” em alusão a musica Mucambo Cafundó. Para a produção do Praieiro, a banda anunciou uma campanha de financiamento coletivo. Como o lançamento do Aprendendo a é a relação entre vocês e o púMentir, no começo de 2011. A mu- blico? Nossa relação com o pú-

blico sempre foi de proximidade. Nos primeiros shows da banda, costumávamos distribuir nosso primeiro EP de graça pra galera. Aquilo foi a semente dessa relação. Como disse, somos todos Selvagens à Procura de Lei. O público entende isso. Eles não são apenas mais um público. Eles são a Mucambada. É especial. É íntimo. O Praieiro é marcante porque é um disco nosso para eles. Nós fizemos as músicas, A banda, se mudar para São Paulo? Vocês costumam voltar ao Em 2014 e 2018 vocês se apre- Mucambada investiu e compartilCeará? Voltamos sempre para For- sentaram no Lollapalooza. hou o projeto. É uma relação muito tocante. A faixa etária é ampla. dança de fato só ocorreu no meio de 2013, com o lançamento do segundo álbum pela Universal Music. São Paulo é uma cidade incrível e que mexeu e mexe muito com a gente. Conhecemos vários profissionais, de todas as áreas, amaduVocês costumam usar muito da recemos bastante, como músicos e regionalidade nordestina em como pessoas. Sou muito grato à suas canções, principalmente São Paulo. Como dizemos, é a nosde Fortaleza. Como foi para a sa segunda casa.

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Arabutã - Edição 1



Arabutã - Edição 1 Vemos crianças cantando em nossos shows, cada vez mais. Pais que cresceram ouvindo o rock brazuca dos anos 80… Adolescentes colegiais… Além da galera da faculdade que cola nos shows desde o início. Mas quando você percebe que tem crianças no seu show cantando tudo, é uma sensação tão forte que não dá nem pra descrever. Você sabe que está no caminho certo.

para fora do Brasil? Sempre! e tocou em várias plataformas Mas tomamos uma decisão lá atrás pelo país. Vocês estão felizes de chegar no máximo de cidades com a repercussão da música? do nosso Brasil, antes de colocar Como foram recebidas as crítio pé pra fora. Temos tantos fãs es- cas tanto negativas e positivas palhados pelo país que ainda não pela banda? Estamos muito satis-

viram um show dos Selvagens que tomamos isso como missão para a Tour Praieiro. Até porque, como disse, Praieiro é um disco dos Selvagens para a Mucambada, e eles merecem isso. Temos fã clube em Vocês estão em turnê com um Porto Alegre e Manaus, por exemdisco novo, o “Praieiro”, com plo, embora ainda não tenhamos

uma pegada bem diferente dos dois primeiros. De que forma surgiu inspiração para a produção do álbum? O que nos in-

spira é sair da zona de conforto. Pra gente, cada disco precisa ter a sua cara, o seu começo-meio-fim, contar a sua história. Como se fosse um livro de uma saga. O segundo disco da gente, de 2013, fala muito sobre transição, sobre o processo doloroso que é crescer, entre o juventude e a vida adulta que se aproxima. Nosso terceiro disco já parte do “se jogar”, que é bem o espírito descrito em Tarde Livre, o primeiro single. Além disso, buscamos turbinas referências que já tínhamos, mas quem ainda não se mostravam nas nossas músicas. Trabalhamos muito os ritmos dessa vez… Dance, xote, reggae, funk… Tudo isso, mas com os Selvagens executando. Selvagens sempre vai carregar o espírito do rock, mas como o próprio rock é algo totalmente libertário, não nos prendemos a nenhum estilo e fazemos o que queremos fazer no momento. Cada disco dos Selvagens será único. Não acreditamos em repetir fórmulas.

“Quem sabe esse ano ainda role algo na América Latina. Quem sabe ano que vem a gente se mande pro SXSW. Está nos planos. O futuro dirá.” tocado por lá. Então, chegou a hora de tornar isso realidade. Os shows da Tour Praieiro estão sendo incríveis. É uma ótima oportunidade de conhecer os Selvagens à Procura de Lei. Estamos com um repertório rico. É uma fase muito gratificante pra gente. Estamos nos programando para levar o som dos Selvagens para fora do Brasil.

Especificamente de Tarde Livre” o single lançado em novembro do ano passado, Sobre a turnê, o que esperam? que também está presente no Pensam em levar os selvagens “Praieiro”, fez bastante sucesso

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feitos, sim, mas acredito que o potencial da música é muito maior do que o que está aí. Tarde Livre é um resumo do que sentíamos na mudança pra São Paulo e é uma força sinistra tocar ela ao vivo. O público se emociona, a gente se emociona. Acho que a grande mídia que move o país ainda não entendeu a força da nova geração da música brasileira. Mas não importa. Nós somos a geração da internet, sem barreiras ou limites. É questão de tempo até que a velha guarda entenda os novos artistas como um todo. Devagar a gente chega lá. Duvido de tudo que segue pelo que é mais fácil. Acredito em críticas construtivas, como uma que ouvimos na época do primeiro disco, que dizia que era um álbum datado. Levamos em consideração essa crítica enquanto escrevíamos o segundo disco. Críticas ao Praieiro do tipo “tá muito diferente dos discos anteriores” eu não consigo nem levar a sério, porque realmente era essa a nossa intenção, assim como espero que o próximo álbum não tenha nada a ver como o que fizemos até aqui. O Praieiro é um disco que, pela primeira vez, todos compõe, tem músicas minhas, do Rafa, do Caio e do Nicholas. Talvez, porque nos discos anteriores, as músicas eram minhas e do Rafa, cause uma certa diferença nas letras, por exemplo. Mas acho que é um disco rico justamente por isso. E isso é super válido. Tudo tem que ter um começo. Tenho certeza que no próximo álbum estaremos todos muito mais afiados como composi-


ENTREVISTA sELVAGENS À PROCURA DE LEI tores. Mal posso esperar.

A quarta faixa do álbum,“Felina” tem uma pegada meio reggae, meio surf rock, algo difícil de ser encontrado nos outros discos. Como foi essa experiência de vocês inovarem e fugirem um pouco do rock?

Foto; divulgação

Não dá pra fugir do rock quando se trata dos Selvagens à Procura de Lei. Por mais reggae, dance ou funk que a gente possa fazer, nossa raiz é do rock. Felina é uma música bem resolvida, um reggae nordestino malan-dro. A letra foi inspirada em Alceu Valença. É tudo muito malandro nessa música… É um rock-raggae gaiato que faz todo mundo dançar no primeiro acorde. Quando chega o momento dela no show, dá sentir a energia de todo mundo ficando suave e bem-humorada. É mais ou menos isso que queríamos causar no público com o Praieiro.

Acho que a música brasileira estava muito séria até então, numa onda muito ‘‘intelectualzóide’’, com letras difíceis que não tocavam o coração de ninguém. Algo que não representava o povo brasileiro em toda a sua dimensão, mas apenas uns poucos bajuladores. Fico muito feliz de fazer a galera dançar no show dos Selvagens, com Felina e outras músicas do Praieiro. Era isso que tínhamos em mente.

Para terminar, como é que vocês se sentem sendo a cara do novo rock nacional? Quais os planos da banda? Onde vocês almejam chegar? Algum recado para os fãs? Tenho muito or-

gulho de poder levar essa bandeira adiante. Fico emocionado toda vez que leio a história do rock nacional. No momento estou lendo a biografia do Dado Villa-Lobos, “Memórias de Um Legionário”.

Aquela geração foi de uma força de vontade impressionante. Sem eles, não estaríamos fazendo o que fazemos. Cada objetivo que conquistamos traça a estrada para o próximo. Queremos sempre aquilo que ainda não realizamos, com muita humildade e muito trabalho. É preciso aprender com os erros pra chegar além. Agora, com três discos lançamos e 6 anos de banda, temos uma experiência boa a nosso favor. Estamos com um baita repertório. Sinto que está cada vez mais perto de captar um registro ao vivo dos Selvagens à Procura de Lei. No último show em Fortaleza, no Maloca do Dragão do Mar, tocamos para mais de 6mil pessoas. Uma energia absurda. Precisamos registrar esse momento da banda, para então, colocarmos os pés pra fora do Brasil, levando esse som brasileiro da nova geração, com esse sotaque nordestino, com muito amor e dedicação, pra além de nós mesmos.

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alternativa ao cl á

O Museu Itinerante da língua portuguesa está p

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ássico

Mostras itinerantes e páginas na web não são alternativas a museus clássicos, mas um bom programa para salientar a importância do patrimônio histórico e cultura

Por: Douglas françoza Fotos: Gustavo Lustosa

E

m setembro, um gravíssimo incidente com um dos principais museus do país, o Museu Nacional, mostrou ao mundo o descaso que as instituições de preservação da memória vem sofrendo em terras tupiniquins nos últimos anos. Não foi possível ignorar a catástrofe. Nos últimos dias, a Secretaria do Patrimônio da União anunciou que alguns laboratórios com containers começarão a funcionar novamente para o retorno dos funcionários, estudantes e pesquisadores. Com mais de 200 anos de existência, o Museu Nacional já começou a ser reconstruído com a ajuda do Ministério da Educação, que disponibilizou uma verba de 10 milhões de reais e também de outras empresas. O episódio reacendeu a discussão sobre o cuidado que a nação tem com seu patrimônio histórico e cultural. Além disso, trouxe a tona alguns outros museus que estão sendo negligenciados por seus responsáveis, como é o caso do Mu-seu do Café, em Ribeirão Preto, que está fechado por falta

de verba e cuidados. Ao contrário do Museu Nacional, essa instituição, localizada dentro do campus da USP, ainda não recebeu a devida atenção da justiça e dos órgãos públicos. Apesar disso, o governo da cidade disse que irá usar a verba de uma ação que recebeu em juízo para a reconstrução. Em dezembro de 2015, o Museu da Língua Portuguesa foi cenário de uma catástrofe parecida com a do museu carioca. Um incêndio, ocasionado por um curto-circuito na rede elétrica do prédio, que fica anexado a estação da Luz, destruiu boa parte do museu e tirou a vida de um bombeiro que tentou conter as chamas. Ao contrário do que se viu nos exemplos citados anteriormente, a instituição uniu forças a empresas e desde então tem uma força tarefa para reparar aquilo que foi perdido e ele deve ser reaberto em 2019. Diante desse cenário, inúmeras propostas contrastam com os modelos antigos de museus. Apesar das diferenças, elas têm em comum a vontade de preservar e disseminar e utilizam novas plataformas para isso.

percorrendo o estado de São Paulo.

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Acima, a entrada da exposição. abaixo, o mapa dos dialetos do estado de São Paulo.

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O Museu Itinerante

Enquanto a sede do Museu da Língua Portuguesa se reconstrói em São Paulo, parte de seu material tem ido até as pessoas que estão

fora da capital. Só em suas primeiras paradas, a mostra itinerante do museu já recebeu mais de 47 mil visitantes de cidades como Tatuí, Santos, Rio Claro, São Carlos, Bauru e Presidente Prudente. “A itinerância traz na bagagem conteúdos inéditos, que conversam com a museologia contemporânea e com a rica expografia de sons e imagens do Museu da Língua Portuguesa, instituição que apresenta a Língua Portuguesa como patrimônio imaterial, viva e dinâmica, além de conteúdos já conhecidos pelo público”, garante a assessoria da instituição. A experiência tenta retratar a história da língua portuguesa em seus diferentes momentos e suas



Arabutã - Edição 1 A mostra traz inúmeras informações sobre autores clássicos da língua portuguesa, e também diversas poesias escritas relações com o Brasil. Logo na entrada, uma ferrovia cenográfica remete o visitante ao museu original, na estação da luz, lugar de interação e troca de experiências culturais através da língua. A chamada Torre Estação da Língua Portuguesa ilumina a entrada do local com seus painéis de LED, que refletem versos de Fernando Pessoa, Arnaldo Antunes e Carlos Drummond. O arquiteto Fernando Arouca, responsável pela montagem visual do projeto, explica que os recursos visuais tem um papel ainda mais importante nesse tipo de exposição. “Tecnologia, interatividade, som, imagem e acessibilidade. Quem visita a exposição utiliza todos estes recursos para embarcar na história da língua portuguesa”, explica o sócio da Arquiprom.

As rotas marítimas e as relações entre portugueses e indígenas ditam a próxima fase do passeio pela mostra. O vídeo Sotaques, com o texto “O paraiso são os outros”, de Valter Hugo Mãe, tem o intuito de mostrar as diferenças de sotaques pelos mundo. Na ala ao lado, chamada de O que nos Une, um painel interativo giratório, com os países que fazem parte da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), rouba a cena.

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Na próximas paradas, o museu apresenta o Desembarque, que re-


produz uma linha do tempo com a construção do idioma no Brasil, e Os trilhos, uma sala com monitores touchscreen mostrando palavras que vieram de outros povos e foram incorporadas ao português.

Uma preocupação dessa mostra itinerante foram os professores. Uma sala, chamada de Espaço Lusófono, é dedicada especialmente aos docentes. Nela, o vídeo Raiz Lusa mostra especialistas contando, com mais profundidade, o processo de construção da língua.

Acima, um pouco da história da lingua falada , em baixo, uma linha do tempo de como as produções ecritas eram divulgadas

Essas e muitas outras interações são previstas ao longo do passeio. Ainda que, de acordo com visitantes mais experientes, a mostra esteja longe de substituir a visíta a São Paulo, ela funciona como uma “atividade didática interessante”. Pelo menos, essa é a opinião da funcionária pública, Márcia Silva. “Uma delicia para ver, interpretar e ler”.

Outro exemplo de museu que está viajando é o Museu da Imigração e do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Os itens retratam os trajetos dos imigrantes e migrantes, que escolheram viver em São Paulo, passaram. Esse acervo revela como funciona a hospedaria de Imigrantes do Brás, que recebeu diversas etnias em seus quase 100 anos existindo.


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1 4 ª Bien al N aï fs do Brasil :

“ Daquilo que escapa” - Q u e não n os escap e Por: paula bettelli


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Q

uanto mais intensa é a apuração do olhar, da maneira de olhar, mais profundamente compreendemos as vidas que nos cercam - entendendo olhar como ato físico, mas admitindo que a interpretação do que é visto será influenciada pela vivência, pelas crenças, pelo ambiente ao qual se pertence. Apurar o olhar significa quebrar tabus, barreiras invisíveis que no entanto nos impedem a visão. A 14ª Bienal Naïfs do Brasil exige essa postura aberta à desconstrução, ao questionamento da cultura hegemônica, e chega assumindo um caráter de urgência. Os artistas selecionados cumprem com o papel das imagens enquanto fonte documental, observar seus trabalhos é como ouvi-los contar suas histórias, histórias que compõem o Brasil atual, construindo a memória coletiva. Logo que ao entrar no salão somos confrontados com a pintura de Raquel Trindade, que decreta: Marielle, presente! É o começo de uma série de quadros, bordados, desenhos, esculturas, gravuras, vídeos, entre outras técnicas com a potência de expandir visões acerca de mundo, carregadas de sabedorias ancestrais, que questionam a violência contra às mulheres, a apropriação de terras indígenas, os presídios brasileiros, a censura na arte e até mesmo a nomenclatura “naïf ” para designá-los. O imperativo das obras expostas é resistência. Resistência a tudo aquilo que os cala e os reduz como cidadãos, e também como artistas.

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É com essa firmeza que vive Carmela Pereira, artista plástica, escritora e compositora piracicabana, convidada pela curadoria para expor suas obras. Escolheu apresentar uma

No vocabulário acadêmico, arte naïf aparece como sinônimo de arte ingênua, instintiva. Os produtores dessa escola contestam o conceito atribuído, e nas paredes da mostra destacam-se as palavras de Nilson Pimenta: Popular sim, ingênuo jamais. estante cheia de esculturas, figuras criadas pelo seu imaginário, além de uma obra, de técnica mista sobre madeira, chamada “Saudades”. Um sentimento que permeia sua vida, marcada pela valentia de quem nasceu sem nenhum privilégio social e conquistou reconhecimento em suas artes, batalhando. Carmela conta que ganhou seu primeiro prêmio de arte aos 9 anos, no orfanato em que vivia. Apesar de desde então ter alcançado grande espaço no universo artístico, admite enfrentar momentos de dificuldade. “O que eu posso dizer pra você é que ser uma artista é muito difícil, porque eu sou de origem humilde e pobre, sei fazer as coisas e faço, mas nem sempre encontro espaço pra mim”, revela.

A complexidade das obras é negada a esses artistas no momento em que críticos definem-as como simples. Quando as miramos com olhar profundo o que vemos são potências múltiplas, a exposição não cansa porque há uma pluralidade de elementos que faz com que cada obra seja única e surpreendente - como, por exemplo, na obra Sincretismo - Ciranda de Fé, do artista visual André Cunha, uma mistura de pintura em papelão e madeira, com colagem, esculturas e dioramas, incorporados com o propósito de representar as religiões católicas e a Umbanda em um mesmo âmbito. Há material para horas de interpretação de signos apenas nessa obra. E é uma dentre os 181 trabalhos apresentados. As criações provém de 22 estados diferentes, além do Distrito Federal, Japão, Nicarágua e Haiti. Cada uma retratando festas, rituais, costumes e contrariedades experienciadas pelos locais onde foram concebidas. Elas refletem as dinâmicas de ruptura e continuidade do tecido social. Por isso o reconhecimento da arte naïf está ligado à percepção da riqueza cultural no interior do país. Nos centros urbanos as galerias priorizam as artes que buscam referências européias, são expressões procedentes de outras culturas tentando determinar o que nós somos - isso explica a falta de público periférico dentro dos espaços artísticos, não há o reconhecimento. É aí que a arte naïf se destaca das demais: é aquela que


Foto: DIvulgação

indistintamente fala a todos. E fala a todos por aquilo que a arte carrega de subjetivo - é a relação do ser humano com a fauna e a flora, a indignação com as injustiças sociais, a representação de crenças religiosas, da fé, é o folclore, o fantástico, o surreal - questões pertencentes à memória do Brasil, por isso cada espectador percebe as obras de formas diferentes, sensibiliza-se na medida em que as recordações pessoais se misturam com o retrato. São interpretações próprias frente aos “tão vastos universos desses artistas”, daí o título Daquilo que escapa. Nunca sabemos quais elementos nos passam despercebidos, ou quais não conseguimos compreender. “A exposição é uma tentativa de mostrar essa impossibilidade de dar conta de tudo”, esclarece Ricardo Resende, que juntamente com Juliana Okuda Campaneli e

Armando Queiroz foi responsável pela curadoria do evento. Mesmo dentro do universo naïf, é possível perceber em cada obra uma identidade visual ímpar, original. É um universo onde há ainda vários outros, singulares. Os artistas, autodidatas, usam suas próprias bagagens de conhecimento como referência para produzir - um dos conceitos comumente e erroneamente utilizados para descrever a arte naïf é a ausência de técnicas. “A técnica é minha, que eu inventei e criei. Ela não é acadêmica, mas pra fazer você precisa de uma metodologia, porque as coisas brotam e se você não transfere pra algum lugar elas passam”, reflete Carminha, artista naïf mineira que está expondo seu quadro “Casamento das Flores”. Cada obra exposta é muito significativa, porque possibilita a visibilidade de realidades marginalizadas. “Às vezes a gente sente uma emoção tão grande, a gente não sente o tempo passar. Eu me senti jovem”, se abre a pintora Duhigó ao ser perguntada sobre como foi quando recebeu a notícia de ter tido dois quadros selecionados, Maloca Tukuya e Imiróm - Pequeno Cacuri. Duhigó é a primeira indígena do Amazonas a expor na Bienal. “A importância seria: eu trabalhar

uma obra dessa [a maloca] porque é muito antiga e ela representa muito para mim. Hoje em dia ela é não existente, existem outras que não sejam igual ela, mas essa para mim é muito significativa porque era do passado, tem que ser contada a história dela”, explica. Além de representar culturas e hábitos que vêm desde tempos antigos, as questões que afligem a população urbana ganharam espaço na arte naïf nos últimos anos. Isso porque é um estilo de expressão artística que perpassa regiões e o tempo. As cores são tantas, os temas tão amplos, que obras de décadas atrás parecem que foram feitas para retratar o hoje. Como a pintura de José Antônio da Silva, feita em 1909, que exige: devemos dar valor ao que é nosso. André Cunha considera que “a arte naïf ainda não é muito conhecida, de certo ponto ela ainda é um pouco desvalorizada”. O artista noticia que vai abrir uma galera exclusivamente de arte naïf em Paraty, “será um lugar agradável e colorido, onde a Arte Naïf sinta-se representada”. O que falta aos artistas naïfs são oportunidades no meio artístico, porque habilidade, sentimento e conhecimento já lhes fazem parte, e estão intrínsecos em suas obras.


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D a garoa da gran de p ompe i a: u m ol har so bre a art e n o te at ro

Por: Sergio pantolfi

O

lhando de longe, para o ano de 1999 nós enxergamos um Brasil desta maneira: Um país que acabara de sair da ditadura militar, democracia jovem de constituição recente. Central do Brasil estava no Oscar, o real desvalorizou a cada dia e bem, estávamos no final do século, o mundo ia acabar. Caos. Mas se olharmos de perto, especificamente na cidade de São Paulo, podemos ver a arte se proliferando como um vírus - no bom sentido claro -. Algo que não era comum nos 21 anos de chumbo antes vividos.Tínhamos mais liberdade.

bem o papel que lhe é proposto. Julgando cruelmente pela capa, é possível chamá-lo de pequeno. E ele realmente é, gosta de se assumir assim, gosta de bater no peito e falar ‘’sim, sou pequeno mas por um acaso você me conhece?’’. Não conheço. Ao menos não conhecia. É o charme.

Conheci, e de pequeno, somente o espaço físico. Afinal, é confesso nas palavras dos seus próprios idealizadores como ‘‘O Teatro de Menor Grandeza’’ uma vez que aqui, o protagonismo fica para os coadjuvantes, que são atores, produtores, professores os textos e os cenários. Antes conhecido como Bixiga, na- Nada de megalomanías, nada de sceu de pais triplos - Celso, Syl- hipérboles. via e Roberto - em 1999. O Ágora (ἀγορά; “assembleia”, “lugar de Falaram que desde sempre foi algo reunião”, derivada de ἀγείρω, “re- ‘’diferente’’ sempre prezou pelos unir”) fora rebatizado em home- estudos das estéticas europeias, de nagem aos grandes espaços gregos, peças experimentais com bases no usados por cidadãos comuns para naturalismo,no empirismo de tendiscutir sobre política, cultura, tar algo diferente para quebrar com além de promover festas e feiras a padronização comercial que se livres. Há quem diga que foram par- mantém até hoje. Não é com menote essencial para a constituição dos sprezo que lida com o mainstream, primeiros estados gregos. E dito a é só uma aura sabe? O não querer sua importância, o Ágora cumpre perder o charme - citado antes.

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O próprio Ágora transpira arte. Fala pelos cotovelos de como é cheio de ludicidade, como é artístico. Cada cômodo tem uma história diferente para contar. Às vezes conta duas ou três num mesmo só dia. Ri das comédias e chora das tragédias e junto a ele abafadas gargalhadas ou olhares suspensos. Tudo depende do que vai ser no dia. Todavia, não só da dramaturgia vive um teatro. As nuances culturais se destacam dentro de um ambiente provido de condições para se formar um núcleo narrativo de cultura e arte moderna - ou não - aberto aos entusiastas. É também conhecido por organizar rodas de debates, seminários, pesquisas, leituras e promover a publicação de obras que documentam esses encontros. Se orgulha disso.


Foto: divulgação

fine e Sylvia como história. Todos eles têm uma relação com o teatro, seja ela qual for. O teatro fala e diz que é tudo isso, mas não só apenas. É tudo de quem quiser interpretar, mesclar, inventar. E do imaginário, das adaptações, ele se desmistifica ao se mostrar cada vez mais aberto, o que era acanhado na capa, perdeu toda vergonha depois que ficamos mais íntimos. Eu também perdi, tive meus pré-conceitos admito. Ágora não se ofende, abre um sorriso fica feliz. Gosta de surpreender, aliás! É o que faz de melhor.

Foto: divulgação

Dentro das suas limitações inanimadas conversa despretensiosamente com o espectador, que ao passar das portas abertas, se debruça à um espetáculo falado, cheio de críticas e reflexões. No ponto de vista metafórico, a relação entre Ágora e público é subjetiva. Cada

Como Welington diz ‘’Uma vez que a arte como instrumento de estudo da resistência popular é um interpreta à sua maneira de entrar em crise com os modos de representação do capitalismo, seja enxergar tudo aquilo. ela na arte literatura, teatro, cultuAlexander vê como coletivo, Beat- ra. São formas de quebrar o padrão riz como reflexão , Lucila como es- hegemônico dentro da sociedade. tudo, Welington como pequeno no aporte físico, mas grande em seu O Ágora dá a letra sobre aspecto intelectual, Celso não o de- resistência. Celso por exemplo, quer ver o espaço não só como um espaço específico para a dramaturgia, mas sim um centro cultural de discussão artística, histórica, filosófica e de militância política. Que realmente agregue valores ao conhecimento da arte humana. E sendo sincero, o Ágora já faz isso. É um espaço privilegiado e dispõe de tudo que oferece no âmbito intelectual e com certeza, se sente lisonjeado de conhecer, todos que por lá passam.

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