RENATO SANTOS
LITERATURA E SOCIEDADE: A CASA DE BERNARDA ALBA REPRESENTAÇÃO DA ESPANHA NA GUERRA CIVIL ESPANHOLA
COMO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Colegiado do Curso de Letras Português/Espanhol das Faculdades Integradas de Itararé como parte dos requisitos para obtenção do título de Licenciatura em Letras Português/Espanhol e respectivas Literaturas.
FACULDADES INTEGRADAS DE ITARARÉ ITARARÉ, SP, 09 DE NOVEMBRO DE 2012 1
ÌNDICE
Agradecimentos...........................................................................pg 3 Resumo.......................................................................................pg 4 Introdução...................................................................................pg 5 A imagem da mulher espanhola refletida na obra......................pg 6 A casa como arquétipo da Espanha..........................................pg 8 Simbologias................................................................................pg 10 O teatro lorquiano como meio de refletir a realidade ................pg 12 Considerações Finais................................................................pg 13 Bibliografia.................................................................................pg 14
2
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que contribuíram no decorrer desta jornada, especialmente:
Ao Alto, a quem devo minha vida.
A minha família que sempre me apoiou nos estudos e nas escolhas tomadas.
A Caroline por sempre me incentivar e compreender nos momentos difíceis.
Ao meu orientador Prof. Natanael Camargo que teve papel fundamental na elaboração deste trabalho.
A Biblioteca Chabad Morumbi-SP, na pessoa do sr. Elie Weitzman que mui pacientemente me emprestou os livros necessários à pesquisa, e a sra. Dirce Loutz por prover o espaço “Adolfo Bloch” ao qual pude elaborar o corpo deste análise.
A Maritza Guilherme por me dar sábios conselhos, aos meus primos Hanna, Paulo e Luana por darem suas sugestões quando eu tinha esquecido o caminho.
A os meus colegas Alexandre Bekin e Anderson Rodrigues pelo companheirismo e disponibilidade para me auxiliar em vários momentos
3
LITERATURA E SOCIEDADE: A CASA DE BERNARDA ALBA COMO REPRESENTAÇÃO DA ESPANHA NA GUERRA CIVIL ESPANHOLA Renato Santos Faculdades Integradas de Itararé – FAFIT-FACIC – Itararé – Brasil haimor@ymail.com Natanael Lopes Camargo (Orientador) Faculdades Integradas de Itararé – FAFIT-FACIC – Itararé – Brasil natan.camargo@hotmail.com
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar o sentido e a concepção histórica da casa na obra “La Casa de Bernarda Alba” de 1936, assinada por Federico García Lorca1, cuja obra se tornou um marco expoente de toda uma dramaturgia na Literatura Espanhola. Essa análise pretende identificar os atributos dos personagens no enredo como representações sociais do período da Guerra Civil Espanhola e as implicações da escolha da dramaturgia como meio didático ao revelar o contexto social daquele período. Palavras-Chave: Literatura Espanhola, Federico García Lorca, Liberdade de expressão, Guerra Civil Espanhola, Teatro.
RESUMEN: El presente artículo tiene como objetivo analisar el sentido y la concepción histórica de la casa en la obra “La Casa de Bernarda Alba”, de 1936, firmada por Federico García Lorca, cuya obra se tornó un marco expoente de toda una dramaturgía en la Literatura Española. Ese análisis pretende identificar también los atributos de los personajes del enredo como representaciones sociales del periodo de la Guerra Civil Española y las implicaciones de la elección de la dramaturgía como medio didáctico al revelar el contexto social de aquél periodo. Palabras-llave: Literatura Española, Federico García Lorca, Liberdad de expresión, Guerra Civil Española, Teatro.
1
Federico Garcia Lorca nasceu em Fuentevaqueros, na província de Granada em 5 de Junho de 1898. Representante da geração de “27” é considerado como um dos poetas espanhóis de maior influência e popularidade da literatura do século XX.
4
1. INTRODUÇÃO: Obra escrita no ano de 1936 por Federico García Lorca, poeta e dramaturgo espanhol, “A Casa de Bernarda Alba”
2
é um relato sobre a vida de mulheres cujas
idades variam de 20 a 80 anos em um povoado da Espanha: Bernarda, a matriarca da casa tem 60 anos e com ela sua mãe Maria Josefa, de 80 anos - uma velha com delírios senis, loucos e proféticos. As outras personagens são as cinco filhas de Bernarda: Angústias, a filha mais velha do primeiro marido tem 39 anos; Martírio, de 24 anos, Magdalena, de 30 anos, Amelia, de 27 anos e Adela, de 20 anos. Todas vivem enclausuradas em casa guardando luto de sete anos imposto pela mãe logo após a morte do segundo marido, Antonio Maria Benevides. Esse luto imperativo às filhas daria lugar a conflitos vivenciado por todas as mulheres da casa, evidenciando os reflexos da sua repressão, de tal forma que a atmosfera do ambiente era marcada pela sujeição às ordens e ausência de liberdade infligidas pela mãe. Bernarda, nesse contexto, acaba por tornar-se carcereira de suas próprias filhas, é ela quem dá as normas e dita as regras. O argumento para esse luto advem do fato que Bernarda teme pela moralidade e sentimentos despertados pela dor frente à sociedade, representados pelos vizinhos3. Sua tirania é anunciada pelas criadas antes mesmo de entrar em cena: Poncia: Tirana de todos los que la rodean. Es capaz de sentarse encima de tu corazón y ver cómo te mueres durante un año sin que se le cierre esa sonrisa fría que lleva en su maldita cara. ¡Limpia, limpia ese vidriado! (GARCÍA LORCA: 2008, p. 47)
Quando no velório do marido, ao receber de Amelia um leque para se abanar, Bernarda dirige a filha uma frase que sintetiza o motivo que resultaria da reclusão às filhas: ¿Es éste el abanico que se da a una viuda? Dame uno negro y aprende a respetar el luto de tu padre. (GARCÍA LORCA: 2008, p. 58)
2
Título completo La casa de Bernarda Alba: Drama de Mujeres en los pueblos de España Ainda que as falas de Bernarda não sejam tão recorrentes com relação a isso, La Poncia - sua criada de confiança e todas as outras - ajudam a manter um ambiente carregado com esse sentimento. Em uma de suas falas no Segundo Ato (p. 106-107), quando as filhas discutiam, Bernarda Alba diz entrando em cena: “¿Qué escándalo es éste en mi casa y con el silencio del peso del calor? Estarán las vecinas con el oído pegado a los tabiques.” 3
5
Apesar
dessa
ambiente
autoritário
preparado
por
Bernarda,
duas
personagens emergem como contestadoras do domínio de Bernarda, Adela a mais nova das filhas e Maria Josefa, mãe de Bernarda (avó de Adela), que também vive enclausurada na casa, porém em um dos quartos de onde só se podem ouvir seus gritos. Porém é Adela definitivamente quem enfrenta a mãe de forma mais vigorosa e cuja evidência se dá pela sua impetuosidade. Adela atua com rebeldia frente às ordens da mãe agindo implicitamente pela busca da satisfação sexual, já que a frustração erótica também era uma dura realidade não só para ela como para as outras mulheres, cuja única escapatória de suas realidades eram casamentos arranjados – porém com um agravante: a filha mais velha deveria casar-se primeiro. Pepe el Romano (o único personagem masculino da trama) é o portador da liberdade física e psicológica, porém é Angustias (por ser a mais velha da filhas) é quem abraçaria esse destino. Tão logo Adela percebe que viverá como todas as outras irmãs, se vê diante de uma verdadeira prisão, não só moral, mas física. De modo desafiador insiste que não deveria ser mantida trancada, desperdiçando a juventude dentro de casa: “¡No quiero perder mi blancura en estas habitaciones! ¡Mañana me pondré mi vestido verde y me echaré a pasear por la calle! ¡Yo quiero salir!” (GARCÍA LORCA: 2008, p. 76)
Estas duas personagens (Adela e Maria Josefa) representam duas gerações distintas que lutam e resistem aos eventos para conseguirem a liberdade tão almejada e que seria alcançada se passassem para além dos muros da casa. Maria Josefa aqui não representa a impetuosidade de Adela devida sua avançada idade, mas explicita o poder de Bernarda ao calar seus gritos de “delírio” em um quarto, sufocando sua voz quando necessário.
2. A IMAGEM DA MULHER ESPANHOLA REFLETIDA NA OBRA
A mulher espanhola possuía pouca representatividade no cenário politico e social da Espanha pré-guerra Civil. Naquele cenário ela representava os deveres e valores que a sociedade impunha, com algum auxílio da igreja, o de manter a honra 6
da família acima de todas as coisas. O namoro, por exemplo, só era permitido debaixo dos olhos e da permissão vigiada dos pais. Ambas as barreira, à liberdade e ao amor estavam colocadas contra Adela, a personagem que talvez represente melhor a situação da mulher ansiosa pela libertação, porém reprimida até mesmo pela submissão de seus próprios pares, já que as outras pareciam ter se acomodado à situação imposta pela mãe. É importante observar que as filhas obrigadas ao luto, naquele contexto, estavam repetindo a educação e as experiências que tivera a mãe. Bernarda aqui assume os valores tradicionais espanhóis do início do XX, onde era preciso fazer de tudo para manter as “aparências”. A reprodução dessa visão pode ser comprovada pelo fato de que Bernarda sendo viúva reflete o pensamento de que a mulher deveria manter a adoração ao marido, o que a motivou de certo modo a colocar também a responsabilidade do luto sobre os ombros das filhas. A busca pela liberdade física e sentimental de Adela (e em grau bem menor pelas irmãs) acabam se justificando por um lado, mas gradativamente vão prenunciando uma tragédia. Lorca estabelece de antemão meios para que pudesse desenvolver a trama, a começar pela escolha das próprias personagens. A presença dominante de mulheres na obra, em suma, é uma arma de protesto contra a sociedade daquele período, cujos valores ainda eram motivos de luta organizados por movimentos feministas, mas que ainda enfrentavam oposição e antagonismos. Para Pinheiro: “... o propósito de Lorca era defender os grupos que viviam a margem da sociedade, incluindo aí as mulheres. Como vítimas da opressão, elas ocupam um espaço privilegiado na obra, por pertenceremk a um grupo marcado pela falta de liberdade, presos aos moldes patriarcais vigentes.” 4
As mulheres de forma geral não tinham direito a exercer nenhuma profissão ou mesmo atividades políticas na Espanha vivida pelo autor, ainda que mulheres das classes mais altas. As funções destinadas a elas era a de desempenhar as funções comuns do lar, garantindo uma boa reputação ao marido.
4
CLEMILTON PINHEIRO, 2006 (org.): Ensaios sobre Língua e Literatura, ed. Edufal, Maceió
7
A Espanha de Franco tinha como objetivo a difusão de valores e medidas de comportamento que restringiam as mulheres ao âmbito familiar e exclusivo a casa, podendo em algumas situações desenvolver trabalhos assistenciais fora do âmbito domestico. As mulheres que vinham das posições menos favorecidas trabalhavam como criadas, bordadeiras, ou desempenhavam tarefas de donas de casa e de mães. É curioso que para Lorca, levando em consideração estes eventos, a história gire em torno de personagens femininas, talvez porque melhor representem o conflito entre as normas sociais e os desejos elementares, íntimos que anseiam realizar5. É no despontar desse período em particular que as mulheres começam a lutar organizações pelos direitos e talvez tenha sido um golpe de Lorca ao expor à sociedade as influências sociais que repercutiam um tanto explicitamente na obra. Fraile aponta o período como momento chave para a conquista da mulher de seu espaço frente a sociedade: A partir de 1920 a las demandas sociales se unen demandas políticas. De este modo desde la ANME y con Benita Asas Manterola a la cabeza, se pide la revisión de las leyes que relegaban a la mujer al ámbito familiar y se exige su promoción en la vida política, aunque restringiéndose a aquellos cargos públicos -políticos y sindicales- que se encargasen de los 6 intereses propios del sexo feminino .
É nesse contexto histórico onde Lorca de maneira singular elabora sua história como uma reação à violência que teria lugar na Espanha em guerra.
3. A CASA COMO ARQUÉTIPO DA ESPANHA: Mesmo as literaturas fictícias de um modo geral costumam colocar, em seus panos de fundo, eventos históricos, de modo a existirem exemplos de obras cujo teor permeiam toda a obra, ou de forma implícita, aludem o estado de ânimo existente nas épocas que buscam retratar. Em La Casa de Bernarda Alba García Lorca constrói o enredo de forma a tornar possível a análise de simbolismos que fazem referência à escassa liberdade 5
CLEMILTON PINHEIRO,2006 (org.): Ensaios sobre Língua e Literatura, ed. Edufal, Maceió FERNANDEZ FRAILE, María Eugenia. Historia de las mujeres en España: historia de una conquista. Aljaba [online]. 2008, vol.12, pp. 11-20. ISSN 1669-5704 6
8
vivenciada pelas personagens, reflexo da opressão social que o próprio autor viveu no início da Guerra Civil. Ao descrever com detalhes sobre os símbolos como metáfora a qual trataremos aqui, Chauí nota que: Os símbolos não estão no lugar de outra coisa, não são substitutos, mas são a própria coisa presentificada por meio de outras. O símbolo realiza ou traz a coisa por intermédio de outra (PINHEIRO, 2006, p. 180 apud CHAUÍ, 1991).
A partir de elementos presentes no texto, podem-se enxergar certos aspectos da casa como símbolos representativos da guerra que se acercava, e que de certa forma inspiraram o autor. Assume-se com essa visão que Lorca tenha orquestrado sua história de modo a reunir os meios necessários para refletir justamente o contexto de sua época. Seguindo adiante esse argumento, o espaço limitado dominado por Bernarda (a casa) e seus acontecimentos representam a condição social espanhola durante os dias que imediatamente antecederam e incidiram quando se deu revolta. A abrangência e a compreensão desse arquétipo ganha corpo quando outros elementos da obra são analisados: os protestos às medidas opressivas da mãe no interior das personagens, acumulando-se em eventos secretos fazem eco a insatisfação popular e aos movimentos contrários as imposições do governo espanhol antes e durante a eclosão do conflito. Lorca traz a tona um panorama não somente localizado em uma casa ou em um povoado, mas uma visão que vai muito além disso: ele aborda a luta universal pelo princípio da autoridade, representado por Bernarda, e o principio da liberdade, e a resistência dos valores estabelecidos7 de forma mais aparente e manifesto na personagem Adela. Segundo Gibson, um dos maiores biógrafos de Lorca não é casual que o título não se foque apenas em uma personagem, mas envolvem dimensões psicológicas e físicas cada vez maiores:
7
Um clássico exemplo, o caso da “Resistência Francesa”, La Résistance, formada em oposição à submissão da França ao poder nazi de 1940-44, na Segunda Guerra Mundial. Voltando a Espanha de 1936, encontramos um movimento sindicalista forte inspirado no sindicalismo revolucionário francês, levantando as bandeiras da ação direta e da sabotagem como principais meios de luta. (ROCKER, Rudolph. A tragédia na Espanha, Curitiba. Editora Ldopa, 2010).
9
“...ao conferir a peça o titulo La casa de Bernarda Alba e não simplesmente Bernarda Alba, o autor enfatiza o espaço em que a tirania existe e age, e explicita esta intenção no subtítulo definitivo: ”um drama de mulheres nas aldeias de Espanha” 8 (MALUF, 2005, p. 128 apud GIBSON,1989) .
E em última análise, pode-se argumentar que a casa em si é um arquétipo da Espanha na guerra, assim como muitos enxergam na pintura do pintor cubista Pablo Picasso Guernica, como uma representação da Espanha na guerra civil e do sofrimento do povo espanhol frente o conflito9. Portanto não são os muros que as prendem, nem as paredes brancas que as mantem trancafiadas, muito menos a moral materna que as obriga a recolherem-se a própria casa e sim um sentimento geral em toda Espanha, de modo a tornar cada casa uma réplica da casa de Bernarda Alba, cujo luto infligido a seus habitantes é a perda de liberdade de expressão e de opinião de seu povo.
3.1. SIMBOLOGIAS: FUNÇÕES E PERSONAGENS COMO REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE ESPANHOLA Como dito anteriormente, não se deve olhar sobre a casa como referência apenas ao que ocorria em uma aldeia isolada da Espanha, mas a própria nação como um arquétipo da sociedade naquele processo e seus personagens como caricaturas do povo sob as incertezas do futuro nacional. Maria Josefa, por exemplo, representa a população descontente e encarcerada não só dentro da casa, mas dentro de um lugar ainda mais claustrofóbico, cuja voz era silenciada a todo o momento, vista como louca. Adela talvez faça alusão à oposição explícita ao governo e luta daqueles que se dispuseram a lutar, dando a vida por uma causa maior, assim como a personagem o fez por Pepe el Romano, a liberdade personificada. Alguns objetos e mesmo os nomes das personagens refletem o argumento da história, porém transmitem concomitantemente a isso, a ideia dos acontecimentos 8
As casas da morte em Lúcio Cardosos, Nelson Rodrigues e Garcia Lorca in Reflexões sobre a cena, por Sheila D. Maluf , Ricardo Bigi de Aquino, Ricardo Bigi de Aquino. Ed. edufal, Maceió, 2005 9 Para uma abordagem analítica sobre essa visão, cf. ARIAS SERRANO, L.. La Guerra Civil española como catalizador del pensamiento político de Picasso, Miró y Dalí. Anales de Historia del Arte, Norteamérica, 10, ene. 2000.
10
que tiveram lugar entre os anos de 1936-1939 e seu prelúdio na guerra civil. É interessante notar que todos os nomes tem algum tipo de relação que exemplificam ou acenam às funções que as personagens representam na obra, bem como elementos linguisticos significativos ou a fortes noções da religiosidade presentes na época10. O nome Bernarda, por exemplo, significa ‘forte como um urso’, denotando até certo ponto o atributo dessa personagem na história. Segundo esse ponto de vista, Bernarda é a representação do governo espanhol no momento em que eclodiria o conflito. As filhas nesse contexto representariam o povo espanhol cerceado de manifestações e da liberdade de pensamento. A característica dominadora de Bernarda também é outro elemento simbólico a ser levado em consideração. Ao cobrar determinadas condutas das filhas (sair da casa, por exemplo, o que sob o ponto de vista da mãe era um sinal de grave desrespeito com o luto do pai) refletem o poder governante coibindo o povo de forma geral. Da mesma forma Angústias, a filha mais velha, havia sido batizada com um nome originado do latim, significa ‘dificuldade’, ‘sofrimento’11 representa o sentimento nacional diante do conflito. Martírio também é outro nome que relacionase à mesma conclusão, significa ‘morte’, ‘sofrimento’ e em outro sentido, tormento causado pela religião. Já Amelia, ‘sem mel’, ou em outras palavras, sem alegrias. Adela, a mais nova das filhas, talvez evidenciando seus motivos de revolta contra a mãe repercutam o significado do nome, ‘nobreza’. Magdalena, uma referência pouco sutil à personagem bíblica, mulher de lamentos e sofrimentos. Igualmente na descrição do cenário e do seu ambiente, Lorca define o espaço como sendo uma penumbra cujas cores definem simbolicamente os eventos que se seguiriam na Espanha sob a guerra. A escuridão, o luto, a falta de claridade, a morte e a desesperança. Todos esses fatores acabaram por criar o clima psicológico do
10
A religiosidade Lorquiana, no entanto, é mais bem expressa em suas poesias, como assinala Manuel Antonio Arango (Símbolos religiosos en la obra Federico García Lorca in Símbolo y Simbología en la Obra de Federico García Lorca, 1998). Em La casa de Bernarda Alba ela se confunde muito com o retrato da Espanha opressora e a religiosidade espanhola, ambas representadas por Bernarda. 11 Etimologicamente a palavra angústia vem do latim ango, angere, o que quer dizer estreitamento da garganta, não só no físico, mas também como signo de uma aflição do espírito (O Objeto da Angústia, por Maria Silvia G. F. Hanna e Neusa Santos Souza. Editora 7Letras, Rio de janeiro, 2005) pg 33
11
ambiente que os personagens de Lorca vivenciariam seus dramas sob o dominio de Bernarda. O símbolo máximo do poder exercido por Bernarda era sua bengala, o qual Adela em uma discussão com a mãe toma e o quebra em dois, dizendo: Esto hago yo con la vara de la dominadora. No dé usted un paso más. (GARCÍA LORCA: 2008, p.150)
A guerra civil em que a Espanha repressora e a oposição travariam durante os anos seguintes, encontrou reflexo na obra de Lorca ao personifica-las em personagens cujos conflitos psicológicos se dariam dentro da casa de Bernarda, considerada um cárcere em tempos modernos.
4. O TEATRO LORQUIANO COMO MEIO DE REFLETIR A REALIDADE Para Lorca o teatro era uma forma didática e dinâmica de expressar a realidade e dar vida a literatura. Para ele, a linguagem do teatro possibilitava a reflexão, a trangressão diante das abordagens cênicas, pois ganham uma dimensão vívida frente ao real. A dramaturgia para o dramaturgo, em outras palavras, tinha o papel de estar junto do povo, dividindo amarguras, alegrias e descontentamentos. Segundo Lorca, o teatro era: (...) uno de los más expresivos y útiles instrumentos para la edificación de un país, (...) como una escuela de llanto y de risa (...) una tribuna libre donde los hombres pueden poner en evidencia morales viejas o equívocas y explicar con ejemplos vivos normas eternas del corazón y del sentimiento del hombre. (PINHEIRO, 2006, p. 176 apud GARCÍA LORCA, 12 1996)
Ciente da repercussão que esse meio é capaz de transmitir, Lorca atua como mediador entre o trágico vivenciado pelos seus personagens e o povo através da encenação teatral. O teatro como ferramenta realmente pode ser inserido em diferentes áreas, como por exemplo, a psicologia com os seus psicodramas ou a antropologia. Não se pode menosprezar a força com que o teatro atua sobre as pessoas (mobilizando-as), pois ele carrega esse sentimento mais visível, palpável. A característica teatral está além do simples entretenimento, ele carrega a função (muitas vezes) de satirizar de forma velada a classe política, refletir sobre os 12 13
PINHEIRO, Clemilton, (org.): Ensaios sobre Língua e Literatura. PINHEIRO, Clemilton, ibid, p.175
12
problemas sociais, conscientizar politicamente os oprimidos, fazer refletir sobre a própria condição humana entre outros fatores não menos importantes. Lorca é reconhecido como um dos responsáveis pelo ressurgimento de teatro espanhol que naquele momento estava em crise devido á manutenção de uma estrutura
antiquada,
aos
interesses
mercantilistas
do
empresariado
ao
aburguesamento dos espetáculos e ao consequente distanciamento do povo e à perda de seu sentido trágico13. Sua obra resgata a intenção de transmitir a reflexão, de modo a inculcar um alerta implicito no psicológico de seu público ecoando aquele velho dizer, a arte imita a vida. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Sabe-se que Federico García Lorca terminou de escrever La Casa de Bernarda Alba pouco tempo de morrer14, porém é incerto como de fato se deu sua morte. Assume-se que o motivo tenha sido os repressores que denunciou, confirmando aquilo que alguns críticos dizem: "a vida e a obra de Federico García Lorca constituem o revés da mesma moeda15". Marcado pelos ensinamentos de sua mãe, professora e pela aprendizagem da musica (piano) publicou seu primeiro livro aos vinte anos16. Desde aquele momento toda obra do autor em verso, prosa ou teatro esteve carregada de dois conceitos existencialistas: a vida e a morte. Em A casa de Bernarda Alba, Lorca apresenta a visão do que ele mesmo chama de um “documental fotográfico”, um chamativo como forma de prender a atenção do leitor como se debruçassem em uma imagem para contemplar a cena. A tragédia anunciada que permeia sua obra também ecoava na Espanha, terra do autor, chegando a fazer dele mesmo uma vítima, da qual críticos e estudiosos de sua obra até hoje, lastimam a perda. Alguns autores dizem que a sua morte representou, de certo modo, a morte da literatura de protesto no país17.
14
Lorca terminou de escrever em 19 de junho de1936, um mês antes do começo da guerra civil, e dois meses antes de seu assassinato 15 PINHEIRO, Clemilton, ibid, p. 192. 16 Impresiones y Paisages, publicado em 1918 17 PARANHOS, Kátia (org.). História, teatro e política. São Paulo. Editora Boitempo editorial, 2009
13
6. BIBLIOGRAFIA GARCÍA LORCA, Federico. La casa de Bernarda Alba, Drama de Mujeres en los pueblos de España, Madrid. Editora Alianza Editorial, 2008. GARCÍA LORCA, Federico. La casa de Bernarda Alba 2ª edición - Buenos Aires, Editora Colihue, 2006. OCASAR, José Luis. Literatura Española Contemporánea. Madrid, Editorial Edinumen, 1997. CERQUEIRA, João. Arte e literatura na guerra Civil de Espanha. São Paulo, Editora Zouk, 2005. ROCKER, Rudolph. A Tragédia da Espanha: Notas Sobre a Guerra Civil (1936-1939), Curitiba. Editora Ldopa Publicações, 2010. PINHEIRO, Clemilton, (org.): Ensaios sobre Língua e Literatura, Maceió. Editora Edufal, 2006. G. F., Maria Silvia Hanna e Neusa Santos Souza. Editora 7Letras, Rio de janeiro, 2005. PARANHOS, Kátia (org.). História, teatro e política. São Paulo. Editora Boitempo editorial, 2009. ARANGO, Manuel Antonio. Símbolo y Simbología en la Obra de Federico García Lorca, Madrid. Fundamentos Editorial, 1998. PASSOS, Simone Aparecida dos. – Mulher, desejo e morte: Dramaturgia e sociedade no inseparável triângulo de García Lorca, 2009. 115 fl. Uberlândia: Universidade de Uberlândia, 2009. Dissertação de Mestrado. SANTOS, Luciana Crestana dos. - Honra e Honor nas tragédias de Federico García Lorca, 2009. 102 fl. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 2009. Dissertação de Mestrado. FERNANDEZ FRAILE, María Eugenia. Historia de las mujeres en España: historia de una conquista. Aljaba, Luján, 2012. Disponível em <http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1669 57042008000100001&lng=es&nrm=iso>. acessado em 15 agosto 2012. ARIAS SERRANO, L. La Guerra Civil española como catalizador del pensamiento político de Picasso, Miró y Dalí. Anales de Historia del Arte, Norteamérica, 10, ene. 2000. Disponible en: <http://revistas.ucm.es/index.php/ANHA/article/view/ANHA0000110283A/31409>. Fecha de acceso: 10 nov. 2012.
14