4.ª edição - Médicos Portugueses pelo Mundo - Lausanne

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Médicos Portugueses pelo Mundo Entrevista a um médico português a exercer ou especializar-se no estrangeiro Nome: Laura Domingues Viegas
 Idade: 27

Faculdade em que se licenciou: FMUL

Hospital: CHUV
 Cidade atual: Lausanne Especialidade: Psiquiatria e psicoterapia HS! - Quais foram os principais motivos que a levaram a deixar o nosso país e envergar p o r u m a a v e n t u r a p r o fi s s i o n a l n o estrangeiro? Laura Domingues Viegas - Sobretudo vontade de conhecer algo novo e ter a experiência de trabalhar e viver noutro pais. Gostei muito de Erasmus nesse aspeto e achei que o internato também era boa altura para experimentar, antes de ter responsabilidades familiares ou profissionais mais sérias e não ter tanta liberdade para mudar de país. Felizmente tenho muita sorte e não posso dizer que a falta de emprego ou dificuldades financeiras em Portugal me tenham obrigado a emigrar.

HS! Porquê a Suíça e porquê a cidade em que está? LDV - Suíça quase por sorte porque uma amiga já estava a planear vir para cá, o que me deu a ideia, e explicou-me como fazer. Outros aspetos que facilitaram foram o facto de ter o apoio e companhia do meu namorado para vir, o facto de já falar de francês e de não ser necessário fazer um exame de acesso à especialidade, a proximidade relativa em relação a Portugal e os bons salários.

HS! - Como foi todo o processo de candidatura e seleção e quais as suas habilitações mais valorizadas nesse processo? LDV - O processo de candidatura e seleção é por entrevista. Basicamente, começa-se por escolher uma especialidade e estudar o programa dessa formação pós-graduada para ver o que é necessário fazer (http://www.fmh.ch/ fr/formation-isfm/domaines-specialises/titresformation-postgraduee.html). Às vezes pode-se tentar entrar diretamente (como em Psiquiatria, Medicina Interna, Cirurgia Geral, Pediatria), noutras é necessário passar primeiro pela Medicina Interna (para especialidades médicas) ou Cirurgia Geral (para especialidades cirúrgicas). A seguir procuram-se os serviços/ estabelecimentos com idoneidade para dar formação pós-graduada nessa especialidade (http://www.registre-isfm.ch/default.aspx). Finalmente, envia-se a candidatura (CV, carta de motivação, cartas de recomendação e certificados) para o mail ou morada do serviço, para o chefe de serviço ou para a sua secretária, ou para os recursos humanos. A seguir é esperar por convocatórias para entrevistas. É relativamente simples mas o grau de dificuldade e duração do processo depende obviamente das vagas que houver.


Habilitações valorizadas: já falar francês, ter alguma experiência de trabalho (eu não tinha) ou em estágios fora e, claro, tudo o que fica bem numa carta de motivação: dedicação, interesse, trabalho árduo, capacidade de adaptação e de trabalhar em equipa, responsabilidade, autonomia, pró-atividade. Uma coisa que NÃO se deve fazer, no caso de se ser aceite para um lugar, é desistir pouco tempo antes de começar; tem de se avisar com pelo menos três meses de antecedência. em estágios fora e, claro, tudo o que fica bem numa carta de motivação: d e d i c a ç ã o , i n t e re s s e , t r a b a l h o á rd u o , capacidade de adaptação e de trabalhar em equipa, responsabilidade, autonomia, próatividade. Uma coisa que NÃO se deve fazer, no caso de se ser aceite para um lugar, é desistir pouco tempo antes de começar; tem de se avisar com pelo menos três meses de antecedência.

HS! Quais são os documentos necessários e como é concedido o reconhecimento do diploma na Suíça? LDV - É necessário:

- Certificado de licenciatura ou mestrado na língua original e outro traduzido;

- Outros certificados que acompanhem eventualmente o diploma, na língua original e traduzido;

- Passaporte ou documento de identificação;

- CV;

- Comprovativo de língua francesa, alemão ou italiano, no mínimo B2 (se já se estiver a trabalhar na Suíça, pode ser uma declaração do chefe de serviço a dizer que falamos suficientemente bem a língua para poder exercer). Certos serviços não exigem o reconhecimento do diploma à priori para contratar mas tem de ser feito mais cedo ou mais tarde se se estiver a pensar tirar a especialidade aqui ou trabalhar como especialista.

- Documento da Ordem dos Médicos a declarar que se é detentor de uma formação médica de base que permite aceder a uma área profissional de especialização em regime de exercício tutelado na Medicina, na língua original e traduzido.

Deve-se apresentar uma cópia oficial (feita no notário, por exemplo) de todos os documentos oficiais.

HS! – Foi necessário tirar, previamente, um curso de Alemão/Francês ou Italiano? LDV - Não foi mas no meu caso já falava francês relativamente bem (aulas durante três anos na escola, aulas durante um semestre no terceiro ano da faculdade, um ano de Erasmus em Paris no quarto ano). Alguns sítios podem exigir o nível B2, outros não exigem nada, sobretudo se estiverem com falta de médicos.

HS! – É necessário realizar um exame de acesso à especialidade, tal como existe em Portugal? LDV - Não.

HS! - Quais os desafios e dificuldades que encontrou neste processo de mudança? LDV - Estar longe da família e dos amigos que estão em Portugal é, obviamente, o mais difícil. Outras dificuldades que encontrei foi adaptarme ao horário de trabalho (50 horas por semana no mínimo) e ao grau de independência que temos logo desde o início. No meu primeiro mês fiz logo bancos sozinha no hospital (com um especialista só de chamada) e tive um serviço inteiro por minha conta. Claro que há sempre um chefe de clínica a quem se pode ligar se se tiver dúvidas. Outra diferença em relação a Portugal é que não temos um programa de especialidade pré-determinado: temos de procurar cada estágio, candidatar-nos a cada lugar de que precisarmos, procurar as formações que temos de fazer. Terminar a especialidade depende muito do grau de


iniciativa e pró-atividade do interno e não é raro que as pessoas demorem mais do que os anos previstos para acabar, às vezes só porque preferem ganhar mais experiência em certas áreas ou serviços que acabam por não ser necessários para a especialidade, às vezes por conforto (encontram um sítio onde gostam de estar e deixam-se ficar), às vezes por dificuldades em encontrar os estágios necessários ou ter chefes que não os deixam fazer os procedimentos necessários para completar o currículo. Para terminar a especialidade é preciso responder a todos os critérios e lista de exigências que se encontram no programa da especialidade (ver primeiro link que partilhei) e depois apresentar o currículo e fazer o pedido de especialidade à comissão de títulos. Acho que não existe um limite de tempo para o fazer.

HS! - Acha que a sua formação médica a preparou adequadamente para este desafio ou sente algum tipo de lacunas perante os colegas formados na Suíça? LDV - Acho que de um modo geral estava bem preparada, sim, sobretudo em termos teóricos. Em termos práticos, acho que não tive muita sorte com os meus estágios de sexto ano e gostaria de ter ganho mais experiência. Fazer o ano comum antes de vir poderia ter ajudado mas não era essencial. Claro que nos primeiros meses foi bastante difícil, até porque tinha pouquíssima experiência clínica e de repente tinha logo doentes para seguir sozinha, mas acabei por me adaptar e acho que estou perfeitamente ao nível dos meus colegas.

HS! - Que diferenças encontra entre a sua especialidade na Suíça e a praticada no nosso país? LDV - Além das diferenças em termos de candidatura e de trabalho já discutidas nas perguntas anteriores, vale a pena assinalar que aqui não são muito exigentes em termos de

trabalhos, artigos e posters e não há exames teórico-práticos todos os anos. Valoriza-se muito a prática e a aprendizagem através da experiência clínica.

Em relação à Psiquiatria em particular, acho que é bastante diferente da praticada em Portugal porque há muito mais recursos e tudo o que é ambulatório, não apenas em termos médicos, está muito desenvolvido. Trabalhamos muito em colaboração com enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, assistentes sociais, existem muitos apoios ao domicílio e meios adaptados para trabalhar e viver. Nunca trabalhei em Portugal mas sempre me senti muito desencorajada e impotente em relação à Psiquiatria; parecia que não havia nada mais para oferecer além de gerir o período de crise no hospital.

Outra particularidade do internato em Psiquiatria na Suíça é que também se tem de fazer uma formação obrigatória em psicoterapia (psicodinâmica, cognitivo-comportamental ou sistémica), é uma espécie de duplo título, senão me engano único na Europa.

HS! - Qual a impressão que os profissionais e os doentes suíços têm sobre os médicos formados em Portugal? LDV - Globalmente bastante boa, fora raras exceções.

HS! - Quais as principais diferenças que salienta entre o nosso serviço nacional de saúde e o Suíço? LDV - Aqui é obrigatório ter seguro de saúde (cerca de 300 francos por mês no mínimo). Se se precisar de cuidados, o seguro só cobre a partir da franquia pré-determinada e mesmo assim tem de se pagar 10% do valor total dos custos. Claro que se a pessoa não tiver meios há muitas ajudas sociais. Os doentes pagam a mesma coisa se forem a uma consulta no sistema público ou se forem ao privado, só há diferenças se quiserem ser internados em


serviços privados. A tendência da maior parte dos médicos é fazer o internato, trabalhar uns anos como chefe de clínica e depois investir ou numa carreira académica ou num consultório privado. Não tenho noção que haja uma grande discrepância no grau de satisfação de uns e outros.

HS! - Qual o ordenado médio, carga horária mínima semanal e qual o período de férias de um médico na Suíça? LDV - O ordenado mensal de primeiro ano de i n t e r n a t o é c e rc a d e 5 7 5 6 F r a n c o s e vai aumentando, mais ou menos 500 francos por ano. Um chefe de clinica pode chegar a receber até cerca de 12600 francos.

Carga horário mínima semanal: 50 horas.

Período de férias: 25 dias por ano.

HS! - Como classificaria o nível de vida na sua cidade e na Suíça em geral? Por exemplo

quanto custa alugar e manter uma casa? E que outras despesas poderia citar a título de exemplo? LDV - É tudo bastante caro mas sinceramente o salário compensa perfeitamente e consigo poupar bastante. Se não saio mais é mais por falta de tempo e por cansaço. Diria que as coisas no supermercado custam mais ou menos o dobro do que em Portugal, uma refeição média num restaurante fica a 40 francos e alugar casa depende da região: Genebra e Zurique são dos mais caros (chega a 2000 francos por um estúdio!), Lausanne e a região do lago entre Genebra e Lausanne também (eu e o meu namorado pagamos 1900 francos por mês por um apartamento com uma sala e um quarto e um lugar de estacionamento exterior), nas regiões mais rurais é mais acessível (em Delémont pagávamos 950 francos por um apartamento com dois quartos pequenos). Certos hospitais oferecem alojamento (normalmente um quarto ou um estúdio) por um

preço mais acessível, o que pode ajudar no início. HS! - Quais as suas perspetivas no futuro? Pensa voltar a Portugal? E porquê? LDV - Ainda não sei. Um ano de cada vez. Mas gosto de estar na Suíça e imagino-me a ficar uns aninhos. Exma. Dra. Laura Viegas, em nome da equipa do HajaSaúde!, agradecemos imenso o tempo dispêndio e desejamos-lhe os maiores sucessos pessoais e profissionais nesta sua etapa.


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