Muito se pensa que para as maiores distâncias serem percorridas, é preciso objetivo, sonho e coração. Já eu, prefiro acreditar que, para alcançar as maiores distâncias, deveríamos percorrer, também, nossas pessoas. Pessoas essas a que, de fato, amamos. Pois seriam nelas que encontraríamos o que chamam, por aí, de infinito. Mas o que é infinito? Seria um estado de espírito? Uma expansão cósmica rumo a outro infinito? Seria uma neblina, numa tarde fria de sábado, nos acompanhando cheia de amor? Ou, seria o gosto da promessa feita a uma estrela cadente? Seria a solidão em algum lugar distante? Quem sabe, talvez seja, apenas, alguns momentos de sensações que nos fazem sentir a minúcia da vida. Todavia, deixo essas questões para o livro que sentes em mãos, o Ermo. Livro que, também, te sentirá e o levará ao mais longe desses infinitos comuns a que nos submetemos todos os dias. Livro este, instrumento feito de alma, que te apresentará outras opções de sentir essa “sensação infinito”… Explico melhor. Quando o Ermo me apareceu, na primeira leitura, ele veio sentimento de lugar. Nos meus mais escassos sonhos, chegou vestido de biblioteca feita de oitava série do ensino fundamental. Nesse sonho, a que sonhei por meio do Ermo, encontrei pessoas que me falaram sobre o tudo e quais e quais caminhos percorrer. Lá, no discurso desses habitantes oníricos, as linhas temporais poderiam ser mudadas e, quem morrera nessa realidade, sim, poderia estar bem vivo em alguma outra. Foi com esse lugar que conheci o significado da lembrança, do molde na memória, foi ali que encontrei uma, das minhas mais simples, possibilidades. Claro, o livro não trata de bibliotecas, mas ele abre gatilhos que têm o poder de nos levar aos nossos mais distantes “sertões”. Já, na segunda leitura, o Ermo me lembrou das minhas buscas por corações: amores, solitudes, família. Nessa época, conversando com Helder sobre qual ordem os poemas deveriam ser distribuídos pelas folhas de papel, cheguei a comparar o livro a um coração vivo. Cada poema, uma batida, cada batida, um pulsar, cada pulsar, um vaga-lume de vida do eu-lírico que se iluminava por ser sertão no momento do sempre, ou seja, no instante da leitura. Feito isso, tudo estava pronto e percorrido? Não, a poesia dali causava, perseguia, encontrava-nos em significado. Então, foi na terceira leitura que comecei a enxergar o padrão da singularidade.
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Nela, o Ermo agora era, seria, foi e será, como uma casinha branca, com um poste de luz amarela à sua frente, iluminando de amarelo, as pessoas que gostei durante toda minha vida: em varanda, em vento, em ternura própria. E, nessa casinha branca, eu buscava azulejos azuis que havia perdido em momentos marcantes de minha vida... Na quarta leitura, me deparei com um dejá-vu... Na quinta, com um amor perdido procurando uma porta de cor laranja no meio de sua própria multidão. E, finalmente, na minha infinita leitura, me deparei com o autor, com sua neblina de puro sertão, feito de lembranças, desejos e provocações. Uma espécie de ermo caindo dentro do seu próprio Ermo, encontrando pedaços de espelho dos seus dias bem experimentados, bem vividos e completos. Nesse infinito, percebi que é de imensidão que nos enchemos de vida. Que foi no ermo que nos surgiu o Ermo, esse lugar de poesia, lugar de palavra, lugar de refúgio. E, por isso, fico grato por tê-lo em mãos. Afinal, foi a partir dele que aprendi a ser pedaço de sertão, estrada da possibilidade, rasgão do destino com ganho de ternura. Foi com ele que entendi o momento de ser um olhar despercebido àquilo que não se percebeu. Foi por ele que atravessei pelo infinito o estado de ermidão. No mais, Ermo é um livro composto por camadas, que não pode, e não deve, ser lido somente uma vez. Mas, sim, atravessado por viagem, viagem em busca de si mesmo, travessia constante. E, assim, ao sentí-lo, ser travessia, a saída do infinito para a possibilidade.
Do amigo, eterno aluno, do primeiro período do Curso de História, Prentice Geovanni
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A palavra ermo aparece como verbete, no Vocabulario portuguez & latino, de dom Raphael Bluteau, de 1728, indicando, como substantivo, lugar solitário – admitindo-se, também, seu uso adjetival.1 Lembrar o significado da palavra explica, em partes, o título do livro. Ele nasce de uma motivação ligada ao sentimento que considero o mais nobre e que, ao inebriar o coração dos homens, faz com que eles mudem, sonhem, surtem, sorriam, chorem, vivam: o amor. Mais do que o sentimento em si, mas, uma situação de desapego dele é o que vivi no decurso de uns cinco anos passados, de 2013 a 2017. Isolado, fechei-me a ponto de estragar quaisquer tentativas de reconciliação com o amor após o fim de um relacionamento, embora, não negue, tal sentimento tenha tentado me inocular nesse tempo. Ermei-me, de forma quase inabalável, talvez com medo de sofrer novamente ou de entregar-me com todas as forças do corpo e da alma a outro homem, como fizera anteriormente. Penso que a condição de eremita a que me impus representa, assim, um refluxo contrário a um dos medos infusos no homem: o de ficar sozinho. Durante o lustro em que vivi a ermitania, encarnei, em mim, o sertão, no sentido do isolado, do distante, do despovoado, ainda que minhas paragens tenham sido vistas, tocadas, sentidas, vertidas, penetradas. Mas, não, efetivamente, conquistadas e colonizadas. Os poemas deste opúsculo, pois, são reflexo direto do estado em que vivi, afetivamente, como um ermitão, longe de ceder aos caprichos do amor, experimentando momentos sinestésicos dos mais diferentes matizes, tão clara ou escura se apresentava a realidade, ou, ainda, colorida, em algumas poucas situações. A palavra Ermo nomeia o livro e é, também, uma maneira que encontrei, com o registro desse tempo eremítico, de lembrar e homenagear o meu pai. Embora ele tenha nascido no sítio Quarenta, sua infância, vivências e raízes estão encravadas no sítio Ermo, território de Carnaúba dos Dantas. No Ermo, o meu pai cresceu e tornou-se homem, a partir dos ditames de seus pais, Chico Macêdo e Raquelzinha. No Ermo, quando menino, em moradia de avós, tios e tias, passei breves temporadas, convivendo com meu povo, primos, conhecidos e amigos, cuja reminiscência nostálgica desperta recordações de um tempo inalcançável, mas, não menos gostoso de se lembrar. 1
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728. v. 3, p. 189.
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Nas adjacências do Ermo fica, também, o sítio Forte, onde meu pai, Arnor Macêdo, reside atualmente. Foi no Forte onde, dia desses, reunimo-nos, irmãos, sobrinhos e avó materna, para almoçar com meu pai e, ao invés da sesta, pus-me a vagar pelos campos ressequidos do sítio. Na ocasião, encantei-me com uma colina onde, em seu cume, um pé de cardeiro se entrelaçava com dois de jucá, formando um portal para lugares não conhecidos e lembrando-me de como é bom abraçar e ser abraçado. Registrei a cena, por meio de fotografia, que poderá ser vista na capa do livro. As demais imagens do livro são, também de minha autoria, captadas em diferentes sertões na região do Seridó. Tendo saído, posteriormente, do estado de ermitania, a lembrança dos tempos em que brotaram os poemas deste livro chega, indelével, como uma brisa suave de fim de tarde aqui pelos sertões. Hoje, ao olhar para o horizonte, na hora crepuscular, um turbilhão de cores é processado pela minha vista esperançosa no futuro, diferentemente dos outros tempos de tons de cinzas ou escuros. Ainda que novos ermos possam acontecer em minha vida, rogo para que o universo me permita, igualmente, também, ser conquistado e colonizado. Com meus saudares (eremíticos), helder macedo
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Soldadinho de chumbo De sinos e repiques Segredos Reavivar Perdido
Crepuscular Torrencial Fenômeno Beija água Manhã 20 24 28 29 41
Brancura Ítaca Toque Aquele que segurava a vela Tinta desenhada no calção Melado
Desesperança Repertório 3x4 Ama(a dor)
32 40 44 45
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14 15 19 37 34
18 21 26 36 46 47
Brincadeira Ventos de fim de tarde Quem é este Sorriso
Magias Ermo Desejos oculares Sinto frio Tarde boreste Fuga Chances
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12 22 23 25 27 31 39
Sobras 11 Sonhos 13 Intensidade 16
30 48 42 43
Erudição Impulso Coração para amar Caso desfeito
17 33 38 35
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Ele foi-se, sorrateiro, por entre os cantos do horizonte Inoculou-me com sua solidão e sua serenidade, e correu Deixou, plantada, a semente do quero mais, da vontade Mas, não fez questão de dizer eu fico mais um pouco Abandonou-me, sem dizer um até logo, um te vejo depois Só restaram seus filetes disformes e luminóforos no céu E aqueles tons de cores azul-infinito, laranja-fogo e branco-gelo E uma vontade imorredoura de dizer, de novo: nasça, cresça, inunde-me Dê-me vida, faça de sua luz a minha utopia de viver.
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Em recantos que se escondem no mais íntimo das brenhas Há certas magias que somente se encontram num lugar Elas cantam e encantam Elas ecoam por águas que teimam em resistir às secas causticantes a quem aparece, tímido, para sonhar
Há certas magias Em arbustos e árvores que alegram-se com a chegada dos pingos de chuvas Em pedras que nos falam a cada olhar que somente se encontram, no sertão, quando ilhadas.
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Do alto, o preto, as nuvens, a serra alaranjada Ao longe, os raios de luz emergem na penumbra Imortal, ela se move pelos matizes do crepúsculo De algodão, branquinha, tornou-se acinzentada Desfez, em flocos, fofinhos, sinceros, chuvosos Amanhã, novamente, imortal, vai dançar com o sol Nós, daqui de baixo, viajamos nesse planeta de cores.
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Vertendo lágrimas, céus abaixo, ela chorou Derramou-se um turbilhão de águas em forma de pingos Correram os duros, os córregos, os riachos E eis que, esbarrada na astúcia humana, ela parou Vívida, quente e transformadora, sorriu Passados os tempos, escasseou Nós, que aqui estamos, novamente, Oramos que ela verta novas lágrimas
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Na trama que se desenha vejo-te opaca Por entre minúsculas urdiduras, seus maciços Pejados de desejos, de vidas, de dores Inflamados pela temperatura crepuscular E pela crespidão dos dias calorosos Por entre os fios da teia vejo-te serena, Xilemas irrigados de corpos e almas, Vem a noite. Sombria, transmuta-se Seu tecido de concreto inflecte-se Enche suas artérias de escuros Recolhido, desfruto, assim, de seus vazios
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Eles n達o sabiam fazer mais nada A n達o ser, embevecidos, aprender E ela, ciosa e com brio, naquela tarde, N達o sabia mais nada fazer A n達o ser, altiva, mestrear
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Havia cera nos meus ouvidos E eu ainda escutava seu chirriado De brancura como em suas vestes Derreti meus pensamentos torpes Sonhei com seu abraรงo inocente Intenso, verde, molhado, agreste Chirriei, ao deitar meu corpo em suas รกguas
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Uma concha gigante irrompeu no céu do sertão Cinza-desbotado, branco-pérola e amarelo-gema-de-ovo As cores das nuvens que fugiam da concha Azul, o céu testemunhou, absorto, a invasão Deixando o cheiro de chuva atingir a terra E os moradores excitados com o belo odor Depois, a concha gigante virou nevoeiro E devorou o sertão cheio de sertanejos E assim foi nosso fim de tarde de feriado
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Ainda vejo o sorriso circunspecto daquele dia doce Noturnos, almejávamos a farra de mais um dia de fim de ano Subtraídos de nossos amigos, paramos o só encantar-se E seu beijo, quase nove anos passados, inda ecoa Que terá sido aquilo que aconteceu, da boate até em casa? Os lençóis enlaçados em nossos corpos, nus, naquele quarto As estrelas de natal, que contemplamos juntos Os sinais e pelos que mapeamos e beijamos, um na pele do outro A carne que pulsava, teimosa, malgrado nossa embriaguez retardada E houve amanhecer do dia mais belo que aquele, juntos, Com o sol refletindo em seus olhos negros? De quando me abraçava, sentia-me para além de mim
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No meu exílio, preparo uma colcha de bramante Misturando fios, arrumo a trama, um calmante Linha a linha, calmamente, desvelo o pano Tenho, ao meu lado, a eternidade de teus olhos Há problema, se, durante a noite, Escondido dos que me cercam, Eu descosturar, fio a fio, a colcha? Raia o dia, e, de novo, ponho-me a coser Novos fios, nova trama, um calmante Revestido de perseverança, com agulhas e linhas, Eu coso a colcha que, talvez, nunca será usada E das plagas remotas onde estou metido, Que fazer? Coser, sonhar, viver.
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A vida já não é mais a mesma aqui dentro Há um ermo povoado de cheiro forte de cafeína E recheado de sabores distantes, proibidos Todas as vezes que pensei lhe refratar Nada mais fazia, senão, absorver-te O telefone não existe mais senão como dádiva A cada sinal, uma expectativa de refluxo Um passado de algum tempo vem à tona Mimetizo sentimentos olvidados, como adolescente E mesmo tendo plena certeza de que são só meus Unicamente meus, encerrados num relicário, Desconfio que sou desqualificado e incapaz De não perder-me na plenitude castanha de seus olhos E na anfibolia daquilo que proferes A vida já não é mais a mesma aqui dentro Sou um ermo que povoaste.
Te vejo cândido, elevado no espaço E sorri dentro de mim uma vontade de beijar-te Ah! Se eu pudesse construir escadas Ah! Se eu pudesse tocar seu cinza-plúmbeo Nem poderia... você foi soterrado pelo escuro Envolvido por um manto fumacento, a-luz Nem poderia... não bastasse as sombras, Vermelho és, agora, ofuscado pela paixão Eu, ígneo, continuo sonhando em alcançar-te Ainda que só o possa pelo Tsukuyomi Infinito
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O que é meu é aquela fagulha que irrompe quando seu sorriso se manifesta no ar Sem saber como reagir, nessa seara densa, faltam palavras e gestos que possam imprimir o contentamento E meu ainda, por vezes, é um piscar de olhos, cúmplice de coisas que só nós entendemos Aquelas inomináveis, que fogem ao entendimento alheio, inolvidáveis Dele é o restante da existência, do corpo, da alma, dos dias frios juntos debaixo de colchas de chenille O bater das asas nos momentos de êxtase íntimo, em que a carne vibra como folha do agrião na língua O voo misterioso que fazem pelas rotas mais tenebrosas, como piratas em mares nunca d'antes navegados O instante em que, insculpida em terreno confortavelmente comprimido, Sua cabeça palpita e grita, austera e fugidia O que é meu é apenas aquela fagulha que irrompe quando seu sorriso se manifesta no ar Meus circuitos estremecem todas as vezes, tórridas, em que seu semblante sisudo transmuta-se em cores E meu ainda, por vezes, é um piscar de olhos, cúmplice de coisas que só nós entendemos Não há nada mais saboroso que saber do que você sabe A cada pálpebra que cerramos em chiste há um universo repleto de supernovas dentro de mim, Esperando-te com fulgor cósmico reprimido Ai de mim se você as tocasse: sinos dobrariam e o repique anunciaria o caminhar do meu féretro Você viveria para gozar, com ela, dos dias frios, do bater das asas, do voo misterioso
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Sinto frio É noite, bem tarde, tudo acabou Congelada, minha alma Num esquife de gelo, meu corpo Tudo acabou Você lembra-se de como me olhava Com olhos de madeira, a perfurar-me E hoje, vivendo de sinais Sinto o frio avançar caudalosamente Escasseiam, minoram, são ausentes Sinto frio, tudo acabou
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26 Lábios quase cerrados proferem sofismas que dançam entre os dentes Balbuciando ensaios de verdade tua voz estribilha e ecoa Arranca, puxando, para além do endocarpo, um gozo estrepitoso Só um louco não inflamaria, com querosene, as brasas da fogueira O que sai da sua boca se transforma em pétalas da embiratanha Suaves, singelas, amarelas, sou eu que as consome, saborosas Se eu, outro dia, contemplar, do alto, as luzes da cidade incendidas Por certo, mais uma vez, arriscarei debuxar meu toque em seu corpo E acenderei um incenso almiscarado para recordar os seus sussurros
Não há com que conter a dor e a solidão Deste entardecer sozinho Nem as nuvens mais clarinhas do céu, Nem a brisa fresca que me entorpece Nem o capim verdinho que floresce nesse tempo, Nem as pedras cor-de-nada do meu lado Impossível não pensar em sua presença nessa tarde, Do meu lado direito, imaginário Incapaz me torno frente à tamanha ausência, Desvalida, torpe de sentidos dúbios E, no afã de todo esse desejo imorredouro, Só me resta olhar a boreste E imaginar-te, idealizar-te, esperar-te, Para, somente depois, conter-me Pois os momentos, ainda que fúlgidos, Foram únicos e cheios de sentimentos E que seria o ser humano se não pudesse captar Sentidos vindos dos olhos alheios, Das atitudes ambíguas e das palavras Açodadas, ruidosas, poderosas que são Contentar-me-ei, pois, Em ouvir suas músicas, viajando nos acordes E sentir sua presença incauta, na memória E o resto, deixa pra lá.
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Você debuxa seus segredos sem bom zelo Esquece quem sou, onde ando, com quem durmo Nutre, nas inconsistências do ser, o possível
Mas, quem disse que eu disse que é possível? Quem disse que eu disse que é possível ter apego? Você não estranha quando eu, em seus segredos, navego Experimento, em ondas, calores, toques e frios seus E lhe pergunto pela excentricidade desse ato
Será mesmo que você não estranha, quando eu, Em seus segredos, surfando, navego, sem pedir licença?
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Não confie em mim, em minhas falas, em minhas risadas Desconstrua o que você, um dia, imaginou de meu ser Esconda-se por detrás de seus desejos interiores, somente
Abandone seus intentos de ter meu corpo junto ao seu Construa novos castelos em novos ares, pois não existo para você
Deitado num abismo atolado de imensidão Observo, caolho, o espaço cheio de vazios Deleito-me com o pesadelo inodoro do ar inoculável Em mim habitam plêiades ansiosas por contato E outras constelações, possíveis, assomam-se As estrelas da minha galáxia, embaciadas, choram Anos-luz, num planeta obtuso, ouve-se seu clamor Foscas, emassilham um vaso de desejos luminosos Sonham, esperançosas, de serem ofuscadas
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Ele brinca com as palavras, sorrateiramente Acende, no meu peito, chamas de mistério Conduz-me a prados ainda não visitados Leva-me a construir castelos de barro-de-açude Pensando nas maravilhas que a brincadeira faz Que eu posso fazer, senão, amar A arte de colorir meus dias monocromáticos?
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Onde está o amor? Fugiu... não sei para onde foi Perdeu-se... caiu no abismo E me deixou ao léu Árido, Gélido, Vazio
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Saudade de respirar a brisa fresca da boca da noite e sentir saudades Os tempos em que ele se preocupava em sentir falta jĂĄ nĂŁo existem mais Seu mundo entrou em colapso desde que rejeitara o amor a dois E agora, ciente de seus atos, ele aguarda, aprisionado no gelo eterno, O refluxo das fagulhas de sentimentos que inda possam restar em seu peito E ele sente saudade de sentir saudades Mas, ele quer sentir saudades? Haveria, alguĂŠm, para sentir saudades?
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No balanço das ondas de água doce, a viração chega de mansinho, serena Ergo os braços e disparo meu olhar, encadeado pelo brancor das nuvens E me encanto, louco, pela equidade do verde horizonte Contemplo, emoldurando o firmamento azul, São Bernardo, imponente, soberba Verei, em tons de futuro, relances do passado?
Saudosa da noite chuvosa, olhava para sua face com terrível cara de sono Acostumando-se ao seu calor, abria suas portas e janelas para uma nova aurora Uma profusão de seres despertava de seus nichos e se mexia em suas veias Tão indolente era seu sono que seus bocejos sentiam-se nas serras vizinhas Tomando conta das cercanias, transmutaram-se em gélida névoa Que fazer diante da sua grandiosidade, senão, acordar E a cidade viveu mais um dia.
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Por que é tão seguro crer que podemos abandonar o descaso de não desejarmos o outro? Em todos os sentidos, eu calo-me, soturno, diante de todos os desejos construídos nesses anos Quem sou eu, para poder pedir, assim, envergonhado, mais um desejo às candentes estrelas cadentes? Já fui atendido com aquele, daquele dia, aquele mesmo, que você está pensando Pronto, já foi, acabou, desbotou, não há lugar para senões ou misericórdias vãs Só que é estranho continuar com essa batalha... de tão intestina, rebelde, subversiva de mim Se, lá no fundo, não encontro mais a metil celulose para unir os cacos que deixaste Acabou-se inspiração, desbotou a cor que eu via em você todos os dias, Já foi-se o tempo de amar.
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...Era noite...lá ao longe, na distante matriz, doze badaladas estrondaram Pensava que o jogo de cartas havia cansado as vistas dos dois Já era tarde e três redes enfeitavam, paralelas, a sala grande Rangido dos punhos nos tornos, lenta e calma ela se entranhava Eu, cansado, a vontade de entregar-me a ela, serena, eterna Na rede pensa, meu corpo só pensava em perder-se no seu reino ...Ledo engano...ruídos estrepitosos saltavam, minimalistas, da rede do meio da sala Pernas e pés riscando,com volúpia, a urdidura onde estavam metidos Vibrações ansiosas e cheias de vontades que, nervosas, emergiam: Dois desentupidores de pia, tocando-se, em uníssono, no meio do reino dela O ar, pouco a pouco, se impregnava dos fluidos destilados dos poros de ambos Do nada, dois pares de pés arrastavam suas chinelas da sala pela cozinha ...Eu, no meu casulo, só ouvia, lá do banheiro, espremidos, gemidos Ais de amor que teimavam, sem sucesso, em esconder seus tenros vagidos E, por mais que eu quisesse tampar minhas ouças, do nada, um estampido Minutos imutáveis e, na sala, novamente, a fragância de corpos açucarados Arfando, se jogaram na rede do meio, e puseram-se a flertar com sibilos Não parecia mais ser o reino dela, e, tão somente, uma floresta de susurros ...Silêncio sepulcral na sala, corpos dormentes e dormindo. Saindo de meu casulo, até que enfim, a encontro, melancólica e lacrimosa - Onde estás, que te espero, há tempos, para que caias em meus domínios? - No casulo, emprestado ao deleite daqueles que fofavam na sala, minha senhora. - Queres, ainda, comigo deitar-se e gozar das delícias do meu reino? - Sim, ó Noite, para que eu não seja, apenas, aquele que segurava a vela.
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Quando ele pousa, toda gente se agita no sertão Insetos da terra, pássaros dos ares, todos eles Até aquela vaquinha de cara-marrom lá do pasto Uma reunião de vidas se junta na sinfonia da tarde Exemplares cânticos entoados no pé-da-serra Há um dom, natural, em tudo isso que nós vemos: O beija-água, sorrateiro, pousa no galho e ensina Que a cafeína de nossas vidas é esquecer-se de si Como um ser, a mais, faceiro, no universo
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Se fosse mais fácil talvez não houvesse o lúgubre E as articulações de meu braço a doer, doer, doer Existe um timbre grosso e radiante, ainda, que pode sair Existirá o tempo hábil para esse devir? Pego-me, cauteloso, com os botões de minha calça, e penso: Quantas águas derramarei, ainda, na esperança do porvir Se com elas posso regar um infinito de possibilidades ao acaso Deitando, em terra, aquilo que pensei para minha vida? Um coração para amar, somente...
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Existe lugar que o inscreve em fronteiras impermeáveis Ele o deixa inquieto, cheio de dúvidas, contemplativo Faz com que seus dias se transformem em mares de desassossego Impõe condutas e pespega dores em seu desejo de ser Deixa sua vontade de nele continuar esvair-se pelos dedos E exsudar-se pelos poros que inda sobrevivem Nele brota o pesar e não há o lenitivo Mas, dentro dele, há laços imperecedouros Sua conjuntiva e sua córnea sempre umedecidas As fronteiras estremecem e elas vertem sem parar
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Gastar um repertório de verbetes bem assim Armar em jogo as peças e esperar o tamborim Ser tocado rapidamente pelo vencedor da partida Comprar poucas palavras para definir o fim Imaginar de novo que a vida Ê carmesim Gozar em urros deliciosamente contigo Perder as minhas fichas no borralho varonil Deixar-me ser usado por seu rijo corpanzil Esquecer de tudo, de pernas pro alto, sorrindo triste
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Perdido na cidade, que nem roda viva, gira o mundo Estereofônico, seduzo os últimos pingos da chuva
A busca pelo amor pode ser infrutífera se não molhada Borbulham em meu peito vontades irisantes, de leve Ultrapassar os limites de tua íris pode ser custoso Se eu perceber que ainda resta a brisa gelada da chuva Talvez haja lugar, ainda, para um aconchego seu.
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Quem é este que avança noite adentro No epicentro de suas vistas, enegrecidas, Sonha que falta do quebra-cabeça uma peça E antes que, de novo, anoiteça, acorda Quem é este que dissipa delicadeza nas palavras Fugindo de aparente sisudeza, formoseando-se Descrente, ele acredita que existe um caminho Para onde seguir? Não sabe - ou não quer? Na calmaria da noite, ele viaja pelas redes Ataca, como vampe, as suas vítimas descuidadas Aplaca sua sede quando elas lhe leem, calmamente E ele, vorazmente, regozija-se sem sangue Que procura este ser com subliminar candor Cuja dor, de viver, lhe faz impetrar companhia Se, até para chegar ao entardecer, ele pensa, E deseja sonhos compartilhar em meio ao cinza do dia?
Aparando arestas, enxugando lĂĄgrimas Ele aparece, contentadiço, e se move Por entre a face, guloseimas e cafeĂna, E se o poder de um olhar pudesse mover montanhas NĂŁo haveria mais serras por estas paragens.
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44 Quase nada do que te falei fora coisa pensada, sabia? Não sabia como evitar andar por um tabuleiro sem peões Mas, lá no fundo, eu imaginava que poderia contar contigo Quem sabe, para sonhar, descabidamente, com um ósculo Se o mundo acabasse hoje, talvez, eu abrisse a carteira E encontrasse uma foto 3x4 sua, amassada, de bobeira E me lembraria de quando admirava seu cabelo ao vento Sonhando com os cafunés que nunca pude lhe fazer Mas, a vida é mais que desejos não realizados, não acha? Naquele dia que lhe toquei, esqueci meu nome na areia Suei desesperadamente quando seus pelos tocaram os meus Preso nesse barco, eu remei por mares bravios e solitários E você singrou por outros mares, encastelados, difusos Não pense que não desejei que o meu barco mudasse de rota Mas, apavorei-me em me dar conta de que sou humano.
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Ele ganha seus dias riscando, com caneta, no papel Seus lábios de mel proferem verdades contidas E as incontidas, aquelas desmedidas, desregradas Ele sai arriscando, como zelação, em versos Nas folhas de seus dias há emoção intensa Imersos no devir, seus olhos iluminam o ar Dispensa falar que escorre sentimento No acolhimento, das palavras, que ele faz Um poeta (que) ama (a dor)
Quando, de noite, ela ainda teimava em sugar minhas entranhas (In)suspeito ele chegou e arrebatou tamanhas certezas Ela rasgava a cortina da noite, conclamando rigor e labuta Ele ziguezagueava, com agulha, trama de universo de afinidades Submerso, meu apetite por alteridades emergia pusilânime Dei fÊ, assustado, o gel de minha caneta, aberta, Havia aberto negras manchas em meu calção branco... A faina, hoje, perdeu o lugar para o (des)conhecido E dormi ensimesmado, qual coruja-buraqueira no ninho
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Para Alan Moore Esses dias chuvosos e cheios de vida mexeram com minha cabeça Saindo das minhas entocas, recuso o não sentir novos cheiros Invado, novamente, as estradas antes marcadas pela aridez Investigo, ansioso, onde o xiquexique está frutificando Ávido, com meus companheiros, mergulho no néctar do Verde Incauto, sinto o carmesim d o suave fruto preencher meu Vermelho Saboroso, permito que as sementes tomem conta de mim Verde e Vermelho coexistem nesse sertão chuvarado E eu nem mesmo importo se meu bico está melado Quem se importa?
Sinto frio Vai-se o sol, de mansinho Deitam-se luzes no horizonte Formam-se cores em meu ser Desabrocho, eremita, a lembrança Onde está o seu rosto para que eu veja? Onde habita seu sorriso meigo? E onde está seu humor estranho? Vai-se o sol, de mansinho Brotam estrelas no céu Formam-se desejos em meu ser
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Projeto grรกfico e fotos: Helder Macedo Prefรกcio: Prentice Geovanni da Silva Costa ISBN: 978-85-922634-4-7
Publicado em Caicรณ, pela Agbook 2020
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helder macedo é seridoense de Carnaúba dos Dantas, historiador e professor de História. Escreve poemas desde os 12 anos e, de certo tempo para cá, os publica, virtualmente e na forma impressa. Além de aprendiz de poeta, é tirador de fotos, publicando algumas delas no instagram @homem.do.ceu. Vive, em seus dias de luta, entre Carnaúba dos Dantas e Caicó.
ao Universo, por proporcionar-me a vida aos leitores e leitoras do Instagram, Facebook, Twitter e WhatsApp, onde parte dos poemas aqui encartados foram postados, inicialmente, e que suportaram, com paciência ou não, minhas
bads
a Prentice Costa, pelo prefácio, leitura prévia e aconselhamentos sobre a estrutura do livro
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