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Futebol em Mato Grosso do Sul: como chegamos até aqui e para onde vamos

Como chegamos até aqui

Desde quando passei a acompanhar de perto o Campeonato Sul-Mato-Grossense, tenho notado que certos fatos se repetem ano após ano em nosso futebol. Tanto que dá até para prever um roteiro sobre o que pode acontecer na temporada, com grandes chances de acerto. Seria mais ou menos assim: um time dispara dos rivais iniciando a pré-temporada com várias semanas de antecedência, o que gera certa expectativa positiva sobre seu desempenho no campeonato. Faltando poucos dias para o início do torneio, a maioria das equipes já está em atividade, só que um ou dois clubes ameaçam desistir da disputa por falta de dinheiro e patrocinadores para manter o elenco. Entre 2008 e 2016, dez times estiveram prestes a abandonar a Série A estadual, sendo que seis concretizaram a ameaça: Ponta Porã, Camapuã e Paranaibense (2008), Coxim (2010), Costa Rica (2011) e Itaporã (2016).

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Para mandar seus jogos, os clubes profi ssionais – entidades privadas – recorrem aos estádios públicos, em sua grande maioria administrados por prefeituras. Só que bem na época do campeonato, quase sempre os estádios estão com os laudos vencidos. Em geral, esses documentos têm validade de um ano e são emitidos pela Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Vigilância Sanitária e engenheiro responsável. Sem a papelada, não há autorização para os jogos. Ocorre que ao longo dos meses que antecederam o campeonato, poucas agremiações se anteciparam em buscar a renovação dos documentos - principalmente porque ainda não estão vencidos. Às vésperas de a bola rolar, começa uma correria de dirigentes atrás de laudos. De olho nessa movimentação, o Ministério Público age com rigor para fazer valer o Estatuto de Defesa do Torcedor e veta partidas em estádios sem laudo. Os times afetados pela decisão não conseguem jogar em casa e precisam viajar centenas de quilômetros para cumprir a tabela, até que a situação seja normalizada.

Bem ou mal, o campeonato começa. Ao longo da primeira fase, começam a despontar os times favoritos ao mata-mata e também as equipes mais debilitadas técnica e fi nanceiramente, que estão fadadas ao rebaixamento. A bola segue rolando nas fases eliminatórias, e o nível técnico das partidas melhora. A essa altura, o problema com a documentação dos estádios já está resolvido. Com isso, o campeonato pode ter um desfecho digno, ou seja, os clubes poderão fazer seus jogos decisivos diante de suas torcidas. Na semifi nal e na fi nal, o público faz um belo espetáculo e chega até a lotar estádios. Mas não é sempre assim, pois nem todos os clubes contam com torcedores apaixonados. Vazios nas arquibancadas não são raridade no campeonato.

Pequenas rivalidades regionais surgem, mas nada que se possa chamar de clássico. Na fi nal, sem surpresas: os dois times mais competentes da temporada decidem quem fi ca com a taça. Os fi nalistas garantem vagas para os torneios nacionais - Copa do Brasil e Série D do Brasileirão. Esses prêmios são o consolo depois de praticamente quatro meses de um penoso trabalho. A premiação em dinheiro aos fi nalistas foi instituída apenas em 2017, embora todos os clubes da elite recebam auxílio do governo estadual para bancar despesas com transporte, hospedagem e alimentação das delegações. Se o clube terminar a competição sem dever para jogadores, comissão técnica ou fornecedores, estará no lucro.

Quando a Série A estadual termina, a maioria dos clubes da elite entra em recesso, exceto quem vai disputar a Série D do Brasileirão no segundo semestre. Mas em geral a jornada no torneio nacional é breve: nossas equipes não têm força sufi ciente para brigar por um acesso e são eliminadas nas fases iniciais. A temporada reserva ainda o Estadual Sub-19 e a Série B, como competições profi ssionais. Paralelamente, a federação organiza as competições de base, como Sub-13 e Sub-17. São poucos os clubes que investem pesado nas categorias inferiores, e como consequência, são cada vez mais raros os jogadores sul-mato-grossenses que se destacam em nível nacional. Em 2016, por exemplo, nenhum atleta da base foi negociado para fora do Estado Ao fi nal do ano, a pré-temporada se desenha no horizonte. Vai começar tudo outra vez...

Para onde vamos?

Não é fácil fazer futebol profi ssional no Brasil. Existem sérios problemas em diversos níveis de organização, sejam administrativos, econômicos, políticos ou sociais, que acabam atrasando o desenvolvimento do esporte. Entretanto, essas difi culdades conjunturais não podem ser usadas como justifi cativa para a falta de ideias e iniciativas dos gestores do futebol, no sentido de reverter esse quadro. Para mudar, é preciso querer.

O futebol sul-mato-grossense já viveu seu auge em décadas passadas. Revelava bons jogadores, confrontava grandes rivais, enchia as arquibancadas. A realidade atual, porém, é bem diferente. Nenhum jogador é formado em nossos gramados. Nossos clubes deixaram de ser protagonistas no cenário nacional. E mais grave do que isso: fi camos atrás de estados com pouca ou nenhuma tradição futebolística, como Acre e Piauí. Mato Grosso do Sul só está à frente do Espírito Santo, Tocantins, Amapá, Rondônia e Roraima no último Ranking Nacional de Federações, da CBF. Diante dessa situação, estamos dominados pela inércia.

Mato Grosso, nosso estado vizinho e irmão, tomou o caminho oposto e despontou no cenário nacional na última década. Basta ver exemplos como o Luverdense: fundado em 2004, joga a Série B do Brasileirão desde 2014 e campeão da Copa Verde 2017; e o Cuiabá, criado em 2001 e há seis anos consecutivos na Série C nacional, sem contar o título da Copa Verde 2015 e a inédita participação na Copa Sul-Americana em 2016. Essa maior presença nas divisões superiores permite, por exemplo, que Mato Grosso tenha três vagas na Copa do Brasil, contra duas de Mato Grosso do Sul. E a Copa é um dos torneios mais rentáveis do calendário: em 2017, a cota mínima era de R$ 250 mil apenas para a primeira fase. Com esse dinheiro, daria para pagar quase três meses de salários de um time no Campeonato Sul-Mato-Grossense.

Tomando Mato Grosso como exemplo, a única conclusão possível é a de que, para crescer, o futebol sul-mato-grossense precisa ser obcecado por subir de divisão em nível nacional. Da Série D, onde estamos atualmente, para a Série C, e assim por diante. A razão é muito simples. É nas séries principais onde o dinheiro circula. E não se faz mais futebol sério sem dinheiro. Futebol hoje em dia precisa ser encarado como negócio e espetáculo.

Para estar em uma divisão superior, o clube obrigatoriamente precisa se qualifi car e investir em seu departamento de futebol profi ssional, dotando-o de boa infraestrutura e gestores capacitados. A reboque desse investimento, deve ser feito um trabalho consistente nas categorias de base, do infantil até os jovens prestes a se tornar profi ssionais. Isso garante a renovação do elenco em um futuro próximo e possibilita a venda de jogadores para grandes centros, gerando receitas extras. A equipe então se sustenta com verbas de publicidade, transações de atletas, bilheteria, direitos televisivos e material licenciado, até o ponto em que as receitas entram em equilíbrio e permitam voos mais altos.

À medida que se fortalece para encarar rivais mais fortes à altura, o clube provoca os adversários em seu Estado a buscarem também essa qualifi cação. Ocorre uma reação em cadeia. Santa Catarina é um claro exemplo disso. A Série A do Brasileirão chegou a ter quatro clubes catarinenses em 2015 (Avaí, Figueirense, Chapecoense e Joinville), mais do que estados tradicionais, como Rio de Janeiro (três) e Rio Grande do Sul (dois) naquele ano. O quarteto catarinense também já frequentou a Copa Sul-Americana.

Se o futebol sul-mato-grossense quiser mesmo crescer, é preciso que cada um faça seu papel. Desde os gestores, ao buscarem qualifi cação para comandar os clubes, até o empresariado local, ao patrocinarem o time da sua cidade; passando pela Federação, ao atrair empresas fortes para apoiar as competições e criar fórmulas de disputa atraentes para as equipes; sem esquecer o poder público, ao manter em boas condições de uso os estádios que administra; e lembrando ainda da imprensa especializada, ao dar maior visibilidade às ações dos clubes; chegando até ao torcedor, que é o elo forte dessa cadeia e ao mesmo tempo alimenta e renova o ciclo de crescimento.

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