Saberes e fazeres do atendimento educacional hospitalar e domiciliar
Organizadores
Jucélia Linhares Granemann de Medeiros Fanny Valdez Camila Gonçalves Costa
Campo Grande 2021
Prefácio O direito à educação do estudante em tratamento de saúde é garantido constitucionalmente a todos aqueles que se encontram em idade escolar obrigatória para frequentarem a educação básica. No entanto, a garantia legal pressupõe um movimento desencadeador de ações e políticas educacionais que possibilite o efetivo acesso à escola. Nesse contexto, o processo de escolarização em ambiente hospitalar e domiciliar vem se fortalecendo por meio de programas e serviços ofertados pelas secretarias estaduais e municipais de educação do Brasil, o que incita aos profissionais que atuam nesse contexto diferenciado uma formação para além dos saberes profissionais adquiridos na graduação. Assim, pensar em um processo de formação continuada que congregue conteúdos sobre as especificidades dessa especial condição possibilita que gestores, coordenadores, pedagogos, professores, técnicos, estudantes e profissionais da saúde interessados busquem, por meio da formação continuada, refletir sobre como os saberes experienciais constituem a identidade dos sujeitos que trabalham nesse campo. Ainda nesse processo formativo, fomentar espaços de discussão sobre a temática é fundamental e se traduz no esforço de mobilizar os responsáveis pelo trabalho desenvolvido para participarem de encontros nacionais , fóruns, seminários, congressos e outros eventos específicos, que, muitas vezes, ultrapassam divisas e fronteiras territoriais, trazendo um enriquecimento profissional por meio de trocas de experiências vivenciadas em outros Estados brasileiros, e também em outros países.
1 Sobre saberes profissionais e experienciais ver: TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
O 1º Encontro Nacional de Atendimento Escolar Hospitalar foi organizado pela Profa. Dra. Eneida Simões da Fonseca, em 2000, no Rio de Janeiro.
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Nesse sentido, o “Curso de Aperfeiçoamento em Atendimento Educacional em Ambiente Hospitalar e Domiciliar”, na modalidade a distância, oferecido pela Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (SECADI/MEC) retratou uma iniciativa de promover um espaço de aprofundamento teórico que contribui para a prática cotidiana de cada hospital ou domicílio, trazendo como culminância a realização do 1º Seminário Internacional de Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar, ocorrido em agosto de 2019, no campus da UFMS, localizado em Campo Grande, MS.
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A coletânea dos artigos que compõem esta publicação é o corolário desse processo e representa a preocupação com a busca da teorização da prática que, de forma organizada, conduz o leitor a repensar as formas e ampliar seu olhar sobre o papel do professor e do pedagogo em um contexto não escolar, mas que, via de regra, tem como foco o direito à educação, vinculando-se, portanto, à educação formal, pois há equivalência de frequência e aproveitamento escolar durante o período do afastamento da escola regular. Os autores debruçaram-se na análise da formação do pedagogo para atuar no atendimento educacional hospitalar em classes hospitalares, apresentando na sequência uma reflexão sobre as demandas relacionadas à função exercida e seu reconhecimento. Nesse caso, enfatiza-se que esse profissional pode ser o responsável pela docência dos anos iniciais do ensino fundamental, mas há a possibilidade de ser também o elemento articulador na organização do trabalho pedagógico nos hospitais, que contempla os anos finais do ensino fundamental, bem como o ensino médio. A abordagem sobre as atribuições e o papel social de cada profissional leva ao entendimento de sua valorização social, de modo que o comprometimento do processo educacional se traduza na responsabilidade de professores e pedagogos. As metodologias de trabalho são bastante diferenciadas e contam com apoio do uso de diferentes espaços. Pensar sobre a ludicidade apresenta um caminho parceiro para a escolarização, mas também é condição essencial no trabalho desenvolvido pelos profissionais que atuam em brinquedotecas hospitalares, visando ao desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças internadas. 3
Ainda no campo do direito à educação em um contexto hospitalar, é contemplado por um estudo sobre os aspectos legais e do plano educacional em direitos humanos, possibilitando uma reflexão do assunto na perspectiva da educação inclusiva. Portanto, esta obra nos faz conjecturar sobre a garantia do acesso do estudante à escola e sua permanência, independente de sua condição de saúde, e a necessária formação e o papel dos profissionais que convergem em um processo de colaboração e motivação de novas descobertas e interesses. Portanto, é necessário, nesse movimento, que o profissional, para além de possuir competência técnica, apresente “competência humana” para questionar, se relacionar e contribuir de forma ética e comprometida com a escolarização. Assim, a prática pedagógica em ambientes hospitalares instiga os estudantes a realizarem uma verdadeira práxis educativa, incentivando um processo de construção do conhecimento, que parte de seus conhecimentos e respeita suas particularidades. Como formadores, temos que reconhecer o nosso inacabamento, como diria Paulo Freire3. Complementando, a inquietação e o entendimento sobre esse inacabamento nos tornam professores melhores a cada dia.
Boa e incentivadora leitura! Cinthya Vernizi Adachi de Menezes Curitiba, inverno de 2019
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
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Sumário Apresentação
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CAPÍTULO I Formação do pedagogo para o atendimento educacional em classes hospitalares
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CAPÍTULO II 23 O papel do pedagogo no ambiente hospitalar: a formação para além da docência
CAPÍTULO III Os papéis do professor e pedagogo SAREH
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CAPÍTULO IV Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil
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CAPÍTULO V Tecnologia assistiva: contributos em uma experiência no atendimento escolar em ambiente hospitalar
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CAPÍTULO VI Educação hospitalar como mecanismo de defesa dos direitos humanos e construção de cidadania
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CAPÍTULO VII Processos educativos de crianças e jovens indígenas em tratamento de saúde
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CAPÍTULO VIII Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
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CAPÍTULO IX Reflexões sobre o potencial lúdico do uso da brinquedoteca em hospitais: contribuições do
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brincar livre para a promoção do bem-estar da criança hospitalizada
Considerações
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Apresentação Esta obra nasce de um desejo de discussão e de formação dos professores, e contempla as produções de professores e cursistas descrevendo os caminhos da aprendizagem implícito no fazer didático, pedagógico do atendimento educacional em ambiente hospitalar e domiciliar. Nesta obra foram reunidos textos de professores e pesquisadores que voltam seu olhar para o atendimento ao estudante que se encontra em tratamento de saúde. A obra tem a pretensão de provocar a reflexão em relação aos diversos fazeres educativos que ocorrem nos espaços de tratamento de saúde de crianças e adolescentes. Therrien e Loiola4 (2003, p. 158) destacam que: “O saber-fazer contextualizado se elabora a partir das características do contexto no interior do qual o professor ou a professora evolui”. Assim, a leitura do espaço da educação hospitalar determina a prática docente e os caminhos pedagógicos trilhados neste campo. Abrindo possibilidades de inovação, criatividade, reflexão e pesquisa sobre os processos de ensino. Considerando estes aspectos o conjunto de textos que aqui apresentados, alia conhecimento, pesquisa e prática pedagógica, com o objetivo de descrever como o processo de ensino é organizado em ambientes muito específicos e focados, hospitais e domicílios em diferentes regiões do país. Iniciamos as provocações textuais com uma produção das Professoras Robéria Vieira Barreto Gomes e Ademárcia Lopes de Oliveira Costa que trazem ao centro dos estudos e discussões o capítulo I, intitulado, FORMAÇÃO DO PEDAGOGO PARA O ATENDIMENTO EDUCACIONAL EM CLASSES HOSPITALARES, neste capítulo as autoras discutem os aspectos da formação dos pedagogos para atuação em classe
hospitalar, tomando como base aspectos teóricos e base documental que ressalta os aspectos relevantes da formação especifica e contextual. O segundo capítulo da obra de autoria da Professora Cinthya Vernizi Adachi de Menezes, O PAPEL DO PEDAGOGO NO AMBIENTE HOSPITALAR: A FORMAÇÃO PARA ALÉM DA DOCÊNCIA, discute a atuação do pedagogo em ambiente hospitalar, promovendo uma reflexão acerca das demandas relacionadas à função exercida e seu reconhecimento enquanto profissional responsável pela docência dos anos iniciais do Ensino Fundamental, bem como pela organização do trabalho pedagógico, que inclui os anos finais do Ensino Fundamental e também o Ensino Médio. O capítulo III, intitulado OS PAPÉIS DO PROFESSOR E PEDAGOGO SAREH, de autoria da Professora Angélica Macedo Lozano Lima, aponta para discussões focadas no estudo da autora em sua tese de doutoramento “CLASSE HOSPITALAR: do território ao lugar em tempos e espaços educacionais” (LIMA, 2018), cuja proposta é a de mostrar quem são os sujeitos desse espaço de atuação, a classe hospitalar. O capítulo seguinte, BRINQUEDOTECAS HOSPITALARES: ESPAÇOS DE LUDICIDADE E DE APRENDIZAGEM PARA CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL, de Thatiana Gonçalves Ignacio; Ordália Alves Almeida e Milene Bartolomei Silva, coloca no palco das discussões a importância da brinquedoteca hospitalar, o papel do brincar e da formação de profissionais para atendimento e acompanhamento dos espaços do brincar em hospitais e clínicas. Verificando o perfil dos
THERRIEN, Jacques; LOIOLA, Francisco A. Considerações em torno da relação entre autonomia, saber de experiência e competência docente no contexto da ética profissional. In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL DO NORTE NORDESTE, 16., 2003, Aracaju. Anais... Aracaju, SE, 2003. 1 CD-ROM.
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profissionais que atuam nas brinquedotecas hospitalares e quais atividades realizam com as crianças hospitalizadas para aprenderem e desenvolverem-se por meio do lúdico.
permanentemente, devido às fragilidades das suas condições de saúde, promovendo ações que diminuam os impactos negativos sobre o desenvolvimento do ser integral.
O capítulo V de autoria da Professora Cristiane Pedrosa, TECNOLOGIA ASSISTIVA: CONTRIBUTOS EM UMA EXPERIÊNCIA NO ATENDIMENTO ESCOLAR EM AMBIENTE HOSPITALAR, foca as discussões no uso da tecnologia assistiva, na Classe Hospitalar Semear, enquanto ferramenta facilitadora no atendimento pedagógico em ambiente hospitalar em virtude da impossibilidade da realização de atividades de escrita pela maneira convencional por conta do acesso venoso na mão de escrita.
O capítulo VIII, ATENDIMENTO EDUCACIONAL HOSPITALAR E DOMICILIAR NO RIO GRANDE DO NORTE: PERCURSO HISTÓRICO, escrito pelas Professoras Andréia Gomes da Silva e Maria da Conceição Passeggi, apresenta o percurso histórico da institucionalização do Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar (AEHD) no Estado do Rio Grande do Norte, com foco nas políticas públicas e na cooperação com instituições da sociedade civil e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
O capítulo VI, A EDUCAÇÃO HOSPITALAR COMO MECANISMO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS E CONSTRUÇÃO DE CIDADANIA, das Professoras Ana Carolina Lopes Venâncio, Itamara Peters e Mariana Saad Weinhardt Costa, traz como temática de pesquisa o Direito à educação em face de situação de doença e/ou tratamento de saúde. Argumenta que a defesa do direito à educação se coloca enquanto elemento de defesa dos direitos humanos básicos discute a complexidade do reconhecimento do direito à educação e, em específico, a dificuldade de que este direito, que ainda não se consolidou plenamente na sociedade, se estenda aos ambientes hospitalares.
O capítulo IX, REFLEXÕES SOBRE O POTENCIAL LÚDICO DO USO DA BRINQUEDOTECA EM HOSPITAIS: CONTRIBUIÇÕES DO BRINCAR LIVRE PARA A PROMOÇÃO DO BEM-ESTAR DA CRIANÇA HOSPITALIZADA, de autoria dos professores: Lucas Klaivi Araújo do Espírito Santo, Morgana Timbó Lima e Robéria Vieira Barreto Gomes, apresenta uma discussão sobre o uso da ludicidade na brinquedoteca hospitalar.
Na sequência, o capítulo VII, PROCESSOS EDUCATIVOS DE CRIANÇAS E JOVENS INDÍGENAS EM TRATAMENTO DE SAÚDE, da Professora Jucélia Linhares Granemann de Medeiros, discute o direito à educação focando na compreensão dos processos de ensino e aprendizagem que envolvem crianças e jovens indígenas, no âmbito da Educação Básica, que se encontram impossibilitados de frequentar a escola, temporária ou
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Para Matos e Mugiatti (2014, p. 85), “a construção do saber implica, necessariamente, na comunicação entre professores e alunos”. Comunicação esta que estabelece os vínculos necessários para o desenvolvimento de atividades educativas. E que se encaixa também no viés da comunicação escrita entre professores e pesquisadores que buscam um fazer docente situado e centrado nos sujeitos do processo de ensino, crianças e adolescentes afastados da escola regular em virtude de tratamento de saúde. Assim, socializar pesquisas e relatos de prática corrobora com a construção dos saberes da docência e convida ao estudo, a reflexão e a discussão dos processos de ensino.
MATOS, E. L. M.; MUGIATTI, M. M. T. de F. Pedagogia hospitalar: a humanização integrando educação e saúde. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
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Capítulo
I
Formação do pedagogo para o atendimento educacional em classes hospitalares GOMES, Robéria Vieira Barreto ¹ COSTA, Ademárcia Lopes de Oliveira ² 1 Introdução 2 Formação inicial do pedagogo para atuar no atendimento educacional em ambiente hospitalar 2.1 Formação do pedagogo para atuar no atendimento educacional em classes hospitalares: aspecto legal 3 Atuação do professor no atendimento educacional no ambiente hospitalar 4 Conclusão Referências
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Professora, Doutora na Faculdade de Educação, Departamento de Estudos Especializados da Universidade Federal do Ceará. Participante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política, Gestão, Trabalho e Formação Docente (GEPPEAC). aee.roberia@gmail.com 1
Professora, Doutora na Universidade Federal do Acre (UFAC). Participante do GEPPEAC e do Grupo de Pesquisa em Educação (GEPED). ademarciacosta@gmail.com
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Capítulo I
Formação do pedagogo para o atendimento educacional em classes hospitalares
1 Introdução Nas últimas décadas a formação docente tem sido desafiada a corresponder às expectativas e demandas exigidas pela sociedade, sobretudo, pela educação, em geral, e pela escola, de um modo mais específico. Isso fez surgir uma gama considerável de estudos sobre o assunto, dentre eles destacam-se aqueles que ressaltam a importância do atendimento educacional realizado nas classes hospitalares. O presente estudo insere-se nesse contexto com a seguinte problemática: Qual a formação do pedagogo para atuar no atendimento educacional hospitalar em classes hospitalares? Para o desenvolvimento dessa problemática, elencamos como objetivo analisar a formação do pedagogo para atuar no atendimento educacional hospitalar em classes hospitalares. Para tanto, utilizamos como aporte metodológico a pesquisa documental. Segundo Severino (2016, p. 131), a pesquisa documental tem-se “[...] como fonte o sentido amplo, ou seja, não só de documentos impressos, mas, sobretudo, de outros tipos de documentos, tais como jornais, fotos, filmes, gravações, documentos legais”. Nesse entendimento, fizemos uma revisão da literatura sobre a temática, analisando documentos, como a Resolução n° 41, de 13 de outubro 1995 (BRASIL, 1995), que aprova em sua íntegra o texto oriundo da Sociedade Brasileira de Pediatria, relativo aos Direitos da Criança e do Adolescente hospitalizados; a Lei nº 13.716, de 24 de setembro de 2018 (BRASIL, 2018), que assegura atendimento educacional ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado; a Resolução nº 1, de 15 de maio de 2006 (BRASIL, 2006), que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia e demais Licenciaturas; por fim, fizemos uso da Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015 (BRASIL, 2015), que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior. Este artigo está organizado em quatro seções. Na seção 2 abordamos a formação inicial do pedagogo para atuar no ambiente hospitalar; na qual delimitamos a discussão apresentando o aspecto legal que embasa esse profissional para atuar nas classes hospitalares; na seção 3, apresentamos como se dá a atuação do pedagogo no ambiente hospitalar, especificamente, nas classes hospitalares e, por fim, na seção 4, as conclusões sobre o argumento abordado.
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Capítulo I
Formação do pedagogo para o atendimento educacional em classes hospitalares
2 Formação inicial do pedagogo para atuar no atendimento educacional em ambiente hospitalar As mudanças ocorridas nas últimas décadas em relação à formação docente, motivadas por transformações econômicas e sociais, influenciaram diretamente na formação do pedagogo. Com isso, ampliaram-se os espaços de atuação desses profissionais, sendo um desses espaços a classe hospitalar. De acordo com Libâneo (1998), as instituições de ensino superior (IESs), principais espaços de formação docente, são impulsionadas a formarem [...] um novo professor capaz de ajustar sua didática às realidades da sociedade, do conhecimento, do aluno, dos meios de comunicação a novo professor precisaria, no mínimo, de adquirir sólida cultura geral, capacidade de aprender a aprender, competência para saber agir na sala de aula, habilidades comunicativas, domínio da linguagem informacional e dos meios de informação, habilidade de articular as aulas com as mídias e multimídias. (LIBÂNEO, 1998, p. 12).
Percebe-se com isso que esse profissional precisa adquirir alguns conhecimentos específicos, pois, além dos conteúdos didáticos, deve desenvolver a capacidade de saber como o aluno aprende para que possa ensinar, utilizando uma linguagem acessível no processo de ensino e dispondo de recursos didáticos pedagógicos como suporte.
Nessa perspectiva, a formação inicial é uma ação primordial na construção da identidade profissional do futuro professor. Tal formação precisa fazer uma interlocução entre teoria e prática e preparar o sujeito para o exercício da atividade docente. Sobre esse preparo, Pimenta (2006, p. 105, grifo do autor) explica que […] não se esgota nos cursos de formação, mas para o qual o curso pode ter uma contribuição específica enquanto conhecimento sistemático da realidade do ensino-aprendizagem na sociedade historicamente situada, enquanto possibilidade de antever a realidade que se quer (estabelecimento de finalidades, direção de sentido), enquanto identificação e criação das condições técnico – instrumentais propiciadoras da efetivação da realidade que se quer. Enfim, enquanto formação teórica (onde a unidade teoria e prática é fundamental) para a práxis transformadora.
Estes autores corroboram com o pensamento de Pimenta (2006) ao afirmar que a formação inicial voltada para os cursos de formação de professores direciona-se exclusivamente no preparo desse profissional, proporcionando-o elementos que permitam uma melhor compreensão em relação à realidade escolar, tornando-o apto a lidar com os diversos espaços educacionais: espaços escolares e espaços não escolares.
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Capítulo I
Formação do pedagogo para o atendimento educacional em classes hospitalares
O pedagogo pode desenvolver o seu trabalho docente em outros espaços, além da escola, como em empresas, organizações não governamentais (ONGs), hospitais, sindicatos, dentre outros, pois a pedagogia “[...] tem a prática educativa como objetivo de estudo e essa prática acontece em outros lugares, não somente na escola” (NASCIMENTO et al., 2010, p. 62), de modo que, ao longo da sua formação, o futuro professor precisa adquirir conhecimentos de sua atuação nesses espaços. De acordo com Libâneo (2001, p. 11, grifo do autor), existem três tipos de pedagogos: 1) pedagogos lato sensu, já que todos os profissionais se ocupam de domínios e problemas da prática educativa em suas várias manifestações e modalidades, são, genuinamente, pedagogos. São incluídos, aqui, os professores de todos os níveis e modalidades de ensino; 2) pedagogos stricto sensu, como aqueles especialistas que, sempre com a contribuição das demais ciências da educação e sem restringir sua atividade profissional ao ensino, trabalham com atividades de pesquisa, documentação, formação profissional, educação especial, gestão de sistemas escolares e escolas, coordenação pedagógica, animação sociocultural, formação continuada em empresas, escolas e outras instituições; 3) pedagogos ocasionais, que dedicam parte de seu tempo em atividades conexas à assimilação e reconstrução de uma diversidade de saberes.
Por causa desses diferentes tipos de pedagogos e as diferentes funções exercidas por cada um deles, evidencia-se a necessidade de uma formação inicial que o possibilite a escolha da sua área de atuação, auxiliando-o na compreensão das funções e no desenvolvimento de suas habilidades para exercer a profissão. A Resolução CNE/CP nº 1/2006, no seu art. 2º, estabelece que a formação inicial ofertada nos cursos de Pedagogia deve preparar o pedagogo para a docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, bem como nos cursos de ensino médio, quando for modalidade normal, em cursos de educação profissional, atuando na área de serviços e de apoio escolar e em outras áreas que necessitem de um profissional com conhecimentos na área pedagógica (BRASIL, 2006).
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Capítulo I Em relação às atividades que podem ser desempenhadas pelo pedagogo, essa Resolução, nos incisos II e IV, em seu art. 4º, parágrafo único, ressalta: Art. 4º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando: [...]; II – planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não escolares; [...]; IV – trabalhar em espaços escolares e não escolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo. (BRASIL, 2006, p. 2).
Também consta no art. 5º da referida Resolução, a afirmação de que “O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto
Formação do pedagogo para o atendimento educacional em classes hospitalares
a: IV - trabalhar, em espaços escolares e não escolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo” (BRASIL, 2006, p. 2). Com isso, essa Resolução ratifica a ideia de que os cursos de pedagogia devem oferecer uma formação ampla, a qual busque formar um pedagogo apto para exercer as diferentes funções que esse profissional pode desempenhar em um espaço, seja ele escolar ou não escolar. Outro importante documento da formação do pedagogo é a Resolução nº 2/2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. A mencionada Resolução, em seu art. 13 ressalta: Os cursos de formação inicial de professores para a educação básica em nível superior, em cursos de licenciatura, organizados em áreas especializadas, por componente curricular ou por campo de conhecimento e/ou interdisciplinar, considerando-se a complexidade e multirreferencialidade dos estudos que os englobam, bem como a formação para o exercício integrado e indissociável da docência na educação básica, incluindo o ensino e a gestão educacional, e dos processos educativos ‘escolares e não escolares’, da produção e difusão do conhecimento científico, tecnológico e educacional, estruturamse por meio da garantia de base comum nacional das orientações curriculares. (BRASIL, 2015, p. 11, grifo nosso).
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Capítulo I
Formação do pedagogo para o atendimento educacional em classes hospitalares
Nesse entendimento, a formação inicial do pedagogo deve ser ampla e eficiente, ou seja, deve envolver os seus vários espaços de atuação e proporcionar subsídios teóricos e práticos necessários ao exercício de sua prática docente. À vista disso, na subseção seguinte abordase a formação do pedagogo para atuar na classe hospitalar.
2.1 Formação do pedagogo para atuar no atendimento educacional em classes hospitalares: aspecto legal A pedagogia é a ciência que estuda a educação e o pedagogo é o profissional responsável por desenvolver os processos educativos em espaços escolares e espaços não escolares, promovendo atividades pedagógicas e estratégias de ensino de acordo com sua esfera de atuação, que é regulamentada pela legislação. Nesse contexto, a Lei nº 13.716/2018, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, incluiu o art. 4º, estabelecendo que: É assegurado atendimento educacional, durante o período de internação, ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado, conforme dispuser o Poder Público em regulamento, na esfera de sua competência federativa. (BRASIL, 2018, p. 1, grifo nosso).
A partir da inclusão do referido artigo nas diretrizes da educação nacional é possível perceber que o pedagogo
deve ter formação inicial e continuada para desenvolver esse serviço no ambiente hospitalar. Outro importante documento, que reverbera a ação pedagógica no ambiente hospitalar, é a Resolução nº 41/1995 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que aprova, em sua íntegra, o texto oriundo da Sociedade Brasileira de Pediatria, relativo aos direitos da criança e do adolescente hospitalizados. Essa Resolução assegura no item 9 que toda criança ou adolescente hospitalizados possuem o “direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, ‘acompanhamento do curriculum escolar’, durante sua permanência hospitalar” (BRASIL, 1995, grifo nosso). Assim, há dois documentos que ratificam o direito à educação para as crianças e os adolescentes em tratamento de saúde e o pedagogo como o profissional que vai atuar nesses espaços, precisando de formação inicial e continuada para desenvolver sua prática pedagógica. Mas, afinal, onde acontece esse atendimento educacional no hospital? Como as práticas pedagógicas são desenvolvidas?
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Capítulo I Esse atendimento deve acontecer na chamada “classe hospitalar”, segundo o documento do Ministério da Educação “Classe Hospitalar e Atendimento Domiciliar: estratégias e orientações” (BRASIL, 2002). Para atuar nesse espaço não escolar é necessário que o profissional tenha uma “[...] formação pedagógica preferencialmente em Educação Especial ou em cursos de Pedagogia ou licenciaturas [...]” (BRASIL, 2002, p. 22). Sendo um direito das crianças e dos adolescentes hospitalizados, é necessário oferecer ao pedagogo uma formação que lhe prepare para o exercício da sua função pedagógica nesse espaço, pois esse profissional no espaço da classe hospitalar terá práticas pedagógicas diversificadas e postura docente diferente da que ele poderia ter em uma sala de aula comum. No entanto, Santos (2011, p. 67) ressalta que […] uma prescrição pura e simples de formação de professores por si só não garante que o preparo profissional se concretize requerendo ações mais efetivas de nossos gestores, recursos adequados e condições para que o docente se prepare, seja em curso de formação inicial ou continuada.
Assim, considera-se que os cursos de pedagogia no Brasil precisam desenvolver uma proposta pedagógica com disciplinas, projetos de extensão, curso de formação, palestras, seminários, encontros pedagógicos, que possibilitem discussão e ampliação sobre a temática supracitada. Na atualidade, a modalidade de ensino tida como o setor de estudo responsável pelo atendimento
Formação do pedagogo para o atendimento educacional em classes hospitalares
educacional em ambiente hospitalar é a educação especial, como salientado anteriormente, e, nesse âmbito, é urgente uma nova regulamentação de atuação desse serviço na educação escolar. Conforme Mazer e Tinós (2011), em 1996, a formação de professores para atuar na educação especial era mais voltada para aqueles que já haviam concluído a graduação, sendo que […] era possível encontrar o professor habilitado, que especializou-se após a graduação, e aquele professor que buscou o conhecimento a partir de sua prática pedagógica. Estes últimos poderiam ser considerados professores capacitados, que atuavam no ensino regular, que seriam responsáveis pela integração do aluno com necessidades especiais. Já o professor especializado seria aquele que prestaria um atendimento voltado à necessidade especial do aluno. (MAZER; TINÓS, 2011, p. 1819).
Dessa forma, o professor com interesse em atuar na educação especial precisava realizar cursos de formação ou especializações. Também foram encontrados alguns cursos de pedagogia que, nessa época, ofereciam as chamadas “habilitações”, que consistiam em um rol de disciplinas realizadas pelo graduando em relação à área, e o pedagogo tinha no seu diploma de graduação as referências dessa habilitação, tais como: administração escolar, magistério nas séries iniciais ou educação especial (SOUZA, 2005).
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Capítulo I A Resolução CNE/CP nº 1/2006 (BRASIL, 2006) extinguiu essas habilitações, pois tornou a formação do pedagogo mais ampla, permitindo a sua atuação em outras áreas além da docência, como gestão e pesquisa (MAZER; TINÓS, 2011). No parágrafo único, inciso 13 do art. 4º das Diretrizes Nacionais para o Curso de Pedagogia, em relação à atuação do pedagogo em outras áreas que necessitam de conhecimentos de teor pedagógico, apresenta-se que o pedagogo pode exercer uma participação na gestão das instituições por meio do planejamento, execução, acompanhamento e avaliação de projetos e programas de teor educacional, em ambientes escolares e não escolares (BRASIL, 2006). Logo, sabendo que a classe hospitalar é considerada um espaço não escolar (BRASIL, 2002), pode-se constatar que o pedagogo pode exercer sua prática pedagógica nesse espaço. O profissional voltado para atuar na classe hospitalar, de acordo com o documento “Classe Hospitalar e Atendimento Domiciliar: estratégias e orientações” (BRASIL, 2002), […] deverá ter a formação pedagógica preferencialmente em Educação Especial ou em cursos de Pedagogia ou licenciaturas, ter noções sobre as doenças e condições psicossociais vivenciadas pelos educandos e as características delas decorrentes, sejam do ponto de vista clínico, sejam do ponto de vista afetivo. (BRASIL, 2002, p. 22).
Contudo, Mazer e Tinós (2011) citam a Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 2006) para explicar que, segundo o inciso III do art. 59, as instituições que desenvolverem um trabalho na educação especial deverão ter professores com
Formação do pedagogo para o atendimento educacional em classes hospitalares
especialização em nível médio ou superior para exercer o atendimento especializado, assim como professores da rede de ensino regular que consigam fazer a ligação desses alunos com as classes comuns. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPI) (BRASIL, 2008) explica como deve ser a formação do professor para atuar na educação especial, incluindo a classe hospitalar: Para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos da área. Essa formação possibilita a sua atuação no atendimento educacional especializado, aprofunda o caráter interativo e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos, nos centros de atendimento educacional especializado, nos núcleos de acessibilidade das instituições de educação superior, nas classes hospitalares e nos ambientes domiciliares, para a oferta dos serviços e recursos de educação especial. (BRASIL, 2008, p. 11).
A formação deve oferecer condições para que o pedagogo possa ter uma prática docente mais eficiente, no sentindo de saber lidar com as especificidades das crianças enfermas e dos cuidados que devem ser levados em conta.
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Capítulo I Vale esclarecer que, atualmente, esse serviço da educação especial “classe hospitalar” vivencia uma luta para se firmar dentro dessa modalidade após a elaboração da política nacional de educação especial na perspectiva inclusiva/2008 e da atualização da LDB. Como se pode analisar a seguir, a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva Inclusiva estabelece que: Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a constituir a proposta pedagógica da escola, definindo como seu público-alvo os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação. Nestes casos e outros, que implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos. (BRASIL, 2008, p. 15).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) assinala no art. 58: Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
Porém, nem todos os alunos que estão hospitalizados pertencem a esses grupos definidos na PNEEPI/2008 e na
Formação do pedagogo para o atendimento educacional em classes hospitalares
LDB nº 9.394/1996, como citado anteriormente. O único documento que deixa claro o público da classe hospitalar é o Documento Orientador “Classe Hospitalar e Atendimento Domiciliar: estratégias e orientações”, de 2002. Recentemente foi homologada a Lei nº 13.716/2018, que altera a Lei nº 9.394/1996, para assegurar atendimento educacional ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado. A referida Lei estabelece no art. 4º-A: É assegurado atendimento educacional, durante o período de internação, ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado, conforme dispuser o Poder Público em regulamento, na esfera de sua competência federativa. (BRASIL, 2018, p. 1).
A inclusão desse artigo demonstra uma abertura para a efetivação desse serviço, com a responsabilidade do poder público em relação ao direito à educação para todos os cidadãos. Analisando esses documentos, nota-se a necessidade de elaborar uma política do atendimento educacional em ambiente hospitalar – classe hospitalar – para que esse serviço possa regulamentar a sua ação e a formação do professor com atribuições bem-definidas, ou seja, é essencial uma formação pedagógica para atuar na classe hospitalar. Na seção seguinte discute-se sobre como o pedagogo hospitalar deve atuar no ambiente hospitalar, espaço educativo diferenciado e com especificidades.
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Capítulo I
Formação do pedagogo para o atendimento educacional em classes hospitalares
3 Atuação do professor no atendimento educacional no ambiente hospitalar O atendimento educacional no ambiente hospitalar almeja oferecer para crianças e jovens hospitalizados práticas que lhes auxiliem no processo de aprendizagem, possibilitando abrandar a dor causada tanto pelos procedimentos médicos como pela carência afetiva da família e dos amigos e pelo rompimento da rotina de vida (SOUZA, 2011). Em função disso, é necessário que haja um profissional com formação para executar as atividades pedagógicas que garantam a continuidade do processo de aprendizagem dos pacientes, bem como auxiliem na melhor adaptação ao ambiente hospitalar, fazendo com que o seu direito à educação seja respeitado. Para desenvolver o seu trabalho pedagógico ajudando na melhor adaptação do aluno paciente ao ambiente hospitalar, o pedagogo deve atuar com os outros profissionais do hospital, como médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, entre outros, pois: […] a atuação do pedagogo hospitalar com os demais profissionais do hospital deve ser um trabalho em conjunto, discutindo as melhores propostas para a efetivação das atividades que serão realizadas com o aluno-paciente, estando cientes da importância de sua educação e, além disso, procurando motivá-lo, de modo que se sinta seguro e com disposição para prosseguir o tratamento e ao mesmo tempo estudar. (SOUSA; TELES; SOARES, 2017, p. 244).
Além disso, o professor da classe hospitalar será responsável por: promover aprendizagens significativas que contribuam para garantir a continuidade do seu processo de desenvolvimento e aprendizagem e ao mesmo tempo possam criar formas de lidar com o tempo e as situações de forma mais prazerosa, ou menos sofredora. (SOUZA, 2011, p. 261).
Estes autores corroboram com o pensamento de Pimenta (2006) ao afirmar que a formação inicial voltada para os cursos de formação de professores direciona-se exclusivamente no preparo desse profissional, proporcionando-o elementos que permitam uma melhor compreensão em relação à realidade escolar, tornando-o apto a lidar com os diversos espaços educacionais: espaços escolares e espaços não escolares.
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Capítulo I Nessa perspectiva, compreende-se que, para atuar na classe hospitalar, o pedagogo precisa adquirir conhecimentos e habilidades diversas, pois o trabalho desempenhado dentro da área hospitalar terá que ser diferente daquele da sala de aula, por causa de suas especificidades. Consoante o Ministério da Educação (BRASIL, 2002), o professor atuante na classe hospitalar ou no atendimento pedagógico domiciliar […] deverá estar capacitado para trabalhar com a diversidade humana e diferentes vivências culturais, identificando às necessidades educacionais especiais dos educandos impedidos de frequentar a escola, definindo e implantando estratégias de flexibilização e adaptação curriculares. Deverá, ainda, propor os procedimentos didático-pedagógicos e as práticas alternativas necessárias ao processo ensino-aprendizagem dos alunos, bem como ter disponibilidade para o trabalho em equipe e o assessoramento às escolas quanto à inclusão dos educandos que estiverem afastados do sistema educacional, seja no seu retorno, seja para o seu ingresso. (BRASIL, 2002, p. 22).
Apesar da importância da figura do pedagogo no ambiente hospitalar, algumas dificuldades podem ser encontradas por esse profissional, fazendo com que seus atendimentos sejam realizados de formas distintas, como explicam Sousa, Teles e Soares (2017, p. 248):
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Evidentemente, ao desempenhar sua prática nos hospitais, o pedagogo encontrará algumas dificuldades advindas dos pacientes, como, por exemplo, dificuldade de locomoção, imobilização parcial ou total, indisposição da criança por conta da doença e, algumas vezes, a imposição de horários para a administração dos medicamentos. Por conta disso, os atendimentos podem ser realizados de duas maneiras. A primeira forma é na brinquedoteca, onde as crianças terão momentos de socialização com as demais, ou a segunda maneira, que é no próprio leito, pois quando a criança está impossibilitada de se locomover o pedagogo vai até o seu encontro para a realização das atividades.
Dessa maneira, percebe-se que, apesar de possuir formação para lidar com diversos tipos de pessoas e diversos tipos de situações, o pedagogo na classe hospitalar pode encontrar novos desafios, os quais podem impedi-lo de exercer sua prática com eficiência. Ainda de acordo Schilke e Arosa (2011), há fatores que influenciam na prática pedagógica desenvolvida no hospital e são desafios a serem enfrentados, tais como a doença do enfermo, a rotatividade dos pacientes, as diversas faixas etárias, os tempos e espaços de aprendizagem dos alunos e os espaços do hospital. No entanto, tais desafios devem ser superados pelo professor, pois o ambiente hospitalar deve ser acolhedor, com estímulos visuais e com brinquedos e jogos (SOUSA; TELES; SOARES, 2017), fazendo com que o aluno se sinta bem, apto para aprender e queira frequentar esse espaço sempre que necessário.
Capítulo I A prática do pedagogo no ambiente hospitalar deve contar com atividades que envolvam o lúdico e tenham caráter recreativo, como a contação de histórias, as brincadeiras, os jogos, a dramatização, os desenhos e as pinturas; pois tais práticas, vistas como estratégias pedagógicas, servirão na adaptação, na motivação e na recuperação do paciente, além de ajudá-lo na ocupação do seu tempo (WOLF, 2007). Além de trabalhar com situações temáticas quando possuir alunos pacientes de diversas idades no mesmo espaço. Desse modo, surge a brinquedoteca, espaço caracterizado por Gomes e Rubio (2012) como relevante na classe hospitalar, pois possibilita a brincadeira, e […] brincar é muito importante para a criança. É por meio desta ação que ela usufrui de plenas oportunidades que lhe possibilita desenvolver novas competências e aprender sobre o mundo, sobre as pessoas, e sobre si mesma. A brinquedoteca socializa o brinquedo, resgata brincadeiras tradicionais e é o espaço onde está assegurado à criança o direito de brincar. Também com atividades de recreação que oferecem a oportunidade da criança brincar, não se limita somente ao contato ou interação com o objeto brinquedo, fundamental é constituir a possibilidade de uma atividade que pode ser realizada em um espaço interno ou externo. (GOMES; RUBIO, 2012, p. 4-5).
Apesar de ser considerado um espaço importante para o exercício de uma ação pedagógica de qualidade, somente
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a existência desse espaço e a presença de materiais pedagógicos, como brinquedos, livros e jogos, não são suficientes para garantir a aprendizagem dos alunos hospitalizados e a eficiência da ação docente, pois é necessário que o pedagogo tenha os conhecimentos necessários para o uso desse espaço e desses materiais, de forma que realmente auxiliem no desenvolvimento dos seus alunos. Assim, Vendramin, Fernandes e Mattão (2016, p. 5) explicam que: É necessário que o pedagogo tenha conhecimentos patológicos sobre os limites clínicos do paciente-aluno e tenha atenção para a condição atual em que encontra a fim de que seja estabelecido um ensino de acordo com as possibilidades de cada um. Faz-se necessário ainda que o pedagogo esteja preparado para trabalhar com a diversidade humana, incluindo as diferentes culturas e experiências culturais, além de ter domínio de conhecimentos das diferentes turmas de educação básica ou ação para buscar conhecimentos que os pacientes-alunos necessitam e exercer a função de mediador de conhecimentos e de relações interpessoais.
Nesse sentido, há uma ampliação nos aspectos formativos do profissional pedagogo. Não basta a este apenas ter domínio pedagógico de estratégias e técnicas, mas precisa expandir seus conhecimentos e, ainda que de maneira limitada, conhecer as patologias do paciente-aluno, para que assim possa elaborar estratégias de ensino que respeitem os limites desse aluno.
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4 Conclusão Diante do que foi exposto, ressalta-se a necessidade de haver uma formação ampla que possibilite ao pedagogo o acesso a conhecimentos que o habilite a atuar com competência em ambientes hospitalares, e que permita ao aluno-paciente o retorno, apesar de significativas limitações, à vivência de uma rotina escolar. Os processos de escolaridade no ambiente hospitalar podem ser realizados de duas formas: pela hospitalização escolarizada e pela classe hospitalar. A primeira ocorre no leito, por causa do respeito pela condição de saúde e de escolaridade do indivíduo. Também há o trabalho conjunto com o serviço de assistência social do hospital, a elaboração de uma proposta pedagógica específica para cada aluno-paciente e o contato com a escola de origem, a fim de desenvolver um trabalho pedagógico semelhante ao da escola. Já a segunda, busca atender os mesmos cuidados da hospitalização escolarizada, o que causa diferença entre ambas as formas é o tipo de atendimento, sendo o da classe hospitalar em uma classe ou sala de aula dentro do hospital, atendendo vários alunos com diferentes tipos de escolaridade (MATOS; MUGIATTI, 2014). Logo, ser professor nos tempos atuais requer dedicação, compromisso, conhecimento e responsabilidade, pois, além de situações profissionais em que são envolvidas questões salariais, condições de trabalho e formação, há também a exigência da sociedade contemporânea na busca do profissional docente com habilidades para ensinar, questionar, refletir, escutar, criar, promover, aglutinar os diversos tipos de pessoas e atuar em diferentes espaços além da sala de aula. Assim, os cursos de pedagogia no Brasil precisam ampliar a formação do pedagogo visando à atuação nos espaços das classes hospitalares, por meio de disciplinas específicas, com carga horária envolvendo créditos teóricos e práticos, projetos de extensão, palestras, seminários e encontros pedagógicos. Observa-se, ainda, que o aspecto legal carece de legislação específica que ratifique a importância da atuação do pedagogo nas classes hospitalares. Urgente se faz aprofundar esse assunto.
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Referências BRASIL. Lei nº 13.716, de 24 de setembro 2018. Assegura atendimento educacional ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado Brasília: Imprensa Oficial, 2018. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2018. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm>. Acesso: 20 ago. 2019. BRASIL. Resolução nº 2, de 19 de fevereiro de 2002. Define as diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial em nível superior. Brasília: Imprensa Oficial, 2002. BRASIL. Resolução nº 41, de 13 de outubro 1995. Dispõe sobre os direitos da criança e do adolescente hospitalizados. Brasília: Imprensa Oficial, 1995. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações. Brasília: MEC/SEESP, 2002. BRASIL. Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006. Institui diretrizes curriculares nacionais para o curso de graduação em pedagogia, licenciatura. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 16 maio 2006. Seção 1, p. 11. GOMES, J. O.; RUBIO, J. de A. S. Pedagogia hospitalar: a relevância da inserção do ambiente escolar na vida da criança hospitalizada. Revista Eletrônica Saberes da Educação, v. 3, n. 1, p. 1-13, 2012. LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Editora Cortez, 1998.
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LIBÂNEO, J. C. Pedagogia e pedagogos: inquietações e buscas. Educar, Curitiba: Editora da UFPR, n. 17, p. 153-176, 2001. MATOS, E.L.M, MUGIATTI, M.T.F. Pedagogia hospitalar: a humanização integrando a educação e saúde. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. MAZER, S. M.; TINÓS, L. M. S. A Educação Especial na formação do pedagogo para a classe hospitalar. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, 7., 2011, Londrina. Anais... Londrina, PR, p. 1818-1827, 2011. NASCIMENTO, A. S. et al. A atuação do pedagogo em espaços não escolares: desafios e possibilidades. Pedagogia em Ação, v. 2, n. 1, p. 61-65, 2010. PIMENTA, S. G. P. O estágio na formação de professores: unidade teórica e prática? 7. ed. São Paulo: Cortez, 2006. SCHILKE, A. L. T.; AROSA, A. C. Classe hospitalar: espaço de educação escolar e processos educativos formais, não formais e informais. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 10., 2011, Curitiba. Anais... Curitiba, PR: PUCPR, 2011. SEVERINO, J. Metodologia do trabalho científico. 24. ed. São Paulo: Cortez, 2016. SOUSA, A. C.; TELES, D. A.; SOARES, M. P. do S. B. Pedagogia hospitalar: a relevância da atuação do pedagogo. Revista Educação e Emancipação, São Luís, MA, v. 10, n. 3, p. 241-259, 2017. SOUZA, A. M. de. A formação do pedagogo para o trabalho no contexto hospitalar: a experiência da Faculdade de Educação da UnB. Linhas Críticas, Brasília, DF, v. 17, n. 33, p. 251-272, maio/ago. 2011. SOUZA, P. M. A formação do pedagogo, considerando-se a inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais, na educação infantil. 2005. 92 f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia)- Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2005. VENDRAMIN, M. J. da S. C.; FERNANDES, R. F.; MATTÃO, P. Os benefícios do lúdico na pedagogia hospitalar. Revista Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas, Brasília: ICESP/Faculdades Promove de Brasília, 2016. Acesso em: 20 ago. 2019. WOLF, R. A do P. Pedagogia hospitalar: a prática do pedagogo em instituição não-escolar. 2007. Disponível em: <fasam.edu. br/.../2016/07/Pedagogia-Hospitalar>. Acesso em: 20 ago. 2019.
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Capítulo
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O papel do pedagogo no ambiente hospitalar: a formação para além da docência MENEZES, Cinthya Vernizi Adachi de ¹
1 Introdução 2 Formação dos pedagogos 3 Papel do pedagogo 4 Considerações Referências
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Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Responsável pela criação do Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (SAREH), Secretaria de Educação do Paraná. Docente da FAE Centro Universitário. Técnica em Assuntos Educacionais da UFPR. cinthyavam@gmail.com 1
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O papel do pedagogo no ambiente hospitalar: a formação para além da docência
1 Introdução Ao refletir sobre o campo de atuação do pedagogo, nos deparamos com o texto das “Diretrizes curriculares para os cursos de pedagogia”, aprovado em 2006 pelo Conselho Nacional de Educação, cuja redação afirma que “a formação do licenciado em Pedagogia fundamenta-se no trabalho pedagógico realizado em espaços escolares e não escolares, que têm a docência como base” (BRASIL, 2006, p. 7). Sua estrutura apresenta três núcleos, a saber: núcleo de estudos básicos; núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos; e núcleo de estudos integradores. O núcleo supracitado possibilitará: “investigações sobre processos educativos e gestoriais, em diferentes situações institucionais – escolares, comunitárias, assistenciais, empresariais, outras” (BRASIL, 2005, p. 22). Reforça ainda que o projeto pedagógico de cada instituição deve prever aprofundamento de estudos, incluindo-se a educação hospitalar, destacando, no entanto, que “o aprofundamento em uma dessas áreas ou modalidades de ensino especifico será́ comprovado, para os devidos fins, pelo histórico escolar do egresso, não configurando de forma alguma uma habilitação” (BRASIL, 2005, p. 10). Assim, destaca-se que, para além do trabalho na área da docência no ambiente hospitalar, o curso de pedagogia possibilita a formação para atuar na organização do trabalho pedagógico em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos, objeto que se propõe a discutir.
Nessa perspectiva, Libâneo (2007, p. 51) afirma: É quase unânime entre os estudiosos, hoje, o entendimento de que as práticas educativas estendem-se às mais variadas instâncias da vida social não se restringindo, portanto, à escola e muito menos à docência, embora estas devam ser a referência da formação do pedagogo escolar. Sendo assim o campo de atuação do profissional formado em pedagogia é tão vasto quanto são as práticas educativas na sociedade. Em todo lugar onde houver uma prática educativa com caráter de intencionalidade, há aí uma pedagogia.
Com esse escopo que ora se apresenta, e considerando o hospital como espaço educativo, onde o processo de educação formal ocorre, surgem algumas inquietações sobre a organização do trabalho pedagógico nesse ambiente: a) A formação de pedagogos atende as necessidades do processo ensino-aprendizagem no ambiente hospitalar? b) Qual é o papel do pedagogo para contribuir para uma educação de qualidade? Nesse sentido, a análise dessas questões, visando a uma política educacional e ao levantamento dos principais desafios para efetivar a prática cotidiana do pedagogo no ambiente hospitalar, será trazida no presente texto, tomando-se como referência o trabalho desenvolvido no Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (SAREH), proposto pelo Governo do Paraná.
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2 Formação dos pedagogos A preocupação com a valorização dos profissionais da educação para atuar na educação básica deve estar presente nas agendas de governo e também é trazida em uma das diretrizes do Plano Nacional de Educação (PNE)2. Destaca-se, dentre vinte metas previstas no PNE, a meta 15: garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. (BRASIL, 2014, n.p.).
Em 9 de junho de 2015, por conta da meta descrita, foi aprovada a proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica, pelo Conselho Nacional de Educação. O texto traz uma reflexão sobre a formação dos profissionais do magistério da educação que deve ser entendida na perspectiva social e alçada ao nível da política pública,
tratada como direito, superando o estágio das iniciativas individuais para aperfeiçoamento próprio, por meio da articulação entre formação inicial e continuada, tendo por eixo estruturante nacional e garantia de institucionalização de um projeto institucional de formação. (BRASIL, 2015, p. 8).
A questão da formação de professores é uma preocupação presente nas discussões teóricas das academias e nas agendas de governo. Mas a especificidade do trabalho pedagógico no ambiente hospitalar é tratada de maneira aligeirada nos cursos de formação. Assim, a qualificação do profissional que atua nesses espaços se dá, na maioria das vezes, nos cursos de formação continuada, possibilidade de se pensar o fazer pedagógico voltado as suas especificidades. Defende-se a ideia de que a habilitação do pedagogo se dá para o exercício da docência e da organização do trabalho pedagógico. Portanto, a formação inicial deve prepará-lo para essas funções, não cabendo ao curso de pedagogia a especialização das áreas, mas sim deve estar voltada a garantir uma atitude profissional reflexiva, investigadora e ética. Caso isto ocorresse, haveria várias ciências da educação.
Regulamentado pela Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE), com vigência por dez anos, a contar de 24 de junho de 2014, com vistas ao cumprimento do disposto no art. 214 da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
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Capítulo II A formação deve ser pensada para atender a função social da educação: Então, a formação inicial dos professores é crucial, sem deixar de lado o papel relevante da formação continuada em suas vidas profissionais. Não há consistência em uma profissionalização sem a constituição de uma base sólida de conhecimentos aliados a formas de ação. Donde a importância de uma sólida formação inicial, solidez também que necessita de reconhecimento pelo conjunto da sociedade. A representação de valor da profissão docente também está associada ao reconhecimento do valor social atribuído à sua formação. Com as formações oferecidas pelas instituições de ensino superior, como descrito, se está longe de atribuição social de valor para ela. (GATTI, 2013, p. 60).
Assim, aliada à formação inicial, o professor encontra nos processos de formação continuada a possibilidade de pensar e repensar sua prática pedagógica, buscando a construção de sua identidade pessoal e profissional, tornando-se um profissional reflexivo que visa à pesquisa articulada com a prática pedagógica, a construção coletiva dos conhecimentos e troca de experiências. Tudo isto possibilitará uma autoavaliação constante dando sentido aos estudos teóricos que promoverão a contextualização do cotidiano hospitalar. Dessa feita, ainda que tenhamos uma sólida formação inicial ou mesmo que estejamos, o tempo todo, buscando aperfeiçoar nossa
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prática, nunca estaremos ‘prontos’ para os desafios do cotidiano. Segundo Freire, a ideia de formação está na condição de inacabamento do ser humano e na consciência desse inacabamento. (METZ; SARDINHA, 2007, p. 106).
O processo de ensino-aprendizagem no hospital decorre, portanto, do preparo teórico e técnico recebido na academia, sustentado nas vivências e experiências adquiridas de forma contínua, que irão orientar seu desenvolvimento profissional e o trabalho educativo. Nesse sentido, Oliveira, Soares e Lira (2013, p. 13294) abordam que o propósito da formação continuada se volta ao serviço da reflexão e da produção de um conhecimento sistematizado, capaz de oferecer a fundamentação teórica necessária para a articulação com a prática e a crítica criativa do professor em relação ao aluno, à escola e à sociedade. Estaria ainda ajudando a pensar a profissão, a profissionalização, o profissionalismo e o desenvolvimento profissional do professor.
De tal forma, a formação continuada contribui para a valorização do profissional e se estende para além do cumprimento do número de horas destinadas às progressões para avanços na carreia, aliando o aperfeiçoamento da competência em ser professor e a melhoria do exercício de sua prática.
Capítulo II
O papel do pedagogo no ambiente hospitalar: a formação para além da docência
3 Papel do pedagogo Em relação ao papel do pedagogo no ambiente hospitalar, reforça-se a importância da formação que, para atender a essa diversidade, ela deve estar voltada para a reflexão, tanto no espaço como no tempo. Nesse viés, e tomando como referência a experiência desenvolvida pelo Governo do Estado Paraná, desde 2007, o exercício da atividade do pedagogo e sua relevância para a efetivação do processo pedagógico será analisado por meio do SAREH, que se configura como “[...] fruto do reconhecimento oficial de que independente do período de hospitalização, os educandos em situação de internamento têm garantido o direito à educação” (MENEZES, 2009, p. 32). O SAREH tem como objetivo atender educandos pertencentes à educação básica (anos finais do ensino fundamental e médio e suas modalidades), oriundos ou não da escola pública, independente das redes de ensino às quais pertencem e localidades de residência. Os atendimentos são realizados por professores do quadro próprio do magistério, divididos por áreas do conhecimento e acompanhados por um pedagogo. As atividades ocorrem individualmente ou em grupos, nos próprios leitos ou nas salas destinadas para a escolarização hospitalar (PARANÁ, 2010, p. 26). Após refletir sobre as questões anteriormente apresentadas para a formação do professor, especialmente do pedagogo, busca-se apresentar algumas características consideradas necessárias para identificar um perfil profissional considerado adequado para essa forma de atendimento. No documento orientador elaborado pelo MEC, em 2002, são destacadas resumidamente que ele seja: capacitado para trabalhar com a diversidade humana, integrado com a equipe, formado em cursos de pedagogia, licenciaturas ou formação pedagógica em educação especial e conhecedor das doenças e condições psicossociais.
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a) coordenar, acompanhar e avaliar o trabalho pedagógico, bem como organizar os materiais e equipamentos do Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar;
Ao analisar a especificidade do trabalho do pedagogo para atuar em ambiente hospitalar no Estado do Paraná, constatou-se que essa atividade é desenvolvida exclusivamente por pedagogos pertencentes ao quadro da rede estadual de ensino. Apesar da inexistência de uma normativa que defina o perfil profissional, elencam-se atribuições que demandam características muito peculiares na condução do trabalho pedagógico. As referidas atribuições constam dos documentos disponíveis na proposta político-pedagógica (PPP) e nas Instruções Normativas n° 006, de 20 de maio de 2008 (PARANÁ, 2008), e 016, de 31 de outubro de 2012 (PARANÁ, 2012):
b) observar a recomendação médica para liberação dos educandos para que recebam Atendimento Pedagógico; c) promover encontros a fim de oportunizar a troca de experiências entre os docentes; d) elaborar, em conjunto com os professores e profissionais da instituição conveniada, o Plano de Ação Pedagógico-Hospitalar; e) articular ações com os profissionais da instituição conveniada, para o desenvolvimento do Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar; f) manter contato com a família, com o responsável pelo Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar do Núcleo Regional de Educação e com a escola de origem do educando; g) participar de encontros e reuniões promovidos pelo Departamento de Educação Especial e Inclusão Educacional e Núcleo Regional de Educação; h) organizar e garantir o cumprimento da hora-atividade dos professores, de acordo com as normas vigentes; i) entregar, aos pais ou responsáveis pelo educando, a Ficha Individual do Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar, anexando as atividades realizadas, a ser entregue no estabelecimento de ensino em que o educando se encontra matriculado; j) arquivar cópia da Ficha Individual do Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar, na instituição conveniada; k) fornecer informações atualizadas, ao responsável pelo Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar no Núcleo Regional de Educação, para atualização do banco de dados; l) organizar o Livro Ponto dos professores, encaminhando mensalmente, o relatório de frequência e outras questões que envolvam a vida funcional dos mesmos ao responsável pelo Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar do Núcleo Regional de Educação, no prazo determinado; m) cumprir carga horária previamente definida no Serviço; n) fazer os exames médicos, conforme determinação da Secretaria de Estado da Educação. (PARANÁ, 2012, p. 6).
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Capítulo II Dessa forma, o pedagogo deve apresentar algumas características, que, segundo Placco e Almeida (2008), contribuem para a efetividade de seu trabalho no âmbito escolar, mas que podem ser adequadas para o espaço escolar no hospital: articulador, formador, mediador e transformador. As referidas características buscam contribuir as ações que visam à continuidade do processo de escolarização e que, portanto, tem o educando como elemento central. Como elemento mediador entre currículo e professores, colabora para que haja as articulações curriculares necessárias, considerando áreas específicas de conhecimento, os alunos pertencentes à escola, o contexto sociocultural em que a escola se insere e outros elementos que compõem as relações interpessoais e pedagógicas que se estabelecem no interior da sala de aula e do próprio estabelecimento. A função articuladora está voltada para o oferecimento de condições aos professores para que trabalhem coletivamente as propostas curriculares, em função de sua realidade; possibilitando ações de parceria, atribuindo significados à dinâmica educativa da escola e à prática pedagógica dos docentes. Ser formador é oferecer condições ao professor para que haja aprofundamento em sua área específica, realizando um trabalho de qualidade; atendendo aos objetivos curriculares da escola; representando o projeto escolar institucional; considerando para que ocorram as relações interpessoais com os profissionais da educação que atuam na escola e alunos, pais e comunidade.
O papel do pedagogo no ambiente hospitalar: a formação para além da docência
Ao ser transformador, o pedagogo auxilia o professor a ser reflexivo e crítico no exercício de sua prática, permitindo a participação no coletivo da escola, indagando e buscando inovar. Desta forma, o espaço escolar constitui um lugar de concretização do currículo, possibilita mudanças curriculares necessárias e almejadas pelo corpo docente e reconhece o pedagogo como educador, devendo se atentar ao caráter pedagógico das relações de aprendizagem no interior do ambiente escolar. Ao exercer sua função necessita criar, entre os docentes, um espaço para a ressignificação de suas práticas, possibilitando o resgate da autonomia sobre a sua atividade sem, no entanto, se distanciar do trabalho coletivo da escola (FREIRE, 1982). Assim, pode-se refletir sobre a importância do trabalho do pedagogo no desenvolvimento da prática pedagógica articulada ao entendimento e respeito das características e limitações do sujeito que será escolarizado no ambiente hospitalar. Ao professor não cabe dizer “faça como eu,” mas: “faça comigo.” O professor de natação não pode ensinar o aluno a nadar na areia, fazendo-o imitar seus gestos, mas leva-o a lançar-se n´água em sua companhia para que aprenda a nadar lutando contra as ondas, fazendo seu corpo coexistir com o corpo ondulante que o acolhe e repele, revelando que o diálogo do aluno não se trava com seu professor de natação, mas com a água. O diálogo do aluno é com o pensamento, com a cultura corporificada nas obras e nas práticas sociais e transmitidas pela linguagem e pelos gestos do professor, simples mediador. (CHAUI, 1980, p. 37).
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Capítulo II
O papel do pedagogo no ambiente hospitalar: a formação para além da docência
Nesse sentido, a relevância da função do pedagogo no ambiente hospitalar engloba as funções descritas para possibilitar que o processo ensino-aprendizagem ocorra de forma adequada. Segundo o documento norteador para a construção do projeto político-pedagógico hospitalar, proposto pela Coordenação de Gestão Escolar da SEED: A organização do trabalho pedagógico nas instituições hospitalares conveniadas deve contribuir na orientação das ações desenvolvidas pela equipe de educadores, no estabelecimento de parâmetros para as ações pedagógicas, na promoção de subsídios para o acompanhamento e avaliação pedagógica do educando. Deve, ainda, contemplar aspectos que possibilitem a articulação das relações entre as instituições escolar, hospitalar e familiar, conciliando o enfoque da atuação de cada uma destas instâncias no desenvolvimento do aluno, de modo que o mesmo tenha garantida a fruição de seus direitos como cidadão que, ao retornar à sua escola de origem, possa prosseguir no seu processo de escolarização. (PARANÁ, 2007, n.p.).
Essa proposta demonstra a intenção de trazer a “identidade” da educação em ambiente hospitalar, objetivando organizar e nortear o trabalho pedagógico a ser realizado na educação hospitalar, indicando as diretrizes e enfatizando a importância do processo educacional nesse espaço diferenciado, pois é possível aprender dentro do hospital, a aprendizagem de crianças doentes que, afinal, estão doentes, mas em tudo continuam crescendo. Acreditamos ser, também nossa, a tarefa de afirmar a vida, e sua melhor qualidade, junto com essas crianças, ajudando-as a reagir, interagindo para que o mundo de fora continue dentro do hospital e as acolha com um projeto de saúde. (CECCIM, 1997, p. 80).
Com essa intenção, entende-se que a democratização da escola está vinculada à ampliação das oportunidades de acesso, permanência e sucesso dentro ou fora do ambiente formal do ensino. Assim, enfrentar os problemas que inviabilizam a efetivação do direito educacional também é uma forma de buscar a qualidade do ensino, entendendo que o processo ensino-aprendizagem faz parte da especificidade da educação e o pedagogo é responsável pela articulação entre o conhecimento e as maneiras de ensinar. Dessa forma, para uma prática pedagógica diferenciada deve-se compreender que: O professor precisa estar preparado para lidar com as referências subjetivas do aluno, e deve ter destreza e discernimento para atuar com planos e programas abertos, móveis, mutuantes, constantemente reorientados pela situação especial e individual de cada criança, ou seja, o aluno da escola hospitalar. (FONSECA, 2003, p. 26).
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Capítulo II
O papel do pedagogo no ambiente hospitalar: a formação para além da docência
É importante ressaltar que nessa função específica há elementos que compõem a organização do trabalho pedagógico, segundo pesquisa realizada por Menezes e Santos (2013), por meio do projeto intitulado “A organização do trabalho pedagógico em ambientes hospitalares: um estudo de caso com educadores do serviço de atendimento à rede de escolarização hospitalar – SAREH do hospital do trabalhador”, vinculado ao Programa de Apoio à Iniciação Científica (PAIC/2013), promovido pela FAE Centro Universitário, realizado no Hospital do Trabalhador, em Curitiba. A referida pesquisa pode identificar e registrar as relações entre os citados elementos e as funções do pedagogo que atua nesse espaço. Compreende-se que se trata de um serviço que pode ser replicado para outras realidades em diferentes municípios e Estado brasileiros. O Quadro 1 ilustra a relação comentada anteriormente.
Quadro 1 – A organização do trabalho pedagógico (OTP) Elementos da OTP
Funções de pedagogo
Construção do projeto político-pedagógico
Coordenar e criar condições para a participação e elaboração
Implementação do trabalho pedagógico
Organização do espaço e tempo escolar e Organização da prática pedagógica
Formação continuada do coletivo de profissionais do SAREH
Contribuir com a formação continuada dos profissionais do SAREH para o aprimoramento teórico-metodológico
Mediação das Relações entre o SAREH e a Família
Fazer cumprir a legislação vigente, como fundamento da prática educativa
Avaliação do trabalho pedagógico
Garantir um processo coletivo de reflexão-ação sobre o trabalho pedagógico Fonte: A autora
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{
Capítulo II
Para que as atribuições descritas sejam efetivadas no cotidiano do trabalho no hospital, o pedagogo é responsável por tarefas realizadas diariamente e de forma ordenada, que foram sistematizadas na referida pesquisa, a saber:
O papel do pedagogo no ambiente hospitalar: a formação para além da docência
a) pesquisa ao Censo do Hospital: o pedagogo pesquisa no sistema do Censo Hospitalar informações sobre os internamentos, selecionando os educandos a serem atendidos pelos professores; b) preenchimento da ficha individual do aluno: no documento a ser preenchido constam os dados pessoais do aluno e a situação geral de seu estado de saúde e internamento; c) realização da anamnese: é uma entrevista a ser realizada com o educando ou o responsável para buscar informações sobre sua situação escolar, verificando a condição da matrícula no sistema oficial de ensino. Por meio do instrumento, procura levantar suas dificuldades, assuntos de interesse, aproximação ou distanciamento com as disciplinas; d) contato com a escola de origem: esse procedimento é realizado para confirmar ou confrontar as informações adquiridas nas etapas anteriores, solicitar o envio do plano de trabalho docente dos professores e as atividades a serem realizadas pelo educando. O pedagogo envia o informe pedagógico, que é um documento esclarecedor sobre a continuidade do processo de escolarização; e) orientação aos professores das áreas: o pedagogo deve preparar com os professores o atendimento aos educandos de forma a conhecer as informações coletadas e garantir a flexibilização curricular; f) contato dos professores com os alunos: após o momento de orientação, os professores realizam um contato inicial com os educandos para começarem o atendimento escolar; g) acompanhamento do processo ensino-aprendizagem: o planejamento individual das atividades a serem desenvolvidas com os educandos deverão apresentar conteúdos; objetivos; metodologia e recursos didáticos; avaliação e referências. Esse trabalho é acompanhado pelo pedagogo durante a hora-atividade dos professores para que haja adequação à faixa etária, ao tempo, ao espaço e ao currículo; h) troca de informações: o pedagogo faz o registro na ficha individual do aluno das atividades realizadas e o desempenho dos educandos no desenvolvimento do trabalho realizado; i) avaliação: cada professor realiza uma avaliação individual que comporá a ficha individual do aluno. Geralmente é produzido um parecer descritivo, sendo a nota decidida pela escola de origem; j) orientação aos familiares após a alta-médica: informar aos pais ou responsáveis sobre o retorno do educando à escola de origem, orientando sobre a documentação produzida no hospital; k) retorno à escola de origem: ao receber alta, o pedagogo deve entregar aos pais toda documentação e atividades desenvolvidas pelos alunos no período que esteve internado. Cabe aos pais a entrega na escola de origem do educando.
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Os elementos descritos contribuem para consolidar a atuação do pedagogo voltado para o entendimento, que deve ser: O educador ou o coordenador de um grupo é como um maestro que rege uma orquestra. Da coordenação sintonizada com cada diferente instrumento, ele rege a música de todos. O maestro sabe e conhece o conteúdo das partituras de cada instrumento e o que cada um pode oferecer. A sintonia de cada um entre si, a sintonia de cada um com o maestro, a sintonia de todos é o que possibilita a execução da peça pedagógica. Essa é a arte de reger as diferenças, socializando os saberes individuais na construção do conhecimento generalizável e na formação do processo democrático. (FREIRE apud MEDEL 2008, p. 37).
Nesse sentido, e com o objetivo de propiciar um atendimento escolar de forma pedagogicamente organizada, entende-se que o papel do pedagogo no ambiente hospitalar tem uma função fundamental e específica na promoção do processo de escolarização de educandos hospitalizados pertencentes aos diferentes níveis e modalidades da educação básica.
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Capítulo II
O papel do pedagogo no ambiente hospitalar: a formação para além da docência
4 Considerações Para confirmar a necessidade de manter-se uma política voltada ao atendimento dos educandos da educação básica, especialmente relacionada à faixa etária que compõe os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio, recorre-se aos dados disponibilizados pela SEED sobre o número de alunos contemplados com o serviço e que traduz a possibilidade da equivalência da frequência e aproveitamento escolar. O Quadro 2 ilustra o trabalho realizado pelo SAREH, desde sua implantação até 2013. Não foi possível incluir informações dos anos de 2018 e 2019, pois, até a presente data, os dados ainda não haviam sido divulgados pela SEED.
Quadro 2 - Levantamento quantitativo de atendimento escolar hospitalar e domiciliar no Paraná Período
2007/2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015/2016 2017
Tipo de atendimento
Número de alunos atendidos no Paraná
Número de atendimentos escolares realizados pelos professores
Hospitalar Domiciliar Hospitalar Domiciliar Hospitalar Domiciliar Hospitalar Domiciliar Hospitalar Domiciliar Hospitalar Domiciliar Hospitalar Domiciliar Hospitalar Domiciliar
5.909 14 4.930 5.205 88 5.457 195 2.281 (Curitiba) 205 (38 em Curitiba) 5.457 228 6.000 240 7.791 330
20.611 21.224 27.241 29.241 30.000 29.329 -
Fonte: Menezes (2018), com informações atualizadas retiradas do seguinte endereço eletrônico: www.diaadiaeducacao.pr.gov.br.
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Capítulo II
{
O que se propôs nesta discussão foi mostrar uma experiência exitosa do trabalho do pedagogo para além da docência, não para valorar ou comparar as duas funções que podem ser exercidas, mas no sentido de explicitar que assim como há a preocupação na escola regular de manter um processo ordenado sob o ponto de vista pedagógico, no hospital essa situação também é necessária e só pode ser conduzida por profissional habilitado, para que isso ocorra de forma adequada, pois “historicamente, este espaço educacional vem se fortalecendo e as discussões de iniciativas e propostas implementadas em âmbito nacional e internacional são apresentadas à sociedade na forma de políticas públicas que visam garantir o direito à educação” (MENEZES, 2018, p. 32). Assim, para finalizar, apontam-se alguns questionamentos que, apesar de tantos avanços, ainda permanecem no cotidiano das relações profissionais, na gestão política do serviço e na atividade pedagógica propriamente dita:
{
a) Como lidar com as diferentes concepções sobre a função do pedagogo? b) Como atuar com a equipe de saúde? c) Como promover a formação continuada? d) Como trabalhar com as disciplinas por área? e) Como despertar o interesse pelo estudo?
f) Como envolver a família no processo ensino-aprendizagem? g) O que acontece com a criança quando retorna para a escola de origem? h) O que se espera das políticas?
Ainda, mais diretamente relacionado ao foco que possibilitou essa análise, de forma objetiva, indicam-se os enfrentamentos
O papel do pedagogo no ambiente hospitalar: a formação para além da docência
necessários para a efetivação de uma proposta voltada para atender as especificidades do atendimento proporcionado pelo SAREH: a) avaliação formal do serviço; b) aprofundamento da discussão curricular; c) Implementação da proposta pedagógica hospitalar; d) ampliação das equipes de trabalho e aumento do número de instituições conveniadas, com critérios que atendam a busca da universalização do ensino; e) institucionalização de um banco de dados quantitativo e qualitativo dos atendimentos realizados; f) incentivo aos processos de formação continuada; g) institucionalização das ações de tecnologia relacionadas ao SAREH; h) estreitamento de laços com a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI) e com a Secretaria de Estado da Saúde (SESA); i) implementação do atendimento pedagógico domiciliar.
Enfatiza-se que para que esse serviço seja efetivado como política pública, não se pode deixar de registrar o fato ocorrido em 29 de abril de 2015, quando centenas de professores paranaenses sofreram um massacre do governo do Estado em um movimento pacífico de greve. Espera-se que em um futuro não muito distante a categoria de professores das redes públicas de ensino, especialmente pedagogos e professores que atuam nos hospitais do Paraná, não precisem sair às ruas para lutar pelo respeito e valorização de sua atividade profissional, mas, sobretudo, pelo direito fundamental à educação do ser humano, independente e indiscriminadamente de sua condição de saúde e de mudanças de governo e partidos políticos.
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Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. BRASIL. Decreto nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o art. 80 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 2005. BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 junho de 2014. Plano nacional de educação (PNE). 2014. Disponível em: <http://presrepublica.jusbrasil. com.br/legislacao/125099097/lei-13005-14>. Acesso em: 30 jun. 2014. BRASIL. Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006. Diretrizes curriculares nacionais para o curso de graduação em pedagogia. Brasília, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2013. CECCIM, R.; CARVALHO, P. (Orgs.) Criança hospitalizada: atenção integral como escuta à vida. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1997. CHAUI, M. de S. Ideologia e educação. Revista Educação e Sociedade, São Paulo: Cortez Editora/Associados, ano II, n. 5, jan. 1980. FONSECA, E. S. da. Atendimento escolar no ambiente hospitalar. São Paulo: Memnon, 2003. FREIRE, P. Educação: sonho possível. In: BRANDÃO, C. R. (Org.). O educador: vida e morte. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1982. GATTI, B. A. Educação, escola e formação de professores: políticas e impasses. Curitiba: UFPR, 2013. Disponível em: <http://www. scielo.br/pdf/er/n50/n50a05.pdf>. Acesso em: 3 maio. 2014. LIBANEO, J. C. Pedagogia e pedagogos, para quê? 9. ed. São Paulo: Cortez, 2007. MENEZES, C. V. A. de. Rumos de uma política pública. In: MATOS, E. L. M. (Org.). Escolarização hospitalar: educação e saúde de mãos dadas para humanizar. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. MENEZES, C. V. A. de; SANTOS, M. de O. dos. A organização do trabalho pedagógico em ambientes hospitalares: um estudo de caso com educadores do Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (SAREH) do Hospital do Trabalhador. In: SIMPÓSIO DE PESQUISA, 1.; SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 7., 2013, Curitiba. Caderno de Iniciação Científica - PAIC 2012/2013. Curitiba: Núcleo de Pesquisa Acadêmica, 2013. v. 14. p. 199-199.
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O papel do pedagogo no ambiente hospitalar: a formação para além da docência
MENEZES, C. V. A. de. Atendimento escolar hospitalar e domiciliar: estudo comparado das políticas educacionais do Paraná/Brasil e da Galícia/Espanha. 2018. 429 f. Tese (Doutorado em Educação)- Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2018. MEDEL, C. R. M. A. de. Projeto político-pedagógico: construção e elaboração na escola. Campinas, SP: Autores Associados, 2008. (Coleção Educação Contemporânea). METZ, P. P.; SARDINHA, R. F. Formação de professores: uma experiência no espaço hospitalar. In: AROSA, A. C.; SCHILKE, A. L. (Orgs.). A escola no hospital: espaço de experiências emancipadoras. Niterói: Intertexto, 2007. p. 105-116. OLIVEIRA, M. K. S. de; SOARES, B. I. B.; LIRA, L. M. Formação contínua de professores: construção e socialização de saberes pelo grupo docente no ambiente escolar. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, SUBJETIVIDADE E EDUCAÇÃO E SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE, 11., 2013, Curitiba. Anais... Curitiba: Champagnat, 2013, p. 13291-13300. Disponível em: <http://educere.bruc.com.br/ANAIS2013/pdf/12940_6296.pdf>. Acesso em: 3 maio 2014. PLACCO, V. M. N. de S.; ALMEIDA, L. R. de (Org.) O coordenador pedagógico e os desafios da educação. São Paulo: Loyola, 2008. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Documento base. Curitiba: SEED/SUED/DEE, 2007. Não paginado. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/portal/educacaohospitalar/pdf/doc_base.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2012. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Departamento de Educação Especial e Inclusão Educacional. Instrução nº 006/2008 – SUED/SEED, de 20 de maio de 2008. Estabelece procedimentos para a implantação e funcionamento do Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar. Curitiba, 2008. Disponível em: <http://www.educacao.pr.gov.br/arquivos/File/instrucoes%20 2012%20sued%20seed/instrucao062008.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2012. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Caderno temático: Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (SAREH). Curitiba: SEED-PR., 2010. Disponível em: <http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/cadernos_tematicos/ tematico_sareh.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2014. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Instrução nº 016/2012 – SUED/SEED, de 31 de outubro de 2012. Estabelece procedimentos para a implantação e funcionamento do Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar. Curitiba, 2012. Disponível em: <http://www.educacao.pr.gov.br/arquivos/File/instrucoes%202012%20sued%20seed/instrucao162012.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2013.
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Capítulo
III
Os papéis do professor e pedagogo SAREH LIMA, Angélica Macedo Lozano ¹
1 Introdução 2 Papéis de cada um para um trabalho cooperativo 3 Considerações finais Referências
39 42 50 51
Doutora em Ciências da Educação pela Universidade Federal de São Paulo. Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduada em Geografia (Bacharelado e licenciatura) pela Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Administração e Orientação Educacional pela Universidade Norte do Paraná. Especialista em Educação e Saúde para Professores pela UFPR. Especialista em Direito à Cidade e Gestão Urbana pela Universidade Positivo. Professora do Programa Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (SAREH) – Secretaria de Educação do Paraná. 1
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Capítulo III
Os papéis do professor e pedagogo SAREH
1 Introdução Este texto faz parte das discussões apresentadas na tese de doutoramento “Classe hospitalar: do território ao lugar em tempos e espaços educacionais” (LIMA, 2018). Ao identificar o papel de cada profissional no atendimento da educação hospitalar, é possível ter noção de que em uma situação de escolarização a valorização de cada profissional é fundamental e, sem isso, cada vez mais se compromete o processo educacional como um todo, seja na escola regular, seja no atendimento hospitalar, quando se pode inferir que “qualquer um” pode ser professor ou pedagogo ou ainda que, tanto um quanto outro podem exercer as funções para as quais não foram preparados e não detêm o conhecimento. A Figura 1 tem por objetivo mostrar as diferenças entre esses papéis, para que, em um eventual processo de instalação de uma equipe da educação em um hospital, se considere a importância de cada profissional e, além disso, que se reconheça a diferença de atribuições que cada um deve ter como foco, considerando que um processo colaborativo envolve conhecer e reconhecer as tarefas de cada um, sem, no entanto, fazer o serviço de outro profissional e sim realizar troca e cooperação grupal. Observando esses aspectos das duas licenciaturas (professor disciplinar e professor pedagogo), que mostra a Figura 1, deduz-se que a educação hospitalar remete tanto à escola regular quanto ao hospital. Como grupo social, tem-se uma comunidade em questão, composta de profissionais da área da saúde e outros elementos que formam uma realidade diferente da qual sujeitos da educação, famílias e pacientes não estão habituados. Além disso, esses aspectos envolvem relações estabelecidas nos processos de trabalho e de vivência entre os ambientes, e cada um desse grupo é regido por normas que estabelecem seus papeis (LIMA, 2018). Para entender esses papéis, é necessário entender que:
No SAREH (Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar) que é vinculado à SEED/PR, os atendimentos de acordo com a Instrução Normativa (016/2012), são para o Ensino Fundamental II, Ensino Médio e EJA. Ocorre o atendimento do Ensino Fundamental I apenas quando não há professores do município. Especificamente no Paraná, a Deliberação nº (02/03-CEE-PR), que trata da Educação Especial, na modalidade da Educação Básica para alunos com necessidades educacionais especiais, fixa as normas para a assegurar a educação de qualidade a esses alunos, e define o que seria enquadrado como aluno com essas necessidades, cabendo mencionar aqui, que o aluno hospitalizado se encaixa neste contexto, pelo fato de as classes hospitalares serem destinadas a “prover a educação escolar a alunos […] impossibilitados de frequentar as aulas, em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar”. Este serviço será assegurado pelo Estado, cumprindo a orientação do Conselho Nacional de Educação, que visa a assegurar as parcerias ou convênios com as áreas de educação e saúde, abrangendo apoio e orientação à família, à comunidade e à escola, (PARANÁ, Deliberação nº 02/03-CEE p. 21, atualizada pela deliberação 02/2016). A leitura que se fez dos marcos legais, deu origem à Resolução nº 2527/2007, que instituiu o Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (SAREH), seguida de outras instruções que foram modelando as características do programa. A resolução de 2007, por exemplo, resolve que este serviço será ofertado apenas nas instituições que assinarem e mantiverem o Termo de Convênio (INSTRUÇÃO Nº 016/2012 – SEED/SUED) com a Secretaria de Estado da Educação, além de regulamentar a seleção de professores e pedagogos do Quadro Próprio do Magistério, recrutados mediante concurso pela Secretaria de Estado da Educação. (LIMA, 2018, p. 40, grifo nosso).
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Capítulo III
Os papéis do professor e pedagogo SAREH
Figura 1 - Mapa conceitual: características das práticas dos profissionais PEDAGOGIA
o que é
PEDAGOGIA HOSPITALAR
é um sub campo É um ramo da Pedagogia que se dedica aos estudos, investigações e ações no âmbito da educação e ensino, voltado ao estudante em situação de internação ou tratamento de saúde.
É um campo do conhecimento que trata da educação e do ensino. De acordo com o MEC, o curso de Licenciatura em Pedagogia tem por finalidade formar professores para atuar na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental até o quinto ano, que assume integralmente o currículo da série. São habilitados para atuar na gestão do sistema escolar. Para atuar nos anos finais do Ensino Fundamental ou Médio, precisam fazer complementação pedagógica disciplinar. Para atuar no Ensino Superior é necessário ainda ter no mínimo uma pós-graduação.
PROFESSOR DAS DISCIPLINAS SAREH
a partir da legislação e da humanização se organiza
PROFESSOR PEDAGOGO SAREH
De acordo com o MEC
faz a mediação entre as relações escolares com hospital, aluno, escola e família podemos estabelecer que
A CLASSE HOSPITALAR
refere-se ao atendimento pedagógico que ocorre em ambiente de tratamento de saúde na internação em hospital-dia, hospital semana ou integral.
trabalha A Classe Hospitalar é o atendimento pedagógico, é um lugar, abstrato, que se configura no tempo-espaço de ação do professor.
junto ao professor, desenvolvendo materiais, métodos e atividades que atendem à necessidade de cada estudante
o pedagogo atua junto ao aluno, família e escola, sob aspectos legais e documentais e abre o caminho para a atuação do professor
leciona aos alunos as disciplinas curriculares
AS DISCIPLINAS DA GRANDE ÁREA DE ATUAÇÃO: humanas, exatas e linguagens. Fonte: A autora (2018)
Como se vê, as professoras e os alunos nos hospitais conveniados (no Paraná) estão sob uma estrutura legal que abriga a escolarização denominada Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (SAREH), que existe desde 2007, vinculada à Secretaria de Educação do Paraná (SEED/PR). São 19 unidades conveniadas no Paraná2, em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS), e têm por objetivo fundamental o atendimento educacional às crianças e aos adolescentes, matriculados ou não na educação básica, impossibilitados de frequentar a escola, por causa da situação de internamento hospitalar ou de outras formas de tratamento de saúde. Neste link há os nomes de todos os hospitais conveniados com o SAREH e mais informações sobre cada um deles. <http:// www.educacao.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=63>
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Capítulo III
Os papéis do professor e pedagogo SAREH
O SAREH (classe hospitalar3) objetiva e oportuniza a continuidade do processo de escolarização, inserção ou reinserção no ambiente escolar, para que os alunos ao retornarem às suas escolas tenham condições de acompanhar os conteúdos sem apresentar defasagens no aprendizado, em consequência dessa ausência. Para isso, são desenvolvidas atividades que proporcionam a segurança necessária para que os estudantes não abandonem os estudos e ainda promove o diálogo entre alunos, professoras, pais e escola de origem, com o objetivo de manter o aluno estudando, definindo desta forma os papéis de cada ator que vai desempenhar nesse programa (PARANÁ, 2008). O texto abordará as questões pertinentes aos papéis específicos desses dois profissionais no SAREH e sua importância, bem como as características fundamentais dos serviços prestados por eles, apontando a necessidade de formação e manutenção de protocolos gerais.
“Denomina-se classe hospitalar o atendimento pedagógico educacional que ocorre em ambientes de tratamento de saúde, seja na circunstância de internação, como tradicionalmente conhecida, seja na circunstância do atendimento em hospital-dia e hospital-semana ou em serviços de atenção integral à saúde mental” (BRASIL, 2002, p. 13, grifo nosso). “Cumpre às classes hospitalares e ao atendimento pedagógico domiciliar elaborar estratégias e orientações para possibilitar o acompanhamento pedagógico educacional do processo de desenvolvimento e construção do conhecimento de crianças, jovens e adultos matriculados ou não nos sistemas de ensino regular, no âmbito da educação básica e que encontram-se impossibilitados de frequentar escola, temporária ou permanentemente e, garantir a manutenção do vínculo com as escolas por meio de um currículo flexibilizado e/ou adaptado, favorecendo seu ingresso, retorno ou adequada integração ao seu grupo escolar correspondente, como parte do direito de atenção integral” (BRASIL, 2002, p. 13, grifo nosso).
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Capítulo III
Os papéis do professor e pedagogo SAREH
2 Papéis de cada um para um trabalho cooperativo Os professores e pedagogos do SAREH fazem parte do quadro de funcionários da SEED/PR e, para trabalhar no hospital, precisam realizar um concurso interno periódico, que inclui exames médicos e, às vezes, psicológicos, para avaliar as suas potencialidades e adaptabilidade em lidar com as situações que farão parte do seu cotidiano a partir de então, na classe hospitalar. Apesar de trabalharem nos hospitais, cedidas pelo concurso específico, os seus vínculos de trabalho são garantidos na sua escola de lotação, caso queiram voltar ou não sejam classificadas em um próximo concurso, já que esse vínculo com o SAREH deve ser renovado. Nesse sentido, Menezes4 (2018) ressalta a importância dos critérios da avaliação e dos de permanência, tanto no serviço quanto nas unidades. Na mesma perspectiva, cabe apontar a necessidade de implementação de protocolos gerais (para todas as unidades) que norteiem os processos para o docente e o pedagogo, para assegurar que o trabalho desenvolvido em uma unidade se mantenha embasado em diretrizes e sirva para todas as unidades quando professoras e pedagogas mudam de hospital. 4
Respeitando essas regras burocráticas, será preciso modificar apenas a perspectiva do atendimento e respeitar a especificidade característica de cada unidade, sem ter que se readaptar ao modelo burocrático particular que cada profissional pedagogo implementa, sem considerar a organização geral do serviço que é instruído em normas. Segundo as instruções do Programa, cada profissional desempenha uma função, e um depende do outro para realizar o que lhe cabe. Passar a trabalhar na instituição hospitalar5 abrange a participação e o conhecimento obrigatório das normas básicas do estabelecimento. Quem faz parte de uma instituição tem ideia prévia das determinações que devem ser cumpridas, deste modo, se encaixam, simplesmente (BENELLI, 2014). O paciente é o ator (ou corpo) sobre o qual a equipe da educação e da saúde farão intervenções. A ação da professora intervém na rotina da saúde, sem, no entanto, interferir no tratamento, mas essa influência acaba gerando resultados que auxiliam de forma indireta na recuperação do quadro clínico.
Pode-se aprofundar o entendimento destas questões em: Menezes (2018).
No Brasil, as regras da Política Nacional de Atenção Hospitalar, no âmbito do Sistema Único de Saúde – (SUS), estabelece as diretrizes para sua organização. O SUS define a política dos atendimentos da saúde, por meio de protocolos preestabelecidos que têm a finalidade de agilizar o atendimento de acordo com o grau de necessidade do usuário, como a complexidade de cada doença ou do tempo necessário ao tratamento e à recuperação, por exemplo. Cada ala ou hospital segue um padrão centrado nessas necessidades e nos contextos, com atuação das equipes de referência que desenvolvem ações terapêuticas de intervenção sobre o processo saúde/doença. O trabalho desses profissionais, embasado na regulamentação do SUS, organiza as escalas de cada equipe multiprofissional, em tempos e espaços diários distribuídos em forma de plantões, com o propósito de assegurar que os pacientes recebam atenção durante as vinte e quatro horas do dia, garantindo a sua segurança no ambiente de tratamento (BRASIL, 2013). 5
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Capítulo III Deste modo, todas as relações sociais (da professora e aluno), inclusive as da forma escolar, agora presentes no ambiente hospitalar, passam a ser orientadas pela lógica da saúde em torno desse sujeito – ator principal, o paciente. Por isso, é fundamental compreender o papel do professor e da educação no hospital: propiciar aos alunos o conhecimento e a ressignificação do espaço, da doença e suas relações, fazer a escuta pedagógica e possibilitar a construção de novos conhecimentos que contribuam para a melhora de seu quadro clínico (FONTES, 2005). Para fazer isso, professores e pedagogo precisam estar integrados no sentido de compreender que esse trabalho envolve quase uma “simbiose” desses agentes que trabalharão em equipe integrada para um atendimento integral. As regras e as normas representam essa face e são inerentes ao trabalho, tão básicos como a higienização para o controle da disseminação de bactérias e outras tão mais burocráticas como a organização do trabalho docente. Regras como essas são evidentes ao tratar com as pessoas ou objetos nesse lugar; outras, advêm do poder atribuído por meio da hierarquia e do poder simbólico exercido concretamente (LIMA, 2018). Esse poder tem a capacidade de modificar características fundantes da essência do programa, que estabelece a forma do SAREH diferente da escola regular (LIMA, 2018). Por isso, ao renovar o quadro de profissionais, é necessária a expressa formação de caráter inicial, que deixe claro o que representa esse programa e como ele foi gestado e cresceu ao longo desses últimos anos. Quando acontecem mudanças e inovações, estas devem ter por objetivo primordial a facilitação do trabalho (de todos) e a melhoria do atendimento, e, por isso, para serem implementadas, há de ser em âmbito geral, para que todos
Os papéis do professor e pedagogo SAREH os envolvidos possam discutir e reconhecer sua necessidade e quem a realizará, como parte das atribuições dos profissionais do programa. Existem itens essenciais que devem ser compreendidos, como os aspectos da flexibilidade e da interdisciplinaridade para atuar. Além disso, a classe hospitalar do SAREH tem uma existência física flexível, uma sala específica da/ para escolarização, porém, o trabalho mais efetivo, na maioria das unidades, é aquele no qual a classe é a aula propriamente dita, porque a lógica dessa organização escolar gira em torno da forma hospitalar. Atender um aluno na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) demanda um esforço inicial, pois entrar nesse local é um gesto muito diferente daquele de entrar em uma sala de aula. Para a professora, um aluno na UTI pedir a presença da professora é mais insólito ainda, é um aprendizado para o aluno e professora. Deste modo, é a professora que faz a aula acontecer, e, apenas dela, o pleno entendimento do significado desse momento. Por isso, a troca de saberes entre a equipe (professor e pedagogo) também é fundamental para que o serviço de escolarização seja distinguido de escola e da forma escolar e valorizado como ele é, pelos profissionais da própria educação e não apenas pelos alunos, pais e equipe da saúde. Os dois grupos que se entrecruzam (profissionais da saúde e da educação) têm suas lógicas de organização do trabalho totalmente diferenciadas. Enquanto um se volta para tratar a saúde do paciente com os horários da medicação, os exames e toda ferramenta da saúde, a aula quebra a rigidez dessa relação; a professora chega como se fosse uma “perturbação” a toda ordem imposta naquele ambiente, como se ela fosse um ruído justaposto ao tempo da ação do enfermeiro.
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Capítulo III Apesar da organização total, a ação da professora possibilita uma ação da saúde de modo inusual, os grupos se cruzam e a flexibilização do horário do medicamento flexiona, ao mesmo tempo, a função do lugar. A classe hospitalar começa se materializar nessa ação, no lugar e, nesse sentido, estabelece a valorização das ações e do trabalho da professora, reconhecida agora pelo outro grupo, na demonstração de confiança pela equipe da saúde, que, ao mesmo tempo, atua para que a aula possa acontecer. A professora, investida da simbologia escolar, extrapola a limitação dos espaços simbólicos, abre brechas no tempo cronometrado da medicação, da rotina hospitalar, em uma notável demonstração de como sua presença e sua aula provocam a flexibilização do território hospitalar e das relações e, ao mesmo tempo, interferem positivamente no cotidiano do paciente hospitalizado que pode sair do leito para a biblioteca, brinquedoteca ou ter aulas com o apoio dos pais como acompanhantes. Esse tempo não é o tempo da escola regular. Considerando que a equipe de professoras que lecionam as disciplinas é composta de três docentes, podem acontecer até três classes hospitalares ao mesmo tempo, em diferentes leitos e lugares. Em cada lugar, uma professora pode estar atendendo um ou, às vezes, dois ou três alunos ao mesmo tempo. Para Paula (2015), um aspecto predominante na maioria das práticas educativas é a reprodução dos sistemas tradicionais de ensino das escolas regulares para as escolas nos hospitais. Ela entende que a “relação entre professores e alunos é individualizada”, apesar disso, muitas vezes, a forma escolar predomina (PAULA, 2015). Tal fato está intrinsecamente relacionado a essa tentativa (que pode ser consciente ou não) de manter a classe hospitalar sob a
Os papéis do professor e pedagogo SAREH mesma ordem da forma escolar tradicional, e, nesse sentido, ela realmente começa a aparecer como um anexo da escola, e descaracteriza o trabalho da professora, desvaloriza sua ação, além de obstruir as possibilidades que ela encontra para fazer diferente e fazer a diferença entre o aluno aprender ou não. A formação de equipes renovadas deve passar pelo entendimento de que a educação hospitalar segue as diretrizes da educação básica, porém, os tempos e espaços devem ser regidos pelo ambiente hospitalar e pela humanização da educação. A humanização passa pela compreensão de que tempo e aprendizado são coisas diferentes e que o tempo de ensinar e aprender em um leito de hospital não é igual ao tempo de ensinar e aprender da escola regular. Para Berger e Berger (1973, p. 198), “as ideias corporificadas na instituição foram acumuladas durante um longo período de tempo, através de inúmeros indivíduos cujos nomes e rostos pertencem irremediavelmente ao passado”, porém, resistem na tentativa de perpetuação em um presente no qual não cabem mais, porque o que fica claro é que a forma escolar, diante de toda flexibilidade, é modificada. Para acontecer uma aula no hospital, existe um processo que se pode considerar um “ritual”, que ocorre com a chegada da pedagoga ao leito no período da manhã. Geralmente, é para conversar com o aluno e com a família sobre a escolarização e a classe hospitalar, sobre acesso e permanência na escola e qual a disponibilidade do paciente aceitar ou não a presença das professoras em seu quarto ou em qualquer outro espaço disponível para estudar.
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Capítulo III Além disso, o profissional pedagogo tem por regra escutar o aluno-paciente e sua família para que, dessa escuta (que faz parte da escuta pedagógica), consiga levantar todos os elementos necessários para encaminhar o atendimento que será conduzido em seguida pelo profissional professor. Esses elementos podem ser corriqueiros, como idade, série, disciplina que mais gosta. Mais do que isto, é nesse momento crucial que o papel do profissional pedagogo é fundamental, porque ele poderá descobrir fatores relacionados à saúde desse aluno-paciente. São dessas informações que o profissional professor pode estabelecer de imediato um vínculo com a criança. A par de informações adequadas (se o aluno enxerga bem, se está com acesso na mão que escreve, se apresenta problemas de audição, entre outros) é que o docente fará a intervenção pedagógica apropriada. Sem isso, o professor irá às cegas ao leito e apenas diante do seu aluno-paciente é que poderá estabelecer a sua estratégia de aula. Esse profissional pedagogo abre a porta e apresenta a “escola hospitalar”. Se essa anamnese não fosse feita, não seria necessário tal profissional. Se pensar nesses aspectos, este é um dos diferenciais do SAREH, porque, depois disso, munido de informações, o professor faz a aula acontecer no espaço específico da escolarização ou em outros aleatórios. Podese notar a seguir a importância do papel do profissional pedagogo, conforme suas atribuições nas entidades conveniadas à SEED/SAREH: a) coordenar, acompanhar e avaliar o trabalho pedagógico, bem como organizar os materiais e equipamentos do SAREH; b) observar a recomendação médica para
Os papéis do professor e pedagogo SAREH liberação dos alunos, para que recebam atendimento pedagógico; c) manter contato com a família, com o responsável pelo SAREH no NRE e com a escola de origem do educando, repassando todas as informações e trâmites pertinentes; d) elaborar, em conjunto com os professores e profissionais da entidade conveniada, o Plano de Ação PedagógicoHospitalar; e) articular ações com os profissionais da entidade conveniada, para o desenvolvimento do SAREH; f) participar de encontros e reuniões promovidos pelo Departamento de Educação Especial e Inclusão Educacional e pelo Núcleo Regional de Educação; g) organizar e garantir o cumprimento da hora-atividade dos professores de acordo com as normas vigentes; h) entregar aos pais ou responsáveis pelo aluno a Ficha Individual do SAREH, anexando as atividades realizadas, a ser entregue na instituição de ensino em que o educando encontra-se matriculado; i) arquivar cópia da Ficha Individual do SAREH na entidade conveniada; j) fornecer ao responsável pelo SAREH no NRE informações referentes aos alunos, para fins de atualização do banco de dados; k) organizar o Livro Ponto dos professores, encaminhando mensalmente e no prazo determinado, ao responsável pelo SAREH no NRE, o relatório de frequência e outras informações referentes a vida funcional dos professores […]. (PARANÁ, 2012, p. 7, grifo nosso).
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Capítulo III O pedagogo tem um papel fundamental ao conversar com o aluno e com a família, ao apresentar todo o trabalho que será desenvolvido e obter do aluno o consentimento para a aula. Existem unidades hospitalares6, nas quais, muitas vezes, o profissional pedagogo não consegue visitar todos os alunos para fazer essa conversa inicial, porém, é dele o papel de abrir as portas para o docente entrar, e essa tarefa passa necessariamente pela afetividade, pela relação face a face, porque é nesse momento em que se demonstra que há uma equipe preparada para fazer o trabalho com o aluno, o que aumenta o respaldo para a ação da professora e garante aos familiares a conexão e o retorno para a escola de origem do estudante, por parte de um órgão oficial. Além disso, o pedagogo também observará a recomendação médica para liberação dos alunos e para esclarecer às professoras, as condutas para cada caso; ela também organiza os materiais e os equipamentos do SAREH, faz e mantém o contato com a família e com a escola de origem. O contato diário ou muito próximo com a família é essencial, para manter e fortalecer os vínculos. Serve ainda para proporcionar aos docentes uma base necessária para preparar as atividades e dar prosseguimento ao atendimento, porém, se a primeira etapa do trabalho não é feita, recai sobre os professores a realização deste contato preliminar, para apresentar a escolarização, descobrir fatos e informações sobre aquele estudante.
Os papéis do professor e pedagogo SAREH Nesse sentido, o que distingue o SAREH em relação aos outros serviços de escolarização deixa de ser relevante, já que um dos diferenciais dele é justamente ter na equipe, um pedagogo, tanto para intermediar as relações entre o paciente (aluno), sua família e a escola, quanto para a ação com as professoras, materializando efetivamente a organização pedagógica e a prática interdisciplinar (que é a outra especificidade do serviço – o trabalho por áreas). Persiste ainda uma interpretação (“errada”) de que a professora não precisa compreender o quadro da doença do aluno. No entanto, é essencial que, diante das necessidades do estudante, se mantenha a exigência que a professora conheça e compreenda algumas condições físicas e psicológicas do seu aluno, para, a partir disso, elaborar as estratégias de aprendizagem e ensino. Esse fato não representa que as educadoras farão o papel da saúde, apenas mostra qual o caminho deve seguir para que o estudante consiga aproveitar ao máximo a aula no hospital. Quando se trata desses trâmites organizacionais, outro aspecto fundamental para a prática das professoras é ter garantido o cumprimento da hora-atividade, de acordo com as normas vigentes, para que os conteúdos científicos a serem trabalhados com os alunos recebam o tratamento para se transformarem em conteúdo escolar, que poderá privilegiar em determinados momentos aspectos disciplinares e, em outros, interdisciplinares com o caráter e a qualidade necessários para a efetivação da aprendizagem.
Os relatos de professoras e profissionais de algumas unidades afirmaram ser muito importante e necessária a presença da pedagoga para apresentar a escolarização e que, muitas vezes, ela não consegue visitar os alunos por falta de tempo, pela quantidade de pacientes internados em algumas unidades. Segundo esses relatos, uma das diferenças desse serviço está em manter uma equipe de profissionais que dê respaldo ao trabalho, diferente de outros serviços semelhantes, que contam apenas com as professoras. 6
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Capítulo III Novamente, para isso, se volta a observar os papéis de cada profissional, e cabe ressaltar a burocracia de fazer repetidas notas em diversos documentos inexistentes do ponto de vista instrucional, e que são adotados, impedindo que a hora-atividade seja usada para fins didáticos e pedagógicos, como a organização das aulas e dos materiais. De acordo com as instruções, entre as principais atribuições obrigatórias estão: “organizar e garantir o cumprimento da hora-atividade dos professores de acordo com as normas vigentes” (PARANÁ, 2012). Usando esse tempo de hora-atividade para o “professor, produzir materiais e recursos pedagógicos que promovam a interação do aluno no processo ensino-aprendizagem e registrar a organização e encaminhamento dos trabalhos, conteúdos e demais informações necessárias” na “Ficha Individual do SAREH” (PARANÁ, 2012). Em destaque, a ficha individual é o único documento que representa o Registro de Classe – o material que deve ser preenchido pelo professor. Outros foram criados para burocratizar as atividades e criar sobrecarga de trabalho para o professor. Como se vê nas seguintes atribuições dos professores vinculados ao Programa SAREH: a) desenvolver e acompanhar o processo de ensino e aprendizagem dos alunos; b) participar de encontros, reuniões, cursos de formação continuada, eventos e demais atividades propostas no âmbito do SAREH, promovidos pelo DEEIN e pelo NRE; c) participar dos cursos de formação continuada ofertados pelo DEEIN; d)
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definir com o pedagogo a metodologia de trabalho; e) participar da elaboração do Plano de Ação Pedagógico-Hospitalar; f) registrar a organização e encaminhamento dos trabalhos, conteúdos e demais informações necessárias na Ficha Individual do SAREH; g) produzir materiais e recursos pedagógicos que promovam a interação do aluno no processo ensinoaprendizagem […]. (PARANÁ, 2012, p. 7, grifo nosso).
Nota-se claramente a diferença entre cada papel ao ler as duas instruções. A função da pedagoga que existe no SAREH fará a diferença na qualidade do atendimento se essa profissional assumir um papel que possa proporcionar o desenvolvimento do serviço, promover e articular o trabalho colaborativo e cooperativo, para que o tempo seja utilizado de modo a favorecer o processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, não se pode utilizar o tempo como fator para o controle das ações, como acontece na escola regular tradicional, onde se orientam as práticas com um horário de classe pré-determinado quando os professores entram e saem de salas ao bater um sinal, para um fim: as “avaliações […] através das quais seja possível compreender até que ponto é que o programa de trabalho foi cumprido e como é que foi cumprido” (TRINDADE; COSME, 2010, p. 35), promovendo ao mesmo tempo, a monitoração das atividades dos alunos e o controle da intervenção docente. Não é este o caráter da classe hospitalar.
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Capítulo III
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O trabalho da professora é extremamente minucioso, individualizado e especial para atender determinado aluno, em condições específicas (às vezes, pode ou não escrever, sentar-se, falar e outros). A matéria a ser aplicada parte geralmente da escolha do aluno (quando a escola envia, às vezes, materiais, cópias de páginas de livro, listas de conteúdos básicos, eles devem ser adaptados e reorganizados). Depois, somente o diálogo que acontece entre os dois proporcionará uma relação próxima, na qual a professora identifica as necessidades educativas específicas do aluno, a forma que ele melhor responde aos métodos utilizados. Nesse espaço/tempo onde a presença da família garante a segurança e o conforto, acontece a habitação do lugar, necessários para a formação da identidade entre o minúsculo grupo, no espaço temporal da classe.
a ser um aluno. Mesmo implícito na rotina dessa classe hospitalar, nos documentos oficiais e em toda a estrutura institucional sobre a qual estão apoiadas as professoras no hospital, o espaço de ação é (res)significado e se percebe essa mudança na relação com o aluno.
Um exemplo desse trabalho é a transposição didática – processo criativo da professora, que demanda tempo e articulação da equipe para pensar e elaborar atividades disciplinares ou interdisciplinares, essenciais nesse ambiente. Assim, nota-se que, com a presença do aluno e da professora na classe hospitalar, mudam-se os significados dos objetivos e das metas dessa educação. Desde a questão da apreensão de conhecimento a partir da formação, que não é baseada em níveis de aprendizado, nos quais os alunos avançam ou são retidos, até o sistema de avaliação e notas.
Outras dificuldades esbarram na incapacidade de relacionar a importância da hora-atividade com a qualidade do atendimento; na importância de entender que o currículo precisa ser adaptado e flexibilizado; no modo de diferenciar a escolarização da recreação, que é outra atividade que acontece no hospital, muitas vezes, confundido com o papel da classe hospitalar.
Mudam os tempos escolares, muda a forma de aprender e ensinar, para uma relação próxima, tanto com o grupo da saúde e da família, que compreendem a ação da professora e reconhecem nela uma figura importante na recuperação da criança, quanto com o paciente, que se enxerga livre momentaneamente da sua condição de paciente, passando
Porém, são complexas as relações que representam as práticas da professora na classe hospitalar. Ela precisa seguir o modelo da escola tradicional como base, mensurar o aprendizado, às vezes, por exigência da escola de origem; outras vezes, do pedagogo, com notas (já que a escola não consegue avaliar de outra forma). A complexidade aparece desde as exigências burocráticas impostas, na maioria das vezes, até a incompreensão das necessidades reais do aluno pelo olhar que se configura uma classe hospitalar.
Nesse sentido, um elemento fundamental na classe hospitalar é a necessidade da criação de vínculo com o aluno. Alunos de classes menos favorecidas, muitas vezes, nunca possuíram uma caixa com 12 lápis de cor ou com 12 canetinhas coloridas, e nesses casos, geralmente, nem mesmo as mães tiveram acesso. Ao receber esses materiais, cria-se imediatamente uma relação que favorece a afetividade com essa família. Raro encontrar uma criança, jovem ou adolescente (e inclusive mãe) que não ficam
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agradecidos (muitas vezes emocionados) ao receber uma pasta com materiais escolares, livros, gibis, caderno de desenho, desenhos para pintar, lápis e canetas. Parece um gesto sem importância, porém, é o primeiro contato com a criança e esse “presente” remete às atividades escolares e abre as portas para atividades curriculares. Estudar e aprender conteúdos escolares no hospital passa pelo resgate desses alunos, passa pela interação dele com a equipe, cativá-lo, e trazer o paciente para a classe hospitalar requer dedicação e atitudes dialógicas. Entende-se que a professora hospitalar deve utilizar as ferramentas necessárias para ter a participação do aluno, desde desenhar e pintar até outras diversas tecnologias e materiais que estiverem à disposição. Outro fator importante é avaliar o aprendizado do aluno com pareceres, e se esta forma não for aceita pelas escolas regulares oficiais como válida, todo o trabalho de resgate feito pela professora se perde; ao atender de modo diferenciado e compreender esse aluno de modo integral, com as subjetividades inerentes ao sujeito e ao processo, fica claro que as formas de avaliação e as práticas didáticas não podem ser feitas de modo fragmentado e quantitativo.
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3 Considerações finais Entender a necessidade de inovação das práticas professorais passa pela percepção, recepção, reconfiguração, reelaboração e aceitação da mudança, da abertura sem preconceitos para diferentes teorias da educação, que têm relação direta tanto com as práticas, quanto com o processo da socialização da profissionalização dessas professoras e pedagogas, já que “toda atividade humana está sujeita ao hábito” e “todas as ações cotidianas acabam sendo moldadas por um padrão […]. É esse padrão que precisa ser ressignificado (BERGER; BERGER, 1973; BERGER; LUCKMANN, 2004, p. 77). Berger e Luckmann (2004, p. 77-78) demonstram como se nota que os padrões estão impregnados nas rotinas: As ações tornadas habituais, está claro, conservam seu caráter plenamente significativo para o indivíduo, embora o significado em questão se torne incluído como rotina em seu acervo geral de conhecimentos, admitidos como certos por ele e sempre à mão para os projetos futuros. […]. As tipificações das ações habituais que constituem as instituições são sempre partilhadas. São acessíveis a todos os membros do grupo social particular em questão, e a própria instituição tipifica os atores individuais. A instituição pressupõe que ações do tipo X serão executadas por atores do tipo X.
A forma escolar serve de referência e aponta os caminhos, porém, não os definem, eles são redefinidos ao entrarem em contato com/no ambiente hospitalar, e devem ser redefinidos com base nas necessidades do aluno e
não fundamentados somente nas relações processuais instituídas para outro lugar, ou vontades pessoais e habituais que se interpõem entre as ações. Para Berger e Luckmann (2004), as ações individuais tipificadas são consideradas importantes quando beneficiam os atores envolvidos, porém, quando apenas um dos lados recebe o benefício, os hábitos e modelos tipificados vão perdendo o significado. Todas as referências da escola regular são válidas nos primeiros momentos e devem obrigatoriamente servir de base e, em seguida, passar pela modificação das práticas se o serviço pretende obter realmente um sentido (com resultado) para a sua existência. Como esses alunos são frequentemente oriundos da escola pública e muitos não possuem recursos e capital cultural (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 2002) que possibilitem seu melhor desenvolvimento escolar, na classe hospitalar, a professora, em razão da individualização do atendimento, tem em mãos mais ferramentas e possibilidades para efetivar a sua prática. Isto autoriza uma relação mais próxima, um conteúdo especificamente organizado em torno das necessidades do estudante, o que aumenta o interesse do aluno, criando na professora, a libertação dos modelos e das ações tipificadas e habituais, favorecendo a melhoria do processo de aprendizagem e de ensino e, por consequência, apreensão do conteúdo por parte do aluno e satisfação por ter aprendido e, por isso, o tempo de ensino-aprendizagem não pode ser mensurado sob os modelos e perspectivas dos cronômetros e do aspecto quantitativo da escola regular e da forma escolar.
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Referências BENELLI, S. J. Goffman e as instituições totais em análise. In: ______. A lógica da internação: instituições totais e disciplinares (des) educativas [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2014. Disponível em: <http://books.scielo.org>. Acesso em: 20 jan. 2017. BERGER, P.; BERGER, B. Socialização: como ser um membro da sociedade. In: FORACCHI, M. M.; MARTINS, J. S. (Orgs.). Sociologia e sociedade. São Paulo/Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos S. A., 1973. BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 2004. BOURDIEU, P.; CHAMBOREDON, J-C.; PASSERON, J-C. El oficio de sociólogo: pressupuestos epistemológicos. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2002. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria da Educação Especial. Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações. Brasília, DF: MEC/SEESP, 2002. BRASIL. Portaria nº 3.390, de 30 de dezembro de 2013. Institui a política nacional de atenção hospitalar (PNHOSP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo- se as diretrizes para a organização do componente hospitalar da rede de atenção à saúde (RAS). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt3390_30_12_2013.html>. Acesso em: 20 jan. 2017. FONTES, R. de S. A escuta pedagógica à criança hospitalizada: discutindo o papel da educação no hospital. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro: Faculdade de Educação/Universidade Federal Fluminense, v. 29, maio/jun./jul./ago. 2005. Disponível em <https://www.scielo.br/pdf/rbedu/n29/n29a10.pdf>. Acesso em: abr. 2014. LIMA, A. M. L. Classe hospitalar: do território ao lugar em tempos e espaços educacionais. 2018. 254 f. Tese (Doutorado Ciências da Educação)- Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2018. MENEZES, C. V. A. de. Atendimento escolar hospitalar e domiciliar: estudo comparado das políticas educacionais do Paraná/Brasil e da Galícia/Espanha. Tese (Doutorado em Educação)- Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2018.
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PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Instrução nº 016 / 2012 – SUED/SEED, de 31 de outubro de 2012. Estabelece procedimentos para a implantação e funcionamento do Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar. Curitiba, 2012. Disponível em: <http://www.educacao.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2020-01/instrucao162012.pdf >. Acesso em: 8 abr. 2013. PAULA, E. M. A. T. de. História das escolas nos hospitais do Brasil: políticas públicas de atendimento às crianças e adolescentes. 2015. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada6/trabalhos/ 1002/1002.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2015. TRINDADE, R.; COSME, A. Educar e aprender na escola: questões, desafios e respostas pedagógicas. Porto: Fundação Manuel Leão, 2010.
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Capítulo
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Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil¹ IGNACIO, Thatiana Gonçalves 2 ALMEIDA, Ordália Alves 3 SILVA, Milene Bartolomei 4 1 Introdução 2 Artefatos legais para a garantia dos direitos das crianças da educação infantil: toda a criança tem direito à brincadeira e à aprendizagem 3 Toda criança tem direito à brincadeira e aprendizagem na brinquedoteca e na classe hospitalar: o sentido do brincar 4 O sentido do brincar e os processos de humanização no hospital 5 Vivências empíricas no processo de humanização das crianças em brinquedoteca hospitalar 6 Algumas considerações que não são finais Referências
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Trabalho apresentado como forma de obtenção de Título de Graduação do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). 1
Graduada em Pedagogia pela UFMS.
Doutora em Educação. Professora orientadora do Curso de Pedagogia da UFMS.
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Doutora em Saúde e Desenvolvimento da Região Centro-Oeste pela UFMS. Professora do Curso de Pedagogia da UFMS. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Desenvolvimento Humano e Inclusão (GEPEDHI).
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Capítulo IV
Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil
1 Introdução Este artigo resulta da participação das autoras, há dois anos, na linha de pesquisa sobre Educação, Saúde e Práticas Educacionais do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Desenvolvimento Humano e Inclusão, da Faculdade de Educação, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (GEPEDHI – UFMS). No decorrer dos encontros, realizaramse estudos que nos levaram a apropriar de conhecimentos sobre os aspectos a serem valorizadas na prática educativa em classes hospitalares. Especialmente, chamaram a atenção os estudos e discussões sobre o importante papel que a brinquedoteca exerce no processo de recuperação das crianças que frequentam as classes hospitalares. Despertaram ainda para realizar este trabalho de conclusão de curso e aprofundamentos sobre essa temática e, ao mesmo tempo, socializar a experiência vivida em uma perspectiva científica. Nesse contexto, o objetivo foi verificar o perfil das profissionais que atuam nas brinquedotecas hospitalares, bem como as atividades realizadas com as crianças hospitalizadas para aprenderem e desenvolverem-se por meio do lúdico. Observou-se que a literatura científica traz contribuições teóricas importantes para que se tenha uma visão mais ampliada, tanto do que vem se realizando nos processos educativos das crianças que se encontram hospitalizadas, frequentando classes hospitalares, e as brinquedotecas, sendo utilizadas
como espaços que constituem, nos dias atuais, espaços de desenvolvimento e aprendizagem, respondendo aos interesses e necessidades dessas mesmas crianças. Este artigo apresenta na primeira parte uma revisão teórica sobre os artefatos legais que deram sustentação à garantia dos direitos das crianças da educação infantil, buscando dimensionar o espaço de direito das crianças que necessitam de atendimentos especializados. Na segunda parte, aborda-se o direito que toda criança tem à brincadeira e aprendizagem na brinquedoteca e na classe hospitalar, ressaltando que devem ser criadas as condições propícias para que elas possam ter desenvolvimento pleno enquanto se encontram hospitalizadas. O sentido do brincar e os processos de humanização no hospital foram objeto da terceira parte. Nela discorremse os aspectos inerentes ao cotidiano das crianças que se encontram hospitalizadas e como as atividades lúdicas são importantes para o desenvolvimento e aprendizagens das crianças de maneira humanizada. A última parte evidencia o processo de pesquisa realizado na brinquedoteca hospitalar, ressaltando aspectos resultantes das observações e análises feitas. Preocupou-se, especialmente, em traçar o perfil das profissionais que atuam nas brinquedotecas hospitalares e quais atividades realizam com as crianças e se elas estão sustentadas pelo referencial lúdico.
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Capítulo IV
Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil
2 Artefatos legais para a garantia dos direitos das crianças da educação infantil: toda a criança tem direito à brincadeira e à aprendizagem No decorrer deste estudo, realizaram-se leituras, reflexões e pesquisas a respeito da infância e dos seus direitos. Isso foi necessário para se ter a dimensão de quais amparos legais têm as crianças que se encontram hospitalizadas. Partiu-se do princípio que todas as crianças, em quaisquer condições, devem ter os seus direitos garantidos. Conforme a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 expressa no art. 208, inciso IV, as crianças de 0 até 5 anos têm direito à educação, o que pressupõe que todas elas, independentemente onde estejam, têm direito à educação. Ainda na Carta Magna em seu art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).
Esses são princípios máximos expressos sobre a garantia do direito das crianças e que orientam todas as ações a serem desencadeadas para a efetivação desses direitos, dentre eles. o de garantia de uma saúde plena.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) de 1990 apresenta um conjunto de normas que objetiva a proteção integral da criança e do adolescente. Essa Lei é reconhecida no mundo inteiro, em função da abrangência de seus preceitos e pela forma como protege as crianças. A saúde da criança também é objeto dessa Lei e, segundo o art. 11: É assegurado acesso integral às linhas de cuidado voltadas à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, observado o princípio da equidade no acesso a ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016). § 1o A criança e o adolescente com deficiência serão atendidos, sem discriminação ou segregação, em suas necessidades gerais de saúde e específicas de habilitação e reabilitação. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016); § 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. (BRASIL, 1990).
Como se observa, as garantias legais dão sustentação ao atendimento educacional de crianças que se encontram em classes hospitalares, objeto de investigação desta pesquisa.
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Capítulo IV O Ministério da Justiça e o Conselho Nacional da Criança e do Adolescente dispõem na Resolução 41, de 13 de outubro de 1995, os direitos das crianças e dos adolescentes hospitalizados. Versa no artigo 9 desse Resolução que a criança tem o “direito a desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar, durante sua permanência hospitalar” (BRASIL, 1995). Tal normativa deixa claro que os direitos constitucionalmente garantidos pelas crianças sofreram desdobramentos que devem resultar em atendimentos de qualidade enquanto estiverem hospitalizadas. A Lei de Diretrizes e Bases n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1969b) inclui a educação infantil a primeira etapa da educação básica, especialmente no que se refere à educação especial, em contexto da educação inclusiva, pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), já que a escolarização das crianças hospitalizadas versa nessa lei (por se tratar de necessidades educacionais específicas), genericamente não é pontual no que se refere “às crianças em regime de internação”. O artigo 58 da Lei nº 9.394/1996 explicita o que se entende por educação especial “para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação” (BRASIL, 2017), e modalidade de educação que, de preferência, será atendida na rede regular de ensino. Mas, no inciso segundo “O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular” (BRASIL, 2017). A referida Lei não disciplina e não expressa como terá o atendimento de educação especial os sujeitos em regime de internação (aquelas crianças que temporariamente adoecem), apesar de nos hospitais existirem crianças com todas as características citadas nas diretrizes e na LDB.
Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil A Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1994) publicada em 1994, firma a garantia do direito a essa modalidade de ensino e reconhece a importância da classe hospitalar. Atualmente, tramita no Senado o Projeto de Lei nº 548/2015 (PL), que propõe a alteração da redação da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passando a vigorar acrescida do artigo 60-A, que dispõe: Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com o sistema de saúde, oferecerão atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio. § 1º O disposto no caput será assegurado por meio de classes hospitalares ou de atendimento pedagógico domiciliar, inclusive para crianças, jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu posterior acesso à escola regular. § 2º Os professores das classes hospitalares e do atendimento pedagógico domiciliar deverão ser habilitados nos termos do art. 62 desta Lei. § 3º O Conselho Nacional de Educação deliberará sobre as diretrizes operacionais e curriculares para o atendimento educacional especializado em classes hospitalares e no atendimento pedagógico domiciliar. (BRASIL, 2015).
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Capítulo IV Constatou-se que há o firme propósito de se inserir na redação do art. 60 da Lei nº 9.394/1996, no capítulo Educação Especial, que os sistemas de ensino, em ação integrada com o sistema de saúde, devem oferecer atendimento educacional especializado aos educandos impossibilitados de frequentar as instituições educativas, em função de algum tratamento de saúde que necessitem de regime de internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou uma permanência prolongada em domicílio. No entanto, a política deverá assegurar às crianças, por meio de classes hospitalares ou de atendimento pedagógico domiciliar, as efetivas condições para que possam dar continuidade aos seus estudos, independentemente da condição em que se encontram, de maneira que esse atendimento facilite seu posterior acesso à escola regular. No que diz respeito à profissional que irá atender esse aluno, a redação é muito vaga, afirmando que deverá ter nível superior, sendo docente em licenciatura plena, não definindo a especificidade de sua ação. O PL 548/2015 ainda ressalta que o documento da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação (MEC), publicado em 2002, cujo título é “Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações”, apresenta definições sobre classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar, omitindo o perfil do profissional que atuará nesse ambiente. Ora, se a proposta acrescentou ao capítulo Educação Especial, o pedagogo deverá ter no mínimo especialização na área, deixando essa lacuna na discussão sobre a especificidade da formação.
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Apesar de o documento do MEC também não aprofundar muito no assunto, “O professor deverá ter a formação pedagógica preferencialmente em Educação Especial ou em cursos de Pedagogia ou licenciaturas” (BRASIL, 2002, p. 22). A formação específica para o pedagogo em ambiente hospitalar apresenta uma lacuna, bem como para o desenvolvimento de atividades lúdicas, uma vez que não deixa claro a especificidade dessa formação. O mesmo podese dizer a respeito da formação da brinquedista hospitalar, profissão ainda não regulamentada, apesar de existirem alguns cursos para provê-la. De acordo com o histórico da Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABBri), a entidade criou o Curso de Formação de Brinquedistas, desde 1984, ministrando esse curso e autorizando outras entidades a ministrá-lo (ARBELI, 2018). Segundo informações da ABBri, para se fazer o curso de Brinquedista Hospitalar não é necessário ter curso superior, a exigência é ter ensino médio completo (ARBELI, 2018). Assim, podem-se (re)afirmar as dúvidas pertinentes à formação profissional tanto no que diz respeito à docente, quanto da brinquedista hospitalar. Na concepção destas pesquisadoras, as pedagogas implicadas com o lúdico criam expectativas sobre o perfil dessa profissão, conforme afirma Negrine (2013, p. 87) “que tarefas desta dimensão social requerem uma formação consistente [...] em três pilares: formação teórica – formação pedagógica – formação profissional”.
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Ainda, de acordo com o autor, é necessária uma formação teórica, que priorize o desenvolvimento da criança em função do jogo e da aprendizagem, do tempo livre, da recreação e do prazer, situando-as em suas diferenças e seus conhecimentos. Uma formação pedagógica que complete a teórica, atuante no campo lúdico e que se faz na vivência, ou seja, a prática sustentada por reflexão teórica e a formação pessoal, uma abordagem para “configurar que pensamento e corpo são inseparáveis” (NEGRINE, 2013, p. 87). O autor discute a formação da brinquedista hospitalar, e que seja pedagoga, propondo repensar a especialização em brinquedista e também a formação de pedagoga no âmbito das universidades, “quando repensamos a questão da formação da educadora infantil percebemos o quanto é importante priorizar, entre outros, o aspecto lúdico nessa formação” concordando com Batista, Moreno e Paschoal (2011, p. 112).
de maneira específica, bem como a Brinquedoteca Hospitalar, e o brincar no contexto da pedagogia hospitalar. Identificou-se que as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica são mais específicas, explicitam que deverá ser assegurado às crianças que, nesse espaço, tenham direito à professora especialista em educação especial (BRASIL, 2001).
Já a Resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001 (BRASIL, 2001), instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, e também a Resolução n° 41/1995 (BRASIL, 1995), do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), aprovou na íntegra o texto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria, que trata dos direitos das crianças e dos adolescentes hospitalizados
Brincar no hospital é um direito da criança na forma de lei. Como se pode observar, hoje há inúmeros aparatos legais que normatizam sobre o direito de as crianças terem atendimento educacional enquanto se encontram internadas, assim como a necessidade de ter nas classes hospitalares profissionais qualificadas para atuar nos processos educativos das crianças hospitalizadas.
A Lei Federal nº 11.104, de 21 de março de 2005, tornou obrigatória a instalação de brinquedotecas em hospitais ou unidades de saúde, que ofereçam atendimento pediátrico no regime de internação dessas crianças pelo tempo que for necessário. Havendo um lugar próprio para a brincadeira é necessário que se garantam profissionais qualificados que possam conduzir e/ou mediar as atividades com as crianças e estabelecer, em parceria com a família, relações com elas.
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3 Toda criança tem direito à brincadeira e aprendizagem na brinquedoteca e na classe hospitalar: o sentido do brincar As brinquedotecas hospitalares foram criadas muito recentemente, e datam do século XX, especificadamente em 1977, quando pela primeira vez o brinquedo foi reconhecido como terapia. O Ministério da Saúde e Bem-Estar Social da Suécia propôs que a terapia pelo brinquedo fosse um direito reconhecido em prol das necessidades da criança hospitalizada. Em 1984, foi realizado na Bélgica o 3º Congresso Internacional de Ludotecas, ocasião em que foi apresentada uma pesquisa a respeito do brincar no hospital. Tratava-se de um trabalho desenvolvido pela Cruz Vermelha a favor da humanização em hospitais, em que se evidenciou e se comprovou que brincar ao menos uma vez na semana com crianças em regime de internação era muito importante para a recuperação delas e que deveriam ser realizadas atividades de brincar diariamente, garantindo-se mais tempo para a ludicidade com as crianças (CUNHA, 2007b). Segundo a mesma autora, a partir desse momento foram surgindo as brinquedotecas hospitalares, sendo um dos recursos relevantes na recuperação das crianças. As experiências vividas tornavam suas experiências nos hospitais mais amenas e ao mesmo tempo representavam a esperança da cura, uma vez que lhes proporcionavam segurança, pois as incertezas do ambiente hospitalar
geravam, em grande medida, angústia e ansiedade. A segurança citada pode ser proporcionada pelo brinquedo, pelo faz de conta, e que muitas vezes levam as crianças a compreenderem a condição em que se encontram. Cunha (2007b, p. 72) destaca que os principais objetivos para implementação da brinquedoteca hospitalar são: preservar a saúde emocional do paciente nas oportunidades em que o brincar, o brinquedo e o jogo podem criar a possibilidade de fazer colegas ou amigos; facilitar para que a criança se habitue às situações novas que aconteceram em sua vida; tomar conhecimento no cotidiano do hospital, por meio de situações lúdicas, do tratamento a que estará submetida; favorecer a estimulação do desenvolvimento psicossocial das crianças. A internação as tirará temporariamente ou interromperá seu convívio com o meio social e cultural, privando-lhes de algumas experiências necessárias ao desenvolvimento. Se o período de internação for longo, necessitará de acompanhamento pedagógico no processo de escolarização. E, ainda, dar condições para a família e os amigos, que irão visitar as crianças, encontrá-las em outro ambiente, e um jogo, um brinquedo ou uma atividade lúdica poderá tornar esse encontro mais agradável. O leito proporciona uma condição de “vítima” e pode ser deprimente, aumentando essa sensação; e também colaborar com a sua volta para casa, se a internação for prolongada.
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Como bem se sabe, muito se discute e se estuda a respeito do brincar, especialmente porque são diversas as possibilidades que se têm de relacionar o brincar, o brinquedo e o jogo ao contexto das brinquedotecas hospitalares, pois essas atividades proporcionam oportunidades que na prática favorecem o desenvolvimento do processo educativo se o ambiente também for favorável. Fonte de prazer ou não, ao jogar a criança espera um resultado pertinente a ela, que lhe dê prazer, de modo que a atividade complete as suas necessidades. Ao fazer relação de semelhança entre o olhar que a sociedade apresentava e apresenta hoje “vamos perceber que tal visão foi se modificando de acordo com as transformações ocorridas na sociedade ao longo dos anos, [...] não era só a criança considerada um adulto em miniatura, [...] jogos e brincadeiras eram tidos como banais” (BATISTA; MORENO; PASCHOAL, 2011, p. 112). Valorizar o brincar na área da saúde e reconhecer que criança que brinca enquanto está internada tem mais condições de aprendizagem, como já enfatizado no objetivo proposto neste artigo. O brincar é essencial à saúde e ao desenvolvimento infantil (CUNHA, 2007a, p. 71), conforme preceitua Negrine (2011, p. 18): “o importante nesse debate é que a ludicidade [...] hoje é estudada como algo fundamental do processo, fazendo com que cada vez mais se produzam estudos de cunho científico [...]”. Brincar é considerado imprescindível no desenvolvimento cognitivo, físico e emocional e na socialização das crianças, sujeitos produtores de cultura e que brincam ao fazer cultura, concordando com Gimenes e
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Teixeira (2011, p. 20), “quando estruturam um jogo feito com sucata e o divulgam em sua família e pela vizinhança, no lugar onde vivem”. Ao brincar, a criança torna-se sujeito e vai dando as suas impressões a respeito do mundo. Quando a criança adoece, nota-se esse episódio como algo incomum, algo não esperado nesse momento da vida. Se acometida pela hospitalização pode ficar privada de brincar “[..] e cabe aos adultos que estão à sua volta criar as condições para que isso não aconteça, como sugere Oliveira (2007 p. 27), o brincar “torna-se extremamente relevante em momentos críticos, como os vividos por uma criança no processo de internação”, pelo fato de ser uma atividade muito importante para o seu pleno reestabelecimento. Um hospital apresenta-se como um lugar frio e inóspito, e, ao entrar em regime de internação, a criança afasta-se da sua casa, dos seus pertences, dos seus brinquedos, da sua família, dos lugares que frequentava, dos amigos, da instituição educativa frequentada por ela, entre outros. Suas demandas sociais e emocionais ficam comprometidas. Surgem sentimentos - sentimentos de dor, abandono, receio e ansiedade. E a culpa aparece como outro elemento que a criança sente no período de adoecimento. Por volta dos quatro ou cinco anos, esse momento vivido é relacionado ao castigo. Com um ano de idade ou dois, a criança pensa estar sendo abandonada e com dez aos doze anos de idade sente medo da morte e ansiedade (KOVÁCS, 2007); (GIMENES; TEIXEIRA, 2011 apud CUNHA; VIEGAS, 2004).
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Segundo Kovács (2007), a instituição hospitalar deve dar espaço ao desenvolvimento da fantasia e do faz de conta nesse período, o que ajudará a criança a vivenciar o momento de forma mais descontraída, “daí a importância das brinquedotecas, incluindo-se o espaço do faz de conta, com bonecos, fantasias e atividades de dramatização” (KOVÁCS, 2007, p. 23). Os profissionais que a atenderão nesse período necessitam estar preparados para ajudá-la no embate à doença. A literatura aponta que é importante explicar à criança o que está acontecendo, possibilitando a ela a participação no seu tratamento, exercendo importante papel em sua recuperação. Profissionais que atuam diretamente com ela devem tentar suprir suas necessidades. O brincar é a atividade principal e primordial para que a criança se desenvolva plenamente e ao adentrar em um hospital, ela não deixa de ser criança, as atividades lúdicas aparecem como o elemento principal na perspectiva de favorecer a integralidade dela e, como afirma Gimenes (2007), o brincar vai facilitar a adaptação do pequeno paciente frente à essa nova situação. Esse autor ainda relata que o brincar pode “[...] colaborar na elaboração de conflitos no campo afetivo ou cognitivo, acelerar a recuperação psicomotora, caso tenha ocorrido algum dano físico ou neurofisiológico e, até mesmo, quanto ao aspecto social” (GIMENES, 2007, p. 18), compreendido no argumento da cultura da infância.
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Pode-se perceber que o direito está garantido pela lei, está disposto na literatura, portanto, deve-se investigar de que maneira esses direitos efetivamente são garantidos. As secretarias de educação nem sempre observam esses preceitos legais e não buscam criar relações de parcerias com os gestores dos hospitais para o estabelecimento de planos de ação que possam redundar nesse atendimento, na criação de brinquedotecas e de classes hospitalares. Dos quase mil hospitais pediátricos do Brasil, só 31 possuem brinquedotecas registradas, segundo dados de 2016 da ABBri (ARBELI, 2018). As crianças necessitam de espaços lúdicos amplamente qualificados nas classes hospitalares. Esses espaços, onde o lúdico esteja presente, e que possa ser levado às crianças que se encontram em condições que não podem sair do leito. Espaço este que tenha brinquedos os mais variados possíveis, com o propósito de divertir as crianças, como afirma Viegas (2007a, p. 50) “com jogos, brincadeiras, brinquedos, teatro, música, pintura, vídeo game, computador, ouvir histórias, leituras, estudos, passeios [...]”, que seja um lugar que brincadeiras possam ser realizadas reconhecendo que ele poderá amenizar a angústia delas, sofrimento e facilitar a sua recuperação. Ao falar desse local específico, ressalta-se que esse local é o do universo da brincadeira e não nos se abstém de ressaltar que todo local pediátrico deva estar preparado para receber essas crianças e que não sejam frios e de aflição, que sejam humanizados.
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Como afirma Oliveira (2007, p. 28), “a Brinquedoteca Hospitalar rompe com a característica temporal contida na rotina da internação, [...], para oferecer um tempo onde os papéis e as funções podem ser divertidos”. Apesar do adoecimento, da hospitalização, do embate à doença, esse olhar possibilita ampliar o conceito da recuperação da saúde e sobrepor o prazer sobre o sofrimento. Esse lugar próprio para brincar e aprender, como visto anteriormente, está justificado em lei, especialmente desde 2005, na Lei Federal nº 11.104/2005, o que pressupõe que os brinquedistas hospitalares são fundamentais nesse processo. Ainda se ressalta que os pedagogos que atuam nesse espaço realizem a especialização do lúdico em outro contexto. A Lei existe, mas ela não especifica tecnicamente como deve ser uma brinquedoteca hospitalar e quais profissionais devem atuar nesse espaço, havendo uma necessidade latente de especificar-se, normatizar esse ambiente. Conforme Gimenes e Teixeira (2011, p. 164 -167), é importante definir: O tamanho do espaço físico, mobiliário, piso, tamanho e cores dos brinquedos, higiene, materiais, manutenção, conserto, relação e quantidade mínima de brinquedos, livros e revistas com temas transversais, livros de tombamento, espaços alternativos, cuidados, forma de utilização e responsável”.
Tal definição é importante por se tratar do hospital e de características peculiares do ambiente hospitalar. Há normas que não estão na Lei, porém estão dentro das regras de humanização para que seus objetivos sejam atingidos, conforme destacam Viegas e Cunha (2007, p. 101),
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deve se considerar para um bom projeto de brinquedoteca hospitalar que: a) a direção do hospital dê apoio ao ambiente; b) haja disponibilidade de espaço físico; c) os recursos materiais estejam disponíveis; d) as definições de objetivos estejam coerentes com o contexto hospitalar; e) se tenha equipe responsável pela brinquedoteca no ambiente hospitalar; f) para o bom desenvolvimento das atividades, planejamentos precisam ser elaborados sobre o local e as ações; g) haja interesse dos recursos humanos pelas atividades lúdicas; h) a família seja participante e integrante da brinquedoteca hospitalar; i) as regras do hospital precisam ser respeitadas e suas rotinas por vezes são rígidas; j) a contaminação hospitalar por meio da brinquedoteca (brinquedos) tem de ser prevenida; k) a qualidade de vida dos pacientes e da sua família tem que passar por levantamentos a fim de evidenciar seus impactos. 62
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Ainda, cabe ressaltar que os brinquedos do espaço necessitam ser cuidadosamente pensados, selecionados de modo a atender às necessidades das crianças; deve-se garantir a sua higienização, uma vez que o propósito de criação das brinquedotecas hospitalares é o de ajudar crianças, em processos de internação; possam interagir com outras crianças de forma mais ativa e contribuir para que elas possam no período em que se encontram internadas ter dias mais alegres, o que pode contribuir sobremaneira para que se recuperem.
4 O sentido do brincar e os processos de humanização no hospital Ao serem hospitalizadas, as crianças ficam fragilizadas, a doença as torna diferentes, e, ainda, altera a sua rotina. Deixam os espaços que frequentavam e estavam habituadas, saem de suas casas, deixam seus brinquedos e seus pertences, deixam a escola e seus colegas de classe e amigos, deixam seus familiares e passam a conviver com pessoas estranhas, diferentes, desconhecidas até então para ela e assim é preciso acostumar-se com o tempo e o espaço inexplorado e participar de outra rotina, no hospital. Viegas (2007a , p. 49) afirma que “a doença tornou a criança também diferente, fraca e sensível, é difícil aceitar a dor das injeções, picadas para coleta de exames, o sono interrompido para a verificação de temperatura [...]”. As brincadeiras, o brinquedo, oportunizam às crianças transformarem esse inexplorado em habitual; essa transformação permite às crianças intensificarem o vivido ou alterá-lo. Gimenes e Teixeira (2011, p. 84), por sua vez, argumentam que, “portanto, o brinquedo é um meio de transferir e transformar a realidade interna e externa da criança”. Elas necessitam de um atendimento humanizado, o que remete a ressignificar os olhares voltados a elas na condição de paciente.
A brinquedoteca hospitalar constitui, assim, um recurso de relevância para a vida das crianças hospitalizadas, é o espaço que pode lhes oportunizar a lidar de forma mais amena com a doença. O brincar, atividade característica da criança, necessária ao seu desenvolvimento cognitivo, psicológico e social, remete à importância do hospital quando se consideram os aspectos inerentes ao desenvolvimento infantil, além dos clínicos, da doença. Nas palavras de Oliveira (2007, p. 27), brincar “pode ser considerado como fonte de adaptação e instrumento de formação, manutenção e recuperação da saúde”. Ao relacionar o brincar com a saúde, ao relacionar as crianças e o brincar aos momentos de internação na tentativa de ajudá-las a vencerem a ansiedade, momentos que podem se transformar em críticos e desgastantes para elas e que ainda dependem do seu estado de saúde. O tempo que precisaram continuar internadas, como foram recebidas no hospital, como é esse ambiente e também como seus familiares lidam com as situações, muitas vezes consideradas inesperadas nessa fase do desenvolvimento humano, vão exigir a criação de contextos mais saudáveis de vida para as crianças.
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Capítulo IV É como se perdessem a identidade, ao afastarem-se do seio familiar. Entram na rotina do tempo e do espaço hospitalar e necessitam amadurecer mais rápido, o sofrimento a fazem amadurecer mais rápido. Ver aquele acontecimento com objetividade, pois naquele espaço são tratadas assim, porém não se pode perder de vista que é necessário respeitar a subjetividade das crianças e seus familiares, partindo de uma abordagem humanizada. Há diversas maneiras de entender essa prática, como refere Viegas (2007b, p. 11), “[...] sendo cuidada em um ambiente estranho, o hospital, frequentemente com muita ciência e tecnologia, mas nem sempre com o carinho necessário”. Mais do que uma atitude, é preciso viver a humanização na sensibilidade, é necessário respeitar aquele pequeno paciente que foi acometido por uma doença como pessoa. A hospitalização por longo tempo, por vezes indeterminado ou recorrente, pode causar o que é chamado de nanismo psicossocial por estresse extremo. Nas palavras de Viegas (2007a , p. 50), “a criança para de crescer. Como toda vivência, esse também pode ser o momento de amadurecimento emocional, o que nem sempre acontece, ficando traumas, às vezes pelo resto da vida”. A família é parte essencial de todo esse processo, muitas vezes em função do adoecimento do filho, necessita alterar a sua rotina, sendo influenciada de maneira direta e indireta. Brincando, as crianças humanizam-se; brincando em grupo, socializam-se, aprendem a compreender o espaço da outra e as regras. Repetindo as brincadeiras, imprimem nelas suas singularidades; ao imprimir suas particularidades, vão criando histórias, as suas próprias e a das outras. Dessa forma, concordase com Gimenes (2007, p. 16) quando afirma que “[...] o brincar passa a ser considerado um agente facilitador excelente de transmissão cultural”.
Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil No espaço brinquedoteca, os pequenos pacientes necessitam ser acompanhados por um profissional que possua formação teórica pertinente e peculiaridades na sua formação profissional e de sujeito. O brinquedista hospitalar atenderá crianças com diversas particularidades e deverá prestar atenção e respeito a cada uma delas. De acordo com Cunha (2007a, p. 75), deverá conhecer os motivos que as levaram ao hospital, à enfermidade, e considerar as suas condições orgânicas em função do tratamento a que estão submetidas, causando-lhes limitações, assim como suas condições físicas. Equilíbrio emocional para não as submeter à condição de vítimas e também não as superestimar. O importante é ser uma presença receptiva, que as crianças sintam que o profissional estará ao lado delas a fim de lhes acolher. Azevedo (2011, p. 85) relata a respeito de uma pesquisa de Santos e Bichara (2001) sobre as atividades lúdicas em uma brinquedoteca hospitalar e a influência sobre os pacientes, relatando que 57% dos episódios assistidos no ambiente foram silenciosos. Já para Fortuna (2007, p. 41), apoiando-se em Dolto (1999), explica que para uma criança é interessante “brincar de forma silenciosa”. Argumenta que “angústia não se combate com angústia”, porém o silêncio é necessário para preservar a intimidade, ser tranquilizador e momento de reestabelecer o equilíbrio e entender a realidade que a cerca. Adultos parecem temer o vazio, mas as crianças com um brinquedo não estão sozinhas. A profissional tem que auxiliar as crianças de modo a provocar e facilitar uma ressignificação por meio do brincar, porém necessita de uma atitude elaborada e estudada para que elas liberem anseios e sentimentos, uma vez que se encontram oprimidas pela condição da hospitalização, que “produz sentimento de desvalorização em relação às outras crianças” (FORTUNA, 2007, p. 37), pela condição vulnerável onde não têm opção de escolha no que se refere ao tratamento a que estarão submetidas.
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A brinquedoteca hospitalar supre a sua condição humana. É o espaço onde poderá ter opção de escolha de querer brincar ou “não” e escolher o brinquedo ou jogo que quiser! “As escolhas das crianças, se forem realmente livres, podem nos surpreender e merecem que reflitamos sobre elas. De onde se originam? Que necessidades provocaram? Quem poderia adivinhá-las?” (CUNHA, 2011, p. 30). Essa mesma autora afirma que não se pode saber todos os sentimentos que afetam essas crianças, mas brincar certamente ajudará a superá-los. Mas também é preciso que sejam bem variadas as oportunidades ao brincar e as opções de escolha lhes sejam asseguradas. Será o momento de reelaborarem a esperança na cura do tratamento e da volta para casa. Interação da realidade com a fantasia a fim de aliviar o sofrimento da internação. Brincar mantém as crianças conectadas as suas histórias de vida, porém o essencial é que o lúdico ajude a criar um vínculo humano, como afirma Oliveira (2007, p. 30), seja “voltado para a saúde entre a criança, a família e a equipe de saúde, dentro do ambiente hospitalar”. O papel exercido por profissionais nesse espaço é fundamentalmente relevante para estimular a capacidade expressiva, espaço para a comunicação, interpretação de sentimentos e de necessidades e da estruturação de relações mais positivas com o ambiente. Os pequenos pacientes e suas famílias necessitam ser assistidos integralmente e as
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profissionais farão o papel de mediadoras da atividade lúdica, auxiliando para a brincadeira acontecer e não interferirão, a não ser que as crianças peçam. Saberão respeitar e reconhecer esse espaço de experiência, onde as crianças se constroem brincando e se expressam por meio da atividade lúdica. A presença do docente no espaço hospitalar deve garantir às crianças a continuidade do processo de escolarização por estarem afastadas da escola e o lúdico nesse processo tornase fundamental. O profissional participará de uma equipe multidisciplinar em que todos deverão ter a sensibilidade necessária para oferecer aos pequenos pacientes respeito sem superioridade e buscar, apesar da doença, como demonstra Viegas (2007a , p. 49), “uma melhor qualidade de vida”, isto é humanização. O incentivo ao brincar deve estar presente na brinquedoteca hospitalar, que rompe com o modelo tradicional, trazendo uma nova perspectiva de valorização das crianças que adoecem, das suas famílias e dos profissionais a sua volta. Além dos brinquedos, da ação de brincar, do próprio espaço, sua apresentação e todo seu aparato têm uma equipe multidisciplinar, que é formada por médicos, enfermeiros, psicólogos, professoras e os brinquedistas, que deverão ser os mediadores das situações ocorridas no ambiente em função da promoção da saúde da criança, promovendo a humanização dos espaços hospitalares.
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5 Vivências empíricas no processo de humanização das crianças em brinquedoteca hospitalar A pedagogia hospitalar e o brincar fundamentaram o interesse destas pesquisadoras por este estudo, por se tratar de um assunto com o qual convivem na prática principiante e por ser uma área de atuação da pedagogia considerada culturalmente não formal, resultante do estabelecimento de uma parceria entre escola e hospital com o intuito de colaborar no processo de escolarização das crianças hospitalizadas em regime de internação nas unidades hospitalares de pediatria. Para tanto, no início, observou-se o que determina a Resolução n° 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996b), a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, submetendo esta pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), sendo autorizada a sua realização, segundo os parâmetros éticos de uma pesquisa científica que envolva seres humanos, sob o número 62205216.6.0000.0021 do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE). Recorreu-se a uma metodologia que se sustentou na revisão de literatura, de maneira a ampliar o conhecimento sobre a temática em questão e subsidiar as discussões da coleta de dados e na análise qualitativa de observações realizadas em brinquedoteca de um hospital público de Campo Grande, capital do Estado de Mato Grosso do Sul (MS), na ala da pediatria, que atende crianças de 0 a 12 anos.
A pesquisa de campo foi realizada com o intuito de conhecer as crianças na faixa etária de 0 a 6 anos de idade e como a participação nas atividades lúdicopedagógicas desenvolvidas no espaço brinquedoteca da Unidade de Internação desse hospital público contribui para o desenvolvimento e aprendizagem dessas crianças. Envolveram-se as docentes desta unidade a fim de saber como e, respectivamente, quais atividades lúdicopedagógicas são desenvolvidas nesse espaço, qual o papel da professora e a formação delas. Para tanto, recorreu-se à observação participante e entrevista aberta. As observações e coletas de dados foram realizadas entre outubro de 2017 e maio de 2018. As conversas informais com professoras da rede estadual que trabalham no hospital deram início à pesquisa. Na pesquisa qualitativa, “as estratégias mais representativas da investigação qualitativa, e aquelas que melhor ilustram as características anteriormente referidas, são a observação participante e a entrevista em profundidade” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 16). Nos primeiros dias de observação, as autoras mantiveram-se mais distantes dos acontecimentos, esperando que as crianças percebessem a presença delas e aceitassem a entrada no ambiente, até que com o passar dos dias isso foi acontecendo.
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Capítulo IV
Por meio da observação participante, adentraram-se no ambiente lócus da pesquisa e produziram-se diários de campo. Conforme Bogdan e Bicklen (1994, p. 150) afirmam, “[...] o investigador registrará ideias, estratégias, reflexões e palpites, bem como os padrões que emergem”. E continuam, “isto são as notas de campo, o relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiência, e pensa no decurso da recolha e refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo”. Entrevistas foram realizadas, com o objetivo de saber o que pensam os sujeitos, nas suas diferentes perspectivas pessoais. De acordo com Bogdan e Bicklen (1994), é necessário compreender os comportamentos das pessoas, estes, os quais não podem ser mensuráveis. A Brinquedoteca do Hospital observado divide seu “espaço físico” com a Classe Hospitalar, ou seja, o mesmo espaço físico é ocupado por esses dois ambientes distintos e com objetivos diferentes. As atividades desenvolvidas pelas pedagogas às crianças pequenas acontecem no espaço físico Brinquedoteca, pois o ambiente conta com mesas e cadeiras adequadas ao tamanho das crianças, sempre acompanhadas da mãe, e, após as atividades orientadas, elas podem continuar no local, brincando. É uma sala pequena, ao final do corredor da Unidade de Pediatria, o qual possui paredes decoradas com imagens infantis nas cores verde-claras, diferenciando-se das outras alas do Hospital. As portas dos quartos que dão para o
Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil
corredor da Enfermaria possuem uma parte que é transparente, portanto, quando se passa por eles podem-se ver todas as crianças e, desse modo, observar que brincam em seus leitos com brinquedos trazidos de casa por sua mãe acompanhante, se assim permitido pelo médico, ou com algum brinquedo da Brinquedoteca que a mãe tenha solicitado às professoras da Classe Hospitalar/Brinquedoteca. As dimensões do espaço são adequadas à quantidade de crianças que passam por ali no decorrer do dia. A Lei Federal nº 11.104/2005 torna obrigatória a efetivação das brinquedotecas em hospitais, porém, ela não normatiza qual deve ser o tamanho do seu espaço físico, além de a brinquedoteca hospitalar não ser especificada tecnicamente nesse documento, ficando a critério da instituição, porém existem regras que não estão na Lei, mas estão nas regras da humanização. Seu espaço físico encontra-se em processo de ressignificação, havendo uma divergência também quanto aos aspectos físicos do espaço em relação ao documento do Ministério da Educação publicado pela extinta Secretaria de Educação Especial (SEESP) em 2002, intitulado “Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações”, documento esse que, segundo o ponto de vista destas pesquisadoras, necessita ser revisto e reelaborado, as remetendo às análises críticas das políticas públicas em educação e na intersetorialidade entre educação à saúde. É o reflexo do tratamento do MEC em relação às políticas públicas de educação especial.
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Capítulo IV No espaço da classe hospitalar existem dois computadores de mesa com acesso à internet de uso das professoras, e esporadicamente das crianças quando atividades lúdicopedagógicas são desenvolvidas neles. Observou-se que a práxis pedagógica mais desenvolvida na Classe Hospitalar é a tradicional, deixando as demais em segundo plano, porém com um currículo flexibilizado, diante das respostas dos alunos. Ao lado do banheiro há uma estante com livros diversos de literatura dispostos ao alcance das crianças e muitos didáticos. Na mesa de um dos computadores há um telefone com chamada a ramal e linha externa, por meio dele as professoras entram em contato com a escola de origem das crianças internadas. Ao lado da mesa onde ficam os computadores há um armário com materiais diversos didáticos, organizados por ano escolar, e principal recurso das atividades didáticas desenvolvidas no espaço, e próximo a esse armário há outro também com materiais escolares, ao centro uma mesa grande com quatro cadeiras, para as crianças maiores, mobiliário não adequado às crianças pequenas, àquelas na faixa etária de 5 e 6 anos. Quando necessário, as professoras utilizam o espaço da Brinquedoteca, pois o tamanho das mesas e cadeiras é adequado às crianças, para o desenvolvimento de atividades pelas professoras, da rede estadual de ensino, porém o atendimento educacional também acontece nos leitos, ou no quarto de isolamento se as condições da criança assim exigirem, e sempre de acordo com a equipe multidisciplinar. Esporadicamente, é pedido pelo médico um brinquedo para aliviar a angústia da criança durante algum procedimento clínico. As mães acompanhantes também pedem brinquedos quando as crianças estão chorando para aliviar o sofrimento destas. Uma bancada com pia, para a higienização dos
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brinquedos no espaço destinado à Brinquedoteca está em processo de construção, e a instalação sanitária não está adaptada e nem apta a ser utilizada pelas crianças, se necessário. No banheiro estão alguns brinquedos doados pela comunidade e alguns materiais. Esses brinquedos estão no local até que possam ser selecionados e higienizados. Durante a observação verificou-se a ausência do álcool adequado para tal procedimento, oferecido pelo Hospital, no entanto, as professoras o traziam de casa para higienizar os materiais que eram utilizados no decorrer do dia. O espaço físico destinado à Brinquedoteca tem poucos brinquedos; segundo informações encontram-se em processo de aquisição e seleção. Bonecas, carrinhos, casinhas e alguns jogos estão dispostos em um armário, onde ficam também os livros de literatura utilizados na Brinquedoteca, doados pela comunidade. Uma televisão, acoplada à parede, acima de uma prateleira, porém essa não foi utilizada como recurso pedagógico durante o período observado. Esse é o lugar onde as crianças gostam muito de estar, mesmo que seja só por estar ali. O espaço destinado à Brinquedoteca é dividido com a Classe Hospitalar, como já dito, portanto, no local acontecem atividades de livre brincar e atividades orientadas. As atividades nesses espaços são acompanhadas pela equipe de professoras pedagogas e outras com formação nas licenciaturas. A profissional que acompanha a criança na Brinquedoteca Hospitalar é a brinquedista, que tem a responsabilidade de estar e acompanhar as crianças durante a brincadeira, mediar situações e analisá-las, selecionar os brinquedos, arrumá-los e guardá-los. Exerce o papel mediador da atividade lúdica, auxiliando na brincadeira sem interferir, a menos que as crianças peçam seu auxílio.
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Capítulo IV
Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil
A fim de qualificar a equipe de professoras da Unidade de Pediatria, considerando os dados obtidos, construiu-se o Quadro 1.
Quadro 1 – Qualificação das professoras da Unidade de Pediatria de um hospital analisado em Campo Grande, MS Professor
Graduação
Pós-graduação
Função
Atuação
P1
Letras/inglês
Educação Especial Educação, Adolescência e Trabalho Pedagogia Hospitalar
Coordenação da Classe Hospitalar
5º ao 9º ano do Ensino Fundamental
P2
Magistério - curso de Capacitação em Educação Ambiental e em Educação do Deficiente Intelectual
Pedagogia Hospitalar: Especialização em Métodos e Técnicas de Ensino; Atendimento Educacional Diversidades e Educação e Educação Especial Inclusiva
Professora
Educação Infantil e do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental
P3
Licenciatura em Matemática
Pós-Graduação em Educação Especial Inclusiva
Professor
6º ao 9º ano do Ensino Fundamental
P4
Graduada em Pedagogia
Pós-Graduação em Educação Especial Inclusiva
Professora
Educação Infantil e do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental
P5
Graduada em Pedagogia
Pós-Graduação em Educação Especial Inclusiva
Professora
Educação Infantil e do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental
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Capítulo IV A professora 1 relatou que sentiu a necessidade em fazer a pós-graduação em Pedagogia Hospitalar para conhecer os processos hospitalares, como a parte administrativa, prevenção de doenças das docentes e das crianças-alunos, higiene e funcionamento hospitalar em geral. Ressaltou que o tempo de permanência com o estudante faz-se em média em 40 minutos e acontece no período da manhã, após a recolha de exames e do café da manhã. Esse tempo não é fixo, pois, por se tratar de um ambiente peculiar, acontecem adversidades, principalmente em relação ao estado de saúde dessas crianças em regime de internação. Ela atende à Brinquedoteca Hospitalar quando necessário. Reafirmando aqui a falta de identidade dessa profissional que atua em brinquedoteca hospitalar, vale lembrar que cada ambiente possui suas peculiaridades específicas. Em relação ao método de ensino utilizado, relatou que recorre ao método tradicional. Durante o processo de ensinoaprendizagem, ao observar que aquele método não é o suficiente, utiliza outro, o lúdico pedagogizado, por exemplo, conforme expressou. Observa-se que a escolarização é vista como um processo em separado, e que a brincadeira vem depois. Utilizam a brincadeira como atrativo primeiro, chamam as crianças para brincarem, e algum tempo depois dizem: “agora é hora de estudar”; evidenciando a dicotomia entre lúdico e a verdadeira aprendizagem. No período de observação e por meio da entrevista aberta, verificou-se que a Brinquedoteca, atendida pelas professoras, funciona de segunda-feira a sexta-feira, de manhã e à tarde, dividindo seu espaço com a Classe Hospitalar. Permanece aberta aos sábados, domingos e feriados, porém sem a supervisão das professoras, no entanto, as crianças continuam tendo acesso ao local.
Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil
As atividades no espaço físico da Brinquedoteca Hospitalar têm início às 7 horas, sendo interrompida às 11 horas para o horário de almoço, retornando às 13 horas e encerrando-se às 17 horas. O horário de maior movimento do espaço físico é o período da manhã, utilizado como Classe Hospitalar tanto pelas professoras pedagogas quanto pelas professoras das licenciaturas. O tempo utilizado para o desenvolvimento das atividades é em média de 40 minutos. Enquanto as aulas acontecem, a Brinquedoteca Hospitalar também está em funcionamento, sendo as crianças atendidas pelas pedagogas, sem tempo delimitado, se essas não estiverem a realizar atividades orientadas e também pelas professoras das licenciaturas. Observou-se que o espaço físico é o local onde as acompanhantes também gostam de estar, geralmente são mães que ficam ali com suas(seus) filhas(os) para permanecerem conectadas a sua história de vida. As atividades lúdicas desenvolvidas na Brinquedoteca do referido Hospital são acompanhadas pelas professoras da equipe e incluem desenhos, pinturas, recortes e brincadeiras, geralmente após as aulas. Brincadeiras com bonecas, carrinhos, brinquedos de montar, quebra-cabeças e jogos de raciocínio. Não há divisão dos brinquedos por idade, mas há brinquedos para as variadas faixas etárias, nas prateleiras mais baixas estão àqueles para as crianças pequenas, elas escolhem os brinquedos que mais gostam naquele momento. Não há atividades circulantes de brinquedos, em virtude da contaminação deles, e, não havendo monitoramento das atividades lúdicas por uma profissional responsável, a equipe de saúde entende ser melhor não permitir a circulação de brinquedos entre as crianças. Também não utilizam brinquedo para a realização de procedimentos clínicos.
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Capítulo IV A professora responsável pela Brinquedoteca faz anotações da criança, a atividade que realizou com esta no que diz respeito ao acompanhamento pedagógico, o tempo em que permaneceu no espaço, se esteve sozinha ou acompanhada, além de uma ficha com o nome da criança, idade, escolaridade e o quarto em que se encontra internada. As atividades desenvolvidas na Classe Hospitalar são diversas, mas, a priori, a práxis pedagógica tradicional é mantida, havendo uma ausência do lúdico. Jogos são utilizados, no entanto, há uma preocupação maior com a escolarização. O lúdico não ampara, ou muito pouco acontece nas relações de ensinoaprendizagem, parece haver uma fragilidade teórica sobre o lúdico e isso influencia diretamente na prática pedagógica. Procurou-se traduzir a ação de uma professora da licenciatura, responsável pela Classe Hospitalar, que utiliza a brincadeira como algo para chamar as crianças, porém, depois fala que elas estão ali para estudar. A coordenadora-geral da Classe Hospitalar também disse que ali a prioridade são as aulas e não a Brinquedoteca. A profissional avalia o nível escolar das crianças, a fim de direcionar as atividades, e a depender da resposta da criança, a atividade poderá ser conduzida por meio de um jogo pedagógico em seguida. Várias são as patologias apresentadas pelas crianças, mas o que parece ser bastante comum são os acidentes que causam fraturas e traumatismos. Existem aquelas internadas no isolamento, essas são atendidas exclusivamente em seus quartos. A média de internação é de dez dias, a depender da patologia. Durante o período de observação, constatou-se que as crianças gostam muito de ir ao espaço físico Brinquedoteca. Aquelas de 0 a 3 anos não são atendidas pela Classe Hospitalar, como se não pertencessem à educação infantil, elas vão à Brinquedoteca levadas pelas mães para brincar.
Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil
Algumas choram muito quando é chegada a hora de sair. Geralmente, a criança vai à Brinquedoteca com sua mãe acompanhante, a professora que no referido momento se encontra na Brinquedoteca orienta a respeito das normas do ambiente e horário, caso aquele seja o primeiro dia da criança nesse ambiente. O fato de a mãe acompanhante estar com a criança naquele espaço traz a possibilidade de fortalecer o afeto entre elas e também de manter vínculos com as suas histórias de vida, surgindo a possibilidade da socialização entre acompanhantes e a professora presente no ambiente. Na Brinquedoteca do referido Hospital, as crianças têm a liberdade de escolher o brinquedo que mais lhes atraem. Elas também demonstraram cuidado com os brinquedos, guardando-os ao final da brincadeira. No período de observação das crianças, as brincadeiras não aconteceram com aspectos de hospitalização. Como se esquecessem temporariamente da sua condição de saúde. As crianças, na maior parte do período observado, brincam com a sua mãe-acompanhante ou apenas com o brinquedo. O espaço da Brinquedoteca Hospitalar é destinado a estimular as crianças e seus acompanhantes a brincarem, além de brincar com os brinquedos e jogos, brincam entre os pares também. As crianças demonstram carinho pelas professoras da Brinquedoteca/Classe Hospitalar e estabelecem vínculos afetivos com elas. Solicitam que peguem jogos para elas, que forneçam papel para fazerem algum desenho, entre outros. Algumas gostam de contar fatos que consideram interessantes. As professoras da Brinquedoteca Hospitalar demonstram cuidados com as crianças. Portanto, apesar das limitações do espaço e da pequena quantidade de brinquedos oferecidos às crianças, há o estabelecimento de relações entre as crianças e os professores por elas responsáveis.
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Capítulo IV
Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil
5 Algumas considerações que não são finais No Estado de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, a Secretaria de Estado de Educação (SED) contrata professoras e professores, entre pedagogos e das áreas específicas de conhecimento para atuarem nas brinquedotecas e nas classes hospitalares desde a educação infantil, ensino fundamental I e II e ensino médio. As docentes são contratadas para atuar no hospital em classe hospitalar e não na brinquedoteca hospitalar. Ressalta-se que é muito importante que esses profissionais tenham a formação específica para atuar apenas na brinquedoteca hospitalar. Para que o atendimento pedagógico educacional se efetue, a Secretaria de Estado de Educação firma convênio com o hospital. O desenvolvimento do trabalho é acompanhado pelo Centro Estadual de Educação Especial e Inclusiva (CEESPI), pelo Núcleo de Classe Hospitalar/SED/MS e pela Coordenadoria de Políticas para Educação Especial (COPESP), responsabilizando-se em dar continuidade aos estudos de crianças-alunos matriculados, ou, não, em ensino regular das escolas municipais, estaduais, particulares ou especiais de Campo Grande, MS, e também no interior do Estado. As professoras são contratadas pela Secretaria Estadual de Educação e não são funcionárias do hospital, mas o espaço físico é cedido pelo hospital e, portanto, esse espaço físico sempre está em processo de transformação
e de ressignificação. Para atuar em classe hospitalar/ brinquedoteca hospitalar é necessário ter especialização, e é relevante ter educação especial. As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica são mais específicas em relação à profissional que irá atuar em ambiente hospitalar; conforme a redação, deverá ser assegurado aos educandos nesse espaço o direito de uma professora especializada em educação especial (BRASIL, 2001). Mas as profissionais atuantes têm suas particularidades na formação, tendo em vista a necessidade própria ao ambiente ou não. Muitas crianças em regime de internação estão matriculadas em escolas regulares, que atuam na perspectiva da educação inclusiva, uma vez que nesse estado são amparadas por lei, tendo o direito de continuar seus estudos, estando hospitalizadas, assim, passam ser vinculados temporariamente à educação especial, apesar de essa não especificar as crianças hospitalizadas. Há uma dicotomia referente à identidade das classes hospitalares, pois muitas crianças atendidas não se encaixam no descrito público-alvo da educação especial. Mas, em contrapartida, essa escola é considerada inclusiva, necessita atender a todos. Também não se pode dicotomizar a escola no hospital da escola dita tradicionalmente formal, já que a instituição continua garantindo-lhes seus direitos.
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Capítulo IV
Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil
A escolarização das crianças em regime de internação é muito semelhante à escola formal. Ao ampliar a visão do que é considerado formal, entende-se que as práticas pedagógicas existentes na escola do Hospital da pesquisa são amparadas por documentos legais da educação básica; há uma ausência do lúdico nas práticas pedagógicas observadas. Esse currículo é flexibilizado, no que diz respeito às peculiaridades do ambiente, mas não no que diz respeito às metodologias, é aquele mesmo utilizado pela escola regular que está fora do hospital, um currículo tradicional. O questionamento aqui se refere ao ambiente hospitalar e tais práticas produzidas nele. Esse posicionamento tradicional, na maior parte do período observado, não se adéqua ao contexto, identificam-se cópias, e não estratégias e recursos outros que as crianças se apropriem da leitura e da escrita, mais prazerosa para o contexto. Também é necessário percorrer um logo caminho para que as práticas de ludicidade nas brinquedotecas hospitalares se tornem suportes importantes para o desenvolvimento e aprendizagens das crianças.
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Capítulo IV
Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil
Referências ARBELI, Neri. Associação Brasileira de Brinquedotecas – ABBri [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <thatiignacio@ hotmail.com> em 12 mar. 2018. AZEVEDO, A. C. P. de. Brinquedoteca no diagnóstico e intervenção em dificuldades escolares. Campinas, SP: Alínea, 2011. Edição especial. BATISTA, C. V. M.; MORENO, G. L.; PASCHOAL, J. D. (Re)pensando a prática do educador infantil. In: SANTOS, S. M. P. dos (Org.). Brinquedoteca: a criança, o adulto e o lúdico. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora, 1994 (Coleção Ciências da Educação). BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Aprovar as seguintes diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília, 1996a. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/cns/1996/res0196_10_10_1996.html>. Acesso em: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. BRASIL. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Senado Federal, 1990. BRASIL. Lei nº 11.104, de 21 de março de 2005. Dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de brinquedotecas nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação. Brasília, 2005. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11104.htm>. Acesso em: 30 out. 2017. BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em: 8 fev. 2008.
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Capítulo IV
Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil
BRASIL. Lei nº 8.242, de 12 de outubro de 1991. Cria o Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (CONANDA) e dá outras providências. Brasília, 1991. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1996b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 30 out. 2017. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações. Brasília, DF: SEESP, 2002. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Especial. Política nacional de educação especial. Brasília: MEC/SEESP, 1994. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Brasília: MEC, 2001. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf>. Acesso em: 8 fev. 2008. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (CNDCA). Resolução n° 41, de 13 de outubro de 1995. Dispõe sobre os direitos da criança e do adolescente hospitalizados. Brasília, 1995. BRASIL. Senado. Projeto de Lei nº 548/2015. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre o atendimento educacional especializado em classes hospitalares ou mediante atendimento pedagógico domiciliar. Brasília, 2015. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/ documento?dm=3754123&ts=1583341917813&disposition=inline>. Acesso em: 8 fev. 2008. CUNHA, N. H. da S. Brinquedista hospitalar. In: VIEGAS, D. (Org.). Brinquedoteca hospitalar: isto é humanização. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2007a. CUNHA, N. H. da S. O brincar e as necessidades especiais. In: SANTOS, S. M. P. dos (Org.). Brinquedoteca: a criança, o adulto e o lúdico. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. CUNHA, N. H. da S. O significado da brinquedoteca hospitalar. In: VIEGAS, D. (Org.). Brinquedoteca hospitalar: isto é humanização. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2007b.
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Brinquedotecas hospitalares: espaços de ludicidade e de aprendizagem para crianças da educação infantil
FORTUNA, T. R. Brincar, viver e aprender: educação e ludicidade no hospital. In: VIEGAS, D. (Org.). Brinquedoteca hospitalar: isto é humanização. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2007. GIMENES, B. P. O brincar e a saúde mental. In: VIEGAS, D. (Org.). Brinquedoteca hospitalar: isto é humanização. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2007. GIMENES, B. P.; TEIXEIRA, S. R. de O. Brinquedoteca: manual em educação e saúde. São Paulo: Cortez, 2011. KOVÁCS, M. J. A criança e a morte. In: VIEGAS, D. (Org.). Brinquedoteca hospitalar: isto é humanização. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2007. NEGRINE, A. Brinquedoteca: teoria e prática: dilemas da formação do brinquedista. In: SANTOS, S. M. P. dos (Org.). Brinquedoteca: o lúdico em diferentes contextos. 15. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. NEGRINE, A. O lúdico no contexto da vida humana: da primeira infância à terceira idade. In: SANTOS, S. M. P. dos (Org.). Brinquedoteca: a criança, o adulto e o lúdico. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. OLIVEIRA, V. B. de. O lúdico na realidade hospitalar. In: VIEGAS, D. (Org.). Brinquedoteca hospitalar: isto é humanização. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2007. VIEGAS, D. (Org.). Brinquedoteca hospitalar: isto é humanização. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2007a. VIEGAS, D. Humanização hospitalar. In: VIEGAS, D. (Org.). Brinquedoteca hospitalar: isto é humanização. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2007b. VIEGAS, D.; CUNHA, N. H. da S. Normas para a brinquedoteca hospitalar. In: VIEGAS, D. (Org.). Brinquedoteca hospitalar: isto é humanização. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2007.
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Capítulo
V
Tecnologia assistiva: contributos em uma experiência no atendimento escolar em ambiente hospitalar PEDROSA, Cristiane Rose de Lima ¹
1 Introdução 2 Especificidades do atendimento pedagógico em ambiente hospitalar 3 Tecnologia assistiva contribuindo para o processo de aprendizagem como diferencial no atendimento educacional em ambiente hospitalar 4 Considerações finais Referências
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82 86 88
Docente da Classe Hospitalar Semear na Prefeitura de Recife. Especialista em Psicopedagogia, Educação Inclusiva e Pedagogia Hospitalar. Curso de Aperfeiçoamento em Pedagogia Hospitalar pelo Programa de Capacitação em Pedagogía e Inclusión Socio Escolar – Chile. Curso de Aperfeiçoamento em Atendimento Educacional em Ambiente Hospitalar e Domiciliar pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/Ministério da Educação (UFMS/MEC). 1
Capítulo V
Tecnologia assistiva: contributos em uma experiência no atendimento escolar em ambiente hospitalar
1 Introdução A implantação da Classe Hospitalar Semear em uma escola municipal, no Centro de Onco-Hematologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (CEONHPE/HUOC), propiciou uma mudança no cotidiano desse hospital. Ao mesmo tempo em que é realizado o tratamento oncológico infantojuvenil, também é propiciada a continuidade da escolarização aos estudantes/pacientes por meio de um novo fazer pedagógico, antes inexistente no município. Desde o período de implantação, foi possível observar durante os atendimentos educacionais no leito ou na classe as diversas dificuldades enfrentadas, limitações e todo o contexto de dor e sofrimento que os estudantes que são pacientes enfrentam no ambiente hospitalar, principalmente no que se refere às doenças crônicas, inclusive o câncer. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as doenças crônicas são doenças de longa duração e de progressão lenta, e, muitas, infelizmente, ainda não têm cura. Em virtude das questões elencadas, a constatação da urgência de ações que propiciassem melhor desenvolvimento pedagógico nesse âmbito e o respeito às capacidades educacionais individuais desses estudantes especificamente, identificou-se a necessidade do suporte da tecnologia assistiva nessa realidade vivenciada pelos pacientes/estudantes, a fim de contribuir para uma participação mais eficaz. As tecnologias, importantes em nossas vidas, são muito antigas e surgem da engenhosidade do homem, inovando
e facilitando o cotidiano com distintos equipamentos, instrumentos, recursos, produtos e ferramentas. As evoluções sociais e tecnológicas se confundem e são empregadas cada qual em sua época, e cada novo avanço científico amplia o conhecimento, criando constantemente novas tecnologias e alterando comportamentos. Na educação, a tecnologia é essencial. Na realidade, elas são indissociáveis. Usam-se várias tecnologias para se apropriar do conhecimento, ao tempo em que se precisa da educação para saber mais sobre a tecnologia. Grande parte da tecnologia é utilizada para facilitar o processo de aprendizagem e está presente no processo pedagógico. Determinada tecnologia pode estimular mudanças significativas no processo de ensino-aprendizagem, principalmente quando está aliada ao processo educacional para atingir seus objetivos. As tecnologias da informação e comunicação (TIC’s) são hoje a alternativa que mais engloba diferentes tipos de possibilidades de conhecimento e de trocas de experiências. Com o uso do computador e da internet, os sujeitos isolados pela hospitalização têm acesso a praticamente toda a informação, além de poderem resgatar as relações que mantinham antes da doença (escola, amigos, família) e de participarem de novas redes de relacionamento virtual. (CARDOSO, 2002, p. 47).
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Capítulo V
Tecnologia assistiva: contributos em uma experiência no atendimento escolar em ambiente hospitalar
A articulação com a tecnologia assistiva e o trabalho realizado favoreceram o processo de aprendizado do estudante que se encontra em situação momentânea de vulnerabilidade, propiciando um atendimento pedagógico hospitalar com mais qualidade. Além disso, proporciona para esse paciente/estudante ganho duplo: direito à saúde, com o tratamento do câncer, e direito à educação, reafirmando que a educação deve estar além do muro da escola e ir aonde o estudante se encontra.
2 Especificidades do atendimento pedagógico em ambiente hospitalar O atendimento educacional no âmbito do hospital realizado pela Classe Hospitalar Semear, assim como o desenvolvido em outras classes hospitalares no Brasil, foi iniciado e lentamente vem sendo ampliado na perspectiva de suprir uma necessidade dos estudantes que se tornam pacientes ao iniciar o tratamento médico. O afastamento da escola e da sua rotina diária para um internamento, muitas vezes sem expectativa de finalização breve e retorno para casa, causa muitos prejuízos para o estudante, dentre eles, o prejuízo do desenvolvimento cognitivo, o abandono da escola, a possibilidade de retenção e o distanciamento dos colegas. Nesse contexto, a classe hospitalar vem oportunizando a garantia de acesso às políticas públicas de educação para esses pacientes internados em tratamento médico em idade escolar, assegurando, portanto, a continuidade da escolarização a esses potenciais estudantes. Enquanto política pública, o atendimento educacional em ambiente hospitalar amplia o fazer educação no município para outros ambientes além do muro da escola, permitindo a esses estudantes desfrutar do direito à educação, mesmo
tendo suas vidas escolares periodicamente interrompidas. Para suprir essas necessidades, oferta a possibilidade do estudante desfrutar em um mesmo espaço do direito à saúde, com o internado para tratamento médico e do direito à educação, permitindo igualdade de condições, acesso a seus estudos e continuidade, e posterior reinserção na escola de origem quando da alta hospitalar, continuando seu processo de escolarização e aprendizado fora do hospital. Nesse processo, são traçadas estratégias que apontam caminhos que objetivam subsidiar o trabalho pedagógico, respeitando as limitações que os problemas de saúde desencadeiam, ao tempo em que favorecem as aprendizagens individuais e posterior retorno desses estudantes às escolas de origem. Em virtude dessas questões, a ação pedagógica desenvolvida nesse âmbito apresenta especificidades próprias para contemplar o livre acesso à educação da criança e do adolescente em tratamento de saúde, exigindo um trabalho pedagógico com diversas interfaces de atuação.
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Capítulo V Há de se considerar que o internamento, em particular de doenças crônicas para qual o atendimento pedagógico hospitalar está sendo implementado, é um período de grande vulnerabilidade e incertezas na vida desse estudante. De acordo com Fonseca (2008, p. 14): No âmbito teórico metodológico a escola hospitalar se permeia de uma ecologia particular, e sua existência não é de fato efetiva se sua prática pedagógicoeducacional não for considerada e elaborada com base na compreensão das interligações dos diversos aspectos de sua realidade (a criança, a doença, os pais, os profissionais de saúde, o ambiente hospitalar, o ambiente da escola hospitalar, o professor, etc.) com aqueles sistemas do mundo fora do hospital (contato com a escola de origem da criança, adequações para a inserção da criança com necessidades especiais na escola regular, encaminhamento de matrícula na escola regular quando da alta hospitalar para aquelas crianças que nunca frequentaram a escola antes, embora em idade de obrigatoriedade para tal). E na articulação constante de tantos e diferentes fatores pertencentes à clientela hospitalizada, tem-se vivido na prática um exemplo de diversidade.
O atendimento educacional em ambiente hospitalar representa o resultado do reconhecimento formal do direito à educação das crianças e dos adolescentes internados
Tecnologia assistiva: contributos em uma experiência no atendimento escolar em ambiente hospitalar
para tratamento, seja nas enfermarias pediátricas, seja em ambulatórios especializados, reafirmando as necessidades educativas desse grupo de estudantes em tratamento de doenças a fim de que, mesmo em situação de internamento, os direitos sejam garantidos como cidadãos, direitos esses que envolvem saúde e educação, conciliando o processo de escolaridade com o tratamento de saúde, auxiliando na redução do quantitativo de adultos despreparados para o exercício da cidadania. O hospital exige um fazer educação própria, um fazer que se adapte à realidade desse estudante que se encontra em tratamento médico e que incide em novas demandas e exigências. Portanto, o professor do atendimento educacional no ambiente hospitalar, diferente da escola regular, deparase com diversos procedimentos médicos e de enfermagem dolorosos e/ou incômodos. Dentre tais procedimentos estão: verificações de sinais vitais, medicações constantes, exames diversos, acessos venosos e bombas de infusão para aplicação de dispositivos endovenosos, imprescindíveis para o tratamento e para a cura. O estudante que também é paciente nesse contexto, experiencia inúmeras situações adversas, tais como: enjoos, febres, mal-estar, vômitos, dores constantes e intercorrências. É exatamente nessa complexidade que o professor apresenta o cotidiano da escola, a fim de contribuir também no desenvolvimento e no processo de escolarização desse estudante que se encontra distante da rotina da sua escola de origem, auxiliando, mesmo que momentaneamente, a suportar o universo de dor e sofrimento vivenciado no âmbito do hospital.
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Nesse sentido, a educação se insere no hospital como contributo na perspectiva de futuro e continuidade da vida, principalmente quando se refere às doenças crônicas. Estuda-se hoje objetivando desenvolver habilidades, competências e valores que favoreçam a construção de um adulto com criticidade e condições cognitivas para intervir na sociedade em um futuro próximo, preparando-o para posteriormente estar apto para exercer uma profissão e influir no cotidiano, para, enfim, ter condições de reproduzir sua vida, muito embora hoje esteja momentaneamente estagnada pela doença. No contexto hospitalar, a ação pedagógica é regida pelas necessidades cognitivas de cada estudante. É preciso respeitar as diversidades, particularidades individuais e o tempo pedagógico para a realização de atividades. É também necessário considerar ainda a flexibilização curricular para o desenvolvimento das ações pedagógicas propostas, e a busca de estratégias que propiciem à superação das dificuldades escolares peculiares ao processo de aprendizagem, a doença que está sendo tratada e ao ambiente de saúde que o estudante se encontra.
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3 Tecnologia assistiva contribuindo para o processo de aprendizagem como diferencial no atendimento educacional em ambiente hospitalar Independente das necessidades do estudante, a prática educativa deve ser direito de todos, conforme preconiza a Constituição brasileira. Cabe ao professor fazer as adequações curriculares, mudanças organizacionais necessárias, traçar estratégias de ensino apropriadas, respeitando as condições físicas e psicológicas de cada estudante e flexibilizar, quando preciso, as ações para adequá-las ao ensino considerando as necessidades, os ritmos e os estilos individuais, explorando coletivamente o que for pertinente. Para agir a partir dessa percepção, o professor deve ter como característica primordial sensibilidade para enxergar além dos olhos no dia a dia do hospital para então atender as reais necessidades individuais dos estudantes. Deve-se considerar o trabalho pedagógico desenvolvido diariamente, as atividades personalizadas, bem como as características próprias de uma turma multisseriada. Tal característica não exclui outras, tão importantes quanto, e, assim, cita-se Rittmeyr (2000, p. 33): A meu ver, as principais qualidades para o profissional que pretende trabalhar em Classe Hospitalar é que, além de ter uma excelente formação profissional, tenha equilíbrio emocional e, sobretudo muito sensibilidade para perceber as reais necessidades da clientela e o progresso dos educandos.
Para o desenvolvimento dessas ações pedagógicas, é fundamental ainda estabelecer uma relação dialógica entre educando e educador, fortalecendo a comunicação e o diálogo a fim de favorecer ao sujeito de direito enfermo a construção da sua autonomia e cidadania. Diante da experiência de atuação como profissional nesse “novo” ambiente pedagógico, enfrentando as condições adversas elencadas, compreende-se que o professor tem a necessidade de utilizar metodologias e materiais que auxiliem no processo de ensino-aprendizagem, mesmo que em condições pouco favoráveis, seja no leito, na sala de aula, na unidade de terapia intensiva (UTI), ou no isolamento. Mergulhando nesse universo de descobertas no hospital é que se identificam dificuldades e/ou impossibilidades dos estudantes em realizar as atividades escritas propostas em virtude do uso de acessos, uma vez que procedimentos primordiais ao tratamento de doenças crônicas são impulsionados na mão, membro utilizado para a escrita. Tal situação encontrada no âmbito do hospital mostrase bastante relevante para o atendimento educacional em ambiente hospitalar, pois, periodicamente, durante o tratamento e no uso contínuo de medicação injetável, o protocolo orienta que o acesso venoso seja trocado e impulsionado em outra veia. Nesse sentido, todos os estudantes em algum momento do tratamento ou internamento ficam impossibilitados de utilizar a mão que efetiva a escrita convencional.
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Capítulo V Duas questões nesse contexto precisam ser consideradas. A primeira é a extensão do tempo de internamento do paciente/estudante no hospital, principalmente os que fazem tratamento de doenças crônicas que podem variar de semanas até meses ou anos. A segunda questão refere-se à resistência ou ao comprometimento da veia durante o período de tempo para a administração das medicações. Ambas as questões implicam a necessidade de transferência periódica do local do acesso em cada paciente. Consequentemente, é inevitável a impulsão do acesso às diversas veias do corpo humano durante o internamento para tratamento de saúde, e isto ocorrerá sempre de acordo com a necessidade de cada paciente. Inexoravelmente, em algum momento a veia será impulsionada na mão de escrita. Enquanto o acesso estiver na mão de escrita do estudante/ paciente, esse procedimento médico pode obstaculizar fisicamente o movimento da mão no que concerne ao uso da escrita, comprometendo o desenvolvimento da escrita, da interação, da participação e da realização das atividades propostas. Pode ocorrer também o comprometimento emocional pelo medo de perder o acesso e, consequentemente, necessitar de nova impulsão na veia, o que ocasionará mais furadas (com agulhas), mais dores e mais sofrimentos. Durante o tratamento, os pacientes enfrentam diariamente diversas agressões no corpo com os distintos e invasivos, mas imprescindíveis procedimentos médicos. Sofrem com as consequências das medicações prescritas, com as ameaças
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na piora da saúde, com o esgotamento das possibilidades de cura, e até mesmo com a insegurança em relação à finitude da vida. Na luta pela cura, dedica-se em sua totalidade à saúde e afasta-se da educação, circunstância que acaba comprometendo a integridade do ano letivo. Ortiz e Freitas (2005, p. 29) afirmam que: Ao instalar-se na unidade de tratamento, o paciente infantil, já infligido pelas incômodas sensações corporais, terá ainda, que assumir o enfrentamento das intercorrências adicionais: as precariedades e/ou limitações de seu corpo, a separação dos pais, configurando um sentimento de abandono, adaptação ao desconhecido mundo branco hospitalar; as dúvidas de estar nos padrões da normalidade; os prejuízos em sua vivência familiar e o reconhecimento de deixar de ser uma criança autônoma para descobrirse, com pesar, como heterônoma.
O professor, portanto, passa a integrar as equipes multiprofissionais de saúde do hospital com o propósito de ofertar atendimento pedagógico à criança e ao adolescente, vítimas desse processo, mas sujeitos de direito na perspectiva de conciliar o processo de escolaridade com o tratamento de saúde e auxiliar na redução do analfabetismo e do quantitativo de adultos despreparados para o exercício da cidadania.
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Capítulo V Conforme Simancas e Lorente (1990 apud MATOS; FREITAS, 2007, p. 101): [...] a atenção pedagógica, por meio da comunicação e do diálogo, tão essenciais no ato educativo, se propões a ajudar o enfermo – criança ou adulto – para que, imerso nessa situação negativa que atravessa, possa seguir desenvolvendo-se em todas as suas dimensões pessoais, com a maior normalidade possível.
No desenvolvimento dessa ação pedagógica, o professor deve estar apto a romper barreiras significativas, expandindo-se para ambientes amplos e diversificados, dentre eles, o hospitalar, proporcionando ao educando não apenas a continuidade da aprendizagem escolar, mas a reintegração à escola e ao meio social de forma global em todas as suas respectivas dimensões: afetiva, física, emocional, psicológica e cognitiva. As atividades propostas na classe hospitalar devem abordar todas as áreas de conhecimento de forma interdisciplinar, contextualizadas por meio de projetos, propiciando aulas dinâmicas, integradas, que resgatem o ato do pensar, refletir, questionar, analisar e discutir contemplando o desenvolvimento cognitivo, afetivo e ético, considerando que a ação pedagógica desenvolvida no âmbito do hospital apresenta especificidades próprias para contemplar o livre acesso à educação da criança e do adolescente em tratamento de saúde. Desta forma, requer um trabalho com diversas interfaces de atuação.
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Construir nesse ambiente uma intervenção com afetividade favorece a receptividade do estudante no hospital, a fim de proporcionar atitudes e ambiente em um contexto afetivo e humanizado, propiciando confiança e avanço do desenvolvimento cognitivo. Considerar nessa perspectiva a afetividade é fator essencial no estabelecimento das relações, pois é uma dimensão tão importante quanto o pensamento, e está diretamente relacionada com os próprios sentimentos. Diante dessa dificuldade encontrada que ocasiona prejuízo no desenvolvimento do atendimento pedagógico no Centro de Onco-Hematologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, vislumbrou-se a necessidade do uso da tecnologia como ferramenta para superação desse obstáculo. Considerando as questões aludidas, realizou-se uma articulação com a Diretoria Executiva de Tecnologia na Educação – Núcleo de Tecnologia Assistiva, departamento ligado à Secretaria de Educação de Recife, para nortear a ação pedagógica diante desse desafio trazido pela realidade da Classe Hospitalar Semear. Tal desafio a ser enfrentado mobilizou a docente, bem como o próprio Núcleo de Tecnologia Assistiva, no sentido de que o subsídio tecnológico propiciasse mais qualidade ao processo de ensinoaprendizagem dos estudantes no fazer educação no hospital. O Núcleo de Tecnologia Assistiva fortaleceu a ação pedagógica não apenas com o envio de materiais importantes para o atendimento educacional hospitalar como tablets, modems de acesso à internet, Legos, material de robótica e mesa interativa conferindo igualdade de direitos entre aos estudantes do hospital e das escolas regulares da rede
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Capítulo V municipal, mas também fortaleceu as ações pedagógicas, propiciando formação na área da tecnologia assistiva a fim de favorecer o planejamento, a organização das atividades e a participação efetiva dos estudantes nesse ambiente escolar. Isto possibilitou a descoberta de caminhos que contribuíram para o aprendizado por meio da tecnologia e da comunicação como estratégia que assegura aos estudantes a inclusão à escolarização e a aprendizagem. Constatou-se ao longo desse processo vivenciado que o professor precisa de formação para se apropriar e fazer uso das possibilidades e dos recursos disponibilizados por esse universo da tecnologia já dominados pelas crianças e pelos adolescentes, bem como compreender que a tecnologia disponibiliza possibilidades a favor de sua prática profissional e da aprendizagem do estudante. É importante ressaltar nesse processo, no entanto, que os professores, em sua maioria nascidos na era analógica, precisam adaptarse à chamada era digital, e adaptar-se ao manuseio de todas essas novas ferramentas tecnológicas. Muito mais do que isso, precisam de formação continuada e reflexões sobre como se ensina e como se aprende. A tecnologia deve ser uma aliada, não uma inimiga. O processo de inclusão descrito enfatiza a importância do uso dos recursos tecnológicos como oportunidade equitativa de atendimento e estratégias diferenciadas para aprendêlo, favorecendo a produção e a realização de atividades significativas que alavanquem o aprendizado, considerando as adaptações curriculares necessárias para o universo do hospital que exige tempo pedagógico diferenciado da escola regular. Durante a formação continuada foram priorizados aspectos mais práticos que subsidiassem de forma mais
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imediata a ação dos professores na classe hospitalar nessa dificuldade específica, disponibilizando a provisão de tecnologia assistiva, ou seja, uma tecnologia que identifica todas as possibilidades em “recursos” e “serviços” para contribuir com esses estudantes internados para tratamento de sua saúde e ampliar as habilidades funcionais. De uma forma geral, a tecnologia assistiva é utilizada com pessoas com deficiência. Todavia, identificou-se a importância dessa ferramenta na classe hospitalar como possibilidade de promover a participação efetiva e o respeito à autonomia do estudante nesse ambiente escolar, uma vez que possibilita a participação dos estudantes nas aulas e a realização das atividades com independência, assegurando a inclusão e o direito a estudar “mesmo com a impossibilidade do uso direto da escrita convencional”. A tecnologia assistiva faz uso de uma gama de equipamentos, serviços, estratégias e práticas criadas e aplicadas para reduzir os problemas encontrados pelos indivíduos com deficiências. Muito embora tenhamos estudantes com deficiências, na discussão em tela, queremos enfatizar a importância do uso desse recurso para o avanço de todos no cotidiano da classe hospitalar, ou mesmo nos espaços educacionais. Ressalta-se que durante o período de atendimento pedagógico foram constatadas dificuldades periódicas dos estudantes em realizar as atividades pedagógicas propostas com a escrita convencional em virtude da limitação do movimento contínuo da mão de escrita pelo uso de acesso, fato que causava prejuízo e interrupções, fragilizando o processo de ensino-aprendizagem.
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4 Considerações finais O uso dessa tecnologia tem favorecido a dialogicidade professor-estudante, e entre os próprios estudantes, sendo proporcionadas oportunidades de participação com novas estratégias e recursos. O estabelecimento da comunicação e a dialogicidade entre professor e alunos, segundo Freire (1982), favorece o aprendizado por intermédio da curiosidade.
encontram-se fragilizados e apresentando dificuldades cognitivas ou pedagógicas, consequência dessas circunstâncias vivenciadas, situações didáticas mais férteis, disponibilidade, atenção planejada considerando o plano de desenvolvimento individual que expresse a necessidade de cada um.
Constatou-se que o uso da tecnologia no ambiente do atendimento pedagógico em ambiente hospitalar exige mais do que a simples disponibilização de computadores e acesso à internet e sites. Esse uso precisa estar em consonância com ações colaborativas e cooperativas entre professor e estudante e entre os próprios estudantes, o que os beneficiam reduzindo o sentimento de isolamento do mundo vivenciado no hospital durante o período de internamento para tratamento, ampliando a autoconfiança, a integração do grupo e fortalecendo os sentimentos de solidariedade e respeito mútuo.
Com as orientações do Núcleo de Tecnologia Assistiva desenvolvidas em uma perspectiva de formação continuada, tem sido possível atender pedagogicamente a esses estudantes. Essa barreira própria do universo hospitalar deixa de ser um problema, ou mesmo causa de prejuízo no processo de aprendizagem do estudante. A formação tem propiciado explorar as possibilidades dos recursos tecnológicos como instrumento que favorece esse processo, seja sem uso da internet na organização de diversos tipos de atividades e uso de recursos dessa ferramenta, seja por meio da internet em pesquisas dos mais variados temas de todas as áreas de conhecimentos, jogos e/ou sites que disponibilizam uma infinidade de atividades online.
Permitiu à docente proporcionar o avanço pedagógico como mediadora do processo educativo dos estudantes, respeitando as particularidades e distintas necessidades pessoais e/ou individuais. Para André (2009, p. 21), “diferenciar é aceitar o desafio que não existem receitas prontas, nem soluções únicas: é aceitar as incertezas, a flexibilidade, a abertura das pedagogias ativas que em grande parte são construídas na ação cotidiana, em um processo que envolve negociação, revisão constante e iniciativas de seus atores”. É, ainda, proporcionar para os estudantes que frequentam a classe hospitalar e
Constatamos que essa ação tem facilitado sobremaneira o trabalho desenvolvido no âmbito da Classe Hospitalar Semear, bem como a efetiva participação dos estudantes nessa escola dentro hospital que precisa respeitar e considerar sempre as circunstâncias e condições do estudante diariamente, que no cotidiano do hospital podem mudar diversas vezes ao dia. Os pedagogos hospitalares precisam estar aptos para atender dentro das condições postas, seja no leito, seja na própria sala de aula.
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Uma questão importante é que esses estudantes nasceram nessa geração tecnológica e fazem uso desde muito cedo de todo o aparato tecnológico, como computadores, tablets, smartphones, redes sociais, jogos online, instrumentos e possibilidades que favorecem a facilidade do manuseio e uso dos equipamentos e exploração do mundo virtual. Isto deixa como desafio ao professor ser mediador para que os estudantes no período de desenvolvimento das aulas compreendam a importância do uso pedagógico, e não apenas deleite, principalmente no âmbito do hospital que desfruta de muitas horas de “ociosidade”, pois o repouso é fundamental para a reabilitação da saúde e da cura.
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Referências ANDRÉ, M. (Org.). Pedagogia das diferenças na sala de aula. Campinas: Papirus, 2009. BRASIL. Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações. Brasília, DF: MEC, 2002. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (CNDCA). Resolução n° 41, de 13 de outubro de 1995. Dispõe sobre os direitos da criança e do adolescente hospitalizados. Brasília, 1995. CARDOSO, A. Pedagogia hospitalar: a integração de saúde e educação em prol da criança hospitalizada. São José, USJ, 2002. FONSECA, E. S. da. O atendimento escolar no ambiente hospitalar. 2. ed. São Paulo: Edições Científicas MEMNON, 2008. FREIRE, P. Educação: sonho possível. In: BRANDÃO, C. R. (Org.). O educador: vida e morte. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1982. MATOS, E. L. M.; FREITAS, M. M. T. de M. Pedagogia hospitalar: a humanização integrando educação e saúde. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. ORTIZ, L. C. M.; FREITAS, S. N. Classes hospitalares: caminhos pedagógicos entre saúde e educação. Santa Maria: UFSM, 2005.
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Educação hospitalar como mecanismo de defesa dos direitos humanos e construção de cidadania VENÂNCIO, Ana Carolina Lopes 1 PETERS, Itamara 2 COSTA, Mariana Saad Weinhardt 3 1 Introdução 2 Grupo de pesquisa direito e educação: âmbito hospitalar e domiciliar 3 Plano de educação em direitos humanos 4 Direito à educação 5 Educação hospitalar 6 Metodologia da pesquisa 7 Do direito à educação como fundamento dos direitos humanos à concretização do direito de acesso à educação por crianças e adolescentes em tratamento de saúde 8 Considerações finais Referências
90 91 91 94 97 99
99 104 105
1 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestra em Educação pela UFPR. Professora e Pedagoga da Rede Municipal de Ensino. Especialista em Educação Especial. Atua no Hospital Pequeno Príncipe. Membro do Grupo de Pesquisa (GP) Direitos Humanos (CNPq/FAE). anavenancio2704@gmail.com
Mestra em Letras (Profletras) pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Docente de língua portuguesa no programa SAREH/SEED - Paraná no Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba. Especialista em Educação e Direitos Humanos. Membro do GP DIALE (CNPq/ UENP) e GP Direitos Humanos (CNPq/FAE). itamarapeters@gmail.com
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Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professora do Setor de Educação e Cultura do Hospital Pequeno Príncipe de Curitiba e da Faculdade Santa Cruz. Membro do GP Direitos Humanos (CNPq/FAE). marianasw@uol.com.br
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1 Introdução O presente trabalho é resultado dos estudos do grupo de pesquisa: “Direito e educação: âmbito hospitalar e domiciliar”, cujo objetivo é contribuir para a discussão da dimensão do direito à educação da criança em tratamento de saúde e as implicações para sua efetivação no âmbito conceitual e normativo. Assim, a temática aqui apresentada propõe a pensar e estudar sobre os conceitos de educação como direito humano na perspectiva educacional da criança hospitalizada; tendo como objetivo central analisar os conceitos desse direito e o modo como ele se configura na educação hospitalar. Neste artigo é discutida a questão do direito à educação no hospital enfatizando a necessidade de vivenciar o cotidiano dos direitos humanos necessários ao exercício da cidadania, entendendo que as determinações legais têm de ser cumpridas e os obstáculos que interferem nesse cumprimento precisam ser superados por meio de ações políticas, cujo centro do debate deve ser o direito inalienável da criança e do jovem à educação e saúde, conjugadas, não em separado, como alguns parecem entender. Ou, dito de outro modo, como se um direito anulasse o outro, como se não fosse possível, no ambiente hospitalar, compor uma
equipe multidisciplinar de atendimento às necessidades singulares de todos e cada um daqueles que ali está. Partiu-se da compreensão de que a escolarização hospitalar é uma prática eminentemente inclusiva, com a inclusão sendo ainda tema em discussão no âmbito social, mas em franco desenvolvimento visto a militância de grupos que buscam ter seus direitos respeitados e vivenciados no cotidiano. Aqui se milita pela maior visibilidade da discussão sobre o direito da criança e do jovem hospitalizados a ter seus direitos à educação e saúde, direitos humanos básicos, respeitados, supridos dignamente. O texto apresentado é estruturado em quatro eixos: plano nacional de educação em direitos humanos; o direito à educação; a educação hospitalar como direito e, por fim, as práticas que envolvem direitos humanos e desenvolvimento de cidadania no âmbito educacional nos hospitais. Tais eixos visam a situar o leitor na ideia central aqui defendida ao propor a reflexão sobre essa temática. Antes da apresentação da parte teórica, apresenta-se um breve resumo da constituição e práticas do Grupo de Pesquisa Direito e Educação: Âmbito Hospitalar e Domiciliar.
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2 Grupo de pesquisa direito e educação: âmbito hospitalar e domiciliar O Grupo de Pesquisa Direito e Educação: âmbito hospitalar e domiciliar é composto de pesquisadores, professores, pedagogos e estudantes da área de educação que discutem a dimensão do direito à educação da criança e do jovem em tratamento de saúde. Há, no grupo, profissionais que atuam diretamente na área hospitalar e domiciliar, as experiências cotidianas desses professores e pedagogos servem de parâmetro de análise constante para reestruturação das ações que permitem a reflexão de sua pertinência e adequação, tendo em vista a necessidade de flexibilização curricular, metodológica e avaliativa que essas modalidades exigem. Por meio de estudos teóricos, levantamento bibliográfico, participação em congressos e seminários e publicações, o grupo busca dar maior visibilidade às modalidades hospitalar e domiciliar e inseri-las na discussão maior sobre uma educação na perspectiva de todos, ou seja, de bases inclusivas.
3 Plano de educação em direitos humanos Pensar a educação pelo viés dos direitos humanos implica compreender os conceitos de direitos humanos e as políticas que propõem um trabalho de educação nos/para os diretos humanos. Trata-se de uma educação compartilhada que considera todos os envolvidos no processo educativo. Segundo Benevides (2000), a educação em direitos humanos deve considerar três elementos essenciais: Primeiro, é uma educação de natureza permanente, continuada e global. Segundo, é uma educação necessariamente voltada para a mudança, e terceiro, é uma inculcação de valores, para atingir corações e mentes e não apenas instrução, meramente transmissora de conhecimentos. (BENEVIDES, 2000, n.p.).
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Capítulo VI Assim, a educação em direitos humanos envolve educandos e educadores em um processo educativo contínuo e pensado para a mudança de postura de todos. Ainda de acordo com Benevides (2000), a educação em direitos humanos tem como objetivo o desenvolvimento de uma cultura de respeito diante do outro e da vida. A Educação em Direitos Humanos é essencialmente a formação de uma cultura de respeito à dignidade humana através da promoção e da vivência dos valores da liberdade, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz. Portanto, a formação desta cultura significa criar, influenciar, compartilhar e consolidar mentalidades, costumes, atitudes, hábitos e comportamentos que decorrem, todos, daqueles valores essenciais citados – os quais devem se transformar em práticas. (BENEVIDES, 2000, n.p.).
Logo, a educação com olhar para os direitos humanos terá como foco a mudança cultural de preconceitos, desigualdades, opressão para ter um olhar mais amplo, acolhedor, e que contempla todas as diferenças e que almeja desenvolver e contemplar todos os princípios de respeito à dignidade humana.
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A educação em direitos humanos é compreendida no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) como um processo múltiplo e sistêmico: [...] compreendida como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes dimensões: a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local; b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; c) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente nos níveis cognitivo, social, ético e político; d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; e) fortalecimento de práticas individuais e coletivas que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações. (BRASIL, 2007, p. 17).
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O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos visa ao desenvolvimento de um cidadão ativo, consciente de seus direitos e deveres, responsável por normas e pactos que protegem os seus direitos e os direitos dos outros. Visa ao reconhecimento dos princípios normativos e à formação crítica dos sujeitos desenvolvendo cidadania e capacidade de exercitar seu poder de controle social e das ações sociais e do Estado. Desta forma, o Plano define que: A mobilização global para a educação em direitos humanos está imbricada no conceito de educação para uma cultura democrática, na compreensão dos contextos nacional e internacional, nos valores da tolerância, da solidariedade, da justiça social e na sustentabilidade, na inclusão e na pluralidade. (BRASIL, 2007, p. 24).
A educação voltada para o desenvolvimento de valores de tolerância e cidadania, solidariedade, justiça social, pluralidade e inclusão exige um olhar para todos aqueles que necessitam da escolarização e coloca no debate o direito à educação.
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4 Direito à educação A educação é um direito humano reconhecido internacionalmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O artigo 26 traz os princípios desse direito, delineando caminhos para a implementação do direito e seus objetivos. 1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. 2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos. (ONU, 1948, artigo 26).
Sendo a educação um direito humano reconhecido e definido pela Organização das Nações Unidas (ONU), as Declarações Internacionais e os acordos econômicos, sociais e culturais a fortalecem e inserem a exigência de políticas educativas em novos tratados e declarações, sendo uma delas a Declaração dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, cujo texto se remete ao direito à educação e também ao lazer, ampliando, assim, o direito. Princípio VII - A criança tem direito a receber educação escolar, à qual será gratuita e obrigatória, ao menos nas etapas elementares. Darse-á à criança uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita - em condições de igualdade de oportunidades desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral. Chegando a ser um membro útil à sociedade. O interesse superior da criança deverá ser o interesse diretor daqueles que têm a responsabilidade por sua educação e orientação; tal responsabilidade incumbe, em primeira instância, a seus pais. A criança deve desfrutar plenamente de jogos e brincadeiras os quais deverão estar dirigidos para educação; a sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para promover o exercício deste direito. (UNICEF, 1959, princípio VII).
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Capítulo VI Dessa forma, o direito à educação se fortalece, pois passa a ser entendido como norma jurídica e universal. De acordo com Rizzi, Gonzalez e Ximenes (2011, p. 18), Tratar a educação como um direito humano significa que não deve depender das condições econômicas dos estudantes ou estar sujeita unicamente às regras de mercado. Também não pode estar limitada à condição social, nacional, cultural, de gênero ou étnico-racial da pessoa. O mais importante é conseguir que todas as pessoas possam exercer e estar conscientes de seus direitos.
Assim, o direito à educação configura-se como universal e como princípio de cidadania. Cury (2002, p. 246) afirma que “a educação escolar é uma dimensão fundante da cidadania, e tal princípio é indispensável para políticas que visam à participação de todos nos espaços sociais e políticos e, mesmo, para reinserção no mundo profissional”. Além disso, Silva (2015, p. 94) defende que “a educação por contribuir com o acesso ao conhecimento, se constitui em instrumento de singular relevância na conquista e materialização de um conjunto de direitos”. E o fato de tê-la como direito se configura deste modo como um meio para a garantia de uma construção democrática dos outros direitos. Retomando as ideias de Cury (2002), o autor ressalta que o direito à educação está ligado ao direito à democracia, pois as leis devem garantir aquilo que proclamam, mesmo que em um primeiro momento assinalem utopias a serem alcançadas, utopias estas já sinalizadas e documentadas como ações necessárias ao exercício da cidadania daqueles ali contemplados. Isto compreendendo-se que o conjunto de leis e ações está influenciado pelos determinantes
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sócio-históricos e culturais de cada país, com a União e os Estados tendo o dever de fazer valer o que está determinado legalmente e que deveria representar – ao menos idealmente – os desejos e necessidades da população. Cury (2002, p. 253) afirma sobre a educação: “O direito à educação, como direito declarado em lei, é recente e remonta ao final do século XIX e início do século XX. Mas seria pouco realista considerá-lo independente do jogo das forças sociais em conflito”. O que é explicitado na fala do autor é que a educação está imersa em um campo de poder maior onde a informação e os conhecimentos se colocam como importantes alicerces na luta daquilo que se almeja conquistar, com as classes dominantes criando dispositivos para senão anular alguns direitos, ao menos restringi-los, mesmo que afirmado que o ensino, na atualidade, conforme as políticas inclusivas defendem – é um bem de todos e para todos. E os princípios inclusivos trazem à baila o dilema entre o direito à igualdade e a diferença no campo educacional. Igualdade de direitos, independente de características biológicas, sociais, culturais. Não se pode negar a igualdade de direito, duramente conquistada. E também não se pode deixar de lado o debate atual sobre o fundamental respeito às diferenças, primordial a uma sociedade que se pretenda inclusiva. O que ocorre é que tais termos devem ser dialeticamente analisados e compreendidos não como conceitos contrários, como têm sido ideologicamente talhados, mas, sim, termos complementares. Isto porque, historicamente, a igualdade foi situada como oposta à diferença, quando seu oposto é a desigualdade. E o oposto à diferença é a semelhança, buscada para criar uma homogeneidade ilusória na qual o indivíduo se anula e um grupo é exaltado, em detrimento de outros.
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Conforme Cury defende (2002, p. 260, grifo do autor): O direito à educação parte do reconhecimento de que o saber sistemático é mais do que uma importante herança cultural. Como parte da herança cultural, o cidadão torna-se capaz de se apossar de padrões cognitivos e formativos pelos quais tem maiores possibilidades de participar dos destinos de sua sociedade e colaborar na sua transformação. Ter o domínio de conhecimentos sistemáticos é também um patamar sine-qua-non a fim de poder alargar o campo e o horizonte desses e de novos conhecimentos.
O acesso à educação é também um meio de abertura que dá ao indivíduo uma chave de autoconstrução e de se reconhecer como capaz de opções. O direito à educação, nesta medida, é uma oportunidade de crescimento cidadão, um caminho de opções diferenciadas e uma chave de crescente estima de si. Nessa discussão filosófica, agora se passa a tratar da educação hospitalar, um setor ainda pouco conhecido e explorado no âmbito dos direitos educacionais, que urge ser pensado e problematizado para que se consagre como direito de todos e de cada um, conforme a lei afirma, com a compreensão de que “educação como direito e sua efetivação em práticas sociais se convertem em instrumento de redução das desigualdades e das discriminações e possibilitam uma aproximação pacífica entre os povos de todo o mundo” (CURY, 2002, p. 261).
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5 Educação hospitalar Os Serviços de Escolarização Hospitalar são compreendidos como programas de inclusão educacional, criados com o objetivo de dar continuidade ao processo educativo formal, em ambiente diferenciado, especificamente o ambiente hospitalar. Esses serviços objetivam assegurar às crianças, aos adolescentes, aos jovens e aos adultos o cumprimento do princípio da universalização da educação, bem como os preceitos constitucionais da educação como direito social e dever do Estado. Visam a atender os educandos em seu direito de estudante e dar continuidade ao seu processo educacional de forma singular e diferenciada. O trabalho de escolarização dos alunos4 internados (pacientes do hospital/estudantes para a educação hospitalar) deve ser realizado visando a atender os direitos da criança e do adolescente estabelecidos pela LDB, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990), pelos Direitos das Crianças e dos Adolescentes Hospitalizados (BRASIL, 1995)e pelas políticas de educação especial definidas pelo MEC e segundo diretrizes do documento Classe Hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar (BRASIL, 2002). Além dessas diretrizes legais devem-se considerar as diferentes formas de estruturação das práticas educativas retratadas na literatura específica. Para a LDB, por exemplo, a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino 4
Alunos da escola regular, para os estudantes em tratamento de saúde.
e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Nesse caso, se a educação abranger formação e desenvolvimento integral por diversos meios, não importa onde a criança esteja, ela deve ser atendida educacionalmente. Na mesma linha, o ECA prevê que a educação é dever do Estado; é direito da criança e é obrigatório o atendimento educacional enquanto o educando for menor de 18 anos. A educação hospitalar entra, assim, no mesmo grau de obrigatoriedade que a educação de menores infratores já prestada pelo Estado. A educação hospitalar é, em resumo, um direito do cidadão e um dever do Estado. Sua legalidade é indiscutível, é serviço necessário e de extrema importância na vida da criança hospitalizada, pois garante a continuidade dos estudos na escola regular após o tratamento. A educação hospitalar como direito é ainda elemento de discussão e polêmica, pois, ao mesmo tempo em que se ampara na legislação vigente para garantir o direito de crianças e adolescentes à educação, ela não tem regulamentação nem políticas públicas que acolham e direcionem o processo de educação hospitalar, a fim de garantir o acesso de todos os estudantes que estão em tratamento de saúde aos processos educativos, seja durante a hospitalização ou após ela, no período de recuperação e tratamento, quando esse estudante não pode comparecer à escola ainda.
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O primeiro princípio norteador legal e normativo está presente e vem delineado na Constituição federal de 1988, que apresenta uma preocupação com a educação independente do espaço, no Título VIII – Da Ordem Social, Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto, Seção I, artigo 205, onde se destaca que: “A educação é direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1998). O atendimento do educando hospitalizado vem garantido por meio da legislação vigente que ampara e legitima o direito à educação aos educandos, garantindo o princípio da universalização, claramente demarcado nos documentos listados a seguir: a) Constituição Federal/1988, art. 205; b) Decreto-Lei nº 1.044/1969, art. 1º, que dispõe sobre tratamento excepcional para alunos portadores de afecções; c) Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); d) Resolução nº 41/1995 (Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente); e) Lei nº 9.394/1996 (Diretrizes e Bases da Educação); f) Deliberação nº 02/2003 – CEE (Normas para Educação Especial); g) Resolução nº 02/2001 – CNE/CEB (Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica); h) Documento intitulado Classe Hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar: Estratégias e Orientações, editado pelo MEC, em 2002; i) Documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Especial de 2008. i) Atualização da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 13.716/2018, artigo 4º.
Desde a Constituição de 1988, muitos direitos vêm sendo delineados e organizados (BRASIL, 1988), dentre eles, o ECA. Nessa perspectiva, caminha-se em busca dos direitos educacionais de todas as crianças e dos adolescentes, até mesmo daqueles que estão impossibilitados de frequentar a escola. Tomando tais discussões como elemento norteador, propõe-se um estudo dos elementos que norteiam a educação hospitalar e sua efetivação como o direito.
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6 Metodologia da pesquisa O estudo apresentado trata-se de uma pesquisa descritiva configurada como um estudo de caso que visa a descrever fatos e fenômenos relacionados ao direito humano à educação, mesmo em face de seu adoecimento. O estudo de caso objetiva compreender o evento em estudo e, ao mesmo tempo, desenvolver teorias mais genéricas a respeito do fenômeno observado, ou seja, busca-se o entendimento sobre os direitos humanos, o direito à educação e como esse direito se configura na educação hospitalar, foco central aqui deste estudo e discussão.
7 Do direito à educação como fundamento dos direitos humanos à concretização do direito de acesso à educação por crianças e adolescentes em tratamento de saúde A negação do direito à educação (ou qualquer outro direito básico) é uma violência, conforme afirmado por Candau (2000, 2002, 2005, 2006, 2012). Essa violência é estrutural e cultural e vai além da desigualdade e exclusão social e da insuficiência e dubiedade das políticas públicas, é um fenômeno que está além do plano físico, engloba também a dimensão psíquica e moral. Cabe aos professores, em conjunto com a sociedade civil, promover a participação e a reflexão sobre o que é ensinado, a mobilização por meio da consecução de objetivos comuns, no presente caso, garantir acesso à informação, uma formação
que considere os processos pessoais e grupais vivenciados no ambiente hospitalar, processos de cunho cultural e sociopolítico (CANDAU, 2005). Essa forma de conceber a educação demanda compromisso, respeito à dimensão afetiva do ato de ensinar, com destaque para a participação e o respeito às pessoas em sua singularidade, entendendo-se a educação como prática social. Reforçando a necessidade de transformação da educação atual, Perrenoud (2001, p. 114) argumenta que os sistemas de ensino ainda não são capazes de levar em conta as diferenças, “a não ser para sancioná-las e transformá-las em desigualdades escolares e, depois, em orientações hierarquizadas”.
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Há, assim, de se romper com perspectivas acríticas e articular novos saberes e práticas favorecendo ecossistemas educativos, em um movimento de reinvenção da didática e do cotidiano de ensino, seja em que ambiente este ocorra, afirmando a multidimensionalidade do processo educativo ao se apostar e investir na diversidade (CANDAU, 2000). Desta forma, novas relações precisam ser exploradas; novas estratégias de ensino devem ser construídas; novos apoios consensuados; a avaliação tem que ser repensada; práticas e saberes têm que ser ressignificados e transformados. O professor ideal, nessa perspectiva de análise, deve ter domínio dos saberes necessários ao ensino, mas também desenvolver um saber prático baseado na sua experiência com os estudantes, adotando uma postura flexível e assumindo os aspectos políticos e éticos de sua função como educador.
Fonseca (1999, p. 10), “o crescimento do número de classes hospitalares coincide com o redimensionamento do discurso social sobre a infância e à adolescência, que culminou com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente e seus desdobramentos posteriores”, e, obviamente, com a clareza dos direitos de acesso à educação para todos, que promove uma série de debates, discussões e divulgação de informações sobre o direito à educação da criança em tratamento de saúde.
O histórico da educação hospitalar no Brasil é relativamente novo conforme relatam os estudos de Fonseca (1999, 2008, 2010) e Paula (2004, 2010), pois, embora a educação hospitalar seja um direito, ela ainda é delineada por iniciativas isoladas em muitos Estados do país. Os primeiros relatos sobre a área levantados por Fonseca (1999) datam de 1950, com o surgimento da primeira classe escolar em hospital brasileiro, o Hospital Municipal Jesus no Rio de Janeiro. Ainda segundo
A organização da educação hospitalar é uma responsabilidade de Estados e municípios, como prevê o documento “Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações” (BRASIL, 2002). Mas, a organização de classes hospitalares e de programas de atendimento ao estudante que está em tratamento de saúde, para garantia do acesso ao direito à educação, ainda é utópica em muitos Estados e na maioria dos municípios brasileiros.
Somente na década de 1990 é que os movimentos em defesa das classes hospitalares ganham forma e, de fato, atenção social. E os atendimentos educacionais às crianças hospitalizadas começam a acontecer de modo mais sistemático. Na prática, esse atendimento demorou muito tempo para se concretizar e a tomar forma.
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Capítulo VI No Estado do Paraná, a educação hospitalar tem seu início no final da década de 1980, com a chefe de Serviço Social do Hospital Pequeno Príncipe, Margarida Teixeira de Freitas Mugiatti. O atendimento educacional às crianças e aos adolescentes hospitalizados foi concretizado por meio de convênios com o poder público. Conforme o histórico da instituição: A Secretaria Estadual de Educação do Paraná (SEED) e a Associação Hospitalar de Proteção Hospitalar Dr. Raul Carneiro, mantenedora dos hospitais Pequeno Príncipe e César Pernetta, assinaram convênio em abril de 1988 para o início do serviço de atendimento escolar, o primeiro do Estado. Por meio do convênio, a Secretaria disponibilizou duas professoras da rede de ensino para atender vinte crianças de 7 a 14 anos, algumas delas internadas há mais de seis meses. [...] A divulgação do convênio levou vários hospitais do Paraná e de outros estados a entrarem em contato com o Hospital Pequeno Príncipe buscando informações de como implantar atendimento similar em suas instituições. Esse convênio foi mantido até 1998. Em 1999, alegando impedimentos jurídicos para manter a parceria, a gestão do governo do Paraná decidiu pela não renovação do convênio. (CARREIRA, 2016, p. 38).
Na sequência, e considerando a grande demanda de atendimentos educacionais, o Hospital firmou na década
Educação hospitalar como mecanismo de defesa dos direitos humanos e construção de cidadania de 1990 o convênio com a Secretaria Municipal de Educação (SME) de Curitiba, para o atendimento educacional às crianças hospitalizadas. Em dezembro de 1990, a Secretaria Municipal de Educação (SME) de Curitiba se integrou ao esforço de garantir o direito à educação de crianças hospitalizadas no HPP, cedendo uma professora da rede municipal por meio de um convênio que se mantém vigente até a atualidade. (CARREIRA, 2016, p. 39).
O Estado do Paraná retomou o convênio, oito anos depois5 (em 2007), com o Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (SAREH), conforme a Resolução 02/2003, do Conselho Estadual de Educação do Paraná, que define normas para a Educação Especial (PARANÁ, 2003). Com a implantação do serviço são cedidos ao hospital três professores, que atuam por área do conhecimento (Linguagem: língua portuguesa, língua estrangeira, arte e educação física; Ciências Exatas: matemática, física, química, ciências, biologia; Ciências Humanas: história, geografia, sociologia e filosofia) e um pedagogo que organiza o vínculo com a escola de origem. A parceria do SAREH se estabeleceu também com outros hospitais do Estado, sendo que atualmente o serviço é prestado em dezoito hospitais, em sete municípios. No âmbito municipal há a observação das leis apresentadas e citadas no Estado e no País, embora em todo o Estado a cidade de Curitiba seja a única com programa de educação hospitalar organizado e normatizado.
5 Em 2007, o convênio com o Hospital Pequeno Príncipe foi retomado e ampliado para outras unidades, a partir de um estudo de dois anos da Professora Cinthya Vernizi Adachi de Menezes. O estudo, iniciado em 2005, traçou um panorama do atendimento ao escolar hospitalizado no Brasil e buscou as bases para criação e implementação do SAREH.
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Capítulo VI O SAREH é compreendido como um programa de inclusão educacional, criado pelo governo do Estado do Paraná em 2007, por meio da Secretaria de Estado da Educação, com o objetivo de dar continuidade ao processo educativo formal, em ambiente diferenciado, especificamente o ambiente hospitalar. Tem como meta assegurar às crianças, aos adolescentes, aos jovens e aos adultos, o cumprimento do princípio da universalização e do acesso à educação, bem como os preceitos constitucionais da educação como direito social e dever do Estado. Visa a atender os educandos em seu direito de estudante e dar continuidade ao seu processo educacional de forma singular e diferenciada. Foi o primeiro serviço instituído no Brasil que visa ao atendimento de estudantes matriculados no ensino fundamental II e ensino médio. O diferencial do programa também é centrado na organização por áreas do conhecimento. O que exige compreensão do professor e muita disponibilidade de pesquisa e de desenvolvimento do conhecimento. O estudante da educação hospitalar é um sujeito matriculado em uma escola regular ou especial que se ausenta da sua escola por razões do tratamento de saúde. Seu processo de escolarização, na maioria das vezes, é fragmentado: ocorre no hospital, nos períodos de internação, algumas vezes, em casa, com professor de atendimento domiciliar, quando o afastamento é longo e, somente com tarefas domiciliares, se o afastamento for por períodos curtos. Oriundo de diferentes cidades do Estado, ou de diferentes
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Estados, o estudante da educação hospitalar vive as mudanças provocadas pelo deslocamento de sua cidade e de sua casa, pelo tratamento e pelas restrições impostas por suas condições de saúde. Há, junto com a hospitalização, um processo de adaptação das novas condições de vida. Nesse caso, a educação é o único vínculo positivo que pode e deve permanecer. Segundo Fonseca (1999, p. 14): “A educação em hospital é um direito de toda criança ou adolescente hospitalizado. Compreender e reconhecer a educação como um direito essencial implica em tê-la como princípio orientador para a construção da cidadania, da liberdade e da emancipação do sujeito”. O trabalho feito pelo professor auxilia o reencontro com a vida extra-hospitalar, levando esperança, mantendo elementos da rotina cotidiana e, desta forma, contribuindo na recuperação das crianças e dos jovens enfermos. Por meio das atividades educativas, ocorre o benefício para a socialização do escolar hospitalizado. O intercâmbio de informações entre escola e hospital favorece o estreitamento das relações entre o escolar hospitalizado e a equipe da escola de origem, fortalecendo vínculos com o grupo escolar e a aprendizagem. Contudo, essas percepções e concepções de ensino são perpassadas por diferentes forças políticas e concepções de mundo, de cidadania e direitos humanos, fatores que geram práticas discursivas e ações oriundas de uma diversidade de entendimentos e direcionamentos que dificultam a consolidação do que está sendo buscado.
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No que se refere especificamente à escolarização em âmbito hospitalar e ao atendimento domiciliar, há apenas um projeto de lei federal que discute essas modalidades. Ainda em tramitação, essa iniciativa, meritória no parecer destas autoras, mas ainda assim isolada, explicita claramente que ainda há muito a se conquistar para que crianças e jovens internados ou em tratamento de saúde crônicos, ou de longa duração e impedidos de frequentar escolas as quais estão matriculados, tenham seus direitos respeitados e supridos dignamente. A educação para todos, princípio norteador da educação que se quer inclusiva, ainda é, portanto, uma utopia, um projeto de lei ainda incipiente, não consolidado na sociedade brasileira. Ainda que a realidade se traduza em desafios, é necessário indagar: Que educação é defendida? Que formação se quer para as crianças e os jovens? Se a inclusão ainda é uma utopia na sociedade brasileira, como torná-la uma realidade? Mais do que apontar dificuldades, é demonstrar as possibilidades que uma educação de bases inclusivas tem no processo de transformação da educação brasileira, pois ainda que haja desigualdade no acesso dos estudantes à escola e permanência deles e uma imensa diferença no acesso aos bens cultuais, ainda assim é possível desenvolver práticas mais equânimes e baseadas na singularidade humana, singularidade que caracteriza e confere sua identidade. Situações contextuais específicas, como no caso do ambiente hospitalar, podem e devem ser pensadas pelo poder público e cobradas pela população para que a educação possa ser denominada como “inclusiva”, isto porque todos e cada um necessitam ter os direitos humanos básicos respeitados e a participação na sociedade incentivada, empreendendo-se mais engajamento nos processos de transformação social que delineiam novos saberes e novos olhares sobre si mesmo e sobre o mundo, garantindo a inteligibilidade das formas de ser e pensar dentro de valores de respeito, criticidade, empatia e solidariedade humana.
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8 Considerações finais A inclusão ainda é prática incipiente na sociedade brasileira. Entretanto, nos últimos anos, essa temática vem ganhando visibilidade e força, pois a militância de diversos grupos cobra a vigência das leis na realidade cotidiana. Este é o caso da escolarização hospitalar, prática que ainda delineia seus contornos perante o desafio de tornar-se mais visível na agenda dos governantes, isto apesar da enorme demanda que existe nos hospitais infantis e do crescente clamor daqueles que trabalham no setor e lutam por torná-lo estendido a todas as crianças e os jovens em situação de tratamento de saúde, cuja rotina é rompida e necessitam reestruturar seu dia a dia, necessitando apoio nesse processo e garantia de não serem privados de direitos básicos. Todos devem se perguntar se querem exercer uma cidadania apenas de deveres ou se almejam, para além do cumprimento digno de seus deveres cotidianos, vivenciar os direitos básicos em relação à educação e saúde, pilares essenciais à existência humana. Analisaram-se aspectos normativos e conceituais da escolarização hospitalar, mas para além destes deixa-se aqui a indagação que inquieta os profissionais que atuam na área: Se esta prática é um direito e se constitui uma ação inclusiva, como garantir que seja cumprida e estendida a todos que dela necessitam, isto tomando como premissa o fato de que a sociedade brasileira, eminentemente desigual, documenta leis e sinaliza utopias, mas ainda mantém a exclusão como ideário político norteador de ações governamentais? Sinaliza-se, igualmente, o ideal do grupo de discutir e produzir material crítico e reflexivo sobre a temática, buscando difundi-la nos meios acadêmicos e sociais com vistas a expandir a discussão e torná-la cada vez mais visível e mais engajada para que a conquista do direito se dê de forma plena, para todos e cada um.
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1 Introdução 2 Principais apontamentos Referências
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1 Docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Pósdoutoranda em Psicologia na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
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1 Introdução O presente artigo visa a efetivar um olhar mais direcionado à infância e juventude em desenvolvimento, no desejo de perceber as experiências de aprendizagem, bem como as situações que envolvem a educação como um todo, direta e incondicionalmente ligadas à condição de saúde integral dos sujeitos em questão. Assim, quando se pensa em desenvolvimento humano, reitera-se a impossibilidade de imaginar a relação docente/ discente, sem a primordial condição de saúde integral dos entes envolvidos em todos os aspectos: biofísico, social, psicológico, emocional, que os constituem. Nessa perspectiva, ainda que o referido estudo seja oriundo da área da educação, não é difícil justificar o interesse e preocupação com as condições que envolvem o conceito de saúde integral do sujeito que aprende. Aprender pressupõe algumas condições para o ser humano que se envolve em tal empreendimento, como já elencado anteriormente alguns aspectos a serem observados, e a saúde pode ser entendida como um dos pressupostos basilares desse evento. Nesse sentido, o adoecer e/ou o passar por uma hospitalização, de curta ou de maior permanência, independentemente da patologia, é algo passível a qualquer ser humano, seja qual for sua fase da vida. Crianças e/ou adolescentes são bastante vulneráveis a essa problemática, podendo, inclusive, conforme condições e/ou circunstâncias, estar sujeitos a determinadas sequelas e/ou interferências nos seus processos de aprendizagem e desenvolvimento. Compreender o fenômeno dos processos de ensino e aprendizagem que envolve crianças e jovens indígenas, no âmbito da educação básica, que se encontram impossibilitados de frequentar a escola, temporária ou permanentemente, por causa das fragilidades das suas condições de saúde, promovendo ações que diminuam os impactos negativos sobre o desenvolvimento do ser integral, é um dos grandes objetivos deste artigo.
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2 Principais apontamentos A educação compreende processos que promovem o desenvolvimento humano em um amplo espectro que envolve várias frentes e lógicas de aprendizagem, formas que permitem “aprender com o corpo inteiro” (GAUTHIER, 2012), apropriação de várias áreas do conhecimento, dentro de cada cosmovisão segundo as referências culturais dos sujeitos que, articuladas, criam o espaço e as possibilidades para que os processos de ensinar e aprender aconteçam.
multidisciplinar e intercultural na qual convida e desafia os profissionais docentes em formação, oriundos de diferentes referências culturais, os profissionais de outras licenciaturas e bacharelados que já atuam tanto nos espaços escolares como os profissionais da área da saúde, articulando seus saberes, experiências e reflexões cotidianas, em uma proposta compartilhada em favor do ser integral em desenvolvimento, ou seja, em favor do sujeito aprendiz.
A prática docente que percebe educandos em formação na sua complexidade identitária e que leva em consideração os demais pertencimentos dos sujeitos aprendizes não tem como perder de vista a condição primeira para que a aprendizagem se desenvolva, qual seja, a saúde integral do ser.
Na atualidade, a classe hospitalar é um serviço direcionado no Brasil pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), que vem despontando como uma das alternativas e/ou medidas que intervêm de modo significativo nos processos de escolarização e desenvolvimento de crianças e jovens internados e/em tratamento de saúde. Nesse processo, Marchesan et al. (2009, p. 21) explicam que o aluno estuda enquanto se trata, e reveste de um caráter que não é apenas pedagógico: a aula permite a ele se esquecer por alguns momentos da sua doença e faz com que ele acredite na possibilidade de continuar nas suas atividades. Dessa forma, a ação docente age potencializando o sujeito, na medida em que oferece alternativas de atividade e continuidade escolar que auxiliam o sujeito a deslocar o foco do seu olhar para além da doença.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2017, p. 1), a saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Ao observar e reconhecer tal conceito, enquanto se reiteram os impactos deste na qualidade do desenvolvimento da ação educativa, percebe-se que não basta ficar no mero reconhecimento da necessária presença de sujeitos saudáveis, mas, sim, conceber práticas educativas em permanente ressignificação, que se traduzam em ações efetivas na direção da manutenção desse “bemestar físico, mental e social”. Nesse sentido, este projeto vem assumindo um caráter original e inovador na medida em que, ao reconhecer de fato tal premissa, parte para o empreendimento de uma ação
O direito à educação a toda criança, independentemente de suas condições de saúde, se expressa como direito à aprendizagem e à escolarização traduzida, fundamental e prioritariamente, pelo acesso à escola de educação básica, considerada como ensino obrigatório, seja qual for o seu pertencimento étnico, religioso, social, dentre outros.
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Capítulo VII Na Constituição federal brasileira, a educação é “direito de todos e dever do Estado, da sociedade politicamente organizada” (BRASIL, 1988, p. 11) e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, tendo em vista o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, art. 205). O art. 214 da Constituição federal de 1988 afirma, além disso, que as ações do Poder Público devem conduzir à universalização do atendimento escolar. Entretanto, diversas circunstâncias podem interferir na permanência escolar ou nas condições do conhecimento ou, ainda, impedir a frequência, temporária ou permanente. Por outro lado, o direito à saúde, segundo a Constituição (BRASIL, 1988, art. 196), deve ser garantida mediante políticas econômicas e sociais que visem ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços, tanto para a sua promoção, quanto para a sua proteção e recuperação. Concomitantemente, a exigência do reconhecimento do direito à educação especial para o conjunto das crianças que, em algum momento de sua escolaridade, requerem apoio adicional ou recurso especial, de forma temporária ou contínua, partiu de uma intensa luta política internacional pelo reconhecimento do direito fundamental de toda criança à educação e à oportunidade de atingir e manter um nível adequado de aprendizagem, que culminou na Declaração de Salamanca, em 1994, sobre princípios, política e prática em educação especial. Nela encontram-se alicerçada a defesa do acesso à educação para toda e qualquer criança,
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independentemente de quaisquer condições temporárias ou contínuas que apresentem. Já na Política Nacional de Educação Especial (PNEE) (BRASIL, 1994), a educação em hospital aparece como modalidade de ensino e de onde decorre a nomenclatura de “classe hospitalar”. Sua oferta educacional não se resume às crianças e aos adolescentes com transtornos do desenvolvimento como foi no passado (de 1950 a 1980), mas também àqueles em situação de risco no lar, uma vez que a hospitalização impõe limites à socialização e às internações, o afastamento da escola, dos amigos, da rua e da casa, além de regras sobre o corpo, a saúde, o tempo e os espaços. Ressalta-se ainda que todos esses limites impostos pela fragilidade da saúde são percebidos de modo diferenciado de acordo com o contexto cultural de onde este educando é oriundo. São as singularidades que caracterizam a individualidade de cada ser para as quais, historicamente, tinha se desacostumado o olhar dos indivíduos, sendo levados a compreender os seres humanos com os quais se convive de modo generalista e quase sem identidade. O ensino e o contato da criança hospitalizada com o professor no ambiente hospitalar podem garantir o seu desenvolvimento e contribuir para a sua reintegração à escola após a alta. Além de resguardar o seu sucesso nas aprendizagens, vem amparando as crianças com necessidades educativas especiais transitórias ao direito de continuarem estudando mesmo não estando presentes em sala de aula (BRASIL, 1994).
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Em função de tais intercorrências, o direito à continuidade dos estudos escolares durante a internação hospitalar foi também reconhecido pela “Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados” (BRASIL, 1995), e o Ministério de Educação (MEC), por intermédio da Secretaria Nacional de Educação Especial, propiciou o atendimento educacional deles nos hospitais, criando o serviço de classes hospitalares (BRASIL, 2002).
que eles tenham acesso ao currículo e, consequentemente, conquistem sua integração social (BRASIL, 1996).
Essa “exigência” do reconhecimento do direito à educação no Brasil em enfermarias pediátricas partiu de uma das principais associações científicas brasileiras na área da pediatria - a Sociedade Brasileira de Pediatria. Esse procedimento, que teve ampla repercussão nas organizações não governamentais de luta pelos direitos da criança, foi matéria de deliberação específica dos direitos da criança e do adolescente hospitalizado, pela Resolução n° 41, de 13 de outubro de 1995, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, com a chancela do Ministro da Justiça (BRASIL, 1995). Esse documento dispõe que a criança internada deve receber amparo psicológico, quando necessário, e desfrutar de alguma forma de recreação, de programas de educação para a saúde e de acompanhamento do currículo escolar de acordo com a fase cognitiva, durante sua hospitalização.
Segundo as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, art. 13, § 1°:
A Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, de Diretrizes e Bases da Educação, define a educação especial como uma modalidade da educação escolar, um conjunto de recursos e procedimentos específicos do processo de ensino e aprendizagem colocados à disposição dos alunos com necessidades especiais, em respeito as suas diferenças, para
A mesma Lei, em seu capítulo V, art. 58, § 2°, determina que: “O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular” (BRASIL, 1996).
As Classes Hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retomo e reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças, jovens e adultos não matriculados no sistema educacional, facilitando seu posterior acesso à escola regular. (BRASIL, 2001).
E, conforme o art. 13, Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio. (BRASIL, 2001).
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Capítulo VII Ainda com relação à normatização citada, o objetivo das classes hospitalares e do atendimento em ambiente domiciliar é “dar continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retorno e reintegração ao grupo escolar” (BRASIL, 2001). Nesse cenário, motivar e facilitar a inserção da criança no contexto escolar hospitalar é função do professor da escola hospitalar. A sala de aula no ambiente hospitalar vai além de seus próprios limites quando a criança tem chances de sair da enfermaria, ou mesmo que seja apenas deixando o leito para vivenciar atividades consideradas somente possíveis àquelas crianças tidas como saudáveis (FONSECA, 2003). Para esses casos, Fonseca e Ceccim (1999, p. 35) enfatizam que a classe hospitalar requer professores “com destreza e discernimento para atuar com planos e programas abertos, móveis, mutantes, constantemente reorientados pela situação especial e individual de cada criança sob atendimento”. Para isso, os professores atuantes deverão “pesquisar, inovar e incrementar seus conhecimentos e expandir sua cultura geral e procurar conhecer e desenvolver novos espaços socioeducacionais que possam, de certa forma, ter uma sociedade mais harmoniosa em suas diversidades” (MATOS, 2008, p. 26). Nesse processo, o educador aparece como um mediador do conhecimento diante do aluno que é o sujeito da sua própria formação. Ele precisa construir conhecimentos a partir do que faz (GADOTTI, 2006). O professor é o sujeito ativo da sua prática, ele a organiza e, a partir dela, produz os seus saberes. Saberes estes que não dizem respeito só à prática, mas a teorias, conhecimentos e saber-fazer específicos da profissão.
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O trabalho cotidiano é, então, além de um espaço de aplicação de saberes oriundos de teorias vindas da academia, um espaço de produção, de transformação e de mobilização desses saberes articulados aos demais saberes construídos e concebidos a partir dos pertencimentos culturais de cada sujeito. Em consequência, muda-se a percepção da criança que não se vê mais apenas como um doente, o que refletirá também nas atitudes do familiar para com ela e em relação ao ambiente hospitalar, pois o estresse e as dificuldades passam a ser encarados diferentemente. Assim, o Ser Integral, como escolhido chamar, não é doente, e sim, está doente. Já o professor, como profissional responsável por esse atendimento, precisa ser convidado a uma reflexão constante sobre sua prática escolar, questionando-a de modo que possa refletir sobre ela, compartilhar com seus colegas, rompendo com a visão individualista da formação e do exercício profissional (NUCCI, 2002). Para realizar esse papel, o educador necessita de preparo, de estar ciente de seus processos e limites, de seus desejos, de seus estados de ânimo, de suas carências e de suas possibilidades. Precisa, igualmente, buscar garantir a sua saúde e o seu bem-estar. Sobretudo, o educador precisa ser amoroso, em primeiro lugar, consigo mesmo o que significa se reconhecer, se acolher, se nutrir, se sustentar e se confrontar. Só mesmo ao proceder a esse autoexame, ou por outra, essa percepção sobre si mesmo e a sua condição como sujeito singular, terá condições de em seguida construir esse exercício na relação comprometida com o educando. Torna-se urgente, portanto, reestruturar e incentivar uma política de formação de professores que (re)formule e invista em programas docentes, que possam interferir significativamente nas práticas e nas interações desencadeadas no cotidiano escolar, nas experiências vivenciadas nas classes hospitalares.
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Capítulo VII Nesse processo, também será a escola de origem que irá receber a criança após a alta e que poderá contribuir significativamente para suavizar sua transição de casa para o hospital e vice-versa. Esse processo pode ser facilitado pelas autoridades educacionais locais em colaboração com os serviços de saúde mental e de assistência social do hospital, conforme previsto nas estratégias e orientações para essa modalidade educacional. Tais profissionais devem transcender os aspectos médicos, pois, sem uma visão abrangente das relações da criança com as figuras significativas (família, escola, hospital), o êxito do tratamento pode ficar comprometido, e que quando não corretamente identificadas, podem acarretar imediatos e futuros prejuízos escolar até mesmo naquelas crianças que possuem bom desempenho intelectual (VYGOTSKY, 1997). Dessa maneira, o autor aposta no abandono de uma pedagogia hospitalar-medicamentosa que vê a aprendizagem e o desenvolvimento sob uma perspectiva puramente biológica na busca de uma pedagogia criativamente positiva, por meio de uma educação social. Uma pedagogia que se dê conta de que o sujeito aprendiz é um Ser integral e que sua racionalidade, sua intelectualidade é apenas uma dentre as várias frentes das quais o ser humano lança mão. Prega-se, então, uma pedagogia mais construtiva, mais humana, voltada para uma educação social, buscando as capacidades dos sujeitos, compartilhando uma ideia em meio aos diversos programas no campo da saúde e da educação e à população crescente de pessoas envolvidas na atenção de crianças de que o risco para os processos de aprendizagem e desenvolvimento da criança não está atrelado apenas as suas fragilidades físicas, sendo necessárias as apostas nas interações sociais, educacionais e vínculos afetivos precoces e constantes.
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Ao retornar à escola nesse período, é comum que algumas dessas crianças apresentem dificuldades de atenção, memória, raciocínio lógico-matemático, hiperatividade, distração, impulsividade, dificuldade para se concentrar completar trabalhos, seguir pautas, distorção na percepção, défice na organização e na sequência de tarefas, bem como mal de memória para assuntos acadêmicos. A esse respeito, é importante que se realize pesquisa sobre sua evolução neuropsicológica, pois isso afeta a motivação e o interesse à adaptação e à aprendizagem, além da integração social com seus pares (APPEL, 2000). Todavia, algumas vezes, quando essa criança chega à escola, ainda traz alguns efeitos colaterais do tratamento (e/ou da internação) que, em determinadas situações, é longo e invasivo. Isso faz com que ela represente uma nova população dentro da escola que, por suas características, não pertence ao tradicional grupo de alunos especiais, constituídos por crianças com algum tipo de deficiência visual, auditiva ou intelectual. São, geralmente, antigos alunos da escola que, agora, vitimados por uma doença, necessitam de cuidados especiais, transitórios e distintos de acordo com a fase de tratamento. Sobre essa questão, Vygotsky (2005) refere que a instalação de um possível defeito ou problema físico, qualquer que seja sua natureza, desafiará qualquer tipo de organismo, pois enfraquece o organismo, mina suas atividades e age como uma força negativa. Por outro lado, precisamente porque torna a atividade do organismo difícil, o defeito ou a inabilidade age como um incentivo para aumentar o desenvolvimento de outras funções no organismo, pois ela ativa, desperta o organismo para redobrar atividade, que compensará o defeito e superará a dificuldade.
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Capítulo VII Essa seria uma lei geral, igualmente aplicável à biologia, à psicologia e à pedagogia de um organismo, pois o caráter negativo de um defeito ou de uma inabilidade, quando não em alto grau de comprometimento, age como um estímulo para o aumento da aprendizagem e do desenvolvimento. Vygotsky (2003) destaca que, apesar de o organismo possuir, em potencial, essa capacidade de superação, essa só se realizará a partir da interação e da contribuição de fatores ambientais, pois o desenvolvimento se dá no entrelaçamento de fatores externos e internos. Assim, todo e qualquer defeito ou inabilidade poderá se converter no ponto de partida e na força propulsora do desenvolvimento psíquico, da aprendizagem e da personalidade de toda criança, pois, conforme esse autor, se origina de estímulos para a formação da compensação ou da superação. Nos casos em que os tratamentos originam efeitos colaterais provenientes das fortes medicações, como a autoimagem afetada, os movimentos motores limitados fazem com que o aluno não se sinta apto a enfrentar a sociedade; com isso, os familiares devem respeitar seu momento e deixá-lo livre para que esse momento chegue de forma tranquila, sem pressões. No tocante à lei geral da compensação, refere o autor, aplica-se da mesma forma ao desenvolvimento dito “normal” e ao “complicado”, sendo esse princípio de muita valia na compreensão sobre a importância da realização de intervenções realizadas com famílias e instituições ou serviços responsáveis por essa criança. Em vez de se centrar a atenção na noção de défice ou lesão que impede ou limita o desenvolvimento, o autor sugere que a atenção seja focalizada no ambiente social e cultural, podendo mediar
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relações significativas entre a criança e o meio, de modo que ela tenha acesso ao conhecimento e à cultura. A deficiência, o defeito ou o problema não constituiriam, em si, um impedimento para a aprendizagem e o desenvolvimento da criança. O que poderia constituir esse impedimento seriam as mediações estabelecidas, as formas de se lidar com o problema, negando possibilidades de trocas e relações significativas da criança (VYGOTSKY, 2005). A interação social estimulada nesse processo amplia o universo de cada um; estimula o conflito e a percepção de teses, antíteses e a busca da síntese, ainda que mais precária nesse período e mais acentuada na criança perante suas condições físicas e emocionais vividas no momento (VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 2001). Desse modo, a reintegração ao espaço escolar do educando que ficou temporariamente impedido de frequentá-lo por motivo de saúde deve levar em consideração alguns aspectos, como: o desenvolvimento da acessibilidade e da adaptabilidade; a manutenção do vínculo com a escola durante o período de afastamento por meio da participação em espaços específicos de convivência escolares previamente planejados (sempre que houver possibilidade de deslocamento); momentos de contato com a escola por meio de visita dos professores ou colegas do grupo escolar e dos serviços escolares de apoio pedagógico (sempre que houver a possibilidade de locomoção, mesmo que esporádica); garantia e promoção de espaços para acolhimento; escuta e interlocução com os familiares dos educandos durante o período de afastamento; preparação ou sensibilização dos professores, funcionários e demais alunos para o retomo do educando para a convivência escolar e retorno gradativo aos espaços de estudos sistematizados.
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Capítulo VII A criança passa a ser, nesse instante, concebida não mais como um ser doente, mas alguém com aptidão para o desenvolvimento sujeito a programas que maximizem suas potencialidades em um ato intencional de dirimir os danos causados pela hospitalização. Em contrapartida, diante da pós-hospitalização, o cuidado para que a criança não se sinta insegura e excluída no retorno à escola é fundamental para não acarretar um atraso no desenvolvimento da aprendizagem (FREITAS; ORTIZ, 2005). Esses conflitos que a criança passa, decorrentes da internação, são bem-administrados por algumas, mas não por outras. Por isso é que se torna fundamental que a equipe escolar auxilie o educando com os familiares nesse processo de inclusão à vida estudantil e social, preparando a turma, proporcionando atividades recuperatórias dos conteúdos que não foram desenvolvidos na classe hospitalar e garantindo a receptividade por parte de educadores, colegas e amigos. Diante desse fato, a atuação de professores e demais profissionais da educação deve, nesse contexto, levar em conta a hospitalização infantil, com todo o impacto os sentimentos de angústia e temor vivenciados pelas crianças a serem acompanhadas. Tais fatores podem estar presentes em possíveis dificuldades de aprendizagem já que, para ocorrer sucesso nela, é necessário haver um equilíbrio entre os fatores biológico, cognitivo, social e emocional (LIMA; NATEL, 2010), sendo nesse processo a intervenção do outro como algo bastante significativo para a aprendizagem e para o desenvolvimento (VYGOTSKY, 2001). Quaisquer que sejam as condições do indivíduo enfatizadas por meio de diversas teorias, de estudos e de práticas, há possibilidade de indivíduos, na condição de hospitalizados, atuarem ativa e cooperativamente o meio em que se
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encontram inseridos, desde que lhes seja facultada a vivência de situações que facilitem trocas, linguística, motora, intelectual, entre outros, e que o resultado dessas trocas seja dimensionado a partir de possibilidades e não de limites, de qualquer ordem. E, tão logo haja possibilidade de retomo à escola, cabe às equipes multiprofissionais oferecerem subsídios teóricopráticos à comunidade escolar para uma adequada reintegração psicossocial. Lima (1990) destaca que a equipe multidisciplinar deve ser capaz de compreender a criança em todas as suas especificidades, com determinações familiares, ambientais, educacionais, emocionais e culturais. Entendendo melhor o significado da escolaridade como elemento fundamental para o processo de recuperação e cura desde o momento do diagnóstico, o professor e a equipe de profissionais de saúde detêm condições ótimas de demonstrar que o atendimento pedagógico-educacional no ambiente hospitalar em muito colabora para que a criança não se sinta presa no hospital e possa, além de melhorar a sua compreensão sobre o ambiente hospitalar em que está inserida, de forma a estabelecer, manter ou estreitar os seus laços com o mundo de fora (FONSECA, 2003). Inúmeros estudos apontam o reconhecimento da importância do trabalho em parceria e que uma equipe multidisciplinar, ou mais ainda, funcionando de forma inter ou transdisciplinar e bem-preparada, poderá ser um elemento indispensável para a educação bem-sucedida de indivíduos que dela necessitem. E, como destaca Rogers (1991), apenas se conseguirá reunir as competências construídas ao longo do processo histórico da humanidade à medida que se perceba e respeite a especificidade que delimita cada área de atuação profissional.
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O referido estudo parte do ser humano, percebendo-o de modo integral, pois os sujeitos, enquanto se relacionam com seus pares, empreendem trocas, aprendizagens que constituem “atravessamentos recíprocos” (BHABHA, 2010), mediante os quais vão construindo na experiência cotidiana, novos saberes que o fazem buscar o bem-estar e a melhoria de sua qualidade de vida. Todos são sujeitos sociais e, como tal, não podem e nem conseguem viver no isolamento, assim sendo, viver de modo saudável pressupõe poder gozar do direito de conviver. E conviver de modo saudável. No desejo da manutenção da saúde, e na reciprocidade desses atravessamentos culturais empreendidos, constrói-se o repertório de informações, conhecimentos, saberes, que vão sendo agregados, utilizados e, por que não dizer, passados adiante, enquanto se amplia o círculo de pares com os quais todos convivem. Este trabalho traz, também, a possibilidade de agregar e articular uma equipe multidisciplinar que entende o gênero humano como um ser multifacetado e, por isso mesmo, vai lançar mão dos conhecimentos em potencial aportados pelos diversos profissionais das várias áreas do conhecimento, no sentido de, ao se construírem espaços de interlocução, os saberes possam ser colocados à disposição para mudar o foco da experiência negativa das impossibilidades e impedimentos causados quando se está doente, para a experiência positiva das possibilidades que se podem construir, ainda que se esteja doente.
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Nesses aspectos, pensando na criança e no jovem indígena hospitalizado ou em tratamento de saúde, observa-se na fala de seus principais interlocutores as seguintes colocações: O aluno indígena, quando hospitalizado, traz para dentro do hospital suas tradições e costumes. Precisa ser respeitado nesses aspectos. O professor ou o profissional de saúde que trabalham com esses indivíduos devem observar atentamente essas questões. A doença e o tratamento de saúde devem ser tratados sob sua visão. Entender esse olhar, sentimentos da criança e de seus familiares é uma das principais tarefas desses profissionais nessa fase, pois essas informações em muito colaborarão com a qualidade e o desenvolvimento desse processo. (Prof. 1).
Nesse momento, seus estudos, atividades e procedimentos médicos devem ser efetivados, conforme suas condições físicas, emocionais, sociais e culturais. Toda a sua subjetividade deve ser considerada. Mesmo hospitalizados, eles (criança e adolescente) podem e devem estudar. O Ministério da Educação e as secretarias de educação garantem a continuidade da escolarização por meio dos atendimentos educacionais em ambientes hospitalares. Nesses, todas as crianças e os adolescentes hospitalizados, independentemente da raça, cor, idade, devem ser atendidos na parte educacional. Esse trabalho não substitui integralmente a questão escolar, mas, dentro de possibilidades, dá continuidade ao trabalho e conteúdos que deviam estudar, se estivessem na escola. (Prof. 2).
Para que esse atendimento ocorra de modo efetivo e de qualidade, os professores e profissionais atuantes nos hospitais devem ser capacitados na atender a essa clientela. Recursos e investimentos devem, também, apoiar tais iniciativas e projetos. (Gestor 1).
O direito à educação e à saúde da criança e do adolescente indígena é uma questão urgente e necessária, haja vista suas condições, raça, etnia, idade e as dificuldades gerais por eles apresentados. (Gestor 2).
Respeito e qualidade nos atendimentos são coisas essenciais nesse trabalho. Toda criança ou jovem merecem... (Pai 1).
Quando meu filho está adoentado e é bematendido, fico satisfeita. Todos têm direito a um bom atendimento na casa ou no hospital. Na escolinha do hospital, ele aprendeu muito. É um trabalho digno de continuidade. Ajuda muito as crianças. Vale a pena ter nos hospitais. (Pai 2).
Nessa direção, seguindo as colocações de seus personagens principais (pais, alunos e professores), a classe hospitalar apresenta um objetivo claro e definido: manter e potencializar os hábitos próprios de educação intelectual e da aprendizagem que necessitam os enfermos em idade escolar, mediante as atividades desenvolvidas por professores em função docente (MATOS; MUGIATTI, 2006).
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Capítulo VII Os aspectos como a rotatividade dos alunos, a rotina diária, o fluxo e a dinâmica das internações fazem com que os professores pensem em estratégias adequadas às exigências e necessidades, contemplando a criança hospitalizada (AROSA; SCHILKE, 2008). Assim, a educação que se processa por meio desta não pode ser identificada como um simples depósito de conhecimentos, mas sim um suporte psicopedagógico, pois ameniza para a criança a condição de doente, e a mantém integrada em suas atividades da escola e da família, sendo apoiada pedagogicamente por profissionais capacitados para ampará-la no decorrer da internação. Portanto, a prática pedagógica nessas instituições deve se empenhar em atender crianças com necessidades educativas especiais transitórias, ou seja, crianças que, por motivo de doença prolongada, ou não, precisam de atendimento escolar diferenciado e especializado. Com isso, caberá à classe hospitalar buscar alternativas e métodos qualificados que ofereçam aos pacientes oportunidades de usufruírem de abordagens educativas por um determinado espaço de tempo (AROSA; SCHILKE, 2008). Nessa perspectiva, o educando, seja ele indígena ou não, desenvolve-se, porém, para isso, necessita de um espaço acolhedor e seguro e de um tempo satisfatório para processar suas aprendizagens, que conduzem ao desenvolvimento; assim como, nesse espaço, devem ser dadas atividades nutritivas com vistas ao desenvolvimento. Afinal, o educando necessita de desenvolvimento (LUCKESI, 2005). Barros (2007) descreve outra característica elementar da classe hospitalar: a de ser multisseriada, possuir, por sua vez, uma estrutura dinâmica, caracterizando-se por ser um grupo aberto, no qual não é possível considerar o desenvolvimento humano como um processo previsível, universal, linear ou gradual, já
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que cada criança poderá vivenciá-lo de diferentes formas e circunstâncias, processando-se “de forma dinâmica” e dialética com rupturas e desequilíbrios provocadores de contínuas organizações por parte do indivíduo (WALLON, 2008). Na classe hospitalar, afirmam também Funghetto, Freitas e Oliveira (1999), o desenvolvimento dos conteúdos ou temáticas acontecerá de acordo com as fases de desenvolvimento de cada criança a ser atendida e que a presença de crianças com idades mistas possibilita uma nova prática pedagógica. Sob esse prisma, o trabalho da classe hospitalar, ao mesmo tempo em que é focado nos objetivos vinculados aos conteúdos a serem desenvolvidos, deve ser adequado às necessidades e aos interesses dos alunos, prevendo uma série de possíveis alternativas a fim de que, caso haja imprevistos na sala de aula, estes possam ser aproveitados como se fossem “deixas”, ousando-se a ir com os alunos por caminhos que possam provocar mudanças no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem (FONSECA, 2003). Isto propiciará ao aluno maior capacidade de agir sobre o mundo, acomodar-se a este e diferenciar-se qualitativamente (LURIA, 2008). Nesse período, as atividades escolares deverão ser desenvolvidas diariamente por profissionais ou acadêmicos, que, no início, procuram descobrir as áreas de interesse do aluno para viabilizar sua expressão, possíveis dúvidas acadêmicas e a aquisição do vínculo, fator primordial para o aprendizado. A partir desse contato, são planejadas atividades que possibilitem à criança superar suas dificuldades e apropriar-se de novas habilidades e competências. Nas situações em que a criança estiver inserida na escola regular, é solicitado aos responsáveis que tragam para a instituição todo o material escolar dela para que seja garantida a continuidade do currículo desenvolvido pela escola de origem.
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As tarefas efetivadas na classe hospitalar devem, portanto, ser adequadas à situação peculiar de cada aluno e, para isso, é necessário conhecer o seu repertório para promover tarefas escolares e possibilitar novas aprendizagens (GONÇALVES; BRESAN, 1999). Não se trata de adaptar o modelo escolar ao hospital, mas de produzir modelos de ação pedagógicos que respondam às peculiaridades do espaço hospitalar, de cada hospital e da situação existencial da criança concreta, aquela diante de todos em todas as suas circunstâncias de vida (TAAM, 2004). No geral, a permanência dos alunos no serviço é bastante variável, assim como os motivos pelos quais se encontram hospitalizados: aqueles com anos de internação e outros que lá estão apenas um dia; frequentam a classe crianças e jovens internados para exames ou para uma intervenção cirúrgica relativamente simples, mas também pacientes oncológicos, anoréxicos e com outras graves enfermidades. Se a internação dura mais de três dias, a escola de origem é contatada para que se acompanhe o estágio em que se encontra o aluno. Quando da alta hospitalar, o aluno leva consigo um relatório das atividades realizadas na classe. Nessa interlocução, acabará tendo um contato muito próximo com os professores hospitalares. Isto faz com que as atividades escolares nessa instituição tenham uma maior regularidade e se assemelhem muito aos moldes das escolas oficiais, muito embora, em alguns momentos, essas crianças ou os adolescentes, mesmo que no hospital, se sintam indispostos e não possam acompanhar as programações escolares (PAULA, 2002 p. 13). Independentemente do tempo de permanência, idade, raça, etnia da criança no tratamento de saúde, o atendimento na classe hospitalar ajuda a criança a se desvincular das restrições desse ambiente e pode ter um significado importante para o seu processo de desenvolvimento e aprendizagem.
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Capítulo
VIII
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico SILVA, Andréia Gomes da¹ PASSEGGI, Maria da Conceição2 1 Introdução 2 Percurso histórico do AEHD no Rio Grande do Norte 3 Caminhos legais e rede de fomento à institucionalização do AEHD 4 Organização do AEHD na rede pública de ensino do Rio Grande do Norte 5 Considerações finais Referências
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Professora responsável pelo Núcleo de Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar do Rio Grande do Norte (NAEHD – SEEC/RN). Doutoranda e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, Formação, Autobiografia, Representações e Subjetividades (GRIFARS-PPGEd-UFRN-CNPq). andreia-lagoa@hotmail.com 1
Pesquisadora Pq2-CNPq. Professora permanente dos Programas de PósGraduação em Educação da UFRN e da Universidade Cidade de São Paulo. Doutora em Linguística (Université de Montpellier 3, França) com estágios de pós-doutorado em Educação (Université de Nantes e Tours, França, PUCRS; Université de Paris). Líder do GRIFARS-UFRN-CNPq). Pesquisadora associada do Centro de Investigação e Educação e Psicologia (CIEP, UÉvora) e do Centro de Estudos da Criança (CIEC- UMinho). mariapasseggi@gmail.com 2
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Capítulo VIII
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
1 Introdução Este artigo resulta de um recorte da dissertação de mestrado da primeira autora (SILVA, 2019), vinculada a projetos de pesquisa3, realizados com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), coordenado pela segunda autora. Discorre sobre o percurso histórico da institucionalização do Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar (AEHD) no Rio Grande no Norte (RN), nos últimos vinte anos, com foco nas políticas públicas e na cooperação com instituições da sociedade civil e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Objetiva-se sublinhar, nessa trajetória, a importância do protagonismo dessas instituições e o papel da pesquisa na implementação desse serviço no RN em estreita colaboração com a Secretaria de Estado da Educação, da Cultura do Esporte e do Lazer (SEEC/ RN) e de secretarias municipais de educação dos municípios, notadamente da secretaria da cidade de Natal. O Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar faz parte das políticas públicas de inclusão do RN. O caminho percorrido no Estado não difere dos avanços nacionais obtidos pelas políticas de inclusão, impulsionadas após a promulgação da Constituição federal de 1988 (BRASIL, 1988), para as quais contribuíram movimentos da sociedade civil na luta por garantias sociais que regulamentaram o AEHD no país, no âmbito federal, estadual e municipal. Aqui são expostos os marcos legais e acadêmico-científicos que deram origem a uma rede de cooperação e fomento para institucionalização do serviço de AEHD no RN, a organização e o funcionamento do Núcleo de Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar do RN (NAEHD/ RN), serviço vinculado à Subcoordenadoria de Educação Especial (SUESP) e ao Programa de Classe Hospitalar da Secretaria Municipal de Educação de Natal (SME), vinculado ao Setor de Educação Especial.
PASSEGGI, M. C. “Narrativa, educação e saúde: crianças, família e professores entre o hospital e a escola” (2019-2022, nº 443695/2018-0); “Narrativas da infância: o que contam as crianças sobre a escola e os professores sobre a infância” (2012-2019, nº 462119/2014-9) - MCTIC/CNPq – Editais Universal.
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2 Percurso histórico do AEHD no Rio Grande do Norte O AEHD destinado a crianças e adolescentes em tratamento de saúde no Rio Grande do Norte foi em sua origem fomentado por quatro instituições da sociedade civil: Hospital Infantil Varela Santiago, Grupo de Apoio à Criança com Câncer do RN e Casa de Apoio à Criança com Câncer Durval Paiva, Associação de Apoio ao Portador de Câncer de Mossoró e Região e uma instituição de ensino superior, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Essas instituições desempenharam um papel de relevância para a construção histórica e consolidação do serviço hoje existente no Estado. As instituições da sociedade civil, com ações práticas realizadas por seu corpo de voluntários e investimento na contratação de professores, e a UFRN, por meio de pesquisa, de formação graduada e pós-graduada, assim como por projetos e cursos de extensão e eventos científicos. Destaca-se, em primeiro lugar, que o reconhecimento do direito à educação e da criança como sujeito de direitos fomentaram a institucionalização do AEHD no Estado. Em segundo lugar, as ações de instituições da sociedade civil, embasadas na legislação nacional e especialmente na Resolução n° 41, de 13 de outubro de 1995, do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1995), sobre “Os direitos das crianças e adolescentes hospitalizados”, e no documento do Ministério da Educação (MEC), “Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações” (BRASIL, 2002), em vista das quais buscaram a oficialização e implementação do atendimento educacional hospitalar e domiciliar por meio das secretarias estadual e municipal de educação.
Apresentamos, a seguir, um resumo das ações educativas realizadas pelas instituições antes da institucionalização do serviço de AEHD: a) Casa Durval Paiva – Esta foi a primeira instituição que implementou, em 1998, o programa Sala de Apoio Pedagógico (SAP), na perspectiva de minimizar possíveis perdas educacionais ocasionadas pelo afastamento escolar total e/ou parcial de crianças e adolescentes em tratamento de saúde, passando a realizar atividades pedagógicas na instituição e no hospital de referência, Liga Norte RioGrandense contra o Câncer (SILVA; ROCHA, 2015). Em 2008, assinou convênio com a SEEC/RN, que disponibilizava um profissional de educação com o objetivo de institucionalizar a “classe hospitalar” com o nome “Sala de Apoio Pedagógico”, na referida instituição, pelo período de um ano. Esse convênio elaborou o primeiro documento que constitui um marco histórico na história do AEHD (SILVA, 2019); b) Associação de Apoio aos Portadores de Câncer de Mossoró e Região (AAPCMR) - Iniciou as ações educativas a partir do trabalho de voluntários e, em 2005, contratou uma professora para a realização do acompanhamento educacional de suas crianças e de adolescentes com câncer e doenças hematológicas crônicas, por meio de um financiamento do projeto na área de educação (SILVA, 2019);
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c) Grupo de Apoio à Criança com Câncer do RN (GACC) - Tem uma trajetória de 29 anos de ações realizadas por voluntários. Foi fundada em 1990. Inicialmente realizava atividades de recreação e de reforço escolar, pois faziam parte desse grupo alguns professores. As atividades tinham como objetivo o não afastamento por completo da criança em tratamento de saúde do aprender, não havendo relação com a escola do estudante. No entanto, diante das demandas e da necessidade de mais sistematização das atividades realizadas, a instituição, em 2009, implanta o Setor Pedagógico com a contratação de uma pedagoga, recebendo o financiamento da Petrobrás (NÓBREGA, 2011; SILVA, 2019);
d) Hospital Infantil Varela Santiago - Possui uma história de 101 anos de cuidado à saúde de crianças e adolescentes. O trabalho na classe hospitalar inicia-se voluntariamente em janeiro de 2009, com a professora Simone Maria da Rocha (SILVA, 2011). Seis meses depois, o hospital contrata a professora e implementa o serviço; e) Após a implantação da classe, o hospital solicita formalmente à SME o apoio para a oficialização e o reconhecimento da classe hospitalar, apresentando o projeto “Escola no hospital”. O município, diante da solicitação, posicionou-se dizendo que não dispunha de quadro funcional ou recursos materiais para prover a necessidade naquele momento (SILVA, 2011; SILVA, 2019);
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f) Universidade Federal do Rio Grande do Norte - A contribuição da UFRN inicia-se mediante ações extensionistas, desempenhando um papel fundamental na constituição histórica do atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte. A primeira iniciativa da UFRN foi a implantação, em 2004, desse serviço no Hospital do Seridó, em Caicó. O Projeto de Extensão “Cuidando da criança internada e seus acompanhantes” era coordenado pelo professor Dr. Adailson Tavares de Macêdo e foi realizado pelo Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES). Tinha como proposta pedagógica a atenção escolar a crianças em situação de internação, oferecendo orientações e suporte para minimizar as dificuldades ocasionadas pelo tratamento e danos gerados pelo afastamento escolar (ROCHA, 2014; MEDEIROS, 2016). A classe hospitalar Sulivan Medeiros, do Hospital do Seridó, funcionou com atuação de professores voluntários até 2010, quando ela foi oficialmente instituída pelo poder público, momento em que SEEC-RN assinou o Termo de Cooperação Técnica com o Hospital, ficando a partir então sob a corresponsabilidade do NAEHD/RN e do Hospital do Seridó. A segunda iniciativa extensionista da UFRN iniciou-se, em 2003, no Hospital de Pediatria Professor Heriberto Bezerra (HOSPED/UFRN), com o projeto de extensão “Educar para crescer”, vinculado ao Setor de Psicologia. É importante destacar que esse serviço contava com a colaboração da Professora Simone Maria da Rocha, à época era estagiária do Curso de Pedagogia da UFRN, que viria a contribuir para a implantação, em 2009, da classe hospitalar no Hospital Varela Santiago. Em sua tese, Rocha (2012) relata as dificuldades de implementação da classe hospitalar no HOSPED, mas ressalta a abertura do Hospital para realização de pesquisas. Foram realizadas duas monografias, tendo como lócus o HOSPED e a problemática da escolarização de crianças e adolescentes em tratamento de saúde.
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Capítulo VIII As primeiras pesquisas sobre classes hospitalares no Estado foram realizadas, na formação graduada, por alunas do curso de Pedagogia da UFRN, que eram estagiárias no HOSPED (ROCHA, 2007; SILVA, 2018), sob a orientação da Professora Maria da Conceição Passeggi, e estavam vinculadas às ações do GRIFARSPPGEd-UFRN-CNPq. Os três primeiros trabalhos de conclusão de curso nessa área foram: 1) “Atendimento pedagógico no ambiente hospitalar: a ausência da escola no olhar dos pais e dos profissionais de saúde”, decorrente da pesquisa realizada por Simone Maria da Rocha, defendido em 2007; 2) “O cenário hospitalar: um espaço de aprendizagem escolar?”, de autoria de Larisse Priscila de Medeiros, defendido em 2008; 3) “Reflexões sobre a implantação da classe hospitalar no Hospital Infantil Varela Santiago (2009-2011)”, de autoria de Raissa Araújo da Silva, defendido em 2011. Posteriormente, as contribuições do GRIFARS estendem-se aos estudos pós-graduados no Programa de Pós-Graduação em Educação, aprofundando a pesquisa sobre a temática. Em 2012, foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN (PPGEd-UFRN), a primeira dissertação de mestrado: “Narrativas infantis: o que nos contam as crianças de suas experiências no hospital e na classe hospitalar”, de autoria de Simone Maria da Rocha e, em 2014, a primeira tese: “Viver e sentir; refletir e narrar: crianças e professores contam suas experiências no hospital e na classe hospitalar” da mesma autora. A formação pós-graduada e as pesquisas sobre o atendimento educacional hospitalar e domiciliar continuaram a se realizar vinculadas ao GRIFARS-PPGEd-UFRN-CNPq, e aos projetos de pesquisa com o apoio do CNPq, coordenados pela segunda autora deste capítulo, que vem formando professoras e formadoras de professores das classes hospitalares. Em sequência foram publicadas as seguintes pesquisas: de mestrado: “Entre a classe hospitalar e a escola regular: o que nos contam crianças
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
com doenças crônicas” (RODRIGUES, 2018) e “Vinte anos de atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: perspectivas históricas e autobiográficas” (SILVA, 2019) e de doutorado, “Experiências pedagógicas em classe hospitalar: por uma formação docente especializada” (OLIVEIRA, 2019). A contribuição do GRIFARS na formação pós-graduada pelo PPGEd-UFRN totaliza até o momento quatro de mestrados, duas de doutorados e duas de doutorados em andamento. Estas constituem contribuições relevantes para o AEHD, uma vez que os pós-graduandos são, ou foram, professoras de classes hospitalares e atuam na formação de professores do AEHD nos cursos de extensão promovidos pela UFRN. Do ponto de vista das ações de extensão da UFRN, ressalta-se o “Seminário Regional sobre Atendimento Educacional Hospitalar” (SRAEH), promovido em 2012, 2015 e 2017, coordenados pela Professora Dra. Jacyene Melo, do Departamento de Fundamentos e Políticas da Educação do Centro de Educação da UFRN, em parceria com a SEEC/RN e SME de Natal. As três edições do SRAEH contribuíram para a difusão das pesquisas realizadas no PPGEdUFRN e em outras instituições brasileiras sobre a temática, assim como para a formação de graduandos da UFRN e de professores das classes hospitalares e domiciliares do Estado. As contribuições da UFRN, nessa área, para as secretarias de educação do Estado e municipais acontecem em diversas esferas: na pesquisa, na formação pós-graduada de professores das classes hospitalares, na formação de formadores, na formação continuada dos professores do sistema estadual de ensino, no campo de estágio nas classes hospitalares e domiciliares e, especialmente, nas reflexões resultantes de pesquisa sobre a infância e a escolarização de crianças em tratamento de saúde, assim como na construção das políticas para o atendimento educacional hospitalar e domiciliar.
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Capítulo VIII
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3 Caminhos legais e rede de fomento à institucionalização do AEHD O início do processo de oficialização do atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte deu-se com uma demanda judicial, quando, em 2009, o Comitê Interinstitucional de Resolução Administrativa de Demandas da Saúde (CIRADS)4, em visita ao Hospital Infantil Varela Santiago, conhece o projeto elaborado pela professora Simone Maria da Rocha, “Escola no Hospital”, cujo objetivo era o reconhecimento das secretarias da classe hospitalar implementada pela instituição naquele ano (ROCHA, 2014). Diante da situação apresentada, o CIRADS propõe se engajar juntamente com o Hospital Infantil Varela Santiago na luta pelo reconhecimento e oficialização da classe hospitalar do Varela Santiago, responsabilizandose, assim, a Secretaria Municipal de Educação de Natal e a Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer do Rio Grande do Norte. Nesse sentido, o CIRADS realizou diversas reuniões com a SME de Natal, SEEC/RN e Secretaria de Saúde Pública (SESAP) do RN para a implementação de classes hospitalares no Sistema de Ensino do Estado, cujo objetivo era garantir o direito à escolarização de crianças e adolescentes em tratamento de saúde. Nas reuniões, foram discutidos os aspectos legais do atendimento educacional para as crianças e os adolescentes em tratamento de saúde, a viabilidade de convênios e a realização do Primeiro Seminário sobre Classe Hospitalar no RN (ROCHA, 2014).
Em 27 de outubro de 2010, em uma solenidade no Hospital Infantil Varela Santiago foi reconhecida legalmente a primeira classe hospitalar do RN, com a assinatura do Termo de Cooperação Técnica entre SME e Hospital Infantil Varela Santiago, ficando assim criado oficialmente o primeiro atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Estado (ROCHA, 2014). Como fruto dessa mobilização, nos dias 4 e 5 de novembro de 2010, no auditório do Instituto Federal do RN, realizou-se o “Seminário de Classe Hospitalar no RN”, com a presença de grandes nomes nacionais sobre a temática, como: Elizete Mattos, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR); Amália Covic, do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAACC) de São Paulo; Cláudia Werneck do Rio de Janeiro; Sandra MaiaVasconcelos, do Ceará, além de autoridades do Ministério Público, Advocacia-Geral da União, Comitê Interinstitucional de Resolução Administrativa de Demandas da Saúde (CIRADES), SESAP, SEEC/RN, SME de Natal, as instituições que já tinham professores contratados em seus quadros de profissionais, os poucos professores da rede que atuavam na área e a professora Simone Maria da Rocha, idealizadora do projeto que fomentou esse evento e a implementação do serviço. O Seminário foi um marco para a institucionalização do atendimento educacional hospitalar e domiciliar no RN. As secretarias estadual e municipal de educação de Natal se comprometeram em implantar oficialmente o serviço
Acordo de cooperação assinado pela Procuradoria da União no Estado do Rio Grande do Norte, Defensoria Pública da União no Estado do RN, Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Norte, Procuradoria Geral do Município de Natal, Secretaria de Estado da Saúde Pública e Secretaria Municipal de Saúde de Natal. 4
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Capítulo VIII de atendimento educacional hospitalar e domiciliar por meio de classes hospitalares e domiciliares. Dessa forma, a SEEC/RN e SME, em 2010, assinaram os primeiros convênios para a implantação de classes hospitalares e domiciliares, reconhecendo, enfim, o direito de crianças e adolescentes em tratamento de saúde, e garantindo a continuidade da
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico escolarização e inclusão desses sujeitos. Foi uma sucessão de acontecimentos e eventos que contribuíram para o fomento e implantação do atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte. O Quadro 1 apresenta uma sequência desses acontecimentos.
Quadro 1 - Cronologia do fomento e implantação do Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar (AEHD) no Rio Grande do Norte (1998 -2018) Ano
Acontecimentos
1998
Casa Durval Paiva implementa o projeto “Sala de apoio pedagógico”, com a finalidade de garantir a escolarização de crianças e adolescentes com câncer.
2003
Hospital de Pediatria Professor Heriberto Bezerra-HOSPED/UFRN, inicia o projeto de extensão “Educar para crescer”, vinculado ao setor de Psicologia, com a colaboração de uma estagiária do curso de pedagogia da UFRN.
2004
Projeto de Extensão da UFRN no Câmpus Caicó: “Cuidando da criança internada e seus acompanhantes”, realizado no Hospital do Seridó.
2005
A Associação do Portador de Câncer de Mossoró e Região contrata uma professora para a realização de atividades escolares com as crianças da instituição.
2007
Publica-se na UFRN o primeiro TCC sobre a temática: “Atendimento pedagógico no ambiente hospitalar: a ausência da escola no olhar dos pais e dos profissionais de saúde”, de autoria de Simone Maria da Rocha, vinculado ao Grupo Interdisciplinar de Pesquisa, Formação, (Auto)biográfica, Representações e Subjetividades (GRIFARS-PPGEd-UFRN-CNPq).
2008
Casa Durval Paiva assina convênio com a SEEC/RN que disponibiliza um profissional de educação para a “Sala de Apoio Pedagógico”, oficializando a “classe hospitalar” na instituição. Continua
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Capítulo VIII
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
2009
O Grupo de Apoio à Criança com Câncer implanta o Setor Pedagógico com a contratação de uma pedagoga.
2009
Hospital Infantil Varela Santiago implementa a classe hospitalar com a contratação de uma professora e estruturação de um espaço físico no Centro de Onco-Hematologia Infantil (COHI).
2009
Comitê Interinstitucional de Resolução Administrativa de Demandas da Saúde (CIRADES) conhece o projeto “Escola no hospital” e propõe se engajar juntamente com o Hospital Infantil Varela Santiago na luta pelo reconhecimento e oficialização da classe hospitalar, responsabilizando as secretarias de educação.
2010
Assinatura do Termo de Cooperação Técnica entre Secretaria Municipal de Educação do Natal e Hospital Varela Santiago, criando oficialmente a primeira classe hospitalar no Estado.
2010
Com o fomento do CIRADES, realizou-se nos dias 4 e 5 de novembro de 2010 o “Seminário de Classe Hospitalar no RN”, no qual as secretarias de educação comprometem-se em implementar o serviço nos hospitais e casas de apoio onde há crianças e adolescentes em situação de adoecimento.
2010
Secretaria Municipal de Educação do Natal (SME) assina convênio com o Hospital Maria Alice Fernandes, Hospital Walfredo Gurgel e Hospital Santa Catarina.
2010
Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer do RN assina convênio com o Hospital Infantil Varela Santiago, Hospital do Seridó (Caicó), Hospital Maria Alice Fernandes, Casa Durval Paiva, Grupo de Apoio à Criança com Câncer.
2012
A UFRN realiza em parceria com as secretarias de educação o 1º Seminário Regional sobre Atendimento Educacional Hospitalar.
2012
O município de Natal, no dia 21 de agosto de 2012, promulgou a Lei n° 6.365, que dispõe sobre o “Programa de classe hospitalar”. Continua
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Capítulo VIII
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
2012
A Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esporte de Caicó encaminha um professor para atuar na classe hospitalar do Hospital do Seridó.
2012
É defendido o primeiro Mestrado em Educação no PPGEd-UFRN, vinculado ao GRIFRAS-UFRN-CNPq, sobre a temática: “Narrativas infantis: o que nos contam as crianças de suas experiências no hospital e na classe hospitalar”, de autoria de Simone Maria da Rocha (ROCHA, 2012).
2013
A SEEC/RN assina convênio com a Associação do Portador de Câncer de Mossoró e Região e com o Hospital Giselda Trigueiro.
2014
É defendida a primeira tese de doutorado em educação sobre classes hospitalares no PPGEd-UFRN, “Viver e sentir; refletir e narrar: crianças e professores contam suas experiências no hospital e na classe hospitalar”, de Simone Maria da Rocha (ROCHA, 2014). A tese é vinculada ao projeto financiado pela CNPq “Narrativas infantis: o que nos contam as crianças sobre a escola e os professores sobre a infância”, desenvolvido pelo GRIFRAS-UFRN-CNPq.
2014
A SEEC/RN assina convênio com o Hospital Universitário Onofre Lopes/UFRN.
2015
Aprovada a lei municipal de Caicó nº 4.814, de 23 de setembro de 2015, que dispõe sobre o Programa de Classe Hospitalares unidades da Rede Municipal de Saúde.
2015
Realização do “2º Seminário Regional sobre Atendimento Educacional Hospitalar e o 3º Seminário de Formação para Professores que atuam nas Classes Hospitalares do RN”.
2015
É realizada a audiência pública “Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar no RN” na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte.
2016
A SME de Natal assina convênio com o Hospital Universitário Onofre Lopes/UFRN. Continua
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Capítulo VIII
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
2016
É defendida a segunda dissertação de mestrado em educação sobre a formação de professores nas classes hospitalares no PPGEd-UFRN: “Narrativas de aprendizagens ao longo da vida: uma pesquisa-ação-formação com professoras de classes hospitalares”, de Roberta Ceres Antunes de Medeiros (OLIVEIRA, 2016).
2017
A SEEC/RN assina convênio com a casa de apoio - Associação Amigos do Coração da Criança (AMICO).
2017
Realização do “3º Seminário Regional sobre Atendimento Educacional Hospitalar e o 2º Fórum sobre atendimento educacional hospitalar e domiciliar do RN”.
2018
Aprovação da Lei Estadual n° 10.320, de 18 de janeiro de 2018, que “Dispõe sobre o Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar no RN” (RIO GRANDE DO NORTE, 2018a).
2018
É defendida a terceira dissertação de mestrado em educação sobre a formação de professores nas classes hospitalares no PPGEd-UFRN: “Entre a classe hospitalar e a escola regular: o que nos contam crianças com doenças crônicas”, de Senadaht Barbosa Baracho Rodrigues (RODRIGUES, 2018).
2019
É defendida a quarta dissertação de mestrado em educação sobre o AEHD no PPGEd-UFRN: “Vinte anos de atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: perspectivas históricas e autobiográficas” (SILVA, 2019) e de doutorado “Experiências pedagógicas em classe hospitalar: por uma formação docente especializada” (OLIVEIRA, 2019).
Fonte: SILVA (2019)
Fato relevante que merece destaque é a realização da audiência pública sobre o “Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar no RN”, realizada no dia 27 de maio de 2015, na Assembleia Legislativa do RN. Foi um grande marco para a continuidade da institucionalização do atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte, trazendo para discussão a temática e o envolvimento dos entes interessados, com vistas a suscitar uma lei estadual que respaldasse legalmente o direito de crianças e adolescentes em tratamento de saúde continuar estudando.
Após a audiência pública tomou-se como encaminhamento uma agenda de reuniões, com a participação das autoridades presentes e representantes da SEEC/RN, para elaboração da minuta do projeto de lei. No dia 18 de janeiro de 2018 foi sancionada a Lei n° 10.320, que “Dispõe sobre o Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar no RN”. A aprovação dessa Lei permitiu a continuidade e ampliação do AEHD, cabendo ao Estado garantir a crianças e jovens privados de irem à escola por razões de adoecimento, a continuidade de sua escolarização em classes hospitalares e domiciliares.
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Capítulo VIII
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
4 Organização do AEHD na rede pública de ensino do Rio Grande do Norte O serviço de atendimento educacional hospitalar e domiciliar da rede pública de ensino no Estado do Rio Grande do Norte está sob a organização das secretarias estadual e municipal de Natal e Caicó. Cada secretaria possui sua organização para o desenvolvimento do serviço; entretanto, é relevante a articulação entre elas, visto que os professores das diferentes redes compartilham os espaços e viabilizam a escolarização dos mesmos estudantes. O AEHD na rede estadual de ensino é vinculado à Subcoordenadoria de Educação Especial, realizado pelo NAEHD/SEEC/RN, criado em 2010. O NAHED tem como objetivos: 1) viabilizar o atendimento educacional hospitalar e domiciliar; 2) acompanhar a implementação do serviço; 3) oferecer formação continuada aos professores; 4) realizar assessoramento e monitoramento por meio do suporte pedagógico e administrativo. O NAEHD/RN, com sede na SEEC/ SUESP, apresenta uma gestão na perspectiva democrática, sob a coordenação de duas assessoras pedagógicas. A Secretaria Municipal de Educação de Natal conta com professoras que atuam nas instituições conveniadas, lotadas em escolas de referência da rede municipal, como preconiza a lei municipal. Escolas de referência são instituições educativas às quais cada classe da rede municipal está vinculada, bem como os docentes que realizam o serviço, cabendo a essas escolas oferecer suporte pedagógico (planejamentos, materiais pedagógicos e escolares, livros) e administrativo (ponto, licenças, férias), juntamente com o hospital conveniado. O serviço está sob a coordenação do Setor de Educação
Especial da Secretaria Municipal de Educação, realizando assessoramentos, com vistas a: acompanhar, orientar e avaliar a prática pedagógica desenvolvida, elaborar instrumentais pedagógicos e estabelecer contato com as escolas de referência. No assessoramento, também são avaliadas as relações das classes hospitalares com a equipe multidisciplinar dos hospitais e entre os professores da rede estadual, na busca de oferecer um atendimento de excelência e de estabelecer parcerias nos projetos de trabalho desenvolvidos (SILVA; CHAGAS, 2018). A SMECE de Caicó dispõe de professores para atuação na classe hospitalar Sulivan Medeiros do Hospital do Seridó, os quais estão vinculados ao setor de educação especial da referida secretaria, sendo o serviço implementado em 2012, três anos antes da aprovação da lei municipal que dispõe do serviço. A SEEC/RN e a SME têm Termo de Cooperação Técnica com as instituições conveniadas que possuem classes; esse convênio geralmente tem validade de quatro anos e esclarece o papel e a responsabilidade dos entes, além do quantitativo de professores para cada instituição. Para a implantação de novas classes hospitalares e domiciliares, os trâmites são praticamente os mesmos nas referidas secretarias: as instituições interessadas enviam um ofício ao secretário de educação solicitando a implementação do serviço de classe hospitalar ou domiciliar. No Estado, esse serviço está sob a responsabilidade da SUESP. Assim, o gabinete encaminha à Subcoordenadoria da Educação Especial a solicitação, que repassa para o NAEHD/RN. Na SME, o gabinete envia a
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Capítulo VIII solicitação ao Departamento de Ensino Fundamental, que encaminha para as técnicas da educação especial (SILVA; CHAGAS, 2018). Após o recebimento do documento, assessores pedagógicos das secretarias realizam uma visita técnica à instituição solicitante, para verificar as condições de implementação. Em seguida, é feito um relatório, uma justificativa e um parecer favorável à implementação da classe hospitalar ou domiciliar, que é encaminhado à assessoria jurídica das secretarias para análise. Após a análise, agenda-se a cerimônia de celebração do Termo de Cooperação Técnica, que acontece com a presença do(a) secretário(a) de educação e dos diretores da instituição parceira. Assinado o Termo, o encaminha para publicação no Diário Oficial do Estado ou Diário Oficial do Município, que legitima a parceria, fazendo-se cumprir o termo. Nos Termos de Cooperação Técnica, fica sob a responsabilidade das secretarias a formação continuada dos professores vinculados às instituições conveniadas, dessa forma, a SEEC/ RN e a SME de Natal, desde o início da implementação do serviço, em 2011, realizam atividades de formação continuada para os professores que atuam nas classes hospitalares e domiciliares. Essa formação acontece no decorrer do ano letivo, em encontros quinzenais ou mensais, abordando temáticas sugeridas pelo grupo de professores e pela equipe técnico-pedagógica das secretarias. De 2016 a 2018, aconteceu em parceria com a UFRN, como um curso de extensão. Além disso, cada secretaria oferece outros cursos de formação: por intermédio da SME, para os professores da rede municipal, pelo Setor de Educação Especial/Departamento de Ensino Fundamental e Educação Infantil; e, para os professores da rede estadual, da SEEC/SUESP (SILVA; CHAGAS, 2018). O AEHD no Rio Grande do Norte é garantido pela rede pública de ensino e realizado por professores efetivos em dez
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico instituições conveniadas com as secretarias de educação. O serviço é realizado em hospitais e casas de apoio denominado “classe hospitalar e classe domiciliar”, conforme legislação estadual (RIO GRANDE DO NORTE, 2018a). A seguir apresentase a descrição com o perfil das instituições, quantitativo de professores e estimativa de estudante atendido mensalmente (SILVA, 2019): a) Hospital Infantil Varela Santiago - É de cunho filantrópico e tem 101 anos de história. Possui 110 leitos divididos em diversas especialidades médicas, sendo os setores de maior complexidade: Clínica Cirúrgica, Unidade para Neurocirurgias, Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) e o Centro de Onco-Hematologia Infantil (COHI). Atende exclusivamente aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo crianças e adolescentes de 0 a 14 anos. A classe hospitalar foi implementada em 2009 com a SME e 2010 com a SEEC. Possui um quantitativo de oito professores, sendo quatro da SEEC/RN e quatro da SME, atendendo uma estimativa de 110 estudantes por mês (HIVS, s.d.);
b) Hospital Maria Alice Fernandes - Fundado em 12 de outubro de 1999, pertence à rede estadual de saúde, é vinculado à SESAP e integra o SUS. Realiza atendimento 24 horas a crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, advindos de todo o Estado. Possui 77 leitos, além de sete leitos na UTI. Em 2010, implementou-se a classe hospitalar a partir de convênios firmados com a SME e SEEC. Possui um quantitativo de três professores, sendo 1 (um) da SEEC/RN e 2 (dois) da SME, atendendo uma estimativa de 70 estudantes por mês (HEMAF, 2010);
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Capítulo VIII
c) Hospital Giselda Trigueiro - Possui 75 anos de funcionamento, é uma instituição de caráter público, pertencente à SESAP, com a disponibilidade de 103 leitos, entre eles uma UTI. Caracteriza-se por ser um serviço de assistência especializada, sendo referência para o Estado em doenças infecciosas, informação toxicológica e imunobiológicas especiais. Em 2013 foi implementada a classe hospitalar na instituição por meio da SEEC/RN; entretanto, as atividades educativas foram suspensas em 2017 por fechamento da unidade pediátrica (RIO GRANDE DO NORTE, s.d.);
d) Hospital Universitário Onofre Lopes - É uma instituição de 110 anos, vinculado à UFRN. Sua relação com a pediatria se deu em 2013, quando todos os hospitais universitários passaram a ser administrados pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Nesse ano, o Hospital de Pediatria Professor Heriberto Bezerra (HOSPED/UFRN) encerrou suas atividades, passando a integrar o HUOL, transformandose na Unidade de Atenção à Criança e ao Adolescente. Essa unidade compreende atendimento ambulatorial, internação hospitalar (30 leitos) e UTI pediátrica (5 leitos). Em 2014, a SEEC implementa a classe hospitalar e em 2016 a SME também assina convênio. Possui um quantitativo de quatro professores, sendo dois da SEEC/ RN e dois da SME, atendendo uma estimativa de 60 estudantes por mês (HUOL-UFRN);
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
e) Hospital Walfredo Gurgel - Possui 47 anos de funcionamento, sendo referência no atendimento hospitalar de crianças e adultos em situação de emergências clínicas pelo SUS. É uma instituição de caráter público, pertencente à SESAP com a disponibilidade de 284 leitos. A classe hospitalar foi implementada em 2010, com convênio firmado com a SME. São atendidos crianças e adolescentes na faixa etária dos dois aos 14 anos na enfermaria pediátrica do terceiro andar e no Centro de Tratamento de Queimados (CTQ). Possui um quantitativo de dois professores da SME, atendendo uma estimativa de 30 estudantes por mês (HMWG, s.d.); f) Hospital do Seridó - Classe Hospitalar Sulivan Medeiros - Foi fundado em 1926, sendo instituída a Fundação Hospitalar Dr. Carlindo Dantas em 1969 no município de Caicó. Hoje o hospital encontra-se sob a administração da Prefeitura Municipal. A classe hospitalar foi instituída por meio de convênio com a SEEC em 2010, e, em 2016, a SMECE/Caicó também encaminha professores para a classe. Possui um quantitativo de quatro professores, sendo dois da SEEC e dois da SMECE, atendendo uma estimativa de 50 estudantes por mês (HS, 2011);
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Capítulo VIII
g) Casa de Apoio à Criança com Câncer Durval Paiva – Liga Contra o Câncer - Instituição filantrópica fundada em 1995, cuja missão é atender crianças e adolescentes com câncer e doenças hematológicas crônicas, em uma perspectiva integral. A instituição oferece para crianças e adolescentes acompanhamento multiprofissional, atendendo uma média de 500 pessoas por mês. Oferece suporte para pacientes que fazem tratamento na Liga Contra o Câncer. Em 2008 foi a primeira instituição a firmar convênio com a SEEC. Em 2010, esse convênio foi renovado e implementada a classe domiciliar sob a responsabilidade do NAEHD. Possui um quantitativo de sete professores da SEEC, atendendo uma estimativa de 80 estudantes por mês (CASA DURVAL PAIVA, s.d.);
h) Grupo de Apoio à Criança com Câncer - A instituição iniciou suas atividades em 1990. É uma organização não governamental que acomoda crianças ou adolescentes em tratamento oncológico ou hematológico em situação de vulnerabilidade, oriundos da capital e do interior do Estado, que necessitam de suporte logístico e emocional durante o tratamento, normalmente realizado no Hospital Infantil Varela Santiago. O Grupo oferece a seus 300 assistidos atendimentos: psicossocial, nutricional, pedagógico odontológico e jurídico. Em 2010 foi implementada a classe domiciliar na instituição por meio de convênio com a SEEC. Possui um quantitativo de um professor da SEEC, atendendo uma estimativa de 30 estudantes por mês (GACC, 2018);
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
i) Associação de Apoio aos Portadores de Câncer de Mossoró e Região - A instituição é de cunho filantrópico e foi fundada em 1997. Oferece auxílio a pacientes de diversos municípios do Rio Grande do Norte que se deslocam à capital do Oeste Potiguar para tratamento na Liga Mossoroense de Estudos e Combate ao Câncer (LMECC). Além de hospedagem, os pacientes têm direito a todas as refeições diárias e ao acompanhamento de um técnico em enfermagem. Em 2013 implementou-se a classe hospitalar/domiciliar via convênio com a SEEC. Possui um quantitativo de dois professores da SEEC, atendendo uma estimativa de 30 estudantes por mês (AAPCMR, 2018); j) Associação Amigos do Coração da Criança - É uma entidade sem fins lucrativos que oferece apoio a crianças portadoras de cardiopatias de todo o Estado, por meio de consulta médica, exames, nutricionistas, assistentes sociais e psicólogos. Foi fundada em 2010 e atende mais de 900 crianças cardiopatas por ano. Em 2018 firmou-se convênio com a SEEC, implementando a classe domiciliar na instituição. Possui um professor da SEEC atendendo uma estimativa de 15 estudantes por mês (AMICO).
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Capítulo VIII O AEHD no Estado de Rio Grande do Norte é realizado em dez instituições, sendo em seis hospitais e quatro casas de apoio. Dos hospitais, um é filantrópico, e os demais pertencem à rede pública de saúde, todos caracterizados por serem de referência em média e alta complexidade. Já as casas de apoio são instituições da sociedade civil, sem fins lucrativos, que oferecem hospedagem e apoio psicossocial a seus assistidos. Há uma estimativa que mensalmente são atendidos educacionalmente 475 crianças e adolescentes nas instituições conveniadas, nas classes hospitalares e domiciliares. Esse número sofre uma flutuação visto que o atendimento educacional fica vinculado ao tratamento de saúde, internação, medicação, exames, cirurgias ou consultas. Atuam nessas instituições um total de 33 professores: 21 da rede estadual de ensino (SEEC), vinculados ao NAEHD; 10
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
da rede municipal de Natal (SME) e 2 da rede municipal de Caicó. Recebem AEHD, crianças e adolescentes vinculados às instituições conveniadas, onde os professores das secretarias de educação estão alocados. Em 2018 foram atendidos 2.177 estudantes da educação básica, com 11.563 atendimentos realizados, tanto nos hospitais como nas casas de apoio (Quadro 2). A diferença entre o quantitativo de estudantes atendidos e o número de atendimentos refere-se a uma modalidade de quantificação diferente da realizada em uma escola. Isso passa a ser necessário por causa das especificidades do atendimento educacional hospitalar e domiciliar, em que o estudante recebe o atendimento apenas durante o período em que está nas instituições conveniadas; dessa forma, realiza-se contagem da quantidade de estudantes atendidos e quantas vezes ele recebeu atendimento educacional.
Quadro 2 - Demonstrativo de estudantes atendidos por rede de ensino Redes de ensino
Quantitativo de estudantes atendidos
Quantitativo de atendimentos
Estadual
1.518
8.780
Municipal
659
2.783
Total
2.177
11.563
Fonte: Silva (2019, p. 64)
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Capítulo VIII O AEHD caracteriza-se por atender um público rotativo; os atendimentos funcionam de acordo com a agenda de tratamento da criança e do adolescente. Ao término de cada bimestre, os professores, por intermédio das instituições, enviam para as secretarias de educação um relatório descritivo com as atividades realizadas e outro quantitativo com os registros dos atendimentos. Cada estudante atendido pelo serviço possui uma ficha de identificação com os dados pessoais e escolares e informações sobre a situação de adoecimento. Além disso, segue-se a ficha do estudante, ou seja, a ficha de acompanhamento pedagógico, na qual são registradas diariamente as atividades pedagógicas desenvolvidas, contemplando os conteúdos trabalhados, objetivos e atividades realizadas. Esses registros servem de subsídio para o professor elaborar um relatório e enviar para a escola do educando. Para regulamentação do atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte, a SEEC/RN, a SME-Natal e a SMECE–Caicó, secretarias que respondem pela implementação e acompanhamento do serviço, pautam suas ações na legislação nacional e nas normativas estaduais. No Quadro 3 são apresentados os marcos legais do AEHD no Rio Grande do Norte.
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
Quadro 3 - Marcos legais do Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar (AEHD) no Rio Grande do Norte Ano
Legislação e regulamentação
2012
Lei nº 6.365/2012, do município do Natal, que no Art. 1° viabiliza a instalação da classe hospitalar nas dependências físicas dos hospitais (RIO GRANDE DO NORTE, 2012).
2016
Plano Estadual de Educação, Lei n° 10.049/2016, que insere na meta 4 o AEHD em duas estratégias (RIO GRANDE DO NORTE, 2016b).
2016
Plano Municipal de Educação, Lei n° 6.603/2016, que insere na meta 4 as estratégias 4.14 e 4.20 contemplando o AEHD (RIO GRANDE DO NORTE, 2016c).
2016
Resolução nº 3/2016 do Conselho Estadual de Educação (CEE), que regulamenta o atendimento educacional especializado em ambiente hospitalar e domiciliar (RIO GRANDE DO NORTE, 2016a).
2018
Lei Estadual nº 10.320/2018 que “Dispõe do Programa de Atendimento Educacional Hospitalar e Domiciliar no RN”. (RIO GRANDE DO NORTE, 2018a).
2018
Documento Curricular do Estado do Rio Grande do Norte para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, em consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Tem caráter normativo e contempla o AEHD no item 7.2, na Educação Especial, garantindo o atendimento educacional hospitalar e domiciliar aos estudantes em tratamento de saúde contínuo (RIO GRANDE DO NORTE, 2018b).
2019
Portaria de Avaliação nº 212/2019-SEEC, que dispõe sobre a avaliação no sistema de ensino, contemplando as especificidades do processo de avaliação da aprendizagem do estudante em situação de adoecimento (SEEC, 2019).
Fonte: Quadro elaborado pelas autoras com base na legislação do Estado do Rio Grande do Norte
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Capítulo VIII A legislação e regulamentação do Rio Grande do Norte sobre o AEHD têm como base os documentos nacionais, e foram construídas com os esforços de professores, instituições, universidade, familiares e crianças e adolescentes em situação de adoecimento. Ratifica o direito à educação e fortalece a luta pela universalização do AEHD. A continuidade da escolarização do estudante em tratamento de saúde é o principal objetivo do serviço, não importando o tempo de tratamento e internação; todo estudante tem o direito
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
de continuar estudando. Nessa perspectiva, as instituições conveniadas com as secretarias e o poder público buscam garantir o direito à educação do estudante em situação de adoecimento, possibilitando o processo de inclusão escolar e a continuidade do aprendizado, apoiando o seu retorno à escola. Destaca-se que ter nos documentos oficiais do RN o “atendimento educacional hospitalar e domiciliar”, citado e recomendado, fazendo parte das políticas públicas da educação do Estado, é uma conquista.
5 Considerações finais As reflexões aqui tecidas buscaram evidenciar o percurso histórico do atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Estado do Rio Grande do Norte, apresentando os entes envolvidos na institucionalização desse serviço e suas contribuições. É importante ressaltar os caminhos legais que impulsionaram a criação do AEHD, que implicaram o poder público e permitiram implementar oficialmente essa modalidade de ensino que ainda não existia no Estado até 2009. O direito à educação apresenta-se como um direito social e fundamental de todas as crianças e de adolescentes em situação de adoecimento, sem que se diferencie a prioridade de atendimento por uma questão da faixa etária. Cabe ao Estado garantir o acesso à educação e a permanência deles de forma indiscriminada, oferecendo a todos as mesmas oportunidades de aprendizado, onde quer que estejam, no hospital, em casa de apoio ou em sua residência. O conhecimento histórico e legal sobre a temática ajuda a compreender a implementação de políticas públicas. Assim, almeja-se que a experiência do Rio Grande do Norte possa
contribuir para os avanços dessas políticas em consonância com a legislação nacional existente, inclusive com a mais recente alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), que garante o atendimento educacional hospitalar e domiciliar. Infelizmente, nem todos os Estados da federação dispõem dessa modalidade de ensino. Pacheco (2017) e Silva (2019) mencionam, entre eles, os Estados do Amazonas, Rondônia, Piauí, Paraíba, Ceará e Maranhão, que ainda não dispõem desses serviços do AEHD, vinculados às secretarias de educação, mas apenas ações de projetos de extensão vinculados a universidades, e a atuação de voluntários em instituições da sociedade civil. Nosso intuito foi expor os caminhos trilhados no RN no fomento e implantação de políticas públicas, na organização dos serviços nas secretarias de Estado e municipais de educação, as contribuições da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e das instituições da sociedade civil, instituições hospitalares em prol da universalização do atendimento educacional hospitalar e domiciliar como um direito da criança e de adolescentes em situação de adoecimento.
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Capítulo VIII
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
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Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
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Capítulo VIII
Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: percurso histórico
RIO GRANDE DO NORTE. Secretaria da Educação e da Cultura. Documento curricular do Estado do Rio Grande do Norte. (Dados eletrônicos). Natal: Offset, 2018b. Disponível em: <http://www.adcon.rn.gov.br/ACERVO/seec/DOC/ DOC000000000190629.PDF>. Acesso em: 20 mar. 2019. RIO GRANDE DO NORTE. Secretaria de Saúde Pública. Perfil. [s.d.]. Disponível em: <http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/sesap/ Conteudo.asp?TRAN=IT>. Acesso em: 20 mar. 2019. ROCHA, S. M. da. Narrativas infantis: o que nos contam as crianças de suas experiências no hospital e na classe hospitalar. 2012. 163 f. Dissertação (Mestrado em Educação)- Centro de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012. ROCHA, S. M. da. Viver e sentir; refletir e narrar: crianças e professores contam suas experiências no hospital e na classe hospitalar. 2014. 338 f. Tese (Doutorado em Educação)- Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2014. RODRIGUES, S. B. B. Entre a classe hospitalar e a escola regular: o que nos contam crianças com doenças crônicas. 2018. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação)- Centro de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2018. SEEC-Secretaria de Estado da Cultura e da Educação do RN. Portaria n° 212, de 29 de maio de 2019. Estabelece sobre normas de avaliação de aprendizagem. Diário Oficial [do] Estado, Natal, 2019. SILVA, A. da; ROCHA, S. Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 12.; SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, SUBJETIVIDADE E EDUCAÇÃO – SIRSSE, 3.; SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE (SIPD/CÁTEDRA UNESCO), 5.; ENCONTRO NACIONAL SOBRE ATENDIMENTO ESCOLAR, 9., 2015, Curitiba. Anais... Curitiba, PR, 2015. SILVA, A. G. da. Vinte anos de atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Rio Grande do Norte: perspectivas históricas e autobiográficas. 2019. 212 f. Dissertação (Mestrado em Educação)- Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019, SILVA, A. G. da; CHAGAS, I. Atendimento educacional hospitalar e domiciliar no Estado do Rio Grande do Norte. In: MARTINS, L. de A. R.; MAGALHÃES, R. de C. B. P. Processos educativos e desafios atuais da educação especial. Fortaleza, CE: EdUECE, 2018. SILVA, R. A. da. Reflexões sobre a implantação da classe hospitalar no Hospital Infantil Varela Santiago (2009-2011)”. Natal, 2011.
141
Capítulo
IX
Reflexões sobre o potencial lúdico do uso da brinquedoteca em hospitais: contribuições do brincar livre para a promoção do bem-estar da criança hospitalizada SANTOS, Lucas Klaivi Araújo do Espírito1 LIMA, Morgana Timbó2 GOMES, Robéria Vieira Barreto3 1 Introdução 2 Influências psicológicas da brincadeira e da ludicidade para a criança em tratamento de saúde 3 O uso da brinquedoteca em favor da atividade lúdica 4 Procedimentos metodológicos 5 Experiência em uma brinquedoteca de um hospital 6 Conclusão Referências
143 144 148 149 150 152 153
Graduando em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Membro do Projeto de Extensão em Atendimento Educacional em Ambiente Hospitalar (AEAH)/2019. lucasklaivi06@gmail.com 1
Graduanda em Pedagogia pela UFC. Membro do Projeto de Extensão em AEAH/2019. morganatimbolima@gmail.com 2
Professora Doutora da UFC. Participante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política, Gestão, Trabalho e Formação Docente (GEPPEAC). Coordenadora do Projeto de Extensão AEAH/2019. aee.roberia@gmail.com 3
Capítulo IX
Reflexões sobre o potencial lúdico do uso da brinquedoteca em hospitais: contribuições do brincar livre para a promoção do bem-estar da criança hospitalizada
1 Introdução A internação durante a infância é, sem dúvida, marcante para o sujeito e para suas famílias. A infância, como é conhecida atualmente, é fruto de uma construção histórica centenas de anos e hoje defende-se que é um período a ser protegido e, também, de preparação para a vida adulta (ARIÈS, 1978; MELLO, 2007). Considerando isto, é um momento crucial do desenvolvimento do indivíduo e, com o fato de a criança estar doente, a sujeição a exames, estar convivendo com outras pessoas que sofrem com patologias e até mesmo estar no ambiente hospitalar, que coloca regras modificando o comportamento habitual dela, pode influenciar negativamente o seu bem-estar e até mesmo seu desenvolvimento. Bowlby (1995) coloca que quando as crianças e os adolescentes que são internados passam por três fases, a primeira delas é a não aceitação da doença, por conta da hospitalização, a segunda é o sentimento de apatia e a terceira é a aceitação aos cuidados médicos. Assim, aos poucos, o terceiro momento inicia-se quando são estabelecidos vínculos afetivos com a equipe multiprofissional, no momento em que os indivíduos começam a substituir sentimentos negativos por afetividade e aceitação aos cuidados. Para a evolução do processo citado anteriormente, é preciso tomar cuidados que assistam as crianças e amenizem os efeitos psicológicos e emocionais da doença e do processo de tratamento, e um desses cuidados desenvolvidos pelas instituições hospitalares são ações de humanização. De acordo com a Política Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), uma das ações de humanização é a valorização dos
usuários/pacientes, estimulando a autonomia e os vínculos de solidariedade (BRASIL, 2013). Essa política foi uma conquista dos movimentos populares em favor da humanização dos hospitais (PAULA; FOLTRAN, 2007), proporcionando o advento da Lei nº 11.104, de 21 de março de 2005, que tornou obrigatória a existência de brinquedotecas em hospitais brasileiros que ofereçam atendimento pediátrico (BRASIL, 2005). Com isso, houve a inclusão do brinquedo e a sua valorização na rotina hospitalar da criança em tratamento de saúde, a partir do reconhecimento do brincar como um fator capaz de contribuir com o bem-estar psicológico e até com a evolução do quadro de saúde do sujeito. Outro ponto a ser destacado é o perfil do profissional que deve atuar nesse ambiente. Infelizmente, a referida Lei não especifica esse perfil. Nesse contexto, insere-se o presente estudo com a seguinte problemática: Qual a contribuição da brinquedoteca, por meio da ludicidade, na promoção do bem-estar da criança hospitalizada? A partir da homologação da legislação voltada à brinquedoteca hospitalar, é necessário planejar um espaço que favoreça o desenvolvimento do brincar livre e da ludicidade. Ou seja, é preciso que a brinquedoteca seja acessível e que favoreça o brincar lúdico, disponibilizando materiais para o uso por meio de brincadeiras para as crianças hospitalizadas, com a atuação de um profissional específico que compreenda os princípios, características e fundamentos do brincar livre. A partir desse contexto, elencou-se como objetivo analisar a ludicidade na brinquedoteca em hospitais para a promoção do bem-estar da criança hospitalizada.
143
Capítulo IX
Reflexões sobre o potencial lúdico do uso da brinquedoteca em hospitais: contribuições do brincar livre para a promoção do bem-estar da criança hospitalizada
Visando ao aprofundamento dessas reflexões, a presente investigação apresenta uma discussão sobre o uso da ludicidade na brinquedoteca hospitalar e encontra-se organizado a partir dessa introdução; do referencial teórico elucidando os principais conceitos, como ludicidade, brincar e brinquedoteca; do procedimento metodológico adotado; dos resultados e discussões que foram possíveis alcançar; e, por fim, das considerações finais.
2 Influências psicológicas da brincadeira e da ludicidade para a criança em tratamento de saúde No trabalho pedagógico, o brincar tem protagonismo principalmente na educação infantil, onde aparece nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) como um dos eixos norteadores das propostas curriculares dessa etapa do ensino. Para discutir sobre o papel do brincar e da ação lúdica para crianças em tratamento de saúde é necessário compreender as suas definições e influências no desenvolvimento do ser humano em situações ordinárias. Para tanto, são utilizados posicionamentos de Pereira (2002) com conceitos e reflexões relevantes; Luckesi (2002), onde se restringe para refletir sobre as contribuições de Piaget e Freud, que serão suficientes para a discussão; e Vygotsky (1996), que dedicou suas pesquisas ao brincar e o apresenta como um pilar para o desenvolvimento da criança. O brincar, ao contrário do que muitos pensam, não esgota o significado da ação lúdica. Geralmente, a ludicidade é vista por uma pessoa que observa a ação, e não pelo sujeito da ação, assim, Pereira (2002) coloca que o lúdico é um estado de plenitude, quando a pessoa está plena, ela está íntegra na ação. Segundo a autora, o lúdico e o brincar têm uma relação estreita, mas o primeiro tem uma abrangência de significado bem maior e precisa de um envolvimento profundo do sujeito,
sendo um encontro dele com ele mesmo. O brincar é um dos meios de canalizar o impulso lúdico. Pereira (2002) aborda a ludicidade pelo ponto de vista interno, que é o ponto de vista pedagógico, no qual o observador pode analisar se o sujeito está alinhado na ação. Também ela busca esclarecer o potencial lúdico do brinquedo, colocando que não existem brinquedos ou ações que carreguem ludicidade em si, mas que existem atitudes e atividades brincalhonas, a potencialidade depende de quem vivencia. Experiências que não há entrega não podem ser lúdicas, então atividades que geram constrangimento, desqualificadoras ou maldosas não podem ser consideradas lúdicas. É importante salientar que a ludicidade é uma das necessidades básicas do ser humano, podendo ser vivenciada em qualquer idade. Segundo Pereira (2002), a atividade lúdica proporciona ao sujeito entrar em contato consigo mesmo, então muitas vezes estabelece uma relação dialética com o prazer e a dor, a alegria e a felicidade, ou seja, a ludicidade não é sinônimo de alegria ou divertimento, mas é externar uma locução interna, é a sensação de bem-estar por se estar realmente consigo.
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Capítulo IX Luckesi (2002) reforça, em concordância com Pereira (2002), que a ludicidade é um fenômeno interno que possui manifestações no exterior e traz contribuições de autores de diferentes áreas de pesquisa para fomentar a discussão sobre o tema, onde, como mencionado, se restringirá às contribuições psicanalíticas e piagetianas colocadas pelo autor. Freud (apud LUCKESI, 2002), na abordagem psicanalítica, compreendia o brinquedo como um caminho para o inconsciente da criança, tendo, assim, o brincar, o seu lado interno e o lado externo. Segundo o teórico, existem duas forças fundamentais: as regressivas, que têm como epicentro no indivíduo as fixações traumáticas do passado, e as progressivas, que o chamam para o futuro. A atividade lúdica, pela perspectiva psicanalítica, teria um papel fundamental no desenvolvimento da criança, em sua comunicação e elaboração das vivências. Como colocado pelo autor: Nesse contexto, a prática das atividades lúdicas pelas crianças, de um lado, revela como elas estão, a partir de suas histórias pessoais, assim como revela como se sentem sobre seu presente cotidiano, seus medos, seus não-entendimentos do que está ocorrendo, o que está incomodando,...; porém, de outro lado, essa prática revela também a construção do futuro. Muitas atividades lúdicas das crianças são de imitação do mundo adulto, outras não imitam, mas constroem modos
Reflexões sobre o potencial lúdico do uso da brinquedoteca em hospitais: contribuições do brincar livre para a promoção do bem-estar da criança hospitalizada
de ser. Meio pelo qual as crianças estão, por parte, tentando compreender o que os adultos fazem, e, de outra, experimentar possibilidades para a própria vida. (LUCKESI, 2002, p. 35-36).
Em outro momento, Luckesi (2002) descreve um exemplo de uma criança em situação hospitalar e utiliza a psicanálise como subsídio teórico para refletir sobre ele: [...] ainda outro exemplo, uma criança passaram por um período de hospitalização, possivelmente, [...] praticará brinquedos e brincadeiras que tenham como conteúdo algum flash de sua experiência passada recente. Possivelmente, brincará de médico, de enfermeira, de hospital, de ambulância e tantas outras coisas, que poderão estar auxiliando na sua compreensão do que ocorreu com ela. Contudo, se, por outra via, for anunciada a uma criança que, em breve, ela será hospitalizada para uma intervenção qualquer, é bastante provável que ela inicie a usar brinquedos e brincadeiras relativos a saúde e àquilo que vai ocorrer em sua vida (que são os procedimentos de hospitalização), na tentativa de compreender o que foi anunciado a ela. [...] É isso que a Psicanálise nos ensina: observe como as crianças estão brincando, seus atos estão revelando seu interior. (LUCKESI, 2002, p. 36-37).
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Capítulo IX A atividade lúdica, sob esse viés, seria um canal para as crianças demonstrarem como estão. Ou seja, um meio de experimentar o mundo adulto, de entender os papéis existentes na sociedade ou de entender coisas que viveram ou que ainda irão viver, e de fortalecer sua identidade. A vivência lúdica para a criança, além de revelar o seu inconsciente, teria função catártica, ou seja, de liberar as forças regressivas e fixações do passado. Nessa perspectiva, considerando o potencial traumático do período de hospitalização para a criança e a necessidade de um cuidado em favor da humanização defendido em algumas obras, como Paula e Foltran (2007) e Oliveira et al. (2009), o brincar apresenta-se como possibilidade de tanto a elaboração, compreensão de uma vivência que modifica completamente sua rotina, como também de catarse, canalizando os traumas que geraram forças regressivas para fora do inconsciente. Piaget (apud LUCKESI, 2002), por sua vez, dedicou-se às influências do brincar para o desenvolvimento cognitivo da criança. Acreditava que o ser humano aprende por meio da ação, em uma relação dialética entre a assimilação, tornar o mundo exterior semelhante ao interior, e a acomodação, apropriar-se dos elementos do mundo exterior. Desta forma, as atividades do ser humano em seu processo de desenvolvimento podem ser classificadas em: jogos de exercício, desenvolvida em protagonismo do nascimento aos dois anos, quando as crianças as realizam para tomar posse de si mesmas e do mundo; jogos simbólicos, aos quais se dedicam às crianças entre dois e seis anos, nos quais predomina a assimilação; e jogos de regras, dos seis anos para frente, momento de posse e aproximação da realidade.
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Luckesi (2002) reflete sobre os momentos de vivência dos jogos desta forma: Nessa sequência de possibilidades de jogar - exercício, simbólico e de regras -, a aquisição das habilidades menos complexas servirão de base para as que exigem elementos mais complexos para o agir. Assim, quem só possui capacidade para praticar os jogos de exercício, por si, não terá condições de praticar os outros tipos de jogos, que exigem estruturas mentais e lógicas mais desenvolvidas e complexas. Todavia, aquele que já chegou ao estágio de jogos simbólicos poderá, perfeitamente, praticar os jogos do estágio anterior. (LUCKESI, 2002, p. 43).
Luckesi (2002) vê os jogos como recursos de autodesenvolvimento, da inteligência e dos afetos. Praticar jogos, sejam de exercício, simbólicos ou de regras, só poderá ser pleno para quem os pratica, mas a partir disso percebese que as atividades lúdicas podem ser utilizadas como recursos para se desenvolver. Essa relação entre a acomodação e assimilação, denominada equilibração (PIAGET, 2001), é ininterrupta e fundamental para o desenvolvimento, e segue mesmo no período de hospitalização, onde a criança continua, na perspectiva de Piaget, desenvolvendo-se e aprendendo. Assim, é necessário enxergar a internação também como período de aprendizado, promovendo ações que favoreçam a assimilação e a acomodação, instigando novos aprendizados e estimulando a possibilidade de jogo.
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Capítulo IX Vygotsky (1994), por sua vez, reflete que o brincar não se trata da realização de uma atividade sempre relacionada com o prazer e que existem atividades bem mais prazerosas para as crianças. Toda ação da criança é motivada pela necessidade, por meio do brinquedo, então, as crianças satisfazem necessidades, e, quando bem pequenas, elas realizam uma transição bem importante: inicialmente, as coisas passíveis de serem vistas no momento exercem uma força motivadora e determinam o comportamento da ação da criança e, depois, os objetos perdem sua força determinadora e ela começa a agir não somente pela percepção imediata, mas pelo significado da situação. Como colocado por Vygotsky (1994, p. 109-110): “É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera visual externa, dependendo de motivações e tendências internas, e não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos”. É importante ressaltar que, para essa transição ocorrer, existiu um refinamento das necessidades da criança, e observar as motivações de tais necessidades é fundamental para obter informações sobre seu desenvolvimento. A imaginação surge da ação, e, por isso, atende necessidades da criança e é característica definidora do brinquedo. O autor também postula que a brincadeira é uma forma de linguagem e um instrumento na qual a criança assimila e reproduz sua própria cultura. Geralmente, quando a criança brinca, ela se encontra na zona de desenvolvimento proximal, todo o processo de apreensão da cultura se dá pela brincadeira. Assim, a criança gradativamente vai permitir funções psicológicas superiores e é fundamental para desenvolver a autonomia e a reflexão.
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Em diálogo com o tema discutido, Vygotsky (1994) ainda reflete sobre o papel da brincadeira no enfrentamento de situações desagradáveis para a criança: Situações de brinquedo na vida real só são encontradas habitualmente num tipo de jogo em que as crianças brincam aquilo que de fato estão fazendo, criando, de forma evidente, associações que facilitam a execução de uma ação desagradável (como, por exemplo, quando as crianças não querem ir para a cama e dizem: “Vamos fazer-de-conta que é noite e que temos que ir dormir”. (VYGOTSKY, 1994, p. 116)
Desta forma, percebe-se que o autor também pensa o brincar como um instrumento que facilita à criança a realização, ou vivência, de uma atividade desagradável. No contexto da hospitalização, o brincar teria o potencial de amenizar, tornar tolerável, situações de exames, de quebra na sua rotina, que por si mesmas não seriam toleráveis. Pode-se refletir por meio dessa breve análise das contribuições teóricas dos autores que, enquanto Piaget se deteve mais aos aspectos cognitivos do brincar, sua influência no desenvolvimento, no processo de construção de conhecimentos e da afetividade, Freud se atentou aos aspectos emocionais, à possibilidade catártica do brincar e à reconstrução da experiência emocional. Finalmente, Vygotsky enxerga a brincadeira como a satisfação de uma necessidade da criança e também uma linguagem de segunda ordem (VYGOTSKY, 1996), pela qual ela se expressa, e que tem o potencial de subsidiá-la no enfrentamento de situações aversivas para ela.
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Capítulo IX
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Cada abordagem tem sua importância ao se tratar de internação de crianças e não gera oposição a outra. A partir delas, pode-se defender com propriedade a proteção da criança e do seu desenvolvimento durante o período de hospitalização. De diferentes formas, como se pôde ver, o brincar é indispensável durante a internação para além do lazer, mas como uma necessidade para o seu desenvolvimento, para o suporte emocional e para a expressão da criança. Assim, demonstra-se também a importância da existência e da boa utilização da brinquedoteca nos hospitais que realizam atendimento pediátrico. A existência de um espaço onde o brincar livre seja desenvolvido, o planejamento em sua organização e a acessibilidade são importantíssimos para a vivência efetiva e para ampliar o potencial lúdico da brincadeira.
3 O uso da brinquedoteca em favor da atividade lúdica A brinquedoteca é o espaço criado e organizado com o objetivo de estimular o brincar livre de crianças, jovens, adultos e idosos em um ambiente acolhedor e propício para tais experiências (CUNHA, 1997). Ou seja, a brinquedoteca é um local que necessita de planejamento espacial para que as crianças, foco deste artigo, que utilizam suas dependências, possam ter experiências lúdicas e que cumpram o papel desse ambiente. Segundo Cunha (1997), a brinquedoteca tem como uma de suas finalidades o desenvolvimento da inteligência, criatividade, sociabilidade e expansão da potencialidade do indivíduo. Assim, a brinquedoteca torna-se um ambiente de reflexão sobre o trabalho realizado pelo profissional que nela atua, pois deve ser pensada e contextualizada de acordo com a realidade em que está inserida. Diante do exposto, a Lei nº 11.104/2005 traz como obrigatoriedade dos hospitais que realizam atendimento pediátrico disporem de brinquedotecas em suas instalações. Ainda, em seu artigo 2º apresenta que a brinquedoteca
deve ser um espaço que proporcione brinquedos e jogos educativos que estimulem nas crianças e seus acompanhantes o brincar, trazendo, portanto, a reflexão no âmbito legal sobre a organização do espaço para a oferta da brincadeira livre. Além disso, a legislação recomenda que os materiais utilizados na brinquedoteca sejam adequados para o ambiente hospitalar, sendo necessária a higienização constante e reposição quando necessária. Como ressaltado, a ludicidade é um momento de integração da criança com seu meio. Por meio da brincadeira a criança aprende a externar suas angústias, tristezas, alegrias e novas aprendizagens. Ademais, o brincar, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, deve ser garantido aos indivíduos para o seu pleno desenvolvimento. Dessa forma, a brinquedoteca no hospital é apresentada como um ambiente que garante o direito da criança de brincar e viver momentos lúdicos. Porém, para que ela possa vivenciar experiências de ludicidade na brinquedoteca é necessário que o espaço seja organizado de acordo com as necessidades de cada hospital.
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Capítulo IX Angelo e Vieira (2009) apresentam que a brinquedoteca é um espaço que deve ter como um de seus principais fatores de organização a valorização da livre locomoção da criança dentro do ambiente, facilitando as interações com os outros e com as brincadeiras. Ou seja, não basta a brinquedoteca dispor de objetos que proporcionem o brincar da criança, mas ela precisa oferecer um espaço adequado para que os indivíduos possam desenvolver o aspecto motor, sendo esse tão prejudicado pelos casos de internação hospitalar. Outro fator importante para que dentro da brinquedoteca a ludicidade possa estar presente é a organização do seu tempo de funcionamento. Novamente ressaltando Angelo e Vieira (2009), a brinquedoteca é um espaço que favorece o bem-estar da criança, além de garantir o seu direito de brincar. Ou seja, é preciso que, além de um ambiente acolhedor, a brinquedoteca possa funcionar em horários que facilitem a utilização das crianças. Há também o fato de que a brincadeira é a necessidade expressão da criança
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(VYGOTSKY, 1996). Desse modo, é necessária a interação delas com esse espaço, pois, muitas vezes, é o único em que ela pode brincar livremente no ambiente hospitalar. Destaca-se também a importância da brinquedoteca hospitalar no desenvolvimento da interação da criança com os outros indivíduos, pois é o ambiente em que a criança, por meio da brincadeira, interage com outras crianças, médicos, funcionários e pais, sendo necessária para o desenvolvimento do indivíduo a interação com o outro, e a brincadeira é um sinônimo dessa interação (PORTO, 2013). Dessa forma, na brinquedoteca, as crianças têm a oportunidade de interação com outros independente de sua condição de saúde, oportunizando a integração e o desenvolvimento social desses indivíduos. Portanto, a brinquedoteca torna-se um espaço que, por meio da interação das crianças com indivíduos de diferentes idades, trabalha a zona de desenvolvimento proximal de seus usuários de forma lúdica e plena.
4 Procedimentos metodológicos Desse modo, esta pesquisa caracteriza-se com uma abordagem qualitativa, de natureza aplicada, exploratória e explicativa; quanto aos procedimentos, bibliográfica e de campo. Segundo Silveira e Córdova (2009), o uso da abordagem qualitativa é justificada pelo foco na observação da realidade e das relações sociais, não havendo preocupação com representação numérica, sendo o cientista o pesquisador e objeto de estudo. Nessa direção, fez-se um estudo bibliográfico para a consolidação do referencial teórico e da análise dos dados, embasado em autores como Luckesi (2002), Freud (apud LUCKESI, 2002), Vygotsky (1994), Cunha (1997), Porto (2013), Angelo e Vieira (2009), entre outros. Além disso,
usou-se como base o ECA e a Lei nº 11.104/2005, que torna obrigatória a existência da brinquedoteca no ambiente hospitalar de instituições que ofereçam atendimento pediátrico (BRASIL, 2005). Para a obtenção dos dados na pesquisa de campo, a observação foi utilizada por ser um recurso metodológico de coleta de dados e que possibilita um contato maior do pesquisador com o objeto de estudo (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). A observação na brinquedoteca foi realizada durante dezoito dias, no período da tarde, entre as 14 horas e 16 horas, de forma individual e em grupo. Os dados foram analisados com o auxílio dos documentos já citados neste estudo.
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Capítulo IX
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5 Experiência em uma brinquedoteca de um hospital Escolheu-se relatar neste artigo a experiência destas pesquisadoras como bolsistas do projeto de extensão “Atendimento Pedagógico Hospitalar na Brinquedoteca, Leito e Classe Hospitalar”, da Universidade Federal do Ceará (UFC), desenvolvido em parceria com a Faculdade de Educação e o Hospital Menino Jesus (nome fictício). O trabalho desenvolvido envolve o acompanhamento pedagógico realizado duas vezes por semana na instituição, porém, a brinquedoteca funciona todos os dias da semana, no período da manhã e da tarde, envolvendo o desenvolvimento de brincadeiras, confecção de brinquedos e momentos que buscam enfatizar as experiências lúdicas das crianças que fazem uso da brinquedoteca do hospital. O espaço dispõe de brinquedos variados, mas desgastados, não há muitos jogos pedagógicos e conta com um espaço físico que não facilita a locomoção e as brincadeiras das crianças. Na observação realizada na instituição, desenvolveu-se o atendimento de uma criança cujo nome fictício aqui é Giovanna, de cinco anos. O atendimento aconteceu durante três dias, período da sua internação. No primeiro encontro com a criança, a pedido dela, a brincadeira realizada foi a de médico. Foi possível observar que ela, assim como ressalta Luckesi (2002), buscou, por meio da brincadeira, externar a sua realidade vivida, ou seja, a brinquedoteca foi o espaço, por meio da ludicidade, que a criança expressou o seu sentimento e pensamento inconsciente do momento de internação.
No segundo encontro, foi proposta a Giovanna a utilização de alguns jogos de memória que havia no ambiente por perceber na conversa inicial que ela gostava desse tipo de brincadeira. Assim, foram realizadas algumas brincadeiras com jogos diversos, como o jogo da memória com pontos turísticos de diferentes países, um sobre animais, um com imagens de brinquedos e outro com imagens variadas. Ela gostou mais do jogo dos animais, sendo base para uma atividade que foi elaborada posteriormente. Depois foi perguntado se gostaria de brincar de outra coisa e Giovanna escolheu brincar de veterinária. Ou seja, ela escolheu expressar sua realidade de maneira lúdica mais uma vez, mas de uma forma diferente, sendo que agora as duas são as doutoras e os pacientes com algumas enfermidades são os brinquedos de animais disponíveis na brinquedoteca. No terceiro momento com a criança, imprimiram-se fotos dos animais que Giovanna demonstrou mais interesse. Conversouse sobre os animais enfocando os nomes, e, após essa ação, as imagens foram colocadas em uma caixa para realizar a brincadeira de mímica. Logo depois, foi perguntado qual brincadeira ela queria realizar e, mais uma vez, escolheu brincar de “médico de animais” - palavras da própria criança. Assim, os pacientes agora seriam os animais nas imagens, a doutora seria uma das pesquisadoras e a criança era responsável pela ambulância e os materiais utilizados pelos médicos, representados pelos objetos dispostos na brinquedoteca. Ou seja, os brinquedos, os objetos, assim como ressalta Vygotsky (1996), ganharam um novo significado
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Capítulo IX simbólico na brincadeira de acordo com o contexto em que a criança está inserida. Diante das observações realizadas, é possível utilizar para análise os conceitos atribuídos por Pereira (2002) e Luckesi (2002), aqui já explorados. Assim como os autores destacam, a brincadeira, por meio da ludicidade, foi a atividade em que a criança externou a realidade em que ela estava vivendo. Ou seja, o indivíduo se manteve íntegro na ação e a usou para satisfazer sua necessidade de experiências lúdicas. Quando questionada sobre a brinquedoteca, a criança respondeu que gostava do espaço, pois era onde brincava com sua mãe enquanto estava longe de casa. Já a mãe, também questionada, respondeu que o espaço era importante para a filha, por ser um ambiente no qual a criança pode brincar livremente, associando o bem-estar da filha à brinquedoteca. Isso vai ao encontro do que expõe Passeggi, Rocha e Rodrigues (2018, p. 133), quando estabelecem que esse espaço “[...] é um lugar de acolhimento dentro do hospital pediátrico, marcado pelo cuidado e a atenção ao bem-estar da criança”.
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Em outro caso, a paciente Camila, que já havia passado por outras internações e agora iria realizar um procedimento cirúrgico, comentou que sua brincadeira favorita era a de médico e que gostava de brinquedos referentes a essa brincadeira. Ela ainda relatou que desejava ser médica pediatra quando crescer, para poder cuidar das crianças. Possivelmente se trata do que é chamado na psicanálise de sublimação (RAPPAPORT; FIORI; DAVIS, 1981), um dos mecanismos de defesa mais nobres, onde desejos gerados por experiências são canalizados pelo Ego para serem realizados em atividades similares e com retorno social. Assim, as experiências de internação, com toda a sua demanda emocional, geram um desejo na Camila de ser médica e cuidar de outras crianças. Com esses dois relatos aqui registrados, é possível refletir sobre a utilização da brinquedoteca como espaço de promoção da ludicidade. É um ambiente em que a criança hospitalizada usa para satisfazer suas necessidades de brincar, externando sua realidade por meio da brincadeira. Esse local auxilia também no seu bem-estar durante o tratamento.
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6 Conclusão A importância da brinquedoteca no ambiente hospitalar, sua funcionalidade como espaço que favorece o contato da criança com a ludicidade por meio brincadeira, torna o processo de internação menos nocivo. Assim, a brinquedoteca favorece a integração da criança no ambiente hospitalar, pois, pela ludicidade, o indivíduo brinca e se sente mais acolhido pelo espaço que lhe é fornecido. Também se enfatiza a importância da brinquedoteca como espaço de socialização da criança com os profissionais das áreas que atuam no hospital, pois o ambiente da brinquedoteca favorece a interação lúdica dos indivíduos que dela fazem uso. Isto é, a brinquedoteca favorece o desenvolvimento social da criança pela ludicidade, fazendo com ela seja incluída em seu meio e não perca a oportunidade de construir novas interações sociais. Destaca-se que, além de um direito da criança hospitalizada, é um espaço da brincadeira livre, favorecendo, portanto, seu desenvolvimento e garantindo o direito desse indivíduo do contato com o brincar, independentemente de sua condição de saúde. Por isso, é importante que o profissional que atua na brinquedoteca tenha conhecimento sobre autores que abordam a ludicidade, o papel do brinquedo e das brincadeiras, pois é preciso organizar um ambiente que enfatize esses aspectos para o desenvolvimento das crianças. Também é necessário que o espaço seja disposto de modo que a criança possa ter acesso aos brinquedos e brincadeiras que acontecem no local. Por fim, conforme observado, a brinquedoteca pode ser um espaço de expressão da criança, de seus sentimentos e pensamentos. A brinquedoteca é o ambiente em que a criança, ludicamente, expressa o seu cotidiano, suas vontades e sua realidade, e a brincadeira é o principal canal dessa expressão. O trabalho na brinquedoteca precisa estar ligado à ênfase do uso da ludicidade na expressão da criança, nas suas interações com os outros e suas vivências, garantindo que ela possa se sentir em um ambiente acolhedor, deixando de lado o estigma da hospitalização e exclusão do indivíduo hospitalizado.
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PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. PORTO, B. de S. O jogo e a zona de desenvolvimento proximal: aplicações no contexto educativo. In: ALMEIDA, T. P. (Org.). O jogo, o brinquedo e a criança. Fortaleza: Prontograf, 2013. RAPPAPORT, C. R.; FIORI, W. R.; DAVIS, C. Teorias do desenvolvimento: conceitos fundamentais. São Paulo: EPU, 1981. v. 1. SILVEIRA, D. T. CÓRDOVA, F. P. Unidade 2: a pesquisa científica. In: GERHARDT, T. E.; SILVEIRA, D. T. (Org.), Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1996.
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Considerações Nesta obra nos propomos a reunir textos que discutem o processo de formação docente para atendimento educacional em ambiente hospitalar e domiciliar. Trouxemos nela estudos de professores e pesquisadores que voltam seu olhar ao contexto específico da docência em espaços de tratamento da saúde. Focar o olhar neste espaço implica um movimento compreensivo do contexto e dos sujeitos que nele estão inseridos observando que características necessitam ser consideradas na elaboração teórica e prática para que as ações desenvolvidas nos espaços de atendimento e cuidado com a saúde favoreçam o sujeito que se encontra nessa situação. É essencial termos um conceito de escola que reconhece e respeita as diferenças dos alunos, ou seja, que entende que todos podem aprender, não importando sua etnia, língua, classe social, estado de saúde. Construindo um movimento de escola que identifica os anseios de conhecimento e produz um ensino variado de acordo com as características do espaço e do tempo disponível para o processo de aprendizagem. Consideramos que “para educar – e para ser educado – é necessário que haja ao menos duas singularidades em contato. Educação é encontro de singularidades1” (GALLO, 2015, p. 1). Diante disso, reafirmamos o papel da educação em ambiente hospitalar e domiciliar como um compromisso entre sujeitos que se encontram em um espaço com o objetivo e o propósito de desenvolvimento cognitivo, intelectual e humano. Para Matos (2001, p.51) “Pedagogia Hospitalar é um processo alternativo de educação continuada que ultrapassa o contexto formal da escola, [...] Trata-se de conceber uma nova realidade multi/inter/transdisciplinar com características educativas próprias”2.
1 GALLO, S. Eu, o outro e tantos outros: educação, alteridade e filosofia da diferença. 2015. Disponível em: <http://www.grupodec.net.br/ wp-content/uploads/2015/10/ GalloEuOutroOutros.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2019.
MATOS, E. L. M.; MUGIATTI, M. M. T. de F. Pedagogia hospitalar. Curitiba: Champagnat, 2001.
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Compreendemos, assim, que a obra proposta cumpre o objetivo de discutir como se dá esse processo de atendimento ao educando em ambiente hospitalar e domiciliar, a partir de um foco “multi/inter/transdisciplinar”, contemplando as características educativas das diversas formas de organização dos atendimentos e dos processos de formação docente para estes contextos educativos.
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Campo Grande 2021