lingüistica funcional: teoria e pratica Maria Angélica Furtado da Cunha Mariangela Rios de Oliveira Mario Eduardo Martelotta (orgs.) Este livro apresenta-se com quatro palavras pesadas: IingüÎstica, funcional, teoria e pratica. Os pesos sac ponderados nas duas primeiras, com complicaçao para 0 intérprete habituado a lidar cam as ciências humanas, pois a funcional da lingüistica é distinto do funcional da antropologia. Aqui se trata de um tipo de abordagem que privilegia 0 contato empfrico com os dados, sem comprometer-se com os pressupostos do funcionalismo c1assico.
o terceiro termo, teoria, dissipa parte das duvidas do profissional da linguagem e das pessoas interessadas na tematica da ecologia da linguagem. A teoria abordada e elaborada neste livra origina-se de uma reaçao à Iingüfstica formalista, desencadeada na Costa Geste dos Estados Unidos nos anos 1970, tendo camo figuras de praa Talmy Giv6n, Sandra Thompson e, mais recentemente, Joan Bybee. A teoria construiu-se e constr6i-se mais em termos reativos do que proativos, pois os squisadores avançam num constante rcfcio de ensaio-e-erro, a partir dos tulados formulados por Giv6n em 1979, sua monumental On understanding mar. Figura/fundo, transitividade, icidade e gramaticalizaçao apresentamcomo pedras de toque do movimento.
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termo pratica é mais ambicioso e, portanto, mais prablematico. Em sua primeïra acepçao, pratica aponta para as analises empfricas de fenômenos sintaticos
LingĂźistica funcional: teoria e pratica
Lingüistica funcional: teoria e prâtica Maria Angélica Furtado da Cunha Mariangela Rios de Oliveira Mario Eduardo Martelotta (orgs.)
Revisao de provas Daniel Seidl
Projeta grâfico, diagramaçao e capa Carolina Falcâo
Gerência de produçiio Maria Gabriela Delgado
CIP-BRASIL. Catalogaçao-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livras, RJ Lingüistica funcional: teoria e pratica / Maria Angélica Furtado da Cunha, Mariangela Rios de Oliveira e Mario Eduardo Martelotta (orgs.) Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 144p., 14 x 21 cm Inclui bibliografia ISBN 85-7490-240-3 1. Lingüistica 2. Comunicaçâo 1. Titulo.
Maria Angélica Furtado da Cunha Mariangela Rios de Oliveira Mario Eduardo Martelotta (orgs.)
Lingüistica funcional: teoria e pratica
Eduar Lucia
Kenedy Areas aria Alves Ferreira
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© DP&A editora Ltda.
Proibida a reproduçâo, total ou pardal, por qualquer meio ou processo, seja reprogrâfico, fotografico, grâfico, microfilmagem, etc. Estas proibiçôes aplicam-se também às caracterîsticas graficas e/ou editoriais. A violaçâo dos direitos autorais é punîvel como crime (Côdigo Penal art. 184 e §§; Lei 6.895/80), corn busca, apreensâo e indenizaçôes diversas (Lei 9.610/98 - Lei dos Direitos Autorais arts. 122,123,124 e 126).
DP&A editora Rua Joaquim Silva, 98 - 2fd andar - Lapa CEP 20.241-110 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil Tel./Fax: (21) 2232-1768 E-mail: dpa@dpa.com.br Home page: www.dpa.com.br
Impresso no Brasil 2003
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/ Para Sebastiiio Votre, criador do grupo de estudos Discurso & Gramâtica, amigo e mestre de todos nos
Sumario
Prefacio Anthony Nara
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Introduçâo
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A visâo funcionalista da linguagem no século XX Mârio Eduardo Martelotta Eduardo Kenedy Areas
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Pressupostos teôricos f1. ndamentais Maria Angélica Furtado da Cunha Marcos Antonio Costa Maria Maura Cezario )
29
A mudança lingüistic Mârio Eduardo
rtelotta
57
Estabilidade e continuidade semântica e sintatica Lucia Maria Alves Ferrei ra
73
Lingüistica funcional aplicada ao ensino de português Mariangela Rios de Oliveira Victoria Wilson Coelho
89
Rumos da lingüistica funcional Maria Angélica Furtado da Cunha Mariangela Rios de Oliveira Mârio Eduardo Martelotta
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Bibliografia comentada
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Referências bibliograficas
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Sobre os autores
139
Prefacio
Ao final da década de 1970 surgiu no Rio de Janeiro uma nova corrente de pesquisa lingüîstica orientada sobretudo para 0 estudo do uso da lîngua em situaçoes diversas no mundo real. No inicio, as pesquisas concentravam-se principalmente na ârea de sociolingüistica e varia - 0, corn um certo direcionamento para questoes relacionadas a s reflexos da diacronia na sincronia. A principal fonte intelectual era a obra de William Labov. Ja na década seguinte, 0 espectro de estudo ampliou-se corn a inclusao da orientaçao teôrica funci nalista norte-americana e, mais tarde, corn um interesse especia ara 0 fenômeno da gramaticalizaçao.
o grupo ori
. al, comprometido corn essas pesquisas, hoje é conhecido coma Programa de Estudo sobre 0 U50 da Lîngua (Peul). Na década de 1990, um de seus fundadores, 0 professor Sebastiao Josué Votre, estimulado pela professora canadense Dianne Vincent, criou outro grupo mais especific31nente voltado para investigaçoes funcionalistas sobre 0 relacionamento entre Discurso e Gramâtica (D&G), nome que adotou para 0 novo projeto. Esse nova grupo inspirou-se principqlmente nas idéias de Sandra Thompson, Wallace Chafe e Talmy Givôn.
o grupo D&G, em 1996, publicou um considerâvel toma de pesquisas intitulado Gramaticalizaçiio no português do Brasil: uma abordagem funciona1. Essa obra era dirigida aos niveis de graduaçao e pâs-graduaçao das universidades e apresentava uma sintese das pesquisas originais do grupo. 0 presente livro, por sua vez, constitui uma tentativa de dialogo corn os professores de lîngua materna interessados nas recentes contribuiç6es da lingüîstica à sua pratica DP&A editora
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LingüÎstica funcional: teoria e pratica
pedagôgica. Além dissa, oferece um resumo de suas principais descobertas e conclus6es sobre 0 funcionamento do português do Brasil em situaçao de comunicaçao. Trata-se de uma abordagem de cunha didâtico, corn introduç6es te6ricas a cada subârea de estudo e aplïcaç6es ao português do Brasil. Tenho certeza de que a livra possibilitarâ a introduçaa de orientaç6es p6s-gerativistas à camunidade acadêmica mais ampla. Anthony Nara Professar titular de Lingüîstica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Introduçâo
Lingüîstica funcional: teoria e prtitica, como
titulo informa, contempla duas faces investigaçao do uso da Hngua: 0 "tratamento introdut6rio de prindpios e pressupostos do funci~.r:!alisI!l9....:D-Q!te-am~~icano ~a$-IP-panhados de consideravel cxemplificaçao, e a exerdC~',O de aplicaçao desse aparato ao ensinoé.1prendizagem de lîngua m terna no Brasil. A produçao desta obra teve coma ponto de parti a um relat6rio, com 0 mesmo titulo, produzido par Sebastiao Josué Votre em 1992, e que até hoje tem sida muito utilizado em squisas voltadas para a anâlise fundonal. 0
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A relevânciadest 'vro configura-se, prindpalmente, devido à é~~~~de rial correspondente ou afim em circulaçâo no ., .... mercado editorial nacional. Via de regya, a referência bibliogyafica de orientaçâo funcionalista encontra-se em lîngua estrangeira, circula fundamentalmente em alguns cursos de p6s-graduaçâo stricto sensu e os resultados de pesquisa nao sao considerados em termos de sua aplicabilidade mais sistematica nas salas de aula de lîngua portuguesa e mesmo de lingilistica. Evidencia-se, pois, a importância de uma publicaçâo coma a que ora apresentamos à comunidade acadêmica, '-',
_... ~,~._"~~., ...,
Lingüîstica juncional: teoria e prtitica é um empreendimento dos '--------,--,;------:=----:-":
, membros do grupo de estudos Discurso & Gramatica (D&G), que congyega pesquisadores da UFRJ, UFRN, UFE Uerj e UniRi~rata se do resultado da fase atual de nossos estudos, mais modalizada e reflexiva, preocupada também cam as quest6es que cercam a realidade educaciànal em nosso paîs em seusdiversos nîveis. o gyupo D&G, que se dedica à pesquisa funcionalista, corn ênfase DP&A editora
Lingüfstica funcional: teoria e pratica
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nos fgDÔ.l}1~_!19~s,de continuidade, variabilidade e mudança do portuguès, telYL n~s qu~~t6~~·c~~rfossintâticâs~~~ foco de inve~tigaçao. Nessa tarefa, privilegiam-se nao so as estratégias de codificaçao mais sistemâticas e regulares do usa lingüîstico, como também san consideradas estruturas menos convencionadas, à margem da gramâtica, principalmente em relaçao ao que é proposto pela descriçao narmativa. Além da orientaçao teorica, é marca do grupo 0 tratamento de mesma fonte empîrica de pesquisa - os textos constituintes do Corpus Discurso & Gramatica: a Zingua jalada eescrita no Brasil, que consiste em um banco de dados da comu;Yd estudantil de cinco cidades " brasileiras: Rio de Janeiro (RJ),/Natal (RN), uiz de Fora (MG), Rio '.' r:. ~,: !-,.----.~- .---~--,--- ..-. Grande (RS) e Niter6i (RI). Esses textos, co~~.tados e or9~nizados nos anos 1990, distribuem-se em cinco tipologias: narrativa de experiència pessoal, narrativa recontada, relata de procedimento, descriçâo de local e relata de opiniâo. Os informantes, divididos igualmente entre sexos masculino e feminino, distribuîdos em todos os nîveis de ensino, nas faixas etârias respectivas, foram convidados a produzir ~"t"l textos orais e, a partir dessa primeira etapa, redigiram 0 material . . ).' Tl.' . --;::,\ escnto correspondente. Trata-se, portanto, de um corpus relevante l' para a tratamento da interface fq!a.__ x escrita, ârea privilegiada naf!) atual fase da pesquisa sobre a funcionamento da lîngua em situaçao de comunicaçâo, além de perspectiva bastante contemplada nos recentes documentos legais sobre 0 ensino-aprendizagem de lîngua portuguesa no Brasil. Nos parâgrafos a segllir, apresentamas uma sîntese do conteûdo de cada capîtulo. Yale ressaltar que, embara sob a responsabilidade de distintos autores, todos membros do grupo D&G, os capitulos compôem um so projeta, um todo orgânico, que se inicia na clâssica distinçâo entre os polos formalista e funcionalista dos estudos lingüisticos, passa pela apresentaçâo dos pressupostos teoricos do ûltimo pâlo na vertente norte-americana, discute e exemplifica a mudança e seu contraponto, a continuidade, de acordo corn essa il
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Introduçao
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te6rica funcionalista e sua aplicaçâo à resoluçao de quest6es atinentes ao ensino-aprendizagem de lîngua materna no Brasil, e, por fim, apresenta e discute os rumos dessa corrente, as pr6ximas tarefas a serem cumpridas na investigaçao lingüistica de carater funcional. Esses capîtulos obedecem, pois, a uma seqüência, que se orienta do menas para 0 mais especîfico, do global para 0 pontual, da teoria para a prâtica e as novas tendências.
o primeiro capîtulo, sob a responsabilidade de Mârio Eduardo Martelotta e Eduardo Kenedy Areas, traça uma breve historia dos estudos lingüisticos na Europa e nos Estados Dnidos, demonstrando que, a partir de Saussure, as pesquisas nessa ârea caracterizaram-se pela alternância de duas grandes tendências te6ricas: uma atribuia à funçao comunicativa das 1nguas 0 papel predominante; a outra dava ênfase à forma lingüist ca, ficando suas funç6es em segundo pIano. Esse capitulo for ece material para que se possam compreender melhor as te dências funcionalistas da atualidade e as opç6es te6ricas e met ol6gicas que as distanciam dos estudos formalistas.
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No segun capitulo, elaborado por Maria Angélica Furtado da Cunha, Marcos Antonio Costa e Maria Maura Cezario, sao introduzidos os pr~_!"!<:Jp~~~!~~~cos do funcionalismo, tais coma , iconicidade, marcaçao, transitividade, pIanos discursivos, /'/A--'~~,,'J,informatividade, gramaticalizaçâo, discursivizaçâo, cielo funcional f<J (1' e unidirecionalidade. Esses princîpios sao apresentados, /le primeiramente, em sua formulaçao original e, em seguida, em sua versâo refarmulada, praposta pela grupo D&G a partir da aplicaçâo dos mesmos nas pesquisas desenvolvidas. Cada um dos canc~itas é exemplificado corn dadas dos trabalhos jâ realizados pelos membras dogrupa. o terceiro capîtulo, redigida por Mârio Eduardo Martelotta, C3, apresenta uma proposta de a~~!i_~~_~~J!d~~alingüistica corn /' base em prindpios funcionalistas, demanstrando que, no que se refere à trajet6ria hist6rica das lînguas, determinadas estruturas modificam-se, enquanto outras se mantêm intactas. 0 capîtulo
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LingüÎstica funcional: teoria e pnHica
prop6e que 0 fenômeno da mudança lingü:istica nao pode ser entendido segundo uma diacronia linear, ja que existem tendências de natureza cognitiva e conversacional, que agem regularrnente sobre os elementos lingilisticos, levando-os a ter seus valores modificados. No quarto capitulo, Lucia Maria Alves Ferreira reune evidências de estabilidade sintatica e semântica na lingua portuguesa, a partir da analise contrastiva de enunciados representativos de diferentes sincronias, e na üngua latina. Nos exemplos, observa-se a natureza sistematica e estavel das relaç6es polissêmicas, dos usos e das construç6es em que se encontram os itens focalizados. A analise problematiza 0 prindpio da unidirecionalidade concreto > abstrato na derivaçâo, no curso do tempo, de novos sentidos e usas para os itens lingü:isticos.
o capitulo quinto, dedicado à apli~~ao do funcionalismo ao e~~~Il5?=.~J?!~~.dizagemdo português, elaborado par Mariangela Rios
1:
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de Oliveira e Victoria Wilson Coelho, tem camo um dos objetivos predpuos farnecer aos professores de Hngua portuguesa e aos estudantes de graduaçâo e pôs-graduaçao uma releitura de alguns fenômenos e categorias lingüisticas tematizados ao longo dos capitulas anteriores. Sao abordados alguns objetivos do ensino de Hngua partuguesa de acordo corn os prindpios postulados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, que, ao privilegiarem uma perspectiva gramatical de natureza interativa e produtiva, vêm ao encontro da orientaçao funcionalista que concebe a gramâticae a l:ingua em funçâo do usa, ou seja, numa perspectiva pragmatica. Dessa forma, propôem-se algumas sugest6es de atividades que envalvem 0 binômio fa la x escrita, além daquelas que tratam dos gêneros discursivos, a fim de proporcionar ao leitor uma possibilidade de allar a teorizaçâo lingü:istica à prâtica pedag6gica em sala de aula. ~~E fiIE, Maria Angéllca Furtado da Cunha, Mariangela Rios de Oliveira e Mario Eduardo Martelotta apresentam e discutem os ru~9.~ da pesquisa lingüistica de orientaçâo funcionalista no Brasil. Apôs apontar para as tendências atuais da referida area de
lntroduçao
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i Ilvestigaçâo, os autores destacam os desafios a serem enfrentados
neste nova milênio, fundamentalmente os relativos ao viés multi- e 1ransdisciplinar que deverâ marcar os estudos da linguagem, em termos tanto internos, coma a interface corn a sociolingüistica e os l'studos de pidgins e crioulos, quanta externos, par intermédio do diâlogo corn a filosofia, a antropologia e a educaçâo.
1
A visâo funcionalista da linguagem no séculoXX
Mario Eduardo Martelotta Eduardo Kenedy Areas
A lingüîstica do século XIX, em suas pesquisas de ordem eminentemente hist6rico-c mparativa, deixou um importante legado teôrico, sobretudo po intermédio dos neogramâticos e de lingüistas comoHumboldt, oreen e Svedelius (MALMBERG,1974). Entretanto,o surgimento lingüîstica moderna é normalmente identificado corn 0 apa, imento do Cours de linguist_ique générale de Saussure, em ~ partir de entâo, conforme prop6em Dirven c Fried (1987), très noçoes bâsicas passaram a caracterizar a evoluçâo da lingüîstica no século XX: sistema, _o, _o o estrutura _ o .,.L e junçtio. '00
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A noçao de sistema deve-se a Saussure. De acordo corn Benveniste (1976), a novidade da doutrina saussu~na reside L'xatamente na visâo de lîngua como sistema, que (prevê uma prioridade do todo em relaçao aos elementos que 0 comp6em. o terma sistema mais tarde foi substituîdo pelo termo estrutura: Illna vez aceita a visan de que a Zingua constitui um sistema - um conjunto cujos elementos agrupam-se num todo organizado -, ('umpre analisar-lhe a estrutura. Foi a tendència que se desenvolveu !la lingüîstica a partir da publicaçao do Cours, tendo sua primeira t 'xpressao nos trabalhos do Circulo Lingüistico de Praga, a partir de 1028. 0 estruturalismo foi, entâo, adquirindo novos adeptos, como ()s que fundaram a Escolaode Copenhague. Hjelmslev (ap. BENVENISTE, J976) define novamente 0 dominio da lingüistica estrutural: DP&A eclitoril
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Lingüfstica funcional: teoria e pratica
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Compreende-se por lingüistica estrutural um conjunto de pesquisas que se apôiam numa hipotese segundo a quaI é cientificamente Iegitimo descrever a linguagem coma sendo essencialmente uma entidade autônoma de dependências internas ou, numa palavra, .r Î'" / Svl-M uma, estrutura. ,-, r}: . , ; L. .. s?;! c·e. î ~ 1 1
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A anâlise lingüîstica estava, entao, restrita à rede de dependências internas em que se estruturam os elementos da lîngua. No que se refere ao Cîrculo Lingüistico de Praga, Fontaine (1978) indica outras influências, além das provenientes de Saussure, que levaram os lingüistas a se dedicar ao estudo da lôgica interna do sistema da lingua. Essas outras influências provinham do filôsofo Husserl e, principalmente, da teoria da Gestalt (KoFFKA, 1935), que se deu par meio de seu freqüente contato corn a psicôlogo alemao Karl Bühler. A estreita relaçâo corn Bühler parece ter dada à lingüîstica de Praga uma feiçao diferente das outras escolas estruturalistas européias. Nas palavras de Fontaine (1978, p. 40), ele foi 0" avalista filosôfico do aspecta funcionalista do estruturalismo praguense", ja que via a funçâo corna um elemento essencial à linguagem. Essa concepçao nao pode ser atribuîda a Saussure, que deixou de fora dos estudos lingüîsticas os aspectos relacionados à funçao, a partir do momenta em que propôs a distinçao entre langue e parole, fazendo da primeira 0 objeta de estudo da lingüîstica. Essa estratégia teôrica retirou da âmbito dos estudos lingüîsticos 0 interesse por passîveis influências sofridas pela estrutura gramatical das lînguas, provenientes de aspectas pragmatico-discursivos. A noçâo de funçiio é um pouco mais problematica, na medida em que varios autares a utilizam para caracterizar suas analises, que nem sempre apresentam caracteristicas semelhantes. Segundo NichaIs (1984),funçiio é um termo polissêmico e nao uma coleçao de homônimos. Todos os sentidos do termo de certa forma se relacionam, par um lado, à dependência de um elemento estrutural corn elementas de outra ordem ou dOffiinio (estrutural ou naoestrutural) e, par outro lado, ao papel desempenhado por um
J\ visao funcionalista da linguagem no século XX
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~ 'Iemento
estrutural no processo comunicativo, -ou seja, a funçao ~ '( Hllunicativa do elemento. Os te6ricos de Praga utilizaram a noçao de funçao nesses dois ~;l'ntidos. De acordo corn Nichols (1984), a Escola de Praga praticou lima variante do que ela chama fJlnçiio/!!!J!zçfio, na medida em que f( lCalizou a relaçao do elemento cam 0 sistema lingüistico coma um lodo. A noçao de funçao como relaçao, tal coma proposta por Nichols (1984), prevê a relaçao de um elemento estrutural corn ou (lentro de uma unidade estrutural maior. 0 status de funçâo/relaçao Çc (lp6e-se ao status categorial, nao fazendo este ûltimo referência a y 1 lIIua ordem maior, mas simplesmente caracterizando a entidade l ('omo um portador de propriedades. !:v,! tI U Ir, Y l'co. fl'J ( N' 1
Nao é essa, entretanto, marca do funcionalismo dos lingiiistas de Praga. 0 que caracteriz u suas analises foi a adoçao de uma Iloçao ~~ de funça (para eles, a lingua deve ser entendida ('omo um sistema funcion , no sentido de que é utilizada para um; determinado fimjNas pa vras de Fontaine (1978, p. 22), referindost' ao Cîrculo Lingiils· de Praga, a intençao do locutor apresentase coma a expli çao mais natural' em analise lingüistica: essa i ntençao do locutor é que fundamenta 0 discurso". li
1
Dessas informaç6es, pode-se concluir que 0 estruturalismo nao foi um movimento unificado, apresentandol ao contrariol aspectos distintos de acordo corn diferentes autores. Dirven e Fried (1987) prop6em que as varias abordagens da lingüistica estruturat herdeiras da concepçao saussuriana da linguageml variavap-\ lambém de acordo corn a ênfase dada à significância da funçfio em seus modelos te6ricos l podendo dividir-se em dois grandes p6los: il) pâlo formalista, no quaI a analise ressalta a forma lingüîstical ) (Y\ ficando sua funçao num pIano secundârio; (cR9 b) p6lo funcionalistal no quaI a funçâo que a forma lingüfstica desempenha no ato comunicativo tem papel predominante.
Essa visao bipartida das tendências dalingüistica atual, embora desconsidere algumas divergências, é compartilhada por outros 'lUtores, como Schiffrin (1994) e Kato (1998).
Lingü[stica funcional: teoria e prMica
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o polo formalista o pâlo formalista caracteriza-se/ em termos gerais/ pela tendência a analisar a Hngua coma um objeto autônomo/ cuja estrutura independe de seu usa em situaç6es comunicativas reais. Segundo Dirven e Fried (1987)/ a tendência para a pâlo formalista pode ser vista entre os lingiiistas da Escala de Copenhague. ADinamarca tem forte tradiçâo nos estudos da linguagem/ cam lingiiistas coma Rask/ Madvig/ Noreen e Jespersen/ mas foi cam Hjelmslev/ Uldall e, anteriormente, Br0ndal que a lingüîstica tornou-se mais formaI e abstrata. Nota-se nos trabalhos desses lingüistas "um marcante interesse filosâfico e, em particular, lâgico" (LEPSCHY, 1971/ p. 61). Hjelmslev (1975, p. 3) prop6e que a lîngua nao deve ser interpretada coma a reflexo de um conjunto de fatos nâolingiiîsticos/ mas coma uma "unidade encerrada em si mesma, camo uma estrutura sui generis". Assim considerada, a lîngua apresenta um carater abstrato e estatico, ja que é dissociada do ato comunicativo. o pâlo formalista teve sua mais forte expressâo no descritivismo americano (Bloomfield/ Trager/ Bloch, Harris, Fries)/ mas foi aplicado mais rigorosamente nos sucessivos modelas de gerativismo. Embora os estudos lingüîsticos tenhmn sida dominados pela gerativismo, que mantém uma forte tradiçâo até os dias de hoje/ a polo funcionalista permaneceu vigoroso. Abordagens gerativas alternativas/ coma a semântica gerativa, ou a gramatica dos casas padem ser vistas coma um esforço/ no paradigma formalista/ de questianar algumas das propastas desse paradigma, par UID ângula semântica-funcionalista (DIRVEN e FRIED, 1987).
o polo funcionalista o pâla funcionalista caracteriza-se pela concepçâo da lîngua camo um instrumenta de camunicaçao, quel coma tal, nao pode ser
analisada coma um objeto autônomo/ mas coma uma estrutura maleavel, sujeita a press6es ariundas das diferentes situaç6es comunicativas, que ajudam a determinar sua estrutura gyamatical.
A visao funcionalista da linguagem no século XX
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o p6lo funcionalista também pode ser visto em algumas escolas lingüisticas p6s-saussurianas da Europa no século XX. Saussure influenciou mais de perto a Escola de Genebra, cujas principais representantes sao Charles BaUy, Albert Sechehaye e Henri Frei. Enquanto Sechehaye limitou-se basicamente a discutir as idéias de Saussure, BaUy, nas palavras de Leroy (1982, p. 94), atacando 0 dificil problema da relaçao entre 0 pensamento e sua expressâo lingüîstica, renovou a estilîstica, definindo-a como 0 estudo dos elementos afetivos da linguagem e dedicando sua atençao aos desvios que 0 usa individual (a fala) é levado a impor ao sistema (a lîngua).
Essa proposta baseia-se no fato de que nao ha separaçao intransponivel entre esses dois aspectos da linguagem, posiçao te6rica por definiçao funcionalista. Por sua vez, Frei notabilizou-se par sua analise referente aos desvios da gramatica normativa, que, segundo sua proposta, nao sao fortuitos, mas constituem tendências conseqüentes da necessidade de comunicaçâo, constituindo, portanto, uma rica fonte de estudos lingüisticos. Frei se fez 0 promotor da lingüistica de base funcionat que associa os fatos lingüisticos a determinadas funç6es a eles relacionadas. Essa influência chegou até Mar'tinet, que, de acordo corn Mounin (1973), manteve freqüente contato corn os principais lingüistas de Praga, sobretudo corn ITubetzkoy, par quem foi bastante influenciado. Para Lepschy (1971, p. 101), Martinet e Jakobson sao "os dois herdeiros mais importantes, no pensamento lingüistico internacional, da Escola de Praga". A herança funcionalista deixa também suas marcas nas escolas de Londres, em que, por meio de Halliday, desenvolveu-se uma tendência a estudar as linguas de um ponto de vista funcionaI. Mathiessen (ap. NEVES, 1997, p. 58) afirma que a gramatica funcional de Halliday esta baseada no "funcionalismo etnogrâfico e [no] contextualismo desenvolvido por Malinowski nos anos 1920 [MACEDO, 1998], além da lingüistica firthiana da tradiçao etnognifica de Boas-Sapir-Whorf e do funcionalismo da Escola de Praga".
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Lingüfstica funcional: teoria e pratica
A propensâo a analisar a lingua de um ponto de vista funcional também estâ presente no grupo holandês. Reichling adotou a postura funcionalista, influenciando a gramâtica de Dik (NEVES, 1997), que trabalha corn uma concepçâo tele?16gic~?~ linguagem. Para Dik, 0 principal interesse de uma lingüîst1ca funcionalista estâ nos processos relacionados ao êxito dos falantes ao se comunicarem por meio de expressôes lingüîsticas.
o funcionalismo nos Estados Unidos
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Como visto anteriormente, a lingüîstica norte-americana foi dominada por uma tendência formalista, que se enraizou corn Leonard Bloomfield e se mantém até hoje corn a lingüîstica gerativa. Entretanto, houve paralelamente uma inclinaçâo para 0 pâlo funcionalista. Franz Boas nao influenciou apenas 0 descritivismo, principal vertente lingüîstica dos EVA, mas também a tradiçâo etnolingüîstica de Sapir e Whorf, assim como os trabalhos de Bolinger, Kuno, Del Himes, Labov e muitos outros etno- e sociolingüistas. Certamente, os ûltimos passos dados por antigos gerativistas, como Langacker e Lakoff, que aderiram à gramâtica cognitiva,l devem ser vistos como uma franca caminhada em direçâo ao pâlo funcional (DIRVEN e FRIED, 1987). A lingüîstica cognitiva caracteriza-se por adotar alguns pressupostos contrârios à tradiçâo formalista. Entre esses pressupostos estâ, por exemplo, a idéia de que a signi~ se ------= baseia numa relaçâo entre sîmbolos e dados de um mundo real de vida independente, mas no fato de que as palavras e as frases assumem seus significados no contexto, 0 que implica a noçâo de que ;SConceitos decorrem de padr6es criados culturalmente. 1
Salomao (1999) admite que a ênfase na acessibilidade da linguagem a seu uso aproximaria 0 enfoque cognitivista à tradiçao funcionalista, mas acrescenta que as analîses funcionalîstas da Costa Oeste americana e dos grupos centralizados par Halliday e Dik na Europa estao ainda influenciadas pela tradiçâo estruturalista, apresentando as seguintes caraeterîsticas: a) mantêm o foco no significante; b) nao desenvolvem a importância do contexto, reduzindo-o a um conjunto de variaveis inorgânicas; c) prop6em, de um modo geral, uma abordagem estatica do significado.
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Os cognitivistas propôem também que 0 pensamento provém da canstituiçao corporal humana, apresentando caracteristicas derivadas da estrutura e do movimento do corpo e da experiência ffsica e social que os humanos vivenciam por meio dele. Além dissa, o pensamento é imaginativo, 0 que significa dizer que, para compreender conceitos que nao sao diretamente associados à experiência fîsica, emprega metaforas e metonîmias que levam a mente humana para além do que se pode ver ou sentir. Senda assim, a sintaxe nao é autônoma, mas subordinada a mecanismos semânticos que nossa mente processa durante a produçao lingilistica em determinados contextos de usa. Por outro lado, determinadas areas de pesquisa, coma a mudança lingüîstica e crioulîstica,2 pareciam indicar as 1~:t!litgç6.et? teorl~i~.fj~~~~âtica gerativa. Portanto,lingüistas de formaçao .... .. gerativista foram buscando alternativas teôricas que abordassem melhor os fenômenos por eles estudados. É 0 casa de Elizabeth Closs Traugott, que, devido ao seu interesse por fenômenos relacionados à mudança lingüîstica, passou a adatar a teoria da gramaticalizaçao, focalizando os aspectos semântico-pragmaticos da mudança. Segundo essa teoria, as formas lingüîsticas têm seus usos estendidos por p~~._!1nidirecionais~_ml;Lq.l!.nça, motivados pelo uso e por fatores de ordem cognitiva. o termo juncionalismo ganhou força nos Estados Unidos a partir da década de 1970, passando a servir de rôtulo para 0 trabalho de lingüistas como Sandra Thompson, Paul Hopper e Talmy Givôn, que passaram a advogar uma lingüistica baseada no uso, cuja tendência principal é observar a lingua do ponto de vista do contexto lingüistico e da situaçâo extralingüîstica. De acordo corn essa concepçao, a sintaxe é uma estrutura em constante mutaçâo em conseqüência das vicissitudes do discurso. Ou seja, a sintaxe tem a ,-.-,.,.,
2
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Ârea de investigaçao de crioulos,linguas que se desenvolveram historicamente de um pidgin. Em poucas palavras, 0 pidgin é uma forma relativamente simplificada de falar que se desenvolveu pelo contato de grupos lingüisticos heterogêneos, como 0 tok pisin (lingua de Papua-Nova Guiné, ilha ao norte da Australia).
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Lingüistica funcional: teoria e pratica
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fonna que tem em razao das estratégias de organizaçao da informaçao empregadas pelos falantes no momento da interaçao discursiva. Dessa maneira, para compreender 0 fenômeno sintatîco, seria preciso estudar a lingua em usa, em seus contextos discursivos espedficos, pois é nesse espaço que a gramatica é constituîda.
o texto considerado pioneiro no desenvolvimento das idéias da escola funcionalista norte-americana foi flThe origins of syntax in discourse: a case study of Tok Pisin relatives", pliblicado par Gillian Sankoff e Penelope Brown em 1976. Nesse traballio, as autoras fornecem evidências das motivaç6es discursivas geradoras das estruturas sintaticas de relativizaçao do tok pisin, lîngua de origem pidgin de Papua-Nova Guiné, ilha ao norte da Austrâlia. Em 1979, Talmy Givon, influenciado pelas descobertas de Sankoff, publica "From cliscourse ta syntax: grammar as a processing strategy", texto programatico da lingüîstica funcional, explicitamente antigerativista, que afirma que a sintaxe existe para desempenhar uma certa funçao, e é esta funçâo que determina sua maneira de ser.
Iconicidade, fala e pancronia Uma maneira interessante de compreender 0 espîrito da , lingüistica funcional norte-americana é observar a refutaçâo, proposta par Givon (1995), em relaçâo ao que ele caracteriza cama t \'~J(;\' o~~s~~i~ da lingüîstica estrutural: a arbitrariedade do \1'\ -signa lingüistico, a-idealizaçâo relacionada à distinçao entre langue e parole, e a rigida divisâo entre diacronia e sincronia. "
",
A dautrina da arbitrariedade separa, no signa lingüistica, a significante do seu correlata mental, 0 sigtÜficada, deixando apenas os dois termas observaveis da equaçaa: 0 signa e seu referente, a que Givon caracteriza coma uma triste caricatura da visâa pasitivista e behaviorista do significado coma referência externa. Essa posiçâo parece dever-se ao fato de os estruturalistas (sabretudo os narteamericanos) tenderem a naa trabalhar corn entidades mentais vagas e pouco acessiveis à anâlise empirica, cheganda mesmo a negar a
A visao funcionalista da Iinguagem no século XX
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existência de pensamento, ou qualquer estrutura mental organizada, preexistente à linguagem. Par outra lado, a pr6pria noçâo de arbitrariedade do signa, ao menas em sua farmulaçâo mais radical, é questionâvel, de acordo corn Bolinger (1975), para quem as lînguas saa em parte arbitrârias, em parte icônicas - ou nao-arbitrârias. Saussure reconheceu que havia exceç6es ao seu principio da arbitrariedlllie do signo lingüistico, mas, s~~ann (1977, p. 169)," desprezou-as por serem pouca importantes", assumindo uma postura diferente, nesse aspecta, de lingiiistas camo Schuchardt e J e s p e r s e n . / c'
f
De fato, se c~ E~~'.l~~.~.~f9.E.~1!~E?9:~a.__ !.~~.I_~~.~.~~.~t.~~_?!! seja, à \ maneira formalista de obs ar a lingua fora de seu contexto de usa, i. a que inevitavelmente merge diante da visâo do analista é uma relaçao nâo-necessâ ·a - arbitrâria ou nâo-natural- entre uma estrutura sa e um si·g~ifi~~ë.îo---(ouu~-ôbjetoreferente). Entretanto, quando se muda a foco de anâlise para uma abordagem voltada ao uso da lingua, observa-se a existência de mecanismos recorrentes, que refletem um pracesso mais funcional de criar r6tulos novos para novos referentes. Ocone que, para c~iar novos rôtulos, 0 falante naa inventa arbitrariamente séqfrências novas de sons, mas tende fortemente a utilizar material jâ existente na Hngua, estendendo 0 sentido de palavras, no que Ullmann (1977) chama motivaçiio semântica ('pé da mesa", "coraçiio da cidade"), ou criando palavras novas, pelos processos de derivaçâo ("apagadar", "leiteiro") ou camposiçâo CU aguardente", "pâra-quedas"), utilizando um mecanismo que Ullmann (1977) chama de motivaçiio morfol6gica. A esses dois juntase um terceiro mecanismo, chamado motivaçiiofonética, caracterizada pelas anomatapéias (' cacoracô" ,"tilintar"), em que 0 sam da palavra c1aramente imita a caisa designada. Esses très mecanismas têm em comum 0 fato de serem motivadas na sentido bâsico do termo: a palavra assume uma forma especîfica por um motivo determinado. Assim, a palavra pé, par exemplo, apresenta uma relaçao semântica corn as partes da mesa, destinadas
Lingüfstica funcional: teoria e prÉltica
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à sua sustentaçâo, ou 0 tenno apagador deve-se ao fato de tratar-se de um instrumenta utilizado para apagar 0 quadro, normalmente em uma sala de aula. Esses mecanismos sao mais comuns porque funcionam bem do ponto de vista comunicativo e cognitivo, no sentido de que um processo baseado em decis6es puramente arbitnirias seria mais custoso para 0 falante e, sobretudo, para 0 ouvinte. Em muitos casos, essa motivaçâo se perde quando a mudança semântica faz a palavra afastar-se de suas origens. No campo da sintaxe, os funcionalistas consideram mais aceitavel a idéia da nâo-arbitrariedade. Para citar um exemplo, quando narramos seqüências de aç6es coma "Cheguei em casa, tomei um banho e fui dormir", nâo ordenamos as clausulas arbitrariamente, mas de acordo corn a ordem em que elas ocorreram na realidade. A essas tendências, que se manifestam paralelamente à arbitrariedade, refletindo algum tipo de motivaçâo, os funcionalistas chamam iconicidade. Também sao explicados pelo prindpio da iconicidade aspectos relacionados à extensâo da sentença, assim coma à ordenaçâo e à proximidade dos elementos lingüisticos que a comp6em, dependendo de fatores como complexidade semântica, grau de informatividade dos referentes no contexto e proximidade semântica entre conceitos.
1 V"
Outro dogma estruturalista refere-se à idealizaçâo associada à distinçâo entre langue e parole. Corn essa dicotomia, Saussure estabeleceu uma diferença entre 0 que é geral e 0 que é individual e, conseqüentemente, entre 0 que é essencial e 0 que é acidental, ou entre 0 que é regular e 0 que é fortuito. Para 0 trabalho do lingüista, importavam somente os fatas relativas à langue, senda dispensada atençâo diminuta à fala individual. TaI perspectiva difere muite pauca da lingüistica gerativista no que se refere à distinçâa entre competência e performance. Ambas as concepç6es priorizam a lingua em detrimento da fala, considerando esta nao mais que mera manifestaçâo das possibilidades de um sistema independente.
o
pasicionamento funcianalista em relaçâo a esse aspecto consiste em dar nova relevo ao discurso individual, passando a
A visao funcionalista da linguagem no século XX
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compreendê-Io coma nîvel gerador do sistema hngüîstico. Este, por sua vez, é definido à maneira de um corpo moldâvel e em constante transformaçao. Nesse sentido, nao hâ coma separar a langue da parole: 0 acidentaI ou casuaI que caracteriza 0 discurso passa a ser a gênese do sistema, que, por sua vez, alimenta 0 discurso. A proposta de Lichtenberk (1991), segundo a quaI existe uma relaçâo simbi6tica entre discurso e gramâtica, é um 6timo exemplo dessa r~; concepçao de linguagem. ...\ ' . A dicotomia sincronia x diacronia, compreendida coma dois'" eixos separados e nao-intercambiâveis, é a terceiro dogma estruturalista a ser revisto pelo funcionalismo. Para Saussure, os princîpios e as consideraç es da anâlise sincrânica e da anâlise diacrânica nao se confu em e devem restringir-se a seu domînio espedfico de aplicaç- . Ou seja, 0 trabalho sincrânico lida com fenômenos do' ma que nao têm relaçao necessâria, sendo, por vezes, incompativel com 0 trabalho diacrônico. Entretanto, pesquisas em gyamaticalizaçao têm demonstrado que, ao lado de fenômenos que mudam corn 0 tempo, existem determinados aspectos que parecem manter-se ao longo da trajet6ria das lînguas. Em outras palavras, hâ um conjunto de processof de mudança que atuam corn relativa regularidade sobre os eleme~tos lingüisticos, estendendo-Ihes 0 sentido. De uma perspec'tiva hist6rica, esses processos podem dar a impressao de uma seqüência de mudanças ocorridas no tempo; de uma perspectiva sincrônica, a que se observa é UID conjunto de polissemias coexistindo. A tendência que se percebe do funcionalismo norte-americano a partir dos trabalhos sobre gramaticalizaçâo (HEINE, CLAUD! e HüNNEMEYER, 1991; TRAUGOTI e HEINE, 1991; HOPPER e TRAUGOTI,1993) é focalizar os mecanismos que geram a mudança camo senda alicerçados emfatores comunicativos e cognitivas. Nesse sentido, pode-se dizer que 0 funcionalismo tende a adotar uma cancepçâa pancrônica de mudança (SAUSSURE, 1916/1973), observando naa as relaç6es sincrônicas entre seùs elementos ou as mudanças percebidas nesses elementos e nas suas relaç6es ao longo do tempo, mas as
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àc:
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LingüÎstica funcional: teoria e pratica
forças cognitivas e comunicativas que atuam no indivîduo no momento concreto da comunicaçao e que se manifestam de modo universal, jâ que refietem os poderes e as limitaç6es da mente humana para armazenar e transmitir informaç6es. Para resumir a visao funcionalista da linguagem, é interessante o grupo de premissas com que Givôn (1995) caracteriza essa concepçao: • • • •
a linguagem é uma atividade sociocultural; a estrutura serve a funç6es cognitivas e comunicativas; a estrutura é nao-arbitrâria, motivada, icônica; mudança e variaçâo estâo sempre presentes; • 0 sentido é contextualmente dependente e nâo-atômico; • as categorias nao sao discretas; • a estrutura é maleâvel e nao-rigida; • as gramâticas sao emergentes; • as regras de gramâtica permitem algumas exceç6es.
1
Pressupostos te6ricos fundamentais
Maria Angélica Furtado da Cunha Marcos Antonio Costa Maria Maura Cezario
o
funcionalismo r güistico contemporâneo difere das abordagens formalista - estruturalismo e gerativismo - primeiro par conceber a lin~ em coma um instrumento de interaçao social seu interesse de investigaçao lingüistica vai além e segundo par da estrutura gramatical, buscando no contexto discursivo a motivaçâo para os fatos da lîngua. A abordagem funcionalista procura explicar as regularidades observadas nouso interativo da lingua analisando as condiç6es discursivas em que se verifica esse usa. Os dominios da sintaxe, da semântica e da pragm~ica sao relacionados e interdependentes. Ao lado da descriçâo sit\ltâtica, cabe investigar as circunstâncias discursivas que envolvem as estruturas lingüisticas e seus contextos espedficos de uso. Segundo a hip6tese funcionalista, a estrutura gramatical depende do uso que se faz da lingua, ou seja, a estrutura é motivada pela situaçâo comunicativa. Nesse sentido, a estrutura é uma variâvel dependente, pois os usas da lingua, ao longo do tempo, é que dao forma ao sistema. A necessidade de investigar a sintaxe nos termos da semântica e da pragmâtica é comum a todas as abordagens funcionalistas atuais. 1
Iconicidade e marcaçâo Em lingüistica, iconicidade é definida coma a correlaçao natural entre forma e funçâo, entre a c6digo lingüistico (expressâo) e seu DP&A editora
Lingüistica funcional: teoria e pratica
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designatum (conteudo). Os lingüistas funcionais defendem a idéia de que a estrutura da lingua reflete, de algum modo, a estrutura da experiência. Como a linguagem é uma faculdade humana, a suposiçâo geral é que a estrutura lingüîstica revela as propriedades da conceitualizaçâo humana do mundo ou as propriedades da mente humana. As discuss6es em toma da motivaçâo entre expressâo e conteudo na lîngua remontam à Antigiiidade clâssica, corn a famosa polêmica que dividiu os filôsofos gyegos em convencionalistas e naturalistas. Enquanto os primeiros defendiam que tudo na lîngua era convencional, mer a resultado do costume e da tradiçâo, os naturalistas afirmavam que as palavras eram, de fata, apropriadas por natureza às coisas que elas significavam. Essas especulaç6es filos6ficas têm seus desdobramentas no debate posterior entre anamalistas e analogistas acerca da (ir)regularidade da estrutura lingüîstica. No inîcio do sécula XX, essa controvérsia foi retomada por Saussure, que adotau pasiçâo favorâvel à concepçâo convencionalista, reafirmando 0 carâter arbitrârio da lîngua: nâo existe relaçâo natural entre a "imagem acûstica" do signo lingüîstico (0 significante) e aquilo que ele evoca conceptualmente (0 significado) .1
o fil6sofo Peirce (1940) discorda parcialmente da idéia de total arbitrariedade, recuperando, em certa medida, a posiçâo adotada pelos antigos naturalistas e conjugando-a à postura dos canvencionalistas. Segundo ele, a sintaxe das linguas naturais nao 1
Nao parece haver uma correspondência estrita entre naturalistas x convencionalistas, por um lado, e analogistas x anomalistas, par outro. Apesar de aigumas afinidades, eles tinham preocupaç6es distintas e, de certa forma, independentes. Enquanto naturalistas e convencionalistas discutiam a relaçào entre as coisas do mundo" e suas designaç6es, anaiogistas e anomalistas discutiam as regularidades do sistema lingüistico. Tomemos Saussure camo exempio. Em reIaçao à conexâo entre significado e significante, ele se alinha aos convencionalistas (arbitrariedade do signo lingüistico); quanta ao carater regular e sistematico da lingua, ele se posiciona junto aos analogistas (a lingua é um sistema). U
Pressupostos te6ricos fundamentais
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é totalmente arbitrâria, e sim isomârfica ao seu designatum mental. No entanto, esse isomorfismo da sintaxe, ou correlaçâo transparente entre fonna e funçao, nao é absoluto, e sim moderado. Na codificaçâo sintâtica, principios icônicos (cognitivamente motivados) interagem corn prindpios mais simbâlicos (cognitivamente arbitrârios), que respondem pelas regras convencionais. Peirce estabeleceu dois tipos de iconicidade: a imagética e a diagramâtica. A primeira diz respeito à estreita relaçao entre um f ri. item e seu referente, no sentido de um espelhar a imagem do outro (p. ex., pinturas, estâtuas); jâ a segunda refere-se a um arranjo icônico de signos, sem necessâria intersemelhança. Ambos os tipos de relaçâo icônica têm interessado a pe quisadores de orientaçâo funcionalista. É corn Bolinger (1977 que a isomorfismo lingüîstico revela sua face radical, quando R stula que a condiçao natural da lîngua é para um sentido, e vice-versa. Estudos sobre preservar uma for variaçao e mudança lingüîsticas, ao constatar a os proœ existência de duas ou mais formas alternativas de dizer"a mesma coisa", levaram à reformulaçâo dessa versao forte. Na lîngua que usamos diariamente, especialmente na lîngua escrita, existem por certo muitos casos em que nao hâ uma relaçâo clara, transparente, entre forma e conteûdo. Ha contextos comunicativos emque a codificaçao morfossintâtica é opaca em sua funçâo. Tom~das sincronicamente, determinadas estruturas exibem acentuado grau de opacidade em relaçâo aos papéis que desempenham. Assim, encontramos correlaçâo entre uma forma e vârias funçoes, ou entre uma funçâo e vârias formas. 0 uso do sufixo -inho ilustra 0 primeiro caso. Essa forma, que originalmente indica tamanho diminuto, coma em criancinha, desenvolveu-se para marcar afetividade, camo em paizinho, pejoratividade, como em gentinha, ou ainda um valor de superlativo, como em devagarzinho (R.J. SILVA, 2000). A funçâo de impessoalizaçao do agente da açao verbal pode ser codificada, em português, por vârios recursos: verbo na terceira pessoa do plural (Construîram uma ponte na cidade"); particula se apassivadora CConstruiu-se uma ponte na cidade"); voz passiva (Uma ponte·foi construîda na cidade"); pronome indefinido ('i\lguém construiu uma
1
Ungüistica funcional: teoria e pratica
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fl
ponte na cidade pronome de terceira pessoa do plural sem referente explicita ("Eles construiram uma ponte na cidade entre outros. );
fl
),
Em sua versâo mais branda, 0 prindpio de iconicidade manifesta-se em três subprincîpios, que se relacionam à quantidade de informaçâo, ao grau de integraçâo dos constituintes da expressâo e do conteûdo e à ordenaçâo linear dos segmentos. Segundo a subprincipio da quantidade, quanta maior a quantidade de informaçâo, maior a quantidade de forma, de tal modo que a estrutura de uma construçâo gramatical indica a estrutura do conceito que ela expressa. Isso significa que a complexidade de pensamento tende a refletîr-se na complexidade de expressâo (SLüBIN, 1980): aquilo que é mais simples e esperado expressa-se corn 0 mecanismo morfol6gico e gramatical menos complexo.
o subprincfpio da integraçiio prevê que os conteudos que estâo
\
mais pr6ximos cognitivamente também estarao mais integrados no nivel da codificaçâo - 0 que esta mentalmente junto coloca-se sintaticamente junto.
o subprincfpio da ordenaçiio linear diz que a informaçâo mais importante tende a ocupar a primeiro lugar da cadeia sintatica, de modo que a ordem dos elementos no enunciado revela a sua ordem de importância para 0 falante. Vejamos aIgumas aplïcaç6es da versâo branda do principio de iconiddade. No estudo danegaçâo (FURTAOO DA CUNHA, 1996), a negativa dupla fomece evidência favoravel ao principio icônico da quantidade: 1)
2
motorista dele... nesse tempo ele... num era... num era um motorista dele nao... era do hote!... porque ele fkau sem motorista... (corpus D&G;Natal, p. 244).2 ... um
Na transcriçâo desse exempla, e nos demais de modalidade falada, foram utilizados os seguintes critérios: a) ... - qualquer pausa; b) ( ) - incompreensâo de palavra ou segmenta; c) / - truncamento; d) :: - alongamento; e) « )) comentarios descritivos do transcritar; f) [ ] ~ inforrnaçâo elucidativa cornplernentar; g) (...) - trecho saltado; h) eh - fâtico; i) l}) - sintagrna ellptico. É importante observar que na transcriçâo de falas adota-se 0 usa de minûsculas, ao passo que na reproduçâo de textos escritos usam-se normalmente as maitisculas quando necessario.
l'n~ssupostos
te6ricos fundamentais
33
No discurso falado, a pronuncia do niio tônico que precede 0 vl'rbo freqüentemente se reduz ao num atono, ou mesmo a uma si mples nasalizaçâo. Para reforçar a idéia de negaçâo, 0 falante utiliza Il III segundo nao no fim da oraçâo, como uma estratégia para suprir () cnfraquecimento fonético do niio pré-verbal e 0 conseqüente l'svaziamento do seu conteûdo semântico. Assim, 0 acréscimo do segundo niio tem motivaçâo icônica: quanta mais imprevislvel se 1orna a informaçao l mais codificaçâo ela recebe. Em seu trabalho sobre os procedimentos de manifestaçâo do sujeito, Costa (2000) utiliza 0 prindpio icônico da proximidade para l'xplicar a ausência de concordância verbal em oraç6es em que sujeito (' verbo encontram-se estrutur ente distanciados. A introduçâo de material de apoio entre 0 suj . 0 e 0 verbol como 0 aposto do exemplo <lbaixo, enfraquece a int açâo entre sujeito e predicado no pIano do con 0 resulta na falta de concordância verbal: 2)
Hâ pouco tempo atrâs, dois Mrbaros assassinatos, 0 da atriz Daniela Perez e 0 da menina que foi queimada pelos sequestradores ressuscitou a polêmica da Pena de Morte (corpus D&G/Natal, p. ~1).3 \
Em relaçâo ao principio da ordenaçâo linear, a dâssico exem~lo citado é "Vim vi, vend"l cuja distribuiçâo das palavras na ora~âo corresponde à seqüência cronolôgica das aç6es descritas. Ainda outro exemplo: 0 trecho a seguir foi retirado de uma narrativa recontada, em que 0 falante reproduz 0 filme Cemitério maldito. Note-se que a apresentaçâo dos eventos narrados obedece à ordem cronol6gica e 16gica em que ocorreram na trama: l
3)
1
pai dele tava... tava tomando banho... 0 gato apareceu na... na janela lâ do... do... do banheiro ele tava tomando banho na banheira . ele pulou dentro e rasgou 0 ... 0 0 pai dele todinho num matou nao . 56 fez arranhar né?... depois ele pegou um cabo de vassoura... meteu no gato e 0 gato foi embora... (corpus D&GINatal, p. 28). ...0
Na exemplificaçâo da modalidade escrita, os textos sao apresentados exatamente coma produzidos par seus autores.
Lingüfstica funcional: teoria e prética
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Do que foi exposto, conclui-seque a lingua nao é um mapeamento arbitrârio de idéias para enunciados: raz6es estritamente humanas de importância e complexidade refletem-se nos traços estruturais das lînguas. As estruturas sintâticas nao devem ser muito diferentes, na forma e na organizaçao, das estruturas semântico-cognitivas subjacentes. Como opçâo teôrica, 0 principio da iconicidade, em sua formulaçao atenuada, permite uma investigaçâo detalhada das condiç6es que governam 0 uso dos recursos de codificaçâo morfossintâtica da lîngua.
o principio de marcaçiio, herdado da lingüîstica estrutural desenvolvida pela Escala de Praga, estabelece três critérios principais para a distinçâo entre categorias marcadas e categorias nao-marcadas, em um contraste gramatical binârio: a) complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais complexa (ou maïor) que a estrutura nao-marcada correspondente; b) distribuiçao de freqüência: a estrutura marcada tende a ser menas freqüente do que a estrutura nao-marcada correspondente; c) complexidade cognitiva: a estrutura marcada tende a ser cognitivamente mais complexa do que a estrutura nao-marcada correspondente. Incluem-se, aqui, fatores coma esforço mental, demanda de atençao e tempo de processamento. Hâ uma tendência geral, nas lînguas, para que esses três critérios de marcaçâo coincidam. Admite-se que a correlaçâo entre marcaçao estrutural, marcaçâo cognitiva e baixa freqüência de ocorrência é 0 reflexa mais geral da iconicidade na gyamâtica, dada que representa o isamorfismo entre correlatos substantivos (de natureza comunicativa e cognitivaj"·~· ~~;~~ï~t~~f~;~~i~·d~~a;câçao:Assim, as categorias que sao estrutura1mente mais marcadas tendem também a ser substantivamente mais marcadas. •
,_.U'" .•_ .. ~ _ _ '""~""''-+'. ''W. ' - ••..,.".".......... ~ • • _.,.....,., ...., '"'-
Givôn (1995) adrnite que Ulla mesma estrutura pode ser marcada num contexto e nâo-marcada em outro, e acrescenta que, desse modo, a marcaçao é um fenômeno dependente do contexto, devendo, portanto, ser explicada corn base em fatores comunicativos,
l 'ressu postas teôricos fundamentais
35
socioculturais, cognitivos oubiolôgicos. Cita, C011'\O exemplo, que a lendência para a ~erçao do agente como sujeito e tôpico da oraçao \rc l ransitiva, que representa 0 caso n~cado, provavelmente reflete !,,~: r Lima norma cultural de falar egocentricamente mais acerca de seres \~ humanos volitivos do que sobre objetos inanimados. c
Outra observaçao importante feita por Givôn é que a marcaçao nao se restringe apenas às categorïas lingilisticas, mas pode estenderse a outros fenômenos, como a distinçao entre 0 discurso formal e a conversaçao espontânea. Por tratar de assuntos mais abstratos e complexos, 0 discurso formaI é mais marcado em relaçao à conversaçâo informaI, que é cognitivamente processada corn mais rapidez e facilidade, por se referir, em geraI, a assuntos comuns e fisicamente perceptiveis do tidiano social.
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A titulo de exemplo, 0 ntraste entre afirmaçao e negaçao ilustra bem a atuaçao dos c . érios de marcaçao. Como afirmar algo é cognitiv mais simples e esperado, portanto mais frequente li na interaçâo verbal, isso se reflete também na estrutura lingüistica, l representando a (orma nao-marcada. A negaçao, ao contrario, por ser mais complexa em termos cognitivos e menos esperada, é também menos freqüente e estruturalmente maior (tem, no minimo, um morfema a mais que a afirmativa), constituindo 0 casa marcado. Entretanto, essa marcaçâo sera relativizada se considerarmos as diferentes estruturas negativas em português (FURTADü DA CUNHA, 2000), tais coma: 4)
nova regente... ela naD tava sabendo reger direito a regente do coral... tava errando lâ um monte de coisas... né? (corpus D&G/ Natal, p. 278).
5)
••• e
... a
teve uma pessoa que chegou pra mim e perguntou... l'Gerson . você aceita fkar no cargo e tudo num sei que... eu disse... nao . num aceito naD (corpus D&G/Natal, p. 178). fl
6)
•.. tudo
eu faço sabe? tem isso comigo naD... (corpus D&G/Natal, p. 264).
Essas três estruturas negativas nao se op6em binariamente, mas se distribuem num contî:fiuo, exibindo diferentes graus de marcaçao quanto à freqüência d'e uso, à complexidade estrutural ou à l'
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Lingüfstica funcional: teoria e pratlca
36
complexidade cognitiva. Considerando esses très critérios de distinçâo entre estruturas marcadas e nao-marcadas podemos estabelecer a seguinte hierarquia que ordena as oraç6es negativas de acordo corn 0 seu grau de marcaçao: negativa-padriio (ex. 4) > negativa dupla (ex. 5) > negativafinal (ex. 6). Apesar de a negativapadrao ser marcada em relaçao à afirmativa esta clara quel das très l ela é a menas marcada sob todos os aspectos: a) quanta à freqüência é a que registra maior ocorrència; b) quanto à complexidade estrutural é a morfologicamente mais simples; c) quanta ao contexto de USOI é a menos marcada pragmaticamente pois pode ocor~r nos contextos que favorecem tanto a negativa dupla quanta a final Dado \ 0 carater fluido e criativo da lingual é necessario adotar parâmetros ~r' de gradualidade na analise da marcaçao em vez de considerar as \ categor~as lingüîsticas em termos discretos ou binarios. A necessidade de superar a dicotomia marcado x niio-marcado redefinindo 0 prindpio de marcaçao também é questionada por Oliveira (2000)1 em seu trabalho sobre as oraç6es adjetivas. Exemplos camo 7 e 8 em que se combinam informatividade do nûcleo SN4 (menor integraçao) e definiçao da adjetiva (maior integraçao)1 sao os de maior freqüència nos corpora pesquisados: l
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As pessoas que 0 acusam confundem 0 ato de governar com disposiçao e honradez (carta de leitor, Jornal do Brasil).
8)
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primo estava dirigino uma camionete que estava sem Jreio... (lîngua escrita, quarta série, corpus D&GlNiterôi).
..
Os resultados preliminares a que Oliveira chegou na pesquisa (; sobre a clausula adjetiva levaram-na a um impasse assim expresso por ela: se a freqüència é 0 parâmetro de maior visibilidade e saliència _\:: perceptual para a aferiçao da marcaçao entao teremos de admitir que . . . as adjetivas restritivas que sao mais integradas configuram-se coma "'-, ~ as nao-marcadas. Por outro lado seu maior vînculo semânticosintatico é traço caracterizadorde complexidade estrutural e cognitiva o que as classificaria como formas marcadas face às explicativas. 'Z:
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= sintagma nominal.
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l 'IüSSUPOStos te6ricos fundamentais
37
Transitividade e pianos discursivos Para a gramatica tradicional, transitividade refere-se à 1l'a nsferência de uma atividade de um agente para um paciente. J':, portanto, uma propriedade dos verbos, classificados camo 1ransitivos, quando acompanhados de objeto direto ou indireto, ou Î Il transitivos, quando nao ha complemento. Segundo a formulaçao t Il' Hopper e Thompson (1980), a transitividade é concebida camo lima noçao continua, escalar. Trata-se de um complexo de dez IllHâmetros sintatico-semânticos independentes, que focalizan1 ........, (1i ferentes ângulos aa transferência da açâo em uma porçâo diferente da sentença. Sao eles: 1 ,.,-,.---~,----------~
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3. Asp ecto do ver .=
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Transitividade alta
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1. Participantes
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punctual
4. Pun ctualidade do verbo
'-'~_-
nao-punctual .u_ _ _ _ _ _
afirmativa
6. Pol aridade da oraçâo _ ~ ~
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negativa
___.o.o_ f---.- -_....._..
modo reafis
~_----~-~_-
S.Age ntividade do sujeito _"_0 _________
.....__._-_._... _..
~ · ~ ~
7. Modalidade da oraçâo -_._~
nao-intencional _
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intencional
5.lnte ncionalidade do sujeito
-----,-- ___0-.___-
...-----t=.}' /
modo irrealis
-------_.
--_.
9. Afetamento do objeto 10. In dividuaçâo do objeto fJ
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uM
agentivo
nao-agentivo
afetado
nao-afetado
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nao-individuado
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......:;,;,,,,
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Cada um desses parâmetros contribui para a ordenaçao de ()raç6es numa escala de transitividade. Assim, é toda a sentença que (; classificada com9 transitiva, e nao apenas 0 verbo. A tîtulo de ilustraçao, vejamos alguns exemplos, extraidos de uma narrativa (lue reconta a filme Batman: 'Id)
Batman derrubou
'!h)
A Mulher Gato nao gostava do Batman.
'JI}
Esse rio tem uma forte correnteza.
0
Pingüim com um soco.
C!
38
Lingüistica funcional: teoria e pratica
Pela classificaçao da gramatica tradicional, as trés primeiras sentenças sao transitivas, pois apresentam nm objeto coma complemento do verbo. Segundo a formulaçao de Hopper e Thompson, 9a é a que ocupa lugar mais alto na escala de transitividade, uma vez que contém todos os dez traças do complexa: dois participantes (Batman e Pingüim); verbo de açao (derrubou); aspecto perfectivo (verbo no passado); verbo punctual (açao completa); sujeito intencional; oraçao afirmativa; oraçaorealis (modo indicativo); sujeito agente (Batman); objeto afetada e individuado (Pingüim - referencial, humano, pr6prio, singular). Ocupando 0 segundo lugar na escala de transitividade, temos 9d, clàssificada coma intransitiva pela gramâtica tradicional. Essa oraçao contém sete traços: cinese; aspecto perfectivo; verbo punctual; sujeito intencional; polaridade afirmativa; modalidade realis; sujeito agente. A oraçao 9b esta mais abaixo na escala, pois apresenta quatro traços positivos: dois participantes (Mulher Gato e Batman), objeto individuado (Batman), perfectividade do verbo e modalidade realis. Por ultimo, a oraçao corn menor grau de transitividade é 9c, que s6 apresenta os traços modalidade (realis) e polaridade (afirmativa). Hopper e Thompson associam a transitividade a uma funçao ( discursivo-comunicativa: 0 maior ou menor grau de transitividade de uma sentença reflete a maneira coma 0 falante estrutura 0 sen discurso para atingir sens prop6sitos comunicativos. A universalidade do complexo de transitividade parece residir no fato de que os parâmetros que 0 comp6em estao relacionados ao J.. .event()5~~sa.1 pfototlpico, qu~_ ~..~~.~!l.i.g..2.E??:10 um evento em que ~. um agente animado intencionalmente causa uma mudança nsica e , perceptivel de estado ou locaçao em um objeto. Sao esses os eventos que a criança percebe e codifica gramaticalmente mais cedo. Ha, portanto, nma correlaçao entre os traços que caracterizam 0 evento causal prototipico e os parâmetros que identificam a oraçao transitiva canônica. Desse modo, por refletirem elementos cognitivamente salientes, ligados ao modo pela quaI a experiência humana é
',~
1
Pressupostos te6ricos fundamentais
39
apreendida, os parâmetros da transitividade assinalam elementos salientes no discurso. A transitividade oracional esta relacionada a uma funçâo ~---------., pragmâtica. 0 modo como 0 falante organiza seu texto'é .. ..... determinado, em parte, pelos seus objetivos comunicativos e, em parte, pela sua percepçâo das necessidades do seu interlocutor.· Nesse sentido, a texto apresenta uma distinçâo entre 0 que é central e a que é periférico. Para que a comunicaçâo se processe satisfatoriamente, ou seja, para que os interlocutores possam partilhar a mesma perspectiva, 0 emissor orienta a receptor a respeito ,. . do grau de centralidade e de perifericidade dos enunciados que C' \1 constituem seu discurso. Em termos de estrutura de texto, ou de plan~s,a divisâo entre centr~l?..~lj.cocorresponde à y},!f distinçâo entre figura e fundo. 0 grau de transitividade de uma rR/2-; oraçâo reflete sua funçâo discursiva caracterfstica, de modo que oraç6es cam alta transiti~dade assinalam porç6es centrais do texto, correspondentes à fi,gufa, enquanto oraç6es com baixa transitividade marcam as porç6es periféricas, correspondentes ao fundo. Hâ, portanto, uma correlaçâo forte entre a marcaçâo gramatical dos parâmetros da transitividade e a distinçâo entre figura e fundo. Por figura entende-se aquela porçâo do texto narrativo que àpresenta a seqüência temporal de eventos concluidos, pontuais, afinnativos, realis, sob a responsabilidade de um agente, que constitui a comunicaçâo central. Jâ fundo corresponde à descriçâo de aç6es e eventos simultâneos à cadeia da figura, além da descriçâo de estados, /;, da localizaçâo dos participantes da narrativa e dos comentârios avaliativos. Vejamos a seguinte fragmenta, extraido de uma narrativa falada de um informante do ensino médio:' . \ ,.'"
'~
......
_--~
"",\.~
al quando vinha aH no rio Tietê... num sei se você conhece... jâ ouviu falar... lâ de Sâo Paulo... quando vinha lâ do rio Tietê... tava chovendo muito..: a pista escorregadia né? ai 0 carro perdeu 0 controle... 0 motorista perdeu 0 controle né?... aî quando ele viu que 0 carro ia cair dentro do rio... ai eIe... colocou 0 carro num... pra cima de outro carro... que tava um casaI de namorado assim ... namorando... (corpus D&G/Natal, p. 222).
10) .••
Lingüistica funcional: teoria e pratica
40
Figura
Fundo
...al quando vinha ali no rio Tietê... num sei se você conhece... ja ouviu falar... la de Sao Paulo... quando vinha la do rio Tietè... tava chovendo muito... a pista escorregadia... né?
ai 0 carro perdeu 0 controle... o motorista perdeu 0 controle... né? ..
..
ai quando ele viu que dentro do rio...
0
carro ia cair
~--_._---
ai ele... colocou 0 carro num... pra cima de outra carro... -
que tava um casal de namorado assim... namorando... -
--~-----
o
texto acima mostra oposlçao de tempo, aspecto e dinamicidade: as sentenças da coluna da figura contêm perdeu e colocou, verbos punctuais no tempo perfeito, enquanto no fundo apresentam-se oraç6es que contextualizam 0 evento narrado, corn comentarios descritivos e avaliativos do narrador.
o
fi 1
fundamento cognitivo para plana discursivo, corn suas 'fimens6es originais de figura e fundo, provém da psicologia ;gestaltista: identifican10s mais prontamente as entidades que se ! apresentam em primeiro pIano, coma figuras bem-recortadas e focalizadas, em oposiçao a tudo 0 mais, que passa a ser percebido contrastivamente como em plana de fundo. Tipologicamente, a lingua portuguesa é classificada como sendo de ordenaçao SVO (sujeito-verbo-objeto), ou seja, a posiçao tipica, nao-marcada, do sujeito é anterior à do verbo. As construç6es oracionais em que 0 sujeito é deslocado, ocupando posiçao posterior à do verbo, parecem limitar-se a certos contextos discursivos. Par exemplo, a estrutura VS corresponde, normalmente, às circunstâncias que estao fora da seqüência narrativa propriamente dita (fundo), conforme a seguinte exemplo:
41
Pressupostos te6ricos fundamentais
Il)
0 drama começa quando a secretaria de um empresario descobre que 0 seu patrao quer construir uma usinanuc1ear, nao para gerar energia, e sim para sugar energia da cidade. 0 patrao chega repentinamente no escrit6rio e flagra a secretaria mexendo em seus documentos. Temendo ele que a secretaria resolvesse contar a todos, ele tratou de mata-la empurrando-a pela janela do escrit6rio que ficava no andar muito alto de um edificio (corpus D&G;Natal, p. 317). Figura
Fundo
o drama começa quando 1 - - - - - - '- - - - ,
a secretâria de um empresârio descobre que a seu patrao quer construir uma usina nuc1ear, nao para gerar energia, e sim para sugar energia da cidade. -
o patr"o chegn rcpentinan~,
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Extrapalanda a daminio da narrativa, Martelatta (1998) testa a( possibilidade de aplicaçâo dos parâmetros da transitividade a outras lipos de gênero textual, demonstrando que as noç6es de figura e fundo também podern ser extremamente uteis na analise de desoiç6es, C relatas de procedimento ou relatas de opiniâa. Mostra que um tipo 6 de texto pode servir de fundo a outro tipo textual. Dm trecha narrativo, \~ por exemplo, em um contexto maior nào-narrativo, pode servir de \ fundo, pois, neste caso, esta em posiçao secundaria em relaçaa ao foco central do texto. Em situaç6es como essas, a seqüência narrativa ('In segundo plana pode apresentar-se, ao mesmo tempo, camo figura l'm relaçâo a outra nao-narrativa de nîvel inferior. Para ilu~trar esse 1)( mta, tomemos 0 segtiinte fragmenta de um relata de opiniào falado, dl' um aluno da oitava série do ensino fundamental: ~
Lingüfstica funciona/: teoria e prâtica
42
12)
\
E: Emerson... quaI é... a sua opiniâo acerca da pena de morte? você acha que é um... uma forma correta de... de... punir por um crime? você acha que se a pessoa comete um crime barbaro até hediondo coma a gente... coma a gente vern... tem ouvido falar você acredita que a pena de morte é... é uma soluçâo? 1: eu acho que nao... ha pouco tempo... ha pouca tempo atras houve dois casos que... fez corn que ressuscitasse a polêmica da pena de morte no Brasil... foi 0 assassinato da Dan! da atriz Daniela Perez e de uma menina que foi seqüestrada e depois queimada... as pessoas... pela emoçao... achavam que deveria ser implantado a pena de morte ... mas cada casa é um caso... (corpus D&G/Natai, p. 313).
Respondendo à pergunta do entrevistador, 0 informante da sua opiniao sobre a pena de morte. Nesse caso, a seqüência narrativa encontra-se num pIano de fundo em relaçao ao foco principal do texto. Contudo, essa mesma seqüência sobressai como figura quando comparada ao trecho em que ele faz 0 esc1arecimento quanta à opiniao das pessoas acerca dos acontecimentos narrados. Atualmente nao se trabalha mais corn a concepçao dicotômica de figura e fundo. AIgumas pesquisas (TOMLIN, 1987; SILVElRA, 1991) mostraram a necessidade de redefinir a categoria pIano discursivo, nao mais em termos binarios, e sim como um continuum, cujos pâlos seriam a superfigura, do lado mais :?aliente oUJelevante, e ·_.c. _____ superfundo, do lado mais difuso ou vago. Observe-se nesse sentido nm fragmenta do corpus de Silveira (1991), sobre a mae que acorda a filha para a escola: <
13)
'-.. ~-
··--'--"'C"_' .-",-,
~- .....
Ai... ela acordou... ela tava dormindo... aî ela levantou... penteou 0 cabelo... aî fol foi la onde tava a filha dela aî €la acordou a filha dela... aî vestiu ela... pôs a mesa para 0 café elas tomaram café... Figura
Fundo
Ai... ela acordou... ai ela levantou... penteou 0 cabelo... al fol foi la
ela tava dormindo...
onde tava a filha dela... ..---"
ai ela acordou a filha dela... al vestiu ela... pôs a mesa para 0 café... elas tomaram café... ----
Pressupostos teôricos fundamentais
43
~A
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A }~f
J
S
Na coluna da figura, a clâusula aî ela acordo1faftlh~ dela tem um nîvel mais proeminente do que aî ela acordoû~ Podemos perceber também que as duas clâusulas em fundo têm graus distintos de fundidade, jâ que uma apenas localiza a filha, enquanto a outra dâ conta de uma caracteristiça a mais, ao identificar 0 estado progressivo de dormir.
1nformatividade
T
_.'. <'1
l,
A informatividade manifesta-se em todos os rnveis da codificaçâc, lingiiistica e diz respeito ao que os interlocutores compartilham, ou supoem que compartilham, na interaçâo. Do ponto de vista cognitivo, uma pessoa comunica-se para informar 0 interlocutor sobre alguma coisa, que pode ser algo do mundo externo, do seu prôprio mundo interior, u algum tipo de manipulaçâo que pretende exercer sobre e e interlocutor. .J Tradicionalment parte da clâusula que apresenta a informaçâo Inada tema, enquanto a parte que apresenta a velha-é-El-e .... <informaçâo ~a é denominada ~e!!!a. Alguns exemplos presentes
(
cm l.lari e Geral3i (1985) s.erâo retoma~os.a.qui: . . )
l,/à qu~J;.;u~~~ ~~~~e:,J:ca~:1r~? ·~ ~{
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Desta vez,
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carteiro trouxof'uma encomenda.J Gkt7
I-Oesta vez,
0
carteiroC~rouxe uma encomenda.J ç...;;c...o
(à-f"(QA" C
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L~' [ I~
rQueri\1trouxe a encomenda? ~ carteiroJtrouxe a encomenda.
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No exemplo 14,0 tema é a carteiro trouxe e 0 rema é uma encomenda; no exemplo 15, 0 tema é 0 sujeito e 0 rema é todo 0 predicado; no t 'xemplo 16 verifica-se 0 contrârio: 0 tema é 0 predicado e 0 rema é 0 ~';II jeito. Na lîngua oral, a ênfase é 0 recurso mais usado para delimitar 1) status informacional da clâusula. Aqui a anâlise foi feita mediante t 'xcmplos descontextualizados, mas, num texto real, 0 que se verifica lin freqüência é a informaçâo velha estar contida no sujeito (tema)
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44
LingüÎstica funcional: teoria e pratica
-
o primeiro esforço para formular um rnodelQ~cie._. Qiêcurso em que 0 grau de co~~~igH~!}tQ_çQmpélrtilhadod esempenha um papel essencial deve-se a :ertDs:e (1981).0 domînio que tem registrado mais avanço refere-se à coclificaçâo da informaçâo nos referentes nominais. Mesmo aquÎ, as tipologias de status inforrnadonal sâo ainda muito incompletas, e as escalas propostas como refinamento da dicotomia c1assica entre informaçâo velha e informaçâo nova nâo cobrem todos os casos e concentram-se exclusivamente nos nomes. .
A partir do trabalho de Prince, muitas pesquisas foram realizadas para a descriçâo do status informacional dos nomes em varias lînguas, entre as quais 0 português. Dm dos trabalhos em que 0 tema é tratado com profundidade é a obra de G6rski (1985)/ da quaI é retirada a maioria dos exemplos desta seçâo. A questâo da informatividade é abordada na lingüfstica funcionalista principalmente a partir da cIassificaçao semântica e da codificaçâo de referentes no discurso, demonstrando que a forma como um referente é apresentado no discurso é determinada por . ,.:{J \ fatores de ordem semântico-pragmâtica. Segundo Lyons (1981)/ le a referência é a relaçâo que se estabelece entre expressôes lingüfsticas '-------\, e 0 que elas representam no mundo ou no universo discursivo. f
Muitos lingüistas utilizam a noçâo de referência. No entanto, 0 conceito é de diffcil formulaçâo, porque a relaçâo entre referente e ;denominaçâo envolve questôes de diferentes ordens coma quest6es / de ordem psicolôgica e social. Quando, por exemplo, uma criança chama gato e cachorro de au-au, ela esta tomando como parâmetro ( para a denominaçâo 0 traço Il quadrû pede'l; ou, quando a criança . usa um sô nome para se referir a frutas camo maçâ e laranja, ela I;;J ) tem camo parâmetro os traços 11forma" (drculo) e IItamanho". A categorizaçâo dos objetos ou dos eventos nâo depende apenas da percepçâo, mas também da interpretaçâo e do desenvolvimento cognitivo. 0 adulto, devido às suas experiências, utiliza outros traços para dar nomes a diferentes seres.
1
Chafe (1977) postula que, antes da produçâo discursiva, a falante tem em mente apenas uma idéia geral acerca do evento. À medida
Pressupostos teôricos fundamentais
45
que produz 0 discurso, esse falante organiza e detalha 0 conteûdo ao mesmo tempo que situa os seres no evento e assinala os papéis que eles desempenham por meio de uma categorizaçao adequada (CHAFE, 1977; GbRSKI, 1985). Chafe enfatiza 0 processo criativo da verbalizaçao, uma vez que a estruturaçao da idéia dâ-se no momento da enunciaçâo. 0 estudo da codificaçao de referentes é importante para entender a estruturaçao discursiva. o trecho da narrativa oral a seguir apresenta alguns recursos morfol6gicos para a codificaçao de referentes. Entre eles, destacamse os sintagmas nominais:· 17)
foi uma situaçao dificil... né? eu nao sei... eu nao sei onde que engloba isso mas eu fui a Petrôpolis corn uma amiga que nunca tinha subido a serra estava dirigindo ha poueo tempo (...) quando a gente esta voltando eomeça a chovelJ assim... torrencialmente... e fura 0 pneu do carro dela e a gente nunc 'nha trocado pneu... nenhuma das duas... e aquela serra totalmen deserta... né? aî a gente encostou 0 carro assim do lado... 0 carro" oi puxando (...) meu eoraçao assim disparado... a gente desespera ... (...) desatarraxando tudo (...) a gente... demorou umpouqu-i 0 ... né? aî a gente entrou no carro... estava tudo molhado (...) paramos num posto... pra ver se estava tudo bem atarraxado e tal... ai a mecânico falou que... (<p) nao sabia quaI 0 homem que tinha apertado aquilo ((tiso)) (corpus D&GlRio de Janeiro).
A partir desses elementos destacados, algumas questoes sao levantadas: a)
que levaria um informante a produzir uma anâfora zero ao invés de um SN pleno ou Ulll pronome em que ~ nao sabia quaI 0 homem que tinha feito aquilo? (0 sîmbolo q> representa urn sintagma elîptico); b) por que 0 informante apresenta um SN longo corn uma clâusula adjetiva em uma amiga que nunca tinha subido a serra? c) por que a expressâo 0 mecânico é apresentada coma uma informaçao definida, se é a primeira vez que aparece no texto? d) por que a segunda mençao da expressao a carro, em ai a gente encostou 0 carro assim do lado... 0 carro ja foi puxando é codificada por meio de um SN pleno mesmo quando a sua ûltima mençao estâ muito prôxima.(a informaçao é previsivel)? c) por que hâ tantos recursos gramaticais para codificar referentes? 0
~
LingüÎstica funcional: teoria e prâtica
46
Essas e outras questôes saD tratadas pelos lingüistas funcionalistas no estudo do tema injarmatividade. .
l',
Prince (1981, p. 235) classifica os referentes (ou entidades) do 1 (') ~ discurso a partir da noçâo de conhecimento compartilhado, que é assim " descrito: "0 falante assume que 0 ouvinte conhece, admite ou pode . y inferir aIgo particular (sem estar necessariamente pensando nisso)". Organiza as entidades em três grupos: novas, evocadas e infenveis. \ "~
Dm referente é nova quando é introduzido pela primeira vez no discurso (camo no exemplo 18). Quando 0 referente é {"}l inteiramente novo, é chamado novo-em-jolha. Se ja esta na mente do ouvinte, por ser geralmente um referente ûnico (num dado X:-~ contexto), é chamado disponîvel. Sao exemplos de referentes disponiveis termos como a lua, 0 sol, Pelé ou Petrôpolis (como no 'x< exemplo 19). Os referentes novos-em-folha podem vir ancorados a outras entidades, como é mostrado no exemplo 20, em que 0 referente um rapaz é novo, mas apresenta uma clausula adjetiva que ancora" esse referente a um referente conhecido, que é a pessoa que fala (eu).
...- .'!
1
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Il
18)
Comprei um carro semana passada.
19) ... mas
20)
eu fui a Petrôpolis.
Um rapaz com quem trabalho foi assaltado ontem.
Dm referente pode ser evocado ou velho se jâ tiver ocorrido no texto (referente textualmente evocado) ou se estiver disponivel na situaçao de fala (referente situacionalmente evocado), camo os prôprios participantes do discurso:
!
21)
al 0 mecânico falou que... (p) nao sabia quaI 0 homem que tinha apertado aquilo ((riso)) (corpus D&G/Rio de Janeiro).
22)
Você poderia me dizer as horas?
Para Chafe (1976), a distinçâo entre novo e evocado (ou velho) é determinada pelo falante e esta relacionada ao conhecimento que ele presume que 0 ouvinte tenha. Assim, numa frase coma seu IIVi
J,\ ~::~:~~;:0~:~:::~::~~~:i~~~i;f,~;~~:;i~}~~~:t:~~, .
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Pressupostos te6ricos fundamentais
47
Dm referente denomina-se inferivel quando é identificado por meio de um processo de inferência (exemplos 23 e 24) a partir de outras informaçoes dadas. As entidades inferiveis padern estar contidas em outras que jâ fazem parte do modela de discurso, camo evocadas ou mesmo inferiveis, coma nos exemplos 25 e 26. Os referentes inferiveis geralmente sao codificados corn um artigo definido: 23)
0 ônibus parou e 0 motorista desceu.
24) .•. paramos
num posto... pra ver se estava tudo bem atarraxado e ta!... ai 0 mecânico falou que... nao sabia quaI 0 homem que tinha apertado aquilo ((riso») (corpus D&G/Rio de Janeiro).
25)
A beirada da mesa esta suja.
26) ...
e fura
0
pneu do carro de a...
o referente codifica
a como 0 motorista é inferivel porque foi mencionado 0 refere e 0 ônibus: hâ um consenso de que ônibus têm motoristas. exemplo 24, a informante toma coma consenso que nuJU-' osto hâ mecânico e apresenta 0 referente coma inferîve1. No exemplo 25, hâ também um conhecimento compartilhado de que mesas têm beiradas. Nesse caso, 0 sintagma nominal a beirada estâ contido em outra expressâo referendal, amesa. No exemplo 26, o referente a pneu (contido em outra expressao referencial) é inferiveI, uma vez que no discurso precedente a informante diz que subiu a serra de Petr6polis com uma amiga que estava dirigindo hâ pouco tempo. Gbrski (1985) utiliza a taxonomia de Prince e prop6e aigumas <llteraç6es para dar conta de detenninadas formas de codificaçao de referentes nao previstas no modela de Prince. Aqui seran destacados os seus principais resultados. Os SNs que representam referentes novos sao geraimente in troduzidos par meio de SNs indefinidos, morfologicamente 4 Illarcados (corn artigo indefinido) ou naD: :Q)
Quando eu vinha de Turiaçu pra ca, vinha um caminhâo, entrou numa curva, entao ele acabou de entrar na curva ele pegou um ônibus.
:',H)
Eu tinha levado comida.
1
Lingüfstica funcionaJ: teoria e pratica
48
Os SNs novos no discurso, porém disponiveis no universo espacial ou cultural do ouvinte, sao represelitados por SNs definidos: 29)
Passei um més no Souza Aguiar [hospital de pronto-socorro no Rio de Janeiro].
Os referentes evocados sao codificados por anâfora zero, por pronome, por advérbio ou por SN definido, coma, respectivamente, é ilustrado a seguir: 30)
Eu tinha levado comida (CP) tinha levado frango, (CP) tinha feito arroz de forno.
31)
Ele botou uma moça pra morar lâ em casa comigo ai eu fui confiar nela.
32)
Eu fui num baile a fantasia né (...) foi em Paquetâ (...) chegamos lâ (... )
33)
Eu vi uma velha cair, coitada, segurei a velha.
Gbrski concluiu que, numa narrativa, os personagens principais geralmente sao codificados par meio de pronomes ou de anâfora zero, enquanto os secundârios sao identificados par SN pleno, como no exemplo 34, em que 0 personagem principal é 0 amigo do marido e 0 personagem secundârio é a médico. Os referentes humanos, na funçao de sujeito, sao geralmente codificados por anâfora zero (exemplos 21 e 30), enquanto os referentes nao-humanos sao freqüentemente representados por SNs plenos, mesmo quando evocados (exemplo 35): 34)
Meu marido tem um amigo que ép era campeao de nataçao, cp tinha vârias medalhas, cI> era um atleta. Dm dia surgiu um caroço, ou qualquer coisa parecida, nas suas costas, ele foi ao médico. 0 caso era simples porque 0 caroço ainda estava pequeno, mas nao existia ainda tecnologia para este tipo de cirurgia no Brasil. 0 médica estava sendo treinado par uma equipe francesa para realizar este tipo de cirurgia. EZe foi à França com a médico e 0 caso foi analisado pelos médicos de lâ (corpus D&GlRio de Janeiro).
35)
ai a gente encostou 0 carro assim do lado... a carro jâ foi puxando.
Pressupostos te6ricos fundamentais
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Givon (1990) explica a codificaçao dos referentes conforme 0 subprindpio daquantidade (cf. seçao "Iconicidade e marcaçao"). No que diz respeito à referência, esse prindpio funciona da seguinte forma: "Quanto mais previsîveVacessîvel for uma informaçao para o interlocutor, menor quantidade de forma serâ utilizada". Votre (1992) exemplifica 0 funcionamento desse subprindpio corn 0 seguinte trecho de uma narrativa oral: 36)
quando eu tinha uns dois ou três anos... meu pai chegou em casa do trabalho à noite e falou pra mim que tinha uma surpresa... aL. ele me deu um pacote... eu abri... e era um cachorrinho de borracha, desses que a gente aperta e faz barulho.
Na clâusula efalou pra mim, por exemplo, 0 referente sujeito (meu pai) foi codificado or meio de anâfora zero, porque é um referente bastante pre isîvel, uma vez que foi mencionado na _ clâusula anterior. N lâusula era um cachorrinho de borracha, desses que agente aperta az barulho, a expressao referencial destacada é {.' codificad muita forma (grande quantidade de massa fônica), porque 0 referente é imprevisîvel, isto é, nao estâ acessîvel à mente do interlocutor, havendo necessidade de mais especificaçoes. Os recursos gramaticais usados para representar ou codificar referentes sao apresentados de forma escalar, dos mais previsîveis aos menos previsîveis: anâfora zero, pronome, SN definido e SN indefinido. Camo foi mostrado, esses recursos estao disponîveis nas lînguas para codificar a informatividade de um referente nominal a partir do conhecimento compartilhado entre os
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interlocutores.
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Gramaticalizaçâo e discursivizaçâo
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Entre os lingüistas, 0 debate sobre a origem e 0 desenvolvimento das categorias gramaticais nao é recente. No século XIX, por exemplo, acompanhando a orientaçao diacrônica e comparada do perîodo, cncontramos importantes estudos nessa ârea. No quadro da Iingüîstica funcional, a gramaticalizaçiio e a discursivizaçfio sao fenômenos associados aos processos de regularizaçao do ~o da t1 ,-----ri CD Ji lhC'i'V) 0 ~Vl h '-,l,' l'Cf 1i~';~Ï:tt4 ~7r,\lt/;
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LingüÎstica funcional: teoria e pratica
lfngua. Ou seja, relacionam-se à variaçâo e à mudança lingüîsticas. Esses processos manifestam 0 aspecto nâo-eshitico da gramâtica, demonstrando que as lfnguas estâo em consfante mudança em conseqüência da incessante criaçâo de novas express6es e de novos arranjos na ordenaçâo vocabulaA A compreensâo é a de que, do ponto de vista de sua evoluçâ0t! gramâtica estâ num contînuo i fazer-se, 0 que nos permite falar de uma relativa instabilidade da Q estrutura lingüistica. Ésob esse aspeet:o que se deve a Hopper (1987) a noçâo de "gramâtica emergente", no sentido de que a gramâtica de uma lîngua natural nunca esta completa. Do ponto de vista sincrônico, entende-se por gramatica 0 conjunto de regularidades decorrentes de press6es cognitivas e, sobretudo, de press6es de uso.J \ 0 termo' discurso esta relacionado às estratégias criativas <'r" utilizadas pelo falante para organizar funcionalmente seu texto para um determinado ouvinte em uma determinada situaçâo comunicativa. Por um lado, 0 discurso é tomado como 0 ponto de GC! partida para a gramatica; por outro, é também seu ponto de chegada. CÀ. Quando algum fenômeno discursivo, em decorrência da freqüência de uso, passa a ocorrer de forma previsîvel e estavel, sai do discurso para entrar na gramâtica. No mesmo sentido, quando determinado _fenômeno que estava na gramâtica passa a ter comportamentos nâoprevisfveis, em termos de regras selecionais, podemos dizer que sai da gramatica e retorna ao discurso. Assim, na trajetôria dos processos de regularizaçao do uso da lingua, tudo começa sem regularidade, exatamente por estar no seu começo, mas se regulariza corn 0 usa, corn a repetiçâo, que passa a exercer uma pressâo tal que faz corn que a que no começo era casuîstico se fixe e se converta em norma, entrando na gramatica (gramaticalizaçâo). No momento de estabilizaçâo, verifica-se 0 nîvel de iconicidade maior, isto é, relaçâo transparente entre expressâo e conteudo, 0 que resulta no mâximo de economia comunicativa e no maxima de rentabilidade sistematica. Essa estabilidade, entretanto, é relativa e aparente. 0 que foi sistematizado entra em processo de desgaste, corn liberdade progressiva da expressâo em termos de restriçâo de ocorrência, e corn liberdade progressiva do conteudo
l!J
I
Pressupostos te6ricos fundamentais
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em termos de desbotamento e esvaziamento semântico. Assim, as unidades migram para um mvel nao-gramatiCal, no sentido de que elas deixam de obedecer às restriç6es de seleçao e literalmente retornam ao discurso (discursivizaçao).
o processo de gramaticalizaçao privilegia: a) a trajet6ria dos elementos lingüîsticos do léxico à gramâtica (ex.: verbo pleno > verbo auxiliar); b) a trajet6ria de categorias menos gramaticais para categorias mais gramaticais, coma 0 de categorias invariâveis para categorias flexionais (ex.: menas> menas).
o termo gramaticaLizaçiio, portanto, é tomado em dois sentidos relacionados: a gramatie lizaçao stricto sensu oeupa-se da mudança que atinge as formas q e migram do léxico para a gramâtica; a gramatiealizaçâo Lata s su busca explicar as mudanças que se dao no interior da pr6pri gramâtica, compreendendo aî os processos sintâticos e/ou di rsivos de fixaçao da ordem vocabular. Co emplo de gramaticalizaçâo stricto sensu, podemos citar a pesquisa de Maria Aparecida Silva (2000) sobre a trajet6ria de mudança de iy, que acumula as funç6es de verho pleno e auxiliar, conforme signifique deslocamento espadal ou deslocamento temporal, coma nos exemplos 37 e 38, respectivamente: ele vai atrâs ele vê apenas um gato... ele pega entra no carro e vai embora... (corpus D&G/Natal, p. 308).
37) •.. quando
38)
0
gato...
bem, a minha opiniao sobre 0 namoro é que estâ muito avançado, porque esses rapazes de hoje nao pensa do amanha que vai ser (corpus D&G/Natal, p. 363).
o estudo de Oliveira (2000) exemplifica a gramaticalizaçao Lata sensu. A autora investiga 0 deslizamento de sentido do item onde, cuja mudançadâ-se na pr6pria gramâtica. De pronome relativo, corn sentido de espaço fîsico (ex. 39), onde passa a designar também espaço de tempo (ex. 40), evoluindo até a categoria de marcador discursivo, desprovido de significado lexical e utilizado como um recurso coesivo para organizar e planejar intemamente 0 tumo (ex. 41):
( \
Lingüfstica funcional: teoria e pràtica
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banheiro nôs vamos encontrar... uma prateleira... onde fica os utensîlios pessoais... (corpus D&G/Natal, p. 309),
39) ... no
depois disso... teve a noite onde foi escolhido 0 grupo de cinco pessoas mais ou menos... (corpus D&G/Natal, p. 304).
40) ...
41) ... eu
acho que ao invés das pessoas sair na rua... pedindo para... ser implantado a pena de morte no Brasil... deveria estar lutando par outras ... par outros métodos ... outros objetivos... de melhores condiç6es de vida... de melhor educaçao para os seus filhos... onde as pessoas poderiam viver num paîs bom... certo? (corpus D&G/ Natal, p. 314).
No ponto extremo do contînuo de mudança, localiza-se 0 processo de discursivizaçao, que focaliza a trajetôria de retarno dos elementos da gramatica ao discurso. Estudando a trajetôria de mudança semântica que caracteriza os usos da partîcula né? (nâo é verdade? > nâoé? > né?), Martelotta e Alcântara (1996) observam que essa partîcula, ap6s perder os traças semânticos basicos de seus componentes e, concomitantemente, sofrer reduçao fonética, distancia-se de seu sentido original como pergunta referencial ou pergunta nao-ret6rica e passa a desempenhar 0 papel de preenchedor de pausa causada pela perda da linearidade do discurso. No exemplo 42, abaixo, 0 informante parece perder, por um momento, a linha de raciodnio e usa a né? (corn outros elementos: poxa... eu sei lâ... sahel) para preencher 0 vazio causado por essa perda, enquanto tenta solucionar seu problema comunicativo: mas que adianta um casamento tao Hndo... gastam tanta... pra no final eh... vivi fka dois... três dias... depois se separam... entendeu? eu acho issa aî um absurdo porque... poxa... eu sei lâ... sabe? num... né? a vida::/ tudo bem tâ tudo difîcil... mas a pessoa... eu acho que a pessoa tem que saber... diretamente aquilo que quer.... (corpus D&G/Rio de Janeiro).
42) ...
Costa (1995) trabalha corn a hip6tese de 0 português estar sofrendo um processo de discursivizaçao no sentido de que a categoria sintatica sujeito estaria retarnando da gramatica ao 1 discurso, na forma de tôpico. Essa hip6tese fundamenta-se no ) pressuposto de que a categoria sujeito emerge a partir da categoria i
Pressupostos teoricos fundamentais
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tâpico. Para Giv6n (1979b), a linguagem humana teria evoluido do modo pragmâtico para 0 sintâtico e, par issa mesmo, a sintaxe teria evolufdo a partir do discurso. A trajet6ria t6pico > sujeito > t6pico remete-nos ao carater ciclico da trajet6ria lingüfstica sugerida par Giv6n (1979b), que toma camo marco de partida 0 discurso, passa pela sintaxe, pela morfologia e pela morfofonologia, até retornar ao discurso, completando 0 circulo. A hip6tese da trajet6ria sujeito > t6pico tem como base a observaçâo de que a estrutura t6pico-comentririo pode ser vista coma o resultado do enfraquecimento progressivo das relaç6es entre sujeito e verba, em termas tanta morfossintaticas quanta semânticos, que faz corn que 0 sujeito deixe de ter uma funçâa intra-oracional e se deslaque para fora d oraçâo, passando a exercer a papel de topico. Para Costa (1995)~ qualquer classificaçâa sintatica tanto para a SN esse acampament (ex. 43) coma para 0 SN acasa de minha avo (ex. 44) parece um ta forçada. 0 autorobserva que esses SNs mostramse relativam e independentes da oraçâo-cOlnentaria que os segue, sem esempenharem nela qualquer funçao sintâtica. Antes, sao tomados coma ponto de partida da porçâo do discurso que os seguira. 0 informante os seleciona como 0 elementa central a partir do quaI a informaçao sera transmitida. Trata-se, portanto, de SNs marcadameilte discursivas que recebem a rotulo de tôpico. acampamento todos os meus amigos foram ... (corpus D&G/ Natal, p. 303).
43) ... esse
44) ... a
casa de minha avo... ela é grande, sabe? (corpus D&G/Natal, p. 347).
Cielo funcional e unidirecionalidade
o desenvolvimento de novas estruturas gramaticais é mativado quer par necessidades comunicativas nao satisfeitas, quer pela ausência de designaç6es lingüfsticas para determinados conteudos cognitivos. Dessa forma, a gramaticalizaçâo é interpretada como um processo diàcrânico e um continuo sincrânico que atingem tanto as formas que vao do léxico para a gramâtica como as formas que mudam no interior da gramatica.
LingüÎstica funcional: teoria e prâtica
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' r \"
a carater dclico da evoluçâo lingüistica é postulado por Giv6n (1979b), que formula a seguinte esquema processual para representar os pracessos diacrônicos de regularizaçâo do uso da lingua, desde o ponta mais imprevisivel até a fase terminal: discurso > sintaxe > morfologia> morfofonologia > zero. De acordo corn essa trajet6ria unidirecional de gramaticalizaçao, alguns itens lexicais passam a ser utilizados em contextos nos quais desempenham certa funçao gramatical, ainda nao totalmente fixada. Progressivamente, via repetiçao, seu usa torna-se mais previsîvel e regular, resultando numa nova construçâo sintatica corn caracteristicas morfol6gicas especiais, podendo, posteriormente, desenvolver-se para uma forma ainda mais dependente, camo um clitico ou um afixo, corn eventuais adaptaç6es fonol6gicas. Corn 0 aumento da freqüência de usa, essa construçao tende a sofrer desgaste formaI e funcional que podera causar seu desaparecimento, dando inîcio a um nova cielo.
Alguns te6ricos funcionalistas prop6em que, semanticamente, a trajetoria. d...e. gramaticalizaçâo manifesta-se na passagem do \ concreto E~!a a abstrato. Entidades abstratas emergem da experiência humana corn 0 mundo concreto. Traugott e Heine (1991), por exemplo, prop6em a seguinte escala para representar 0 processo de abstratizaçiio gradativa no percurso de gramaticalizaçâo dos elementos lingilisticos: espaço > (tempo) > texto. Essa escala apresenta . dois desdobramentos possîveis. Num dos casos, descreve a ) emergência de categorias gramaticais, que têm sua origem em itens !lexicais de sentido concreto. Serve de exemplo, aqui, a processo de ! gramaticalizaçâo de ir, conforme ilustrado nos fragmentas 37 e 38 transcritos acima e repetidos abaixo: ..:;;....-.~~
37) ... quando
ele vai atnis ele vê apenas um gato... ele pega entra no carro e vai embora... (corpus D&G/Natal, p. 308).
38)
0
gato...
bem, a rninha opiniao sobre 0 namoro é que esta muito avançado, porque esses rapazes de hoje nao pensa do amanha que vai ser (corpus D&G/Natal, p. 363).
No exemplo 37, ir é usado camo verbo principal, corn a seu sentido primario de movilnento ffsico. Ja no 38, comporta-se coma
Pressupostos te6ricos fundamentais
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um verba auxiliar marcador de tempo futuro, a que é enfatizado pela uso do advérbio amanhii. Constata-se, portanto, que a trajet6ria de mudança de ir evolui do sentido mais concreto para 0 mais abstrato, representada pelo estâgio espaça > tempo na escala de Traugott e Heine (1991).
o
segundo desdobramento dessa escala diz respeito à abstratizaçao progressiva de significado de um dado elemento lingüîstico sem que haja, necessariamente, mudança de categoria gramatical. Para esse caso, servem de exemplo os fragmentos em 3941, retomados abaixo: banheiro nôs vamos encontrar... uma prateleira... onde fka os utensilios pessoais... (corpus D&G;Natal, p. 309).
39) .•• no
disso... teve a oite onde foi escolhido 0 grupo de cinco pessoas mais ou menos .. (corpus D&G;Natal, p. 304).
40) ... depois
41) ... eu
acho que ao invé das pessoas sair na rua... pedindo para... ser implantado a pena e morte no Brasil... deveria estar lutando por outras... por 0 os métodos... outros objetivos... de melhores condi~ vida... de melhor educaçào para os seus filhos... onde as pessoas poderiam viver num pais bom... certo? (corpus D&G/ Natal, p. 314).
No exemplo 39, onde desempenha sua funçao-padrâo de pronome relativo, corn sentido de espaço fîsico, remetendo a prateleira. No exemplo 40,0 referente de onde é a noite, que nao é espaço fîsico, mas espaça de tempo, ou melhor, é 0 tempo representado coma se fosse espaça. Onde, entao, por se referir a a noite, funciona como uma metâfora, representando, assim, um conceito mais abstrato a partir de um mais cancreto. No 41, onde funciona como um mera marcador de pausas, ou seja, como meio de arganizar e planejar internamente 0 turno. Por nao ter referente recuperavel, apresenta-se como um conector vazio de significado, podendo, portanto, ser omitido, sem prejuîzo semântico para 0 enunciado.
A mudança lingüistica
Mârio Eduardo Martelotta
Dm dos aspectas relacionados às Hnguas humanas que mais têm intrigado os lingüistas é sua fluidez, ou seja, sua capacidade de assumir formas diferentes em individuos diferentes e em situaç6es ou épocas diferentes. As linguas sao sensiveis às nuanças culturais associadas ao estilo de vida dos humanos, apresentando, de um lado, variaç6es de natureza individual, social, regional, sexual, entre outras, que convivem em um mesmo momento do tempo, e, de outra lado, mudanças que se manifestam corn 0 passar do tempo. Embora 0 fenômeno da variaçao esteja diretamente associado ao tema em questao, este capîtulo focaliza a mudança lingüistica, apresentando algumas reflex6es sobre suas motivaç6es, sua direcionalidade, os aspectos estruturais, comunicativos e cognitivos a ela associados, os mecanismos que a veiculam, assim coma a regularidade ou nao da atuaçao desses mecanismos. Para que se perceba de modo mais clara a aspecta da mudança lingüîstica que este capîtulo focaliza, é importante lembrar dois dos cinco princîpios de gramaticalizaçao1 propostos por Hopper (1991): camadas e divergência. Trata-se de dois fenômenos estreitamente associados ao processo da mudança. 0 princîpia de camadas referese ao fata de que as linguas freqüentemente possuem mais de uma forma para desempenhar funç6es idênticas, sendo, nesse caso, 1
Hopper utiliza a termo grammaticization (gramaticizaçâo). Conforme se vê em Campbell e Janda (2001), 0 termo grammaticalization convive, na literatura, corn os termos grammaticization e grammatization, que se referem ao mesmo fenômeno, sem diferença de sentido. DP&A editora
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LingüÎstica funcional: teoria e pratica
importante registrar que a forma nova nao implica 0 desaparecimento da forma ja existente. No casa da divergência, temse um conjunto de fonnas corn a mesma etimologia, desempenhando funç6es diferentes, e, novamente, a existência do nova usa nao implica 0 desaparecimento do uso original. A expressao da categoria de futura em português fornece um bom exemplo para os dois princîpios de Hopper. As formas falarei e vou falar, porserem possibilidades dispornveis para a expressao do futuro que coexistem na lingua, constituem camadas. Entretanto, quando observamos a relaçao entre essas formas e as construç6es que as originaram, estamos focalizandoum fenômeno relacionado à divergência. a morfema de futuro em falarei é proveniente da forma verbal hei (falar + hei), e a construçao vou falar, em que a verbo ir é empregado como auxiliar indicando idéia de futuro, resulta de um processo, generalizado na lingua portuguesa, que implica uma extensao do usa original, em que 0 verbo ir expressa movimento no espaço. a foco deste capitulo nao esta na relaçao entre duas ou mais formas ja prontas e submetidas à disposiçao do falante, que s6 têm em comum a expressao semântica e a convivênda temporal, mas no conjunto de fenômenos que fazem corn que uma mesma forma tenha seu usa ampliado para novas funç6es, constituindo 0 que Hopper (1991) chama divergência e outros autores chamam polissemia.
Funcionalismo e mudança As pesquisas sobre mudança lingüistica em funcionalismo estâo estreitamente associadas à teoria da gramaticalizaçao, conforme 0 exposto no primeiro capitulo deste livro. A emergência do paradigma da gramaticalizaçâo no contexto da lingüîstica funcionalista americana deu-se a partir dos anos 1970/ quando houve um resgate do papel das transformaçoes diacrônicas nas explicaçôes da sintaxe. a texto motivador foi The origins ofsyntax in discourse (SANKOFF e BROWN, 1976)/ que teve eco no cielo funcional proposto par Giv6n (1979a), discurso> sintaxe > morfossintaxe > morfofonêmica > zero, apoiado
A mudança lingüfstica
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em evidências oriundas da aquisiçao da linguagem, da passagem de pidgins para crioulos e dos estudos diacrônicos. 2 Desenvolveu-se a partir de entao a idéia de que 0 uso da lîngua na~-) situaçôes reais de comunicaçao motiva as transformaç6es que sofrem Cl nit os elementos lingüisticos ao longo do tempo e que essas transformaç6es apresentam unidirecionalidade: caminham do discurso para a grarnâtica.3 Os elementos, com 0 processo de gramaticalizaçâo, perdem a liberdade tipica da criatividade contextua1mente motivada do discurso e tornam-se mais fixos e mais regulares. Assim, a~ios de lugar assumem funçâo de conjunçao, e nao vice-versa; vocabulos transformam-se em afixos, êÎlao Vice-versa. '-~-
_ A noçao de unidirecionalidade, tal coma proposta pela teoria ...
....
da gramaticalizaçao,leva à hi ôtese de que existem fatores de ordem (~,-, cognitiva, sociocultural e c municativa que norteiam a mudança. Nesse sentido, pode-se ensar, corn Saussure, que existe uma pancronia, ou um con' nto de leis gerais, que se fundamenta em bases nao-:estrutur .s; pode-se também admitir, corn Furtado da Cunha,O]bleÏ e Votre (1999), que hâ transformaç6es que ocorrem~) 2
3
0 conceito de gramaticalizaçâo nâo é uma descoberta recente da lingüîstica. Sua origem remete às propostas gramaticais dos gregos (HARRIS e CAMPBELL, 1995; CAMPBELL e JANDA, 2001) e, sobretudo, foi muito utilizada pelos comparatistas do século XIX em suas anâlises. Aiguns lingüistas atuais revisitaram 0 conceito, relacionando-o aos aspectos cognitivos e conversacionais desenvolvidos nas iiltimas décadas. Sua motivaçao estâ na necessidade constante de criar r6tulos novos para expressar as idéias em situaç6es novas de comunicaçâo. Se de um lado os estudos diacrônicos apresentam evidências da unidirecionalidade da mudança, também levam à canstataçâo antagônica de que 0 conjunto dos usas atuais de determinados elementos lingüîsticos tarnbém se encontra em estâgios anteriores da lîngua. A segunda constataçâo leva-nos irremediavehnente à noçâo de uniformitarismo ou, em termos saussurianos, ao conceito de pancronia. A regularidade que caracteriza 0 conjunto de usos de alguns elementos lingüîsticos em diferentes sincronias imp6e que se repense 0 prindpio da unidirecionalidade e 0 papel do tempo no processo de mudança lingüîstica. Nossa tendência, no momento, tem sido aceitar a unidirecionalidade, relacionando-a nâo às mudanças sucessivas que uma forma lingüistica pode assumir ao longo do tempo, mas aos critérios e rumos dos processos cognitivos relacionados à produçâo e à transferência de informaçâo entre diferentes dominios conceptuais que os falantes praticam no uso da lîngua.
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Lingüfstica funcional: teoria e prâtica
em todos os tempos e lugares, ja que ha evidências de que 0 meslUO tipo de transformaçao pode processar-se repetidamente, enfraquecendo a visao tradicional de que a mudança esta relacionada apenas à sucessao temporal. A lingüîstica funcional tende, portanto, a adotar, juntamente corn Labov (1994), uma formulaçao mais refinada da hipôtese neogyamatica de mudança, segundo a quaI os mesmos tipos de mudança ocorreram em todas as fases da hist6ria das lînguas e tenderao a continuar ocorrendo. o que importa saber, nesse caso, é a natureza dessas caractensticas e peculiaridades pancrônicas, que nao se enquadram na oposiçao sincronia x diacronia do modelo estruturalista.
Mal: advérbia > prefixa Tomando como base ocorrências do elemento lingüîstico mal no corpus D&GiRio de Janeiro (VOTRE e OUVEIRA,1995) e em textos representativos de estagîos antigos da lîngua portugues3, assim coma 'as informaç6es referentes à origem desse elemento, provenientes dos fil610gos tradicionais, Martelotta e Silva (1997) apresentam um esquema que constitui uma possîvel representaçao da trajet6ria diacrônica de mudança, segundo a quaI os novos usos de mal vao surgîndo progyessivamente de usos anteriores:
malus - a - um
<:
adj. port. mau
adv. lat. male
""
subst. malum-I .... subst. port. mal
-+ prefixa lat. male -+ prefixa port. mal ...... adv. port. mal -+ conJ. tempo port. mal ,
Existem evidências de que a processo de mudança desenvolvese no tempo, de modo que usas antigos passam a assumir, de forma sucessiva, valores novos, coma demonstra a esquema. 0 fator tempo, portanto, nao deve ser descartado das analises referentes ao fenômeno da mudança lingüîstica. Entretanto, ainda segundo Martelotta e Silva (1997), os fenômenos parecem nao ocorrer exatamente do modo coma 0 esquema prop6e. Embora se possa admitiruma relaçao de sucessao
A mudança lingülstica
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temporal que vai, por exemplo, do prefixo latino male para 0 prefixo português mal, naoocorre, na maioria dos casos, uma transformaçao temporallinear entre esses dois usos. Existem usos desse elemento corn valor de prefixo no português que sao provenientes de usos latinos: maledicência e malevolência, por exemplo, provêm respectivamente do latim maledicentia e malevolentia, vocâbulos em que male jâ funcionava como prefixa. Mas casos coma os de malcontente, malfadado e malcriado, par exemplo, sao diferentes porque representam formaç6es portuguesas envolvendo a advêrbio mal, e nao evoluç6es de vocâbulos latinos que jâ apresentavam a prefixa male, camo ocorre nos exemplos anteriores. Se os prefixos portugue es sao, na verdade, formaç6es recentes envolvenda itens lexicais ovos, e naa transformaç6es progressivas de formaç6es jâ exist tes em latim, a questao jâ nao ê mais puramente diacrôn' a, na medida em que casas coma esses nao refletem a evolu 0 de uma formaçao na base da proposta da trajetôria unidir. cional. Deve haver tendências comunicativas, cagnitivas e at estruturais que incentivam essas formaç6es, tornando esses lementos - hoje ou ontem, em português ou em latim - patencialmente perfeitas para assumir funçao de prefixo em contextos espedficos.
É clara que, em algum ponta, pode ocorrer algo diferente ou inesperado. No casa de mal, conforme atesta Sequeira (1943, p. 183), a advêrbia passau a desempenhar a papel de conjunçao (Mal saiu de casa, cameçou a chover"), a que nao ocarria em latim. Mas, ainda nesse casa, pode-se observar uma regularidade, desde que se olhe 0 fenômeno por outra ângulo. 0 português, ao se ver privado de conjunç6es latinas, preencheu as lacunas corn a utilizaçâo de advêrbios (ou express6es adverbiais), de prepasiç6es e até de verbos, que passaram a ligar clâusulas. Nessa êpoca, portanto, foi comum a passagem de deterrtrinados tipos de advérbio para conjunçao. Além de mal, sao exemplos de passagem de advérbios de modo para
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Lingüfstica funcional: teoria e prâtica
conjunçao apenas 4 (" Apenas saiu de casa, começou a chover") e bem (em construçoes do tipo se bem que). Além disso, foram muitos os elementos adverbiais de valor espacial que se tornaramconjunçôes.
Advérbio de lugar > conjunçao Como os dados acima mencionados sugerem, existem fatores que levam os elementos lingüîsticos a cumprir trajet6rias unidirecionais relativamente espedficas, que tendem a se repetir corn elementos diferentes, mas de natureza semelhante. É 0 que levou Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) a propor um processo anal6gico chamado espaço > discurso, para caracterizar um tipo de mudança muito comum nas lînguas humanas, que leva elementos de valor espacial a assumir funç6es tîpicas de conjunçao. Na base clesse processo esta 0 fato de que a expressâo de dados espaciais é mais elementar e concreta do que a indicaçâo das relaç6es textuais. 5 Essa extensao anal6gica serve de fundamento para a organizaçao do universo textual em termos de referentes espaciais externos e se manifesta basicamente por meio da anafora e da catafora, em que elementos originalmente dêiticos espaciais sao utilizados para fazer alusao a dados ja mencionados ou por mencionar: 1)
Eu nâo sei matematïca. 18so vai me atrapalhar no exame.
2)
Eu digo isso: nâo sei matematica.
Em casos como esses, a organizaçao espaciotemporal do mundo ffsico é usada analogicamente para caracterizar 0 universo mais abstrato do texto. Esse procedimento revela-se mais produtivo quando se percebe a regularidade da utilizaçao de elementos alusivos a pontos no espaço ou no tempo para designar pontos no 4
5
0 termo apenas, segundo Machado (1977), resulta da formaçâo a + penas} sendo este proveniente do latim poena (expiaçâo, castigo). Originalmente, apenas funcionava coma advérbio de modo, que equivalia à atual expressâo
a duras penas. Trabalhos como os de Sankoff (1980), Greenberg (1985), Marmaridou (2000), entre outras, apontam para uma forte correlaçâo entre dêixis espacial, temporal e discursiva. Em termos experienciais, essa relaçâo pode ser considerada em termos de mapeamentos através de dominios.
A mudança lingüfstica
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texto: "como foi dito anteriormente"; "como sera desenvolvido adiante"; "ver 0 exemplo abaixo"; entre outras possibilidades. A partir desses usos alusivos a trechos do texto, 0 elemento pode desenvolver funçâo de conjunçao. 6 É a que ocorre com isso, que também pode ser usado coma conjunçâo conclusiva, associado à preposiçao por: 3)
Caiu, par iSBa se machucou.
Como, em muitos casos de desenvolvimento de conjunçôes, a polissemia do elemento envolvido no processo apresenta também um valor temporal, Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) propuseram uma trajet6ria de mudança semântica que um elemento lingiiistico tenderia a cumprir até atingir 0 stalus de conectivo:
/
Tempo
~!
Texto
Esse esquema representa uma trajet6ria unidiredonal de mudança, muito comum nas linguas humanas, que leva advérbios de Iugar a assumir funçôes tipicas de conjunçao, tendo ou nao apresentado intermediariamente valor temporal. 0 argumento bâsico é semelhante ao que esta subjacente à idéia da metâfora espaço > discurso: a expressâo de dados espaciais é mais bâsica e concreta do que a expressao de dados temporais, que, por sua vez, é mais bâsica e concreta do que a indicaçâo das relaçôes textuais. A metâfora, nesse caso, ocorre em funçao da extensao anal6gica do uso espadal do termo para valores temporais e textuais. o termo logo constitui um bom exemplo de coma essa trajet6ria da-se em português. Atualmente, encontramos apenas os valores textual (conjunçâo concIusiva) e temporal, exemplificados respectivamente em 4 e 5: 6
Além da construçao par issa, conjunçôes portuguesas camo porém e partanto, entre outras, originam-se de construç6es anaf6ricas.
Lingüfstica funcional: teoria e pratica
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4)
Pensa, logo exista.
5)
Ele vai chegar logo.
De acordo com Machado (1977), a origem esta no latim loco, ablativo locu-, que significa no lugar, no sîtio, no momento,logo. 0 valor espacial do termo pode ser encontrado no português arcaico, na forma de dois usos distintos, que jâ nao oconem em português: 6)
Lançados som fora do miido e descenderô aos jnfernos e outras se leuatar6 e seu logo (Orto do esposo).
7)
A primeira natureza da poonba he que en logo de cantar geme (Livra das aves).
Esses usos, registrados em dois textos arcaicos portugueses, apresentam valor espacial. No exemplo 6, 0 termo assume valor de substantivo, indicando especificamente lugar ("leuataro ë seu logo"); no exemplo 7, apresenta valor correspondente ao da expressao atual
em lugar de (em vez de> ao invés de). Essa visao de que os usos do elemento adquiriram, de maneîra sucessiva e unidirecional, os valores espacia!, temporal e textual, entretanto, deve sel' analisada com cuidado. Quando se observa 0 verbete referente ao termo logo em Machado (1977), nota-se que, com exceçao do valor espadal, hoje em desuso, 0 elemento apresentava polissemia semelhante à que caracteriza seus usos atuais, ou seja, exibia valores temporais e textuais. É 0 que revela também a verbete do substantivo latino locus,-i, apresentado em Faria (1975), que demonstra jâ haver, em latim, os très sentidos - espacial, temporal e textual. Isso, sem duvida, enfraquece a visao tradicional de que os elementos mudam de valor com 0 tempo. TaI constataçâo, de que existe uma certa regularidade no conjunto de usas de um elemento em sincronias diferentes, nao é incomum e pode sel' encontrada em trabalhos camo os de Votre (1999) e Ferreira (2000). Votre (1999) demonstra que os verbos achar, pensar, saber e ver apresentam, nos diferentes estagîos de evoluçâo do português, configuraç6es sintatico-semânticas muito pr6ximas às dos termos latinos correspondentes. 0 autor prop6e, inclusive, um princîpio de
A mudança lingüÎstica
extensiio imagética instantânea, segundo
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quaI a faculdade da metâfora opera de modo instantâneo, disponibilizando todas as possibilidades e potencialidades na mente das pessoas que interagem na comunidade discursiva, ancoradas no contexto situacional de cada interaçâo. Ferreira (2000) chegou a resultados semelhantes em sua analise do modal poder. 7 0
Entretanto, estudos recentes em gramaticalizaçâo têm apresentado resultados diferentes. É 0 que se vê no trabalho de Silva e Silva (2001) sobre os usos do advérbio mal. Segundo a autora, a polissemia que caracteriza esse elemento lingiiistico apresenta, de fato, uma grande regularidade: desde 0 latim, verificam-se seus usos coma substantivo (0 mal), camo adjetivo (mau), camo advérbio (cantar mal) e como prefixo ( alcheiroso). Entretanto, é provavel que, somente a partir do sée 10 XVIII, tenham começado a surgir, no português, novos usa gramaticalizados, que até entâo nâo apareciam nos textos. al como conjunçao temporal é um desses novos usos. Eis exemplo: 8)
Mal saî de casa, começou a chover.
Isso significa que, embora a polissemia do elemento mal apresente, desde 0 latim, uma regularidade ilnpressionante, dados histôricos demonstram que essa polissemia mudou, uma vez que surgiram usos novas. E, 0 que é mais importante, esses novos usos têm valoT mais gramatical, 0 que ratifiea a hipôtese da unidiredonalidade. Pode-se associar ao camentario anterior 0 fato de que, na polissemia de alguns elementos, desapareceram usos caracteristicos de inîcio de trajetôria, ou seja, hipoteticamente os mais antigos. Esse fenômeno, que ocorreu corn logo, coma foi vista, e perdeu seu valor espacial, pode ser também constatado em elementos coma entao,Jd, ainda/ agora, entre outras/ em que a origem espadal também se perdeu (MARTELüTIA, 1994). 7
Mais detalhes referentes à anâlise de Vatre (1999) e Ferreira (2000) padern ser encantradas no proxima capitula deste livra.
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Lingüfstica funcional: teoria e pratica
Os dados até aqui apresentados apontam para uma situaçao de certa forma contradit6ria. Por um lado, tem-se a noçao de extensao imagética instantânea, segundo a qual os sentidos do elemento estao, de algum modo, previstos uns nos outros, de maneira que nao apresentam uma trajet6ria linear. Por outro lado, tem-se a noçâo, associada às propostas sobre gramaticalizaçao do inicio da década de 1990, de que a mudança é unidirecional e sucessiva, caracterizando-se par uma evoluçao linear, segundo a quaI 0 valor nova implica sempre a existência de um valor anterior. Decidir como lidar corn essas perspectivas aparentemente contradit6rias é um problema que 0 estudioso da mudança lingüistica tem de resolver. Uma possivel saida para 0 impasse é observar a natureza da polissemia e constatar se ela implica um conjunto de manifestaç6es simultâneas de um unico sentido ou uma relaçao de sentidos diferentes que evoluem uns dos outros. TaI procedimento significa focalizar os aspectos cognitivos e conversacionais que estao na base dos fenômenos da referência e da extensao de sentidos, fazendo corn que a fatar tempo deixe de constituir exclusiva perspectiva de observaçaa. Tomando coma base, por exemplo, a mudança espaço > (tempo) > texto, determinados mavimentos cognitivos de base metaforica, como ja mencionado, parecem ter sido ativadas para que a evoluçao semântica se efetivasse dessa maneira. E sao varias os advérbios espaciais que, em diferentes fases da nossa lingua, cumpriram essa trajetoria.
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Traugott e Konig (1991, p. 190) argumentam que, paralelamente a esses processos de base metaforica, pode ocorrer, em deter11Ùnadas mudanças por gramaticalizaçao, outro mecanismo, chamado pressiio de injormatividade. Trata-se de um processo em que, por convencianalizaçao de implicaturas conversacionais, 0 elemento lingüistico passa a assumir um valor novo, que emerge de deter11Ùnados contextos em que esse sentido novo pode ser inferido do sentido primeiro, independentemente do valor textual das sentenças envolvidas no processo. Os autores demonstram a atuaçao
A mudança lingüÎstica
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desse mecanismo de mudança em casos de elementos indicadores de concomitância ou coocorrência entre fatos, que passam a assumir valar contrastiva (adversativo ou concessivo). Eles ilustram 0 processo, entre outros exemplos, corn a passagem, em lîngua inglesa, de while (concomitância temporal) para while (concessivo). Em lingua portuguesa, algo semelhante ocorreu, por exemplo, corn 0 termo entretanto, que, atualmente, na norma brasileira, é usado como conjunçâo adversativa. A origem desse uso estâ na antiga expressâo e.ntre tanto, que, segundo Said Ali (1971), desempenhava funçâo de circunstanciador temporal corn valor de entrementes, enquanto isso sucede. Mais uma vez, vislumbra-se a motivaçâo espadal que irnplica a utilizaçâo da preposiçâo entre e 0 desaparecimento do valor temporal da expressâo, 0 que alterou, corn 0 tempo, a configuraçâo da polissemi~que a caracterizava. Outros exemplos de defenvolvimento de valores contrastivos a partir da concomitância te poral podern ser apontados ern português. Dm deles é 0 elemento to avia, que, segundo Machado (1977, vol. ~ p. 311), vern do Iati tuta via,s que prirneirarnente significou constanteme7Jlf,.se pre, acada passo; depois, nao obstante ainda. A passagem a seguir também ilustra a mecanismo de pressâo de informatividade. Said Ali (1971, p. 223) apresenta 0 contexto do quaI surge 0 novo usa contrastivo, ao demonstrar que se pode encontrar todavia ernpregado como correlato enfâtico de conjunç6es conceSSlvas: 9)
E ainda que alguns sejam de obscura geraçao, todavia sao venerados e acatados.
Nesse caso, 0 valor de tempo indetermillado do elemento todavia (=sempre) apresenta-se como simultâneo à idéia concessiva expressada pela sentença anteriar. Esse é 0 contexto que gera, par pressâo de informatividade, 0 usa contrastivo atual de todavia. 8
Na expressao tuta via, a palavra via, que significa estrada, caminho, remete a uma origem espadal da expressao que, em português arcaico, passou a assumir valor temporal, significando, de acordo corn Machado (1977), constantemente, sempre, passando depois a assumir funçao de conjunçao adversativa.
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Lingürstica funcional: teoria e pratica
É importante nao perder de vista 0 fato de que os mecanismos referentes à metâfora e à pressao de informatividade nao sao incompatîveis. Ao contrario, tendem a ocorrer paralelamente no processo de mudança. Os processos metafôricos parecem ocorrer em situaç6es que os estimulam, 0 que relaciona aspectos cognitivos corn aspectos comunicativos. Nao se deve esquecer ainda que esses processos apresentam grande regularidade no que diz respeito ao modo como atuam e à natureza dos elementos lingüîsticos sobre os quais atuam. Essa regularidade manifesta-se nao apenas em lînguas diferentes, mas também em momentos diferentes da evoluçao hist6rica de uma mesma lîngua. A atuaçao pancrônica regular desses processos manifesta-se nao s6 na tendência à estabilidade que caracteriza a polissemia de alguns elementos em sincronias diferentes, mas também no fato de que trajet6rias de mudança de elementos antigos espelham as mesmas trajet6rias de elementos atuais. Isso pode ser observado, por exempl0, no arcaico ende, cujos usos refletem gramaticalizaçao espaço > (tempo) > texto (MARTELOTTA, VOTRE e CEZARIO, 1996).
A natureza da mudança Longe de constituîrem casos isolados, os exemplos aqui apresentados nao sao processos de mudança fortuitos. Refletem tendências gerais que parecem estar constantemente na base das transformaç6es sofridas pelos elementos lingüîsticos. Os exemplos de gramaticalizaçao advêrbio > conjunçiio refletem a regularidade corn que atuam os processos motivadores das transformaç6es ocorridas com elementos diferentes (embora de natureza semelhante). Essa regularidade evidencia-se ainda mais quando se percebe que os mesmos processos vaa caracterizar a polissemia desses elementas em estâgios diferentes da trajet6ria das lînguas. Tais fatas levam à conclusaa de que a mudança lingüîstica naa pode ser entendida em termas de uma diacronia linear, caracterizada por transfOlmaç6es decorrentes da evoluçao temporal. Na abordagem
~-
A mudança lingü[stica
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funcionalista, 0 fator tempo, embora ajude, em alguns casos, na avaliaçao objetiva da hipôtese da unidirecionalidade, nao é primordial para a compreensâo da mudança lingüistica, constituindo a anaIise diacrônica apenas uma das estratégias possiveis para atestar as tendências pancrônicas (SAUSSURE, 1916/ 1973), que parecem estar mais associadas à capacidade humana de interpretar 0 mundo e expressâ-Io a outros individuos. Como afirma Lyons (1979, p. 49), que jâ chamava atençao para a ingenuidade da distinçao sinCl;,onia/diacronia: A transformaçao da lîngua nao é nunca uma funçao do tempo, nesse sentido. Hâ muitos fatores diferentes que, tanto interna quanta externamente, podem determinar a sua transformaçao de um estado sincrânico para outro; 0 passar do tempo apenas possibilita a interaçao desses vârios fatores.
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Lyons (1979, p. 50) mencio a também 0 fato de que a evoluçao diacrônica sô tem utilidade ando aplicada macroscopicamente, \ jâ que seria errôneo sup que as lînguas sao completamente uniformes em uro dete inado momento de sua evoluçao.
o casa jâ
cionado da passagem de mal de advérbio para prefixo parece acrescentar mais Ulll dado a essa questao: 0 valor prefixal do elemento renova-se em novas utilizaç6es, independentemente da sua existência rustôrica em outros contextos em que se combina corn outros elementos lexicais. Isso indica a possibilidade de as tendências de mudança atuarem repetidamente no desenvolvimento de novos usos. TaI atuaçâo, nesse sentido, independe do fator tempo, sublinhando a importância do contexto atualizado de uso coma elemento gerador de novas significaç6es. -r C
Assim, a mudança lingüistica deve ser entendida coma um fenômeno tridimensional, ou seja, a trajetôria de mudança de um elemento lingüistico é um reflexo de, pelo menos, três aspectos diferentes: tempo e, sobretudo, cogniçào e uso. Se tempo é fator necessârio para que osprocessos de mudança se façam sentir, cogniçàa l'usa SaD de fundamental importância para uma teoria que interpreta as linguas humanas coma 0 reflexo do comportamento, no ato
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Lingüfstica funcional: teoria e pré'ltica
concreto da comunicaçâo, das restriç6es cognitivas associadas à captaçâo de dadas da experiência, à sua compreensào e ao seu armazenamento na memôria, assim coma à capacidade de organizaçâo, acesso, utilizaçào e transmissâo adequada desses dadas. Nesse sentido, a mudança ocorre pela necessidade diferenciada da atuaçâo desses fatores cognitivos, que é ditada no contexto de cada distinta situaçào de cOlTIunicaçâo. Aceitar essa visâo da mudança lingüistica implica levar em consideraçâo 0 que Salomào (1999) caracteriza coma usuârio ~ voluntarioso da Zingua. A situaçâo comunicativa real é 0 pa1co, no quaI a atuaçâo inovadora do falante cria novas significados que sao ratificados no curso dainteraçào. É também fundamental, nesse caso, compreender a significaçào coma algo que depende bastante do contexto, 0 que significa admitir que os elementos lingüîsticos nâo têm uma total autonomia semântica ou um sentido apenas didonarizado, relacionado à sua estrutura coma elemento autônomo.9 Deve-se, portanto, deixar de lado a proposta tradicional da semântica da referência, segundo a quaI uma expressào lingüîstica é convencional e idiomatizada, semanticamente autônoma e capaz 9
Essa posiçao te6rica pode ser vista em Lakoff e Turner (1989). Entretanto, esses autores, embora neguem a teoria do sentido literaI, defendem a existência de aiguns conceitos autônomos: cachorro, por exemplo, é um conceito autônomo, mas a noçao de lealdade do cachorro s6 pode ser compreendida por meio de uma metMora, que relaciona 0 comportamento do animal corn uma caracteristica humana. Essa concepçao estâ muito associada a uma visâo sincrônica da linguagem. Pode-se argumentar que os chamados conceitos autânomos sao, na realidade, elementos automatizados ou idiomatizados, no sentido de que sua origem perdeu-se corn 0 tempo e que seu valor atual, livre da presença de seu uso motivador, deixa de constituir, conforme Bloomfield (ap. McMAHON, 1996) um sentido marginal (estendido de um sentido central anterior), para assumir 0 status de sentido central, a partir dos quais passam a se desenvolver outros sentidos marginais. A idéia da existência de conceitos autônomos se enfraquece quando pensamos que conceitos hoje aceitos coma convencionais sao, na verdade, resultado de mudanças semânticas, cujas origens perderam-se corn 0 tempo. É 0 casa, por exemplo, de estar, proveniente de stiire, que, segundo Machado (1977), significava estar de pé; agüentar-se (falando de tIopas)", sentido diferente do que apresenta hoje. Ou 0 casa de convite, que, de acordo corn Said Ali (1970), provém do italiano convito, significando originariamente banquete. U
A mudança lingüfstica
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de fazer referência à realidade objetiva. Nessa perspectiva, a realidade possui existência independente da compreensao humana, tendo coma conseqüência 0 fato de as afirmaç6es poderem ser objetivamente verdadeiras ou falsas. A significaçao, ao contrmo, parece ter um carater elâstico, pois se estende, adaptando-se a diferentes contextos, em funçâo de necessidades comunicativas localizadas. Nos termos de Marcuschi (2000), a significaçao é negociada pelos interlocutores em situaç6es contextuais espedficas, 0 que torna possîvel que os elementos lingüîsticos se adaptem às diferentes intenç6es comunicativas, apresentando flutuaç6es de sentido. Entretanto, tais flutuaç6es de sentido, coma jâ visto, nao se dao de modo aleat6rio. Estudos hist6ricos indicam uma forte regularidade nos processos e mudança, no que diz respeito aos mecanismos que os atualizam e à natureza do elemento envolvido. Essescomentârios leva à conclusao de que as mudanças de uma lîngua devem ser co reendidas como movimentos que se iniciam no instante em ue um indivîduo produz seu discurso para um interlocuto spedfico, em uma situaçâo comunicativa determinada. e par um lado a produçao discursiva é limitada pelas restriç6es jâ consagradas na gramâtica da lingua, por OUITO constitui um processo criativo no quaI 0 falante recria formas e estende sentidos de acordo corn suas limitaç6es cognitivas e as necessidades comunicativas impostas contextualmente. Quando essas recriaç6es sao, nas palavras de Bolinger (1975, p. 389), percebidas, apreciadas e adotadas, elas permanecem, podendo vir a gerar situaç6es efetivas demudança.
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Estabilidade e continuidade semântica e sintatica
Lucia Maria Alves Ferreira
A comparaçâo de enunciados representativos de diferentes sincronias do português e do latim indica que, ao lado de mudanças de ordem fonologica, morfologic / sintatica e semântica, que muitas vezes padern ser diacronicame te atestadas, a lingua apresenta também uma estabilidade que e manifesta em todos os nîveis da sua estrutura. Diferenteme e do fenômeno da mudança, no entanta, a estabilidade nâpltem recebido atençao por parte dos lingüistas. Confor~fonta Votre (2000/ p. 86), estamos tao acostumados à traaIÇao histôrico-comparativa e neogramâtica, que privilegia a mudança, que"quase perdemos a capacidade de examinar a estâvel, a permanente, 0 duradouro". Neste capitulo serâo apresentadas evidências de estabilidade sintatica e semântica na lingua a partir da analîse contrastiva de enunciados representativos de diferentes sincronias do português e do latim. As analîses privilegiam uma abordagem pancrônica dos fenômenos lingüisticos, isto é, simu1taneamente sincrânica e diacrânica, na medida em que nem a abordagem sincrânica, essencialmente estatica, nelTI a diacrânica, demasiadamente comprometida coma mudança, pennitiriam que se observasse corn Inaior transparência a natureza sistemâtica e estavel das relaçôes polissêmicas, dos usos e das construçôes em que se encontram os i tens focalizados.
o olhar pancrônico pressupôe a adoçâo explîcita do principio (I()
uniformitarismo camo hip6tese de trabalho. Tomado emprestado DP&A editora
Lingüistica funcional: tearia e pratica
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da geologia do século XVIII 0 uniformitarismo tornou-se uma das bases do pensamento neogramatico. Em formulaçao de Brugman (ap. LABOV 19941p. 22)1 /los fatores que produziram mudanças na fala humana cinco ou dez mil anos atras nao podem ter sida essencialmente diferentes daqueles que estao operando ou transformando as linguas vivas/!. No âmbito dos trabalhos aqui relatados l a estabilidade semântico-sintâtica dos itens examinados em diferentes sincronias esta relacionadal assim como a mudançal a principios gerais l de carâter atemporall que refletem processos contînuosl regulares e estaveis na mente dos falantes l que os atualizam a cada enunciadol ha muitos séculos.! I
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Outra ponta em comum entre as analises é a problematizaçao do principio da unidirecionalidade cancreto > abstrato na derivaçaol no curso do tempol de novas sentidos e usos para os itens lingüisticos. Na medida em que a maioria das formas e dos sentidos examinados, mesmo os mais abstratos, jâ estava disponîvel nas sincronias mais distantes do português e do latim l nao foram encontradas evidências de que os sentidos mais abstratos e genéricos sao derivados dos mais concretos e especificos no curso do tempo. Mesmo nos casos em que nao foram identificados usos mais abstratos em uma sincronia mais distantel nao se pode ter certeza de que nao circulavam na lîngua OUI como prefere Votre (1999 / 2000)1 Il se estavam disponiveis, potenciais, e nao aparecem nos dados porque nao houve ai contexto que os aninhasse". No que se segue serao abordados trés trabalhos de orientaçao pancrônica que comparam enunciados de diferentes sincronias da lîngua. Nos trés casos, visando à cooperaçâo corn 0 leitor e a uma maior inteligibilidade dos exemplos, a sincronia mais recente sera examinada em primeiro lugar. Oliveira (1997) enfoca a trajetôria de gramaticalizaçâo de onde examinando dadas de lingua em uso no português contemporâneo, no português do século XVI, no 1
Ver a capitula anteriar deste livra sobre aplicado à mudança lingüîstica.
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princfpia do unifarmitarismo
Estabilidade e continuidade semântica e sintatica
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português do século XIII e no latim. Além de indicios de mudança, a autora observa instâncias de continuidade e estabilidade. Ferreira (2000) focaliza 0 modal poder observando que, diferentemente do que aconteceu corn os modais can e may do inglês, cujo processo de gramaticalizaçao e abstratizaçao é amplamente documentado na literatura, a maioria dos usos do verbo poder apresenta uma estahilidade semântico-sintâtica que se manifesta em enunciados representativos de três sincronias situadas em um periodo de 22 séculos. Votre (2000) examina construç6es sintaticas complexas que contêm os verbos achar, pensar, saber e ver em que 0 obj eto direto é uma oraçao, desenvolvida ou reduzida. Buscando fontes de referência sobre a semântica e as' taxe das construçôes no português oral contemporâneo, no portu ês arcaico e no teatro latino, 0 autor enfraquece 0 principio der' acionista, que prevê caminho unidirecional do concreto pa a 0 abstrato. Em vez de falarmos em derivaçao de sentido, propÇ>é 0 autor, devemos enfatizar as relaç6es entre sentid6s, sem g~ir quaI teria sido a sentido fundante. ----..---~---
Os usas de onde Examinando a trajetôria do elemento onde, seus diversos significados e usos, Oliveira (1997) examina 0 carater multicategorial e multifuncional de onde nao apenas nas varias sincronias do português, mas também no latim. No português contemporâneo, onde tende a atualizar outros sentidos diferentes do sentido de lugar comumente usado. Assume valor anaf6rico-discursivo de espaço dentro do prôprio texto, de tempo, chegando/ em alguns contextos, a perder totalmente 0 sentido ()riginal de espaço fisico, passando a ser utilizado como um marcador discursivo, vazio de significado, funcionando coma um recurso 1)(Jra manter a continuidade do discurso. Nos exemplos a seguir, do {'()j'pus D&G/Natal (FURTADüDA CUNHA, 1998),ilustram-se alguns dos Ilsas mais abstratos e nao-canânicos de onde no português 1'( ll1 temporâneo.
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Lingüfstica funcional: teoria e prâtica
1)
0 meu forte mesmo é ampliar desenhos. Onde eu acho um desafio. Pois eu tenho de chegar à perfeiçao. 0 meu objetivo é fazer um desenho mais parecido e possîvel daquele outro (lîngua escrita, oitava série).
2)
... quando
chegou no acampamento ... ele pegou a comida que tava tudo junto e dividiu... sendo que... cada pessoa comia de cada coisa uma... ou seja... 0 que eu levei. .. eu nao comi sozinho... eu tive que dividir corn todos os amigos... depois disso... teve a noite onde foi escolhido 0 gyupo de cinco pessoas mais ou menos ... (lîngua falada, oitava série).
3)
.•. às
vezes pessoas que roubam... um sacQ de feijao ... um relôgio... tâ na cadeia enquanto que outros que deu prejuîzo à sociedade... milh6es e milh6es bilh6es até... de dinheiro que foi tirado da populaçao e tâ aî à solta... por quê? porque tem dinheiro... onde a justiça do Brasil sô é vâlida para os pobres... (lîngua falada, oitava série).
No exemplo l, Oliveira observa que 0 elemento onde refere-se nao a um espaço fisico (cf. '/\ casa onde morei"), seu sentido canânico, mas a um espaço no discurso. Retomando 0 enunciado precedente, onde funciona como um elemento anaf6rico equivalente a isto, aparecendo inclusive depois de uma grande pausa pros6dica. Passa a expressar no texto um outro lugar: 0 discursivo, conservando assim seu conteûdo semântico original de Iugar, embora, ao mesmo tempo, assuma outros sentidos diferentes de lugar fîsico. Ja no exemplo 2, onde refere-se a anoite, que nao é nem espaço ffsico nem discursivo, e sim espaço de tempo. No exemplo 3, por outro lado, onde parece exercer uma funçao textuaI, organizadora do discurso, semelhante à de um conector causal. Nesse caso, jâ perdeu muito de seu sentido original de espaço ffsico, e, mais vazio de significado, funciona como um elemento de ligaçâo, organizador das idéias. Esses exemplos seriam evidências sincrânicas da trajet6ria de gramaticalizaçâo do elemento onde, que teria obedecido ao esquema espaça> tempo> texto, desenvolvido no curso do tempo. A analise da ocorrência de diferentes sincronias do português realizada por Oliveira revela que onde ja expressava, em outros perîodos evolutivos da lîngua, alguns dos sentidos mais abstratos encontrados no português contemporâneo. Esse fato contraria a
Estabilidade e continuidade semântica e sintatica
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expectativa de que na analise das sincronias mais distantes seriam encontradas apenas evidências dos estagiosconcernentes aos sentidos mais concretos. No exelnplo 4, a seguir, do século XVI, honde nao se refere a um espaça fîsico, mas a tudo que foi argumentado antes, funcionando, portanto, coma um elemento anafôrico-discursivo, corn sentido de conclusao: 4)
Imprimatur à Gramâtica de José de Anchieta (DÉSIRÉ, s/d)
"Licença" Vi por mandado de Sua Alteza eftes liuros de Grammatica & Dialogos compostos pelo Padre Ioseph de Anchieta Provincial, que foy da Companhia de letra noffa Sagrada Religiao, nem bos custumes, antes muytas que feruirao muyto pera melhor inftruiçao dos Cathecumenos & augmento da nova Chrinftadade daquellas partes & pera corn mais facilidade & fuauidade fe plantar & dilatal' nellas noffa Sancta Fee. Alem da f tisfaçao & edificaçao que ha por toda aquela costa de grande vil' de, l'eligiao & exemplo do Autor de que sempte darey testemu ho. Por honde me parece que fedeuem de imprimir estas suas ras. Em Lisboa, a vinte & cinco de Septembro, de mil & quO hentos & noventa & quatro. Augustinho Ribeyro
Oliveira ofefêêe-nos ainda um exemplo do século XIII, em galego, encontrado na Crestomatia Arcaica, no capitulo II das Ordenaç6es de D.MonsoII (NuNEs, 1943). No exernplo 5,ondeparece referir-se a tudo que foi dito antes, funcionando como um conector discursivo, corn valor conclusivo, sem significado necessariamente locativo. 5)
Dos Dezemos Que An A Dar Os Cristiaos A Sancta Igreia Abraam fuy 0 primeyro dos proffetas e fuy muy sancto orne e ta amigo de Deus que disso por el que enD seu linnage seeria beeytas todalas gentes e este connosçendo que era pouco aquello que daua os que foron ante que el a Deus, segundo os bees que deI rreçebia, comezou el a dar 0 dezemo de mays das primiçias e das offerendas que elles daua e dou-Io primeyramete a Me1chisedec, que era sacerdote, e sennaladamete dou 0 que gaannou dos rreys que uencio, quando les tollio a Loth, sou sobrino, que leuaua catiuo. Onde, enas duas maneyras de siruiçio de primiçias e de offerendas que 56 ditas enD titulo ante deste e en esta terceyra, que é dos dezemos, husar6 os ornees de siruir a Deus...
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Lingüfstica funcional: teoria e prÉttica
Corn referência ao latim, Oliveira observa, a partir de exemplos encontrados em gramâticas hist6ricas e latinas, que a forma ubi, que, juntamente corn unde, teria sida precursora do onde português, além do sentido canânico de lugar, era usada também cam valores temporal e conc1usivo. Oliveira conc1ui que, em seu percurso hist6rico, onde mantém seu sentido original e que outras sentidos surgem sem que a primeiro desapareça. Coma nem sempre os mesmos valores e usas sao encontrados em todas as sincronias, a autora postula que alguns sentidos seguem uma espécie de onda dc1ica, realizando um movimento de emergiy e submergiy". A essa interpretaçao dos dadas acrescentamos outra: é possivel que os valores e usas mais abstratos tenham estado sempre disponiveis na lingua, mas que a analise das evidências hist6ricas realizadas pela autora simplesmente nao os tenha flagrado. Il
o modal poder Grande parte das hip6teses acerca do desenvolvimento dos itens que expressam a noçao de modalidade propostas na ultima década prevê trajet6rias diacronicamente estaveis de abstratizaçâo do sentido. Bybee, Perkins e Pagliuca (1994), par exemplo, postulam que itens lingüisticos que se referelll à capacidade fisica, uma modalidade exc1usivamente orientada para a agente, padern, corn a tempo, vir a expressar noç6es coma a possibilidade epistêmica, uma modalidade mais abstrata e orientada para 0 falante. Esta parece ter sido a trajet6ria de desenvolvimento de may.2 Também Traugott (1989) postula que os modais, originalmente verbos plenos, com sentidos concretos, seguindo tendências universais de mudança semântica, tomam-se progressivamente mais abstratos e orientados pela atitude subjetiva do falante em relaçâo à proposiçâo. 2
Segundo Bybee (1988), may era usado em referência a habilidade fîsica ou poder e, gradualmente, por um processo de generalizaçâo, no final do perioda denorninado Middle English (1125-1500), passau a indicar a possibilidade de raiz, a perrnissâo e a possibilidade epistêmica.
Estabilidade e continuidade semântica e sintâtica
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Em relaçao aos verbos modais do português, também se baseando no prindpio da unidirecionalidade concreto > abstrato na mudança semântica e na gramaticalizaçao, Rigoni Costa (1995) identifica, no portuguès contemporâneo, evidências de um processo diacrônieo de desenvolvimento dos verbos. As postulaç6es de mudança lingüfstica acima prevêem nao apenas estagios em que os sentidos fundantes e os novos convivem, mas também 0 desaparecimento de tais sentidos. A polissemia das formas em uma mesma sincronia revelaria os diversos estâgios da traj etôria concreto > abstrato de um processo de mudança diacronicamente atestâve1. Nas palavras de Tabor e Traugott (1998), tais pos ulaç6es prevêem isomorfismo entre 0 desenvolvimento historieo e relaç6es sincrônicas entre itens polissêmicos. Em relaça ao verbo poder, entretanto, pode-se verificar que as noç6es contextu . adas por esse verbo no portuguès contemporâneo jâ estavam disp nfveis no verbo posse, que deu origem a potere e posteriormente poder, desde a fase arcaica da lingua latina (FERREIRA, 2000). Isso si . .. a dizer que 0 possîvel desenvolvimento dos sentidos mais abstrato do modal a partir dos sentidos mais concretos nao poderâ ser atestado diacronicamente a partir do latim, ao menos com base nos dados coletados até 0 momento. Os très exemplos a seguir, do portuguès contemporâneo,3 do portuguès do século XVI e do latim arcaico do século II a.C., respectivamente, ilustram 0 usa do modal para codificar a possibilidade epistêmica, ou seja, uma noçao mais abstrata do que outras mais concretas, camo a capacidade atribuîda ao sujeito, ou mesmo uma possibilidade mais factual, também codificadas pela verbo nas très sincronias. :\ Na tese de doutorado de Maria Lucia Alves Ferreira (2000) sâo examinadas amostras representativas de três sincronias do português: a) 0 corpus D&G/Rio de Janeiro (VOTRE e OLIVEIRA, 1995), para 0 português contemporâneo; b) os Autos da Barca do Inferno, Barca do Purgatôrio e Inès Pereira, de Cil Vicente, e 0 Auto das Regateiras, de Antonio Ribeiro Chiado, para 0 português do século XVI; c) 0 Amphitrvo, de Plauto, para 0 latim arcaico. No presente trabalho, é também analisado um enunciado da peça Asinaria, de Plauto, do século II a.c.
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Lingüfstica funcional: teoria e pratica
6)
1: nunca... pra falar a verdade... nunca digo que eu sei fazer alguma coisa... eu sempre parto do princîpio que aIguém sabe fazer melhor do que eu... passa nao conhecer, mas... alguém algum dia vai aparecer sabendo fazer melhor do que eu... = É possîvel [eu naD conhecer]
7)
Pero: E esta de qu'anos serâ? [referindo-se à idade da escrava] (...) VeIha: Nao queira Deos que vos menta: houve-a no tremos da terra; pode agora ser essa perra - Auto das Regateiras 806 môça d'alguns cincoenta, salvante s'a conta erra. = Pode ser [que ela tenha uns cinqüenta anos] É possîvel [que tenha...]
8)
Demaenetvs: Non esse seruus peior hoc quisquam potest -Asinaria 118 Nec magis uersutus nec quo ab caueas aegrius. Ninguém pode ser um escravo pior do que esse Nem tao astuto nem tao difîcil de quem você tenha que se precaver = NaD é possîvel [que alguém seja um escravo pior... ]
A anéilise indica, portanto, que, no casa de poder, a direcionalidade concreto > abstrato na mudança lingüistica nao é cronologicamente verificavel, na medida em que tanto a noçao mais concreta (a capacidade) quanta a mais abstrata (a epistêmica, exemplificada acima) coexistem ha muitos séculos. A estabilidade dos usos de poder/posse manifesta-se nao apenas no fato de que nas três sincronias ilustradas 0 modal coocorre corn verbo no infinitivo e que 0 sentido codificado é 0 da possibilidade epistêmica. Observe-se que nos três exemplos as parafrases indicam que a modalidade incide sobre toda a proposiçao. A possibilidade epistêmica envolve 0 falante em um processo inferencial no quaI ele expressa seu comprometimento em relaçao à possibilidade de atualizaçao da proposiçao e tem, portanto, tada a proposiçao coma escopo. Em outras palavras, 0 modal epistêmico veicula um julgamento subjetivo do falante acerca do conteudo propasicional, e esse fato é iconicamente representado na gramatica pela escopo mais amplo, coma indicam as parafrases nos exemplas 6, 7 e 84 e a 4
Observe-se que 0 exemplo 8 admite também a seguinte leitura: Ninguém é capaz de ser escravo pior do que este. Nesse casa, a modalidade estaria incidindo sobre 0 sujeito, e nao sobre a proposiçao. A identificaçao do escopo da modalidade é problemâtica em muitos casos.
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incidência da negativa sobre a predicaçâo principal, e nao sobre 0 modal no exemplo 6. A estabilidade dos usos mais abstratos de poder e passe em diferentes sincronias do português e do latim manifesta-se também em usos mais voltados para a interaçao, na ocorrência do modal em atos de fala manipulativos, isto é, atos verbais por intermédio dos quais 0 falante tenta levar seu interlocutor a agir (GIVÔN, 1993). Na maioria das vezes, trata-se de permiss6es, pedidos e ordens, atos que envolvem 0 falante em uma relaçao de maior ou menor tensao quanto a seu interlocutor e que estao associados a fatares coma distanciamento social e tipo de imposiçao, entre outros. As ocorrên . sa seguir, do português do século XVI e do latim arcaico, ilustram ato de fala que podem ser indiretamente interpretados coma pedidos ou até Inesmo ordens, dependendo da relaçao de poder entre os ir terlocutores: 9)
Velha: E dar- os-ei ua escrava que trabalha coma zeina: [égua] amassa e e rega e lava. Pero: E es a nao se pode ver? - Auto das Regateiras 787 Velha: Sim, Jesu, logo ness'hora. Cadela, aî ca fora! [Pero Vaz pedindo para ver a escrava, parte do dote de Beatriz]
10)
Mercvrivs: Possum seire, quo profectus, cuius sis, aut quid ueneris? - Amphitrvo 346 Sosia: Huc eo, eri sum seruus. Mercûrio: Passa saber onde vais, a quem pertences ou par que vieste? Sôsia: Vou para Li. Sou servo de meu amo. [Mercurio pede informaçao a Sôsia fingindo naD conhecê-lo]
11)
Ivppiter: Nimis iracunda es. Alcvmena: Potin 5 ut abstineas manum? - Amphitrvo 903 Jûpiter: Estas muito irritada. Alcmena: Podes tirar a mao de mim? [Alcmena pede/ordena ao marido que se afaste dela]
Segundo Ernout e Thomas (1953), a construçao potin ut... ? é formada a partir de pote est (" é possivel").
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Lingüfstica funcional: teoria e pratica
Observe-se que a interpretaçao dos enunciados 9,10 e Il camo atos de fala manipulativos é pragmaticamente motivada, na medida em que construç6es semelhantes corn poder SaD freqüentemente associadas à noçao de possibilidade. Os enunciados sâo, portanto, ambiguos e sua interpretaçâo depende fundamentalmente de parâmetros externos, pragmaticos. Uma vez que nao sao entendidos pelos interlocutores coma perguntas acerca da possibilidade de realizaçâo das aç6es, sua interpretaçao como pedidos ou ordens é acionada por um mecanismo inferencial associado a uma implicatura conversacional (CRIeE, 1975; LEVINSON, 1983). A analïse desses exemplos, que encontram sua contrapartida em ocorrências do português contemporâneo, evidencia que basicamente as mesmas estratégias comunicativas e as mesmas inferências relacionadas ao uso de poder e passe vêm sendo usadas pelos falantes ha mais de 22 séculos, a que significa que as press6es funcianais e comunicativas que motivam sua ocorrência e cristalizaçao sao continuas e regulares, e, tudo indica, permanecem inalteradas.
É verdade que alguns usas de passe do latim desapareceram da lingua,6 mas a analise de ocorrências em sincronias tao distantes entre si aponta mais para a estabilidade dos mecanismos inferenciais que prapiciam as extens6es de sentido do que para a mudança. 0 fato de que sentidos tanto mais concretos, orientados para 0 agente, quanta mais subjetivos, centrados no falante, estavam disponiveis na sincronia mais distante sugere que, no caso do modal poder, as relaç6es entre os sentidos mais concretos e os mais abstratos têm a ver corn leis gerais, de carMer pancrônico, atemporais. Em outras palavras, 0 fato de que relacionamos a noçâa de capacidade à de possibilidade e esta à de permissâo nao tem carMer linem; temporal, nem reflete tendências estruturais. Ao contrario, esta relacionado ao carMer imaginativo do pensamento humano e a press6es de ordem cognitiva e comunicativa 6
Ferreira (2000) identifica na amostra latina um usa de posse nao registrado nas duas amostras do português. Trata-se de uma ocorrência em que a verbal na forma passiva, significa tomar posse.
Estabilidade e continuidade semântica e sintatica
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que fazem corn que estejamos continuamente atualizando nossa capacidade imagética e aplicando-a a situaç6es que percebernos cmuo anâlogas às que jâ vivenciamos.
Os verbos de cogniçâo Contrastando usas dos verbos ver, achar, pensar e saber ern duas diferentes sincronias da lîngua portuguesa e no latim, Votre (1999) prop6e uma revisao das hip6teses clâssicas de unidirecionalidade na mudança semântica e sintâtica nos processos de gramaticalizaçâo. Segundo essas hip6teses, os sentidos tornam-se gradativamente mais genéricos e abstratos, e, no que diz respeito à mudança sintatica, as constru 6es podern tornar-se, corn a tempo, sintaticarnente mais integradas. A partir de dos que indicam que os usos mais abstratos desses verbos jâ estava cristalizados no latim, 0 autor prop6e que é mais adequada falar da laçâo entre as noç6es expressadas pelos verbos do que de derivaçâo de processos diacrônicos de mudança. No que diz respeito àmudan a semântica, as evidências indicam que cada camada de sentido isponivel no português contemporâneo coexistiu corn senti os de fases precedentes, representando processos estâveis, coma indicam os exemplos de usos do verbo ver a seguir, examinados pela autor: a. Corpus D&G/Rio de Janeiro, 1995 12)
Deixa eu ver 0 que que tem mais no meu quarto... [lernbrar, pensar]
13)
Ble diz que vê você passando todos os dias aqui na rua. [ver com os olhos]
14)
Com 0 tempo fui venda que nao era nada disto. [perceber, conduir] fa1ei até corn meu namorado pra ver se ele se mancava. [testar, verificar, julgar]
15) Aî eu
b. Gil Vicente, Auto das Barcas e Inês Pereira, século XVI 16)
Fidalgo: Parece-me isso cortiço! Diabo: Porque a vedes lâ de fora! [ver com os 01h08]
17)
Diabo: Ora entrai nos negros fados, / ireis ao lago dos caes, / e vereis os escrivaes 1 como estao prosperado8! [perceber]
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18)
Anjo: Veremos se vern alguém / merecedor de tanto bem / que deva de entrar aqui. [verificar, checar]
19)
Diabo: Tomareis um par de remos, / veremos como rernais! [avaliar]
c. Plauto, Amphitrvo, latim arcaico, século II a.c. 20)
Alcmena: Atque me nunc proinde appellas, quase muIto post videris? Como fala assim comigo, apôs teres me visto hâ pouco? Amphitrvo: Immo equidem te nisi nunc hodie nusquam vidi gentiurn. De fato, naD vi vocè esta manha, estou segura disso! [ver,literalmente]
21)
Blepharo: Vos inter vos partite: ego abeo, mihi negotium est, neque ego unquam usquarn tanta mira me vidisse, censeo. Vocès, dèem 0 fora! Estou fora disso. Até hoje, nunca vi tanta coisa fantastica, certamente. [experimentar, perceber]
22)
Amphitrvo: Sequere hac igitur me; nam mihi istuc primum exquisito est opus. Sed vide ex navi efferantur ut quae imperes compareant. Por favor, fiquem comigo. Primeiro, cabe resolver este mistério. Mas vejam tudo 0 que sair dos navios, para que venham para ca. [verificar, checar]
23)
Mercurius: Hinc enim dextravox auris, ut videtur, verberat. De fato, vejo que alguma coisa soa, no ouvido direito. [perceber corn os ouvidos, ouvir]
As evidências oferecidas pelas enunciados corn ver indicam, segundo Votre, a necessidade de enfraquecer a hip6tese de unidirecionalidade cancreta > abstrata camo trajet6ria atestavel diacronicamente. Na perspectiva proposta pela autor, nada desaparece ou é inteiramente novo. Tudo esta em processo de adaptaçao às novas situaçoes, sendo reformatado, mas sem evidências de que um uso precede 0 outra no curso do tempo. No que diz respeito à hip6tese de que as construç6es tendem a tornar-se mais integradas no curso do tempo, 0 estudo indica que, no caso do verbo ver, nao ha evidência de movimento para maÏor integraçào no perîodo de 22 séculos examinado. o verbo achar/do latim adflare > aflare, oferece-nos outra ordem de evidências. No latim, 0 verbo tinha significados relacionados aos atos de soprar, inspirar, farejar, coma em Canis afflat venatum ("0 cachorro fareja a presa que podia ser metaforicanlente interpretado coma '10 cachorro acha a presa". Essa extensào de ff
),
Estabîlidade e continuidade semântica e sintatica
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sentido é um indicio da abstratizaçâo de adflare jâ no latim. A forma achar do português sofreu alteraç6es fonéticas em sua evoluçâo do latim, mas 0 verbo aflar ainda estâ disponîvel no português contemporâneo e significa soprar ("Leques aflavam de leve sobre os colas orvalhados de pedrarias" -Coelho Neto, A tormenta). Em relaçao à integraçâo sintâtica de construç6es cam 0 verbo achar, a autor mostra-nos que no português arcaico, como no contemporâneo, 0 verbo achar podia ser seguido de sintagma nominal ou de complemento oracional corn verbo finito. Contrariamente às expectativas, no entanto, uma construçâo corn maior nivel de integraçâo sintâtica é encontrada no português areaico: x + complemento oracional infinitivo, exemplificada a seguir: 24)
E madou "nr c6migo hua muy honrada dona diaconyssa, per nome chama Romana, a quaI, quando ueo, achou iazer aos pees do sancto bispo ono Pelagia corn gran planto e doo.
A construçao 24, q\ e nâo ocorre no português contemporâneo, parece expressar umt decisao e assemelha-se, em seu uso, à construçâo cristaliza~a achar + de + infinitivo do português contemporâneo: achou de beber.
o fato de a construçâo achar + infinitivo, mais integrada, oeorrer no português arcaico e ser inexistente no português contemporâneo desautoriza a prindpio de unidirecionalidade na integraçâo sintâtica camo pressuposto absoluto da mudança lingüistica. Em relaçâo ao verbo pensar, 0 termo que lhe deu origem, pendo, pependi, pensum, pendere, significava suspender, pendurar, pesar, especialmente os pratos da balança, pagar e, ainda, pesar mentalmente, ponderar, considerar, estimar, julgar. Em sua argumentaçâo a favor da hipôtese de que a faculdade metafôrica da linguagem opera de modo instantâneo, ancorada no contexto de cada interaçao, Votre faz uma interessante observaçâo acerca dos usos do verbo no latim. Ao mesmo tempo que servia para a idéia de pesar, atribuir valor ao trabalho por meio do peso da la, no periodo romano, 0 verbo também era utilizado corn 0 sentido de pesar
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Lingüfstica funciona/: teoria e pratica
palavras, idéias, propostas, taI camo fazemos hoje, ou seja, seu sentido nao se tornou mais abstrato no curso do tempo. Observaçao semelhante é feita a respeito de saber. No latim, a configuraçao semântica de sapere, IIter 0 sabor", inclufa os sentidos de ter senso, discernimento, conhecer, compreender, associados ao verbo no português contemporâneo.7 Outra vez argumentando que é mais adequado falar de uma correspondência metafôrica instantânea do que de transferência metaforica, Votre (2000, p. 87) pergunta-se até que ponto 0 segundo saber é distinto do primeiro, ou dele derivado. Como provar que os dois sentidos nao coincidem ou nao se emaranham de forma inextricâvel? 'i\té que ponto temos em nos uma substância mental distinta da corporeidade?" Concluindo sua anâlise de ver, achar, pensar e saber, Votre (2000) observa que suas configuraç6es sintâtico-semânticas no português sao intimamente relacionadas às configuraç6es correspondentes no latim. a padrao geral que emerge da anâlise é, portanto, regular, continuo, resultando em uma gramâtica que resistiu a mudanças culturais, polfticas e historicas. A partir dessa constataçao, 0 autor prop6e um prindpio de extensiio imagética instantânea, nao desenvolvido no curso do tempo, segundo a quaI a faculdade metaf6rica da linguagem opera de modo instantâneo, no sentido de que todas as virtualidades e potencialidades de sentido de um termo se tornarn disponfveis na mente das pessoas que interagern na comunidade discursiva, ancoradas no contexto situacional de cada interaçao (id., ib., p. 72).
Por uma interpretaçâo funcionalista da estabilidade A perspectiva pancrônica do estudo dos fatos lingüfsticos, ao permitir a comparaçao entre vârias sincronias da lingua, dâ maior visibilidade aos aspectos relacionados à continuidade e à estabilidade, e, conseqüentemente, os resultados das pesquisas 7
Observe-se que 0 sentido ter sabor é corrente no português de Portugal. No Brasil, é freqüente no Nordeste e também na lingua literaria: "Nao sabe a mel, sao sabe a fel, é de papeI" (Ferreira Gullar).
Estabilidade e continuidade semântica e sintatica
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confrontam-nos corn um nova elenco de questionamentos. 8 Coma evidenciado nos trabalhos aqui relatados, as hipôteses de trajetôrias unidirecionais de desenvolvimento semântico-sintatico precisam ser enfraquecidas, na medida ern que, muitas vezes, configuraçôes semântico-sintaticas supostamente "mais jovens" (porque mais abstratas) sao observadas na sincronia mais remota, coexistindo ao lado de configuraçôes mais concretas, que, por sua vez, permanecem, desafiando todas as press6es histôricas e culturais que poderiam ter levado ao seu desaparecimento ou rnudança. Resta-nos, entao, perguntar como e por que isso acontece. Votre (1999) vern trabalhando corn a hipôtese de extensao imagética instantânea, e nao desenvolvida linearmente no curso do tempo. ~ ndo essa hipôtese de correspondência metafôrica, as tendências pr entes em determinado momento do passado atuam no presente e con' uarâo a atuar, da mesma forma, indefinjdamente, sempre que 0 conte to situacional de cada interaçâo assim 0 exigir. Aadoçao desse p . dpio ajudar-nos-ia, por exemplo, a entender a aparente onda dclica m que sentidos parecem emergÏy e submergir, observada por Oliveir acerca dos usos de onde. 0 princîpio também nos permitiria entender que as inferências pragmaticamente motivadas associadas aos usas de poder e posse em atos de fala manipulativos estâo relacionadas a press6es cognitivas e comunicativas que vêm atuando de forma regular e constante em situaç6es reais de uso ha pelo menos 22 séculos e que provavelmente eontinuarao a atuar enquanto 0 falante pereeber os eontextos situacionais de uso como analogos. Por fim, a hipôtese de que a produçao de extens6es metafôricas oeorre simultaneamente e nao de forma proeessual, ao longo do tempo, também nos auxilia a entender que, ao lado dos processos que mastram a maleabilidade e rlexibilidade da lingua, existem aqueles que apontam para a permanência da sintaxe e da semântica. Il
Estudos diacrônicos também permitem a comparaçâo entre vârias sincronias. A pancronia é, no entanto, mais abrangente porque engloba as sucessividades (' os estados.
Lingüistica funcional aplicada ao ensino de português
Mariangela Rios de Oliveira Victoria Wilson Coelho
Apresen dos os fundamentos basicos do funcionalismo f acompanhados sua respectiva ilustraçâo em lingua portuguesaf o presente capitulo Ha-se para a demonstraçâo da aplicabilidade do aparato teârico refe ido segundo 0 ensino da lingua materna no Brasil nos nîveis funda entale média. Nesse sentido trata-se de uma mediaçâo entre te rizaçâo lingüîstica e pratica pedagôgica uma das concepçôes e stemolâgÏcas da lingüîstica aplicada. f
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o que pretendemos é
a partir dos pressupostos abordados anteriormente, oferecer alguns subsîdios à investigaçâo do partuguês em sala de aula em termas de instrumental de reflexâo e de açâo pela linguagem. Acreditamos que a proposta funcionalista assim coma outras correntes de analïse lingüîstica possa trazer aIguma cantribuiçâo aa estuda da relaçâa discurso X gyamatica seja na analîse de textos, seja na praduçâo de textos. Corn base nessa crença, mostraremas como a abordagem funcianalista pode auxiliar nas tarefas referidas. f
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Evidentemente nao temos a pretensâo de dar conta de forma cabal e absoIuta dos pontas abordadas menas ainda a ingenuidade de imaginar que estamos elaborando algum receituario para a saluçâo de problemas educacionais alguns ja c1assicos, que vêm à tona quando se aborda essa questâa em nosso pais. Sabemos que ha grande, necessaria e prudente distância a separar os resultados de f
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DP&A editora
LingüIstica funcional: teoria e prâtica
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pesquisas mais recentes da realidade das salas de aula de lîngua portuguesa. A tarefa de ensino, por sua pr6prianatureza, precisa lidar corn metodologias e conteûdos mais sedimentados, mais consensuais na comunidade acadêmico-escolar. Portanto, os pontas tratados neste capitula sao alguns dos que circulam corn relativa unanimidade na ârea, t6picos basilares em torno dos quais hâ certa identidade interpretativa.
1
Para tratar da aplicaçao do funcionalismo ao ensino de portugués, partimos do texto legal, da Lei de Diretrizes e Bases da Educaçao Nacional, a LDB 9.394/96, e dos documentos governamentais a partir daî elaborados - fundamentalmente os Parâmetros Curriculares Nacionais, os peN. Corn essa estratégia, buscamos registrar os objetivos gerais de lingua portuguesa no ensino fundamental e médio do Brasil, correlacionando-os à perspediva funcionalista de tratamento lingüistico. Yale ressaltar que as metas consubstanciadas nos referidos documentas sao resultantes, em muitos aspectos, da consolidaçao e do desenvolvimento da pesquisa lingüistica brasileira, do maior conhecimento acumulado nessa ârea cientîfica. No segundo momento, procedemos à anâlise de oito text9s., ..../ elaborados por membros da comunidade estudantil nacionaP à luz da associaçâo estabelecida anteriormente - objetivos de ensino/ proposta funcionalista. Nessa anâlise, tanto discutimos quest6es relativas à produçao textual (relevância, status da informaçao, transitividade, entre outras) quanta tratamos da categorizaçao gramatical, corn comentârios referentes à prototipicidade, à seleçâo .-......... lexical, à implicaçao da correlaçao sintaxe/morfologia, por exemplo. .. .... ... ... . Nosso objetivo é oferecer umaabordagE'În que trabalhe a gramâtica no discurso; em outras palavras, que dé carater mais global e motivado ao ensino de conteûdos de lingua portuguesa. Trata-se de modelos de anâlise que se revestem de meras sugest6es que padern ~_.-.----..
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Quatro textos falados e seus correspondentes escritos, componentes do Corpus Discurso & Cramâtica: a Zingua falada e escrita no Brasil, organizado pelos membros do grupo de estudos Discurso & Gramâtica.
Lingüistica funcional aplicada ao ensino de português
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e devem ser aprimoradas, complementadas ou refinadas por aqueles que, de fato, têm a responsabilidade nesse empreendimento ( acadêmico - 0 corpo docente de lîngua portuguesa.
Objetivos gerais do ensino de lingua portuguesa ...\ Comparadas genericamente as propostas da antiga LDB (5.692/ \ 71))com as da atual, em termos de ensino de lingua materna no , Brasil, 0 que se destaca n~!l0va orientaçao govemamental sao duas . , / vertentes, em torno das quais d~ve fundamentar-se e inspirar-se a atividade docente nessa ârea: a transdisciplinaridade e 0 carâter / , social do usa lingüistico. ./
(:
Na LDB/71, ainda persistia a ori,entaçao dicoto?1izada, que destacava, p . cipalmente no ensino médio, conteudos de literatura e conteudos de " a, às vezes ainda corn uma terceira segmentaçâo \ - a produçao tex al. Verificava-se a ênfase na fixaçâo da: nomenclatura grama al, freqüentemente dissociada de anâlise do usa das categorias a p tir de sua ocorrência no discurso. Favoreciase a repetiçâo do estud de conteudos, via de regra nao aprendidos, ao longo dos ensinos f ndamental e médio, 0 que concorria para 0 awnento da sensaçâo de fracasso escolar. Todo esse quadro contribuia para a configuraçâo de uma situaçâo meio paradoxal - lima { comunidade de usuârios corn 0 sentimento de que nao sabia falar / f sua pr6pria lingua, de que ela seria muito dificil, de que se perseguia ( \ um ideal quase inatingivel- a norma cuIta escrita. . jJ
Com a L~ sobretudo a partir das proposiçôes contidas nos PCN, marca-se ôinicio da mudança no rumo da antiga orientaçâo pedag6gica oficial. Se a realidade do ensino em nosso pais, em termos gerais, ainda estâ longe das aspiraç6es consubstanciadas nos PCN, é fato que essa reorientaçâo nos objetivos da atividade docente de lîngua portuguesa começa jâ a provocar, no âmbito das secretarias estaduais e municipais de educaçao e da categoria do magistério em geral, a preocupaçâo corn a adoçao de novos procedimentos metodol6gicos, no sentido do alcance dos atuais objetivos cducacionais. Toda essa guinada sup6e, como ponto de partida,
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Lingüfstica funcional: teoria e pratîca
a alteraçâo da perspectiva em reIaçâo ao tratamento e à abordagem das atividades corn a linguagem, entre as quais se destaca 0 ensino de lingua materna, area para a quaI os pressupostos teoricos funcionalistas padern trazer alguma contribuiçâo. Essa contribuiçâo assume maior reIevância diante da constataçâo da ainda pouco expressiva produçao de material didatico para ensino de lîngua materna orientada pela recente perspectiva. Para 0 nîvel fundamentaI, correspondente ao antigo primeiro grau, os peN destacam a utilizaçao competente do português nao so coma instrumental de acesso e apropriaçâo de bens cuIturais e participaçâo ativa no mundo letrado, coma também, e de forma acentuada, sua utilizaçâo na resoluçâo e superaçâo de situaç6es e problemas do cotidiano. Em outras palavras, trata-se de uma proposta de ensino numa vertente que podemos chamar de funcionalista, em que 0 aluna trabalha as quest6es lingüîsticas para propositos pragmaticos e comunicativos de maior evidência, vinculados a seu ambiente histôrico-social. Essa prâtica sintetiza-se na atividade de"anâlise e reflexâo sobre a linguaf/ (peN,20aO, p. 78), por meio da quaI é aprimorada a capacidade de compreensâo e expressâo dos alunos, em contextos de comunicaçao oral ou escrita.
o trabalho analîtico e reflexivo sobre a lîngua tem camo ponto bâsico e inicial a observaçâo das estruturas mais regulares verificadas no desempenho discursivo. Ora~ 'oC~quê-~'~"estKpropondo é, na verdade, a investigaçâo dos usos Iingüîsticos coma um contînuo; ,'~ ~ . é a concepçâo male~~el e relativamente instâvel da gramâtica, tal camo 0 faz a abordagem funcionalista aqui"àpresentada. Ao tomar como objeto de ensino para as séries iniciais as estruturas mais sistemâticas do português, os peN apontam a escalaridade, a 1 prototipicidade das categorias lingiiîsticas, aIém de confirmar serem ri as regularidades pontas de maior visibilidade e saliência perceptual, mais acessîveis, portanto, aos alunas iniciantes. ,
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Para chegarem à investigaçao das estratégjas recorrentes na expressâo lingüfstica, devem as atividades concentrar-se na prâtica
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d~ revisào textual, contexto privilegiado para a anâlise mais acurada
desses usas. 0 trabalho de reescritura de textos, realizado preferencialmente em grupo, nao visa apenas à detecçao de problemas, de estratégias inadequadas que devem ser substituidas, mas sim à procura de altemativas, de outras recursos de organizaçâo textual articuladores de distintos efeitos discursivos. Novamente se pode fazer aqui paralelo entre tal concepçâo e a proposta funcionalista, no sentido de que esta se fundamenta na relaçâo unidirecional funçâo > forma, relaçâo em que alteraçao de configuraçào implica alteraçâo de conteûdo, em que dizer de outra maneira passa a significar de outra maneira. A proposta de reescritura abre espaça para 0 llidico, para a jogo no ensino den a portuguesa. Ao acrescentar, retirar,deslocar ou transfonnar porço ou termos da seqüência textual, os alunas estâo aprendendo a manip ar nao sô a estrutura discursiva, mas também os sentidos, os conteûdos or ela veiculados, desenvolvendo individual e coletivamente sua capadpade de percepçâo dos artilicios ou recursos de linguagem a que tod~s estâo submetidos numa comunidade 1 lingüistica. 0 conhecinfento par parte dos docentes de lingua portuguesa de questoes relativas à informatividade, à transitividade, à relevânda e à iconicidade, entre outras, poderâ contribuir para a eficâcia da prâtica de reescritura textual, instrumentalizando-os para ' a anâlise da macrossintaxe, das relaçoes discursivas, nivel de investigaçâo situado além do foco e d9?prop()~it9s d9:"gIélmiltica tradicional. Nessa tarefa, os co~pê~dios es~olares p-~~co ou nada ( podem contribuir, uma vez que se esgotam na anâlise do chamado , perfodo composta. Em relaçào aos pontas clâssicos do ensino de lingua portuguesa, os peN também apresentàm irlOvaçoes. Uma delas reside no tratamento da pont.~~s.ào, questào vista freqüentemente coma autêntico obstâculo à apropriaçâo da norma culta escrita. Da proposta de ensino da pontuaçâo coma receituârio, do tipo x serve pa~(1 y, \ ) em que cada sinal, témlado isoladamente, descontextualizado, é visto \\\,,1 camo referência a um tipo espedfico de estruturaçâo lingüîstica, "\ ",
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Lingüfstica funcional: teoria e prâtica
passa-se à observaçao da pontuaçao nas diversas produç6es textuais, em que se enfatiza e prioriza a discussâo dasalternativas, das possibilidades de uso dos sinais e dos efeitos de sentido a partir dai articulados. Ao invés de partir dos contextos que devem ser pontua~ps, a proposta dos peN, inversamente a tal perspectiva, destacail ûnica e verdadeira regra orientadora dessa questâo, aquela ) que trata das margens que nao padern receber pontuaçâo: entre sujeito e verbo, e entre verbo e seu complemento; tuda 0 mais fica no âmbito das possibilidades, das motivaç6es] Essa reorientaçâo no ensino de pontuaçâo pode ser trabalhada na perspectiva do fundonalismo, a partir do tratamento da adjacência e da ordenaçâo linear coma variâveis senslveis à articulaçâo de sentido. Ao se pontua~ atenua-se ou quebra-se a vînculo semântico-sintâtico entre os constituintes textuais, a separaçâo espacia! toma-se indicativo de separaçao nocional; quanta mais os termos estiverem afastados na linearidade, mais seu canteudo estarâ dissociado também. A unica regra referida abre interessante espaça para a discussâa da integraçao SVeVO, em termos de sintaxe canânica do partuguês, e, a partir dal, para todo um trabalho em torna de usas alternativos - de intercalaç6es, de invers6es, de rupturas - em que se supera a atitude prescritiva em pral da abordagem reflexiva no ensino de português. Os pontos gramaticais, canteûdos em que a atividade docente de lingua portuguesa tem se pautado prioritariamente, passam a ser tratados nas situaç6es de produçâo, revisâo e reescritura de textas. As quest6es relativas à marfalogia e à sintaxe deixam de representar um fim em si mesmas para se constituirem em pontas cuja anâlise serâ necessâria ao alcance do competente e eficiente desempenho lingüistico. Trata-se da proposta da gramâtica no discurso, do reconhecimento dos recursos gyamaticais coma componentes e concorrentes da tessitura textua1. Nesse sentido, segundo a LDB/96, os aspectas da gramâtica trabalhados em sala de aula devem ser aqueles de relevância e pertinência para a resoluçâo de prablemas acerca da legibilidade
LingüfstÎca funcional aplicada ao ensino de português
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ou da adequaçao de textos, observando-se ainda a faixa etaria dos alunos, em termos de maturidade para a reflexâo sobre essas quest6e~. Como a orientaçâo funcionalista assume a prototipicidade categorial, dimensâo em que as classes dos distintos niveis de analise lingüîstica sao entendidas como feixes de traços mais ou menos presentes, 0 que permite 0 tratamento escalar das mesmas, essa perspectiva nâolinear e discreta, de que passa a se revestir 0 tratamento dos aspectos gramaticais, pode ser abordada pela referida orientaçao. De acordo corn a categorizaçao prototîpica, é possîvel interpretar a definiçao das classes morfolôgicas ou funç6es sintaticas na gramatica tradicional como 0 eixo central, composto pelos traços mais recorrentes de ue se costuma revestir a categoria.rO-que s~ acrescenta à visa tradicional nos peN é a perspectiva escalar, a admissâo de marg s categoriais, a proposta de contînuo no tratamento dos pontos amaticais corn vistas à facilitaçâo das tarefas de produçao e de reescri ura de textos. Trata-se de municiar 0 aluna do aparato necessario ao monitoramento progressivo da prôpria atividade de analïse e refl ao sobre a lîngua. Assim, quest6es camo o que' ensinar e como en inar, em termos de conteudo gramatical, serao respondidas face às exigências oriundas da adequaçao e da pertinência desse conteudo corn vistas ao aprimoramento do desempenho lingüfstico do aluno.
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Para 0 ensino médio, a LDB/96 prop6e 0 aprofundamento dos conhecimentos de lîngua portuguesa, corn enfoque no (' desenvolvimento da capacidade cognitiva do aluna e da marca ,:, interativa <::la linguagem.'·Valori~~:~~ ~os PCN 0 ca!~t.!:?x hi?t6ricosocial da expressao lingüîstica, corn a integraçao dos estudos de lîngua e de literatura. Mantém-se a foco na atividade de PE?duçao L' revisao textual, no entendimento de que 0 aluno, coma ser hist6rico l' espacialmentemarcado, revela-se e manifesta-se pelos textosque 1){'oduz, par aquilo que faz corn e pela linguagem. Esta mantida e reforçada, portanto, a importância da produçao h'xtual jâ destacada para a ensino fundamental. Trata-se agora de ,II )rofundar a reflexao, corn atividades cujo enfoque resida em pontas
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coma atribuiçao de sentido, marcas de intertextualidade, recursos de pressuposiçao, efeitos de inversao de ordem, enfim, na exploraçao da fundonalidade dos mûltiplos recursos lingiiîsticos à disposiçao dos usuarios. Nos objetivos de lingua portuguesa estabelecidos para o ensino médio, portanto, também é possivel confirmar um paralelo corn a perspectiva te6rica funcionalista.
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Essa çgrrespondênda pode ser encontrada em varios pontos dos PCr{?la esta na correlaçao estabelecida entre 0 domînio dos recursos lingüisticos e a eficaz e competente açao comunicativa. Reside ainda na associaçao entre os gêneros discursivos e sua interface corn as quest6es sodais que permeiam a atividade lingüistica. Encontra-se ainda na afirmaçao de que somente em situaçao de usa, em funcionamento, levando-se em conta a diversidade das interferências intra- e extratextuais, é possivel a atividade de analise lingiiistica. A dedaraçao de que a lîngua em uso é a representaçao e 0 reflexo da experiência humana, permeada de emoç6es, crenças, atitudes e necessidades, sintetiza a relaçao basica da orientaçao funcionalista, 0 binômio funçiio > forma.
Uma proposta de aplicaçâo Nesta seçao, trazemos sugest6es para tratamento de pontos relativos à anrilise e reflexiio sobre a Zingua em uma perspectiva funcional. No primeiro momento, apresentamos a coletânea utilizada - quatro textos orais e seus correspondentes escritos, produzidos por estudantes de quatro cidades brasileiras na década de 1990. (Vale ressaltar que 0 material escrito apresenta-se tal como elaborado pelos alunos.) A seguir, tratamos esses textos corn base no binômio jala X escrita. Por Hm, sugerimos alternativas de abordagem de pontos gyamaticais a partir dos materiais em analise. A ausência de indicaçao do nivel ou série a que se aplicariam esses procedimentos justifica-se pela possibilidade de maior aprofundamento ou nao dos itens, 0 que flexibiliza a presente proposta.
7J· t:..
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Textos em antilise a) Narrativa experiencial de Elisângela, aluna da quarta série - Niter6i: Fala: 1: quando eu era pequena... eu ficava brincando cam aqueles disquinho que era... ai eu amarrei... fiquei rodando... rodando . rodando... aî fiquei tonta... ai tinha um... um negocinho assim . assim no redor das paredes... na minha casa... ai eu rodei rodei . caL. bati cam a testa... ai ficou! sa! saiu muito sangue... ai llinha mâe botou guardanapo desesperada... que ela estava pintando... [minha mâe 1estava pintando a casa aî ela botou:: ele botou! tomou banho... rapidinho... botou "a roupa botou urn guardanapo aqui na rninha testa porque estava muito sangue... ai ( ) ela teve que me levaI' pro An ~nio Pedro... ai foi... correu tudo bem... Escrita:
o que aconteceu c
m migo Eu, quando era peq ena, peguei um disquinho e amarrei numa corda. Rodei e fiquei tonta. Tinha Ull batentinho ao redor das paredes e 0 disquinho oou e eu bati corn a testa no batentinho e saiu muito sangue. Min a mae me levou para a hospital.
b) Relata de pracedimenta e Flâvia, aluna da aitava série - Rio Grande Fala: 1: barn... a gente pega uma panela... vou te falar corn rnedida... tâ? pega uma panela... meia grande assim... aî pra quatro pessoas acho que sao... duas xicaras de arroz... é... duas xicaras de arroz... al... lava 0 arroz... aî bota na panela duas xîcaras... bota três de âgua... nao bota a arroz... bota 0 6Ieo... e bota um pouquinho de saI... ai bota três xîcaras d'âgua... ai mexe... deixa refogar... acho que é cin/ nao sei... quanta tempo... dez minutos... ah:: ... deve sel' dez minutas... ai... deixa secar... esta pronto... Escrita: Para se fazer um arroz para 4 pessoas é necessârio uma panela meia grande, 2 xîcaras de arros, 6leo. um pouco de saI, coloca-se 3 xîcaras de àgua, mexe-se tudo depois coloca-se no fogo por uns 10 minutos e pronto.
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c) Descriçao de local de Andréa, aluna do ensino médio - Juiz de Fora (Podemos usar apenas uma seqüência do texto falado.) Fala: 1: ah... teve uma casa... que eu fiquei em Bûzios... que era assim... maravilhosa... ficava num condomlnio assim no alto... dava pra você ver assim a praia de Jeribâ toda... entendeu? e a pral e a casa... era assim toda de vidro... eh:: corn madeirinha... sabe? toda enverniza: :da etaI... ai tinha um deque na casa... al que você chegava que dava pra ver 0 maior visual... né? 0 mar:: etaI::... ai você ficava vendo aquele pôr-do-sol::... estrelinhas ((riso» e mais alguma coisa... né? e a casa... ela eral tinham dois andares... era superaconchegante corn aquelas poltroninhas fofinhas ((riso» e:: a geladeira... acho que era a que que eu mais gostava ((riso» porque . a gente comia 0 dia inteiro... né? comia e bebia 0 dia inteiro... e . estaval nesses dias estava chol nos primeiros dias choveu bastante . entao a gente ficou ... quase 0 tempo todo dentro de casa mesmo .. e:: eh::/ E: quaI 0 lugar na casa que você gostava mais? 1: 0 quarto ((riso» E: 0 quarto? como era 0 quarto? 1: 0 quarto era enorme... sabe aquelas coisas assim de filme... corn as cortininhas se abrem assim... al 0 ventinho vern e as cortininhas ficam assim esvoaçantes «riso» assim? aî tinha um tapete... assim de::/ parece aqueles tapetes assim de corda... sabe? [de praia] corn... aquele piso de tabua corrida... 0 chao etaI... a cama... era enorme a cama... muito grande mesmo «riso» E: (muito alta) 1: e... tinha uma coisa até engraçada... porque tinha uma goteira ((tiso» em cima da cama... entendeu? ((riso» que direcionava exatamente no meu pé ((riso» e nesses dias estava meio friozinho... entao era terrîvel... né? mas:: ... assim... a... a arquitetura da casa assim era moderna... né? mas ao mesmo tempo... eh:: elal 0 teto dela eral parecia corn aquelas construç6es de casas mais antigas... porque era bem alto... sahel e:: e a goteirinha conseguia chegar no meu pé ((riso» E: mas no quarto... 0 que que tinha mais no quarto? 1: tinha estantes... eh:: tinha um armârio... eh:: corn cabides la... mas nao tinha nada dentro do armârio ((riso» porque eu nao tinha . ~ . d e guar d ar na d a... ne. '1 e::... 0::1 d elxa . eu ver... tm . ha a paClenC13 sacadinha... né? dentro do quarto ... taI... tinha uns quadros bonitos
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dentro do quar eh:: dentro do quarto assim eh:: a maioria eram eh:: mari de mar:: né? e tal... paisa::gens... e:: tinha uma cadeira urna cadeirinha de balança... dentro do quarto eh:: ((riso)) mais 0 quê? Escrita: Certa vez fui corn meu namorado para Buzios. Ficamos numa casa maravilhosa, corn uma arquitetura moderna e ao mesmo tempo rustica, 0 lugar que mais me chamou atençao foi 0 quarto. Ele era bastante espaçoso e aconchegante. Havia uma cama grande corn lençôis brancos. Perto do armârio havia uma cadeira de balanço de palha sob um tapete de cordas. Havia uma varanda que dava de vista para 0 mar. 0 venta era constante, as cortinas pareciam dançar...
d) Relato de oplnlao de Valéria, aluna do ultimo perîodo universit .0 - Rio de Janeiro Fala: 1: eh... 56 sel poHtic ... eu estou achando que agora esta tendo uma abertura maiar... é? a gente estâ... esta ven do 0 que esta acontecendo corn 0 p îs... estai tudo a que esta acontecenda a gente esta vendo... nao é a que era antigamente... onde... a gente nao... sabia de nada... fka a tudo escondido... achava quel naD tinha informaçao... né? a verdade é isso... a imprensa tem/ eu estou achando que [esta Hum] papel fundamentaL.. na divulgaçao das coisas... né? que... pô... fulano roubou... a gente estâ sabendo... eh:: naD sei quem foi preso... a gente esta sabendo... esta tudo às claras... eu acho que 0 pessoal também estâ corn meda dissa... aî eu acho que estao andanda mais na linha naa é que antigamente nao roubava... 16gica que roubava mas hoje em dia a gente estâ vendo que... quem rouba mesmo e::... quando rouba a gente sabe... e antigamente nao acontecia isso naa podia se falar:: ... nao podial tudo... tudo proibi::do... nao podia ter uma opiniâo de na::da... fkava todo mundo mais alienado... hoje em dia eu acho que esta melhorando... um dia a gente chega la... eu tenho esperança ((riso)) Escrita:· A respeito da situaçaa polîtica do Paîs, acho que as pessoas estâo se conscientizando de que cada um, é, de algum modo, responsâvel pela "vida" do Paîs. Os meios de comunicaçâo perceberam a arma que tem nas maos e corn a dita demacrada ficou mais fadl deles desempenharem a funçao de informantes, que infarmam a que as
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pessoas estao interessadas em ser informadas e nao aquela "incheçao de linguiça" que nao nego ainda existi, mas que a cada dia que passa vern sendo mais criticada, acho que as pèssoas estao mais acordadas, principalmente os jovens, que foram às ruas e tiveram a sensaçao de tirar um Presidente do governo. Hoje, a sujeira estâ mais as claras, todos ficam sabendo. Antes quando tudo era mais censurado, as coisas aconteciam mas ninguém ficava sabendo.Tenho esperança de que um dia as coisas entrem nos eixos, que esta tao falada moralizaçao, definitivamente impere e tenho certeza de que se todos fizessem sua parte seria bem mais fâcil, faço a minha, mas sei que posso fazer mais. Acho que é por aL
Interface fala x escrita Na discussâo atuai acerca do ensino-aprendizagem de lingua portuguesa, muito se enfatiza a interferência da variavel modalidade nesse processo. Como forma primaria e basica da comunicaçâo humana, a fala, principalmente nas fases iniciais de escolarizaçâo, deve influenciar mais diretamente a produçâo escrita, 0 que significa que muitas ou aIgumas das marcas pragmaticas caracteristicas da oralidade podern estar presentes nos textos escritos dos alunas do ensino fundamentat mais especificamente, e do ensino médio, atingjndo, inclusive, 0 nîvel universitario. Além da interferência referida, ao se incorporarem aos objetos de ensino de lingua portuguesa, as produç6es orais ganham outra dimensâo, passando a ser vistas coma processos passîveis de investigaçâo, de analise, tais como os produtos da classica e consagyada modalidade escrita. Nesse sentido, as contribuiç6es da lingüistica, em suas diversas orientaç6es teâricas, têm sida fundamentais para essa nova area em que transita a atividade pedagâgjca de lingua portuguesa. Essa reorientaçâo articula de imediato algumas quest6es em discussâo: quaI 0 modo organizacional da oralidade? Que simetrias e assirnetrias ela estabelece corn a escrita? Estara 0 corpo docente de lîngua portuguesa preparado para abordar esse nova objeto ern sala de aula, face à ausência de uma pedagogja do oral? Na tentativa de contribuir para a resposta a essas quest6es, a presente seçâo aborda os textos aqui apresentados sob a ôtica da
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interface jala x escrita, destacando 0 que separa e une as duas modalidades. Os materiais utilizados favorecem a anâlise, na medida em que os informantes, ap6s produzirem seus textos falados, elaboram os materiais escritos correspondentes, 0 que pennite maior comparabilidade entre ambos. .
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Dm râpido e genérico alhar sobre essas produç6es jâ salienta .certas tendências. Uma delas diz respeito à m~ior comeactaçao das /. produç6es esêritas. Elas sao mais enxutas, mais sintéticas. A questao dos pIanos discursivos, da relevância textual, apresentada na seçaa "Transitividade e pIanos discursivos", do capîtulo "Pressupostos te6ricos fundamentais", pode auxiliar na anâlise interpretativa desse , fenômeno. . . . ~~.A
Tomemo elato de procedimento de Flâvia, aluna do segundo segmenta do ensin fundamental, coma exemplo. Seu texto falado é permeado por marc que registram os passos de sua elaboraçao, coma se verifica nos des aques: 1)
bom ... a gente pega UDJ a pane1a... vou te falar corn medida... ta? pega uma panela... meia grande assim... aî pra quatro pessaas acho que sao... duas xîcaras dl arraz... é... duas xîcaras de arroz... ai lava a arroz... ai bota na panela duas xîcaras... bata três de âgua nao . bata 0 arraz... bata a ôlea... e bata um pauquinha de saI... aî bata . três xîcaras d'âgua... ai mexe... deixa refagar... acho que é cin/ nao sei . quanto tempo... dez minutos... ah:: ... deve ser dez minutos... aL. deixa secar... estâ pranto...
Associadas às estratégias destacadas, observarn-se repetiç6es (pega uma panela, duas xîcaras de arroz, bota) e hesitaç6es (ntio sei... quanto tempo... dez minutos... ah::... deve ser dez minutos), além de repara (toda a série inicial do procedirnento é substituida apôs a particula ntio) e truncarnento (acho que é cin/ nâo sei). Essas marcas, reveladoras do processamento on-Zine da r oralida,de, resultantes, portanto, das interferências pragmâticocomunicativas do modo de elaboraçao espedfico do texto falado, situarn-se em pIano de fundo, concorrendo para a configuraçaa periférica do fluxa inforrnacional. Tais fenômenos, situados fora da "
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cadeia tapica, do eixo central da informaçao, podern levar à impressao de que a aluna, ao se expressar oralmente, informarnais do que por escrito. a que ocorre é que, nessa ultirna rnodalidade, apagam-se as pistas do processamento, jâ que as correç6es e reescrituras, pr6prias do canal escrito, resultam numa produçao mais concisa. As informaçoes de fundo, nesse contexto, passam a ser de outra natureza, como se verifica no trecho: 2)
Para sefazer um arroz para 4 pessoas é necessârio uma panela meia grande, 2 xîcaras de arros, 6leo. um pouco de sal, coloca-se 3 xîcaras de àgua, mexe-se tudo depois coloca-se no fogo por uns 10 minutos e pronto.
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l No fragmento acima, os informes mais subsidiârios ficam por conta da finalidade do procedimento (para se fazer um arroz para 4 pessoas é necesstirio) e do resultado da tarefa (e pronto). rrata-se de um novo arranjo sintâtico-discursivo em relaçao ao texto oral da mesma informante. Numa seqüência mais curta e objetiva em relaçao a sua produçao oral, embora nao menos eficiente, Flavia relata coma se faz arroz. Para tanto, pouco utiliza informaçoes de fundo, estruturando seu relato basicamente por intermédio do pIano da figura. L~ Se 0 fundo se mostra muito distintamente articulado em relaçâo ,\. ao binômio fala x escrita, 0 rnesmo nao se pode afirmar do nîvel de \' maior saliência perceptual - a figura. Nas duas produçoes da informante, hâ similaridade nesse pIano, 0 que yale dizer que, independentemente da modalidade e de sua interferência na organizaçao textual, 0 conteudo nuclear, 0 eixo central em torno do quaI se articula a informaçao, apresenta grande correspondência, seja em canal falado, seja em canal escrito. Em termos de ensino-aprendizagem de lîngua portuguesa, essa observaçâo da complexidade da relevância discursiva, da atuaçâo dos distintos nîveis ou planas informacionais, deve ser considerada '\ na tarefa de reescritura de textos. A constataçâo da funcionalidade e da importância do que é periférico e do que é central, além da discussâo sobre como, pela acréscimo de informes subsidiârios, consegue-se fundamentar, detaihar ou pormenorizar um acontecimento, um procedimento, uma descriçao ou mesmo uma /.-..,
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opiniao, pode constituir interessantes e eficazes estratégias para a ja referida tarefa de ancilise ereflexiio sobre a Zingua. Essa maior elaboraçao em termos de trabalho corn informaçôes de fundo pode ser observada nas produçôes textuais de alunos de nîvel mais avançado de ensino. Na descriçâo escrita de Andréa, sao utilizados eficientes recursos de articulaçâo de pIano de fundo. Para tratar do quarto em que ficou numa viagem corn seu namorado, a estudante do ensino Inédio faz uma longa introduçâo desse tema. Para tanto concorre todo a primeiro paragrafo de seu texto, que funciona coma um grande enquadramento do cenario a ser descrito: 3)
Certa vez fui corn meu namorado para Bûzios. Ficamos numa casa maravilhosa, corn uma arquitetura moderna e a9 mesmo tempo rûstica, ar que mais me chamou atençao foi 0 quarto. Ele era bastan espaçoso e aconchegante. Havia uma cama grande corn lenç6is branc s. Perto do armârio havia uma cadeira de balanço de palha sob um ta te de cordas. Havia uma varanda que dava de vista para 0 mar. a nta era constante, as cartinas pareciam dançar...
Coma fechamento de' ua produçao escrita, Andréa volta a recorrer ao plana de fundo. 0 ve1to e cortinas dançantes dao 0 toque final ao espaça descrito. rrata-se de comentanos avaliativos, distintos da tîpica estruturaçâo descritiva, que, coma conteudos periféricos, moldam, destacam e valorizam 0 local escolhido camo tema. Mas é no conjunto dos alunos universitarios, via de regra, que sao encontrados os textos mais ricos em detalhes, em informaçôes de plana de fundo. Dos textos escritos aqui selecionados, 0 de Valéria é 0 mais completo e complexo nesse aspecto: 4)
A respeito da situaçâo politica do Paîs, acho que as pessaas estiio se conscientizando de que cada um, é, de algum modal respansdvel pela //vida da Paîs. Os meios de comunicaçao perceberam a arma que tem nas maos e corn a dita democracia ficou mais fâcil deles desempenharem a funçâo de informantes, que informam 0 que as pessoas estâo interessadas em ser informadas e naD aquela /Iincheçao de linguiça/l que nao nego ainda existi, mas que a cada dia que passa vern sendo mais criticada acho que as pessoas estao mais acordadas, principalmente os jovens, que foram às ruas e tiveram a sensaçao de tirar um Presidente do governo. 1/
l
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Hoje, a sujeira estâ mais as claras, tados ficam sabenda. Antes quando tudo era mais censurado, as coisas aconteciam mas ninguém fkava sabendo. Tenha esperança de que um dia as coisas entrem nos eixas, que esta tao falada moralizaçâo, definitivamente impere e tenho certeza de que se todos fizessem sua parte seria bem mais fadl, faço a minha, mas sei que posso fazer mais. Acho que é por al.
Corn 0 propôsito de emitir sua opiniâo sobre a politica nacional, a aluna, a partir de três declaraçoes basilares, em pIano de figura, destacadas no texto, articula uma série de outras, subsidiarias a essas, em que fundamenta e consubstancia seu parecer. No primeiro paragrafo, apas a tese inicial, é comentada a importância e 0 poder dos meios de comunicaçâo e da força dos jovens para a conduçâo do destino politico do pais. No segundo paragrafo, Valéria trabalha corn a questâo temporal- 0 Brasil antes e depois da ditadura militar. Ja na terceira e ûltima seqüência, a aluna fala da esperança, do futuro e da responsabilidade de cada brasileiro nessa construçâo. Além das questoes concernentes à distinçâo dos pIanos discursivos, outro fenômeno que concorre para a compactaçâo escrita é a maior vinculaçâo semântico-sintatica dos constituintes oracionais ai verificada. Esse maior nivel de integraçâo contrasta corn a aparente fré1;glTI~~ltaçâodas unidades da fala, em geral de menor extensâo e em maior numero, conforme observa Chafe (1986). 4,- \ aparente fragmentaçâo dos arranjos oracionais assim organizados ..:;) t é superada pelos fatares contextuais espedficos da oralidade, que r C contribuem para canferir organicidade e unidade a esse tipo de _" \\ produçâo.
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Se a oralida~~ é pontuada par ~arca~o.r.es,muitos dos quais cumpridOres de trajetôria rumo à discursivizaçâo, conforme se exp6e na seçâo "Gramaticalizaçâo e discursivizaçâo", do capitula "Pressupostos te6ricos fundamentais", a escrita articula-se por canectores mais-----eX}2licitos e_categôricos, a funcio~~'èomo-efementos -.-... .. __ ... de maiar vinculaçâo oradonal. Mesmo na produçâo de usuârios mais jovens, camo Elisângela,aluna do primeiro segmenta do ensino fundamental, observa-se esse ·contrastesintatico. Em sua narrativa oral, a partîcula aî concorre para a seqüenciaçâo oracional: -,~_.
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quando eu era pequena... eu ficava brincando corn aqueles disquinho que era... aî eu amarrei... fiquei rodando... rodando . rodando... ai fiquei tonta... ai tinha um... um negocinho assim . assim no redor das paredes... na minha casa... ai eu rodei rodei . caL. bati corn a testa... ai ficou/ sa! saiu muito sangue... aî illinha mâe botou guardanapo desesperada... que ela estava pintando... [minha mâe] estava pintando a casa ai ela botou:: ele botou/ tomou banho... rapidinho... botou a roupa botou um guardanapo aqui na minha testa porque estava muito sangue... ai ( ) ela teve que me levar pro Antônio Pedro... aî foi... correu tudo bem...
Par intermédio da articulaçao de uma série de estruturas de pequena extensao, justapostas ou coordenadas, muitas pontuadas por aî, a aluna narra um acidente ocorrido corn ela. Esse processo de reduçâ .ntagmatica tem na seqüência aîfoi... um de seus pontos mâxirnos; em co textos como esse, 0 preenchimento conteudistico é feito por meio de tores pragmâtica-comunicativos. Note-se que a sintagma quando eu apequena, que inaugura a relato, parece ser, na verdade, um circun tanciador macrotextual, a delimitar toda 0 acidente, tema da narra ·va. l'
Jâ 0 texto escrito d<fElisângela organiza-se em tarno de outra conector: 6)
Eu, quando era requena, peguei um disquinho e amarrei numa corda. Rodei e fiquei tonta. Tinha um batentinho ao redor das paredes e 0 disquinho voou e eu bati corn a testa no batentinho e saiu muito sangue. Minha mae me levou para 0 hospital.
Em vez de aî, a aluna utiliza e coma elo bâsico de sua produçaa escrita. Embora ainda utilizanda poucas apç6es para 0 estabelecimento de relaç6es oracionais, ela jâ distingue em que canais articular ai e e. Suas unidades sintâticas sao agora mais extensas; nao hâ lugar para estruturas do tipa aî foi. A temporal quando em pequena surge intercalada, numa localizaçao mais marcada. Os textos de Elisângela poderiam constituir interessante lnaterial para a ensino-aprendizagern de conectores ern lingua portuguesa, seja pela comparaçâo entre as duas modalidades e seus distintos usas, seja pela discussâo de alternativas para a canexâo
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oracional da escrita. A polissemia de aî e sua relaçâo corn outros processos semelhantes pelos quais vêm passando outras particulas em português, coma jâ, câ ou onde, e as partfculas que poderiam substituir e na produçâo escrita, por exemplo, seriam pontos de pertinência e de interesse nessa questâo. Amilise gramatical Toda educaçâo verdadeiramente cornprometida corn. 0 exerdcio da cidadania precisa criar condiçôes para 0 desenvolvirnento da capacidade de uso eficaz da linguagern que satisfaça necessidades pessoais - que podern estar relacionadas às aç6es efetivas do cotidiano, à transmissâo e busca de inforrnaçâo, ao exerdcio da reflexâo (peN, 2000, p. 30).
Vma mudança de perspectiva dessa natureza para a concepçao da lîngua/linguagem deve, certamente, afetar uma nova ou outra concepçâo do ensino da lîngua portuguesa. Se a hipôtese funcionalista reside no fato de a estrutura gramatical depender do uso que se faz da lingua, determinada pela situaçao comunicativa, pensar a lingua e conseqüentemente a gramâtica implica compreendê-Ias motivadas pelas circunstâncias e pelos contextos especîficos de uso. Os avanços nos âmbitos teôrico e acadêmico devem estender-se às salas de aula. Como justificar tantas dificuldades dos alunos no terreno da aprendizagem da lingua materna? Por que nao entender tais dificuldades coma fruto da concepçao prescritiva da gramâtica tradicional que nao contempla a maleabilidade da lingua? Por que nao olhar a gramâtica tradicional como uma grande obra de referência e apoio? Afinal é sempre dela que partimos coma primeiro paracligma para as reflexôes a respeito da lingua. Resta, pois, ao teôrico investigar, pesquisa:ç. oferecer a1ternativas, apresentar propostas; ao professor cabe a tarefa de testar tais propostas, repensar as investigaçôes, buscar soluçôes a partir de uma atitude dial6gica, sempre. Portanto, ousar é uma palavra-chave. A mudança de perspectiva prevê novas possibilidades de trabalho corn a lingua sem medo.
LingüÎstica funcional aplicada ao ensino de português
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Pesquisa realizada por Neves (1991, p. 45-48) aponta algumas c,~~~~?s6_~s com base na discussao sobre 0 ensirto da gramâtica na escola, a saber: ~
~ ~""'-'~-'~"-~"""""---"'-'~~"~"'-
• os professores em geral acreditam que a funçao do ensino de gramatica é levar a escrever melhor; • os professores foram despertados por uma critica dos valores da gramatica tradicional; • os professores têm procurado dar aulas de gramâtica nao- . normativa; • os professores verificam que essa gramâtica "nao estâ servindo: para nada"; • apesar disso, os professores mantêm as aulas sistemâticas de gramâtica co um ritual imprescindîvel à legitimaçao de seu papel. Vma vez que a esc a, ou melhor, os professores, apesar de reconhecerem que a gra âtica normativa nrio serve para nada ou é inadequada para dar cont'jl de outra variedade da lîngua que nao seja a variedade cuita em sha modalidade escrita, ainda é a ela que / os mesmos recorrem, seja para legitimarem sua funçao, conforme as palavras da autora, seja para se sentirem mais seguros no desempenho de seu exerdcio, seja inclusive pela falta de material didâtico apropriado e disponîvel, institucionalmente legitimado. 1
Apesar dos esforços de varios estudiosos em prol da reflexao, da analîse e das propostas de remodelaçao do ensino da Hngua, apesar dos avanços apresentados nos PCN, 0 que falta para, de fato, fazermos acontecer as mudanças necessarïas e esperadas? Vma vez que os PCN orientam no sentido da necessidade de tornar 0 estudo da lîngua portuguesa mais dinâmico e adaptado às diferentes situaç6es de comunicaçâo, as funç6es pragmâticodiscursivas assumem papel relevante no tocante ao ensino da lingua. Pretende-se, segundo 0 referido documento, que 0 aluno "nao s6 evolua como usuârio, mas que possa assumir, progressivamente, o monitoramento da pr6pria atividade lingiiistica".
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Lingüfstica funcional: teoria e pratica
Ern relaçao à interface jala x escrita, é importante destacar as peculiaridades referentes a cada uma dessas modalidades. Em termos de aplicaçao, 0 professor deve considerar a noçao de adequaçéio ao gênera e ao registro, reconhecendo os diferentes usos da lingua, as interferências pragmaticas correlacionando à questao da norma cuita, uma vez que 0 que esta em jogo nao é a correçao das formas lingüîsticas, mas sua adequaçao às condiç6es do contexto comunicativo. Conforme foi demonstrado na seçao anterior, sao evidentes as diferenças que caracterizarn uma e outra modalidade. Repetiç6es, hesitaç6es, reparos, truncamentos, conectores do tipo aî, marcadores discursivos como assim sao eliminados no registro escrito, que requer um outro tipo de arranjo sintatico-discursivo. Que tipos de arranjos e associaç6es sao previstos tendo em vista 0 gênero discursivo e a modalidade escolhida? Que fatores externos e internos estao envolvidos nesses processos de elaboraçao? Como, de fato, podernos substituir as noç6es de correto/incorreto, restritas aos paradigmas da gramatica tradicional, pelas de adequaçao/inadequaçao, consideradas pelas teorias da variaçâo lingüistica? Vamos procurar, por meio de exemplos do corpus, desenvolver algumas propostas ou estratégias de trabalho corn a lîngua que contemplern um estudo critico de texto e gramatica, numa perspectiva funcional, integrada e "produtiva" da lingua. Se a nossa orientaçao reside na reorientaçao real dos paradigrnas da gramatica tradicional, precisamos, até mesmo por uma questao de coerência te6rica e de procedimentos, ater-nos à questâo dos gêneras ou estruturas discursivas. Como dar conta das variantes de registro e rnodalidade sem compreenderrnas os tipos de eventos comunicativos que estao envolvidos? Para issa, é precisa aliar à competência lingüîstica a campetência camunicativa, associada e/ou estimulada pelo canhecimento cultural. Segundo Paredes Silva (1996a, p. 2), niveis de estruturas discursivas saa madas de organizaçâo que representam as passibilidades da lingua, as ratinas ret6ricas ou formas convencianais que 0 falante tem à sua disposiçâ.o 1/
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na lîngua". Para cada uma dessas estruturas, havera um conjunto de traços lingüisticos tipicos, espedficos. Considerando que a primeira praposta de atividade concentrase na descriçiio de local realizada por uma informante da ensino médio de Juiz de Fora, Minas Gerais, vale registrar as caracteristicas apresentadas por Paredes Silva para as chamadas estruturas descritivas: verbo numa forma naa-perfectiva; predicada estativo em torna de entidades (terceira pessoa), sintaticamente centradas em estmturas nominais. A estruturaçao em torna de uma organizaçao espacial e naotemporal, cujo tempo é 0 da simultaneidade, e a recorrência a aspectas figurativos sao as caracteristicas bâsicas da descriçao, cuja funcionalida eside na fixaçao de caracteres, na qualificaçao de personagens, de 10 e tempo. Os fatores reunidos, ao mesmo tempa que estruturam a des içao, sao responsâveis por apresentar uma determinada visao de und a, 0 ponto de vista filtrada pelo texto. Tamanda por base tais conceitos, vamos observar camo a descriçaa é realizada em ,!uas diferentes modalidades - fala e escrita -, verificanda inclusive Je tais conceitos aplicam-se igualmente em ambos os procedimentos. De acorda corn a prindpia de icanicidade, verificamos, na descriçao de Andréa, a ocorrência sistematica do sufixo -inho em sua funçâo afetiva, dadas as caracteristicas do local descrito e do modo como a informante 0 descreve, refletindo uma interaçao pasitiva corn 0 meio. Segundo Camara Jr. (1976, p. 72-73), 0 sistema flexional é obrigatôrio, sistematico e regular, imposta pela natureza da prôpria frase, isto é, assaciado aos aspectas gramaticais, ao passo que 0 pracesso derivacional estabelece um tipa de relaçiio aberta, mais sujeito, entâa, conforme a perspectiva funcionalista, às influências e às caracterîsticas do discurso. Nesse sentido, 0 grau nao pode ser considerado um processo flexional em partuguês, "porque naa é um mecanismo obrigatôrio e coerente e nao estabelece paradigmas exaustivos e de termos exclusivos entre sr'. Para Mattoso, a sua
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inclusao na flexao nominal decorreu da transposiçao pouco inteligente de um aspecto da gramâtica latina para anossa gramâtic~ sobretudo no que diz respeito aos graus comparativo e superlativo. A gramâtica tradicional inclui a grau no âmbito da flexao, conforme podemos observar: • A rigor, a flexao de grau é pertinente ao adjetivo. Admitimos, porém, a existência de três graus para a substantiva - a normal, a aumentativo e 0 diminutivo - em consonância corn a Nomenclatura Gramatical Brasileira e a Nomenclatura Gramatical Portuguesa (...) (CUNHAe CINTRA, 1985, p.193). • Coma os substantivas, os adjetivos podem flexionar-se em numero, gênera e grau (id., ib., p. 243). • Flexôes do adjetivo: coma 0 substantiva, a adjetivo pode variar emnumero, gênera e grau (BECHARA, 1987, p. 89). No entanto, na Gramatica da lîngua portuguesa (1975, p. 107), Celso Cunha aprésenta no capîtulo sobre derivaçâo os sufixos nominais (aumentativos e diminutivos), tratando-os, portanto, como processos derivacionais. Exceto essa questâo, yale ressaltar 0 aspecto nao-obrigatôrio, tipico da derivaçao: "É a rigor uma questao de estilo ou de preferência pessoal" (CAMARAJR., 1976, p. 72). Portanto, trataremos, é lôgico, 0 grau coma parte do sistema de derivaçao do português, sujeito às leis do discurso, aos gêneros discursivos, às modalidades e aos diferentes contextos comunicativos. Acrescentamos também que a prôpria gramâtica tradicional entende os sufixos diminutivos em seu aspecta afetivo e estilistico, nem sempre se referindo, no caso, à diminuiçâo de tamanho, esta expressa, em geral, pelas formas analiticas correspondentes. A descriçao de local realizada por Andréa (cf. "Textos em anâlise", neste capîtulo), a começar pela qualificaçao inicial atribuîda à casa coma um espaço agradâvel, ideal, maravilhoso - teve uma casa... que era assim... maravilhosa -, corresponde a um tipo de descriçao cuja visao de mundo esta comprometida corn valores afetivos positivos, tais como alegria, satisfaçâo, entusiasmo e aconchego.
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o traço genérico que caracteriza a casa como maravilhosa é desdobrado sucessivamente por meio de especificaç6es e descriç6es minuciosas sobre as partes da casa. Tais desdobramentos fixam e sustentam os caracteres positivos (subjetivos, afetivos) apresentados de modo que 0 texto aparece figurativamente estruturado corn uma codificaçao morfossintatica correspondente à realidade descrita, conforme podemos verificar: 7)
teve uma casa... que era assim... maravilhosa 7.1. ficava num condomînio no alto 7.2. clava pra você ver assim... a praia de Jeribâ 7.3. a casa era assim... 7.3.1. co madeirinha... 7.3.2. toda env iza::da tinha um de e... que clava pra ver a maior visual 7.3.3.1. você ficava endo aquele pôr-do-sol... estrelinhas ((Tiso)) e mais algum coisa... né? 7.4. tinham dois andares 7.5. era superaconcheganre com aquelas poltroninhas fofinhas... 7.3.3.
j
A atmosfera envolvente, romântica, de sonho (assim de filme) propicia e desencadeia 0 usa de recursos morfossintaticos que refietem a estrutura da experiência, conseqüentemente a estrutura de mundo. Podemos observar como a preferência pelo sufixo -inho na caracterizaçâo da casa, da natureza ou do pr6prio ambiente contribui para reforçar 0 tom de afetividade presente no texto de Andréa. Termos como estrelinhas e poltroninhas fofinhas intensificam 0 clima romântico e aconchegante do espaço descrito. o clima de envolvimento intensifica-se ainda mais quando a informante é solicitada pela entrevistadora a descrever 0 local preferido da casa, no caso, 0 quarto: "0 quarto era enorme... sabe aquelas coisasassim de filme...". A figuratividade soma-se à ou é resultante da afetividade imprimida na descriçao e da relevo à atmosfera onirica criada por meio do emprego de substantivos pertinentes ao contexto, pragmatica e discursivamente motivados:
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8)
as cortininhas se abrem assirn... .. .a1 0 ventinho vern e as cortininhas ficam assim esvoaçantes ...tinha a sacadinha né? ...tinha uma cadeira uma cadeirinha de balança... ... com
Até mesmo 0 incâmodo de uma goteira e da temperatura do ambiente (estava frio) nao recebem tratamento distante ou negativo; ao contrârio, expressam-se de modo a se inserir no clima vivido pela informante: 9)
e nesses dias estava meio friozinho ... entâo era terrîvel... né? mas... (...) e a goteirinha conseguia chegar no meu pé
Portanto, de acordo corn a principio de iconicidade, a sufixo -inJui2 é iconicamente motivado: a) pela natureza discursiva (gênera: descriçao de local); b) pela qualidade (propriedade, peculiaridade) do local descrito; c) pelo tipo de interaçao que a informante estabelece corn 0 ambiente (natureza que envolve sentimentos positivos). Sao esses fatores responsâveis pela correspondência entre a motivaçao icânica e as funçoes pragmâticas que desencadeiam mudanças morfossintâticas produtivas na Hngua. Notamos também que a descriçâo de Andréa assemelha-se à estrutura descritiva apresentada por Paredes Silva: predominância de predieados estativos centrados em entidades (observa-se a quantidade de predicados do tipo nominal para a descriçâo do ambiente e dos elementos que 0 comp6em) e verbos nao-perfectivos (preferência por ter, tîpico da oralidade, no imperfeito do indicativo). No tocante, porém, ao procedimento escrito, observamos que hâ uma mudança significativa. Adescriçâo é mais econômica quanta à extensâo do texto e ao conteûdo informaciona1. Além disso, outros arranjos sintaticossâo utilizados. 0 carâter sugestivo, mais do que informativo, atribuido às opinioes oferecidas pela informante, se ganha relevo na modalidade oral, é, na escrita, substituido par outro ;0
A respeito da funcionalidade desse sufixo no português do Brasil, ver seçâo "1conicidade e marcaçâo", do capitulo "Pressupostos teâricos fundamentais".
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tipo de desempenho lingüîstico, isto é, a competência discursiva ou pragmatica ajusta-se às peculiaridades das situaç6es comunicativas. Coma a interaçâo face a face cede lugar, na escrita, a outra tipo de interaçâo, exigern-se outras condiç6es de adaptaçâo a essa modalidade. Cabe ao professor procurar, corn os alunos,leva-los a perceber e a refletir sobre as mudanças ocorridas de um registro para 0 outro, a começar, par exemplo, pela eliminaçâo das formas dêiticas e indefinidas encontradas na fala; pela presença de conectores lôgicos e sintaticos no lugar de marcadores conversacionais e das hesitaç6es caracterîsticas da fala (a respeito de, de algum modo, mas, antes...quando); pelo enriquecimento do vocabulario, justamente para dar conta dos vazios mais facilment preenchidos na oralidade que precisam ser ocupados corn ais informaç6es que visem aO maior esc1arecimento do leit ; pela preocupaçâo corn 0 registro formaI que atende às exig"ncias da norma cuita; pelaformataçâo do texto, dividido em par/grafos em atençâo às partes do texto como introduçâo, desenvol imento e conc1usâo; pela preocupaçâo, enfim, corn a maior le 'bilidade, consistência, relevância e aceitabilidade do texto, tendo e vista 0 contexto comunicativo.
o
texto escrito requer melhor elaboraçâo quanto ao planejamento por parte do produtor, ao passo que 0 texto falado, salvo espedficas situaç6es de comunicaçâo (palestras, telejornais, entrevistas, entre outras), seria, nessa perspectiva, mais espontâneo. Par outra lado, a maior densidade lexical encontrada na passagem de uma a outra modalidade no relato de Andréa também é fruto de uma necessidade pragmatica e do contexto em questâo. Na descriçâo escrita, em geral, e na da informante, em particular, enfraquece-se 0 grau de subjetividade e afetividade encontrado no registro falado (por meio da utilizaçâo de mecanismos morfossintaticos como a economia de atributos e qualificaç6es referentes à casa e a eliminaçâo da presença do sufixo derivacional -inho, responsavel pela intensificaçâo da afetividade e pela interaçâo
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corn 0 interlocutor). Também se observa coma a informante substitui o verbo ter, freqüente no registro oral, pelo seu correspondente haver, na escrita, 0 que confere maior grau de formalidade, atendendo e ajustando-se às press6es normativas. rrata-se, pois, de procedimentos utilizados pela inforrnante que representam os modos de organizaçiio da informaçiia eas ratinas ret6ricas disponfveis na lfngua peculiares a cada estrutura discursiva e propâsito comunicativo. Compete ao professor, em suas aulas de português, dar relevo a tais estratégias ou procedirnentos e ativar a competência pragmâtico-discursiva em consonância corn a cornpetênda gramatical para que 0 aluno trabalhe corn a correspondência entre ambas. Como a modalidade escrita submete-se mais às normas gramaticais, em funçâo do propâsito comunicativo, a descriçâo de Andréa corresponde, fundonal e gramaticalmente, a essas exigências. Podemos afirmar corn isso que a atitude prescritiva é motivada por raz6es narmativo-pragmaticas em atençâo ao tipo de evento e propâsito comunicativo cuja funçâo reguladora favorece a padronizaçao de procedirnentos relacionados à utilizaçâo de um registro que atenda às convenç6es estabelecidas pela norrna cuita da lfngua. Portanto" corn base na regulaçao e na padronizaçao, 0 professor pode demonstrar coma cada contexto" cada gênero e cada modalidade: a) requerem diferentes procedimentos e articulaç6es sintaticas, semânticas, morfol6gicas; b) adaptam-se às situaç6es; c) modificam-se em funçâo das press6es de uso e press6es gramaticais. No entanto, yale a pena charnar a atençâo para os seguintes aspectos: • Par que 0 aluno parece ser estimulado a conter-seN em seu texto escrito? • Por que somente a liberdade/autonornia em relaçao à linguagem e aos procedimentos gramaticais é concedida para os textos orais de cunho informaI e para os literarios? • Até que ponto, por exemplo, 0 sufixo -inho, as repetiç6es e a maior quantidade de atributos iriam comprometer a descriçao escrita de Andréa? fi
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• A par das rotinas ret6ricas pertinentes a cada situaçâo comunicativa, nao valeria uma tentativa - por meio de exerdcios de produçâo de textos - de desenvolver corn os alunos outras rotinas lingüisticas; testar novos procedimentos? Trabalhar a descriçâo oral de Andréa, chamando a atençâo para os recursos utilizados, e confronta-los corn sua interface escrita é um caminho para a reflexao sobre a lingua. Sugerir outros procedimentos, propor outras elaboraç6es dos textos estimula no aluno sua capacidade criativa, por exemplo. Conscientiza-lo das regularidades e ao mesmo tempo capacita-lo para a exploraçâo de novas possibilidades por meio da reflexao, da comparaçao de diferentes situaç6es comunicativas e da atribuiçao de novos sentidos, ampliaçôes e alteraç6es de textos contribui para a apropriaçâo progressiva dos diferentes registros, meta que esta no bojo da anâlise e da reflexao propostas nos PCN. Nesse sentido, podemos verificar como, na descriçâo escrita, a informante, ao optar pela parataxe, eliminando basicamente todos os conectores corn exceçâo do e, conferiu ao texto uma progressâo seqüencial em termos de espaço. Nesse caso, ela se aproximamais da definiçâo prototîpica da descriçâo, ao passo que se afasta da mesma em sua descriçâo oral. Portanto, sugerimos que 0 professor adote, junto aos alunos, . \~ ~~m tipo de definiçâo que se ajuste às caracteristicas do registro em questâo, demonstrando haver maior maleabilidade nos textos orais, interpretando-os e avaliando-os corn base na eficacia, na adequaçâo e na pertinência dos usos lingüîsticos. Em relaçâo aos usos da lingua, coma explicar a presença de / enunciados intercalados na descriçâo oral de Andréa? 0 que dizer a respeito do item assim, tâo recorrente nessa descriçâo? Assim é classificado como advérbio de modo na gramatica tradicional, mas a abordagem funcionalista admite outras funç6es que nao se restringem a essa classificaçâo, nem par ela estao previstas, e que sâo tipicas da modalidade oral. Segundo Martelotta e outros (1996, p. 262), a trajet6ria de assim compreende tanto 0 processo de
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gramaticalizaçâo quanto 0 de discursivizaçào, assumindo, respectivamente, novas funç6es gramaticais coma anaf6rico e cataf6rico, além de exercer uma funçâo de marcador discursivo na qualidade de preenchedor de causa. Caracteriza-se a oralidade, diferentemente da escrita, pelo uso de formas mais dêiticas que gramaticais, com referências ao espaço ou alusâo a gestos, coma revelam os exemplos a seguir: JO)
teve uma casa... que eu fiquei em Bûzios... que era assim ... ficava num condomînio assim no alto... corn as cortininhas se abrem assim...
Além da funçâo dêitica, a elemento assim acumula, nos exemplos destacadas acima, uma funçào adverbial modal, conforme a classificaçâo gramatical atesta. Par outra lado, também atua: a) camo cataf6rico ("dava pra você ver assim... a praia de Jeribâ"), assumindo um valor de"anunciadar de complemento": assim = praia de Jeribâ; b) coma predicativo: "teve uma casa... que era assim maravilhasa"; "a casa era assim... toda de vidro, corn madeirinha , envernizada"; c) corn valar comparativo: "sabe aquelas caisas assim de filme"; "corn as cortininhas se abrem assim"; "e as cortininhas ficam assim esvoaçantes"; "ai tinha um tapete assim de... parece aqueles tapetes assim de corda" (acumulaçâo de usos anaf6rico e cataf6rico simultaneamente, bem como a alusâo a gesto). Observando esses empregos de assim e estudando as propostas das PCN, podemas analisar corn 0 aluno a variedade de empregos possfveis desse termo, nas funç6es em que ele se manifesta na descriçao, seja coma dêitico e marcador discursivo (na manutençao da seqüência lôgica do raciodnio), seja no preenchimento de funç6es mais gramaticais, que nao correspondem, no entanta, àquela testemunhada na gramâtica. Ao invés de desconsiderar esses usos ou de classifica-los como corrupçiio da linguagem, a perspectiva funcionalista nao invalida a gramâtica; ao contrârio, liberta-a de definiç6es rigidamente categ6ricas, que muitas vezes cerceiam as diferentes e dinâmicas manifestaçôes lingüisticas, e prop6e uma anâlise mais contînua das categorias gramaticais.
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Sugerimos, a titulo de reflexâo e proposta de aplicaçâo, que a professor observe os diferentes usos de assim na descriçâo oral; que busque outras textos (diferentes registros e modalidades) em que o termo apareça corn distintas ou idênticas ocorrências e ainda que estimule a elaboraçâo de textos pelas alunas: a) que preencham as funç6es de assim em outra modalidade, por exemplo; b) que substituam 0 termo por outros, se possIvel, de sentido semelhante (no discurso oral); c) que reproduzam situaç6es em que assim possa ser empregado na modalidade escrita, observando, em todos esses casas, a adequaçâo às circunstâncias em que é empregado. Enfim, a etapa referente à produçâo pela aluno pode ser enriquecida e ampliada se 0 professor contemplar as vârias possibilidades aqui sugeridas, que ultrapassam os limites tâo categ6ricos postulados pela gramâtica tradicional. Quanto ao relato de opiniâo de Valéria, aluna do ûltimo penodo universitârio, do Rio de Janeiro (cf. "Textos em anâlise" l neste capitulo), sao uhlizadas estruturas do tipo expositivoargumentativas. De acordo corn Paredes Silva (1996a), tais estruturas repousam em unidades semânticas referentes à proposiçâo, sintaticamente subordinadas l apresentando preferencialmente verbos nao-perfectivos e construç6es hipotéticas e dial6gicas. ~~, Estruturas expressivas, ao contrârio, apresentam verbos "~dominantementeno presente e na primeira pessoa, corn predicados de opiniâo, avaliativos ou subjetivos. Segundo a autora (1996b)1 estruturas expressivas ou avaliativas representam a reconstruçâo de uma experiência, par isso requerem recursos de expressividade e avaliaçôes. /
o relato de opiniâo de Valéria, em sua modalidade oral, conjuga aspectos pertinentes à estrutura expositiva e também à expressiva. Quanto ao primeiro tipo de estrutura, pode-se verificar a predominância de verbos nâo-perfectivos: "eu estou achando"; "a gente estâ vendo a que estâ acontecendo"; "0 que era (...) a gente nao sahia (...),jicava tudo escondido"; "achava que tinha informaçâo"; "('u estou achando"; "a gente estâ sabendo"; eu acho que estâo Il
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andando"; "nao roubava (...) lôgico que roubava"; "a gente estâ vendo"; Ilnao acontecia"; Ilnâo podia se falar /'; Ilnao podia tér"; "ficava todo mundo"; "eu acho que estâ melhorando". Embora os verbos exprimanl a nâo-perfectividade, os predicados que os acompanham vêm introduzidos por sujeito em primeira pessoa ou pela expressâo agente, numa clara manifestaçao expressiva e avaliativa que corresponde ao tipo de gênera proposto (relato de opiniâo). A expressividade corn caracterîstica de expressao de julgamento é confirmada, nesse relato, em casos de clâusulas serem introduzidas pelo verbo achar, considerado um verbo duplo do tipo proposicional e emotivo. Verbos proposicianais "sao aqueles que exprimem, de uma maneira geral, julgamento de ordem intelectual sobre algum fato"; verbos emotivos, por sua vez, "exprimem um julgamento de ordem pessoal ou cujos sujeitos exercem (ou tentam exercer) uma manipulaçao sobre 0 sujeito da clâusula subordinada, coma quere~ deixar e desejar" (CEZARIO et al., 1996, p. 79-82).
o relato d~()E~!:li.~c:'.apresenta, assim, uma caracterîstica dupla, porque propicia a manifestaçao simultânea de um julgamento de ordem intelectual e pessoa!. Esse carâter dual de natureza sugestiva mais do que informativa, conferida pela emprego do verbo achar, é fortalecido, na modalidade oral nesse exemplo do corpus, pelas hesitaç6es e pelas indetenninaç6es semânticas e ideol6gicas do ponto de vista do sujeito que enuncia (oraeu, oraagente). Do ponta de vista gramatical, a escolha de substantivos, advérbios e pronomes de natureza indefinida e demonstrativa pressup6e um conhecimento partilhado, um interlocutor capaz de preencher as informaç6es subjacentes às escolhas indeterminadas: "eu estou achando que agora"; Ilnâo é 0 que eraantigamente"; lia gente nao... sabia de nada"; llficava tudo escondido";"a verdade é issa"; "na divulgaçao das coisas "fuIana roub " es t a/ tud" "" eu ach 0 que 0 ou; 0 as c1aras; (... ) que... po... pessoal também estâ... com medo disso"; "mas hoje em dia"; Ile antigamente nao acontecia isso"; "tudo... tudo proibido; "ficava todo munda mais alienado"; Ilum dia a gente chega lâ". Il
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Todos os termos e express6es destacados 3 distinguem-se pela escassez lexical e carência infonnacional que requerem do interlocutor a recuperaçâo dessas informaç6es, que faça inferências, utilizando seu conhecimento de mundo: a informaçâo central do texto gira em torno da abertura polîtica do pais e do papel da imprensa para a ratificaçao dessa abertura e divulgaçao dos fatos (coisas). A julgar pelo tipo de construçao elaborada pela informante, o professor desavisado tenderia a c1assificar esse texto como desprovido de coesao e coerência textuais, além de comprometido pelas intimeras incorreç6es gramaticais. No entanto, deve-se levar em conta que a 16gica da oralidade tem seus pr6prios mecanismos responsâveis pela garantia da coerência e da coesao textuais. Coma nao se trata de um espaço de interlocuçao entre a entrevistador e a informante, pois nâo é uma situaçâo de conversaçâo, fica a cargo daquele e de possiveis leitores uma interpretaçâo mais sujeita a fatores de ordem pessoal, dada a indefiniçâo do contexto exterior ao texto. 0 grau de informalidade, natural nos discursos orais em relaçâo aos escritos, prevê, entâo, certos arranjos sintâtico-semânticos que exigem do outro uma participaçâo mais intima corn 0 texto, parecendo, à primeira vista, que 0 texto seja prejudicado em termos de legibilidade e ~ credibilidade das informaç6es. Cabe ao professor, nesse momento, '~alhar corn critérios definidos previamente para nao incorrer em equîvocos desastrosos para a interpretaçao de textos e a compreensâo dos sistemas lingüisticos em jogo, ressaltando sempre a importância da situaçao comunicativa estabelecida.
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Esse é a momento propicio, considerando-se ainda a relato por base, para 0 professor promover e estabelecer a reflexâo de todos os aspectos envolvidos nas diversas situaç6es lingüisticas que se apresentam. É 0 momento de levar 0 aluno a perceber como ele pode substituir uma linguagem de carâter pessoal (em que predomine a opiniao) por outras em que haja reflexâo sobre a 3
A respeito da informatividade, ver a seçâo referente ao assunto no capitulo "Pressupostos teéricos fundamentais".
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assunto corn defesa de idéias e pontos de vista, de acordo corn os prop6sitos comunicativos definidos. Que tal sugerir aos alunos, sempre que possîvel, que:
" 1
r.
• substituam os elementos genéricos por outros mais precisos, devidamente contextualizados: situar 0 tempo e 0 espaço (agora, hoje em dia, antigamente, quando); situar os sujeitos e suas falas (eu,
agente, fulano, quem, todo mundo); • esclareçam os subentendidos (tudo às claras, tudo proibido); • explicitem os complementos verbais e nominais que se inferem (fulano roubou; nao é que antigamente nao roubava... lôgico que
roubava; hoje em dia eu acho que estâ melhorando... um dia a gente chega la... eu tenho esperança: quem roubou? 0 que nao se roubava antigamente? coma 0 verbo roubar pode ser entendido em sua transitividade nesses casos? 0 que estâ melhorando hoje em dia? esperança de quê?); • expliquem as raz6es dos fatos expostos: agente esta vendo 0 que esta acontecendo cam 0 paîs; lôgico que roubava: por que se roubava?; antigamente nao acontecia isso: 0 que (nao) acontecia e por que nao acontece mais? Como podemos verificar, abre-se um leque de possibilidades para a interpretaçâo do texto. Ao mesmo tempo que 0 professor direciona 0 trabalho para os aspectos gramaticais, ele desenvolve no aluno a capacidade de inferência, compreensao e interpretaçao. Aquestao da legibilidade do texto pode tomar-se nma tarefa criativa, produtiva, critica e também prazerosa,levando 0 aluno a perceber que nao hâ uma separaçao entre texto e gramâtica; ao contrârio, nao hâ nm sem 0 outro, e vice-versa. Esse aspecta dinâmico e funcianal da lîngua, acreditamos, é 0 que pode ser extraîdo para 0 seu estudo em sala de aula. A partir das quest6es apresentadas, 0 professor pode aproveitar a oportunidade para chamar a atençao do aluno para a funcionalidade e a produtividade dos usos indefinidos e dêiticos de pronomes e advérbios no texto oral. Por exemplo, se os termos ou express6es representados pelas classes de palavras mencionadas sao anaf6ricos ou cataf6ricos (solicitando ao aluno fazer as relaç6es no texto);
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se fazem referências endof6ricas ou exof6ricas (explicando a pertinência dessas referências pela analogia com 0 texto oral); se a motivaçâo desses empregos esta adequada à obtençâo dos efeitos desejados (ou seja, a comunicaçao faz-se eficiente/eficaz? haveria outra forma mais adequada, que pudesse substitul-Ia, em se tratando de texto oral?); se os referidos termos e express6es enquadram-se numa classificaçao formaI prototipica ou ultrapassam a classificaçâo proposta pela tradiçao, ocupando outras funç6es e assim assumindo diferentes possibiIidades morfol6gicas na oralidade; se atendem ao requisito consistência, isto é, quando todos os enunciados do texto podem ser considerados verdadeiros, nâo-contradit6rios, em um mesmo mundo ou nos mundos representados no texto. rodos os fatores tao fartamente estudados e desenvolvidos pela lingüfstica textual encontram terreno fértil na abordagem funcionalista da lingua, uma vez que ambas as perspectivas contemplam os diversos aspectas da funcionamenta lingüîstico em cada situaçâo de comunicaçao.
xx .....,
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Esta, pois, apresentada uma proposta pratica de trabalho corn a lfngua de modo produtivo desprovida de certos precanceitos, procurando levar adiante os requisitos expostos nos PCN, entre os quais aquele de que é preciso livrar-se do mita que ainda predomina entre os professores, "0 de que existe uma unica forma 'certa' de falar - a que se parece corn a escrita - e 0 de que a escrita é 0 espelho '~clêiala - e, sendo assim, seria precisa 1 cansertar' a fala do aluna para evitar que ele escreva errada" (PCN, 2000, p. 31). Essa visâa precanceituosa da fala (descontfnua, pouca organizada, : () rudimentar, sem qualquer planejamenta), estabeledda corn base no ideal da escrita, certamente compramete 0 ensino da lîngua, pois elitnina a possibilidade de trabalhar corn os diferentes registros, além de empobrecer as aulas de português. Pretendemos, partanto, demonstrar como cada modalidade apresenta uma estruturaçâo pr6pria, motivada pelas circunstâncias pragmatico-discursivas e sociacognitivas, e coma a Iingüistica funcional pode ser um caminho viavel para a produçâo, interpretaçâo, anaIise e reflexâo de variados textos que 0 professor deve pôr à disposiçâo de seus alunos,
Rumos da lingüistica funcional
Maria Angélica Furtado da Cunha Mariangela Rios de Oliveira Mârio Eduardo Martelotta
Antes de fechar este livro sobre os prindpios basicos do funcionalismo norte-americano, fazemos aqui alguns comentârios .acerca das novas tendências que se verificam no âmbito dos estudos sobre 0 uso da linguagem e sua relaçâo corn 0 desenvolvimento de futuras pesquisas no contexto da lingüistica funcional. Este capîtulo, portanto, trata dos caminhos que a pesquisa em funcionalismo, tal como por nos é praticada, tende a trilhar, apontando ainda para duvidas e preocupaç6es futuras.
Aigumas constataçôes
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Vma consulta à produçâo recente dos programas de pôs"··~duaçâo em estudos da linguagem no Brasil permite identificar um-conjunto de tendências que apontam para a progressiva valorizaçâo dos estudos do uso da lingua em situaçâo de interaçâo, em tempo real, em espaços geogrâficos delimitados e com dados coletados segundo metodologias plurais. Nesses estudos contemplam-se manifestaç6es tanto da fala quanto da escrita, desta e de outras sincronias. A listagem preliminar destas tendências mostra: 1) a expansâo da pesquisa sobre 0 uso da lîngua no Brasil, traduzida pela aumento do numero de dissertaç6es e teses em varios programas de pos-graduaçâo e pela proliferaçâo de grupos voltados para essa ârea de investigaçâo; DP&A editora
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2) a énfase na investigaçâo de outras sincronias do portugués, resgatando os estudos histôricos, bem coma a atençâo para quest6es da escrita, revisitando os projetas de fiIoIogia e de normativizaçâo da lingua; 3) a postuIaçâo da pancronia coma uma perspectiva para a estudo das novas tendências de regularizaçâo e de renovaçao do uso, complementando 0 fenômeno da variabilidade, quer em termos de variaçao eStélveI, quer em termos de variaçâo que prefigura e anuncia mudança; 4) a busca de um aprofundamento dos aspectas interacionais e cognitivos envolvidos na configuraçâo dos fenômenos lingüîsticos; 5) a abordagem da esfera discursiva na anâlise do uso: a ênfase nas metodologias qualitativas; a observaçâo das condiç6es pragmâtico-comunicativas: ° foco na interaçâo, na situaçâo concreta de comunicaçâo; 6) a carMer abrangente da frente de estudos do uso da lîngua, em que a pesquisa caminha par vârios rumos (aquisiçâo, aprendizagem, ensino) assumindo distintos vieses. Esses sao alguns pontos que consideramos interessantes nao para a fechamento, e sim para a abertura de novas perspectivas de pesquisa dos tôpicos que resultaram neste livra.
Novas tendências Apostura inicial de trabalho consiste em resgatar parte do refrao segundo 0 quaI nao hâ teorias superadas, assim coma 0 prindpio de que também nao hâ teorias corretas, dado que 0 produzir humano é, par definiçâo, mais ou menas adequado, representa aproximaç6es. Nao ha coma garantir a quâo prôximo se esta da abordagem ideal, pois nao ha padrao de referéncia para compararmos graus de adequaçao. 0 critério de escolha passa a ser 0 nîvel de satisfaçao que cada proposta provoca na comunidade discursiva em que a mesma se produz. No quadro em que se verificam os desmontes das propostas paradigmaticas fechadas, parece nao fazer sentido porfiar par uma
Rumos da lingü[stica funcional
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formulaçâo exata, estrita e restritiva de uma s6 abordagem te6rica. Convivemos corn tendências de fusâo dos opostos e dos camplementares, em que as disciplinas unem-se ou reûnem-se em tendências inter-, multi- e transdisciplinares. As atividades interdisciplinares sup6em a interface corn a socialingüistica quantitativa correlacional, em que se destacam a pastulaçâo e a anâlise de categorias decomponiveis em variantes discretas, mensurâveis, normalmente avaliadas corn auxîlio de aplicativos probabilîsticos, destinados a prever tendências, verossimilhança e possibilidade de co-atuaçâo de fatores, bem coma de discriminaçâo do efeito relativo de cada fator na configuraçâo de fenômenos lingüîsticos. TaI parceria implica uma revisao do carMer discreto das categorias, dada a tendência dos estudos do uso a postular categorias maleâveis, continuas, escalares ou corn limites imprecisos. Embasa essa postura a idéia, defendida por autores como Labove Sankoff, de que a mente trabalha estatisticamente. A mesma perspectiva estâ presente na clâssica afirmaçâo de Du Bois: ''As gramâticas codificam melhor 0 que os falantes fazem mais". Hâ, portanto, uma relaçâo, a investigar, entre cogniçâo e estatistica, pressupondo-se que 0 procedimento psicol6gico individual e localizado é a base das tendências de organizaçâo social da linguagem.
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Outra interface relativamente promissora é a que se verifica corn estudos de pidgins e crioulos, e que se pode ilustrar pela anâlise de feixes de traças associados aos processos de despidginizaçao e descrioulizaçiio no português no Brasil. De fato, 0 nascimento da lîngua que se dâ no pidgin é 0 contexto ideal para encontrar as motivaç6es funcionais das formas lingüîsticas, que 0 desgaste pela usa faz desaparecer apas sucessivos processos de gramaticalizaçaa, dos quais vao derivar as lînguas jâ formadas. Podem-se, também, citar os esforços em criar interface corn estudos de psicologia, de orientaçâo cognitiva, a exemplo das propostas referentes à relaçâo entre categarizaçâo e formas de percepçao, bem como entre processos de metaforizaçâo e
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Lingüfstica funcional: teoria e pratica
transferência de informaç6es entre domînios conceptuais. Esses esforços demonstram que nao faz sentido estabelecer uma barreira entre as ciências psicolôgicas e as ciências sodais, tal coma prop6em Chomskye seus seguidores. Nesse sentido, outra parceria produtiva verifica-se corn a antropologia cultural e corn a etnometodologia, que resulta, entre outros aspectos, na reposiçao do indivîduo coma centro de interesse do estudo, pelo que ele diz e, em especial, pelas intuiç6es que tem sobre a linguagem e sobre si mesmo, coma ser de linguagem. TaI parceria também se manifesta na analise dos papéis sociais, na abordagem da linguagem coma elemento operador da conceptualizaçao sociaimente localizada, segundo a quaI 0 sujeito, em situaçao concreta de comunicaçao, produz significados como objetos do discurso, e nao realidades independentes, em um processo engendrado pelos participantes da interaçao. Por fim, pode-se falar do crescimento de uma tendência aplicada, comprometida com a ideologia e corn a pedagogia lingüîstica.
Questôes a investigar ou em processo de investigaçâo Corn base no que foi aqui exposto, enumeramos um conjunto de questoes que refietem as preocupaçoes dos pesquisadores em lingüîstica funcional e que deverao transformar-se em objetivos gerais de investigaçoes futuras: • É possîvel estudar 0 usa da lingua focalizando aspectos estruturais, relacionados à gramaticalizaçao dos fatos lingüîsticos, sem observar aspectas semânticos mais gerais?
• Corn que evidência pode-se propor uma interpretaçao daquilo que a teoria considera sistematizaçao, ou gramaticalizaçao, de fatos da linguagem? • Até que ponto a freqüência das formas lingüisticas deve ser utilizada como um critério caracterizador da estrutura da lingual • Até que ponto os côdigos e os ritos de linguagem que utilizamos resultam, do que aprendemos corn os outros, na interaçâo?
Rumos da lingüÎstica funcional
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• Como distinguir entre contribuiçôes do indivîduo ou do grupo no processo de socializaçao de usos da lingua que resulta em gramâtica? • Como relacionar os dados empîricos que apontam para mudança nas linguas corn a atuaçâo pancrônica e regular de determinadas tendências, que se manifesta nao s6 na estabilidade que caracteriza a polissemia de alguns elementos em sincronias diferentes, mas também no fato de que trajet6rias de mudança de elementos antigos espelham as mesmas trajet6rias de elementos atuais? • QuaI a importância da situaçao sociocognitiva na produçâo da linguagem? Seria possîvel relacionar as questôes associadas à cogniçâo e à interaçâo aos mecanismos de desenvolvimento das lînguas através do tempo? Até que ponto ta1 relaçao pode conferir validade, verificabilidade, verossimilhança e testabilidade ao que propomos? Abusca de respostas a essas questôes constitui 0 objetivo bâsico e atual do grupo de estudos Discurso & Gramâtica.
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Bibliografia comentada
FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica (org.) Procedimentos discursivos na fala de Natal. Uma abordagem funcionalista. Natal: Ed. UFRN, 2000. Coletânea que reune trabalhos desenvolvidos pelo grùpo de estudos Discurso & Gramâtica, seçâo UFRN, sobre a interface entre discurso, morfossintaxe e ensino-aprendizagem de lîngua materna, corn base no português em uso na cidade de Natal (RN). Os temas investigados compreendem: estratégias de negaçâo, manifestaçâo do sujeito oracional, usos e funçoes do onde, processos de superlativaçâo e expressâo da subjetividade, descritos sob a perspectiva da lingüfstica funcional americana. A relevância dessa obra consiste ainda no valor documentaI que representa ao contemplar como objeto de investigaçâo a variedade lingüîstica do português do Nordeste do Brasil.
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GIVÔN, Talmy. Functionalism and grammar. AmsterdâlFiladélfia: John Benjamins Publishing Company, 1995. Dm dos maiores méritos da obra de Givôn é 0 de oferecer à munidade acadêmica uma reflexâo teorica mais densa e modalizada a proposta funcionalista em relaçâo a sua fase inicial, acompanhada da revisâo das propostas empfricas dessa abordagem. Partindo do pressuposto de que padroes estruturais devem e precisarn ser considerados no trato da lingua em uso, de que hâ uma parte da gramâtica em que a arbitrariedade e a opacidade evidenciam-se, 0 autor arnplia e aprofunda a discussâo desse paradigma: faz 0 historieo e a autocrîtica do funcionalisrno, inclui a dimensâo discursiva no trato da marcaçâo, aborda a gramâtica e a coerência no texto e na mente; enfim, rediscute os postulados te6rieos e redefine as metas empfrieas dessa ainda nova vertente dos estudos lingüîsticos.
A
LAKOFF, George. Women, ftre and dangerous things. What categories reveal about mind. Chicago/Londres: The University of Chicago Press, 1987. Trata-se de um livro sobre categorizaçâo e sua relaçâo corn nossos pensamentos, nossas açoes e nossa cornunieaçâo. 0 autor apresenta as bases cognitivas do fenômeno da categorizaçâo, estabelecendo uma oposiçâo às tendências que as propostas objetivas atribuern ao fenômeno. DP&A editora
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MARTELoTTA, Mârio; VOTRE, Sebastiao; CEZARIO, Maria Maura. Gramaticalizaçiio no português do Bras il. Uma abordagem funcional. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. Representa uma obra bâsica sobre 0 processo de gramaticalizaçao, que aborda essencialmente 0 desenvolvimento de conjunç6es a partir de advérbios espaciais e ternporais. 0 livro apresenta ainda anâlises acerca de outros fenômenos, como a negaçao, a repetiçao, a ordenaçao de constituintes e a integraçâo de clâusulas, à Juz da teoria da gramaticalizaçâo. A obra prop6e tarnbém 0 processo de discursivizaçâo para dar conta do desenvolvirnento dos elernentos chamados marcadores discursivos. NEVES, Maria Helena de Moura. A gramatica funcional. Sao Paulo: Martins Fontes, 1997. Introduçâo à visâo funcionalista da linguagem, focalizando os diferentes modelos de anâlise que se enquadram nessa linha de pesquisa, a partir da Escola de Praga, passando pelo funcionalismo europeu de M. A. K. Halliday e Simon Dik, pela corrente americana de Talmy Givôn, Sandra Thompson e Paul Hopper, até a interface mais recente entre gramâtica funcional e cognitivismo. Aborda, ainda, os conceitos-chave desse quadro teôrÎCo, como motivaçâo, iconicidade e gramaticalizaçao. o ûltimo capîtulo destaca a aplicaçâo dos princîpios funcionalistas nas diversas âreas de investigaçâo lingüîstica. OLIVEIRA, Mariangela Rios. Repetiçiio em diâlogos. Anâlise funcional da conversaçiio. Niterôi: Eduft 1998. Abordagem das estratégias de repetiçâo lexical em diâlogos entre dois informantes do corpus Nurc/RJ, corn evidência da forte iconicidade caraeterizadora desses fenômenos. A autora, fundamentando-se no aparato teôrico do funcionalismo de orientaçao norte-americana, levando em conta as dimens6es cognitiva e pragmâtica associadas à articulaçâo dessas estruturas, e nas contribuiç6es da anâlise da conversaçao, estabelece nîveis hierârquicos e inter-relacionais da organizaçâo da repetiçâo atuantes na constituiçao do texto conversacional como um todo. Trata-se de um estudo que focaliza a interface discurso x gyamâtica em perspectiva funcional.
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Sobre os autores
Eduardo Kenedy Areas, doutorando em Lingüîstica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Lucia Maria Alves Ferreira, doutora em Lingüîstica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora da Universidade do Rio de Janeiro (UniRio), uma das organizadoras de Linguagem, identidade e mem6ria social: novas fronteiras, novas articulaçoes (DP&A, 2002). Marcos Antonio Costa, doutorando em Lingüîstica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Maria Angélica Furtado da Cunha, doutora em Lingüîstica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), corn pâs-doutorado na Universidade da Calif6rnia (Santa Bârbara), professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), coordenadora do grupo D&G/UFRN, e organizadora de Procedimentos discursivos nafala de Natal e Corpus Discursa & Gramatica: a lfngua falada eescrita na cidade de Natal.
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Maria Maura Cezario, doutora em Lingüîstica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - onde também é professora-, coordenadora do grupo D&G/UFRJ e uma das organizadoras de Gramaticalizaçiio na português do Brasil: uma abordagem funcianal. Mariangela Rios de Oliveira, doutora em Letras Vernâculas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), coordenadora do grupo D&G/UFF e autora de Repetiçao em diâlogas: anâlise funcional da conversaçao. DP&A editora
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Lingüfstica funcional: teoria e pratica
Mârio Eduardo Martelotta, doutor em Lingüistica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) -,- onde também é professor -, coordenador geral do grupo D&G e um dos organizadores de Gramaticalizaçiio no português do Brasil: uma abordagem funcional. Victoria Wilson Coelho, doutora em Lingüistica pela Pontiffcia Universidade Catôlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e uma das autoras da série Entre textos: leitura e produçiio de textos no ensino da lîngua portuguesa.
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e léxico-semânticos do português, desenvolvidas pelos membros do grupo de estudos Discurso & Gramatica, com competência, seriedade e alto rendimento. É a acepçao de diagnostico, descriçao, analise da sintaxe no discurso. Ja 0 segundo sentido do termo pratica transporta-nos para uma esfera menos consensual, em cuja orbita gravitam problemas de distinta natureza, porque em interface com a intervençao. Pedra de escolho no caminho dos lingüistas, formados para a pesquisa, guiados pelas perguntas e orientados para um fazer em que a verdade final naD existe, a intervençao sup6e a certeza da superioridade das propostas interventivas face às que vigem no mercado, a garantia de que vale a pena mudar os habitos Iingüfsticos dos membros da comunidade discursiva e, sobretudo, a apresentaçao e discussao das estratégias para assim proceder. A produçao do conhecimento na area da linguagem convive com uma séria crise de esvaziamento na repetiçao de propostas de intervençao e no amalgama de alternativas de analise, provocada em parte pelo afa de mostrar resultados, a todo custo, para atender à demanda de controle acadêmico sobre 0 aumento de produtividade dos 6rgaos governamentais. A expectativa é que este livro sobreviva, sereno, às perturbaç6es e aos conflitos na area, resultantes da exacerbaçao do modismo.
Sebastiâo Votre Professor adjunto de Ungua Portuguesa da Universidade Federal Fluminense (UFF).