Debret e as mulheres no Rio de Janeiro do I ImpĂŠrio
Heloisa Barreira
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE ARTES VISUAIS Design de Moda
Aluna: Heloisa Barreira de Sousa e Silva Orientadora: Profa. Dra. Rita Morais de Andrade
Trabalho de Conclusão de Curso destinado à Banca Examinadora do curso de graduação de Design de Moda da Universidade Federal de Goiás como exigência parcial para a obtenção do título de bacharel em design de moda, sob a orientação da Professora Doutora Rita Morais de Andrade.
GOIÂNIA 2013
“entender o passado em toda sua
complexidade é uma forma de adquirir
sabedoria, humildade e um senso trágico á respeito da vida.”
Gordon S. Wood The purpose of the past: reflections in the use of history.
Agradecimentos Em tudo que fiz na minha vida, sempre tive a sorte de estar
cercada de pessoas que estão me apoiando, que nunca me deixam desistir dos meus objetivos. Primeiramente, meu maior agradecimento é para aqueles que são a razão de tudo que eu faço: aos meus amores, meus pais, João Bosco e Célia Maria, e minha irmã Ana Luiza, que apesar da distância geográfica, graças à internet estão todos os dias presentes na minha vida.
Aos meus avós e tia: Terezinha, Maria Tereza, Louren-
ço Paulino e Tereza Gorete que, na ausência dos meus pais, ofereceram todo o suporte emocional que eu necessitei desde o vestibular à monografia.
Aos meus amigos que ajudaram emocionalmente, en-
viando boas vibrações; aos que ofereceram ajuda no decorrer da pesquisa, corrigindo eventuais erros, mas, em especial, à Eloá, Déborah, Carol, Guilherme e tia Alcione que são responsáveis diretamente e indiretamente pelo resultado desta pesquisa. E finalmente, à minha orientadora, Rita, que acreditou no tema escolhido e me motivou a buscar o melhor resultado.
Para finalizar, termino com uma frase do Christopher
McCandless, que se faz necessária quando não se encontram palavras exatas para exprimir minha gratidão: “A felicidade só é verdadeira, quando compartilhada”. Fica aqui todo o meu agradecimento.
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Sumário
introdução....................................................................................15
capítulo I: O contexto.......................................................19
Capítulo II: O retratista....................................................29
Capítulo III: A análise da indumentária Feminina no rio de janeiro.....................................................................35
Considerações Finais.............................................................47
Referências Bibliogáraficas............................................51
Lista de figuras
Figura 1: A) Rainha Carlota Joaquina; 1816-1821; aquarela; 17,2 x 14,6cmBANDEIRA, Julio. LAGO, Pedro Correa do. Debret e o Brasil OBRA COMPLETA, Editora Capivara, 2004.....................................24 Figura 2: Georges Rouget, As senhoritas Mollien, 1811, Musée du Louvre, Paris. Fonte: BOUCHER, François. História do Vestuário no Ocidente: das origens aos nossos dias. Titulo original: Histoire Du Costume em Occident. Tradução: André Telles. São Paulo, Cosac Naify, 2010...................................................................................26 Figura 3: Cerimônia da Faustíssima Acclamação de S. M. o Senhor João VI. 1818 . água-forte colorida 28,7 x 42, 4 cm. Fonte: BANDEIRA, Julio. LAGO, Pedro Correa do. Debret e o Brasil OBRA COMPLETA, Editora Capivara, 2004.......................................................................33 Figura 4: Jovens das Elites; 1820-1830; aquarela; 9x13,3cm;BANDEIRA, Julio. LAGO, Pedro Correa do. Debret e o Brasil OBRA COMPLETA, Editora Capivara, 2004................................................................40 Figura 5: Um jantar brasileiro; 1827; aquarela; 15,9x1,9cm. Fonte: BANDEIRA, Julio. LAGO, Pedro Correa do. Debret e o Brasil OBRA COMPLETA, Editora Capivara, 2004.................................................43 Figura 6: Bem cheirosa; 1827; aquarela; 15,8x21,9cm. Fonte: BANDEIRA, Julio. LAGO, Pedro Correa do. Debret e o Brasil OBRA COMPLETA, Editora Capivara, 2004................................................................45 Figura 7: Empregado do governo saindo a passeio; 1820-1830; aquarela; 19,2x24,5 cm. Fonte: BANDEIRA, Julio. LAGO, Pedro Correa do. Debret e o Brasil OBRA COMPLETA, Editora Capivara, 2004............................45
Resumo Apesar de ter sido colonizado por Portugal, o Brasil sofreu interferências culturais além da metrópole. A América foi colonizada por diversos países europeus e cada um deles exerceu sua influência direta na construção da identidade e na população desses “novos” países. A presença dos índios, dos africanos e europeus (como os ingleses, franceses, espanhóis e holandeses) resultaram numa população cuja principal característica é a miscigenação. Através de particularidades que ocorreram no processo de colonização do Brasil, analisaremos o reflexo destes fatores nos modos de vestir de parte da população da cidade do Rio de Janeiro, particularmente de mulheres que se vestiam à moda do século XIX. Sabendo das características gerais da indumentária brasileira, serão tratadas, neste trabalho questões sociais, simbólicas e estéticas sobre o vestuário, focadas na cidade do Rio de Janeiro, durante o Primeiro Império no Brasil até sua Independência, em 1822. Este trabalho trata especificamente das variações e adaptações da indumentária no Rio de Janeiro usando como ponto de partida a chegada da família real portuguesa à cidade. A transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808 foi um acontecimento de extrema importância para a história brasileira, pois a mudança trouxe para a cidade uma necessidade de adaptação aos padrões luxuosos e políticos voltados para a realidade da coroa portuguesa. Por fim, também será analisado como os fatos e características do passado podem auxiliar numa produção de design de moda atual. Serão usadas como referências e fontes de pesquisa, as imagens de Jean BaptisteDebret (1768-1848), extraídas do livro “A viagem Pitoresca” (1940), que representa detalhadamente os habitantes do Rio de Janeiro em diversas situações cotidianas. Certamente que são representações, e para esta análise, consideramos que as imagens revelam traços dominantes, mas que têm suas limitações enquanto fonte de informação histórica. Palavras-chave: : Indumentária, Rio de Janeiro, Debret, I Império.
INTRODUÇÃO
O ano de 1808 foi determinante para a história do Brasil. Todo o processo que se desencadeou após a chegada da família real portuguesa foi fundamental para a construção da identidade doPaís, que estava prestes a se livrar da colonização e trilhar seu próprio caminho. O foco desta pesquisa é a cidade do Rio de Janeiro, capital do Brasil entre 1783 e 1960. Sua importância econômica e geográfica deveu-se à proximidade com Minas Gerais durante o ciclo do ouro, além do seu porto que servia de base para as frotas que navegariam para as Índias e Europa. O porto tornava comum a presença de estrangeiros na cidade. Eram pessoas que se dedicavam a conhecer a cidade e estudar o Novo Mundo; comerciantes que traziam produtos e costumes de suas origens e que, no encontro com o Brasil, eram absorvidos pela cultura local, deixando marcadas suas impressões sobre a cidade, que estava em ascensão.
A chegada da corte foi o marco desse crescimento. Pouco mais tarde, a colônia foi elevada a Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (GOMES, 2007, p. 217), com o Rio de Janeiro como sede do governo português no Brasil. Tal importância política da capital faria com que a cidade tivesse que se ajustar ao seu novo status. Através destas mudanças, seria notado também uma mudança no comportamento da população, o que pode ser notado, por exemplo, no modo de vestir das mulheres – no caso, tema específico desta monografia. Medidas como a abertura dos portos para as nações amigas (1808), que permitia a importação de produtos estrangeiros – além dos portugueses –, permitiram que a cidade se modernizasse, acelerando o recebimento de informações do velho continente (CARDOSO, 2004, p. 21). Logo, muitos comerciantes e mercadores se estabeleceram em diversos pontos da cidade, como era o caso da Rua Direita, para vender seus produtos trazidos da Europa (DUNCAN; FARES, 2004 p. 104). Tal rua era considerada um dos pontos mais importantes da cidade, sendo ponto de encontro para os nobres, pois ali era possível se encontrar artigos de luxo e produtos finos, sendo, por isso, considerada uma referência em elegância na época. Na região e seu entorno, também se encontravam perfumarias, confeitarias, livrarias, cabeleireiros e lojas de costureiros de roupas da moda. A vontade de se equivaler ao que acontecia na metrópole, fazia com que algumas mulheres brasileiras se esforçassem em se igualar às europeias no jeito de vestir. Entretanto, a distância geográfica não permitia que as informações cruzassem o oceano rapidamente, de modo que as habitantes do Rio de Janeiro não conseguiam acompanhar simultaneamente as efemeridades dos modos de vestir no velho continente. O Brasil, por sua vez, era uma fonte de curiosidades para muitos viajantes, que vinham estudar a natureza e a sociedade que aqui se formava. Através da Missão Francesa, organizada em 1816, chegou à capital um dos protagonistas dessa pesquisa, Jean
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Baptiste Debret, que viria a ser um dos mais conhecidos retratistas da história do período joanino e do Primeiro Império, segundo Trevisan (2003) e Lima (2004). Os dezesseis anos em que Debret viveu no Brasil foram dedicados ao registro de retratos da realeza e dos aspectos pitorescos da sociedade carioca. O resultado desse período foi o livro “A viagem Pitoresca”, publicado entre os anos 1834 e 1939, formando um conjunto de três volumes que continham pranchas acompanhadas de textos explicando cada cena registrada. Cardoso(2004, p.21) afirma que o pintor fazia parte de uma missão encabeçada pelo Conde Barca em nome da família real, que tinha como objetivo transformar a paisagem tosca e atrasada da capital brasileira numa cidade que se tornaria mais condizente com a sede do governo português. Este processo de adaptação às tendências vindas do exterior com o que havia disponível nos comércios da cidade é o que vamos analisar sob o viés das imagens de Debret. Através dos retratos e relatos, vamos analisar as representações visuais das mudanças sociais e culturais que tomaram conta da população e da paisagem da cidade do Rio de Janeiro. Esta cidade, cuja infraestrutura existente era a mais precária possível, com ruas mal organizadas, atrasada, suja e sem a beleza tradicional das grandes cidades europeias, assustou moradores recém chegados (DUNCAN;FARES, 2007, p:97), gerando a necessidade de mudar esse cenário: com isso, o príncipe regente determinou que a cidade deveria se transformar para fazer jus à capital do império.
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1 contexto
O período de 1792 a 1815 foi marcado pela Revolução Francesa e o reflexo dela dentro e fora da Europa. Foi um tempo de mudança, tanto nos domínios políticos, na economia, na tecnologia, quanto comercialmente. Enquanto a força de Napoleão crescia, a rivalidade entre França e Inglaterra também se expandia, dividindo o continente em dois blocos. Com as duas potências como oponentes comerciais, os efeitos eram sentidos em todos os países europeus (BOUCHER, 2010, p. 310). A França, como referência no vestuário da época, graças à sua expansão, conseguiu manter sua influência nos países anexados, enquanto a Inglaterra via sua influência nos domínios além-mar. O Bloqueio Continental, decretado por Napoleão em 1807, determinou que todas as nações “amigas” da França interrompessem suas atividades comerciais com a Inglaterra. Mesmo com o advento de novas tecnologias e a cultura de produção têxtil, houve certa dificuldade em conseguir tecidos que se comparassem aos ingleses, que já vinham comercializando algodão estampado e seda da Índia (GOMES, 2007, p. 203).
Neste contexto, fatores políticos e econômicos determinaram mudanças no vestuário Europeu e em suas colônias além -mar. À medida que as conquistas territoriais da França cresciam, crescia também sua hegemonia no vestuário, passando a influenciar até países distantes como a Rússia, os Estados Unidos da América, a Argentina e o Brasil. Na França Imperial, surge uma nova moda no vestuário, que é o estilo Império, em que a silhueta era influenciada pelo estilo da Antiguidade Clássica (TEIXEIRA, 2009, p. 173), aplicado basicamente no vestuário feminino e contando também com referências históricas de modelos clássicos. O historicismo foi uma prática comum da época, de modo que a maior influência no vestuário da época era o passado, especialmente o que se referia à Antiguidade Clássica. Portugal, por sua vez, se encontrava entre as duas potências. Tentando manter a neutralidade que já havia alimentando há anos, o país foi enfim, pressionado a tomar partido. Às pressas, a coroa portuguesa transferiu toda a sede do seu poder para o Rio de Janeiro numa tentativa desesperada de manter o seu governo e seu poder sobre as colônias ultramarinas. A Inglaterra, como arquiteta do plano, escoltaria a frota portuguesa até o Brasil. Segundo Gomes, (2007, p. 66) arealeza ficou dividida entre três navios – D. Maria, D. João e os Infantes D. Pedro e D. Miguel embarcaram na nau Príncipe Real; Carlota Joaquina e quatro de suas filhas viajaram na nau Alfonso de Albuquerque; enquanto as outras duas filhas embarcaram na nau Rainha de Portugal. Foram 100 dias de viagem até a chegada ao Rio de Janeiro, com uma breve parada em Salvador, onde foi assinado o tratado de Abertura dos Portos, que definia que a colônia poderia então comercializar com outros países além de Portugal. Na prática, este foi o preço a ser pago pela proteção durante a fuga, resultando na liberação do comércio entre o Brasil e a Inglaterra (GOMES, 2007, p. 96). Senão a medida mais importante tomada por D. João durante a estadia no Brasil, o tratado figurava entre as mais relevantes.
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Até então, nenhum soberano europeu havia pisado em seus domínios americanos (CARDOSO, 2003, p.19). E, com isso, o Rio de Janeiro passaria de capital do Brasil Colônia à Capital do Império Português, tendo então toda a atenção voltada a ela. O Brasil, até entãocolônia de exploração, tinha em seu vasto território uma população concentrada nos litorais e nas cidades abastecidas pelo mercado de mineração. Por muito tempo, a cultura de exploração se manteve, não existindo um investimento expressivo em melhorias na colônia em si. Portanto, o cenário encontrado pela corte foi um Rio de Janeiro com a maioria da população escrava e com uma infraestrutura precária, principalmente aos olhos acostumados com Lisboa. A realidade era que a colônia era bem mais rica do que a metrópole, porém sem o refinamento europeu. O Brasil era um país em ascensão que oferecia uma promessa de oportunidades para os portugueses, devido aos recursos naturais aqui oferecidos. A chegada da Corte trouxe melhorias para muitos dos aspectos precários em que a colônia se encontrava. Logo após a abertura dos portos, outra medida foi tomada: a revogação da lei que proibia a fabricação de produtos na colônia, o que marcava o início da liberação do monopólio português (CARDOSO, 2003, p.21). Com isso, mesmo que lentamente, o Brasil passou a seguir o exemplo europeu e começaram a surgir as primeiras indústrias. Dois mundos se encontraram em 1808: uma corte que fugia de problemas na metrópole e uma população emergente que vivia em condições que não se encaixavam com o novo status do Rio de Janeiro, que teve então que se adaptar aos costumes de seus novos moradores (BANDEIRA, 2009, p. 193). A cidade possuía,naquela época, um dos portos mais movimentados do mundo, por se encontrar em posição estratégica pra quem seguisse para outras rotas e, como resultado disso, era frequente a presença de estrangeiros no local. Entre as reformas que D. João instalou está a construção das primeiras Universidades do Brasil: Medicina, Técnicas Agrí-
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colas e a Academia Real Militar, com habilitações em Engenharia Civil e Mineira. Houveram também melhorias na cidade, como construção de estradas, do Banco do Brasil, do Jardim Botânico, do Museu Nacional e do Real Teatro de São João. Além disso, as famílias ricas da cidade cederam suas casas à família real e toda a sua corte, o que resultou num processo de desapropriação de muitas famílias (GOMES, 2007, p. 147). Em 1816, numa medida para tentar ocidentalizar e educar a cidade, D. João recrutou uma missão cultural que ficou conhecida como Missão Francesa, organizada por Joaquim Lebreton, que recrutou artistas, arquitetos, músicos, artesões que iriam trazer refinamento para a população carioca. Com ele vieram os irmãos Nicolas e Auguste Taunay, Grandjean de Montigny, Jean BaptisteDebret – figura importante nesta pesquisa – Simon Pradier, SergismundNeukomm, entre outros. Essa missão chegou a tempo de uma época festiva na coroa, que foi o casamento da princesa austríaca Leopoldina com D. Pedro em 1817 e a coroação e aniversário de D.João VI, no ano seguinte. O maior objetivo desta missão era a construção da Escola de Belas Artes e Ciências na cidade (CARDOSO, 2004, p. 21), mas apesar do incentivo, a população não se interessou muito em ingressar nesta área, e ocorrendo da construção da Escola ser adiada por muitos anos. Em 1816, numa medida para tentar ocidentalizar e educar a cidade, D. João recrutou uma missão cultural que ficou conhecida como Missão Francesa, organizada por Joaquim Lebreton. Ele recrutou artistas, arquitetos, músicos e artesões que iriam trazer refinamento para a população carioca. Com ele, vieram os irmãos Nicolas e Auguste Taunay, Grandjean de Montigny, Jean BaptisteDebret – figura importante nesta pesquisa – Simon Pradier, Sergismund Neukomm, entre outros. A missão chegou a tempo de uma época festiva na Coroa, que foi o casamento da princesa austríaca Leopoldina com D. Pedro, em 1817, e a coroação e aniversário de D.João VI, no ano seguinte. O maior objetivo desta missão era a construção da Escola de Belas Artes e Ciências na cidadedo Rio de
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Janeiro (CARDOSO, 2004, p. 21), mas apesar do incentivo, a população não se interessou muito em ingressar nesta área, de modo que a construção da Escola acabou sendo adiada por muitos anos. Os hábitos existentes nas cortes europeias que foram importados pela corte recém-chegada no Brasil resultaram numa mudança de comportamento na sociedade carioca da época. A corte como símbolo da modernidade e de elegância era imitada por todos na cidade. Jean Baptiste Debret, registrou estas mudanças durante os 15 anos em que viveu no Brasil. O Rio de Janeiro, até a chegada da corte era uma cidade que tinha uma prospecção grande de crescimento, porém preso ao monopólio português e à corrupção, este crescimento era então estancado. O estudo do vestuário neste contexto se propõe a trazer uma reflexão do período a partir do ponto de vista do que era usado na época. Inicialmente, a capital brasileira recebia visitantes de todos os lugares, e essa circulação de pessoas teriasido acompanhada da circulação de objetos e de práticas sociais que certamente tiveram influência sobre o modo de vida da cidade. Entretanto, a partir da chegada da corte, houve uma necessidade das pessoas se caracterizarem “à altura” de seus novos moradores. Baseado nos registros históricos da época e nos retratos de Debret será feita uma análise deste comportamento que, aliado à situação política do Brasil, resultou num padrão de vestuário em que era visível a influência europeia, principalmente nos trajes festivos, mas que assumiu suas particularidades a partir da hora em que foi autorizada a produção nacional, a importação de produtos da Inglaterra, e posteriormente, da França, reforçando os aspectos culturais e geográficos em que o Rio de Janeiro estava inserido. A colônia se encontrava no meio da rota entre Europa e Índia, sendo então suas cidades portuárias constantemente visitadas por viajantes orientais e europeus. Além disso, pela facilidade de comércio com as Índias e a África, existia então uma forte influência oriental nos costumes das famílias brasileiras (DUNCAN; FARES, 2009, p.103).
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Portugal, na época, vivia de seu prestígio conquistado graças a sua força marítima e suas colônias. Porém, o país não seguia o ritmo das outras nações europeias e estava longe de ser uma nação moderna tal qual Inglaterra e França. A corte portuguesa era constituída por D. Maria, conhecida como “A Louca” e seu filho D. João VI, casado com a infanta espanhola D. Carlota Joaquina (figura 1 – A e B),e seus filhos D. Maria Teresa de Bragança, D. Maria Isabel, D. Pedro de Alcântara – futuro D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal, D. Maria Francisca de Bragança, D. Isabel Maria, D. Miguel – futuro D. Miguel I de Portugal, D. Maria da Assunção e D. Ana de Jesus Maria. A referida D. Carlota, filha de Dom Carlos IV da Espanha (1748-1819), pertencente a casa real de Bourbon e, então, Princesa Regente, exibia orgulhosamente seu status e abundância que seu nome lhe trazia, e era extremamente defensora do poder absolutista (DUNCAN; FARES, 2009, p. 28).
Figura 1.
A A.
B
Rainha Carlota Joaquina; 1816-1821; aquarela; 17,2 x 14,6cm.
B.
D. João VI Rei; 1818; aquarela; 18 x 15,3cm.
Fonte : BANDEIRA, Julio. LAGO, Pedro Correa do. Debret e o Brasil OBRA COMPLETA, Editora Capivara, 2004
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Poucos anos antes da partida da corte para o Brasil, mesmo com a crescente decadência do Absolutismo, a corte ainda fazia questão de exibir seu poder em seu vestuário. A queda dos regimes absolutistas em vários países da Europa assustou Portugal, que passou a reter um pouco de sua suntuosidade como uma tentativa de manter o seu poder. A destituição do Absolutismo foi traduzida para o campo da estética e chegando até a indumentária. Esse processo de destituição do absolutismo monárquico e de instauração do liberalismo constitucional exprimiu-se no campo da estética das manifestações culturais, como um movimento de superação do estilo barroco pela norma do neoclassicismo. A adesão de um padrão estético mais sóbrio, despojado de artifícios, característico do neoclassicismo e da moda francesa do Diretório explica, por exemplo, porque no mobiliário do período de D. Maria I e D. João figuravam em vez da imponência do estilo imperial a simplicidade linear do classicismo. (DUNCAN, FARES, 2009, p.171).
O traje feminino que estava em voga havia adotado o estilo Império, proposto pela corte de Napoleão. O vestuário deste período se difere muito dos períodos anteriores. Os vestidos se assemelhavam a camisolas, de tecidos leves, com a cintura logo abaixo do seio, mangas curtas e poucos adornos, dispensando os espartilhos e acrescidos de luvas e sapatos baixos (figura 2), trazendo todo o simbolismo da força do Império que Napoleão estava construindo. Os tecidos comuns eram os importados das Índias, tal qual caxemira e o algodão. De acordo com Teixeira (2009, p. 173), os vestidos de algodão branco eram o estilo mais adotado pelas mulheres, sem que isso significasse deixar para trás a escolha entre os tecidos coloridos, estampados ou bordados - mais adiante abordaremos esses detalhes sobre as características da adaptação da moda império a realidade da corte do Rio de Janeiro.
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Figura 2. Georges Rouget, As senhoritas Mollien, 1811, Musée du Louvre, Paris.
Fonte: BOUCHER, François. História do Vestuário no Ocidente: das origens aos nossos dias. Titulo original: Histoire Du Costume em Occident. Tradução: André Telles. São Paulo, CosacNaify, 2010.
No Brasil, a chegada da corte fez com que suas princesas fossem responsáveis pela inserção de novos elementos no vestuário local. As primeiras responsáveis por estas novidades eram D. Carlota Joaquina e sua filha D. Maria, que já se encontrava seriamente debilitada neste momento, e por isso, aparecendo publicamente de forma esporádica. A Princesa Regente, conhecida como uma mulher de personalidade forte, sabia bem como traduzir isto em seu vestuário, por meio de uma sobrecarga de joias e adornos (DUNCAN; FARES, 2009, p. 43). O vestuário feminino era responsável por propagar certa imagem da família, de modo que a ostentação determinava o poder da família. Em 1816, a chegada da princesa e futura Imperatriz do Brasil D. Leopoldina, trouxe as últimas novidades da Europa em termos de moda para o vestuário, segundo os padrões da moda império. A princesa tinha um caráter bem diferente da sogra: era recatada e intelectual, não fazia muitas aparições sociais e apoiou o marido no processo de Independência da Colônia. Na cerimônia de coroação do então Imperador do Brasil, D. Pedro e D. Leopoldina usaram vestuários que remetiam todo o patriotismo brasileiro, com elementos naturais como plumas de aves brasileiras. O vestido da nova Imperatriz foi desenhado pelo próprio Debret, que em ocasiões festivas fazia as vezes de estilista, além de retratista (DUNCAN:FARES, 2009, p. 60). A chegada da corte também fez aumentaressas ocasiões festivas, teatros, óperas e cerimônias do beija-mão, onde era solicitado que as pessoas se trajassem a rigor da corte. Apesar da preferência por uma silhueta simples, a moda império também era constituída pelo uso de adornos nos tecidos. A busca por bordadores e bordadeiras era grande, tal qual a sua demanda (TEIXEIRA, 2009, p. 174). Era frequente se ver bordados de fios metálicos (ouro, prata e aço polido), com joias e plumas completando o vestuário feminino para os dias de festa. Apesar de o Brasil importar metais e pedras preciosas para a Europa, a joia pronta e lapidada ainda era importada de países como a
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França e Inglaterra, sendo a França a maior beneficiada pela demanda de objetos luxuosos que o Brasil exigia. A queda de Napoleão, abriu caminho para o restabelecimento destas relações comerciais entre o Brasil e a França, o que era negativo para os comerciantes da Inglaterra que, de acordo com Duncan e Fares (2009) “[...] logo passam a enfrentar a concorrência dos produtos franceses[…]”. A demanda exigida pelos moradores europeus na colônia também aumentou especificamente a importação de produtos franceses ligados ao vestuário e tecidos, além de produtos para a toilette, como perfumes, pomadas, etc. Esse mercado, que surgiu através da necessidade dos europeus residentes na colônia e das elites, foi responsável pelos primeiros sinais de transformação do vestuário feminino. Lentamente, a mulher carioca abandonava os costumes que já existiam no Brasil, para abraçar os modos europeus (SILVA, 2009, p. 179). Apesar da localização da metrópole, a população do Rio de Janeiro se esforçou em se transformar numa cidade que se aproximasse aos padrões europeus. Analisando a conclusão de Silvia Hunold Lara: o gosto pelas modas europeias estava ligado a vontade de diferenciar-se e guardar o selo europeu, da civilização era a marca de um complexo de inferioridade inconfesso e inconfessável em relação ao europeu. (DUNCAN; FARES, 2009, p.106, grifo meu).
Mas, é preciso deixar claro que essa mudança no comportamento na forma de vestir ficou restrita aos moradores que conviviam com a corte. Os mais pobres podem por sua vez, ter sentido os efeitos da introdução de novos elementos no vestuário, porém os registros encontrados privilegiaram a moda dos mais ricos, sendo portanto necessário investigar especificamente este aspecto num trabalho futuro.
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2 o retratista
Jean BaptisteDebret foi, durante anos, cenógrafo e retratista oficial da corte portuguesa, um dos primeiros professores e diretores da Escola de Belas Artes no Rio de Janeiro e mentor das primeiras exposições exibidas na cidade, em 1829 e 1830 (TREVISAN, 2003, p: 13). Nascido em 1768 em Paris, desenvolveu seu ofício no ateliê do primo Jacques-Louis David, sendo esse um dos principais artistas do neo-classicismo, revolucionário e amigo de Napoleão. Graças ao trabalho no ateliê do primo, Debret pôde ingressar na Academia Francesa de Arte e frequentar os mais importantes salões da época, onde veio a receber vários prêmios por seus retratos de cenas históricas. Mais adiante, faria uma série de viagens à Itália, parte importante do seu crescimento como artista. A revolução napoleônica trouxe mudanças no cenário francês, e por ser favorável à revolução, Debret não teve grandes problemas com
estas, porém quando a monarquia foi restaurada teve que lidar com as novas imposições do período. No Brasil, a mudança da corte transformou a colônia em um país em ascensão e em busca do progresso. D. João acreditava que o ensino da arte era fundamental para esse objetivo. Logo, após uma série de negociações, foi convocado uma missão que reuniria vários artistas e artesões franceses que seriam responsáveis pela introdução do ensino da arte no país. Em 1816, sob o comando de Joachim Lebreton (1760-1819), eles desembarcaram no Rio de Janeiro com a missão de criar a primeira academia de artes no país. Cada artista teve um motivo particular para aceitar essa missão, fosse em busca de reconhecimento ou de fortuna. Todavia, a maioria deles colaborou de alguma forma para a causa de Napoleão e, após a sua queda, o cenário francês não era favorável para nenhum deles. Isso levou à opção pelo exílio, antes que este se tornasse uma questão obrigatória. Debret, em 1809, já mostrava interesse em publicações históricas, o que pode sernotado em seus trabalhos exaltando os feitos napoleônicos e com a publicação do álbum ”CostumensItaliens, dessinés á Rome par Debret”, que retratava os costumes e hábitos da população Italiana da época, nascido de uma das viagens à Itália. O trabalho se constitui de 30 imagens com manuscritos descrevendo os detalhes de cada imagem, tal qual seria em sua obra sobre o Brasil. Como afirmado acima, vários fatores foram favoráveis a vinda dos artistas para o Brasil, por problemas políticos e pessoais – no caso de Debret, seu único filho havia falecido em 1815. Mas o que não se sabe com clareza é se o artista já tinha em mente que sua estadia no Brasil resultaria em uma obra histórica. Antes de sua partida, ele também foi professor na ÉcolePolyteqnique ensinando aos alunos do curso de engenharia civil, trazendo assim mais uma característica para o seu trabalho como artista. Debret chegou ao Rio de Janeiro e logo ficou responsável pelos retratos oficias da realeza, porém, logo iniciou práticas com aquarela, elaborando retratos das imagens que ele via na corte
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e nas ruas da cidade. O livro “Viagem pitoresca e histórica pelo Brasil” utilizando o recurso da litografia, foi publicado pela primeira vez na França nos anos de 1839 e 1841, pela Firmin Didot. E, apesar do interesse que os europeus demonstravam pelo Brasil, a obra não obteve sucesso de vendas. Ainda assim, esta pode ser um dos mais importantes relatos iconográficos sobre o período joanino (1808 – 1821) e o Brasil pós-Independência. “Foi quando se consolidou a ideia de nação e se tentou conhecer melhoro povo que a constituía.” (LIMA, 2004, p:33). Apesar da comunicação visual de cada retrato, o livro também contou com manuscritos, com comentários e reflexões sobre a cena feitos pelo autor. Já foi citado o estado em que a cidade do Rio de Janeiro se encontrava antes da chegada de D. João, porém é importante frisar o choque cultural que todo europeu presenciava ao pisar em terras brasileiras. Com Debret não foi diferente e o dia-a-dia transformou o olhar do artista. Através de sua vivência aqui no Brasil, podemos observá-lo recriando seu estilo e adaptando seu oficio de pintor histórico para a nova realidade. A imagem do pintor consegue ser bem conflituosa quando se trata sobre o modo em que retratou o Brasil em suas obras. Há quem o considere um fiel retratista, comparando-o com um repórter fotográfico da nossa atualidade, e há quem considere seus retratos como caricaturas da realidade, já que não compreendem a natureza brasileira. Apesar disto, levando em conta sua escola – o neo-classicismo – ele retratou a vida urbana do Rio de Janeiro tal qual ela é, sem mascarar a dura realidade de quem não fazia parte das elites. Portanto, apesar de retratar seus personagens com a maior fidelidade possível, também é possível ver em seus manuscritos opiniões tendenciosas de um olhar estrangeiro sobre o retrato. Também é preciso levar em conta que ele trabalhava para um rei absolutista, não podendo retratar nada que interferisse nos interesses políticos. Um álbum pitoresco se difere de um álbum científico pelo fato de que a informação, por ser composta por visual, necessita de alguns arranjos que possam despertar o prazer e aten-
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ção do leitor, tornando-o interessante e explicativo, sem modificar a realidade existente nas imagens (TREVISAN, 2003, p:18). A efemeridade das ruas (pessoas vem e vão) resultava em que alguns personagens fossem pintados a partir de sua memória, o que não interferia na fidelidade da cena registrada. É importante frisar que Debret era um homem francês que migrou para o Brasil, portanto, sua visão não era equivalente com os nascidos na colônia, existindo ali uma estranheza ao se deparar com as diferenças entre os dois mundos. Assim, explica Georg Simmel (1858-1918): “Mas sua posição no grupo é determinada, essencialmente, pelo fato de não ter pertencido a ele desde o começo, pelo fato de ter introduzido qualidades que não se originaram nem poderiam se originar no próprio grupo.”(SIMMEL, 1983, p.183). Os artistas da missão francesa tinham a missão de ensinar e trazer a modernidade europeia para um país que ainda estava em busca da sua identidade cultural. O sistema colonial empregado no Brasil – o de exploração – fez com o que o país crescesse esquecido, com cidades que iam se desenvolvendo sem estrutura suficiente. A população miscigenada desenvolvia seguindo diversos padrões (orientais, africanos, indígenas e europeus) sem ter o seu próprio. O trabalho de Debret era enaltecer os feitos da época, mostrar um país que apesar do atraso estava disposto a crescer e, principalmente, mostra-lopara o mundo: “Debret mostrou esse Brasil d’Ásia que desapareceu e d’África que tanto irritaria os brasileiros.”(CARDOSO, Rafael. 2003, p. 46). E foi esse cenário que o artista encontrou: uma elite satisfeita em aceitar a influência parisiense e, nas ruas do Rio de Janeiro, uma população simples e humilde, na sua maioria mestiços e escravos (DEBRET, 1978, p. 23, v.1): Dava eu tamanha importância à vantagem de poder admirar a beleza do ambiente “brasileiro, e principalmente à glória de propagar o conhecimento das belas artes entre um povo ainda na infância, que não hesitei em associar-me aos artistas distintos, meus compatriotas, os quais, sacrificando por um instante suas afeições particulares, formaram esta expedição pitoresca.
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Antes da criação da Academia Real de Belas Artes, Debret se dedicou a lecionar na Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios e em seu próprio ateliê, além de ter se ocupado exercendo a função de cenógrafo imperial (LIMA, 2004, p. 25), já que a chegada da realeza provocou um aumento nas ocasiões festivas e apresentações musicais e teatrais (figura 3). Com a morte de D. Maria I e a chegada ao Brasil da Princesa Leopoldina da Áustria, o artista também foi encarregado de fazer a decoração das festividades da aclamação de D. João VI a Imperador e do casamento de D. Pedro de Alcântara e da princesa recém chegada. Entre suas contribuições artísticas também estão a criação de alguns símbolos nacionais – como o brasão imperial que resultaria na primeira bandeira nacional - mas também mapas e plantas arquitetônicas (BANDEIRA, 2003, p. 194).
Figura 3. Cerimônia da Faustíssima Acclamação de S. M. o Senhor João VI.
1818 . água-forte colorida 28,7 x 42, 4 cm.
Fonte: : BANDEIRA, Julio. LAGO, Pedro Correa do. Debret e o Brasil OBRA COMPLETA, Editora Capivara, 2004
Como professor, seu legado foi continuado e transmitido pelos seus pupilos Simplício de Sá (1785-1839) e Araújo Porto Alegre (1806-1879), além de seus inúmeros esforços para que a Academia de Belas Artes se tornasse realidade (TREVISAN, 2003). Como pintor histórico deixou uma vasta coleção sobre o cotidiano nos primeiros anos do Brasil Império, e é através destas imagens que procuramos interpretar a evolução e identidade do vestuário feminino na cidade do Rio de Janeiro.
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3 ANÁLISE DA INDUMENTÁRIA FEMININA NO RIO DE JANEIRO Neste estudo, analisamos a história geral simultaneamente à história do vestuário, pois eles são reflexos um do outro, compreendendo que os têxteis são sinais de uma época assim como são influenciados por ela. Estudar tecidos e indumentária, assim como estudar a moda, é uma maneira de se interpretar os acontecimentos de uma época, já que o vestuário é fruto da sociedade e do contexto em que está inserido. Pode-se assim, analisar o desenvolvimento da indumentária à luz dos acontecimentos históricos. Através de relatos do período e retratos de Debret podemos ter uma ideia, uma visão das particularidades do vestuário das mulheres no Rio de Janeiro Imperial. Julio Bandeira (2003, p. 44) acredita que este pode ter sido um dos incentivos para Debret registrar o cotidiano dos cariocas,
porque talvez tenha enxergado na população, que trazia consigo características culturais tão peculiares e ao se deparar com as mudanças que vieram com a chegada da corte, se sentiu na necessidade de se adaptar aos padrões europeus. Os portugueses haviam aportado no Brasil em 1500, e desde então e, paulatinamente, povoaram e instauraram sua organização no país, que ainda estava se desenvolvendo e descobrindo sua identidade própria. O Brasil era uma potência econômica, porém a maior parte de seu rendimento era aplicado somente na sua metrópole, que ostentava modos exibicionistas tal qual era comum aos monarcas absolutistas (TEIXEIRA, 2009, p:170). Como retribuição ao apoio britânico a transferência da corte, a Inglaterra passava a ser a maior beneficiada com a abertura dos portos brasileiros. Logo, o Brasil seria inundado de produtos ingleses: tecidos de lã, algodão e de linho, peças de vidro, sapatos, botas, e utensílios de toda natureza. Passa também a ser permitido a produção têxtil e manufatureira no país (CARDOSO, 2003). Todas estas mudanças citadas aqui e anteriormente, foram determinantes para as mudanças ocorridas a partir desse período. É importante relembrar o que era a cidade antes da chegada da corte: infraestrutura precária que não equivalia com o crescimento populacional que a cidade enfrentava, população formada em sua maioria por1 escravos africanos e seus filhos nascidos no Brasil, além de viajantes oriundos de diversos lugares e atraídos pelo porto do Rio de Janeiro. O vestuário é uma importante ferramenta para se compreender contextos sociais. A indumentária do período imperial brasileiro possuía símbolos visualmente identificáveis de distinção social. A moda era um fenômeno crescente na Europa, porém, o monopólio português e a distância geográfica dificultavam a chegada das informações sobre os códigos de vestimenta usada pelas mu-
1 Biblioteca Nacional. Apêndice das Leis Extravagantes. Livro da Chancelaria a fol. 132. CóD. II-31, 09,009. Trata-se de uma transcrição da lei e encontra-se incompleta.
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lheres europeias que seguiam a moda. Os costumes absolutistas da realeza portuguesa não foram tão facilmente abandonados ao sinal de qualquer novidade no modo de vestir e, numa tentativa de manter a importância e soberania portuguesas, leis que restringiam o uso de certos tipos de vestuário foram declaradas – eram as chamadas leis suntuárias. O decreto de D. João VI diz: Capítulo 1º: A nenhuma pessoa de qualquer graduação e sexo que seja, passando o tempo abaixo declarado, será lícito trazer em parte alguma de seus vestidos, ornatos e enfeites, telas, brocados, tissus, galacés, fitas, galões, passamanes, franjas, cordões, espiguilhas, debruns, borlas, ou qualquer outra sorte de tecido, ou obra, em que entrar prata, nem ouro fino ou falso, nem viço costado a semelhança de bordado. […] […]Proíbo usar nos vestidos e enfeites de fitas lavradas, ou galões de seda, nem de rendas lavradas, ou galões de seda, nem de rendas de qualquer matéria ou qualidade que sejam, ou de outros lavores que imitem as rendas, como também trazê-los na roupa branca nem usar delas em lenços, toalhas, lençóis ou em outras algumas alfaias. [observações do copista: Está moderada].
Como afirma Silva, “[…] Contudo, o simples fato de D. João tentar dar umasobrevida às leis suntuárias demonstra a existência de uma sociedade rigidamente hierarquizada […]” (SILVA, 2010, P. 43). O descumprimento dessas leis significava pagamentos de multas e até voz de prisão ao infrator. E por existir uma produção têxtil ineficiente em termos comerciais no Brasil, todo o processo de criação de um vestido se tornava muito caro para uma mulher de poucos recursos financeiros. O porto do Rio de Janeiro funcionava como ponte do mundo entre as Índias, o que também trouxe uma série de influências para o cotidiano das cidades. Nesta monografia analisaremos o vestuário das mulheres nobres, livres e escravas, e a hierarquia que dividia estas mulheres é o que propõe esta reflexão.
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Não era comum, no período pré-joanino as mulheres saírem de sua residência – viviam reclusas em ambientes privados e raramente saíam às ruas, apesar de administrar a casa, só saiam pra ir à igreja ou visitar a família.Nestes passeios, elas se escondiam debaixo de mantilhas que preservavam sua imagem para os desconhecidos da rua. Ainda de acordo com Duncan e Fares (2009, p. 99) “[…] quando se tratava de sair à rua […] o à-vontade doméstico era então encoberto pela austeridade de uma pesada e escura mantilha.”. Nas residências as mulheres já se encontravam vestidas num clima de descontração, sendo frequente a observação de viajantes europeus que as mulheres brasileiras eram desarrumadas. O fato é que a vida íntima da mulher brasileira até esse período era muito preservada dos olhos estranhos, não existia uma variedade de atividades voltadas para a mulher, limitando sua aparição pública. A informalidade do vestuário da mulher quando se encontrava em casa deve ter suas razões: as brasileiras se esforçavam em se adequar aos trajes europeus, porém a diferença climática ainda era uma barreira para o conforto das senhoras em seu lar. O cenário se modificou com a chegada da corte, já que a cidade agora vivia em um número maior de atividades sociais que exigiam rigor nos trajes dos convidados e as leis suntuárias classificavam o que as pessoas deveriam trajar em acordo com cada evento. Para as damas que pertenciam ao círculo social da nobreza, o traje de Corte, adequado para as festividades, era composto por ornamentos como plumas e joias (figura 4), e o vestido deveria seguir o estilo Império, que era a moda em voga. Na ocasião de eventos sociais da nobreza, como bailes e apresentações, eram publicados na Imprensa Régia as orientações para os trajes, como cita este trecho de Maria Beatriz Nizza da Silva: Em 1821, por ocasião de um baile foi publicada pela Imprensa Régia a etiqueta a ser seguida: “As senhoras irão vestidas de Corte, mas sem manto. As que dançarem, porém, levarão vestidos redondos, luvas e o enfeite de cabeça mais ligeiro e
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próprio para aquele fim.” Ou seja, a liberdade de movimentos exigida pela dança levava a substituição do traje pesado e rígido por outro mais leve.”(SILVA 2009, p. 181 grifo meu).
Pouco a pouco, a mulher carioca começou a se desvencilhar da vida de reclusão doméstica e se abriu para o exibicionismo que a vida na corte permitia. As mudanças econômicas – abertura dos portos (1808) e o tratado de comércio de 1810 que permitia a venda de produtos britânicos na colônia com uma diminuição nas taxas de impostos – adotadas por D. João VI vieram acompanhadas de mudanças sociais e culturais também (CARDOSO, 2003, p. 21). Camila Borges da Silva explica: Assim, foi esse o espaço privilegiado em que as festas reais e procissões religiosas ocorriam e no qual as elites do período se davam a ver e eram vistas, através dos instrumentos fornecidos pelo aparato cerimonial coadunados à “utilização de uma indumentária que demonstrava a pujança de seu poder econômico e social.” (SILVA, 2010, p. 158).
O vestuário é uma forma de comunicação visual, que através de símbolos oferece uma leitura sobre a individualidade e a história de quem está vestindo. Também é, uma maneira de exibir seu status no meio de uma sociedade e uma foram encontrada pelo ser humano para poder se destacar do outro indivíduo (MENDONÇA, 2006, p 58). Na tarefa de capital de um Império, o Rio de Janeiro teve que passar por um processo de educação para que pudesse exercer esta função. A corte portuguesa chegou ao Brasil falida, e ao chegar aqui encontrou uma sociedade que tinha recursos financeiros porém não tinham a educação européia que tanto prezavam. Nesta tentativa de se igualar aos europeus, muitos brasileiros que tinham poder econômico, faziam “doações” ao cofre do Rei, em troca recebiam privilégios e honrarias (GOMES, 2007, p.295).
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Figura 4. Jovens das Elites; 1820-1830; aquarela; 9x13,3cm;
Fonte: BANDEIRA, Julio. LAGO, Pedro Correa do. Debret e o Brasil OBRA COMPLETA, Editora Capivara, 2004.
Apesar de não ser o foco da pesquisa, é importante esclarecer que os homens não passaram ilesos pelas mudanças ocorridas na época, porém o mais importante é destacar a função da mulher em torno da imagem de seu marido, pai ou senhor: a função de ser a responsável de refletir o seu poder, o que acontecia inclusive com escravos que ostentavam joias como forma de demonstrar o poder dos proprietários. Metaforicamente falando, seria como se a esposa fosse um espelho do poder que o homem poderia exibir. Os novos tempos trouxeram movimento para um mercado que viria a crescer nos seguintes anos no Brasil: o comércio de produtos de moda. Inicialmente foi a partir da inserção dos produtos ingleses, e alguns anos mais tarde, os produtos franceses. A
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partir deste momento, apesar de toda a distância que existia entre o Brasil e a Europa, as mulheres daqui puderam ter mais contato com as modas europeias e assim se submeter a estas tendências. Silva (2009, p. 179) cita entre os produtos que chegaram aqui: tecidos – sedas, filó e garça figuravam entre as opções para vestidos de baile; acessórios – chapéus de palha ou seda, sapatos de seda e xales; e, produtos de armarinhos - fitas, galões de ouro ou prata, rendas, fios de ouro, tiras bordadas, entremeios, cordões de seda, bordaduras de ouro, entre outros itens. Muitas histórias cercam a chegada da realeza no Brasil, e uma delas é a de que uma epidemia de piolhos fez com que as mulheres a bordo dos navios precisassem raspar seus cabelos – incluindo a princesa Carlota Joaquina e suas filhas. Ao pisarem em território brasileiro, encontraram uma população que ainda estava presa no exagero do rococó, enquanto a realeza europeia já tinha movido adiante com a moda império (SILVA, 2009, p:177). Os cabelos raspados das princesas precisaram ser disfarçados com turbantes, um elo que ainda nos ligava com as influencias indianas, e logo a população também iria aderir ao uso dos mesmos, ao acreditar que aquela era uma moda recente da Europa (BANDEIRA, 190). Entre as mulheres livres, porém, fora do círculo da nobreza, o padrão se repetia com uma intensidade menor, já que maior fonte de informação era o vestuário dos nobres com os quais conviviam. Desde o período em que Luis XIV, o Rei Sol, reinou, a França era quem ditava as tendências no vestuário de grande parte da Europa (BOUCHER, 2010, p. 215). A partir da Revolução Francesa, o vestuário extremamente suntuoso cai por terra dando lugar a uma silhueta que lembrava as colunas dos templos greco-romanos. A realeza portuguesa, que ainda temia sua queda, aderiu em sua indumentária a simplicidade como uma maneira de comunicar aos súditos que os tempos de ostentação haviam ficado para trás. O contraste entre os dois mundos se deu nesse encontro: de um lado Portugal e sua família real se esforçando para manter seu poder depois da revolução napoleônica, trajando vestes que
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outrora seriam consideradas simples demais para a realeza, e de outro lado uma população brasileira que se trajava com toda a suntuosidade possível e permitida. Com cerca de cinquenta mil habitantes (CARDOSO, 2009, p.21), o Rio de Janeiro em sua maioria era habitado por escravos e negros livres. Eram constantes os relatos de que a presença negra assustava os novos moradores e, entre todas as peculiaridades da indumentária usada no período, talvez a da escrava era a que mais se destacava. É difícil enumerar características gerais sobre a cultura africana, pois elas são imensuráveis e a maioria dos escravos não vinha de um único lugar do continente. De acordo com Raul Lody (2009, p. 184) grande parte dos escravos que foram forçados a vir para o Brasil para o trabalho forçado era oriunda de regiões da África Austral: Congo, Angola e da costa ocidental. Inicialmente, essa mão de obra forçada veio para o Brasil para trabalhar nas lavouras, porém a cada mudança do ciclo econômico do Brasil colônia, os escravos foram se adaptando e multiplicando e passando a fazer parte da paisagem e população brasileira. Ele ainda acrescenta: Corpos revelados, corpos desnudos, corpos para compreender verdadeiros sentidos e sentimentos na busca da liberdade. Expressão, volume, luminosidade, e novas concepções espaciais trazem da África derramada no Rio de Janeiro encontros, confrontos, reciclagens, permanentes de panos e muitos outros materiais.” (LODY, 2009, p. 185).
Havia uma distinção de classes entre os escravos. No contexto desta pesquisa vamos analisar o vestuário das escravas de ganho [fig.7] – que realizavam tarefas remuneradas para terceiros, mas cujo lucro ia todo para o seu senhor – e as escravas domésticas [fig.6] - que habitavam a intimidade das famílias. As escravas de ganho faziam parte do cotidiano da cidade e desempenhavam várias tarefas dentro da casa de suas senhoras, sendo parte fundamental da engrenagem doméstica.
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Figura 5. Um jantar brasileiro; 1827; aquarela; 15,9x1,9cm.
Fonte: BANDEIRA, Julio. LAGO, Pedro Correa do. Debret e o Brasil OBRA COMPLETA, Editora Capivara, 2004.
Figura 6. Bem cheirosa; 1827; aquarela; 15,8x21,9cm.
Fonte::BANDEIRA, Julio. LAGO, Pedro Correa do. Debret e o Brasil OBRA COMPLETA, Editora Capivara, 2004.
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Os pudores das escravas eram diferentes dos das mulheres brancas. O vestuário da escrava era basicamente composto de sobras de panos que tinham sido de suas donas. Assim, pedaços, panos toscos, usados e velhos caíam sobre o corpo devido a modelagem inexistente e, para firmar o tecido no corpo, era usada uma faixa que segurava a saia dando sustentação ao corpo durante o trabalho. O que existia era, independente do material que havia em sua disponibilidade, a necessidade de estar protegida e adornada, mas não esconder seu corpo (DUNCAN; FARES, 2009, p. 101). Elas se vestiam com o que lhes era cedido, e isso era o suficiente para tampar as partes de seu corpo que a sociedade branca não considerava apropriado exibir. As mulheres escravas ainda mantinham contato com sua cultura através de alguns elementos de adorno, com as figas e pencas representando toda a superstição africana, além de colares e turbantes na cabeça. Rugendas afirma que esses escravos usavam librés fora de moda que, acrescidas aos turbantes e penteados esdrúxulos, os transformavam em verdadeiras caricaturas (RUGENDAS, 1821). A indumentária em si é carregada de símbolos, e permite ver claramente a mensagem que a negra passava em seus costumes no Brasil imperial, aceitando sua condição de escrava sem deixar para trás as crenças que carregava consigo (LODY, 2009, p.186). Seguindo a linha da mensagem que era passada através do vestuário, as escravas domesticas das famílias nobres tinham uma tarefa similar a de sua senhora: a de refletir todo o poder e status de seu dono [fig.9]. Ironicamente, apesar de os escravos serem considerados inferiores pelos brancos, quando a sua função era de acompanhar a dama, a escrava passava por todo um cuidado em sua indumentária. O seu papel de trabalhadora e mão de obra da família se estendia à função de ser um dos personagens para atestar o status que a família representava (DUNCAN, FARES, 2009, p. 107). Quanto mais escravos uma família possuía, maior era o poder. E logo isso também foi inserido na cultura de vestuário das escravas que trabalhavam no lar.Nesse caso, as negras se vestiam à imagem e semelhança de suas senhoras exibindo o poderio da família.
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A cor azul era um dos tons mais frequentes retratados nas obras de Debret, pois era uma das cores mais baratas entres os têxteis – sendo esse mesmo azul o que viríamos futuramente nos primeiros jeans usados por trabalhadores americanos. Já os pés descalços que vemos nas imagens são para representar a ausência de liberdade dos negros e submissão aos seus donos. Conclui-se com tudo isto que as roupas finas eram só uma maneira diferente de aprisionar essas pessoas por meio dos costumes da época.
Figura 7. Empregado do governo saindo a passeio; 1820-1830; aquarela; 19,2x24,5 cm.
Fonte: BANDEIRA, Julio. LAGO, Pedro Correa do. Debret e o Brasil OBRA COMPLETA, Editora Capivara, 2004.
As ruas do Rio de Janeiro eram tomadas pelos coloridos dos trajes das escravas, que podem ser considerado por alguns como os arquétipos do que seria o trajar brasileiro (DUNCAN; FARES, 2009, p. 108). A cidade em si foi construída sob o pilar de diversas culturas que se difundiram, transformando sua paisagem física e social. Julio Bandeira (2003, p. 45) conclui que ao retratar as camadas inferiores da hierarquia carioca, Debret conseguiu também retratar através das mudanças, os efeitos que isso traria para a sociedade carioca.
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4 Considerações finais
Nesta monografia, ao apresentar e analisar um determinado período da história do Brasil, além da compreensão, procuramos também refletir sobre a manutenção dessa memória cultural, incentivando criações que valorizem alguns aspectos da identidade cultural carioca e resultando na propagação dessa informação cultural.O propósito desse trabalho gira em torno de compreender melhor o trajar feminino, mas também desvendar o passado para poder enxergar sua influência no vestir atual e incentivar criações que ressaltem a identidade cultural brasileira. A criação estimula a continuidade de padrões na identidade de cada indivíduo e, esses padrões podem se tornar um estilo que comande um período, deixando uma essência estética marcando o ar de um tempo (BRAGA, 2009, p. 196).
O processo de criação de cada designer de moda parte de um caminho extremamente pessoal, não existindo fórmula ou teoria que deva ser seguida à risca. O melhor caminho para a fundamentação da criação é a pesquisa. A coleta de informações, escolha da referências, cartela de cores, tecidos, criação de estampas e croquis, todo esse processo é o que faz a ponte com o resultado material da criação. A pesquisa bem fundamentada pode abrir diversas possibilidades. O conceito e a usabilidade são determinantes para a aceitação do projeto de acordo com a sua proposta e público. O designer, ao criar seu produto (seja ele vestuário, imobiliário, joalheria, etc.) tem que saber coordenar o seu conceito com sua realidade cultural, como diz Maristela MisukoOno: “Destaca a importância fundamental da sintonia entre o design e a cultura no desenvolvimento de artefatos para a sociedade, considerando-se a pluralidade e a variabilidade de características, necessidades e anseios dos indivíduos e grupos sociais, e a necessidade de se respeitar as suas identidades” (ONO, 2004).
Através dos capítulos anteriores vimos o plano de fundo histórico e os motivos que explicavam o trajar de cada mulher no tempo do Brasil Império. A mulher carregava em sua indumentária todo um simbolismo que explicaria suas origens e a razão de estar vestida de determinada maneira. Desde as nobres às escravas. Em cada detalhe podemos ver a comunicação visual que a mulher queria transmitir: as joias na senhora e na escrava demonstravam o poder que envolvia sua família, as cores reforçavam o poder e diferenciavam as classes – como era o caso do azul índigo, uma cor extremamente barata e frequentemente usada por escravos, ou do vermelho, considerada uma cor nobre –, os rojões das escravas que carregavam símbolos de suas crenças africanas, os turbantes que eram uma herança vinda das Índias, etc. Se compararmos o Brasil com os países europeus, a nossa história e todas as descobertas aqui são recentes. Acredito que,
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devido a isso, ainda existam lacunas não preenchidas na hora de contar esta história. Principalmente quando se trata da história do vestuário e têxtil brasileira antes do surgimento do mercado de moda. Um dos principais objetivos dessa pesquisa era coletar informações sobre os efeitos da chegada da corte portuguesa na cidade do Rio de Janeiro e tentar contar essa história de uma maneira mais linear. Jean BaptisteDebret chegou ao Brasil num período em que as mudanças estavam a todo vapor e, em meio às suas atividades como retratista oficial da corte, enxergou nas ruas cariocas estilos que muito se diferenciavamdo que era usado na Europa e na própria corte. Ele registrou o fenômeno da mudança em suas telas, que hoje ilustram nossa mente ao nos lembrarmos deste período da história brasileira. Ao incentivar a pesquisa histórica como caminho para a criação de peças atuais, proponho mais do que fazer releituras atuais do passado, indo além: a ideia é trabalhar com a criação do futuro para contar histórias do passado, que serão apresentados num projeto futuro. Mas também deixo esta opção para o leitor. Como cita Miriam da Costa Manso Moreira de Mendonça: “À medida que a história se distancia de uma época, mais ela depende desse registro capaz de relatar às gerações futuras, preciosos detalhes sobre o seu modo de vida.” (2006, p. 86).
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