Publicação do Curso de Comunicação Social da UNISC Santa Cruz do Sul ano
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A GELADEIRA QUE FEZ A HISTÓRIA DE UMA RUA
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A chegada da primeira geladeira de Santa Cruz do Sul
ÁGUAS PASSADAS 30 Histórias e lembranças de uma vida nos rios
UMA REPORTAGEM NA ENCHENTE
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O dia em que uma enchente rendeu uma pauta e quase levou uma vida
SABÃO EM PÓ E CERVEJA A R$ 1,00
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Um jogo de Loto inusitado cujo prêmio não é dinheiro
VIDAS REGIDAS PELO BPM
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Eles não vão ao banco na quinta-feira
UM CONTERRÂNEO NA LEGIÃO ENTREVISTA 54 A promessa de uma vida diferente como combatente na Legião Estrangeira
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AS IRMÃS FISS E A ARTE DA FOTOGRAFIA
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Irmãs fotógrafas que registraram a história – e que agora fazem parte dela
DOIS COMPANHEIROS E UM AMOR EM COMUM Amizades duradouras e sinceras conquistadas em cima de duas rodas
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“SÓ TEM O DIREITO DE FALAR DE MIM QUEM ME CONHECE” 28
Depoimentos dos repórteres sobre as suas matérias e muito mais em
O cotidiano de um terapeuta holístico
HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO 36
http://hipermidia.unisc.br/excecao
Uma pessoa que trouxe consigo a cultura de seu país
O TRISTE FIM DE UM AVESTRUZ
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O que a morte reserva para os avestruzes
OSVALDO DECIDE SER DIFERENTE
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Uma mudança movida pela crença na liberdade
UMA CADEIA DIFERENTE 48 Recomeço marca a vida dos presos em Cachoeira do Sul
A VIDA DE QUEM TROCA O DIA PELA NOITE
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VEJA TAMBÉM 4
editorial
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ensaio
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resenha
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osvaldo
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crônica
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humor
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crônica
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expediente
Como é o “dia a dia” dos santa-cruzenses que trabalham à noite
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s luana backes
editorial
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memória
A GELADEIRA
QUE FEZ A HISTÓRIA
DE UMA RUA A Rua Gaspar Silveira Martins, no Centro de Santa Cruz do Sul, já foi chamada de Rua da Gelada, por ter recebido a primeira geladeira da região. Poucos conhecem a história que inspirou uma marca de referência na cidade reportagem s
Pedro Garcia
Dois motivos levavam o jovem agricultor Pedro Kirst a se deslocar a cavalo todas as semanas de Linha Áustria, localidade onde vivia, até a zona urbana de Santa Cruz do Sul, naquela terceira década do século passado. Um deles era ensaiar junto ao Coro Santa Cecília. O outro, provavelmente o principal, era encontrar Olinda, namorada e logo depois, esposa. Em 1928, ano em que o casal abriu as portas do empreendimento que os sustentaria por toda a vida, Santa Cruz do Sul ainda não tinha um cartão postal. A imponente Catedral São João Batista, por meio da qual a cidade firmou-se simbolicamente como uma das mais importantes do Sul do Brasil, só começaria a ser erguida no ano seguinte. À época, era tão pequena que até seu nome era menor. Chamava-se simplesmente Santa Cruz e comemorava pouco mais de duas décadas desde que fora efetivamente elevada à categoria de “cidade”, livrando-se da incômoda posição de “vila” anexa à hoje vizinha Rio Pardo. A zona urbana era quase um quintal, ocupado por seis mil pessoas, todas conhecidas de todas. A esmagadora maioria da população, constituída principalmente por ruralistas, vivia nas localidades periféricas. Depois de deixar o interior e a vida no campo, Pedro e Olinda escolheram, para iniciar o novo negócio, a casa de número 1332, na rua Gaspar Silveira Martins, que atravessa a região central da cidade de ponta a ponta e atualmente é uma das mais movimentadas. Sem calçamento, a rua era então ocupada por cavalos e carroças, além dos grupos de
fotografia s
Luana Backes
crianças que ali brincavam despreocupadas em meio à poeira. Aparentemente pequena, mas bastante espaçosa, a casa serviu também como residência do casal e dos três filhos que nasceriam na sequência, Elyta, Gladys e Telmo. A família vivia nos fundos e o empório foi montado na parte da frente. Embora nunca tenha recebido um letreiro que o identificasse como tal, o local foi batizado Secos e Molhados, bem como são conhecidos os estabelecimentos comerciais que oferecem uma grande variedade de itens – também chamados de bazares ou armazéns. A vizinhança que passou a frequentar o lugar encontrava o que ao mesmo tempo era mercado e bodega. Ao fundo, ficavam as prateleiras com vidros de schimmier e outros produtos. Em um canto, estavam os armários com embutidos. No chão, ficavam as sacas com arroz, feijão, café e ervas. Na parte de baixo e atrás do balcão de mármore, as bebidas. Em cima dele, uma balança e um pote de balas com tampa redonda. Ao centro, uma mesa grande ao redor da qual os homens da redondeza sentavam, principalmente antes do meio-dia e à tardinha, para conversar, jogar carpeta e beber uísque, conhaque, cachaça e cerveja. Nos finais de semana, a movimentação se estendia até a madrugada. “Quando chegavam para beber, meu pai pedia que as crianças se recolhessem”, lembra Gladys, a filha do meio, que, junto da irmã mais velha e do caçula, que nasceria alguns anos depois, passava os dias circulando pelo local e ajudando os pais.
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Foi por volta de 1940 que Pedro e Olinda fizeram um investimento que não apenas expandiria o negócio como tornaria folclórica aquela rua por vários anos. Compraram da loja Becker Irmãos, alocada em espaço onde atualmente funciona um grande supermercado na Tenente Coronel Brito, uma moderníssima geladeira comercial a querosene da extinta marca Steigleder (do tipo que hoje só se encontra em leilões e mercados de pulgas). Logo, a geladeira se tornou atração naquela
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parte do bairro onde aparelhos como aquele ainda não existiam – em toda a cidade, eram poucas as casas e lojas que já contavam com uma. No dia em que a geringonça foi entregue, as crianças da rua mal conseguiam esconder a euforia. Toda branca, com quase dois metros de altura, puxadores niquelados e oito portas, quatro em cima e quatro em baixo, a geladeira tornou o Secos e Molhados ainda mais popular. Os pequenos arranjaram mais um motivo
para rondar a loja o tempo inteiro: queriam picolés. Pedro, que era conhecido pela boa vontade com que tratava os clientes (acostumado, inclusive, a vender fiado para todos), não se incomodava de emprestar espaço para que os vizinhos pudessem deixar nela suas coisas a gelar. A não ser quando enchia a tal ponto que faltava espaço para os utensílios da própria casa. “Daí ele reclamava, mas mesmo assim, não sabia dizer não”, conta Gladys. “Era uma pessoa muito bondosa.”
s acervo pessoal
s acervo pessoal
Acima: Pedro Kirst, o empreendedor da Gaspar Silveira Martins Esquerda: Nestor Schütz, que transformou Gelada em Gellada Direita: À frente do antigo empório, a família Kirst – o casal Telmo e Olinda e as filhas Elyta (janela) e Gladys Direita (topo): A casa, hoje, transformada em comitê eleitoral
Porém, o grande diferencial que o investimento concedeu ao local foi a possibilidade de servir aos clientes, bebidas de fato geladas. Até então, o mais perto que se conseguia chegar era colocando as garrafas no gelo em tachos improvisados com tijolos, deixando-as no chão dos porões das casas, ou dentro de baldes suspensos no fundo de poços d’água, sem muito sucesso. “É claro que não gelava, só saía sem o rótulo”, ri Gladys. Com a geladeira, a bodega e a rua viraram referência
para toda a região, inclusive para as crianças que faziam de tudo por uma Gasosa Limão ou outros refrescos da época.
anos a rotina dos jogadores. “Quando acabavam os treinos, eles diziam ‘vamos tomar uma gelada’ e corriam para lá”, conta.
O título não-oficial de Rua da Gelada perduraria por algumas décadas, bem como a fama do local. Arlindo Agnes mudou-se para a Gaspar em 1967, quando foi contratado como auxiliar de serviços gerais no estádio do Futebol Clube Santa Cruz, distante apenas alguns metros da casa. Instalado ali mesmo com a esposa Iracema, acompanhou por 30
De trás do balcão do Secos e Molhados, Pedro e Olinda assistiram ao crescimento de Santa Cruz do Sul. Em fins dos anos 70, a população da cidade já chegava aos 50 mil, e pela primeira vez era maior do que a da zona rural. As ruas já tinham calçamento e o número de estabelecimentos semelhantes – e, consequentemente, de geladeiras – era bem
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maior. Por isso que em 1976, Pedro decidiu largar o negócio e se aposentar. O empório foi vendido e seguiu funcionando como tal até 2004, exatos vinte anos depois de Pedro ter falecido, vítima de um derrame. A casa, então, retornou à família e segue hoje alugada pelo filho mais novo, Telmo, que já foi deputado e atualmente dirige uma grande empresa controlada pelo governo gaúcho. Repaginada, com nova pintura, passa a maior parte do tempo com as portas fechadas, quando não é utilizada como comitê de campanhas eleitorais. Da geladeira, nenhum deles tem notícias. “Ainda esses dias perguntei para a minha irmã ‘onde andará a geladeira?’”, diz Gladys.
gelada, gellada, geladinha
A maior parte das milhares de pessoas que transitam diariamente pela Gaspar Silveira Martins não imagina que a rua já foi conhecida em toda a cidade como Rua da Gelada – e muito menos o por quê. Uma pista, no entanto, está escondida no letreiro de um frequentadíssimo supermercado que funciona quase em frente à antiga casa dos Kirst. O Super Gellada não se chama assim por acaso. Em 1994, quando Nestor Schütz abandonou o ofício de cabeleireiro, após 25 anos, e mudou-se de Linha Nova para Santa Cruz com a esposa e o filho, decidido a empreender, descobriu a velha alcunha da rua onde se instalou e sua história. Imediatamente, decidiu que o seu negócio levaria aquele nome – o “l” foi duplicado por orientação de um numerologista. A marca tornou-se tão conhecida que nem adiantou batizar de Schütz o restaurante anexo que a família abriu há cinco anos: os clientes insistem em chamá-lo de Gellada. “Meu filho não gostou quando decidi colocar o nome do mercado assim”, conta Nestor. “Ele achava feio e a história boba, mas hoje todo mundo chama ele de Gelada e a mulher dele de Geladinha.”
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quando surgiram as coisas em santa cruz do sul
1853
1854
Primeira escola particular
1868
Primeira escola pública
1875 Primeira cancha de bolão
Primeira cervejaria
1896
1905 Primeira linha telefônica
Primeiro hotel
1905
1911 Primeiro trem
Primeiro automóvel fonte s Recortes do Passado de Santa Cruz,
de Hardy Elmiro Martin
ensaio
De 60 a 90: terror e suspense do jeito que a gente gosta texto s
Letícia Pereira
Ninguém resiste a cenas de suspense. Gritos, perseguições, sangue. Ruídos ou silêncio absoluto. Tensão. Medo. A história do terror no cinema começou quando se percebeu o poder de trabalhar as emoções dos espectadores de forma segura. Que outra forma de arte poderia dar vazão às coisas sinistras que habitavam o imaginário popular desde séculos atrás? A TV influenciou diretamente a produção de filmes de terror. O telespectador, já acostumado a ver imagens em movimento, aprendeu a gostar de emoções fortes (merten , 2007). O terror e o suspense são a montanha russa do cinema, onde o público grita, mas no fim, sabe que sairá inteiro. Afinal, é apenas um filme. Foi a partir da década de 60 que a indústria de filmes do gênero se consolidou. A cena em que Janet Leigh é esfaqueada enquanto toma banho, no filme Psicose, dirigido por Alfred Hitchcock, é uma das mais famosas de toda a história do cinema. Na década seguinte, a menina de 12 anos possuída pelo demônio, roteiro de O Exorcista, arrepiou os cabelinhos da nuca de muitas pessoas em 1973 e até hoje é citado como um grande clássico. ”Quando a morte de Marion Crane (Psicose) encontra o terror mais explicito de O Exorcista a (r) evolução se completa” (merten , 2007). No ano seguinte, O Massacre da Serra Elétrica atingiu inacreditável sucesso ao chocar o público com um realismo cruel, baseado em fatos reais. Foi o primeiro filme de uma nova tendência que adquiriu centenas de fãs: a violência explícita. O assassino, o maníaco Leatherface, que usava uma máscara feita com pele humana, é um modelo para outras personagens de filmes de terror (ba zin , 1989). A década de 80 é a era do terror explícito e de efeitos especiais. O psicopata Jason Voorhees aparece pela primeira vez no Lago Crystal para amedrontar uma colônia de férias no longa Sexta-Feira 13. A história faz tanto sucesso que ganha uma sequência de doze filmes, o último lançado no ano passado, com o mesmo título do original, totalizando 285 vítimas mortas
pelo maníaco da máscara de hóquei, que levou em torno de 435 tiros ao longo dos anos e... sobreviveu. Em 1982, chega às telas Poltergeist, explorando recursos cinematográficos, escrito e produzido por Steven Spielberg, indicado para os Oscars® de melhores efeitos visuais, melhor trilha sonora e melhor som. Já em 88, Brinquedo Assassino reina absoluto. Um serial killer é morto em um tiroteio com a polícia e antes de morrer utiliza o vodu para transferir sua alma para um boneco. Claro que você se lembra do “adorável” Chucky. O enredo sangrento e cruel repete o sucesso de Jason e ganha quatro sequências.
O medo e o suspense são a montanha russa do cinema
Na década de 90 surge o “terror teen”. A mistura de hormônios adolescentes, violência e sangue, muito sangue, logo vira febre mundial. Pânico (1996) e Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado (1997) foram os primeiros de grandes sucessos. A história dos jovens que recebem ligações de um maníaco e os quatro adolescentes que atropelam e supostamente matam um desconhecido são roteiros pobres, mas sucessos de bilheteria, formando um padrão nos filmes do gênero. Encerrando a década, O Sexto Sentido se consolida como um dos melhores filmes de terror de todos os tempos. Lançado em 1999, é um dos exemplos de “suspense inteligente”. No Brasil, foi líder absoluto de público, tendo liderado o ranking semanal por mais de 2 meses, assistido por 4 milhões de pessoas, tornando-se o filme que mais espectadores teve em 1999. Ao longo destas décadas, a categoria terror/suspense amadureceu, e atualmente é o mais procurado entre os gêneros cinematográficos.
Referências MERTEN, Luiz Carlos. Cinema: entra a realidade e o artifício. 2ª ed. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2007. BAZIN, Andre. O cinema da crueldade: de Buñuel a Hitchcock. 1ª ed. Nova York: Martins Fontes, 1982.
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testemunho
Uma reportagem
s acervo pessoal
na enchente
A Ipanema no local da enchente
Em busca da notícia, três repórteres de uma rádio comunitária vivenciaram momentos de tensão ao enfrentarem as águas do rio Pardo durante a cheia que assolou Candelária reportagem s
Tiago Mairo Garcia
Candelária, 4 de janeiro de 2010. Após o feriadão de Ano Novo com sol e alegria, o primeiro dia útil do ano amanheceu com uma chuva fraca, que, na ótica de todos, seria mais uma simples chuva de verão. Naquele dia, acordei por volta das 10h da manhã, era o meu primeiro dia de férias. Parecia ser mais um dia normal, de chuva, bom para ficar descansando e assistindo televisão. Mas só parecia. Por volta de meio-dia, o meu celular tocou. Era meu colega de rádio Paulo César Severo. Ligou dizendo que havia enchente no rio Pardo, e que era para nós nos deslocarmos até a Prainha para fazer a cobertura para a Rádio Comunitária Vida Nova FM, pois a água estava começando a chegar nas casas. Almocei rápido e, em seguida, Paulo me pegou de carro para irmos até o balneário Carlos Larger, a popular Prainha de Candelária. Primeiro passamos na rádio e apanhamos o nosso outro colega, Lindomar Mundstock. Como eu também trabalho no jornal Folha de Candelária, passamos na redação, onde peguei uma máquina fotográfica. Fomos primeiro até uma madeireira localizada no bairro Esmeralda, zona leste da cidade. Neste local, pudemos perceber que o rio Pardo estava enchendo rapidamente. Até aquele momento, eu não acreditava que a enchente poderia ter uma dimensão maior, mas estava desconfiado. Após, fomos para a zona norte da cidade, até a Escola Estadual Gastão Bragatti Lepage. No local, vimos que a água já havia tomado conta de toda a Prainha, com a água avançando até próximo da escola. Eram pessoas desesperadas ao ver a violência das águas levando tudo. Vimos a gravidade do fato e passamos a realizar a cobertura para a rádio comunitária no local, relatando a situação que ali ocorria.
linha do rio Naquele momento, muitas informações desencontradas chegavam a nós sobre a situação do interior e, principalmente, sobre a Linha do Rio, localidade que fica situada às margens do rio Pardo. Como ninguém sa-
bia como estava a enchente naquela região, Paulo, eu e Lindomar decidimos nos deslocar até a localidade para verificar a situação e informar as pessoas por meio da rádio. Fomos com a Ipanema, dirigida pelo Paulo Severo. Ao cruzar pela ponte da RSC-287 sobre o rio Pardo, vimos que o nível do rio estava subindo. Mesmo assim, decidimos seguir. Entramos na VRS-408, que dá acesso à Linha do Rio e, quando estávamos na reta, situada no km 3, observamos que a água já cruzava o asfalto a uma distância de aproximadamente 1000 metros de onde estávamos. Paramos o carro, Lindomar saiu para fora e deu um flash ao vivo para a rádio, por telefone, situando como estava a enchente na localidade. No momento que ele falava, em menos de 30 segundos, como se fosse uma onda de tsunami, a água do rio veio ao nosso encontro. Ao ver a situação, o Lindomar gritou ao vivo “olha a água” e começou a correr no asfalto. Eu e o Paulo ficamos dentro do carro. O Paulo tentou dar a ré, mas a água veio muito rápido e nos jogou para dentro de uma lavoura de soja. Por sorte, e com a mão de Deus, não capotamos, e conseguimos abrir as portas para sair. Com a água pela cintura, desesperados, passamos a gritar por socorro.
desespero O momento mais crítico foi quando o Paulo me disse que não sabia nadar. Saímos caminhando pela lavoura com a água subindo, já na altura da barriga, tentando chegar ao asfalto novamente. Quando eu cheguei no barranco da rodovia, ao tentar subir para o asfalto, caí e fiquei somente com a cabeça para fora da água e sem forças para subir. A morte parecia iminente, mas Paulo chegou rápido ao meu lado e me puxou para cima. Parecia que eu havia renascido, mas ainda estávamos no meio do perigo. A água subia cada vez mais rápido. Eu e Paulo começamos a caminhar e andamos cerca de 500 metros com a água pelos joelhos no asfalto. Tínhamos que passar por uma ponte sobre um arroio onde
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a água já estava por cima e com uma forte correnteza. Nosso colega Lindomar ficou nos esperando e, quando conseguimos chegar, juntos, nós três, nos agarramos pelas mãos. Conseguimos atravessar a correnteza. Andamos mais uns 10 metros e conseguimos chegar a uma parte do asfalto onde a água ainda não havia chegado.
socorro Cansados, saímos correndo em terra firme, desesperados. Olhávamos para as lavouras e víamos que estava enchendo cada vez mais. De repente, avistamos um automóvel Gol vindo em nossa direção. Começamos a gritar para eles pararem e voltarem, pois a água estava vindo atrás de nós. Imediatamente o motorista fez o retorno e rapidamente nos deu uma carona e saiu em disparada. Um pouco antes do trevo de acesso à Linha do Rio, a água que cortava as lavouras invadia o asfalto. Por sorte, Márcio, motorista do carro, acelerou e conseguimos sair no momento certo, pois menos de cinco minutos depois, todo o asfalto e parte da RSC-287 estava tomada pela água, tamanha era a enchente. Chegamos à rádio e parecíamos não acreditar no que havia acontecido. Nossa colega Aline Schultz estava preocupada e nos contava que tentava contato conosco e não conseguia. Preocupado com o carro, o Paulo queria a todo custo voltar ao local para salvar o automóvel. Por sorte, os vidros do veículo ficaram abertos e, devido ao barro, a Ipanema ficou presa dentro da lavoura de soja. Após a água diminuir, no dia seguinte a enchente, várias emissoras de televisão foram até a localidade e realizaram imagens do veículo, que ficou conhecido em nível nacional.
“é muito maior do que a gente imaginava” O locutor e repórter da Rádio Vida Nova FM Lindomar Mundstock lembra com detalhes a grande enchente que surpreendeu Candelária e quase vitimou a equipe de re-
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portagem da emissora. Ele se recorda que ao chegar para apresentar o seu programa diário pela manhã, já ouvia rumores sobre o início da enchente e começou a passar as primeiras informações do fato no estúdio da rádio. Somente próximo ao meio-dia, quando a situação começou a se agravar, ele entrou em contato comigo e com Paulo Severo para que fosse feita a cobertura. Durante a cobertura, ao caminhar em meio à água que já devastava as casas localizadas na Rua da Praia, o locutor se surpreendeu com a dimensão da enchente. “Eu comentei com o Paulo e disse que era muito maior do que a gente imaginava. Eram pessoas sendo resgatadas de barco no meio da rua e outras tentando salvar o que tinham. Era uma luta, os próprios moradores estavam se ajudando, uns aos outros”, conta. Na Linha do Rio, em um local aparentemente seguro, ele se recorda que desceu do carro e passou a fazer outro flash ao vivo onde mencionava como estava a situação naquela localidade, quando foi surpreendido pelas águas. “Eu estava falando ao vivo e senti os meus pés na água. Em questão de 10, 15 segundos, a água já estava no meu joelho. Interrompi a transmissão e vi que o Paulo e o Tiago tentavam sair com o carro de ré. A água subiu tão rápido que derrubou o carro com eles para a lavoura. Me assustei e vi que a situação era grave, achei que a água fosse cobri-los.” De acordo com o relato da locutora da Vida Nova, Aline Schultz, que apresentava o programa Na Medida Certa, o último flash feito por Lindomar assustou ela e os ouvintes. “O Lindomar estava falando ao vivo, quando de repente, ele deu um grito – ‘olha a água’ – e a transmissão foi interrompida.” Ela lembra que tentou o contato com os três colegas e todos os celulares estavam desligados. Cerca de uma hora depois, os três, completamente molhados e assustados, chegaram até a rádio e contaram à história que havia ocorrido.
O empresário e comentarista esportivo Paulo César Severo foi um guerreiro durante a enchente. Ele lembra que, pela manhã, estava trabalhando na loja Construmak, da qual era sócio-proprietário, e, ao sintonizar uma emissora de rádio concorrente, passou a ouvir as notícias sobre a enchente que estava ocorrendo no município. “Senti a obrigação de também realizar a cobertura jornalística daquele fato, pois também tínhamos os nossos ouvintes que estavam preocupados com a enchente.” Devido à gravidade, ele se recorda de ter ligado para mim e Lindomar Mundstock e convidado ambos para juntos realizarmos a cobertura para a Rádio Comunitária Vida Nova FM. Na Linha do Rio, o comentarista lembra dos momentos de angústia vivenciados pela equipe. Severo lembra de meu desespero na lavoura. “Quando o Tiago chegou no barranco, próximo ao asfalto, ele caiu e não tinha forças para levantar. Naquele momento achei que ele fosse morrer, pois a água estava no seu pescoço. Comecei a rezar e fiz uma promessa para um santo em que pedi a ele para nos abençoar naquele momento. Consegui chegar até ele e o puxei para cima. Parecia que ele havia tomado um choque e só conseguiu se equilibrar no asfalto”, lembra. Cerca de meio ano após a enchente, o empresário conta que nós cumprimos a promessa feita ao santo em meio a enchente. Segundo Paulo, este santo não tem nome e está enterrado em um túmulo solitário existente no meio de um campo, na localidade de Capão do Valo. “Há décadas, várias pessoas que moram naquela região vão até o túmulo do indigente agradecer a ele pelos mais diversos milagres. No dia da enchente pedi para aquele santo do campo nos abençoar e graças a Deus e a ele, conseguimos sair”. Para agradecer ao “santo do campo”, Paulo e eu caminhamos 23 km durante mais de cinco horas, a pé, de Candelária até o túmulo, no Capão do Valo, onde rezamos e agradecemos por estarmos vivos.
O motorista se recorda ainda que achou que não iria conseguir cruzar a 287 após a água começar a cruzar o asfalto próximo ao trevo da Linha do Rio. “Ali me bateu o desespero de não conseguir passar na ponte sobre o rio Pardo”, conta o motorista. Já Alcemar salientou que jamais tinha visto uma enchente daquelas. “Por detalhes a gente não ficou preso também. Desesperei-me com aquela situação”, disse. Márcio lembra de uma moto que estava no local e que, devido à força da água, ele acredita que os repórteres não iriam sair a tempo da Linha do Rio se tivessem que fugir a pé.
s nairo orlandi
Duas pessoas anônimas foram os verdadeiros heróis ao salvar no momento certo os três repórteres da Rádio Vida Nova FM na Linha do Rio. Márcio Luís Lintner e Alcemar da Silva Friedrich estavam indo para a Linha do Rio realizar algumas fotos e filmagens da enchente quando se depararam com os repórteres fugindo da água. Márcio se recorda que algumas horas antes ele havia ido até a Linha do Rio levar uma colega de trabalho até a localidade e, ao ver a água vindo, retornou até a cidade e convidou Alcemar para ir novamente até a localidade bater algumas fotos e realizar alguns vídeos da região por curiosidade. “Vimos que estavam quase a ponto de interromper a ponte, mas mesmo assim passamos”, lembra Alcemar. Quando estavam chegando até a Linha do Rio, os dois viram a equipe de reportagem. “Quando passamos, o Tiago Garcia gritou ‘vocês estão loucos, saiam daí’. Paramos e fizemos algumas fotos. Logo entendemos porque ele havia dito que estávamos loucos, pois a água estava vindo pelas lavouras. Fizemos o retorno e demos uma carona para eles”, lembra Márcio. Tiago (acima), ao lado da Ipanema; Márcio e Alcemar (abaixo), os heróis do dia
s tiago garcia
Sobre a experiência de ver a enchente de perto, eles salientaram que nunca mais querem vivenciar esta situação. “Não dá para brincar, não é brincadeira. É sério, é apavorante ver a água daquele jeito”, finalizou Márcio.
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passatempo
SABÃO EM PÓ E CERVEJA A R$ 1,00 Santa-cruzenses se reúnem três vezes por semana para jogar Loto, às vezes, voltam para casa com um rancho na sacola
reportagem s
Luana Rodrigues
Quem caminha por aquela calçada, nas terças e quintas-feiras ou, quem sabe, aos domingos, escuta de longe o som grave de uma voz masculina que pronuncia números. 2, 10, 37, 64, 51, dois patinhos na lagoa... Quanto mais se aproxima, mais claro fica o ruído, que dá conta de dezenas e mais dezenas. A porta permanece sempre aberta, quase como um convite ao pedestre, que, curioso, muitas vezes apenas passa e espia para o interior do local, a fim de entender o que acontece lá dentro. O lugar é simples, uma casa pintada de rosa claro, na beira de uma rua tranquila, janelas gradeadas e um letreiro azul, que denuncia a que se propõe o local: Ponto da Amizade. Lá, pessoas reúnem-se para jogar Loto, uma espécie de bingo, mas cujo prêmio não se parece em nada com dinheiro.
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ilustração s
Mariana Pellegrini
las. Já elas, arrecadam o dinheiro e repõem os prêmios. Tudo foi pensando nos mínimos detalhes, principalmente a escolha do melhor local para investir no empreendimento. A construção, que antes servia como casa, foi adaptada para a nova função. O quarto virou despensa e comporta um grande estoque de produtos. A garagem foi fechada e serve como sala de jogos auxiliar, quando o espaço principal fica lotado. Dois cômodos foram ligados e servem para abrigar os jogadores, que se distribuem em mesas compridas e em bancos de madeira. A cozinha ainda existe e é nela que se esquenta a água para o chimarrão que é ofertado aos clientes.
O primeiro sortudo a completar uma linha da cartela pode escolher entre produtos alimentícios ou de limpeza. E os clientes são exigentes. Não querem saber de arroz ou refrigerante de baixa qualidade. As marcas preferidas já são de conhecimento dos donos do local, que procuram disponibilizar entre os prêmios apenas o melhor. Cerveja é artigo de luxo entre os brindes. Desaparece da mesa com a mesma rapidez que chega. Mas só a Skol. Se for Kaiser a cerveja fica lá por mais tempo, meio que rejeitada, quase como o patinho feio da história.
Quem joga Loto no Ponto da Amizade de uma coisa não pode reclamar: a hospitalidade. Diversos “agrados” são oferecidos nas tardes ou noites de lazer. O mate é sempre acompanhado por balas, cucas ou bolachas. Se o dia for de azar no jogo, pelo menos não será para o estômago. Além disso, sempre que compra uma cartela, recebe-se outra, sem custo. Serve como um estímulo para continuar na disputa e, ao mesmo tempo, é uma chance a mais de se dar bem na aposta. “Nós pensamos em várias estratégias para sermos diferentes e agradarmos o nosso público. Não podemos perder ninguém para a concorrência”, afirma Tânia.
O lugar existe desde junho de 2010 e serve como fonte extra de dinheiro para Tânia Heck, seu esposo Nestor Hister, a irmã dela Lurdes Henkes e o marido Aércio Bartoldi. A primeira é monitora de creche. Ele, comerciante. A outra é doceira, casada com um professor aposentado, que voltou a dar aulas. Juntos, eles administram nas horas vagas o Ponto da Amizade. Para os homens, fica a tarefa de sortear os números e conferir as carte-
No espaço reservado para a jogatina cabem apenas cerca de 30 pessoas, mas a maioria permanece por lá pelo tempo máximo, ou seja, cerca de quatro horas. Uma das clientes fiéis é a florista Aneli Assmann. Ela vai para o Ponto da Amizade acompanhada da família. Tanto ela, quanto a mãe, irmã e a cunhada, não abrem mão de jogar Loto nas horas livres. “É um momento de descontração e, ao mesmo tempo, de convivência”, comenta.
Já para a aposentada Frida Bröening o motivo do jogo é outro. Ela avalia como anda a despensa e vai jogar em busca dos produtos que faltam em casa. “Aqui tem tudo que a gente precisa e com sorte dá pra conseguir prêmios excelentes”, revela. Ela gosta de sentar próxima ao local onde são sorteados os números e tem uma espécie de ritual. Deixa o celular em cima da mesa, ao lado dos prêmios adquiridos, e joga sempre com cinco cartelas. “Assim tenho mais chances de ganhar”, argumenta. Mas a colega de jogo sentada a sua frente não deixa por menos e faz uma brincadeira. “É porque ela tem mais dinheiro. Pode gastar mais”, alfineta. Além da cerveja, há outros itens que são bastante disputados no jogo: os de limpeza. O amaciante, que no mercado custa em torno de R$ 7,00, lá sai apenas por R$ 1,00. Mas, assim como a Skol, os produtos não podem ser de qualquer marca. Os queridinhos das jogadoras são Comfort e Omo. Nesta lista seleta também entram erva-mate, arroz, barra de chocolate, massa, carvão, óleo e refrigerante. Aliás, Pepsi nem pensar. Só vale Coca-Cola. Para divulgar os doces que Lurdes, uma das donas do local faz, eles arranjaram uma estratégia: colocam pedaços de torta entre os prêmios e comentam que são produzidos por ela. O capricho na decoração da guloseima e a aparência apetitosa deixam as jogadoras com água na boca. Após ter seus números sorteados, uma delas vai até a mesa e rapidamente dá de mão em um pedaço de torta. Já de volta ao seu assento, ela faz um comentário com a amiga. “No mercado, uma fatia dessas custa uns R$ 10,00. Lucrei e ainda vou adoçar a vida”, avalia.
barulhos e regras Jogo de Loto é uma coisa curiosa de se observar. De um lado, um homem sorteando números e os pronunciando em voz alta e grossa. Aliás, boa dicção é fator fundamental para assumir o posto. Do outro, pessoas atentas, em silêncio, apenas movimentando as peças que marcam as dezenas já sorteadas. Não se escuta nenhuma outra palavra. Dá quase para ouvir a respiração dos jogadores que não desgrudam os olhos das cartelas nem por um segundo.
Quem sempre frequenta o Ponto da Amizade já tem algumas preferências. A principal é com relação às peças para marcar os números. O local disponibiliza algumas em acrílico e outras em EVA, uma espécie de borracha. Mas estas são leves demais e não fazem muito sucesso entre os clientes, pois se movimentam com qualquer vento. Por isso, tem gente que traz de casa as peças. “Mas estes são nossos clientes fixos, que têm o hábito de vir sempre e gostam de usar seu próprio material”, explica Tânia.
sim, jogo de loto dá lucro
Como o movimento aumentou bastante, eles resolveram criar uma espécie de bolão. Neste caso, a recompensa é maior. “Estamos com uma cafeteira, sanduicheira, lençol e edredom acumulados”, disse. Foram sorteados 40 números e ninguém fechou a cartela. A cada dia o número aumenta, até sair um ganhador. Assim, os prêmios acumulam e a quantidade de dezenas sorteadas cresce, até que um dia alguém consiga arrebatar todos de uma vez. Por semana, são gastos cerca de R$ 1.000,00 em prêmios e sorteados trezentos produtos. O lucro em um domingo de movimento é de mais ou menos R$ 800,00 e nos dias de semana de R$ 350,00. Também existem despesas como aluguel e luz. O que ajuda a economizar é que os dois casais, que são os donos, também são os funcionários. Aos poucos, o empreendimento está dando retorno financeiro. E, quase sempre aos domingos, o espaço fica apertado. Conforme Aércio Bartoldi, que comanda os jogos, o mais interessante do ramo é que na maioria das vezes as pessoas saem de lá com prêmios, por mais singelos que eles sejam. “Isso aqui não tem nada a ver com bingo. Eu já vi muita gente destruir a vida perdendo dinheiro com jogos. No nosso caso, nós proporcionamos lazer, divertimento e produtos úteis para o dia a dia. Não tem como dar errado. Basta fazer certo”.
Eventualmente alguém se confunde e precisa pedir para repetir o número. Quem está do lado responde, mas não dá muita conversa para não perder a concentração. Mas quando alguém grita “linha” pode saber que vem reclamação, pois um apostador teve seus cinco números sorteados, fechou uma linha, e pode retirar um prêmio. O silêncio dá espaço para lamentos, comentários e frustrações. “Faltava só um”. “Quase cheguei lá”. “Mas de novo?” Estas são apenas algumas das lamúrias ditas diariamente no local.
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mistério
Caso Kliemann: para urubus e cientistas Pedro Garcia
Dizem que o grande público das narrativas, ficcionais ou não, jamais resiste a tragédias. É a face meio sádica, meio urubu, de boa parte das pessoas, dizem, sentir-se excitado diante de histórias que envolvam infortúnios, sofrimentos e sangue. De fato, seja na literatura policial, nos filmes de crime ou no jornalismo investigativo, consolidou-se, em especial no decorrer do século passado, uma tradição que faz bem-suceder os “contos de desventuras”. Não é à toa que figuras como Agatha Christie e Alfred Hitchcock firmaram-se definitivamente no imaginário popular. Envolvente em nível de não dever em nada a Convite para um Homicídio ou Festim Diabólico, para ficar apenas em exemplos, Caso Kliemann – A História de uma Tragédia é um relato doloroso, sangrento, e, como se não bastasse, verídico. São dois homicídios, um trio de órfãs, uma sequência de conturbações políticas respingando nas investigações oficiais, e uma imprensa inescrupulosa fartando-se de causos e personagens. Mas não se trata de um “espreme que sai sangue” qualquer. O valor da “verdade” ali colocada é certamente duplicado aos nossos olhos gaúchos. Todos os episódios sucederam-se neste território, mais precisamente entre a então provinciana Santa Cruz do Sul e a modernosa capital Porto Alegre, nos idos de cinquenta e meados de sessenta. Diz-se que a verdade tem peso maior, pois nesta trama os elementos não nos são estranhos. Nas linhas e entrelinhas, captamos personagens que são hoje ruas e avenidas, ou figuras vivas e reverenciadas, além de clubes, escolas e residências ainda impostos na urbanidade. Um passado que segue se acusando. Celito de Grandi, medalhão do jornalismo rio-grandense, tomou para si a corajosa missão de resgatar a atualidade do caso que começou com a morte de Margit Kliemann, esposa do deputado estadual santacruzense Euclydes Kliemann, e culminou com a do próprio, um ano depois – ambos
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em circunstâncias embebidas de mistério. O resultado é fruto de um inesgotável e admirável exercício de pesquisa, por meio de documentos, jornais e entrevistas. A meio caminho entre o fazer jornalístico e o fazer história (e História), organizou o relato de forma sedutora. Embaralhou os pontos de maior impacto com os imprescindíveis dados que fazem os personagens e fatos – basta citar que o texto abre com o assassinato da esposa, para depois voltar às origens: os antepassados e a história do casal, o nascimento das filhas, a ascensão política de Euclydes. Compõe o perfil dos protagonistas com a mesma maestria que traça o cenário político do estado na época, e chega a postar-se em vários momentos nas condições dos próprios personagens, descrevendo seus sentimentos os mais profundos. Em dado momento, por exemplo, quando relata a situação em que Euclydes anunciou à família sua candidatura a Assembléia, diz que Margit hesitou, pensando se havia feito a escolha certa ao casar-se com homem tão pretensioso. É notável a decisão de incluir tal elemento, sem dúvida imaginado, mas com a segurança de quem conhece a fundo aquilo do qual fala. Dessa forma, com narração elegante, que visita a cinematografia sem parar, o autor vai e vem sem medo na linha do tempo da trama, constituindo um quadro que ao mesmo tempo em que é completo e rigoroso, é também gostoso e plenamente acessível. Ameniza as ganas geradas por nossos instintos menos sensíveis, e oferece um trabalho jornalístico, literário e científico da mais alta categoria.
Para ler GRANDI, Celito de. Caso Kliemann – A história de uma tragédia. 1ª ed. Porto Alegre: Literalis/Edunisc, 2010.
s divulgação/valdomiro soares/agência rbs
texto s
s Pepe Fontanari
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na balada
Vidas regidas pelo reportagem s Nairo Orlandi
Normal é uma palavra que não se aplica à rotina profissional e à vida de Cíntia Knak, 31 anos, e Tiago Allgayer, 28, DJs residentes da casa de festas Spirit de Santa Cruz do Sul, onde tocam todas as quartas e sábados. Nas quartas, os dois já se preparam porque sabem que a quinta-feira será mais longa do que os outros dias da semana. Tudo isso porque, além de tocarem até as cinco da manhã, trabalham normalmente no outro dia. Por volta das sete e meia de quinta, Cíntia acorda de um sono sobressaltado de apenas duas horas. Cansada, sonolenta, com zumbido nos ouvidos por causa da música alta da noite anterior e o cheiro de cigarro da festa impregnado no nariz, ela levanta para começar o dia. Toma um café mais forte do que o normal para aguentar a jornada e vai para o trabalho. A DJ diz que nesses dias sua presença na Escola de Educação Infantil Vovô Albino, onde é diretora, é apenas corporal, pois tem a impressão que sua mente ficou dormindo. Como recurso para esquecer o sono, passa o dia comendo. Mesmo assim, a ardência nos olhos é a lembrança constante da noite passada em claro, e o que ela mais deseja é o fim das suas atividades para poder ir para casa dormir e descansar. Já Tiago tem o privilégio de dormir meia hora a mais. Mas, apesar disso, o sono, o zum-
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bido nos ouvidos, e tudo mais é igual ao de Cíntia. Segundo ele, aguentar as oito horas de trabalho que se seguem na empresa de seu pai é complicado. Por isso, prepara e realiza todo o serviço mais pesado e difícil um dia antes, para que nos dias de muito sono as atividades não sejam tão desgastantes. O problema mesmo é quando chega perto das 14 horas, quando o cansaço aperta mais e a ardência nos olhos também. No horário do almoço aproveita para tirar um cochilo quando pode, mas, mesmo assim, o resto do dia caminha em passos lentos. Para Cíntia, já é assim há seis anos. Professora especializada em educação infantil há 13, ela também trabalhava em 2004 no bar de uma casa de festas de Santa Cruz do Sul chamada Life. O proprietário do estabelecimento resolveu realizar uma festa fechada para mulheres até determinada hora, e precisava de uma mulher como DJ. Como Cíntia namorava (e ainda namora) o Tiago, que na época já tocava nas noites, o dono perguntou se ela não topava tocar. Ela, sem nenhuma noção de como mexer nos equipamentos, aceitou. “Bem metida”, como ela mesma coloca. Então, seu namorado gravou quatro CDs para ela e mostrou onde era o play, que dá a “partida” na música. E, desse jeito, ela encarou o desafio.
Cíntia não só tocou nessa festa como agradou. Com isso, surgiram mais convites para tocar em outros lugares, e o que começou como uma brincadeira acabou virando sua segunda profissão. Cerca de três noites por semana ataca como DJ. Segundo Cíntia, hoje não é tão complicado conciliar os dois trabalhos, pois sua jornada na escola é de segunda a sexta, e evita tocar durante a semana com exceção da quarta, quando toca na Spirit. “Nas quintas me preparo para um dia puxado. Mas já toquei quarta e quinta, aí fica complicado para recuperar o sono. Tento fazer tudo o que eu faço da melhor forma. Mesmo cansada, em qualquer das situações, me preocupo, pois é meu nome como DJ e como professora que está ali”, afirma. Diferente de Cíntia, desde pequeno Tiago gostava de música e estava inserido no meio. Seu pai era DJ nos anos 80 e continua tocando em algumas festas particulares até hoje. Alguns de seus amigos possuíam equipamentos de som e, junto com eles, Tiago começou a tocar em algumas festas particulares. Até que, em 1999, surgiu a oportunidade de tocar em uma renomada casa de festas da época, a Mansão. Era o que faltava para as portas de outras festas se abrirem. Na época, Tiago não trabalhava, então começou a investir na carreira de DJ. Chegou a tocar como residente em uma balada na cidade de Santiago durante um ano e meio em 2001. Há cinco anos
BPM começou a trabalhar na empresa de seu pai. Apesar de ser uma empresa familiar, não tem privilégios. Trabalha normalmente nas quintas e se diz já acostumado com a rotina. Até dois anos atrás ele tocava de quinta a sábado, mas, pela dificuldade de conciliar as duas jornadas, hoje só toca nos finais de semana e na quarta. Como todo bom DJ, procura estar sempre se atualizando nos horários livres, pois todo dia surgem novas músicas eletrônicas, estilo que Tiago toca. Ainda arranja tempo para ouvir todas e escolher as melhores. Mas isso nos outros dias da semana que não a quinta-feira, quando só quer chegar em casa e dormir. Já Cíntia, que segue uma linha de som mais pop, atualiza-se trocando música com outros DJs e pesquisando na internet. Segundo ela, muitas vezes as pessoas que estão na festa pedem músicas novas, que acabam sendo boas dicas. Ressalta a importância de estar sempre atualizada nesse sentido, e por isso tira algumas horas por semana para esse trabalho. Aos domingos, o casal aproveita para descansar. Os dois adoram o que fazem. O único sentimento de frustração está em não poder participar de festas como formaturas, aniversários e casamentos realizados nos sábados. Pior ainda quando é da família. Mas não podem faltar a uma festa que irão tocar. Mesmo doentes comparecem, pois diferente do
Conheça um pouco mais da rotina de dois DJs que, além de tocarem cerca de cinco horas por noite, encontram forças para encarar uma jornada de trabalho durante o dia posterior
trabalho do dia a dia, na noite não há alguém para substitui-los. “É um compromisso que assumimos principalmente com a Spirit, onde tocamos duas vezes por semana. Só no verão tiramos 15 dias de férias para descansar e viajar”, afirma Tiago.
O único sentimento de frustração está em não poder participar de festas de formaturas, aniversários e casamentos Namoram há oito anos e atualmente moram juntos. Conheceram-se por meio de amigos em comum. Segundo Tiago, quando Cíntia começou a tocar foi um pouco complicado, pois cada um tinha que tocar em um lugar diferente na mesma noite. Mas agora que são residentes da mesma casa ficou mais fácil, e quando algum deles vai tocar em uma festa de fora, o outro sempre acompanha. Quanto à convivência, Cíntia diz que é legal os dois tocarem porque é mais fácil de um entender o outro. “Porque noite é noite,
é mulherada dando em cima, ‘fãs’. Mas faz parte. Fica mais fácil a relação.” Tiago concorda e diz que quando Cíntia o conheceu ele já tocava na noite, e com o tempo ela entendeu que era um trabalho. Sobre o que acontece nas festas, Tiago fala que não pode dizer que já viu de tudo porque toda noite acontece algo novo. Cíntia concorda e diz que o mais comum é ver homem dando em cima de mulher, mulher dando em cima de homem e casais brigando, geralmente por causa de uma olhada a mais para outra pessoa. Quando questionados sobre se um dia pretendem parar de trabalhar como DJs e seguir outras carreiras, os dois mostram que não pretendem fazer algo diferente tão cedo. “É claro que é puxado trabalhar e ainda tocar a noite, mas eu gosto do que eu faço. Enquanto as pessoas quiserem, e enquanto gostarem do meu som, eu vou seguir tocando”, afirma Cíntia. E assim o casal segue toda quarta e sábado, mais alguns dias extras do mês, fazendo a trilha sonora da balada de centenas de pessoas. Na quinta, continuam com a rotina semanal de seus compromissos profissionais, cansados e esgotados, mas ao mesmo tempo felizes por terem cumprido mais uma noite de trabalho.
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recordações
AS IRMÃS FISS E A ARTE DA
FOTOGRAFIA Irmãs foram fotógrafas ambulantes na época em que álbum de família era artigo de luxo reportagem e fotografia s
Durante 20 anos, as irmãs Alzira Anilda Fiss, 83, e Elma Silena Fiss, 79, de São Miguel, em Restinga Seca, cidade próxima à Santa Maria, foram as fotógrafas oficiais da região. Elas registraram casamentos, aniversários, momentos festivos, de alegria e até mesmo de tristezas. As facilidades proporcionadas atualmente com as novas tecnologias, principalmente por meio das máquinas digitais, permite a qualquer pessoa captar imagens e montar o álbum fotográfico de sua família. Naquela época, há mais de 60 anos, fotografar era muito diferente. “Pegava a charrete e o cavalo, com nossos equipamentos, íamos aos locais das fotos, não importava se era de dia ou de noite. Muitas pessoas também vinham até nossa casa, pois tínhamos um estúdio, onde hoje é nossa sala, e as fotos eram feitas”, relatou Alzira. Tudo começou em 1950, quando foi adquirida a primeira máquina, uma Kodak, durante viagem a Ijuí. O equipamento foi utilizado até 1955, com no máximo 12 fotos tiradas por vez, e todas em tamanho pequeno, formato 3x4. Na época, as irmãs apenas tiravam as fotos. O processo de revelação era realizado em Agudo, com a prima Almida Klüsener. Segundo Alzira, a fotografia surgiu na vida das irmãs, além de alternativa de renda, também pelo prazer de captar as imagens. “Gostávamos do que fazíamos,
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Patrícia Parreira
sempre trabalhamos muito. De dia cuidávamos da criação e da plantação de milho junto com a família. A irmã Irma Fiss, falecida há 19 anos, era quem costurava e, de noite, eu e Elma cuidávamos das fotos”, relatou Alzira. Em 1955, foi adquirido um novo equipamento, uma máquina fotográfica que possibilitou então fazer imagens maiores, de vários tamanhos, até 13x18, tudo em preto e branco. A nova máquina, grande, com equipamentos pesados, possibilitava tirar uma “chapa” de cada vez. Conforme Dona Alzira, muita paciência era necessária na hora de fotografar. “Nas festas tirávamos uma foto, aí íamos até um quarto escuro, trocávamos a chapa, enquanto isso, as pessoas da foto seguinte já iam se posicionando. Tudo era um processo lento, mas no final todos adoravam ver as fotos prontas, já em tamanhos maiores.” Naquele tempo, Alzira e Elma já realizavam também o processo de revelação, o que na época dava muito trabalho. De Porto Alegre vinham os produtos químicos usados na revelação das fotos. Tudo era feito em casa, em um quarto com apenas a iluminação de uma lâmpada vermelha, com auxílio de uma bacia de inox. Depois era necessário colocar o material em água corrente, e como na época não existia água encanada, o recurso utilizado era a sanga de São Miguel, que ficava a um quilômetro da casa. “De
madrugada levávamos o material na sanga, ele precisava ficar lá de 10 a 12 horas, na sombra, em água fria e corrente, para tirar os produtos químicos usados na revelação. Várias vezes, durante a noite, tínhamos que sair correndo para buscar o material, porque o tempo estava se preparando para dar temporal, imagina a responsabilidade”, ri Dona Alzira. Depois que as imagens passavam pelo processo de lavagem, elas eram secadas em um quadro de vidro e metal, com a ajuda de um pano seco e macio. Uma cortadeira era utilizada para recortar as imagens do tamanho solicitado pelo cliente. Segundo as irmãs, as fotos demoravam em torno de um mês para serem entregues às pessoas. A última máquina, um pouco mais moderna, foi comprada em 1960. Na época já existia luz elétrica, o equipamento era de filme, e já podiam ser tiradas 30 fotos em apenas uma vez. Neste período, os clientes que desejavam ter fotos coloridas já podiam pedir. As irmãs enviavam as fotos em preto e branco para Santa Maria, e uma profissional pintava a mão. “Lindos quadros de famílias pintados a mão foram feitos nessa época, nós até chegamos a aprender a pintar, mas não colocamos em prática, porque logo depois nossos pais começaram a ter problemas de saúde, e fomos parando de fotografar”, contou Dona Alzira.
Além de Santa Maria, os municípios que solicitavam o trabalho de fotografia eram: Restinga Seca, Agudo, Paraíso do Sul, Dona Francisca, Faxinal do Soturno e São João do Polêsine. Durante o trabalho de fotógrafas ambulantes, foram registrados momentos festivos de casamentos, eucaristias, festas, e principalmente fotos que reuniam toda a família. “Quando os clientes sabiam que a família estaria reunida, nos chamavam, e nós, com a nossa charrete íamos até a casa e tirávamos as fotos. Assim como tinham pessoas que vinham até nossa residência para registrar o momento”, conta Alzira. Até mesmo quando alguém concluía uma construção, como uma casa nova ou estabelecimento comercial, as irmãs fotógrafas eram solicitadas para registrar as arquiteturas. Muitas obras que hoje não existem mais, ou foram substituídas por prédios e casas modernas, estão registradas em imagens antigas captadas pelas Fiss. Além do português, Dona Alzira e Elma falam fluentemente e também leem em alemão. Diversas fotografias, cartas em alemão e cartões postais da Alemanha e outros países, enviados por familiares e amigos, são lembranças de uma época desconhecida ou esquecida por muitos, mas que podem ser resgatadas através dos registros e belas histórias contadas pelas irmãs Fiss.
“Começamos com a Kodak, que comprei em Ijuí, na viagem com Armando e sua esposa, Anida, tia Leopoldina, Alzira Fiss, Geraldo e esposa Eli e a filhinha do casal. Isso aconteceu em 1950, quando fomos para Três Passos, Herval Novo, onde o irmão Wili Fiss morava. Meu irmão era comerciante, negociava porcos, soja, galinhas e arroz, tinha de tudo em seu estabelecimento, além de trabalhar com um caminhão.”
“Pegava a charrete e o cavalo, com nossos equipamentos, e íamos aos locais das fotos, não importava se era de dia ou de noite” “Ficamos uns dias pela cidade, depois fomos para Santo Ângelo, passamos no Hotel de Flora Henschke. De lá, fomos para Três de Maio e Horizontina, no primo Armindo Gehm e esposa Eda, e a filha Iraci, e por lá ficamos uns dias. Armando e a esposa Anida foram para a Argentina e quando voltaram, fomos todos para Ijuí,
passamos no hotel e visitamos os segundos primos que estudaram no colégio da cidade: Lidaci, Oraci, Darli Gehm, filhos do primo Armindo Gehm. Saímos de Ijuí às 10 horas e chegamos em casa ao anoitecer, na Várzea do Meio. Esta foi a viagem que comprei nossa primeira máquina, a Kodak, aquela que começamos a fotografar em 1950.” “Na época tínhamos muito serviço, muita coisa aprendemos com a prima Almida Klüsener. Em 1955 compramos outra máquina fotográfica, que se cobria a cabeça com um pano preto, como foi difícil de trabalhar. Então em 1960 já tínhamos luz elétrica e compramos outra máquina, mais moderna e um ampliador, que trabalhava com filme.” “Sempre tínhamos muito serviço, mas paramos de fotografar em 1970, porque tínhamos o compromisso com nossos pais. Eles estavam cada vez mais doentes, o pai com bronquite e asma, o que causava muita falta de ar, que era apenas aliviada com um cachimbo com gás. Já a mãe tinha pressão alta e problemas no coração. Cuidamos dos pais, nunca faltou remédio pra eles, ele faleceu aos 88 anos no dia 9 de julho e ela faleceu com 85 anos, dia 24 de julho. Ambos no mesmo ano, em 1975.”
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CONTEÚDO DE QUALIDADE.
NÓS CHAMAMOS DE EXCEÇÃO.
A Revista Exceção é feita por gente que não tem medo de experimentar e ousar na hora de contar as melhores histórias.
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crônica
Elucubrações texto s
Letícia Pereira
Sempre gostei de palavras. De sentir as palavras. Cada sílaba, cada acento, cada respiração entre uma e outra. Mas é a definição que realmente me seduz. Aquelas filhas do latim deveriam ser pronunciadas com especial respeito. São senhoras mortas (coisa muito triste uma língua morrer). Usar bem as palavras é um dom, um charme concedido a poucos. Não me refiro a seres que exigem ser chamados de “doutores”, que fazem escorrer expressões desconhecidas de suas bocas, usadas para disfarçar a sua (pouca) inteligência. Respeito os que têm o dom do discurso, conhecem o alfabeto. Que acariciam nossos ouvidos com belas palavras, todas perfeitamente alinhadas dentro da frase. O resultado soa quase musical, harmônico. Foi da minha mãe que herdei essa paixão. Há alguns anos, folheava encantada o maior livro da pequena biblioteca que ela mantém em casa. Não entendia o título: Novo Aurélio. “Novo”? Mas o livro era tão velho... Folhear as páginas era pura magia. O repuxo daquele mar de verbetes me levava cada vez mais, e eu adorava exibir meus conhecimentos linguísticos. “Professora, não pude vir a aula ontem porque tive deutergia; gosto de ler livros históricos para não cometer anacronismos; queria ter a pele lioderme como a sua.” Era especialista também em xingamentos: ximbute, mentecapto, energúmeno, primata... Só parava quando as ameaças de defenestração da sala de aula começavam a se tornar sérias. Então, antes que minhas tão amadas palavras se tornem um colóquio sonolento para gado bovino repousar, encerro minhas elucubrações, torcendo para não ter sido prolixa.
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duas rodas
DOIS COM
E UM AM
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PANHEIROS
OR EM COMUM Um grupo de amigos reunidos por uma causa. Sem diferença de raça, religião ou classe social, o que os une é a dedicação pelo esporte reportagem s
Ana Gabriela Vaz
Giovane Faccin e Miguel Lawisch se conheceram por meio da paixão pelo esporte. O amor de Giovane pelas bicicletas foi herdado do pai. Seu Danilo era borracheiro. Consertava pneus de carros e caminhões. Logo depois começaram as buscas pelo conserto de pneus de bicicletas. Os irmãos, Luiz e Giovane Faccin, eram crianças, mas já assistiam ao trabalho do pai com admiração. A procura pelo conserto das bikes foi tanta que Seu Danilo trocou a borracharia por uma loja de bicicletas. Hoje, o ponto de encontro do grupo. Mais tarde, Seu Faccin fez uma longa viagem de bicicleta, “uns duzentos e poucos quilômetros...”, lembra Giovane. Para os filhos, na época, era um desafio que o pai tinha conquistado e que eles desejavam também superar. “Hoje, a gente faz esse percurso em um dia”, ri Giovane das lembranças. Com os irmãos Lawisch foi diferente. As condições financeiras nunca foram boas. Miguel tinha apenas dez anos quando o pai morreu e, junto com o irmão, tiveram que assumir as funções da casa. Nunca tiveram carro, e a primeira bicicleta, devido à baixa renda da família, demorou para chegar. “A gente sempre queria passear, conhecer lugares [...]”. O meio de transporte dos irmãos foi adquirido só quando Chaco, José Lawisch, entrou para o quartel. Na época, tinha apenas uma marcha.
fotografia s
Luís Habekost
Em 1981, os irmãos conseguiram comprar uma nova bike, com 10 marchas. “A partir daí comecei a pedalar mais longe e a vontade foi só crescendo”. Foi através da aquisição dos irmãos e da loja de bicicletas do Seu Faccin que tudo começou. O ano era 1984. Miguel precisou do serviço e, ao visitar a bicicletaria dos Faccin, contou que iria até Santa Maria de bicicleta. Seu Danilo chamou os filhos para ouvir a ousadia do novo amigo. A partir daí, uma grande amizade estava por vir.
as competições Em meados dos anos 80, o ciclismo ganhou força com os campeonatos de bicicross. Por meio de alguns atletas, entre eles Giovane Faccin, o esporte começou a ganhar destaque regional. Giovane foi um dos primeiros campeões gaúchos na modalidade. Nessa época, os irmãos José e Miguel Lawisch começavam a pedalar pela região, depois Porto Alegre e Santa Maria. Em 1988, os irmãos Lawisch, Giovane Faccin e mais um amigo de pedaladas, Luis Eduardo Schuk, juntaram-se ao ciclista Paulo Lopes, hoje falecido. “Paulo Loco foi nosso pioneiro, inspirador [...]”, lembra Miguel. Estava formado o primeiro grupo de ciclistas santa-cruzense. “Como a gente gostou sempre de bicicleta, a gente reconhecia no Paulo um ponto de referência pra formar um grupo, foi o que aconteceu”, completa Giovane.
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A equipe queria muito participar do campeonato estadual, mas sem apoio financeiro e sem um clube não dava. Nessa época, com muita dificuldade, Miguel estudava Engenharia em Porto Alegre. Mesmo cursando uma faculdade, o que realmente lhe chamava a atenção era o esporte. “Lá em Porto Alegre eu ouvia muito falar em competições e pensava ‘puxa, nós temos que dar um jeito de participar disso aí’”, recorda Miguel. A oportunidade surgiu por meio do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense. A equipe Grêmio Mercur-Metalplas participou de diversos campeonatos. “Esse é um detalhe bem legal, o que a gente faz pela bicicleta, pelo ciclismo. É porque a gente gosta, porque ele como colorado não precisava vestir a camisa, né?”, pergunta Miguel, rindo do amigo. Com a vontade de buscar uma experiência maior, Miguel começa a fazer viagens mais longas. Pedala com o irmão até o Rio de Janeiro, em 1990. Um ano depois, resolvem atravessar o continente, de Tramandaí/RS a Viña del Mar/Chile. Miguel queria muito ser reconhecido no que fazia. “A imprensa só destaca notícias de bicicleta se alguém se jogar da Catedral ou se fizer uma viagem longa”, diz o ciclista. E o amigo Giovane ainda completa rindo: “Ou se pedalar pelado em São Paulo”. Então, Miguel Lawisch começa seu primeiro grande projeto: EUA. “O mais difícil foi eu fechar o portão de casa”, diz Miguel, lembrando do medo que tinha de não voltar. Durante o trajeto Miguel passou por muita coisa. Sem muito dinheiro, pedia comida em casas de família e, em troca, se oferecia para lavar a louça. Em 1992, depois de um ano e 25 dias, com 18.250 km rodados, percorrendo toda a costa brasileira, passando por vários países da América Latina, enfim Miguel chega ao seu destino final. “O que eu queria era chegar lá, participar de algumas competições, pegar uma experiência e voltar [...]. Lá tu és apenas mais um e o que adianta eu ir lá se a minha história funciona aqui? Não adianta eu ficar lá ganhando uma grana, que seria o ideal, se o esporte precisa de ajuda aqui, se eu sou daqui”.
pedaladas informais Em 1993, a necessidade de formar um clube para os ciclistas da cidade fez com que os amigos, em 19 de junho, fundassem o Santa Cruz Bikers Club. “Na época existia um departamento de bicicross, mas a partir daí passou a ser um clube oficial somente de ciclistas”, conta Giovane. O clube passou a funcionar na empresa dos Faccin. Miguel conta que a ideia dos amigos foi inédita: “Na época só se ouvia falar em mercado de carros e nós de bicicleta fazendo competições na Avenida do Imigrante e passeios organizados”.
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Aos poucos foi surgindo a necessidade de fazer pedaladas informais, não só competições. “Eu ligava para o Miguel Lawisch e para o Chaco (José Lawisch) convidando-os para pedalar. Daqui a pouco o nosso amigo Beto começou a pedalar e o meu irmão também. Logo começamos a formalizar grupos de pedaladas de ciclistas que gostam de lazer e esportes, não tanto para competição”, relata Giovane. Assim é que começaram os grupos de pedaladas.
O grupo Quatrilha só aumentou com o passar dos anos. Giovane ainda lembra que “o pessoal que saía para namorar, hoje pedala com as namoradas”. “Eu era um dos perdidos na quarta-feira, aqueles sem namorada. Hoje eu conto que fui até os EUA procurando uma, mas nenhuma foi louca de pedalar comigo e, quando vi, foi na Quatrilha que eu encontrei minha namorada que é ciclista e morava aqui bem pertinho, em Rio Pardo”, descreve Miguel.
“O Beto traz a confiança de que qualquer ciclista, mesmo mal preparado, pode ir que nunca ficará para trás” Em 1998, a maior parte dos amigos está namorando. Então, os solteiros do grupo resolveram que na quarta-feira, “dia internacional do sofá (dia de namorar)”, segundo os amigos, é o dia da semana para pedalar. “Daqui a pouco havia uns ciclistas que não podiam pedalar porque estavam namorando, aí nós dizíamos: ‘Não tem problema, não podem ir? Nós vamos’”, conta Giovane, rindo. Forma-se, então, o grupo Perdidos na Quarta-Feira. Na época, eram 14 companheiros. Os encontros eram alternados na pizzaria de um amigo e na Faccin Bicicletas. Os trajetos eram variados; uma quarta-feira a saída era para o norte da cidade e, na outra, para o sul. O grupo precisava se comunicar. Surge a ideia de fazer um grupo de conversação na internet. Como o nome do grupo era grande demais, os amigos resolveram mudar para Santa Ciclismo: “Santa” de “Santa Cruz” e “Ciclismo” de “ciclistas”. Conseguiram um patrocinador para fazer a camisa oficial do grupo (hoje mais de 280 espalhadas pelo mundo): as cores azul e laranja significam amizade. No ano de 2006, uma pedalada por semana era muito pouco para o grupo. É então que resolvem pedalar também nos finais de semana, aos sábados. “Como existia o Primeiro Comando da Capital, o PCC, com atividades na contramão do que nós queríamos, o pessoal, ironizando, fez um PCS, Primeiro Comando Sabadista”, relata Giovane. Foi nessa mesma data que resolvem mudar o nome das pedaladas de quarta-feira. “Como tínhamos o PCS, ‘Quatrilha’ ficaria melhor. ‘Quarta-Feira na Trilha’ também seria uma ironia a quadrilha”, conta Giovane.
o anjo Adalberto Kuhn é um homem tímido e não quis falar para nossa reportagem, mas os amigos Miguel e Giovane contaram um pouco sobre sua função. Beto é o anjo da guarda da Quatrilha. Ele sempre está na retaguarda. Beto é o último que sai e o último que chega. “Se o Beto não chegar, a gente não segue adiante”, conta Miguel. Tudo começou com a tranquilidade de Beto. Sempre disposto a ajudar os colegas, acompanhava todos os que ficavam para trás. Também por ser mecânico de bicicletas, se der algum problema, Beto é quem arruma. “O Beto traz a confiança de que qualquer ciclista, mesmo mal preparado, pode ir que ele nunca ficará para trás”, diz Giovane, com carinho. Beto só acompanha o grupo nos passeios à noite, pois, durante o dia, a segurança é maior. “As pedaladas de quarta-feira possuem tantos adeptos, na verdade, é por causa do Beto. Existem ciclistas que, às vezes, não vão pedalar, mas, ao saber que o Beto vai, eles decidem ir também”, conclui Giovane. “É fundamental que já se tenha um mecânico e, lógico, um mecânico que pedala, e mais, com todo esse requisito que o Beto tem...”, completa Miguel. O grupo Santa Ciclismo possui, atualmente, em torno de 200 participantes e pedala, em média, 1.600 km ao ano, contando que alguns passeios não são cumpridos devido ao mau tempo. “Nós amamos o ciclismo, mas prezamos, acima de tudo, pela nossa saúde e segurança. Por isso não saímos em dias de chuva”, diz Miguel. Segundo Gio-
vane, o que agregra pessoas ao grupo não são as competições, mas as pedaladas informais. “Eu acho que muitos participantes surgiram por causa da Quatrilha, porque ali a gente vai conversando, não é uma prova, é um passeio. Ali não existe cor, nem raça, nem classe social. Ali todos ajudam todos”, conta Miguel. A credibilidade do grupo, em grande parte, foi conquistada por causa de um homem. Beto, o Anjo.
“O pessoal que saía para namorar, hoje pedala com as namoradas” Há três anos, o grupo Santa Ciclismo trabalha em escolas com oficinas de trânsito. Eles levam até os jovens a conscientização do bom ciclista. Como andar nas ruas, equipamentos de segurança, o código de trânsito, entre outros assuntos são debatidos com os adolescentes. “Tentamos passar aos jovens que, se o ciclista está usando capacete, não é porque ele tem dinheiro, mas por questão de segurança”, diz Giovane. Miguel ainda completa dizendo que não vão até a escola só falar de leis, mas também os relatos de anos de experiência. “As nossas pedaladas de quarta-feira também servem de base para as oficinas”.
o que você precisa para começar Durante o dia Avaliação do médico s acervo pessoal
Bicicleta Capacete Durante a noite Avaliação do médico Bicicleta Capacete Sinalização noturna Farol
quanto custa Bicicleta A partir de R$ 300,00 você consegue comprar uma bike nova. Outra alternativa é comprar usada, mas sempre cuide a procedência. Tente comprar de algum ciclista. Capacete Custa em torno de R$ 30,00 Refletivos (sinalização noturna) A partir de R$ 29,00 Farol Em torno de R$ 75,00
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diário
“SÓ TEM O DIREITO
DE FALAR DE MIM
QUEM ME CONHECE” A vida pode ser mais normal do que se imagina, mas energia é o que não falta no dia a dia de um terapeuta holístico reportagem s
Vanessa Kannenberg
Camisa polo azul alegre, calça jeans tradicional e um jovial sapatênis é a combinação de um dos figurinos de Luis Valdir Soares. Nem vestes nem nome além do normal, apesar de mexer com coisas do além. Nem mesmo o apelido, Balaio, que poderia sugerir relações com macumba ou pai de santo, tem algo fora do comum. Ele era gordo na infância e o apelido fazia todo o sentido. “Se na época existisse bullying, eu poderia ter aberto vários processos”, brinca. Hoje, depois de 16 anos trabalhando como terapeuta holístico, lidando com energias cósmicas, reiki e magnified healing, com uma parede que certifica seus aprendizados ainda sobre cromoterapia, reflexoterapia, massagem, numerologia, ioga e tarô, Balaio exibe um sorriso constante no rosto, falas expressivas e conversa solta. Fora do seu consultório, que inclui uma sala de consultas espirituais com uma maca para o reiki e outro recinto comprido para as aulas de ioga, seu cotidiano também é tradicional. Supermercado, festas, chimarrão, viagens. Até mesmo brincadeiras sarcásticas trocadas com a sogra, mas jura que é tudo brincadeira. Um homem espirituoso. Marido de Marta Regina há 26 anos, é pai de Gregori Luis, de 26 anos, e Luã, de 18. Além dos cachorros, claro, que são os “bebês” da
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fotografia s
Luana Rodrigues
casa – Nina, Kaká, Emy e Jack. Casa esta que fica grudada ao seu local de trabalho. Tudo isso em Candelária. Aos 52 anos de idade, descreve a data de aniversário com detalhes além do tradicional. “Nasci dia 10 de junho de 1959, signo de gêmeos, numa quarta-feira, às 11h30 da manhã.” Simples assim. Não é fácil trabalhar com energia. Se descuidar, até o cachorro fica doente e pode dar briga entre o casal ou com os filhos. Seu trabalho exige uma vigilância constante, pois até durante o sono sua energia pode ser sugada por meio dos “vampiros de energia”. Durante o dia, uma série de rituais evitam que as cargas negativas tomem conta. Energizações no ambiente, orações, meditações, banho de sal grosso, de sete ervas e com água da cachoeira, “meditação no verde” (em contato com a natureza), andar descalço, ir à praia (“porque o mar e o sol recarregam”), defumação, projeção de símbolos e sinais sagrados, entre outros. Para os céticos, tudo parece simples avariações. Mas faz sentido para dezenas de pessoas que visitam Balaio com regularidade, sem um perfil definido. É gente querendo ajuda. Criança, idoso, homem, mulher. Preconceito? Não dá bola. “Só tem direito de falar de mim quem me conhece”, enfatiza, acrescentando um sorriso.
Diário do Balaio Domingo – 19/09/2010 10h – Acordei às 9h30 com um ótimo dia de sol. 11h – Caminhada na praia com a Laura. Ótimo. Muita felicidade interior. 12h – Preparação do almoço. Toda a família reunida, muita alegria e descontração. 14h – Hora de descanso (sesta), afinal, preciso recarregar as baterias e estou na praia. 16h – Meditação na praia. Fiz também caminhada e toda a família foi oferecer flores e velas a Iemanjá. 17h30 – Todos fomos ao centro de Capão da Canoa comprar presentinhos para revelação do amigo secreto. Ah, os cachorros de estimação Nina, Kaká, Emy e Jack também fizeram parte do amigo secreto entre eles, então, não dá para esquecer dos presentes. 20h – Revelação do amigo secreto. Primeiro entre os animais e segundo entre a família. Muitas gargalhadas. 21h – Janta e descontração total. 23h30 – Hora de deitar. O dia de hoje foi ótimo, excelente… Segunda-feira – 20/09/2010 10h – Café da manhã. Logo após fui ao super com meu cunhado, afinal preparar o churrasco do domingo também faz parte. Muita alegria, piadas, cantorias e risos. 14h – Hora da sesta. 16h – Caminhada à beira-mar. Muita alegria e contentamento. Sol ótimo, muitos pássaros à beira-mar. Meditação à beira-mar. 17h – Retornando da caminhada, um bom chimarrão e uma bela roda de conversa em casa. 19h – Confraternização em família do aniversário do Pedro Henrique (sobrinho). Muitas fotos, doces, salgados e ceva. 21h – Uma bela mesa de “jogo do burro”. Muita alegria e disputa. 22h – Arrumando as malas. 23h – Hora de ir para casa. Mesmo o dia estando ótimo, o corpo precisa relaxar, afinal foi um dia intenso de alegria, mas amanhã cedinho retorna o calendário. Terça-feira – 20/09/2010 6h30 – Hora de acordar, carregar as malas e partir. Agradecer pelo ótimo descanso. Muito merecido, pois estava precisando. 8h30 – Chegada. Ótima viagem de retorno com uma paradinha no Restaurante Palhoça para o café. Todos felizes, muito feliz e agradecido. 12h – Almoço com comentários sobre o descanso.
13h – Começando novamente o trabalho. Limpeza física da sala de ioga. Harmonização energética da sala. 15h30 – Início da aula de ioga. Primeira parte: aula. Segunda parte: entoações para proteção, abundância, saúde, elevação espiritual, calma mental e relaxamento (6 alunos). 17h30 – Início da aula de ioga com o mesmo conteúdo da anterior (7 alunos). 19h - Início da aula de ioga. Idem à anterior (11 alunos). 21h – Primeiro dia do ritual do Mestre Kuan Yin (saúde, prosperidade e elevação espiritual) 21h30 – Chimarrão com Luã (filho) e Marta (esposa). 23h – Hora de ir dormir. Antes, oração de agradecimento por este dia de hoje. Um excelente dia. Quarta-feira – 21/09/2010 8h – Acordei. 8h30 – Meditação da manhã. 8h45 – Chimarrão e café da manhã. Vários telefonemas de agendamento de horários e solicitação de energia. 10h – Compromisso bancário. 11h – Preparação do almoço. 12h – Almoço. 13h – Relaxamento, soneca e harmonização física, mental e espiritual, pois tenho atendimento a realizar e dar aulas de ioga à tardinha. 14h – Aplicação de reiki. Cliente bastante angustiado. Sistema nervoso abalado. Bastante insônia e muita ansiedade. 15h – Revisão de consulta. Cliente retorna pela segunda vez depois de sete dias com muita alegria, relatando fatos importantes que aconteceram em sua vida durante esses dias. Muito agradecido. 16h – Consulta de tarô. Cliente muito desanimado, magoado e muito sentimento de frustração. Autoestima baixíssima. Indiquei caminhada, academia, terapia do riso, mudança no hábito de se vestir, preferindo cores vivas, muita alegria e uma alimentação mais rica em frutas, verduras e coisas naturais. 17h – Limpeza física da sala de ioga. 18h30 – Aula de ioga. Primeira parte: aula com alongamento e posturas. Segunda parte: entoação de mantras. 20h30 – Segundo dia do Ritual Kuan Yin. 22h – Lanche com chimarrão. Aconselhamento para um cliente de Buenos Aires, via telefone. 23h – Oração e meditação de agradecimento por mais um dia.
23h30 – Hora de dormir, pois o dia foi bastante intenso, mas estou feliz com os resultados alcançados. Quinta-feira – 22/09/2010 7h45 – Acordei bastante relaxado e de bem comigo. Uma paz interior bastante boa. 8h – Meditação e orações solicitando amparo, proteção, força e sabedoria de orientação para as pessoas que solicitarem minha ajuda. 9h – Consulta da tarô de Marselha. Ótimo. O cliente bastante agoniado, pois há 45 dias atrás estava bastante pra baixo. Depois das indicações da primeira consulta, sentiu-se 90% melhor. Mais feliz, ativo, alegre, de bem com ele mesmo. 10h – Fui ao supermercado, encontrei um amigo que fazia muito tempo que não via. Foi muito legal. 11h – Comecei a fazer o almoço e bem feliz. 12h – Almoço em família, muita alegria, pois já fazia um bom tempo que não almoçávamos todos no mesmo horário. 13h – Descanso (sesta). Preparação e harmonização física, mental e espiritual para realizar atendimentos. 14h – Revisão de cliente (terceira energização). Muito agradecido com a transformação durante os 21 dias de tratamento espiritual. 15h – Atendimento de tarô. Cliente muito perturbado. Desgostosa com o marido e os filhos. Emocional totalmente fragilizado. Depois da energização com energia cósmica e reiki, sentiu-se mais aliviada e mais tranquila. Em sete dias retorna para segunda revisão. 16h – Massagem terapêutica, cliente com torcicolo muito forte. 17h – Revisão pela terceira vez. Até ontem estava bem, muito bem, mas o namorado aprontou e a energia caiu. Teve uma péssima noite e um dia bastante triste. Saiu um pouco melhor. 18h – Massagem relaxante. Cliente bastante tenso. Quer carregar o mundo e a família sobre os ombros. Após a massagem, sentiu-se leve, harmonizado e com fome. 19h – Chimarrão em família. Visita do meu cunhado, cunhada e afilhada. Rimos bastante, recordando os dias passados juntos na praia. 21h – Ritual da abundância (Kuan Yin). 21h30 – Lanche. 22h – Meditação, oração e agradecimento de mais um dia vivido. 23h – Hora de dormir, um pouco cansado mentalmente, pois os atendimentos agendados foram bastante exaustivos, mas agradecido por ter podido ajudar as pessoas que procuraram aconselhamento. Foi um bom dia.
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histórias
águas passadas Até meados dos anos 70, o transporte era feito em grande parte pelos rios. Em Rio Pardo não era diferente reportagem e fotografia s
Marília Nascimento
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Houve uma época em que todos os mantimentos da cidade chegavam pelo rio. Desse tempo só restaram histórias, lembranças e poucos marinheiros para contar. Esses remanescentes, hoje, se encontram entre paredes de concreto e longe das águas do rio Jacuí. Em uma casa distante do centro da cidade, onde a vista se perde no campo é possível achar um marinheiro. Simpático, receptivo, de passos lentos e olhar atento. Edo Prado, 83 anos de idade e mais de 30 anos nos barcos. Natural de Santo Amaro, hoje município de General Câmara, saiu de casa aos 13 anos, depois de um desentendimento com a mãe. Não foi preciso mandar duas vezes, na primeira o menino que nunca havia saído do pequeno município juntou o pouco que tinha, amarrou em uma toalha e foi embora. De carona, parou na capital do estado, passou dias no porto esperando que o emprego aparecesse se alimentando de acordo com a boa vontade dos marinheiros. Até que o convite surgiu, não foi preciso insistir, na primeira chamada o moleque aceitou. Ali começava uma vida em cima das águas doces do Rio Grande do Sul, na Ita, um barco de passageiros, onde ele era ajudante de cozinheiro. Foi este barco que trouxe o menino para Rio Pardo. Na cidade construiu a vida, conheceu a esposa, criou os nove filhos, dos quais alguns não viu nascer. Nas águas, enfrentou enchentes, secas, facilidades e dificuldades. Quanto mais água o rio tiver, melhor para trabalhar, desse modo a descida fica mais fácil. Ao contrário disso, em épocas de seca, quando o rio chegava a ficar só com três palmos de água as viagens demoravam mais. Barcos grandes precisavam ser descarregados a cada banco de areia, a carga era divida em caíques, barcos
s acervo pessoal
Os barcos tinham nomes próprios, mas também eram chamados de gasolinas pelas cargas de combustíveis que carregavam
pequenos, para que o grande ficasse leve e pudesse ser conduzido por meio dos caminhos que os próprios marinheiros abriam no rio, com a ajuda de tonéis. Em um destes episódios de seca, uma viagem de Cachoeira do Sul a Porto Alegre durou exatos 30 dias. Um mês carregando e descarregando o barco, para que o gigante passasse pela pouca água que restava. Hoje o trecho de aproximadamente 210 km de rodovia entre as duas cidades é feito em pouco mais de duas horas.
Recém chegado a Rio Grande e já uma marinheiro experiente foi nadar e ganhou a companhia de um animal. No susto do pulo do bicho nem titubeou em voltar para o barco, quando chegou falou que tinha visto um tubarão. Os colegas riram e contaram que aquilo não era tubarão nada, era boto, e que não precisava ter medo. Esse não pegava ninguém. Depois desse episódio e pelo porte grande e a facilidade do nado o apelido se consolidou. Edo virou o boto. “Eu nadava demais, barbaridade.”
O marinheiro conta com orgulho que se aposentou aos 40 anos de idade, tendo trabalhado em apenas três firmas. E em uma delas pediu as contas, coisa que marinheiro não faz da forma comum. Manda a tradição que o trabalhador que quer sair do emprego vira o boné para trás, de forma que o patrão saiba que ele quer sair. Mas, nem por isso para de trabalhar, o dia corre normal.
Saber nadar era mais do que imprescindível naquela época, os aparatos de segurança no barco eram nulos. Ou sabia nadar, ou não sobreviveria caso acontecesse alguma coisa. Quando fala em nadar, Edo lembra do dia em que tirou a filha de um amigo do rio, a menina tinha dois anos. E o jovem marinheiro pulou no rio para salvá-la. Não que a mocinha não soubesse nadar, afinal ela estava na água desde os primeiro meses de vida. Isso tudo porque era filha de marinheiro, e praticamente nasceu dentro do barco.
Foram 26 anos de casamento e muitas histórias pelas águas do rio Jacuí Seu Edo conta que fez diferente, “pedi as contas, quase 15 anos na Princesa do Jacuí, não agüentava mais andar para cima e para baixo. Nem dei bola para tempo de serviço.” Nesse momento decidiu trabalhar em terra, e foi na cooperativa agrícola de Rio Pardo que descobriu que essa vida parada não era para ele. Foram somente 15 dias em terra, a paixão pela vida nas águas falou mais forte e de lá só saiu quando se viu obrigado pela saúde.
esposa de marinheiro A menina que Edo salvou nos anos 50 era filha de um dos marinheiros da Navegação Nascimento, Alexandrino Manoel. Hoje lembrado pela esposa, Ledi Nascimento, uma senhora com 81 anos, viúva há mais de 30 anos. Na sala do pequeno apartamento, com fotos dos 17 netos, quatro bisnetos e dos nove filhos espalhadas pelas paredes, ela conta que esposa de marinheiro também trabalhava no barco. Ou seja, era marinheira. Natural de Venâncio Aires, Ledi conheceu Dico, como Alexandrino era chamado, ainda criança. Ele morava em uma margem do rio e ela em outro, um em Taquari e outro em Mariante. Mas a escola era a mesma, e ela que já
não gostava de estudar, incomodava-se mais ainda porque um certo moleque, dois anos mais velhos a incomodava no colégio. Esse moleque que aos 15 anos virou seu namorado e aos 19, esposo. Foram 26 anos de casamento, e muitas histórias pelas águas do rio Jacuí. Antes que os filhos nascessem Dona Ledi já estava navegando, acompanhando o marido. Cumpria o papel de cozinheira, mas isso não impedia que tivesse outras funções. Quando foi necessário até mesmo fez força, virando o motor para levar o barco. A primeira filha nasceu um ano após o casamento, dois anos, dois filhos. A menina ficava presa em uma “caixinha” e o bebê, na maior parte do tempo, dormindo no camarote do barco. Até o terceiro filho a rotina das crianças foi na maioria dentro do barco, quando a mãe não podia cuidar o pai levava para perto dele, no leme, colocava-os nos beliches da cabine e ali ficava de olho neles. Quando a mais velha já tinha cinco anos ela mesmo tomava conta dos outros dois. A família tinha casa em terra firme, mas Dona Ledi preferia estar no barco. Só que o número de filhos foi aumentando e ficou mais difícil. Assim como Seu Edo, Dico também não viu o nascimento de todos os filhos, a profissão nem sempre permitia. Em muitos momentos só largava dinheiro para a esposa em um armazém perto do rio e seguia viagem.
as cargas de arroz Tanto o Seu Edo quanto a Dona Ledi citam o arroz como o principal produto que os barcos levavam para Porto Alegre. Havia barcos que chegavam a levar 800 sacos de arroz. E também havia aqueles, menores, que por meio dos arroios iam até as fazendas pegar o produto para depois carregar os maiores. A Maria Luisa, que era a menor embarcação da Navegação Nascimento, fazia estas travessias, cortava arroios e carregava a Brasileira e a Alagoas. Estas seguiam viagem até a capital. Na volta, os barcos traziam todos os tipos de produtos. Açúcar, óleo diesel, gasolina, madeira, ferro, tudo que os armazéns da cidade estivessem precisando. Estas cargas, de gasolina, que deram o nome aos barcos. Chamados de gasolinas. E foi numa destas que aconteceu um incêndio. Nas viagens era necessário observar se não estava entrando água no barco, um dia mandaram um marinheiro novato para conferir e ele ao invés de colocar o pé, como era de praxe, resolveu acender um palito de fósforo. Estava feito o estrago, foram marinheiros na água e um barco desmanchado pelo fogo.
A vida em terra não era para ele: Seu Edo passou mais de 30 anos nos barcos Acidentes aconteciam nestes descuidos e pela falta de aparatos de segurança, como lembra Dona Ledi, em uma vez que a Maria Luisa foi ao fundo. Em uma noite, Seu Dico não viu o barco que vinha e bateu, desta vez estava carregando madeira. Maria Luisa era de madeira e o barco maior de ferro, isso fez com que a menor levasse a pior na batida. Os marinheiros passaram para o outro barco e o chefe ficou ali, até que ela afundasse e ele não tivesse mais opção. Este não foi o fim da pequena embarcação. Ela pode ter ido ao fundo, mas depois foi retirada e reformada. Do acidente se perderam roupas, entre elas um terno, que tinha um relógio de ouro no bolso. Armários, panelas, chaleiras, tudo ficou intacto, só sujo de areia. Dona Ledi, na época noiva do Seu Dico, lembra que precisaram limpar tudo que a areia tinha tomado conta. O barco foi para um estaleiro em Triunfo, os dois jovens já casados, foram junto com o barco e por lá passaram um mês.
festa de navegantes Mesmo com os perigos que as águas guardam, era preciso navegar. Para se sentirem mais seguros os marinheiros contavam e contam até hoje, com a proteção de Nossa Senhora dos Navegantes. Essa proteção é tradição que vem desde os portugueses do século XV e aqui no Rio Grande do Sul tem fortes manifestações como em Pelotas e Porto Alegre, da qual a Santa é padroeira e tem uma Igreja em sua homenagem. Foram lá al-
gumas festas que Dona Ledi participou, uma em especial ela lembra. Nos anos 50, já com cinco filhos, ela e o marido, foram comemorar a data do dia 2 de fevereiro na capital. Levaram a Brasileira, pintada, embandeirada, pronta para a festa e para a procissão. No dia que o barco levaria dezenas de fiéis o marinheiro responsável pelo motor não apareceu, quem precisou cumprir esta função foi ela. A esposa do marinheiro que ia no leme. As crianças foram com o pai pro leme, e ela ficou no motor atenta a cada toque da sineta, direcionando ele de acordo com que o mestre pedia. “Fiquei com medo, mas, no fim deu tudo certo.” Nas lembranças da senhora dos cabelos brancos está claro a beleza que tinha aquele leme, de madeira e com detalhes em dourado. Lembranças também têm Seu Edo, sobre as festas de Navegantes em Rio Pardo. “Naquele tempo era uma maravilha, nem dá pra falar”, as festas eram na Praça da Matriz e depois passaram para a beira do rio. Hoje já se perdeu esta tradição, da época boa ficaram as lembranças, poucos registros concretos. As fotos em má qualidade não guardavam o colorido das bandeirinhas de papel, que enfeitavam os barcos. Para saber, do longínquo tempo em que tudo chegava pelo rio Jacuí só conversando. E pelos relatos, imaginando, colorindo, montando cenas.
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A SESSÃO FAKE E TROLLEIRA DA EXCEÇÃO textos s
Pedro Garcia & Joel Haas
EM SANTA CRUZ
CAP. NASCIMENTO PEDE PRA MENORES SAÍREM DO CINEMA O esquadrão do Batalhão de Operações Especiais invadiu duas salas de cinema de Santa Cruz do Sul essa semana. O BOPE foi chamado do Rio de Janeiro pelo Ministério Público da cidade a fim de retirar os menores de 16 anos das sessões do filme Tropa de Elite 2, respeitando a lei da censura. Num dos diálogos travados com um adolescente de 14 anos, que havia entrado pela tubulação do ar condicionado, o agora Major Nascimento, que liderava a operação, teria se irritado com a resistência do garoto. “O senhor é um fanfarrão”, repetia.
As “invasões do bem”, como são chamadas estas operações, fazem parte do projeto Evitando as Sementinhas do Mal, no qual o BOPE visita escolas e entidades para conscientizar os jovens dos malefícios de se burlar a lei.
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s divulgação
Ainda segundo relato de testemunhas, Nascimento teria ameaçado o jovem com um saco de pipocas, do tipo longa-metragem, que comprou antes da invasão – as pipocas teriam sido ingeridas em um momento de distração, quando ele viu a si mesmo na telona. Concluído o trabalho, o Major adquiriu ingresso para a préestreia de Harry Potter.
JOSÉ ALENCAR TRANSFERE GABINETE PARA HOSPITAL
Alencar se mostrou simpático à ideia, uma vez que desde o primeiro ano de governo, tem passado cerca de 76% do tempo no local. Segundo relato de pessoas próximas, ele já deu indícios de que sequer se recorda de como é sua sala no Palácio do Planalto. Na esteira do pacote, o governo abriu edital para concurso de assessores diretos para Alencar. O pré-requisito é a graduação em curso de Enfermagem. “Gosto do Sírio-Libanês, é um ambiente leve onde me sinto bem”, disse, assim que recebeu a oitava alta do mês.
Pela quantidade de sessões de radioterapia a qual Alencar já foi submetido, os visitantes e transeuntes têm de usar capacete e roupa resistente a radiação para entrar no quarto. “Não me importo mais com as roupas especiais. Acho que ajudam na higiene, inclusive”, revelou. “Me sinto um super-homem! Porém sou resistente a radiação. Já ele, qualquer pepita de criptonita já causa um enorme estrago”, finalizou o vice-presidente. O Governo estima uma economia de 2,5 milhões de reais ao ano, uma vez que o transporte de Alencar, do Distrito Federal a São Paulo, em função das internações semanais, não será mais necessário. Questionado sobre o assunto durante viagem ao Sudão, no continente africano, o presidente Lula disse não saber de nada.
s ricardo stuckert/abr
Pressionado pela oposição, o Governo Federal anunciou hoje um pacote de medidas para cortar gastos correntes. Uma das propostas foi a transferência definitiva do gabinete do vice-presidente José Alencar para o quarto 287, do terceiro andar do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Empresa de Gilmar Mendes lança triturador de diplomas s antônio cruz/abr
Considerado um dos 183 milhões brasileiros mais influentes de 2009 pela revista da Turma da Mônica, o presidente do STF Gilmar Mendes formalizou essa semana o pedido de seis meses de recesso como ministro, para dedicar-se a sua empresa Triturator. Isso porque, segundo ele, a organização está encabeçando uma revolução no mercado com o
RAPIDINHAS DO CURSO DE COMUNICAÇÃO DA UNISC Turbulência na Seacom. O jornalista Augusto Nunes recusou-se a palestrar na segunda noite do evento. Segundo informações, ele teria se irritado com o tratamento recebido ao chegar ao campus, em função da greve das RPs da Agência A4, que se arrasta há um mês. As monitoras se recusaram a servir cafezinho e balas ao palestrante. O motivo da greve é a demora na entrega do açucareiro prometido pelos atuais coordenadores ainda durante a campanha do ano passado. Segundo relato da secretaria Inês Regina, que escondeu-se nos galhos de uma das árvores entre os blocos 14 e 15, durante o incidente, Nunes teria deixado o campus gritando às monitoras grevistas: “Jornalista que é jornalista não faz nada sem salgadinho e café!”. O alvoroço foi tão
grande que um casal de alunos que dormia tranquilamente na Agência de Jornalismo acabou despertando. *** A Polícia divulgou hoje a causa da morte de um professor de Jornalismo Impresso da Unisc, ocorrida na semana passada. Ele teria sido esmagado pelos incontáveis troféus conquistados pelo Curso de Comunicação no prêmio SET Universitário. O incidente teria acontecido no momento em que o docente tentava carregar todos os troféus sozinho para o seu carro no estacionamento do bloco 20. Emocionada, a esposa, que também é professora, relatou que não presenciou o momento da morte pois estava fazendo chimarrão enquanto dirigia pelo centro.
lançamento do primeiro Triturador de Diplomas Automático. O produto é destinado a todos os profissionais de áreas desimportantes da sociedade, como costureiros, cozinheiros, professores de educação física e jornalistas. “Será um ótimo presente para se dar em formaturas”, sorriu Mendes. O sócio de Gilmar Mendes na empresa Triturator, Daniel Dantas, se mostrou muito contente com o novo empreendimento: “É uma opportunity e tanto!”. Mendes disse ter a intenção de acabar com todos os diplomas do País até o final de 2011. Porém, a engenhoca não ficaria obsoleta. Sobre as utilizações futuras de sua invenção, ele se mostra otimista. “Depois dos diplomas vamos nos dedicar à trituração de todas as folhas de abaixo-assinado do Ficha Limpa do Brasil”, explicou. “Afinal, o povo não é soberano nas democracias constitucionais”, finalizou o jurista. Na mesma sessão em que anunciou o recesso, Mendes revelou que William Bonner será a estrela dos comerciais do produto na televisão. Ele aparecerá segurando seu diploma de graduação em Publicidade e Propaganda na USP e repetindo a frase: “Esse produto é especial para quem deveria ter cursado Direito ou Medicina”. A notícia foi dada em primeira mão pelo Jornal Hoje de ontem. Sandra Annenberg e Evaristo Costa não pararam de sorrir um segundo.
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multiculturalismo
Atualmente, em nosso país, percebemos a existência de várias culturas. Em Santa Cruz do Sul, a cultura predominante é alemã. Entretanto, a cultura árabe se faz presente através de uma pessoa especial reportagem e fotografia s
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Fátima Hadi
Ela veio de longe, trazendo bagagem pesada, toda sua vida nas malas. Com vestimentas diferentes, hábitos e costumes diferenciados. Deixou para trás seus parentes, amigos e trabalho. Atravessou mundos. Passou pelo Mediterrâneo, Europa e sobrevoou o Atlântico, viajando 18 horas de avião na primeira vez que saiu de seu país natal. Desembarcou no Aeroporto Internacional de Guarulhos sem saber falar uma palavra em português e acabou se instalando em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul. Aposentada, imigrante, muçulmana que cultiva as tradições árabes, Salwa Abdel Jamil, 60 anos, nascida na cidade de Salfit, no Território Palestino, é viúva, foi casada com o comerciante Mustafá Hasan e mora no Brasil há mais de 32 anos. Inicialmente morou em Santana do Livramento. Dois anos depois instalou-se em São Luiz Gonzaga, onde permaneceu por cinco anos. Após mudou-se para São Borja, onde passou mais três anos. Salwa conta que, como eram comerciantes, mudavam-se em busca de um lugar com mais movimento e que estivesse localizado na fronteira. Depois de São Borja foi a vez de
brasileiros. Alguns acham que, em seu país, as mulheres não podem trabalhar, o que não é verdade, pois ela mesmo era costureira, e depois de casada trabalhou no comércio de roupas com seu marido. Hoje, suas irmãs que vivem na Palestina também trabalham, duas como professora e outra no comércio. “A falta de informação sobre outras culturas leva as pessoas ao preconceito”, afirma com sabedoria. Sentada na sala de estar, em um sofá, fumando uma narguilé sabor de hortelã, ao lado de seu filho, revela que seu marido também era natural de Salfit e que saiu de sua cidade para o Brasil em busca de uma vida melhor. Logo após fazer sua vida como comerciante, voltou ao seu país para casar-se com ela. Entre o noivado e o casamento, passou apenas uma semana. A festa começou um dia antes da cerimônia, em sua casa, com comes e bebes, onde pintaram com henna vermelha suas mãos – é tradição dos árabes pintar as mãos da noiva antes do casamento para embelezar e dar sorte. As responsáveis em aplicar a pintura na noiva são as mulheres convidadas para a cerimônia. Em Salfit, cidade com aproximadamente 13 mil habitantes, acontecem
[Ela estava] sentada na sala de estar, em um sofá, fumando um narguilé sabor de hortelã ao lado de seu filho Porto Xavier. Este caminho lhe trouxe até Santa Cruz do Sul, onde mora há aproximadamente meio ano. Com lágrimas nos olhos, relembra algumas das experiências. Na Palestina, trabalhava em uma pequena indústria de costura, com oito amigas. Seu marido, Mustafá, viajou do Brasil para se casar com ela. Conheceu-a em um vídeo de casamento trazido por um amigo de Salfit, e pediu que os pais mandassem uma foto por correio. Chegaram a se comunicar por cartas.
de três a quatro casamentos por semana, entre maio e agosto de cada ano. Assistindo ao jogo do Grêmio na televisão com seu filho, recorda que, antes de vir, lá na sua terra se falava muito em futebol e principalmente em Pelé, que lá também é um ídolo. E no mesmo ano em que veio para o Brasil, Pelé se despediu dos campos.
Logo após o casamento, vieram passar a lua de mel e morar definitivamente no Brasil. Ao embarcar e deixar seu lar, seus familiares e amigos, chorou muito. Não queria ir embora, mas, como estava casada, teve que acompanhar o marido. Sem ter noção do seu futuro confiou no companheiro e veio desbravar um universo totalmente estranho aos seus olhos.
Vaidosa, com as unhas pintadas, usando um vestido típico bordado a mão, trazido da última vez em que esteve na terra natal, há dois meses, relembrou os primeiros momentos no Brasil. As dificuldades em se comunicar e se relacionar eram muitas. Costumava pedir as coisas através de mímica, mas aprendeu rápido a conviver com todos estes obstáculos e superá-los. Aprendeu a falar o português com as funcionárias da loja e assistindo televisão. Começou a conhecer o dinheiro brasileiro no ofício do comércio.
Sofreu na pele o preconceito em relação às mulheres de origem árabe por parte dos
Sobre as vestimentas, informou que no cotidiano usa sempre trajes longos, vestidos,
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calças e blusas de manga comprida, sempre com lenço na cabeça, tanto no inverno quanto no verão. Mãe de quatro filhos e avó, gosta muito de receber bem suas visitas, oferecendo um cafezinho árabe. Este é feito de uma maneira diferente do normal, em uma caçarola especial. Na caçarola vai a água, pó de café e açúcar, e é levado ao fogo. Deve-se mexer até o café começar a ferver. É servido em xícaras bem decoradas. Para quem quiser, Salwa ainda lê a sorte através da borra do café. A pessoa que tomou deve movimentar circularmente a xícara e o pires para que a borra também se mova. Finalizados os movimentos, a pessoa gira a xícara, deixando-a de cabeça para baixo no pires. A pessoa que irá interpretar o resultado deve abri-la. Abrir, nesse caso, significa retirá-la do pires e começar a ler a sorte. Se a xícara grudar um pouco, isso quer dizer que vem boa sorte e fortuna. A minha não grudou. Quando perguntada sobre como rezava, retira-se ao seu quarto, abre uma gaveta e puxa um tapete dobrado, além de suas roupas especiais para oração. Para rezar, ela usa um lenço comprido diferente do costumeiro e um vestido de algodão longo, que pode ser estampado ou liso. Estende o tapete no chão para o leste, que é a direção da Meca, e começa a rezar. Os muçulmanos consideram a Caaba, ao centro da grande mesquita de Meca, o lugar mais sagrado da Terra. A religião muçulmana entende que os patriarcas Abraão e Ismael construíram o santuário sobre os primeiros alicerces postos por Adão. Todos os muçulmanos do mundo rezam nesta direção e, todos os que não tiverem um sério impedimento, deverão peregrinar à Meca, pelo menos uma vez na vida. Os fiéis permanecem neste lugar vários dias, celebrando rituais. De pés descalços e roupas adequadas ela começa a rezar. Inicia de pé e logo após se abaixa em frente ao tapete e logo em seguida de joelhos e assim vai intercalando. “Rezo cinco vezes ao dia, todos os dias e sempre no horário correto.” A oração dura de cinco a seis minutos.
Salwa relata que durante o Ramadã, o jejum é rigoroso e tem duração de mais ou menos 30 dias. Não se pode comer e beber durante o dia e as refeições noturnas são fartas. No dia que acaba o Ramadã é comemorado o Eid, uma das maiores festas do mundo árabe, em que são servidos doces e as pessoas se presenteiam. O Ramadã não possui data certa para começar, depende da lua. Este ano começou no início de agosto e terminou trinta dias depois. A religião muçulmana acredita que Alá (Deus) revelou os primeiros ensinamentos do Alcorão ao profeta Maomé em um mês, o nono do calendário muçulmano, período especial e sagrado para os adeptos de todo o mundo. Pode ser considerado um período para reflexão e devoção a Alá. Durante 30 dias, do nascer ao pôr do sol, ficam em jejum, e também sem bebida, fumo e sexo. A tradição também proíbe calúnias e fofocas, perfumes e até mesmo sentimentos como ira, ou olhar para alguma coisa ilegal. Salwa diz que jejuar durante o Ramadã traz o perdão de pecados. A brasileira naturalizada estranhou os hábitos alimentares quando chegou, como o churrasco e o feijão preto, que fazem parte da tradição e cultura gaúcha e que não existem em seu país de origem. Hoje, o seu prato preferido é o churrasco. O que ela mais tem prazer em fazer é cozinhar. Ela prepara a comida todos os dias para seus três filhos e sua nora que moram com ela. Gosta de preparar pratos típicos da culinária árabe, apesar de alguns serem bem trabalhosos. Suas receitas árabes preferidas são kibe frito, esfiha, malfuf, kafta no espeto e macluba. As marcas de expressão em seu rosto mostram a força de vontade e a luta por todos esses anos no Brasil, longe de sua terra natal e de seus parentes que vê de sete em sete anos. Esse é o tempo que leva para se programar e visitar a família. Quando volta ao berço, carrega consigo um pouquinho do que não existe lá: sagu, leite condensado e feijão.
na cozinha de salwa Esfiha
Ingredientes Massa: 1 kg de farinha, 1 colher de fermento, 1 colher de sal, 2 ovos, 2 xícaras de leite, 2 xícaras de água morna, 1 colher de açúcar, 1 colher de nata e 2 colheres de azeite Recheio: 800 g de carne moída, 2 tomates, 2 cebolas e tempero verde Modo de Preparo Misture os ingredientes da massa e deixe descansar para que ela cresça. Após corte em pedaços pequenos e abra com a mão. Fritar a carne e depois acrescentar o tomate, a cebola e o tempero verde. Fechar cada pedaço de massa com uma colher do recheio. Colocar para assar no formo pré-aquecido por 10 minutos na temperatura 150 graus.
Kibe Frito Ingredientes
Massa: 500 g de trigo e 800 g de carne Recheio: 800 g de carne moída, 2 tomates, 2 cebolas e tempero verde Modo de Preparo Moer a carne com o trigo da massa. Depois, fritar os ingredientes do recheio. Pegar a massa e modelar com as mãos. Fazer um buraco no meio e rechear. Fechar em formato de cone. Fritar com azeite bem quente. Servir com limão, pimenta e mostarda.
Malfuf
(charuto de folhas de reponho recheadas)
Ingredientes 1 cabeça de repolho, 500 g de carne, 2 xícaras de arroz, 2 tomates, 2 dentes de alho e tempero verde Modo de Preparo Cozinhar as folhas de repolho em uma panela com água fervente. Tirar da água e reservar. Misturar a carne moída ou picada, tomate, tempero verde, alho e arroz. Logo após pegar uma folha de cada vez e enrolar com o recheio como se fossem panquecas. Quando estiverem todas enroladas colocar em ma panela com água e cozinhar por 40 minutos. Retire da água e sirva em uma bandeja.
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mundo animal
O TRISTE FIM
AVE Para uma ave exótica como o o abate acontece aos doze
O avestruz é um bicho exótico de origem africana. O que o difere de outras aves é o tamanho. Ele pode chegar a até 2,5 metros e pesar 150 kg. Mas quem pensa que vida de avestruz é moleza está enganado. A pequena ave que nasce daquele grande ovo nem imagina o triste fim que vai ter pela frente quando virar adulta. Se a única certeza que temos é a morte, o pobre avestruz nem faz ideia por tudo que vai passar para concluir seu ciclo ou destino, pois afinal, foi para isso que ele veio ao mundo. Na propriedade da criadora Dirce Eulean, 36 anos, em Rio Pardinho, interior de Santa Cruz, a realidade não é diferente. O sol ainda está nascendo quando chega o caminhão junto às terras. Um a um, os avestruzes começam a embarcar. E a viagem é só de ida. Os trinta minutos por tortuosas estradas de chão levam até o Frigorífico Gassen, em Linha Nova. O abatedouro é especializado em bois e porcos mas cede a estrutura para o abate dos avestruzes.
Rosibel Fagundes fotografia s Luana Backes reportagem s
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Ao descer do enorme caminhão boiadeiro, a ave arredia e territorialista – como o avestruz é conhecido – torna-se frágil nas mãos da criadora que agora usa trajes brancos. É ela, com o auxílio de outros funcionários, que vai por fim à vida dos animais. E a cena é chocante. Aliás, é uma descarga elétrica a responsável por dar fim aqueles doze breves meses de vida – tempo que leva para o
DE UM
STRUZ
avestruz, a morte chega cedo: meses de vida
animal atingir os 90 kg e ficar pronto para o abate. Já sem vida, o avestruz é pendurado com os pés para cima e perde a cabeça. A degola serve para retirar todo o sangue da ave. E não adianta ter pena, pois as penas são as próximas a deixar o corpo. O bicho então, que perdeu a cabeça, deu sangue e não teve pena, agora perde o couro que, em breve, vai se transformar em caras bolsas de madame. Agora, o roteiro lembra Jack, o Estripador, já que vamos por partes. E as partes do avestruz são separadas de acordo com os cortes exigidos pelo mercado. Cada pedaço é embalado e leva o selo da BRASTRUZ Comércio de Carnes. Antes de seguir para a venda, a carne precisa permanecer refrigerada de 24 até 48 horas para congelar. Após o processo, as embalagens são enfim encaminhadas para a comercialização no Supermercado Miller ou vão diretamente para os restaurantes, onde viram pratos exóticos e suculentos. Aos poucos, o produto começa a ganhar a preferência de muitos consumidores. A carne é rica em ômega 3, além de possuir menos colesterol e baixo teor de gordura, se comparada com os cortes de gado ou de suíno. O preço do quilo do avestruz varia entre 22 e 32 reais nos supermercados de Santa Cruz. O mercado só não é maior por algumas dificuldades. “Falta uma liberação especial dos rótulos nos produtos para que a venda ocorra para fora
do município e não temos um abatedouro especial, sem contar os custos altos com funcionários para manter as aves”, comenta a produtora Dirce Eulean. De volta ao frigorífico, outro caminhão começa a ser carregado. Não de carne, mas sim da pele do avestruz. A viagem desta vez é até Estância Velha, onde o material vai ser curtido e tingido em um curtume da cidade. Pronto, o couro vai servir de matéria-prima para a confecção de diversos itens como sapatos, cintos, carteiras e roupas. Para se ter uma ideia, somente uma bolsa feita com a pele do avestruz pode ser encontrada no mercado por preços que variam de R$ 650,00 a R$ 5.000,00. Uma das entidades que reaproveitam partes da ave é a Associação de Criadores de Avestruzes dos Vales (Acav). Sérgio Klasener, que reside em Porto Alegre e é associado da entidade, utiliza o couro da ave para produzir sapatos. Cada par pode custar R$ 250,00. Já as botas saem por R$ 500,00. A venda ocorre desde 2005 na região. “O produto é diferenciado e possui um alto valor agregado. Só quem conhece a qualidade sabe dar valor às peças”, comenta. Um dos diferenciais do avestruz é que praticamente todo o corpo pode ser usado para alguma finalidade. Os cílios viram pincéis, os ossos da canela se transformam em cabos de facas e a gordura é usada na fabricação de cos-
méticos, enquanto a casca do ovo abastece o artesanato e ajuda na criação de obras de arte. O período de reprodução do avestruz é de março a setembro. A postura ocorre apenas em períodos em que não há chuva, uma vez que os ovos são colocados em buracos coletivos feitos na terra, de onde são retirados e levados para uma sala especial. A gestação é de 42 dias, sendo 39 de incubação e 3 no nascedouro. O processo inicia com a armazenagem dos ovos em uma temperatura de 18° graus, na primeira fase. Em seguida, eles vão para o nascedouro, antes de irem para a chamada “maternidade”. Neste local, existe uma adaptação em forma de círculo para que o filhote aprenda a andar somente nesta forma e também para não esmagar os demais. O aquecimento é de 30° no primeiro dia e 28° no segundo. Após três semanas, os filhotes seguem para um local chamado de “cria”, onde permanecem até os três meses de vida. O período de engorda segue até que a ave complete um ano e tenha 90 kg. Isto indica que ela está pronta para o abate. Os animais reprodutores são colocados em cercados diferentes. O valor de um casal de avestruzes reprodutores pode chegar a R$ 10.000,00. Já o custo mensal de um animal atinge R$ 250,00, sem levar em conta a ração e a mão de obra de um funcionário, pois as aves são alimentadas três vezes por dia.
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UMA REVISTA QUE CONTINUA NA INTERNET.
NÓS CHAMAMOS DE EXCEÇÃO.
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crônica
Manias minhas, minhas manias texto s
Carolina Biscaglia
Tenho uma mania. Não sei se pode ser considerada um defeito ou uma virtude, se bem que não vejo nenhuma vantagem em ter esse costume. Toda vez é a mesma coisa, meus olhos já estão treinados: quando vejo uma pessoa, meu primeiro olhar é direcionado.
s carine immig
Observo rapidamente e logo em seguida fico tímida pela indiscrição, mas já é um costume. E se, por algum motivo, eu não consiga ver, fico desesperada. Faço de tudo: me abaixo, vou um pouco para o lado, chego mais perto, mas por nenhuma circunstância posso deixar de observar. Minha mania já faz parte da minha vida, virou um hábito. Enquanto obser vo, faço o máximo para que a pessoa note que eu não estou olhando, então disfarço. Mexo nos cabelos, ato meus cadarços, roo as unhas, tudo para parecer normal. Ver o que as pessoas usam nos pés faz parte da minha vida. Não deixo passar um. Cruzou meu caminho, passou na minha frente, lá estão meus olhos direcionados para os pés do cidadão. Observo todos, desde chinelos a botas. Aliás, acho que o calçado é capaz de definir a personalidade da pessoa. Sei que o dono do tênis branco é caprichoso ou não. E sem ao menos conhecer a pessoa, fico sabendo se ela é clássica ou moderna. O tamanho do salto, o formato do sapato, a cor dos cadarços, o material do calçado. Tudo conta para que eu possa julgar a pessoa. Não sou louca, nem podólatra. Apenas gosto de ficar pensando por qual motivo a pessoa escolheu aquele sapato, naquele dia. E brincando de adivinhar personalidades pelo calçado, quando conheço a pessoa realmente, acabo acertando na maioria das vezes. De agora em diante, você já sabe: cruzou por mim, certamente olharei seus pés.
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vida religiosa
OSVALDO DECIDE
SER DIFERENTE Viver em Cuba não é algo simples. Em uma cidade pequena de certo país tropical, um homem realiza a sua missão e se torna padre reportagem e fotografia s
Esmeralda é um município daqueles bem típicos do interior gaúcho. Um lugar onde os ponteiros dos relógios são preguiçosos e o silêncio faz parte do cotidiano. Onde é possível diminuir os passos alguns instantes para ver o arrebol. Mas também é um reduto onde a natureza espreguiça seus albores logo cedo. A pressa pega um atalho e não passa por lá. Os homens cuidam de criações e plantam lavouras. As mulheres têm suas lides caseiras de todo dia. É lugar de povo católico, que não dispensa as missas na Igreja Matriz e nas festas de santo. Neste cenário vive o padre Osvaldo Carballosa Gonzáles, 41 anos, que se tornou padre muito recentemente. A ordenação diaconal aconteceu em janeiro de 2010. Desta data, foram mais seis meses de trabalho pastoral até a ordenação sacerdotal, em julho de 2010, o que possibilita o exercício da função de pároco. E entrou para a história. Esta foi a primeira ordenação feita na Matriz São João Batista, em Esmeralda. Através do bispo da diocese de Vacaria, Dom Irineu Gassen, Padre Osvaldo chegou à pequena cidade. Para os fiéis, a mudança foi súbita. O principal detalhe era o sotaque carregado. Nas celebrações, a fala em português emitida com jeito cubano. Trocar o Caribe pelo interior do Rio Grande do Sul não é das tarefas mais fáceis. A adaptação é progressiva. “No Brasil, poucas pessoas têm domínio do espanhol e aprender o português se transformou em obrigação”, diz ele. Na chegada ao Brasil, passou por um momento curioso. Estava acompanhado de um frei chamado Afonso
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João Caramez
Costera, atual pároco em Vila Flores, que era brasileiro, mas estava há muito tempo fora do país. Por isso, Osvaldo acreditou que estava seguro quanto ao idioma. Quando desceram no aeroporto, “frei Afonso não conseguia falar nenhuma palavra em português. Depois, nas primeiras missas, rezava um pouco em espanhol e um pouco em português. Era muito engraçado”. Em uma visita que fez a uma devota, o idioma trapaceou novamente. A dona da casa disse a ele: “Já vai? Mas ainda é cedo!”. Ele não sabia o que era “cedo”. Apenas quando procurou no dicionário, mais tarde, é que descobriu que significa “temprano”. Outra palavra que rendeu história foi “esquisito”, quando se tratava de comida. Só depois de um tempo é que descobriu que era algo ruim. Hoje o problema foi superado. Osvaldo fez estudos que possibilitaram o domínio do idioma. Nos Campos de Cima da Serra, o inverno rigoroso é outra dificuldade que precisou ser superada. Além disso, o positivo é a culinária. “Em países como a Espanha e o México, o cardápio é muito variado, com muito tempero e são comidas mais fortes. Aqui foi fácil de se adaptar. A alimentação é muito boa, com destaque para o churrasco e a farofa que são deliciosos.” Sobre o povo de Esmeralda, Osvaldo destaca o jeito peculiar das pessoas. São muito identificados com sua cultura e enraizados em suas tradições. “É pitoresca, existe a mística da lida com o gado, os rodeios. A mistura de raças é grande: tem italianos, caboclos, alemães, luso-brasileiros. Gosto muito de estar neste lugar. A cultura da bota e bomba-
cha. Estou recebendo com muita curiosidade e carinho. É o que define as pessoas daqui.” Ainda não aprendeu a fazer chimarrão, mas sempre sorve o amargo quando lhe oferecem. “A simbologia dele é especial, quando se passa de mão em mão, criando um ambiente de conversa”, diz ele. O vinho, característico da região serrana, só na missa por seu valor teológico. “Em Cuba, o clima não é propício para plantar uva. O vinho por lá é importado e custa caro.” O que gosta mesmo é de café. Costume que vem de família, não toma menos do que oito vezes ao dia. Preto e bem forte. Como de costume, nos lugares pequenos a relação com a Igreja é muito forte. Osvaldo aponta que “as pessoas acreditam realmente em Deus, têm mais crença do que em outros lugares que já passei. É difícil quando trabalhamos com pessoas que acreditam em muitas coisas”. Além disso, outra característica que ele pode verificar é que os devotos têm entendimento do sagrado e possuem muita fé. Uma coisa bonita são as festas religiosas que movimentam as capelas do interior. Estar longe da família é mais um desafio. Ainda mais quando se trata de distâncias intercontinentais. Osvaldo supera “com alegria e coração aberto. O trabalho nas 28 comunidades que sou responsável me conforta por estar no exercício da missão para qual fui destinado”. Ele pode ir a Cuba, mas apenas de visita, já que agora pertence à diocese de Vacaria. Apenas sairá da região se a igreja destiná-lo a uma missão, por exemplo.
vida em cuba Cuba vive sob ditadura militar há 51 anos, desde a Revolução Cubana, em 1959. A partir desta data, Fidel Castro governou o país até 2008, quando o seu irmão, Raúl Castro, assumiu o cargo em uma eleição com candidato
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único. É o regime mais antigo da América Latina e hoje é o único país socialista do Ocidente. Osvaldo Carballosa González nasceu na cidade de Holguín e viveu até a adolescência na região, que fica a 760 quilômetros da capital Havana. Filho de artesãos, o pai ainda era taxista (empresa de táxi estatal) para incrementar a renda da família. Hoje são aposentados. Seu único irmão vive em Cuba. Na infância, os jogos de beisebol com os amigos eram comuns. Não era muito apegado ao esporte, mas na escola era obrigado. Brincava na rua de peão e de bola também. Sempre gostou muito de desenhar. Até hoje, o gosto pela arquitetura se manifesta nas horas vagas. Plantas que contém paróquias, altares e outros motivos religiosos ganham forma na ponta do lápis. É uma forma de descarregar a carga de estresse. Em algumas ocasiões, chega a realizar cinco missas em um único dia. Osvaldo tinha vontade de ser arquiteto, entrar em alguma faculdade para ser profissional da área. Mas não conseguiu e começou a trabalhar como operário. Com o amadurecimento, percebeu as dificuldades de ter um estilo de vida condicionado. Foi aos 22 anos que ingressou na vida religiosa. A liberdade é o desejo maior dos que vivem nas condições impostas pela soberania absoluta. O elemento de contestação do regime é a fé.
a saída de cuba Nessa época, entrou no Convento dos Padres Carmelitas Descalços, onde foi seminarista durante um ano e meio. Depois, transferiu-se para Valência, na Espanha, onde ficou mais um ano. Então, o próximo destino foi um Convento de Padres Carmelitas em Santo Domingo, na República Dominicana, por
mais dois anos. Neste período, passou a ser do Clero Diocesano e concluiu os seus estudos nas áreas de teologia e filosofia. A formação foi feita no Centro Diocesano dos Padres Dominicanos, uma sucursal da Faculdade de Salamanca, na Espanha, que é uma das mais conceituadas da América Latina. A amizade com os irmãos de hábito da época do seminário segue até hoje. Ganharam o mundo alguns deles. São padres em vários países. Outros não chegaram a ser ordenados. Os padres capuchinhos, brasileiros do Rio Grande do Sul, estiveram na República Dominicana como missionários. E Osvaldo teve um contato muito grande através das missões, nas quais recebeu acompanhamento espiritual. A partir desta aproximação, houve o convite: “Se não der certo em Cuba, serás muito bem recebido pela ordem no Brasil”. A Confederação dos Bispos Católicos de Cuba decidiu que os seminaristas que estavam estudando fora do país não teriam o direito de regressar para serem ordenados e exercerem o sacerdócio em Cuba. O regime limita a liberdade. A justificativa é de que viriam com outra mentalidade, seriam contestadores do regime. A vontade era ir de encontro ao regime, questionar as ações.
a chegada ao brasil Com isso, Osvaldo decidiu que a proposta dos capuchinhos brasileiros era a melhor saída para que pudesse seguir sua caminhada religiosa. Após conversar com os membros da ordem no Brasil, encaminharam a sua ida para a paróquia São Paulo Apóstolo, de Lagoa Vermelha. Pela carta de um bispo, foi recebido por Dom Orlando Dotti. Depois de sua chegada, em janeiro de 2008, foram dois anos de estágio pastoral.
Padre Osvaldo surge na porta da igreja com sua batina verde, rodeado de coroinhas, mas a razão da cor não é uma escolha sua. Dentro do catolicismo, há muitos séculos existem cinco cores litúrgicas que compõem a vestimenta do sacerdote. Verde é para o tempo comum. O preto se usa no luto, o branco para festas religiosas e com detalhes azuis quando se refere à Virgem Maria. O roxo é para confissões, quaresma e advento. Nas referências ao Espírito Santo, Paixão de Cristo e santos mártires se usa vermelho. Um terço é objeto de sua adoração. Recebeu de Madre Lúcia, uma das três videntes de Nossa Senhora de Fátima, em uma visita à Coimbra, Portugal. Isso foi quando esteve uma temporada na Espanha e teve o privilégio de vê-la antes do seu falecimento. E teve por regalo aprender uma música que ela cantava antes de dormir para a santa. Padre Osvaldo garante que “daqui alguns anos, este terço terá enorme valor, pois acredito que a Madre Lúcia será canonizada”. Outros momentos são marcantes para ele, como a visita a Fátima e Ávila, na Espanha, local onde nasceu Santa Teresa de Jesus. Osvaldo segue em sua incumbência de ser o principal representante da Igreja em Esmeralda. “Cidade hospitaleira”, como ele diz. Agora vive com a liberdade que não tinha. Continua firme em sua sina de levar os primeiros ensinamentos aos que ainda estão no catecismo, a bênção nos batismos e casamentos da paróquia e a extrema-unção aos que chegam ao fim da vida. Fora isso, todos os dias, às dezoito horas na Matriz, Padre Osvaldo estará lá trazendo a palavra de Deus a todos os que quiserem ouvir.
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prisão
UMA CADEIA
DIFERENTE Nas quatro vezes em que estive na cadeia de Cachoeira do Sul, o que mais me surpreendeu foi o respeito mútuo entre as pessoas que lá estão e trabalham reportagem e fotografia s
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Emilin Grings
Quem entra no presídio de Cachoeira do Sul logo nota que o local é diferente. Bastou eu dizer que já havia conversado com o administrador que as portas se abriram, ou melhor, as grades. Logo na recepção se vê um longo corredor, ou galeria, como é conhecido no presídio. É ali que ficam os mais de cem homens e aproximadamente oito mulheres do regime fechado. São cerca de 10 celas. Apenas uma é composta por mulheres. Ninguém pode ficar em frente a esse corredor, que possui dois grandes portões gradeados. O agente penitenciário precisa vigiar os presos. Somente descobri que ali era a galeria porque perguntei na terceira vez em que estive lá. Não há como notar. Quando chegam de alguma atividade, os apenados até conversam com os funcionários do presídio. Lá dentro há uma relação de respeito mútuo. O presídio tem boas instalações. Nada que compare a um hotel cinco estrelas. Mas é limpo. A pintura por fora é uniforme, já a interna possui algumas imperfeições. Logo na recepção há uma bancada. Computador, jornais do dia, telefone fazem a composição do local. Também há um quadro onde são escritos o número de presos dos regimes fechado, semiaberto e aberto. Esses números sempre variam. Além disso, a divisão é feita por sexos.
O que chama a atenção lá é o cheiro. Não é bom nem ruim, é forte. Parece cigarro. É uma mistura de tipos diferentes de cigarro. Esse cheiro marca, mas não é insuportável. Há vezes em que o odor se dilui com o delicioso aroma da comida, feita pelos próprios presidiários.
tava ansiosa, com medo. Mas medo de quê? Não sabia. E para a minha surpresa, a maioria deles parecia ser normal, vestiam-se assim como todo mundo. Sim, eles eram normais. Mas por que não seriam? Preconceitos e mais preconceitos derrubados. Agora sei qual era o meu receio. O medo era de encará-los.
Em minhas visitas me ofereceram café, almoço e até janta. Os funcionários queriam agradar. Mostravam interesse pela minha reportagem. Puxavam assunto. Nem parecia que eu estava em um presídio.
A celebração começa com a participação de 16 apenados. Destes, quatro eram mulheres. O início é marcado com canções religiosas contidas em um livro trazido por Seu Arbelo. Escolhidos pelos apenados, os cantos são entoados de maneira forte e bem afinada, o que denota que os presos já os conhecem.
momentos de reflexão Luiz Carlos Arbelo, ou simplesmente, Seu Arbelo, há mais de 45 anos vai toda a semana ao presídio. Diácono da Igreja Católica, ele passa toda a quinta-feira de cela em cela chamando os detentos para participar das atividades da Pastoral Carcerária. Ele é o único que pode entrar na galeria. Ninguém mais. Bate de porta em porta, dizendo que Jesus está chamando eles. Os presos vão chegando aos poucos na sala onde ocorrem as atividades religiosas. Todos cumprimentam Seu Arbelo com sorrisos e apertos de mãos. Logo depois chegam mais duas voluntárias que ajudam o diácono: Dona Maria Tereza Carvalho e Dona Alzira Vieira da Cunha. Esse foi o primeiro contato direto que tive com os presos. Minhas pernas tremiam. Es-
Além dos livros de canto, Seu Arbelo também disponibiliza aos participantes uma folha usada na igreja para que os fiéis acompanhem a missa. No presídio ocorre a Celebração da Palavra – atividade da Igreja Católica semelhante a uma missa, todavia sem a consagração do pão e do vinho – que começa com a leitura da acolhida aos presentes. Quem lê é uma presa. Seu modo de pronunciar as palavras impressiona. A leitura é clara, a entonação correta, digna de alguém que tem estudo. Sim, ela tem. Débora, condenada por assalto a banco, é formada em Enfermagem. A detenta participa ativamente de toda a celebração. “É bom para refletir o que fizemos de errado. Assim a gente não se sente tão excluído da sociedade. Somos valorizados.”
Assim como Débora, todos os presidiários confirmam ser de grande importância atividades como aquela. Contam-me da Semana da Espiritualidade, que ocorre todo o ano. Semana ecumênica em que se realizam palestras, grupos de reflexão, celebrações. Além disso, os apenados recebem mensagens da família. “Nem parece que a gente está aqui. É muito bom.” No decorrer da celebração, eles pedem perdão a Deus pelos pecados com muita fé e se mostram atentos às palavras de Seu Arbelo e das voluntárias Maria Tereza e Alzira. Como nos cantos, eles rezam a orações do Pai Nosso e Ave Maria em tom forte. Percebe-se que há fé e confiança em cada palavra pronunciada.
uma oportunidade de voltar aos estudos Biblioteca. Três computadores. Duas salas de aula. Paredes bem pintadas. Classes revestidas de tecido verde e plástico transparente. Embaixo do plástico, mensagens e desenhos. A estrutura é modesta, mas incentiva os alunos a estudar. Não estou falando de uma pequena escola municipal, e sim do Neeja (Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos) Julieta Villamil Balestro, situado dentro do presídio. O colégio tem Ensino Fundamental e Médio, desde a sua fundação, em 2002. Ali, os apenados podem concluir os estudos, se assim desejarem. Sete homens estão na aula da professora Ana Lúcia. Ela trabalha conteúdos relativos à quarta série. Nota-se no rosto deles a dificuldade em aprender a calcular contas de multiplicação e divisão e a alegria a cada acerto
confirmado pela professora. Tudo é consequência de uma dificuldade quase infantil. Nos olhares deles se vê que o aprender é tão complicado quanto enfrentar a situação em que se encontram. Homens com média de idade entre 18 e 29 anos parecem crianças que há pouco ingressaram na escola. Já a aula do Ensino Médio ocorre dentro da biblioteca. Ali, professora e estudantes estão rodeados de livros didáticos e de literatura, além de três computadores usados para as aulas de informática. Não tem parede disponível para pôr o quadro. Este, então, fica escorado na janela em posição vertical. “A nossa escola está bem melhor do que era no início. A gente dava aula na cozinha. Não tinha uma sala especial para o colégio”, lembra a professora de português Kátia Souza. Apesar das dificuldades, ter o contato com os presos é muito importante para o aprendizado. “Isso mostra que temos confiança neles.” A fala da professora é proferida com um sorriso nos lábios. Sorriso de quem ama o que faz. Nesse momento um apenado interrompe a professora e diz que a casa prisional de Cachoeira é bem melhor do que as outras em que já esteve. “Na maioria dos presídios, o professor é separado dos alunos por uma grade. Isso afasta muito. Aqui o presídio é mais humano.” E assim, dia após dia, as professoras cumprem o seu papel de educadoras. Sem medos e preconceitos, elas levam aos presos o conhecimento que a vida não teve condições de proporcionar.
o presídio de cachoeira do sul Fundado em 1959, a cadeia possui, atualmente, diversos projetos que favorecem uma melhor adaptação dos apenados na sociedade. Um deles é o PAC (Protocolo de Ação Conjunta) convênio da prefeitura com a Susepe em que os presos do regime semi-aberto têm a possibilidade de trabalhar em empresas da cidade. A cadeia é apontada como uma dos melhores presídios do estado em termos de ressocialização. “Tudo isso é fruto de um trabalho em conjunto com o juiz, promotor, administração e funcionários do presídio e a comunidade.” Orgulhoso, Rubens Barbosa, administrador substituto do local, me conta que não adianta ter projetos sociais e o juiz não liberar a realização deles. Além disso, o presídio tem que estar aberto aos voluntários. Outro fator importante para justificar o destaque do presídio é o respeito que
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os funcionários procuram ter com os apenados. “Tratamos eles como gente.” Rubens afirma que se dependesse de recursos do governo, o presídio seria igual aos demais. “Sofremos com a superlotação aqui. Por isso temos que fazer de tudo para que os presos não se revoltem com essa situação. Temos que proporcioná-los um ambiente agradável.” No presídio de Cachoeira o Conselho da Comunidade também tem muitos projetos. Presidido por Maria Eneida Neves, fornece materiais de higiene, cesta básica às famílias dos presos e novos eletrodomésticos, como a geladeira doada à cozinha recentemente. Para Maria Eneida, o trabalho realizado por eles, é preventivo. “Hoje eles estão aqui. Mas amanhã eles estarão na sociedade novamente. Se saírem ainda mais revoltados, será pior para a sociedade.”
Além das ações do conselho, o presídio ainda conta com atendimento médico e odontológico semanalmente. Também tem um psicólogo que trabalha lá dentro desenvolvendo diversas atividades como grupos de autoajuda. Já a assistente social, Eliane Roggia, faz todo o contato com os familiares do apenados. “Eles são muito carentes. O que mais os incomoda é a falta de visita dos familiares. Se há faltas frequentes, sempre procuramos saber o que ocorreu.” “O presídio daqui é bem calmo. Trabalhei muitos anos em Júlio de Castilhos. Lá, apesar de ser menor, os detentos são revoltados.” Assim conta Tiago Tischler, psicólogo. Para ele esse fato se justifica pelos diversos projetos de ressocialização realizados. “Eu gosto de trabalhar aqui. Demanda bastante energia, pois a carga emocional deles é bastante carregada e nós precisamos devolver algo bom para eles.”
“Daqui para frente tenho que ter uma vida no mínimo correta” Alexandre Centa até hoje não se conforma com o crime que cometeu há quase nove anos. O homem de estatura mediana e boa aparência traz no rosto marcas de uma idade que não condiz aos seus 31 anos. Condenado a 24 de prisão por assalto seguido de morte, ele cumpre a pena em regime aberto, ou seja, trabalha durante todo o dia e vai dormir na prisão. O sobradinhense hoje está casado à espera do primeiro filho homem. Em entrevista à revista Exceção, Alexandre se mostrou arrependido do crime que cometeu e disposto a mudar de vida. Como vieste parar aqui? Na época meu pai tinha falecido havia pouco. Eu trabalhava como caminhoneiro e roubaram meu caminhão. Estava desesperado e resolvi roubar outro caminhão. Como não tinha experiência com arma de fogo, acabei matando o caminhoneiro, porque ele reagiu ao assalto. Até hoje não entendo o que fiz.
Tu foste condenado a 24 anos de reclusão. Mas hoje já está no regime aberto. Como é que funciona essa progressão de pena? Eu cumpri 4 anos e 19 dias de regime fechado. Depois que se cumpre um terço da pena, temos o direito de solicitar, junto ao juiz, a progressão. Como sempre tive bom comportamento, consegui. Aliás, a minha pena já não é mais de 24 anos porque a cada três dias trabalhados aqui, diminui um na pena. No que tu trabalhaste? No regime fechado fui chefe de cozinha e chaveiro. Fiz todo o Ensino Médio de novo como ouvinte e participei de todos os projetos e oficinas que ocorreram: artesanato, tear, pintura. Quando progredi para o regime semi-aberto, trabalhei na prefeitura como mecânico. Hoje, continuo trabalhado como mecânico em um areial aqui perto. Também faço entrega de areia na cidade.
Como foi o tempo que tu passaste no regime fechado? É difícil, mas a gente tem a possibilidade de fazer coisas interessantes para passar o tempo. Temos tempo para refletir sobre o que fizemos. Pensar em como fazer diferente para não voltar para cá. Quem está aqui tem que fazer de tudo para não querer voltar para cá. Viver diferente. O presídio de Cachoeira possui algum diferencial? Sim. Aqui é feito de tudo para que a gente saia daqui melhor do que entrou. Há muita gente para nos ajudar a ser pessoas melhores. Tu te sentes preparado para retornar à sociedade? Sim. Por isso estou tentando a liberdade condicional. Sei que cometi um erro grave, mas eu não posso jogar a minha vida fora por causa deste erro.
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trabalho noturno
A VIDA DE QUEM TROCA
O DIA PELA NOITE Acordar à noite e dormir pela manhã. Eles fazem o caminho inverso da maioria, mas encaram o dia a dia com naturalidade. Descubra a rotina de quem trabalha nas madrugadas de Santa Cruz do Sul reportagem e fotografia s
Não é apenas o tom negro da escuridão que separa a noite do dia. Enquanto a maioria das pessoas apaga as luzes de suas casas, preparase para dormir e fica na cama, atormentada com as tarefas do dia seguinte, outras estão deixando seus lares rumo ao trabalho. Na noite, um novo dia começa. E acredite: ele dura mais do que uma simples madrugada. O sol ainda está se pondo quando Robson Ebert liga o carro e percorre oito quilômetros do distrito de Capão da Cruz até a Avenida do Imigrante. O empresário, de 26 anos, jogou-se numa aventura em junho de 2010: junto do amigo, e agora sócio, Dionatan Fagundes, inauguraram um bar 24 horas em Santa Cruz do Sul. Coisa de louco, pensaram os amigos deles no início. Mas o movimento noturno, nem sempre suficiente para deixar as vinte mesas do bar lotadas, é bom o suficiente para fazê-
Willian Ceolin
los comemorar o sucesso do negócio. Hoje, o toque pueril das folhas caindo das árvores, na calçada da Avenida do Imigrante, foi substituído pelo som da televisão ligada nas madrugadas do Bar e Conveniência Abba. Próximo dali, noite sim e noite não, a corretora de imóveis Alessandra Quoos deixa o emprego diurno para assumir outra função: recepcionista no Pronto-Atendimento do Hospital Santa Cruz. De carro, ela passa quase todo fim da tarde pela frente do bar Abba rumo ao emprego que equilibra a sua rotina, como ela mesma diz. Apesar de não ter formação hospitalar, a vida de Alessandra é tão agitada quanto a de um médico ou enfermeiro. É na recepção que toda história começa dentro do hospital e cada noite é imprevisível. Pode iniciar com um senhor que tira o sapato surrado e coloca
sobre a mesa para mostrar algum ferimento e terminar com o peso de informar o óbito a uma família que ainda respira o ar da dúvida. São doze horas assim, das seis da tarde às seis da manhã. Há duas horas de intervalo durante a madrugada para cochilar, tomar café e recuperar as energias. Depois, tudo começa novamente. Alessandra pega o carro, cochila em casa e retorna para o emprego vespertino.
histórias da noite Alessandra gosta da vida noturna no hospital. No tlec-tlec do teclado onde registra as consultas dos pacientes, a noite passa rápido para ela e a colega de turno, Patrícia Berle. Alessandra, 35 anos, e Patrícia, 31, possuem em comum o fato de se envolverem realmente na profissão que acolheram.
Às vezes, elas sequer precisam perguntar o nome dos pacientes. Já sabem até a data de nascimento. Alguns se pegam com tanta intimidade que logo na entrada começam a tirar a roupa. Missão para as recepcionistas: avisar que elas apenas preenchem a ficha cadastral.
Sono, aliás, que pode ser controlável de forma doce. Que o digam os quindins degustados pela farmacêutica Mênia Brandenburg nas madrugadas da Drogaria Santa Cruz. Aos 26 anos, Mênia leva a rotina noturna com tranquilidade. A única coisa que não pode faltar são as boas horas de sono à tarde.
Mas nem todas as noites são calmas para Alessandra e Patrícia. Como personagens de ficção já passaram por Sherlock Holmes e Dr. House. Já “prenderam” assaltante ferido quando esse fingiu ser o irmão inocente e também precisaram lidar com casos graves onde o desfecho foi o inevitável caminho da morte.
Sozinha na drogaria, a farmacêutica já teve medo de trabalhar durante o turno da noite, mas o sentimento de proteção do lugar a deixou mais tranquila. Os clientes da madrugada são quase sempre os mesmos e Mênia os atende apenas pela janela. De bom humor, ela ainda brinca com situação: “Eles baixam a grade não para quem está fora entrar, é para eu não sair correndo e deixar a farmácia sozinha”.
O dia delas é a noite sem rotina, a mesma que o taxista Jordani Hermany percorre todas as madrugadas há um ano. Na noite, regada por café e chimarrão, ele apaga o cigarro e parte para uma corrida. Do banco da frente do táxi compartilhado com o tio, Jordani é o personagem de várias histórias. Leva cantada das velhinhas animadas pelo som dos bailões e já ofereceu corrida gratuita em troca de beijo. Episódio, garante ele, antes de começar o atual namoro. “Cada corrida é uma história diferente”, conta o rapaz.
sem medo, com sono O medo não incomoda Jordani. Porém, ele não dispensa alguns cuidados. Na madrugada santa-cruzense, o lema dele é como do personagem Sancho Pança, de Cervantes: “No creo en las brujas, pero que las hay, las hay”. Jordani não tem medo de assalto, mas toma as precauções necessárias para evitá-los. Quando desconfia de alguém, sequer para o carro. Se o faz, enche o suspeito de perguntas. O fato de jamais ter sido assaltado mostra o sucesso da receita. O maior problema, para ele, é mesmo o sono. “É trabalhar e dormir”, conta com jeito tímido, enquanto se prepara para outra corrida.
da noite para o dia Todo mundo teve o mesmo problema quando trocou a noite pelo dia: adaptar-se à nova rotina. Embora eles tenham conseguido (e hoje prefiram esse horário) é uma tarefa que exigiu muito esforço mental. E ainda exige para Gerson Gonçalves. Aos 23 anos, o zelador fez o caminho inverso: voltou a dormir à noite para trabalhar durante o dia.
rotina noturna Robson, empresário*
20h – Chega ao bar 8h – Deixa o bar 12h – Vai para casa 13h – Hora de dormir 19h – Acorda * Reveza com o sócio as noites. Trabalha uma noite sim, outra não. Nos domingos, um deles trabalha 24 horas diretas.
Mênia, farmacêutica
0h – Chega à drogaria 7h – Deixa a drogaria, come algo 8h – Chega à drogaria 13h – Almoço 14h – Hora de dormir 20h – Acorda
O problema de Gerson é que, após três anos invertendo os papéis, a readaptação foi ainda mais difícil. Na casa dele, o celular toca. Passam das seis e meia da manhã. O barulho não é do despertador, é do colega avisando que Gerson está atrasado.
Alessandra, corretora e recepcionista*
Ele, que se habituou a chegar em casa às seis horas, agora precisa levantar nesse horário. Porém, engana-se quem pensa que Gerson reclama. Ele pula da cama, toma um café rápido e vai para o trabalho. “Nada como o sono da noite”, conta.
13h30 – Chega à imobiliária
Para ele, o dia voltou a iniciar pela manhã e acabar à noite. Já para Robson, Alessandra, Patrícia, Jordani, Mênia e tantas outras pessoas, o pôr do sol é apenas o sinal de que mais um dia vem aí.
18h30 – Chega ao hospital
6h30 – Vai para casa, hora de dormir 12h – Acorda 18h – Deixa a imobiliária * Trabalha uma noite sim, outra não.
Jordani, taxista
16h30 – Chega ao ponto de táxi 6h – Vai para casa, hora de dormir 14h – Acorda
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s acervo pessoal
entrevista
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Paulo*, ex-soldado do Exército Brasileiro, viajou rumo à França em busca de aventura e estabilidade financeira. Deixou para trás os amigos e a família, incluindo uma filha reportagem s
“Quer romper com o seu passado, começar uma vida nova? A Legião Estrangeira lhe oferece uma oportunidade única. Sejam quais forem as suas origens, religião, nacionalidade, os seus diplomas e nível escolar, sua situação familiar ou profissional, a Legião Estrangeira lhe oferece uma nova oportunidade para uma vida nova...” Este é o texto de abertura do site Légion Recrute, referência para quem quer saber um pouco mais sobre o assunto. O site é indicado pela Embaixada da França no Brasil. Em 1831, o rei Luís Filipe fundou a legião para defender os interesses da França. Apesar de ter ligação com o exército do país, a legião aceita alistamento de pessoas do mundo todo. Desde que foi criada, a corporação mantém o costume de permitir que os soldados se alistem com um nome falso – é a chamada “identidade declarada”. Aos 25 anos, Paulo é um legionário. Em 2009, entrou na França como turista. Quando chegou ao quartel, entregou roupa, documentos e passaporte. Após seleções preliminares, testes psicotécnicos, médicos e físicos, Paulo assinou um contrato e recebeu sua nova identidade. Hoje, fala francês fluentemente, mas precisou aprender com os colegas oriundos de países colonizados pela França. Em entrevista à Exceção, contou um pouco de sua nova vida. O que você faz na legião? Sou paraquedista. Faço parte da equipe especializada em montanha. Depois de entrar, depois dos treinamentos, o que se faz? Os treinamentos nunca acabam. Qual foi sua primeira missão? Foi no Afeganistão. Parti no dia 2 de janeiro de 2009. No dia 5 estava instalado. Antes, recebemos instruções do exército dos EUA de como proceder com bombas, explosivos, principalmente os encontrados na rua. No dia 5, fomos para uma base comandada apenas pela França. Cada país da OTAN tem uma base, e cada país trabalha sozinho, com * nome fictício
Luana Backes
apoio dos EUA. O apoio dos EUA, geralmente, é aéreo para as operações terrestres. Como foi no Afeganistão? Foi bem interessante. Um país primitivo, baseado no Alcorão. A força bélica que vem do Talibã, para o Afeganistão, vem do Paquistão. O armamento é, geralmente, de origem russa. AK-47 e todos da família Kalashnikov. Qual a parte mais difícil? O mais difícil foi o combate, pois se corre risco constantemente. Como é o combate? Atiramos neles, eles atiram em nós (risos). É só assistir um filme de guerra, é a mesma coisa. Gente morre, gente mata. Você já matou? É difícil saber. Você atira, daqui a pouco eles param de atirar. Não dá para saber se aconteceu alguma coisa. E dificilmente você vai lá pra conferir, porque o combate se dava em 300 a 400 metros de distância, poucas vezes se deram abaixo disso. Avançar 300 metros em uma vila, não é bem assim, tu tem que avançar devagar, com apoio. Não vale a pena, quando você chega lá não encontra mais nada. No outro dia, o pessoal da inteligência vê os enterros que acontecem na vila, sabem quem morreu e quem não morreu, quem está ferido. Você acaba sabendo, até por ter informantes em ambos os lados. Já perdeu amigos? Sim. No Afeganistão morreram três. E 22 ficaram feridos. Da nossa base não teve nenhum morto, mas vários feridos. O que acontece com os feridos? Depende do grau do ferimento. Geralmente vão para o hospital em Cabul. O ferido ganha medalha, cidadania francesa e é promovido. Durante o combate, quando você dorme? Isso é normal, pois o Talibã não ataca à noite, mas no primeiro raiar do sol começam a atirar.
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Você tem medo de morrer? Isso a gente sempre tem. Existe apoio psicológico? No caso de ter algum trauma, logo se tenta a inserção do soldado, para evitar que o trauma seja maior. É rápido para chegar ao hospital, no máximo 45 min, pois tem apoio aéreo. Quanto tempo você ficou no Afeganistão? Sete meses. 202 dias e algumas horas. E depois? Fomos para o Chipre, onde passamos por uma readaptação para vida social. Lá temos apoio psicológico, mas não funciona, pois quando o psicólogo pergunta se tem algo a dizer, ninguém diz nada. Aí vamos para a piscina ou para a praia relaxar. Um trauma você não tem como ver dois dias depois de uma guerra. O psicólogo deu vários exemplos, entre eles: de soldados, que ao retornarem, não conseguem se adaptar à família, de cinco em cinco minutos procuram seu fuzil. Isso deve acontecer, pois ficamos 24 horas armados. Ouço um barulho parecido com tiro e já fico alerta, procuro a origem do disparo, e imediatamente me abaixo. E com barulho de helicóptero? Não tem problema, porque no Afeganistão a força aérea era aliada. Como são as regras? As regras seguem o padrão de um quartel normal, mas com um nível mais elevado. Quando estamos em combate não somos importunados. Como é a rotina de um soldado? Ir para o combate, voltar, tomar uma cerveja e se preparar para a próxima, que nunca se sabe quando vai ser.
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O que vocês comiam? Comida normal da França, mas quando estava em combate comia ração de combate. Na base era comida normal. Como é esta ração? É uma comida preparada para comer rápido. Se dá tempo pode esquentar. É leve, tem a nutrição básica para 24h de combate. 3.200 calorias, se eu não me engano. Teve um dia que saímos para ficar um dia e ficamos sete. Você está preparado para um dia, não leva roupa, nada. Tudo o que se pode reduzir do peso é reduzido.
“A rotina é ir para o combate, voltar, tomar uma cerveja e se preparar para a próxima, que nunca se sabe quando vai ser” Você já carrega 50 kg nas costas. Para água, por exemplo, você conta com apoio logístico. Tem um suboficial que é responsável pela alimentação de tropa. A única coisa que um soldado deve se preocupar é com o peso. Desculpe a minha fala, mas me fogem as palavras em português. Lá somos proibidos de falar português. Vocês são proibidos de falar português? Sim. Quando estamos no quarto, entre amigos, falamos português. Fora do expediente falamos um pouquinho. Não tem porque falar francês toda hora.
Quando vocês estão em missão, vocês têm algum tipo de vida social? Não muito. Saímos na ilha, moramos na ilha de Córsega, no sul da França. Lá temos que sair fardados, temos uma farda de sair. Legionário não é bem visto pelos nativos da ilha, devido a brigas. Por que vocês não estão servindo o Brasil? Eu servi aqui até dois anos atrás, eu era sargento. Agora estou lá, mas não sirvo a França, não presto continência à bandeira da França, nem canto hino. Sirvo a legião. A legião é a elite da França, nosso quartel é a elite da legião e nossa companhia é a elite do quartel. Somos separados por patentes. Lá somos soldados antigos. Até o fim do ano acho que viro cabo. Qual a parte ruim? Essa que contei é a parte ruim (risos). Parte ruim, parte boa. Qual é a parte ruim e qual a boa? A parte ruim é que tu não tem vida social, praticamente não existe. Não tem contato com a família, fica isolado de tudo. Guerra, combate, não é bom. A parte boa é o reconhecimento que temos na França. Somos muito respeitados. A legião tem quase 200 anos e nela já morreram 35 mil homens pela França. Eles têm um respeito muito bom pela gente. E quando vamos ao Brasil temos o reconhecimento dos amigos e familiares, além do nosso próprio reconhecimento. É para poucos. Tem alguma história pra contar? Tem várias, mas... (risos) Conta alguma. Não sei se é o caso. Temos uma espécie de ética de conduta, de trabalho. Eles passam
s acervo pessoal
pra gente lá, e normalmente a gente segue. Até porque são coisas que não devem ser divulgadas. Já estou errado de estar falando com você. Então, é melhor deixarmos de lado.
o mesmo que subir uma altura de seis a oito metros e pular. O impacto é o mesmo. Você tem alguma ligação com o exército brasileiro?
Nem uma historia mais leve?
Eles sabem que tem gente lá, mas aqui somos civis.
Já está bom para você. Está bem. Há quanto tempo está de férias? Duas semanas. Tenho quatro semanas de férias. Já tem alguma missão prevista para o retorno? Vamos para a África em fevereiro de 2011. Acho que é para o Gabão. Até lá, fazemos alguns estágios, preparação para a missão. Tem mais umas duas semanas de férias antes de ir. Essa é nossa rotina. São sete ou oito países que a gente vai, vai rodando. Tal ano vamos para um país, ano que vem para outro. O que vocês devem fazer, especificamente? Normalmente são ex-colônias da França, ou ainda são colônias. Em alguns fazemos guerra, como no Afeganistão. Em outros fazemos treinamento. Em outros fazemos segurança do país. Qual é o perfil das pessoas que estão na legião? Tem muitos brasileiros que estão na Europa sem emprego, que procuram a legião. Lá tem muita gente do norte e nordeste do Brasil. Existe algum tipo de contrato? Ou vocês podem sair no momento que quiserem? São cinco anos de contrato. E é renovável. Você vai renovar? Ainda não sei. A princípio, sim. Tenho tempo pra decidir. Como é o salto de paraquedas? O chão é complicado. É um paraquedas militar, é muito rápido. O impacto no chão é
código de honra do legionário artigo 1 | Legionário, tu és um voluntário servindo a França com honra e lealdade. artigo 2 | Cada legionário é o teu irmão de arma seja qual for a sua nacionalidade, a sua raça, a sua religião. Tu manifestarás sempre a estreita solidariedade que une os membros de uma mesma família. artigo 3 | Respeitador das tradições, fiel aos teus chefes, a disciplina e camaradagem são a tua força, o valor e a lealdade tuas virtudes. artigo 4 | Fiel do seu estado de legionário, tu o mostrarás na tua farda sempre elegante, teu comportamento sempre digno mas modesto, teu aquartelamento sempre limpo. artigo 5 | Soldado de elite, tu treinas com rigor, cuida da tua arma como teu bem mais valioso, cuida permanentemente da tua forma física. artigo 6 | A missão é sagrada. Tu a executas até o fim, no respeito das leis, dos costumes da guerra, das convenções internacionais e se for necessário, ao perigo da tua vida. artigo 7 | No combate, tu ages sem paixão e sem ódio, tu respeitas os inimigos vencidos, nunca abandonas nem os teus mortos, nem os teus feridos, nem as tuas armas. fonte s www.legion-recrute.com
Já tem cidadania francesa? Ainda não. Daqui um tempo eu consigo. Normalmente você renova o contrato e ganha a cidadania. Primeiro vem o processo para retomar a identidade verdadeira, depois o de naturalização. Pra ter uma ideia do que acontece lá é só assistir o filme O Legionário, com Jean-Claude Van Damme. O filme é uma porcaria, mas mostra direitinho. Você continua morando no quartel? Quando você pode ter uma casa? Depois de cinco anos pode morar fora do quartel. Lá na França, o que vale é a identidade declarada? Sim, lá sou o militar com o nome que está escrito na nova identidade. Este é um dos motivos de não podermos viajar. E a família? Vocês podem casar? Podemos. Depois de ter a identidade antiga de volta. Mas, ninguém casa, só vão morar junto. Tem um problema, para arrumar namorada é muito difícil. Você gostaria de ficar com alguém que viaja de seis em seis meses e não sabe se vai voltar vivo?
Confira mais imagens exclusivas no site da Exceção: http://hipermidia.unisc.br/excecao
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expediente
ANA GABRIELA VAZ · Repórter
PROF. DEMÉTRIO SOSTER · Editor-Chefe
EMILIN GRINGS · Produtora e Repórter
FÁTIMA HADI · Repórter
HENRIQUE SCHERER Editor de Arte e Projeto Gráfico
JOÃO CARAMEZ · Repórter
LUANA BACKES Editora de Fotografia e Repórter
LUANA RODRIGUES Chefe de Reportagem e Repórter
MARÍLIA NASCIMENTO Editora e Repórter
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MICHELLI JULICH · Repórter
NAIRO ORLANDI · Produtor e Repórter
PATRÍCIA PARREIRA · Revisora e Repórter
PEDRO GARCIA · Subeditor e Repórter
ROSIBEL FAGUNDES Produtora e Repórter
TIAGO GARCIA · Repórter
Capa Baseada na primeira edição de O Cruzeiro Modelo: Jéssica Kessler Maquiagem: Júlio César (Studio Pelux) Fotografia: Luana Backes Fotografia da contracapa: Luana Rodrigues Fotos de expediente: Carine Immig
VANESSA KANNENBERG Projeto Gráfico e Repórter
WILLIAN CEOLIN Editor Multimídia e Repórter
Revista desenvolvida na disciplina de Jornalismo de Revista, ministrada pelo professor Demétrio Soster, no segundo semestre de 2010.
UNISC – Universidade de Santa Cruz do Sul Av. Independência, 2293 Bairro Universitário Santa Cruz do Sul, RS CEP 96815-900 Curso de Comunicação Social Bloco 15 – Sala 1506 Fone: (51) 3717-7383 Coord. do curso: Fabiana Piccinin Impressão: Grafocem Tiragem: 500 exemp. Ano 5 Dezembro de 2010
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Distribuição Gratuita
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