RUA; um espaço público de comportamento social

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rua um espaço público de comportamento social



ufes | 2009 centro de artes departamento de arquitetura e urbanismo

rua um espaço público de comportamento social


henrique césar guimarães


Projeto de Graduação apresentado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo do centro de Artes da Universidades Federal do Espiríto Santo como requisito para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista Orientadora Eneida Maria Souza Mendonça Co-orientador Paulo Vargas

rua um espaço público de comportamento social



Folha de Aprovação Henrique César Guimarães Projeto de Graduação Aprovado em

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Ata de Avaliação da Banca

Avaliação da Banca Examinadora ____ ____ nota data

________________________________ Orientadora Eneida Maria Souza Mendonça

____ ____ nota data

________________________________ Co-orientador Paulo Vargas

____ ____ nota data

________________________________ Convidado

Aprovado com nota final ___ __


agradecimentos


Primeiramente, agradeço a todos que contribuíram direta e indiretamente para este trabalho. Desculpe-me por qualquer erro que possa ter cometido, quer seja com omissão, comissão ou erro de digitação, foram certamente sem intenção. Este trabalho de graduação é o resultado de um processo que não começou na UFES, logo, agradecer não é uma tarefa simples, nem justa. Mas, confio que todas as pessoas que passaram pela minha trajetória de vida merecem o meu reconhecimento, por contribuírem para a minha formação como indivíduo. Em especial, quero agradecer aos meus pais pela liberdade concedida para a construção da minha própria trajetória. Muito obrigado.




apresentação


O Interesse pelo tema espaço público surgiu em sala de aula, nas discussões da disciplina de urbanismo III ministrado pelo professor Milton Esteves Junior. O ponto de partida foi o espaço público de Goiabeiras. Praças, parques, fluxos, ruas, quarteirões, “pontos”, casas, moradores, cachorros, cavalos, tudo foi considerado. Assim, surgiu a RUA, identificado como o espaço público urbano de maior abrangência na vida cotidiana dos moradores. E, é na observação dos atos de todos os dias, vistos com o devido distanciamento crítico e metodológico, que se constatou o conflito entre idealizações utópicas sobre o espaço e as formulações sociais que a rua comporta. No decorrer da pesquisa, foi observado que os debates a cerca da recuperação do papel social da rua tem motivado a produção de inúmeras teorias, que desde a metade do século XX começaram a oferecer alternativas ao ideal modernista de cidade e suas pretensões de universalidades, funcionalidade e uniformidade. Deste modo, este trabalho tem como premissa intervir em uma cidade historicamente produzida - cuja relação histórica urbana antecede ao urbanismo modernista - para tratar a rua na escala do conveniente, a do bairro, do quarteirão da rua, da casa e das pessoas que dão vida a estes espaços e assim recuperar a sua função social. Para isso busca primeiro entender o conceito espaço público para em seguida localizar a rua, a casa e o morador neste contexto. Durante a investigação sobre o espaço público foi ressaltado a existência de mais de um sentido no conceito. São dois grandes pólos, um discurso político e outro urbano. Assim, a bibliografia de ABRAHÃO (2008) foi fundamental para localizá-lo neste trabalho, que se apropria da visão urbana do termo, adotando a nomenclatura de espaço pú13


blico urbano, para designar o espaço na pesquisa urbana. A partir deste entendimento então, o trabalho se direciona para compreender a origem da visão do espaço público agregada de valor social defendido neste trabalho. Para isto, é descrita a história do CIAM – Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna -, pois é nos meandros do congresso que se tem catalogado a evolução do pensamento neste sentido, mais precisamente a partir do VIII CIAM. Em seguida, busca-se entender as categorias sociológicas de casa e rua no contexto do espaço público urbano. A relação existente entre estes domínios culturais não pode ser definida por uma fita métrica, mas sim por meio de contrastes, observado nas diferenças de comportamento, pois segundo DAMATTA (1997) nesta relação existe uma graduação entre o público e o privado que não apresentam uma rigidez esquemática, passível de se representar. Deste modo, o trabalho defende a produção do espaço público urbano de comportamento social, um conceito difundido pelo grupo holandês Shared Space (PROJECT, 2005), que ordena as ruas de acordo com o comportamento desejado para cada situação; social, social de trânsito e de trânsito. Assim, esse projeto se posiciona em defesa da promoção de sociabilidades e na produção de cidades tradicionais, em oposição a modelos universalizastes. Na segunda parte do trabalho a área do objeto de estudo, Goiabeiras, passa a ser o foco principal. Primeiro faz-se uma analisa geral da região da Grande Goiabeiras segundo a evolução urbana, o uso do solo, o sistema de circulação, a estrutura e viária urbana e seus condicionantes. Depois, é feita uma “descrição densa” (GEERTZ, 1989) de Goiabeiras 14


Velha, através do registro dos costumes, comportamentos, e as reações do enredo social. É tradição dos trabalhos de antropologia o confronto entre as teorias do pesquisador e as do nativo. É assim que se constrói o objeto a investigar. Para fazê-lo eu recorri a métodos de pesquisa de campo da psicogeografia e da etnografia, para realizar o mergulho no território. Porém, é preciso deixar claro aqui, que não foi realizada uma etnografia do bairro, mas apenas o aporte da metodologia para o trabalho de campo. Assim, tracei o limite do bairro por oito ruas, as principais promotoras da identidade local, para desta maneira, realizar a descrição dos modos de apropriação do espaço público destas ruas. A partir disso, foi elaborado o projeto de intervenção para Goiabeiras Velha, passando primeiro por uma hierarquização viária para a Grande Goiabeiras, com o objetivo de organizar o trânsito do bairro por comportamento. Depois, foram colocadas as diretrizes para o entorno do bairro que possui uma grande área ociosa e, finalmente, foi realizado um projeto para a qualificação do espaço público urbano da rua de Goiabeiras Velha para uma rua de comportamento social.

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sumรกrio


contextualização teórica espaço público 21 a Rua e o espaço público 25 a casa e a rua 31 a permanência e o tráfego na rua 37 o espaço de comportamento social 39 grande goiabeiras introdução 51 evolução urbana 52 uso do solo 56 estrutura viária e malha urbana 63 condicionantes urbanos e naturais 66 marcos, pólos e nós 68 goiabeiras velha introdução 73 evolução urbana 76 a panela de barro e as tradições culturais 81 o quintal repartido e a vizinhança familiar 85 o espaço livre e os modos de apropriação 89 projeto objetivos 159 diretrizes para o entorno 162 hierarquização por comportamento 170 projeto de rua de comportamento social 181 considerações finais referências bibliográficas referências iconográficas anexos




contextualização teórica


espaço público Espaço público é um conceito presente no urbanismo e, assim como outros profissionais, os arquitetos cedo começam a manuseá-lo. Ele convém ao planejamento, à legislação e à gestão da cidade, ao projeto urbano, ao paisagismo, aos espaços livres, à recuperação de áreas históricas, assim como aos projetos habitacionais. De inicio, sem depender de uma análise profunda e científica, investiguei o senso comum1 de espaço público. Neste sentido, a noção reproduzida de espaço público é aquele que, dentro do território urbano tradicional, seja de uso comum, que tange o sentido de comunidade, e de posse coletiva (pertence ao poder público). Este pensamento é recorrente nas principais referências sobre o assunto. Para Manoel Arroyo (2005), por exemplo, os espaços públicos são aqueles de livre acessibilidade, de uso comum dos cidadãos e de coesão da sociedade, apresentando como características o fato de ser geral, comum e coletivo. Já Doriéli Fornaciari (2007) afirma, no entanto, que espaço público pode ser definido também como “locais de reprodução da vida social e coletiva, importantes por seu caráter democrático [grifo meu] (...) praças, parques, ruas, calçadas, entre outros. Tais espaços devem receber e incentivar o exercício da cidadania e vivências sociais entre indivíduos; serem acessíveis a todo o grupo, tanto no que diz respeito à acessibilidade física, quanto aos horários de uso e ainda, quanto ao tipo de usuário (independente de faixa etária, raça, condição social, etc.)”. O discurso de Harvey (1992) destaca a importância de ressaltar o papel político do espaço público e o seu dever de atender as várias funções e significados que têm para as pessoas. Ele afima que as formas espaciais não devem ser vistas como objetos inanimados dentro das quais o processo social se desenvolve,

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1. O conhecimento de senso comum é o saber informal, que se adquire de uma forma natural e espontânea, através do nosso contato com os outros, com as situações e com os objetos que nos rodeiam, ou seja, é o pensamento segundo os cânones de nossa cultura.


2. No transcorrer deste trabalho tomo emprestado às expressões de Sérgio Luís Abrahão (2008); “espaço público urbano” para identificar os espaços tradicionais de uso comum das cidades, como às ruas, praças, largos e avenidas; e “espaço público político” para designar uma realização sociopolítica da manifestação popular de ordem pública. Assim, para diferenciarmos as expressões foram acrescentadas os termos “urbano” ou “político”.

mas como coisas que contém tais processos, justificando dessa forma, que tanto os processos sociais como as formas espaciais nascem da prática humana. No discurso de Harvey, é possível observar a ambigüidade que o conceito de espaço público carrega. Ao enfrentar este desafio, me deparei com esta complexidade, cuja existência de mais de um sentido implica em uma confusão de discurso muito recorrente em bibliografias do assunto. O conceito tanto nomeia lugares físicos, como também à esfera da vida social e política. São duas falas, uma política e outra urbana. A construção do conceito pelo campo do urbanismo, no entanto, só se deu a partir do pós-guerra, na revalorização dos espaços livres. A freqüência com que nas duas últimas décadas, diversas publicações classificaram os espaços públicos urbanos2 do ponto de vista sociopolítico, como espaços de manifestação da esfera política, da realização da cidadania, da vida e opinião pública, evidencia numa forma explícita, que as concepções são, muitas das vezes, situadas no campo das ciências sociais e da filosofia política. Esta investigação permitiu observar que ainda é recorrente entre arquitetos e urbanistas atribuir ao projeto à potencialidade de transformação social e política. Muitos projetos conferem aos espaços públicos o status de espaços imprescindíveis ao exercício da cidadania e à manifestação da vida pública, projetos onde deveriam estar assegurados os direitos do cidadão ao uso da cidade, à acessibilidade, à memória, à segurança, à informação, ao conforto e à circulação. “Atribuía-se, assim, à materialidade daqueles espaços, uma realização sociopolítica identificada por atributos de concepções de espaço público – tais como cidadania, vida pública e direitos – formulados em outras esferas do conhecimento” (ABRAHÃO,2008, p. 16)

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ABRAHÃO afirma no entanto, que a condição física, presente no conceito espaço público urbano, o distancia da formulação política do conceito por limitar seu termo a locais físicos públicos, enquanto o conceito entendido pelo campo político-filosófico abrange um caráter ideológico que sobrepõe à questão física do sítio. Em um trecho do texto Centros para a vida da comunidade de SERT(1955), veiculado no VIII CIAM, é possível notar esta distinção. Quando ele argumenta a necessidade de um centro cívico para a manifestação da esfera pública para uma cidade é citado o caso do Rockfeller Plaza, onde existe a apropriação do espaço público político em um espaço privado. Vejamos; “New York carece de um lugar apropriado para as manifestações coletivas. Qualquer espaço aberto se converte em local de reunião. Um poço em meio a altíssimos edifícios é sempre melhor que nada e as pessoas se reúnem aqui para ver florescer algumas árvores ou para contemplar como os outros patinam e se divertem (SERT, 1955, p.4)” No Brasil, a filósofa Marilena Chauí tem sido a pessoa que no campo da filosofia política muito tem se ocupado em entender o significado e debater as dificuldades de constituição do espaço público (político) entre nós. Em seu repertório (CHAUI, 1993) está presente sua preocupação quanto à relação da democracia e o espaço público urbano, que segundo a autora está seriamente comprometido pela hegemonia econômica política do neoliberalismo e pela estrutura hierarquizada de nossa sociedade, marcado pelo predomínio do espaço privado sobre o público. Trata-se de um discurso que evidencia o afastamento entre o conceito de espaço público urbano e espaço público político, que na atualidade é demonstrado pelas manifestações da esfera pública que extrapolam o limite físico de lugar público.

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a rua e o espaço público A palavra rua vem do latim ruga. Primitivamente o vocábulo significava o sulco situado entre dois renques de casas ou muros em uma povoação qualquer. Mas a experiência do espaço público urbano fundamenta a intuição de que a rua é mais que via, trilho ou caminho. Para a nossa cultura é impossível imaginar o urbano sem o recurso à noção e à imagem de ruas. A importância de que desfrutam pode ser percebida pela constatação da quantidade de atividades e significados para os quais servem de apoio. Todos sabemos disto, mesmo que não estejamos comprometidos com os exercícios de análise e reflexão do urbano. Só em mapas, plantas e planos, as ruas podem ser vistas apenas como meio de circulação entre dois pontos distantes. É claro que elas também o são. Podemos medir-lhes o fluxo, avaliar a carga de tráfego que suportam, hierarquizá-las, testá-las quanto à vocação circulatória, etc. Mas, as ruas que não são mais do que vias de passagem e estão animadas por um só tipo de vida, são mortas para todo o resto. A visão deste trabalho do espaço público urbano, da rua agregada de valores psíquicos e sociais, onde se desenvolvem modos de sociabilidades particulares é recente, de a partir de meados dos anos 1950, introduzido com o debate a cerca da recuperação do centro das cidades. É esta visão do espaço público que interessa este trabalho. Se, a sistematização do espaço herdada dos postulados da Carta de Atenas levou a reprodução convicta de projetos funcionalista e refletiu na projetação urbana por meio de modelos de rua pautados na separação por função, este trabalho vai à contramão da velha geração modernista da cidade para discutir o espaço socialmente produzido a partir de uma aproximação dos modelos de produção espontâneos da cidade

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3. Segundo o arquiteto catalão José Luis Sert, presidente do VIII CIAM – Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna- “os congressos constituem um fórum de constante debate sobre vários temas relacionados à questão da arquitetura e da urbanística”. Estabelecidos em 1928, os CIAM organizaram-se em grupos de trabalho. Cada Congresso elegia um tema para o Congresso seguinte.(ABRAHÃO, 2008)

tradicional. Pois, estudos sociológicos chegam à conclusão que a funcionalização dos modos de vida e a idealização de um modelo de homem vão de encontro à pluralidade instintiva da vida humana. Segundo ABRAHÃO (2008), no campo do urbanismo, a conjuntura política do imediato pós-guerra foi o responsável pelo início da sistematização do pensamento acerca do conceito de espaço público urbano com a discussão sobre a revalorização dos espaços livres. Estudiosos reconhecem que o conceito surgiu, para os urbanistas, nas salas do III e IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM)3. A idéia difundida pela historiografia aponta que até o III CIAM pouco ou nenhuma atenção era dedicado à questão do espaço público ou dos espaços livres das cidades. Porém, estas discussões tiveram como procedente crítico a morte da rua tradicional (questão desconsiderada na época) e o surgimento dos espaços comuns sem limites. A importância da rua só foi retomada no VIII CIAM, com a questão da recuperação dos centros (coração) das cidades. Os CIAMs sustentavam que a arquitetura deveria estar comprometida com as condições sociais e econômicas da época, rejeitavam, portanto, os métodos artesanais de produção, buscando ao invés disso o emprego universal de métodos de produção racionalizados, procuravam o barateamento da habitação e um planejamento econômico capaz de tornar mais eficiente e lucrativa a indústria da construção civil, e estavam orientados para a satisfação das necessidades de racionalidade técnica e econômica da sociedade da época, mas principalmente eram guiados por um ideal estético mais amplo, que envolvia a pesquisa de novas linguagens plásticas, coerentes com as possibilidades técnicas à disposição, e que rompesse com a linguagem acadêmicohistoricista associada aos métodos artesanais de construção.

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No âmbito destes congressos, A Ville Radieuse foi apresentada por Le Corbusier em 1930, durante o III CIAM4, onde as principais idéias nela estampadas foram debatidas em 1933, no congresso seguinte, e posteriormente organizadas e publicadas em um documento coletivo conhecido internacionalmente como a Carta de Atenas. “A Ville Radieuse surgiu dos comentários que Le Corbusier fez sobre um concurso para a construção das cidades-jardins socialistas para 100mil pessoas a 37 quilômetros a nordeste de Moscou, e que acabaram derivando, como resposta a um questionário a ele solicitado por arquitetos soviéticos (Résponse à Moscou), em 21 desenhos com propostas para a reconstrução de Moscou”. (ABRAHÃO,2008, p. 63) Com a Ville Radieuse, Le Corbusier abandonou o modelo urbano centralizado em favor de um conceito teoricamente ilimitado, aderindo assim a um modelo linear de cidade. Propôs que todas as construções fossem elevadas sobre pilotis, possibilitando liberar toda a superfície de terreno num parque livre para o pedestre circular à vontade; hierarquizou também um sistema de vias (escavadas ou elevadas) de modo a assegurar, graças ao automóvel, a inter-relação entre as megaestruturas e a ligação dessas com o território. Através desta proposta, Le Corbusier contrapôs-se às cidades radioconcêntricas e desconsiderou a rua corredor, com suas calçadas, cruzamentos e esquina. Sobre os aspectos utópicos presentes nas descrições da Ville Radieuse, Le Corbusier reduziu a vida urbana a quatro tipos de atividades: o habitar, o trabalhar, o circular e o lazer, que reunidas na Carta de Atenas tornaramse “os postulados fundamentais da cidade”, pontos norteadores tanto do planejamento de novas cidades, quanto da readequa-

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4. O III CIAM deu-se em Bruxelas, com o tema Loteamento Racional (ABRAHÃO, 2008)


ção das cidades existentes. “Como documento recorrente, a Carta de Atenas condenava de forma definitiva a rua corredor da cidade tradicional, separava de forma radical os pedestres dos carros, e liberava a superfície dos terrenos para uma área verde ilimitada. Para os espaços resultantes a partir desse novo modo de pensar as cidades foram empregados novos termos, relacionados à suas funções, cores, atributos e idéias, os quais, (...) contribuíram para diluir sua concretude. De fato, a rua passou a ser percurso, o parque a ser espaço verde, a habitação passou a ser alojamento, a rua corredor passou a ser corredor dos edifícios”. (ABRAHÃO,2008, p. 70) A orientação definida pelo III e IV CIAM e resumidas na Carta de Atenas, faz surgir, logo nos primeiros encontros do pós-guerra, propostas reativas de diferentes grupos dentro do CIAM, que induziram novas abordagens aos lugares de convívio social. Uma das propostas previa a construção de centros cívicos monumentais, trazida ao debate já no VI CIAM por José Sert e Siegfried Giedion, respectivamente, arquiteto e historiador integrantes da “middle generation” do CIAM. E, outra abordagem deu-se em torno da preocupação com a restauração dos centros antigos das cidades tradicionais, trazida no VII CIAM, por italianos e iria contribuir alguns anos mais tarde para análises críticas contra o CIAM. De acordo com os temas que dominaram os encontros, Frampton (1986) e outros historiadores dividem os CIAM em três fases, segundo os temas dominantes das discussões de cada encontro: 1928-1933 (pesquisa para a habitação mínima), 1933-1947 (urbanística e racionalismo) e 1947-1959 (revisão do ideário racionalista).

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Na segunda fase dos CIAM os debates concentraram-se na questão urbanística. Com base na análise exaustiva de trinta e quatro cidades européias, formulou-se ao final do congresso um conjunto de cento e onze proposições, a Carta de Atenas (1933), que abordava a cidade enquanto organização de categorias funcionais: habitação, lazer, trabalho, circulação e patrimônio histórico. (BANHAM citado em FRAMPTON, 1986. p.319). Tanto Banham como Frampton, reconhecem que o poder doutrinário da Carta foi enorme. Contudo este modelo racionalista foi questionado ainda no congresso de Paris (1937), onde foi levantado o problema do impacto das estruturas históricas sobre as cidades, assim como as influências regionais. Mas foi somente na terceira fase dos CIAMs (VI, VII, VIII, IX e X CIAM), agora com uma presença numerosa de arquitetos da nova geração, que a importância das ruas das cidades tradicionalmente produzidas foi definitivamente colocada em questão. O grupo inglês MARS, desta nova geração, propõe para tema central do VIII CIAM (1949) o “core” (coração, centro, núcleo) da cidade, numa clara demonstração de insatisfação com o árido modelo urbanístico funcionalista. Coloca-se em dúvida a eficácia do modelo urbanístico funcionalista, e do próprio racionalismo arquitetônico: a velha geração dos CIAM (Le Corbusier, Rogers, Sert, Walter Gropius) o faz de forma retórica, apresentando propostas e projetos que, no entanto, continuam permeadas pelo ideário racionalista. Já a nova geração contribui com novas idéias e projetos, nos quais se esboçam tentativas de romper com o modelo racionalista: enquanto parâmetros para intervenções no espaço urbano, as quatro funções da Ville Radieuse cedem lugar a categorias fenomenológicas presentes na estrutura urbana: família, casa, rua, bairro, cidade, onde a cultura e a história passam a ser contemplados nos seus projetos.

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5. Os CIAM foram extintos no encontro de 1959 (Dubrovnik), quando a velha geração de arquitetos considerou terminada a tarefa de discutir, consolidar e defender as premissas do movimento moderno naquele fórum. A presença cada vez mais evidente dos arquitetos da nova geração, com suas constantes críticas às posições da velha geração, pode ter contribuído para o fim dos CIAM. As condições do mundo eram outras, diferentes daquelas que a velha geração havia encontrado ao iniciar o projeto dos CIAM. (ABRAHÃO, 2008)

Abandonava-se a sistematização e quantificação de dados iniciados no segundo congresso e discute-se naquela ocasião o “coração” da cidade, a partir do que aflorou das deficiências da proposta funcionalista, e discutiu-se também a investigação de elementos do ambiente urbano até então rejeitados pelos arquitetos modernos. Monumento, monumentalidade, história, símbolos da comunidade e a escala dos agenciamentos urbanos passaram a fazer parte do discurso e da reflexão dos arquitetos dos CIAM5. Com efeito, estudiosos reconhecem este como o ponto de inflexão dos congressos. A preocupação com a retomada da vida em comunidade como forma do homem vencer seu isolamento, sinaliza que o usuário da cidade não é o homem ideal, puro, em equilíbrio com a natureza, capaz de viver em espaços racionalizados e transparentes idealizado pelo projeto modernista, mas o homem concreto, isolado em sua existência nas grandes cidades. As conseqüências mais imediatas desta formulação que propõe a correspondência entre formas físicas e processos políticos e sociais aparecem na concepção de propostas urbanísticas da nova geração de arquitetos e urbanistas, no projeto dos centros cívicos. Tal discussão contribuiu para manter e difundir o interesse pelo espaço tradicional de uso comum, e, mais especificamente, a rua como meio de se garantir e resgatar formas de sociabilidade e defender a cidade historicamente produzida, enquanto principal antídoto para o urbanismo funcionalista. A rua, assim, é incluída e passa a ser considerada um espaço público por excelência.

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a casa e a rua Este capítulo inaugura a fala sociológica a acerca da Rua. Aqui, os termos casa e rua6 são entendidos como “categorias sociológicas” fundamentais para a compreensão do espaço público urbano e da sociedade brasileira de maneira geral. Roberto DAMATTA (1997) afirma que casa e rua não designam simplesmente espaços geográficos ou coisas físicas comensuráveis, mas acima de tudo entidades morais, esfera de ação social, províncias éticas, domínios culturais institucionalizados e, por causa disso, capazes de despertar emoções, reações, leis, orações, músicas e imagens esteticamente emolduradas e inspiradas. Ou seja, o que temos aqui é um espaço moral posto que não pode ser definido por meio de uma fita métrica, mas sim, por intermédio de contrastes, complementaridades, oposições. Em casa, por exemplo, podem-se fazer coisas que são condenadas na rua, como requerer um espaço a que temos direito inalienável e perpétuo ou querer um lugar determinado e permanente na hierarquia da família. Na rua “passamos sempre por indivíduos anônimos e desgarrados, somos quase sempre maltratados pelas chamadas ‘autoridades’ e não temos nem paz, nem voz” (DAMATTA, 1997, p. 20). Não será exagerado observar que, por causa disso, o comportamento social na rua (e nas coisas públicas) é igualmente negativo. O lixo é jogado para fora da calçada, porta e janelas; as regras de trânsito não são obedecidas e a coisa comum é naturalmente depredada. No caso da sociedade brasileira, o que se percebe muitas vezes como mudança ou diferença é apenas uma parte de um sistema diferenciado com pelo menos duas perspectivas complementares entre si. DAMATTA exemplifica isso, citando o fato de o brasileiro se portar de modo diferente na casa e na rua. Diz;

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6. Refere-se a casa e rua, quintal e calçada, de “meio da rua”, ou ainda de janelas, portas e balcões porque se constituem partes que formam os referencias do espaço. São partes que se articulam, que se relacionam entre si. (DAMATTA, 1997)


Realmente, se entrevistarmos um brasileiro comum em casa, ele pode falar da moralidade sexual, dos seus negócios, de religião ou da moda de maneira radicalmente diferente daquele que falaria caso estivesse na rua. Na rua, ele seria ousado para discutir sobre a moral sexual, seria prudente ao mencionar seus negócios e ultraavançado ao falar de moda. [...] Em casa, porém seu comportamento seria em geral, marcado por um conservadorismo palpável, sobretudo se fosse um homem casado e falando de moral sexual diante de suas filhas e mulher. [...] Não é ao acaso que temos um ditado que diz: “Faça como eu digo, mas não como eu faço”. (DAMATTA, 1997, p. 46) Esta observação, porém não é uma simples questão de mudança de contexto, isto é, do fato conhecido de que todo ser humano muda de opinião dependendo das circunstâncias. Os espaços rua e casa - ou as esferas de significação social fazem mais que separar contextos e configurar atitudes. Eles contêm visões de mundo ou éticas particulares. Trata-se de esferas de sentido que constituem a própria realidade e que permitem normalizar e moralizar o comportamento por meio de perspectivas próprias. Este antagonismo, no entanto, tem um caráter especial. É, sobretudo, complementar porque não se pode falar de casa sem mencionar o seu espaço contíguo, a rua. Mas é preciso notar também que a oposição casa/rua tem aspectos complexos. É uma oposição que nada tem de estática e absoluta. Ao contrário, é dinâmico e relativo porque, rua e casa se reproduzem mutuamente, posto que há espaços na rua que podem ser fechados ou apropriados por um grupo, categoria social ou pessoas, tornando-se sua “casa”, ou seu “ponto” e há espaços na casa que são historicamente hierarquizados para funcionalizar a entrada de estranhos e visitas, como que um grau interno na casa

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que limita ou permite o acesso de estrangeiros no interior do lar. Em, Quando a Rua Vira Casa, Carlos Nelson dos SANTOS (1985), consegue dissecar esta relação casa e rua na realização de uma etnografia da rua no bairro do Catumbi na cidade do Rio de Janeiro. Em seu trabalho o autor define o lar como o mundo de relações sociais da “pessoalidade” e a rua como o pólo “impessoal” das relações. Assim, a casa está associada com a família, com os laços de substância entre parentes e amigos, com os valores da intimidade que devem ser preservados pelo recato, pela invisibilidade. A informalidade caracteriza esse universo de relações, está relacionado ao descanso, ao não-estar-necessariamente-arrumado e ao não-estar-trabalhando, permitindo aos que dele participam que fiquem à vontade. A rua, no sentido mais amplo que se possa atribuir ao termo, polariza outro conjunto de relações sociais, opondo-se a casa. É o mundo das relações contratuais que regem o convívio e a interação daqueles que não têm outros laços de união além da sua igualdade enquanto cidadão. A casa é, no limite, o domínio da pessoalização e das obrigações mútuas que regem este mundo de pessoas. A rua é, também no limite, a esfera da impessoalidade. DAMATTA (1997), demonstra que, o mesmo homem sensato em família, quando vai para o mundo da rua se transforma em inoportuno. A cordialidade fica restrita ao mundo da casa. Diz ainda: Uma graduação do público e do privado pode se relacionar com os espaços da casa, do quintal e da calçada. A rua é o mundo das relações contratuais, é o lugar onde se dão as relações formais, expostos e vi-

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síveis, medidas pela lei e pelo dinheiro. Na rua, aquilo que não é casa, nem estabelecimento, nem ponto, é despojado de todos os possíveis significados, com exceção de um único, o da via, da passagem. Pólo extremo do público, do impessoal, da formalidade jurídica, onde se predomina a cultura da globalização e se deixa de lado os antigos costumes locais. SANTOS (1985) observa, no entanto, que as esferas relacionais da casa e rua não apresentam rigidez esquemática, afirma que o universo da Rua também comporta relações de substância, domínio de intimidade e informalidade, lugares mais ou menos familiares, onde as relações contratuais, a impessoalidade e as formalidades são parcialmente realizados ou suspensos. E ainda, é possível encontrar na rua, além da casa enquanto moradia, a casa associada ao trabalho, o negócio ou estabelecimento puro e simples. Ou seja, assim como a rua tem espaços de moradias e/ou ocupação, a casa também tem seus espaços “arruados”, porque fazem a ponte entre o interior e o exterior, como as janelas, varandas, salas de visitas, cozinhas, entradas de serviço, dependências de empregadas e quintais. Segundo o autor, na rua existe,por exemplo, “um ‘ponto’, que vem a ser um espaço, nas calçadas, nas esquinas ou no leito da rua, que é apropriado por determinadas práticas e pelas pessoas que a elas se dedicam. O “ponto de bicho” é um exemplo de uma forma de apropriação do espaço coletivo. Assenhorear-se de um local através de uma atividade, implica de certa forma, em particularizá-lo não só pela ‘especialização’ que lhe passa a ser atribuída em termos de uso, mas também pela conseqüente vinculação a pessoas, grupos, turmas e ‘patotas’. Neste sentido, espaço definido pela casa pode aumentar ou diminuir, de acordo com a unidade que surge como foco de opo-

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sição ou de contraste. A casa define tanto um espaço íntimo e privativo de uma pessoa (por exemplo; seu quarto de dormir) quanto um espaço máximo e absolutamente publico, como quando ocorre quando se referem ao Brasil como casa. Tudo, obviamente, depende de outro termo que está sendo contrastado. Deste modo, meu quarto (por oposição aos outros quartos) é “minha casa”. Já a vizinhança, refiro-me à minha casa incluindo na expressão não só a residência em si, mas também o seu jardim e o seu quintal. Mas se estou no “centro” da cidade, minha casa pode muito bem ser meu bairro, com todas as suas ruas e jardins. São estes limites “entre - mundos” que interessam a este trabalho. A apropriação do espaço coletivo, feito com o uso regular de uma atividade, de domínio público ou não, é que trás a cordialidade, a intimidade do lar de volta para a esfera pública, diminuindo assim os limites do impessoal.

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a permanência e o tráfego na rua A rua é um espaço público onde ocorrem os eventos cotidianos do homem urbano, tais como a circulação, o encontro e a troca de informações. É por meio da rua que a casa abastece-se de insumos e se elimina os resíduos. É através dela que se promove a vida urbana. Tratando-se de espaços que se prolongam até junto às habitações, prestam-se para comportar uma rica gama de atividades de caráter habitacional, onde são utilizadas pelas pessoas para simplesmente “fazer hora” e observar, para realizar atividades ligadas ao trabalho ou, simplesmente, para se deslocar. Espaço público por excelência, a rua participa da organização espacial das práticas cotidianas da população e são lugares onde a sociedade se expressa. De modo geral, a rua deve ser um lugar de acumulação, pois acomoda uma série de funções e valores considerados importantes socialmente, e é a combinação natural destas variáveis que amplia a qualidade social do espaço público e fornece uma visão da maneira como as pessoas moldam sua sociedade. Apesar disso, a organização espacial dos espaços públicos da rua não indica a intenção de desenho para comportar uma diversidade uso. Herança de um projeto funcionalista de cidade, o movimento, motorizado e não-motorizado, é o que tem prioridade nos projetos de rua dos dias de hoje, mesmo que o trânsito seja um meio para chegar a um destino e não um fim em si mesmo. Com a intensificação do tráfego mecânico, o sentido tradicional de logradouro público como local de livre acesso e de uso espontâneo deixou de existir em muitas ruas. Passou-se a dar maior ênfase à otimização da fluidez de tráfego de veículos motorizados, aumentando-se a velocidade e procedendo-se à diferenciação funcional dos espaços urbanos. Isto rompe a con-

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tinuidade e a manutenção de seus usos na escala do morador e desta forma retira-lhes o seu significado humano mais relevante. Deste modo, tende a diminuir as condições espaciais favoráveis à integração e ao desenvolvimento social em beneficio da velocidade e da eficiência das funções urbanas setoriais. É uma visão do espaço público urbano, onde usos diferentes aos de deslocamentos são balanceados no projeto que confere valor social aos espaços urbanos. Diferentemente do modelo de projeto de rua moderno que é reproduzido até os dias de hoje, as ruas são locais onde ocorre uma superposição de funções e simultaneidade das práticas. Assim, é possível constatar nestes espaços, a ocorrência de diversas atividades de lazer, de encontro ou mesmo de trabalho (comércio e serviço). E, é através do que as pessoas fazem na rua, ou seja, os modos de apropriação que fazem com que o espaço adquira um significado. Assim sendo, é desejável que a rua também preencha funções adicionais para as quais não tenha sido projetado especificamente e este trabalho defende projetos de espaços públicos de ruas onde o tráfego, contatos entre pessoas e outras funções espaciais estejam em equilíbrio.

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o espaço compartilhado O advento do carro fez com que a função de tráfego adquirisse uma influência dominante sobre o uso e projetos de espaços públicos. Os espaços públicos passaram a se tornar locais destinados unicamente à movimentação e ao tráfego. Em grande parte do espaço público outros propósitos foram subordinados à função de tráfego, e o espaço foi projetado a partir do desejo de limitar os perigos do tráfego motorizado. Hoje, portanto, não estamos mais compartilhando o espaço, nós o hierarquizamos, o dividimos. O espaço se tornou um sistema de regras, proibições e regulamentos, e as pessoas são forçadas a se adaptar a este sistema, e não o contrário. Normas sociais e valores foram subordinados às leis do tráfego, e o papel do homem, como usuário do espaço, foi reduzido ao de participante do trânsito. Isso implica no fato de as pessoas apresentarem um comportamento no espaço público e outro, totalmente diferente, na rua (no sentido de tráfego). No caso específico, do Brasil, este quadro é ainda mais agravante. Roberto DAMATTA defende que a agressividade do trânsito brasileiro, além de estar relacionado com a diferença de comportamento entre o sujeito do lar e o da rua, revela um fenômeno que tem origem na eterna desigualdade e hierarquização da sociedade brasileira. Para ele os motoristas ficam perturbados porque o trânsito iguala as pessoas. “Não há sinais de trânsito só para carros do governo, outros para atores de TV e outros para calhambeques. As regras são para todos. E a sociedade brasileira é uma sociedade aristocrática. Em casa, nós somos treinados para a diferença” - diz DAMATTA (acesso em 12 de julho de 2009) O antropólogo também observa que o recente crescimento eco-

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nômico e a possibilidade que o brasileiro tem hoje de comprar um carro em até cinco anos são responsáveis por despejar uma enxurrada de novos automóveis nas ruas. Isso considerando que seus donos, afirma ele, fazem parte de uma geração que, para tirar uma carteira de motorista, necessitava dispor apenas de um despachante "amigo" no DETRAN. – “O outro não existe como igual. As pessoas dirigem pensando só nelas, aí ficam surpresas quando provocam um acidente: ‘Não era minha intenção’, dizem. A gente não pensa nos outros no trânsito simplesmente porque não fomos treinados para isso. É preciso reeducar todos os motoristas brasileiros. O nome moderno disso é direção defensiva” –DAMATTA (2009). O êxito deste trabalho, portanto é reverter estes papéis, ordenando as vias por comportamento. Deste modo, adota um posicionamento muito claro quanto à necessidade de distinção entre espaço público e vias de tráfego e defende a visão de espaço público do grupo Shared Space7, onde no projeto de espaço público, o tráfego, contatos entre pessoas e outras funções espaciais estejam em equilíbrio. O comportamento humano no espaço social é caracterizado pelo fato de que o movimento não é guiado por um programa invariável e pré-determinado, e sim pelo que as pessoas sentem de um momento para o outro. Os movimentos são desfocados, imprevisíveis, e relativamente lentos. O comportamento das pessoas em espaços sociais é basicamente determinado pelo ambiente físico e pelo comportamento dos outros, onde o contato visual desempenha um papel importante. No espaço público, a liberdade de movimento e a interação social entre pessoas são critérios decisivos, espaços residenciais devem ser projetados como espaços para as pessoas, e convidam a um comportamento social. Uma pessoa que está usando

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7. Shared Space (Espaço Compartilhado) é um conceito de planejamento urbano, pensado de forma pioneiro pelo falecido engenheiro de tráfego holandês Hans Mondermann, que promove a redução das barreiras entre pedestres e veículos, assim como a eliminação de sinalização e de sinais de trânsito para os espaços públicos. De acordo com os defensores do espaço compartilhado, essa falta de direção para o veículo faz com que os condutores fiquem mais conscientes do seu entorno, ao invés de acelerar em um bairro, o motorista é forçado a abrandar a velocidade e ter consciência sobre seu veículo, ciclistas e pedestres.


um espaço público é um convidado, e, assim, se comporta de acordo. Mas o seu comportamento é diferente em uma área de trânsito. Essas são projetadas para uma movimentação rápida. A vida econômica, social, cultural e recreacional acontecem em lugares que formam uma rede. Dependendo dos seus interesses e obrigações, as pessoas irão se ocupar em lugares diferentes. Algumas vezes esses lugares são bem próximos uns dos outros, de maneira que o espaço público não precisa ser interrompido. Entretanto, às vezes este não é o caso e assim as pessoas precisam se deslocar. O tráfego que decorre desta forma funciona como nossas opções residenciais; o tráfego permite que nos tornemos cidadãos autônomos. Na maior parte dos casos, o tráfego não é um fim em si mesmo. Shared Space, como o nome indica, argumenta que as pessoas compartilham espaços públicos juntas. Isto não acontece quando as variadas e diferentes funções destes espaços estão também dissociadas, quando estão acomodadas em áreas diferentes, fazendo com que parte de tal espaço público fique inacessível para outras pessoas e propósitos. O espaço público desta forma deixa de ser público, e torna-se um local específico que coloca demandas precisas sobre o projeto e o comportamento. Comportamento de tráfego, no entanto, é o comportamento que as pessoas apresentam quando querem se mover rapidamente de A até B; é caracterizado por movimentos diretos, focados e basicamente previsíveis. Este comportamento não apenas exemplifica o tráfego na via rápida, mas também o dos trabalhadores e estudantes que pedalam suas bicicletas diariamente de casa para a escola ou trabalho. A velocidade é alta, e praticamente não existe contato visual. As pessoas se deslocam com objetivos definidos e seus comportamentos são fortemente guiados pelos sistemas legais do trânsito, por veículos na pista e

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por sinais de trânsito, tais como linhas de marcação de trânsito nas estradas e placas de trânsito. O comportamento de trânsito mostrado pelos motoristas sempre tem um componente social e um técnico/legal. A combinação depende da velocidade, do desenho espacial e de aspectos pessoais. No espaço público, o comportamento social parece mais relevante, da mesma forma como o comportamento de trânsito é em uma avenida. Porém, no meio, existem as transições dos espaços sociais aos espaços de tráfego e isto exige um comportamento social de trânsito, uma combinação de troca social com comportamento de tráfego. Para que um espaço de comportamento social funcione bem é importante que se mantenham estas áreas de transições tão pequenas quanto possíveis, pois são as que oferecem maiores chances de incompreensões entre as pessoas. Ciclistas e pedestres que não estão com pressa esperam certo comportamento social da parte dos motoristas, enquanto usuários apressados presumem outro comportamento dos demais. As diferenças entre comportamento social e comportamento de trânsito, e os atritos que emergem quando os dois ocorrem no mesmo lugar representam a necessidade de clareza no projeto quanto ao tipo de comportamento. Deve se definir o que é dominante; atividades sociais ou trânsito e qual comportamento deve ser exigido; social ou de trânsito? Uma vez definido, o espaço deve demonstrar claramente o comportamento esperado. Em espaços públicos e onde o comportamento social de trânsito é exigido, reforçar o traço social através de uma ênfase sobre os elementos naturais e espaciais é uma escolha evidente, já em espaços de tráfego, o comportamento de trânsito exigido é incentivado ao se empregar as ferramentas da engenharia de tráfego.

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O espaço por si mesmo deve possuir uma mensagem que só pode ser entendida de uma única maneira. Um espaço que incentiva parte de seus usuários a mostrar comportamento técnico/legal de trânsito e que também incentiva outra parte a considerar o local como espaço social, está sujeito a má interpretação. Um movimento de trânsito seguro exige mensagens sociais claras e que não devem ser ocultadas pela engenharia de tráfego. (PROJECT, 2005) Os degraus de Hans Monderman mostram a tolerância à frustração de motoristas, e indicam a velocidade que motoristas consideram aceitável a partir da sua hora de partida. Quando aplicado ao contexto local, este modelo oferece um critério básico para os projetos de espaços públicos. A psicologia do deslocamento O que acontece comigo quando quero ir do lugar A ao lugar B? Porque quero passar o menor tempo possível no caminho, usarei um veículo. Então, em primeiro lugar, eu restrinjo o meu comportamento social – movimentos desfocados são substituídos por ações focadas e diretas. Inicialmente eu me movimento de um ambiente no qual me encontrava um minuto atrás. Eu continuo inclinado a ajustar meu comportamento de trânsito ao comportamento social das outras pessoas, mas quanto mais minha conexão com este lugar se reduz e o tempo passa, esta disposição diminui e eu sinto um impulso a me deslocar mais rapidamente. Quando possível, procuro alguma forma que facilite este movimento focado e rápido. Por algum tempo, eu estou preparado a compartilhar o trânsito com todos os tipos de tráfego lento, mas depois disso, eu realmente tenho que ir de uma vez.

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Assim que alcanço a avenida, eu sou antes de tudo um motorista, parte de um mundo técnico de trânsito com suas próprias leis, quase completamente separado do mundo das pessoas reais. Quando me aproximo do meu destino, o processo corre em sentido contrário. (PROJECT, 2005) Este trabalho, então, busca criar espaços públicos compartilhados onde as funções sociais, de trânsito e as outras funções espaciais podem estar em harmonia. As pessoas podem mover-se, conhecer-se, fazer coisas juntas, ou ir conhecer algum lugar. O espaço social é projetado de forma que nós não o percebemos como um espaço de tráfego, mas como um espaço de pessoas, um espaço onde as funções sociais do espaço público assumem um lugar central. Uma pessoa em deslocamento (de carro, bicicleta, etc.) que passa por ali está ciente do fato de que ela é um visitante, por causa do desenho do espaço, e em resposta a isso, ela ajusta seu comportamento de trânsito ao comportamento social do contexto. O caráter social do “espaço para as pessoas” é reforçado pela incorporação do tráfego e infra-estrutura dentro do projeto do espaço, ajustado ao contexto local e regional. Paisagens e pontos de referência, irrelevantes para o mundo do tráfego, são componentes integrais do espaço público. E, para se alcançar espaços públicos compartilhados mais completos, mais acessíveis e mais vitais a níveis regionais e locais, é necessário formar uma rede “lenta”. Nesta rede lenta8 o tráfego rápido tem que se adaptar ao comportamento social. A pessoa que dirige nela é um convidado. Isso deve ficar claro a partir do layout do espaço. Na rede lenta, as estruturas de apoio e os elementos da paisagem –construídos e naturais –e os significados sociais e culturais dos espaços públicos são reforçados.

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8. A rede “lenta” só pode funcionar se houver uma rede “rápida”. A abordagem de espaço compartilhado funciona bem quando destinos podem ser alcançados rapidamente, através de outra malha, com vias públicas de alta qualidade, cujo projeto e administração sejam determinados pela engenharia de tráfego. (PROJECT, 2005)


Figura 07: Tabela de Comportamento. Fonte: PROJECT, 2005.

Comportamento social

Comportamento social de trânsito

Comportamento técnico e legal de trânsito

Características de comportamento

Pluriforme e pluralista

Pluralista

Uniforme

Tipo de movimento

Desfocado

Fortemente focado

Extremamente focado

Velocidade apropriada

30km/h

50kg/h

50km/h

Previsibilidade de comportamento

Muito previsível

Limitadamente previsível

Muito previsível

Contato visual

Freqüente

Limitado

Mínimo

Determinantes do comportamento

Ambiente social (pessoas) e ambiente físico

Ambiente social (pessoas) e ambiente físico + regras básicas de trânsito

Sistema de controle – engenharia de tráfego e sistema legais (veículos e ambiente de engenharia de tráfego, marcação de pistas e sinais de trânsito)

Comportamento esperado dos demais usuários da via

Comportamento social

Comportamento social com limitações legais e técnicas

Comportamento técnico e regulamentado de trânsito

Sinalização do espaço relevantes para o comportamento

Conteúdo das construções e ambientes natural

Construções, desenho de espaços públicos, projeto da estrada e referências contextuais

Sinais, sinais de

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iluminação de trânsito, rampas de velocidade e instruções de autoridades


“Muitos acidentes são atribuídos à falta de interação entre os usuários do trânsito. Considere o número de acidentes ‘de preferencial’ dentro das estatísticas de acidentes – 60 a 70% dos acidentes são os chamados acidentes ‘de preferencial’. As pessoas entram na preferencial, mesmo que esta não lhes foi dada” (PROJECT, 2005, p.40). Ao se restaurar a interação nestes locais onde o comportamento social é necessário, o número de acidentes é consideravelmente reduzido. O comportamento social é encorajado ao diminuir a sinalização de trânsito, estimulando mais a habilidade auto-reguladora das pessoas. A ausência de regras de tráfego abre espaço para regras sociais. [...] Uma redução no número de sinais de trânsito, de lombadas e de outros elementos de tráfego que são estranhos ao ambiente, aumenta a qualidade do espaço. [...] Em lugares onde diferentes usuários do trânsito dividem o mesmo espaço público, e onde a preferencial não é regulamentada explicitamente, eles devem negociar a preferencial e estabelecer contato visual. Isso só é possível se a velocidade for abaixo de 30 km/h. Em lugares onde a velocidade ou a preferencial não é regulamentada explicitamente, a velocidade dos motoristas irá reduzir automaticamente. (PROJECT, 2005)

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grande goiabeiras


introdução Goiabeiras está situada na parte continental de Vitória, cuja área está inserida na região administrativa seis do município que compreende treze bairros (Antônio Honório, Boa Vista, Goiabeiras, Jabour, Jardim da Penha, Maria Ortiz, Mata da Praia, Morada de Camburi, Pontal de Camburi, República, Segurança do Lar, Solon Borges e Aeroporto) numa área aproximada de 13 milhões de metros quadrados. No processo de urbanização, este setor norte da cidade, que se estende para o sul e leste do continente, passou a ser denominado Grande Goiabeiras. Localizado ao norte da cidade, faz fronteira com as águas do canal da passagem e é cortado pelas Avenidas Fernando Ferrari e Adalberto Simão Nader e possui como pontos de referência o aeroporto, ao norte, a Universidade Federal do Espírito Santo, ao sul e a Avenida Fernando Ferrari, ao leste. A denominação de Grande Goiabeiras, possui cerca de 7,7 milhões de metros quadrados e engloba os bairros; Antônio Honório, Goiabeiras Velha, Jabour, Maria Ortiz, Segurança do Lar e Sólon Borges.

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evolução urbana A Grande Goiabeiras começou a ser ocupada há mais de 80 anos e era constituída de baixadas cobertas de manguezais (MINGO; Nilo; PROTTI, 2000). O ponto mais alto era o Morro Boa Vista. A região inicialmente pertencia ao município de Serra e se limitava ao norte pelo Planalto de Carapina, ao sul pelo Canal da Passagem, a leste com o Oceano Atlântico e a oeste com o manguezal do Lameirão. O nome Goiabeiras é originário da árvore que tem como fruto a goiaba. Os índios Temiminós, de grande presença na região, denominavam os locais com nome de plantas e árvores, assim como Laranjeiras, Carapina, Pitanga, etc. A região era rica em frutas como cajá, sapoti, caju e goiabas. Esta região caracteriza o núcleo original que deu origem a Grande Goiabeiras. Na década de 1950, o distrito passou a pertencer ao município de Vitoria e teve seu primeiro ciclo de desenvolvimento. A primeira ocupação ocorreu na região de Goiabeiras I, conhecida hoje como Goiabeiras Velha, pois caracteriza o núcleo inicial. Nesta época, a região era primitiva, sem luz, água e esgoto. Os moradores sobreviviam da pesca artesanal de peixes e mariscos, da criação de gado leiteiro e da agricultura de subsistência. Na região permanece a tradição antiga do trabalho desenvolvido pelas paneleiras, símbolo da cultura capixaba, que vem sendo transmitido de geração a geração. Em 1963, foi inaugurado o bairro Jabour com a construção de 63 casas, localizado nas proximidades do aeroporto, através de uma experiência pioneira da iniciativa privada na construção de conjuntos populares. Paralelamente à construção das 63 casas, foi feito um loteamento em uma área de 20.000m2 da Jabour Exportadora e Importadora de Vitória, cujo proprietário, Sr. João Jabour, cedeu o nome ao local.

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Na década de 1970 houve uma explosão demográfica na região devido a construção dos conjuntos habitacionais de Sólon Borges e Antônio Honório. Na mesma época, ocorreram a construção do loteamento de Segurança do Lar, em 1972, numa área de propriedade do Sr. José Ribeiro, e a ocupação informal da região de Maria Ortiz, quando era apenas uma faixa de terra desocupada à beira do mangue.

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Figura 09: Mapa de limite dos bairros da Grande Goiabeiras. Fonte: adaptado PREFEITURA..., 2008


O conjunto de 300 unidades de Sólon Borges foi construído pela Companhia de Habitação (COHAB) e os 305 de Antônio Honório pelo Instituto de Previdência e Assistência Jerônimo Monteiro. Já Maria Ortiz, teve sua origem no lançamento de lixo promovido pela PMV que foi avançando sucessivamente sobre o mangue. A área era conhecida como "lixão de Goiabeiras", pois a população era composta, basicamente, de "catadores de lixo" que retiravam sua subsistência da comercialização do lixo. Nesta época, fazia parte da ação da Prefeitura Municipal de Vitória (PMV) à urbanização de lotes já consolidadas em áreas de mangue, através de aterro. O bairro, em seguida, foi quase totalmente urbanizado com obras de drenagem e pavimentação e a construção de equipamentos como praças, escolas e posto médico. Contudo, persistia o problema das famílias que viviam em palafitas, sob os fios de alta tensão da ESCELSA, já nos limites do manguezal. Alertados através da imprensa dos riscos de vida que corriam essas famílias, a PMV decidiu na década de 1980 implementar uma política de desocupação do local. Foram então construídas, em outra área aterrada de mangue, o Residencial Maria Ortiz, com 294 casas populares para as quais estas famílias foram transferidas.

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uso do solo O Plano Diretor Urbano (PDU) de Vitória de 2006, no Título III Ordenamento Territorial, que busca atender à função social da propriedade, com a subordinação do uso e ocupação do solo ao interesse social, ordena o bairro em seis zonas de ocupação do solo. O zoneamento é o instrumento destinado à regular o uso e a ocupação do solo para cada uma das zonas em que se subdivide o território do município. Foram estabelecidas para a região as seguintes zonas cuja localização e limites são os constantes no mapa de zoneamento: I - Zonas de Proteção Ambiental – ZPA 1; II - Zonas de Proteção Ambiental – ZPA 2; III - Zonas de Proteção Ambiental – ZPA 3; VI - Zona de Parque Tecnológico – ZPT; VII - Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS 2 III - Zona de Ocupação Limitada – ZOL; As Zonas de Proteção Ambiental (ZPA) são definidas em função das necessidades de proteção integral e dos diferentes graus de uso sustentável permitidos. São compostas por ecossistemas de interesse para a preservação, conservação e desenvolvimento de atividades sustentáveis. Na Grande Goiabeiras, existem três ZPA. A ZPA1 abrange a região do Morro do Salles, localizado atrás da Faculdade Brasileira (UNIVIX), a ZPA2 abrange a área da estação ecológica municipal da Ilha do Lameirão e a ZPA3 compreende a área localizada na margem de mangue do bairro Maria Ortiz entre as ruas Professor Plácido e São Lucas, que não

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Figura 11: Mapa de zoneamento da região da Grande Goiabeiras. Fonte adaptado PMV/ SEDEC, 2006.

sofreram a ocupação habitacional. Segue abaixo as características das zonas estabelecidas pelo PDM; I - ZPA 1 - áreas destinadas à proteção integral dos ecossistemas e dos recursos naturais, garantindo a reserva genética da fauna e flora e seus habitats, podendo ser utilizadas para fins de pesquisa científica, monitoramento, educação ambiental e o uso indireto dos recursos naturais, não envolvendo o consumo, coleta, dano ou destruição dos mesmos; II - ZPA 2 - áreas destinadas à conservação dos ecossistemas naturais e dos ambientes criados, com uso sustentável dos recursos naturais, podendo ser utilizadas para fins de pesquisa científica, monitoramento e educação ambiental, turismo, recreação e esportes, desde que estas atividades não causem danos aos ambientes naturais ou em recuperação;

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III - ZPA 3 - áreas com atributos ambientais relevantes, destinadas à recuperação e conservação dos recursos naturais e paisagísticos, cujo uso e ocupação do solo devem ser controlados de forma a assegurar a qualidade ambiental, podendo ser utilizadas para fins de pesquisa científica, monitoramento e educação ambiental, recreação, realização de eventos culturais e esportivos e atividades de apoio ao turismo. A Zona do Parque Tecnológico (ZPT) caracteriza-se como a área de interesse de implantação de empresas industriais e de prestação de serviços, para a formação do Parque Tecnológico de Vitória. A ZPT foi criada pelo Plano Diretor Urbano (PDU) de Vitória em 1994, que indicava 240 mil metros quadrados, mas o debate a cerca de sua implantação têm registro desde 1990, com o projeto básico elaborado pela PMV. A área de 330 mil metros quadrados envolve a região onde está inserida a UNIVIX, se configura como um vazio urbano onde estão localizados o campo Três de Maio e a antiga fabrica abandonada de pré-moldados e blocos PREVIX. São objetivos da Zona do Parque Tecnológico: I - estimular a implantação de empresas de base tecnológica; II - coordenar os processos de transformações urbanas; III - reservar os locais de interesse ambiental e visuais de marcos significativos da paisagem urbana. No lançamento do PDM de 2006, estava previsto o inicio das obras para implantação de um primeiro módulo (de três módulos) no ano de 2009. Porém, não foi realizado e área permanece vazia. A Zona de Ocupação Limitada (ZOL) é composta por áreas com

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Figura 12: ZPT - Zona do Parque Tecnol贸gico / Gleba vazia.

Figura 13: ZPT - Zona do Parque Tecnol贸gico / Gleba vazia.

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predomínio do uso residencial, com grande demanda por infraestrutura de coleta e tratamento de esgoto e com sistema viário apresentando limites ao incremento da ocupação urbana. Está zona compreende a maior parte de Grande Goiabeiras, intercalado em menor parte pela Zona Especiais de Interesse social (ZEIS). São nestas áreas que a tipologia básica da região se repete e se configura com mais um elemento fortalecedor da identidade local, cujo o uso e ocupação do solo é predominantemente residencial, com no máximo 3 pavimentos. Possui um intenso comércio local, caracterizado por atividades informais, que atende principalmente às necessidades dos moradores, porém existem também pequenas e médias empresas que possuem abrangência metropolitana. São objetivos da Zona de Ocupação Limitada: I - compatibilizar o adensamento construtivo com as características do sistema viário e com as limitações na oferta de infra-estrutura de saneamento básico; II - preservar os locais de interesse ambiental e visuais de marcos significativos da paisagem urbana; III - estender a infra-estrutura de saneamento básico e os melhoramentos urbanos aos locais com precariedade e áreas de risco; IV - melhorar as condições de mobilidade urbana em especial nos pontos problemáticos do sistema viário; V - ampliar a oferta de áreas verdes e de lazer; VI - conter a ocupação em áreas de proteção ambiental; VII - promover a regularização fundiária. Já as ZEIS, são porções do território onde deverá ser promovida

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a regularização urbanística e fundiária dos assentamentos habitacionais de baixa renda existentes e consolidados e o desenvolvimento de programas habitacionais de interesse social nas áreas não utilizadas ou subutilizadas. Esta zona (ZEIS 2) contempla duas área do bairro Maria Ortiz e a região de Goiabeiras Velhas. A ZEIS 2, é compreendido por áreas públicas ou particulares com assentamentos irregulares ou clandestinos ocupados por população de baixa renda, com atendimento parcial das demandas por infra-estrutura, serviços urbanos e equipamentos comunitários. A ZEIS 2/15 compreende toda a região de Goiabeiras Velha.

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Figura 14: Mapa de Hierarquia de Viária. Fonte: PMV/SEDEC



estrutura viária e malha urbana Os bairros da Grande Goiabeiras estão situados na margem de uma das principais vias da grande Vitória, a Avenida Fernando Ferrari, que estabelece todos os acessos a estes bairros. O PDU da cidade constitui por meio do capítulo IV – Do sistema Viário Básico, uma hierarquização viária do município que atende a seguinte classificação: I - vias arteriais metropolitanas: são vias de ligação intermunicipal que funcionam na coleta e distribuição dos fluxos de veículos que circulam pelos centros metropolitanos com maior concentração de atividades; II - vias arteriais municipais: são vias de ligação intramunicipal que funcionam na coleta e distribuição dos fluxos de veículos que circulam pelos centros com maior concentração de atividades do Município de Vitória; III - vias coletoras: são vias; IV - vias locais principais: são vias de acesso ao bairro que distribuem os fluxos de veículos pelas vias locais do próprio bairro; V - vias locais: são vias do bairro que servem, predominantemente, às necessidades de circulação dos moradores no acesso aos seus imóveis; VI - vias de pedestres: são vias para circulação exclusiva de pedestres separada do tráfego geral de veículos. A Avenida Fernando Ferrari é classificada como via arterial metropolitana e está localizada na parte territorial Norte da Cidade de Vitória, e faz a interligação do continente com a Ilha de Vitória. Como prolongamento da BR-101, permite além da ligação

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9. Fonte : PDTU-GV/2000 Matriz de viagens 24 horas automóveis

com o município de Serra, a interligação com o norte do Estado e região nordeste do país. Estas condições locacionais particulares já fariam desta via um importante eixo de ligação, com características de alto volume de tráfego. Some-se a isto a localização em seu entorno de pólos geradores de ordem metropolitana como a Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, que atrai cerca de 4% do total de viagens por automóvel geradas na RMGV9, sedes de empresas e novos empreendimentos comerciais e de serviços, aeroporto, bairros populosos como Jardim da Penha, Mata da Praia, Goiabeiras e Maria Ortiz. Assim é possível ter idéia de sua importância para a Região Metropolitana da Grande Vitória. De acordo com a PMV ainda, a Avenida Jerônimo Vervloet é considerada uma via local principal, enquanto a Avenida Professor Duarte Rabello e a Adalberto Simão Nader são classificadas como vias coletoras complementares às vias arteriais com função coletora e distribuidora dos fluxos de veículos que circulam pelos bairros, centros de bairros e de vizinhança. Quanto aos acessos, a avenida Jerônimo Vervloet e a Professor Duarte Rabello e as ruas Ciro Vieira da Cunha (“Rua do Canal”) e a Desembargador Cassiano Castelo se conformam como vias de penetração principais para os bairros. Seguidas dos acessos pelas ruas Agilberto R. Moreira, Engenheiro César Dantas e a rua Leopoldo. Quanto à malha urbana e o traçado viário é possível notar uma estrutura diversificada, com diferentes tipos de desenhos. O bairro Jabour, por exemplo, possui uma malha ortogonal paralela a Avenida Fernando Ferrari. Sólon Borges e Maria Ortiz são interligados a Jabour, porém com traçado diferentes, o primeiro possui um planejamento decorrente de um programa habitacional com leito carroçável da rua em menor dimensão e com

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um desenho em malha quadrangular com a formação de praças. Já Maria Ortiz representa uma modelo vernacular decorrente de uma ocupação irregular com ruas em diferentes dimensões, com exceção do conjunto Residencial de Maria Ortiz, que possui quadras ortogonais. Antônio Honório é constituído de conjunto de doze ruas paralelas, ortogonais a Avenida Professor Duarte Rabelo e a Avenida Jerônimo Vervloet. Já Goiabeiras, possui diferentes traçados no bairro, a causa é o modelo de ocupação decorrente de assentamento familiar em fazendas, que acarretou em desmembramentos em fases distintas. A área onde hoje é denominado de Goiabeiras Velha ainda possui uma forte presença dos lotes “familiares” com a ocupação de vários membros da mesma família, o que acarretou uma ocupação com desenho orgânico sem um traçado ortogonal e uniforme.

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10. Reconhecido pelo IPHAN/ ES, IPHAN Nacional e pelo Ministério da Cultura através do Decreto 3551/2000 o ofício das Paneleiras de Goiabeiras é registrado como Bem Cultural de Natureza Imaterial e titulado como patrimônio Cultural Brasileiro.

condicionantes urbanos e naturais A Grande Goiabeiras limita-se com manguezal da reserva ecológica do Lameirão, a Universidade federal do Espírito Santo (UFES), a Av. Fernando Ferrari e o aeroporto de Eurico Salles. A região possui três grandes condicionantes físicos que delimitam claramente as fronteiras do lugar. A Avenida Fernando Ferrari, o manguezal que margeia todo o lado oeste da área e a UFES se conformam como as barreiras físicas de maior expressão e contribuem para a configuração da morfologia do bairro. A Fernando Ferrari é um grande condicionante no sentido que contém todos os acessos para bairros de Goiabeiras e pelo fato de limitar a expansão do bairro como uma fronteira. Mesmo que a evolução da região comprove o fato de seu desenvolvimento estar ligado à existência desta avenida, ela se configura hoje como o entrave físico que estanca quaisquer possíveis intenções de expansão da região. Na coordenada oposta, o manguezal se conforma como um belo condicionante natural que tanto dá forma a região, quando configura como um dos elementos mais marcantes da identidade do local. Margeando todo o lado oeste da área, o mangue proporcionou a pratica do ofício das Paneleiras de Goiabeiras, que representa uma das manifestação popular e tradicional principal da cultura e identidade do estado10. No sentido sul da região a UFES faz fronteira com Goiabeiras, o que também limita o crescimento.

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marcos, pólos e nós A Grande Goiabeiras é uma região com predomínio de habitação e atividades comerciais informais de escala local. Esta característica está bastante presente na região e reflete nas tipologias das residências, que utilizam na maioria a área de transição do quintal (DAMATTA, 1997), para realizar atividades de comércio e serviço. Muito presente nas ruas da região, o comércio que se abre para a calçada extrapola o limite da rua para dentro da casa, ao mesmo tempo em que prolonga a fronteira do íntimo para esta área que faz transição da rua para a casa. A maioria das edificações que possuem estas característica de uso misto, são de 2 ou 3 pavimentos com o primeiro reservado para a atividade de serviço. São principalmente, atividades domésticas ou artesanais, fonte de renda extra para os moradores das residências, como por exemplo; ateliês de costura, bares, restaurantes, locadoras de vídeos, padarias, oficinas mecânicas, chaveiro e marceneiros. São na sua maioria atividades informais. Além dessa multiplicidade de pequenos serviços, existem ainda empresas de escala metropolitana, como uma fábrica de toldos, uma distribuidora de madeira, uma fabricante de produtos de fibra de vidro, uma empresa de ônibus, locadoras de veículos e lojas de móveis. Neste cenário existem alguns pólos atrativos de escala metropolitanos, como a UNIVIX, o Centro Esportivo, que está sendo construído em Maria Ortiz, o Parque Linear na Orla de Maria Ortiz em fase de conclusão, a Feirinha Popular e a Feira Livre aos sábados, as Paneleiras de Goiabeiras, o Aeroporto e o Supermercado. Na paisagem do bairro existem algumas referencias principais,

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tais como a Caixa Econômica, o Campo de futebol 3 de Maio, a Rua do “Canal” (Av. Fernando Duarte Rabello), a EMEF do bairro de Antônio Honório, a “Praçinha de Goiabeiras” (praça Francisco Pereira do Nascimento), o Aeroporto Eurico Salles, a Associação de Paneleiras (marco histórico), Morro Salles (Marco Visual), Igreja Batista, a UNIVIX, o Mangue e o Mestre Álvaro. Neste contexto, existem ainda alguns pontos nodais (LYNCH, 1989), caracterizados como pontos de convergência de pessoas, como cruzamentos ou praças. Em Goiabeiras é possível notar alguns nós principais, como a Praça de Goiabeiras, o Cruzamento da Avenida Presidente Costa e Silva de Bairro República com a Avenida Fernando Ferrari, a rua Desembargador Cassiano Castelo (acesso da UNIVIX) e trevo da Avenida Fernando Ferrari com a Adalberto Simão Nader.

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goiabeiras velha


introdução Goiabeiras Velha é uma pequena parte do território da Grande Goiabeiras reconhecido como o núcleo original de ocupação da região. Na divisão de bairros da prefeitura de Vitória, Goiabeiras Velha se localiza dentro do limite de Goiabeiras I, que compreende ainda a Universidade (UFES), o morro do Salles, a igreja Cristo Redentor e a emissora TV Capixaba. Esta pequena porção de terra se distingue e se torna identificável por características sócio-culturais próprias do lugar, identificados e reconhecidos pelos moradores, os atores locais. Um dos aspectos mais marcantes da identidade da região é a relação da paisagem natural com o seu assentamento urbano. O canal da passagem e o mangue tiveram forte influência na implantação do núcleo original e no desenvolvimento local. O manguezal que é o elemento que marca a ocupação do local é também o berço de importantes manifestações culturais. As tradições da região são uma síntese das transformações sociais e naturais (que concerne a natureza) do local e representam a forte relação da comunidade com o território. O fazer social de panela de barro, por exemplo, nem sempre fora fonte de renda principal, antes a coleta de mariscos tinha um peso e importância maior até sofrer as transformações urbanas decorrente do processo de urbanização da porção continental da cidade de Vitória. A sua tradição também não possui origem comprovada, pesquisadores identificam características indígenas e africanas no processo, resultado evidente do fenômeno dinâmico pelo qual a cultura é assimilada e reificada ao longo do tempo. Outra característica marcante da região é a formação do núcleo de vizinhança “familiar”, devido à maneira como o local foi ocupado e as transformações a que sofreram, os terrenos foram divididos por vários membros da mesma família produzem um modo próprio de vida e repercutem na maneira como os

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espaços públicos são apropriados. O Time e Clube Três de Maio traduzem a efervescência cultural da região. Marcado por uma identidade boêmia, o bairro foi berço de inúmeros sambistas e congueiros, cujas manifestações estão ligadas as antigas tradições festivas do bairro. Estas festas eram na sua maioria realizadas nas casas dos moradores, o que fortalece a relação de intimidade muito presente nas manifestações culturais do bairro. Estas manifestações culturais e sociais todas se confundem e se misturam muito na historia do bairro. A banda de congo, por exemplo, tem a mesma data de fundação do Clube Três de Maio, o que demonstra que estas tradições estão entrelaçadas. Deste fato, é possível traduzir outros fatores de cunho social. Uma separação de gênero no clube pode ter sido a origem desta diversificação cultural, por exemplo, a imagem do sócio masculino é ligada ao futebol, ao samba e a boemia, enquanto a feminina está ligada a dança, a cantoria do congo, a tradição culinária e de paneleira. Este capítulo se destina assim, a identificar o espaço social de Goiabeiras Velha através de fatores socioculturais. E estes são analisados principalmente sob o ponto de vista dos moradores, pois eles além de serem os responsáveis por manter estas tradições, são os envolvidos diretos mais interessados na proteção e manutenção deste território. É importante ressaltar que para este trabalho o limite definido de Goiabeiras Velha (FIGURA 06) é uma associação entre a minha observação de investigador participante e as entrevistas dos moradores, de maneira que o limite adotado para este trabalho, que abrange oito ruas principais, não são as únicas que os moradores defendem, mas são as que possuem mais elementos da identidade local, pertinentes ao núcleo original de Goiabeiras. Assim, o discurso protecionista dos moradores traça limites maiores para o bairro, pois alguns elementos da identidade lo-

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cal se reproduzem nos bairros adjacentes, mas no conjunto de características não representam a imagem de Goiabeiras Velha. Por isso, as ruas que serão estudadas neste trabalho e que serão alvo do projeto de intervenção para ruas de comportamento social são as ruas José Gomes Loreto, Bernadino Gomes, Leopoldo Gomes Salles, João Gomes Loreto, rua das Paneleiras, José Alves, Hermínio de Souza e a Argeu Gomes Salles.

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Figura 18: MAPA – LIMITE DE GOIABEIRAS


11. Em seu trabalho, a autora apresenta a região a partir de uma etnografia das mulheres“paneleiras de goiabeiras”.

12. No sentido mais amplo de solo, chão, movido pelo significado natural e produtivo do termo.

evolução urbana “Goiabeiras não tinha rua não, era assim uma casa aqui, outra lá, era tudo uns caminhozinhos no mato, depois que foi crescendo, aumentando a população... aí ficou assim, hoje a gente não tem aonde se virar... Lá em casa agora eu crio abóbora em cima da casa, tem uma abobreira que nasceu embaixo do tanque... ela pegou a alastrar, pegou a dar abóbora, chuchu... não tem lugar, quase não tem lugar ali, mas eu vou colhendo minhas coisas... aqui era bem roça, isso aqui tudo era mangue... [...] Meu quintal era grande, não tinha casa, né, mas depois que os filhos pegaram a fazer casa acabou com o lugar de fazer [panela de barro]. Ali tudo é nosso, é meu, meu não, é dos meus filhos. Sempre morei ali, criei meus filhos tudo ali, nascida e criada ali. Então o caso era este, a gente fazia panela, queimava lá no quintal mesmo.” (Laurinda Lucidato, 1997) (DIAS, 2006, p. 25) Este trecho retirado de Carla DIAS (2006)11 resume a história construída nesta pequena porção terra. Nas diversas falas e lembranças dos moradores é possível compreender, por meio de uma identificação comum, o que faz “parte” do bairro e quais são os seus limites de ocupação, hoje possível de se identificar pelo espaço edificado e, principalmente, pelo espaço de manifestação cultural e social dos seus atores, agentes vivos desta história. Na compreensão do espaço social de Goiabeiras, é possível notar a grande associação que existe entre a paisagem natural da terra12 e do manguezal - e a evolução urbana da região na construção da identidade do bairro, tanto pela ligação imagética quanto pelas tradições culturais que estão na sua maioria atreladas à origem do bairro em meio aos recursos naturais. São os elementos naturais e sociais presentes na descrição da ocupa-

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ção deste espaço geográfico que desenham os limitem de sua territorialização. Lembranças de um outro tempo quando a terra era abundante e os terrenos planos eram vulneráveis as altas marés está sempre presente nos discursos sobre a história do bairro. Grande parte da região de Goiabeiras Velha, representado pelo núcleo mais antigo, era dominada pela fauna nativa de manguezal e alagada pelo movimento natural da maré, que chegavam à beira das casas, antes de se tornarem distantes pelos aterros. A vegetação era formada por grandes áreas de mata de restinga. O mangue era a principal fonte de renda e subsistência das famílias locais, que realizavam a pesca e a coleta de ostras e caranguejos para venda e consumo. A água também era uma das vias de acesso para o bairro, por esta se fazia a coleta de barro (originário de um “barreiro” da região de Joana D’Arc) e o percurso para o mercado da Vila Rubim, importante centro de consumo de meados do século XX. No processo de urbanização de Vitória, Goiabeiras passou a ser denominado Grande Goiabeiras. Esta região, uma vez considerada fora dos limites urbanos, foi uma das áreas que mais sofreram com a expansão horizontal provocado pelo acelerado processo de urbanização. Costa (1989, p. 25 apud DIAS, 2006, p. 29) aponta algumas transformações na paisagem geográfica, associando o crescimento populacional à vegetação local. As mudanças foram intensas e significativas entre os anos 1970 e meados da década de 1980. O autor cita os armazéns do Instituto Brasileiro do café, inaugurados em 1964 nas paragens desertas do distrito de Goiabeiras, que vinte anos depois estavam encravados num bairro totalmente urbanizado e desenvolvido da cidade de Vitória. No mesmo livro, um estudo do governo do estado chama a atenção para as dessemelhanças entre o Espírito Santo e a região sudeste, onde já em 1950 as populações rurais e urbanas eram proporcionais,

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o que só ocorreria neste estado a partir de 1970. A composição social da população do estado nesta época caracteriza-se pela expansão da fronteira agrícola, com os descendentes de imigrantes estrangeiros ocupando áreas ao norte e com um aumento no número de pequenos e médios proprietários, enquanto nos demais estados da região este processo era inverso. Com a crise do café, a economia do estado sofreu intensas modificações na estrutura produtiva e na distribuição e ocupação espaciais, onde houve um grande fluxo migratório que acelerou o processo de urbanização na região da Grande Vitória (DIAS, 2006, p. 29). A capital, então em expansão exigia a ocupação de novas áreas para a criação de uma área industrial, fundamento para a entrada do estado na modernidade que o país como um todo buscava. Este processo de expansão desenvolveu-se ao norte com a instalação de uma série de unidades funcionais, como o Campus Universitário, o porto e a Companhia Siderúrgica de Tubarão, além da ampliação do aeroporto. Novos bairros surgiram, como Jardim da Penha, Jardim Camburi e Hélio Ferraz, onde segundo Costa, as ruas projetadas pareciam mais caminhos do que vias públicas, sem calçamento e com vegetação nativa avançando sobre as ruas, onde “só nos projetos da prefeitura o bairro parecia real” (DIAS, 2006). Foram abertas ruas, avenidas, construções de grande porte, áreas foram preparadas para a construção de prédios, casas e conjuntos habitacionais com cortes de platô, a derrubada de mata nativa – bastante presente na região ainda nesta época – e intensos aterros nas áreas de mangue e restinga. Costa constata que houve uma grande ampliação do núcleo antigo do bairro em ambos os lados da avenida: “muitas das árvores dos morros cristalinos foram derrubadas, cedendo lugar a casas, ruas e ruelas. Os mangues a oeste, como sempre, forma invadidos e casas de baixo padrão foram construídos em seu lugar” (COSTA, 1989, p. 33, apud DIAS, 2006, p. 32).

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Observando-se o mapa da cidade, na região é possível identificar os caminhos abertos no manguezal fazendo a ligação entre o antigo distrito ao conjunto urbano. Estes caminhos, compostos originalmente por quatro ruas - José Gomes Loreto, Leopoldo Gomes Sales, Hermínio Coelho de Souza e José Alves - são conhecidos hoje pelo termo “Goiabeiras Velha” e identificam este bairro no imaginário das pessoas. Situadas entre a avenida Fernando Ferrari e o mangue, estes caminhos, hoje ruas asfaltadas, representam muito mais que apenas as vias de acesso, de percurso e de ligação, são os limites que permitem a visualização dos tempos passado e presente à medida que abrigam os moradores, principais atores da região, que mantém a história e as tradições deste local vivos. Apesar das transformações trazidas pela evolução urbana, este pequeno território mantém características que denotam sua permanência, principalmente quanto ao ambiente natural, marcado ainda pelo manguezal e pela paisagem ritmada das águas que vão e vem com a maré. O mangue continua sendo um dos componentes simbólicos que demarcam a ocupação deste espaço e a construção da tradição. Mas a influencia destas transformações na territorialização do lugar é inegável, tanto que refletiram no modo de ocupação e ordenamento social do bairro. A morfologia das ruas, por exemplo, possui um traçado bastante irregular, cujos percursos remontam os antigos caminhos que levavam à água e, deste modo, estruturam quadras irregulares e de dimensões variadas. Muitas das tradições culturais dos moradores não foram concebidas como são hoje, e são a representação da diversidade cultural do lugar, promovida principalmente pelo processo pelo qual os mecanismo de reificação reagiram as mudanças.

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a panela de barro e as tradições culturais Goiabeiras Velha é o “lugar das panelas”, é assim que os moradores denominam o espaço que ocupam. A denominação é uma forma de proteção e de demarcação do território, na medida em que as transformações provocadas pelo processo de expansão urbana geraram mudanças significativas no sistema de representação do espaço. O lugar, antes assentado em forma de vila, mantinha por meio da extração dos recursos naturais do mangue, a reprodução do modo de vida da população local. Com as mudanças ocorridas nos últimos 40 anos, a diminuição da área do mangue trouxe conseqüências significativas não só para a paisagem, mas principalmente de ordem social, já que a população da região dependia do mangue para sobreviver. Inserido no contexto urbano, as transformações que ocorreram no espaço físico da região acarretou em uma mudança no sistema de vidas das pessoas. Neste contexto, é a manutenção das tradições e dos costumes locais que representa a forte relação da comunidade com o território e que mantém viva a historia do local. É este fenômeno dinâmico do pelo qual os processos são reificados que possibilita as mudanças nas representações dos fatos sociais e permite que as tradições sejam transmitidas de geração em geração. O futebol, por exemplo, sempre foi tradição em Goiabeiras. Na área do aeroporto, na lateral do lado sul da pista de pouso e decolagem, ao lado da avenida Fernando Ferrari, por muitos anos existiram campos de futebol que nos finais de semana ficavam repletos de jogadores e torcedores que vinha de diversos bairros da Grande Vitória e transformavam o local em uma grande atração. O bairro é sede do tradicional clube Três de Maio, fundado em 3 de Maio de 1938 e que se destaca pelo time de futebol. No

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time jogaram vários moradores do bairro que brilharam em clubes profissionais de Vitória e outras cidades, como foi o caso de Agenor Gomes, conhecido como Manga, que jogou no Santos Futebol Clube e no São Paulo Futebol Clube na década de 1970 (MINGO, 2000). Nos anos 1980 os campos foram desativados, mas a sede do clube e o campo do Três de Maio permanecem no bairro até os dias de hoje. As Paneleiras de Goiabeiras, ou o seu fazer social, representam a mais forte expressão da tradição de Goiabeiras Velha. A sua origem – indígena ou africana - até os dias de hoje não é comprovada; e esta é a prova maior do fenômeno de transformação social, cuja existência não está vinculada a uma origem única. Durante as transformações que o local sofreu, a tradição das paneleiras é a que melhor traduz a relação da evolução urbana com a manifestação cultural. Algumas mulheres que hoje exercem o trabalho de paneleira foram catadoras de ostras. Laureci e D. Silvana contam que, no tempo que trabalhavam na lama, esta atividade era sua principal ocupação depois do trabalho doméstico. Embora já fizessem panelas, estas eram secundárias para o orçamento familiar e produzidas no tempo livre. “É o ganho da gente, sou aposentada mas não dá. A gente trabalhava muito assim, no mangue, mas depois que poluíram aí derraiou, por causa e muita invasão. Eu pegava ostra, na raiz, a panela era um ganhozinho, né?“ Dona Silvana, 1993 (DIAS, 2006, p.27). No contexto das transformações empreendidas na Grande Vitória e, mais intensamente, na região de Goiabeiras, a produção artesanal das panelas de barro foi também afetada. Segundo levantamento da Prefeitura para traçar um perfil do Complexo das Paneleiras (1993), na década de 1950 a produção artesanal das panelas era essencialmente familiar. A partir da década de 1960,

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com o aumento da população urbana e a invasão dos manguezais, além da intensificação do fluxo turístico com a abertura da BR-101, houve um aumento da venda e produção das panelas como um produto típico da região. (DIAS, 2006, p. 36) As mudanças na geografia e no panorama urbano influenciaram a organização espacial e social da paneleiras. Em 25 de março de 1987, organizadas em assembléia, 57 paneleiras assinaram a Ata de fundação (DIAS, 2006, p.91) da Associação das Paneleiras de Goiabeiras. Antes, este ofício era apenas uma possibilidade de trabalho extradoméstico para as mulheres, hoje a opção tem um sentido muito mais amplo. Além de ser fonte de renda, posicionar-se como paneleira significa exercer um papel político e social. A contribuição deste fazer social é de grande importância para o bairro a partir do momento que a construção da identidade das paneleiras apóia-se na legitimidade do processo de tradição, cuja raiz está em Goiabeiras. A música e o congo também sempre tiveram presente em Goiabeiras. O congo, uma manifestação popular tradicional no bairro, é apresentada no domingo de Páscoa a mais de 70 anos. No galpão da Paneleiras a produção de panela está fortemente ligada à manifestação do congo e do jongo. A paneleira Valdinéia da Vitória diz que o congo tem ‘tudo a ver” com as paneleiras. “Tem tudo a ver, eu acho que tudo faz parte da cultura do estado. Eu não sou do congo, mas acho muito bonito.” (MINGO Jr, 2005, p. 30). A própria associação das paneleiras de Goiabeiras têm uma banda de congo. A paneleira Ivanilda Fernandes Correira destaca que sem o congo não tem panela de barro. “Sem ele ali nas paneleiras não é uma atividade assim de fazer panelas”. (MINGO Jr, 2005, p. 30). A canção Congo de Goiabeiras representa esta forte relação do bairro com as paneleiras e com o congo.

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13. A Banda Panela de Barro foi fundada em 1938, com o nome de Banda de Congo de Goiabeira. Na década de 1980, ela passou a ser coordenada por Arnaldo Gomes Ribeiro, proprietário da fábrica de panelas de barro em Goiabeiras. Daí o nome Congo Panela de Barro. Em 2001, a banda foi revitalizada. Desde então, os 42 componentes já fizeram mais de cem apresentações em todo o Estado. A música de chegada da banda é o Congo de Goiabeiras, que está no CD “Brincar o Congo no Espírito Santo”.

“Congo de Goiabeiras Congo de devoção Congo da União, ê, a Valha-me São Benedito E a Virgem da Conceição

Samba criolo Deixa sambá Panela de barro Acabou de chegar”. (MINGO Jr, 2005, p. 30)

Na década de 1990, esta manifestação cultural perdeu espaço, mas aos poucos foi sendo revivido, e por incentivos da prefeitura de Vitória, principalmente com a criação da Festa das Paneleiras, o grupo de congo Panela de Barro13 voltou a se inserir na programação das apresentações de congo no estado. Mesmo com a produção e o significado do território sendo alterada significativamente, a sobrevivência deste universo de manifestação artística vem ganhando visibilidade como parte da sociodiversidade do estado na medida em que o sentido da produção não está voltado somente para as questões internas da comunidade, mas está ligada à tradição e deste modo, agrega a expressão a cultural do Espírito Santo.

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o quintal repartido e a vizinhança familiar “Aqui você não pode falar mal de ninguém, é tudo parente” (Luciene, 42 anos, 2009) “Sou nascida, criada e casada...e rendendo família aqui”.Laureci Lucidato, 49 anos, 1993 (DIAS, 2006, 26) Em Goiabeiras Velha, quando o investigador realiza o seu trabalho de campo ele se depara com uma situação peculiar, o grande envolvimento dos moradores. Na coleta de dados, poucas foram às vezes em que foi possível realizar uma entrevista na íntegra com apenas uma pessoa, em vários momentos outros moradores se envolviam na conversa e participavam do assunto. Nas incursões foi possível notar que esta forte proximidade existe por causa das relações de parentesco entre os vizinhos, que deste modo se configuram como o eixo das relações sociais no bairro. Laurinda Lucidato, 87 anos (DIAS, 2006, p. 29), conta como seu quintal, antes amplo e aberto, foi sendo ocupado pelas casas de suas filhas, à medida que estas formavam seus próprios núcleos familiares. Hoje moram todas no “Beco Aristides Lucidato”, nome de seu marido. Estes espaços privados têm características diversas, decorrentes das condições de renda diferenciadas, já que o retorno dos ganhos para o ambiente doméstico depende das prioridades de cada uma. A estabilidade profissional do marido é um aspecto importante para a aquisição de bens de consumo e para as mudanças estruturais na moradia, o que pode ser observado claramente no contexto desta família, em que Lucilínia, que ali reside com o marido há muitos anos, possui maior e melhor casa entre as irmãs. Em contrapartida, para Laureci Lucidato, viúva, a vida tem sido de muita luta: sua casa é de madeira e ela possui poucos bens; o filho mais novo, também Paneleiro, mora com ela e ajuda nas despesas. A última casa do beco é a de Laurinda, que ainda trabalha no pequeno quintal, de

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forma que as panelas em fase de confecção podem ser encontradas por detrás de alguma planta, como que camufladas. Suas filhas queimam as panelas fora dali, pois o espaço não comporta a expansão do fogo e da fumaça. Laurinda faz as panelas ao ritmo das tarefas domésticas. Faz uma, prepara o almoço, come, descansa, faz outra, recomeça no dia seguinte. Quando não cabem mais no espaço, as filhas levam-nas para queimar e vender. Na casa não há espaço para guardar as panelas. Laurinda Lucidato considera natural esta ocupação, mas lamenta a perda do seu quintal, onde podia fazer e queimar as panelas. Laureci também trabalha em casa, mas produz de forma mais ordenada que a mãe. Embora considere lento seu ritmo de trabalho, aproveita para tomar conta de uma criança e ganhar dinheiro extra. As mudanças que Laurinda descreve formam a imagem das transformações ocorridas no espaço social ao longo de sua trajetória de vida. O espaço foi modificado no decorrer dos anos para acolher os novos núcleos familiares que foram sendo criados. A distribuição de seu espaço físico familiar não é uma situação particular, no contexto do bairro, esta realidade é muito freqüente. A proximidade física e o espaço comum têm várias implicações, entre as quais o estreitamento dos laços de reciprocidade, pois, além de formarem um núcleo, desenvolvem relações de vizinhança. Esta característica é transmitida de geração em geração e para os novos moradores. O aumento populacional nos últimos anos trouxe uma nova população para o bairro, são moradores que vieram de outras regiões da Grande Vitoria que não nasceram no local e nem são herdeiros dos antigos residentes. Mesmo assim, a forma de ocupação do espaço e os laços de proximidades são mais fortes e envolvem estes novos habitantes.

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Dona Maria (2009), 65 anos, moradora da Rua José Gomes Loreto, aponta para a casa de numero 22 e conta; “uma, duas, três, quatro em cima, cinco, seis casas. É tudo família. Aquela casa que você está vendo ali é de neto, aquela de baixo é neto, o de cima é neto, entendeu? Lá é do pai da família, filho do falecido dono do terreno. Esta aqui da frente, não é. Foi vendida e está vazia”. Esta demonstração da dona Maria é um retrato comum no bairro, onde em um único lote residem vários membros de uma mesma família junto com os moradores mais recentes que não nasceram no local.

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o espaço livre e os modos de apropriação Em se tratando de espaço livre, o espaço público urbano da rua é muito utilizado pelos moradores para o lazer e o trabalho. Poucas residências possuem um espaço livre no interior. O quintal e a varanda, que DAMATTA (1997) cita como o local de transição do público e do privado, como uma zona que faz parte da hierarquia de valor entre o pessoal e o impessoal, são pouco espaçosos nas tipologias residenciais do bairro. Os terrenos, às vezes muito extensos, abrigam mais de uma construção residencial e em alguns casos conjugam também o comércio de algum produto fabricado no ambiente residencial e, na sua maioria, são bastante adensados com pouco espaço livre. São lotes ocupados na quase totalidade dos afastamentos e com freqüente verticalização de dois ou três pavimentos, havendo até quatro. O lazer A rua é deste modo, bastante ocupada para a atividade de permanência e lazer. Quanto SANTOS (1985) declara que os limites do pessoal e impessoal presente nas esferas da casa e da rua não apresentam um rigidez esquemática, esta afirmação é bastante pertinente para o caso de Goiabeiras Velha onde esta realidade é fácil de observar. As casas são de alvenaria simples, habitadas, em sua maioria, pelos proprietários e seus descendentes. A diminuta área livre no interior dos lotes, de varanda ou jardim, que teriam a função de recepção do visitante em um lar, no bairro é transferida com maior freqüência para a calçada e a rua. As ruas têm calçamento precário, há crianças e idosos nas ruas, animais, rádios tocando alto. Às calçadas somam-se usos e funções. Existe morador que estaciona cavalo com carroça, têm vizinho que monta feira de verdura e legumes, marceneiro e serralheiro que mantém a oficina na calçada, as frentes de oficinas

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de automóveis as calçadas são ocupadas por carros, existem calçadas com equipamentos públicos como orelhão e bancos, ou com depósito de barro e comércio de panelas de barro e também calçadas jardins. Criança, idosos e donas de casa são agentes sociais com maior predomínio nas ruas. Com mais tempo livre, os idosos costumam permanecerem sentados e “vigiando o movimento”, deste modo esticam os limites do pessoal e intimo do lar para as calçadas e conseguem transmitir os sentimentos de aconchego e paz para a rua. As crianças brincam muito na rua. Na maioria das vezes o lazer delas é realizado próximo de suas casas, não em frente aos bares ou de casas que possuem frentes comerciais e de trabalho, para incomodarem menos os moradores, devido ao barulho que provocam. Os jovens costumam permanecer nos “pontos” de encontro, que são as esquinas movimentadas e os logradouros abandonados. Eles também utilizam muito a quadra esportiva, localizada na praça Luís Alves, praticam normalmente futebol e vôlei nos horários noturnos. A figura masculina adulta não é excluída deste cenário. Os homens costumam permanecer em frente aos bares e botecos e nas esquinas com maior ponto de vista, além de também utilizarem as ruas para o lazer, como fazem ao jogarem baralho e dominó em mesas e cadeiras improvisadas na rua. O comércio e os serviços Do mesmo modo, se identifica com grande constância a casa associada ao trabalho, onde os limites da pessoalidade neste caso são ainda mais confusos e difíceis (ou desnecessários) de se estabelecer. São situações regidas pelas regras das interações

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sociais, que não agem sempre da mesma forma. Várias casas, por exemplo, anunciam a venda de panelas de barro em placas de madeiras afixadas no portão de entrada. Algumas se abrem para a rua como comércio, são butecos, padaria, locadora de vídeo, salão de beleza, mecânica de automóveis, e em muitos casos é caracterizado por uma diversificação de atividade, com a comercialização de mais de um produto ou serviço, como ocorre com o Açougue Goiabeiras, que vende carne e ainda funciona como mercearia e bar. Ao mesmo tempo, é possível notar a grande variação que ocorre nos pontos comerciais, que mudam com grande freqüência de acordo com a dinâmica do lugar. As ruas são também palco do comércio itinerante. São o carro do gás e da água, a kombi do verdureiro, o vendedor de ovos e o peixeiro, que vendem seus produtos no bairro e não são moradores. O carro do gás e da água passa todos os dias pela manhã e o verdureiro às sextasfeiras ou aos sábados pela manhã. O vendedor de ovos e o peixeiro passam nas ruas com uma freqüência mais esporádica, de acordo com a produção. Existe ainda a fazendinha, localizado ao lado do campo Três de Maio, perto da Univix, onde um agricultor cultiva uma horta orgânica que é muito procurada pelos moradores da redondeza. No contexto da apropriação do espaço público urbano da rua, é o uso constate de uma atividade de domínio público ou privado que define o caráter de cada zona. Este trabalho tenta a seguir diagnosticar e espacializar, por rua, as apropriações do bairro. As apropriaões feitas por uma atividade de trabalho, mesmo que associadas a uma doméstica são as que melhor delimitam o espaço físico e, assim, são a primeiras identificadas. As atividades relacionadas ao lazer serão também descritas, pois mesmo que possuem uma territorialização relativa e mais esparsa, não são menos importantes no conjunto dos usos e funções que caracterizam o espaço.

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Figura 21: Mapa de Apropriação 01.

rua José Gomes Loreto e a rua Bernadino Gomes A rua José Gomes Loreto era o antigo limite do mangue. As casas desta rua eram bastante vulneráveis ao movimento da maré, principalmente as residências do lado par, que eram constantemente alagadas pela água. No contexto da evolução urbana do município esta rua sofreu forte transformação; o mangue foi lentamente sendo afastado pelos aterros.

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Esta rua possui um forte potencial de serviços automotivos, que estão concentrados na interseção desta com a Fernando Ferrari, onde se localizam; uma revendedora de veículo; na esquina com a rua José Gomes, um fabricante de produtos em fibra de vidro; uma mecânica automotiva especializada em manutenção de som e vidro; outra em lanternagem e pintura; e uma mecânica de refrigeração. Nesta área os carros dominam o espaço. Os moradores se apropriam pouco deste local para o lazer devido ao movimento constante de carros e o conflito com as ativida-

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des de trabalho. Fica sempre o movimento dos carros ali, porque ali do lado da fibra de vidro também tem os caras que colocam o som alto, insulfilm. Aí então, fica sempre um movimento desse lance dos carros e o cara que toma a rua, né? Todo mundo participa do trabalho dele, porque ele monta as paradas na calçada também. O cara da fibra de vidro, todo mundo que passa acompanha o processo dele de montar, é muito legal. - Mas então, as pessoas aqui não ficam sentadas na rua? - Não porque é aquela poeira, barulho de tinta e aquela coisa, né? (Thais Apolinário, 24 anos, 2009) No ponto médio da rua, existe o bar e mercearia do Seu Jonas, de frente ao Beco Bernardino Gomes, este é o local de maior atração de moradores na rua. Este “ponto” (DaMatta, 2009) possui uma grande vocação para o lazer não somente pela atividade do bar, mas por vários outros fatores que agregam valor ao espaço como, o orelhão na calçada do bar, a tipologia das residências que na maioria não possuem afastamentos frontais, a casa verde na esquina do beco com escada na calçada em altura de assento, a sombra das árvores da residência da esquina oposta, este cruzamento de ruas com pouco movimento de carro, o grande adensamento do entorno, tanto as casa do beco, quanto as do entorno imediato do bar. É o local com uso mais constante e diversificado da rua. São adultos, jovens e crianças que se apropriam deste lugar. [As crianças] Muitas ficam ali no seu Jonas mesmo, mas a maioria os pais mandam os filhos comprarem cerveja, aí eles ficam ali na calçada mesmo. As crianças sempre brincam e jogam bola ali. A galera fica na calçada, curtindo. Fica na calçada, bota cadeira, senta no chão, no

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banquinho. Tem gente que tem banquinho mesmo, que já fica na porta de casa. Aqui teve uma época que uma senhora ficava vendendo empadão também. Aí ficava a galera lá envolta do empadão. Aí a Luciene [esposa do Seu Jonas], agora no final de semana está assando churrasquinho aqui, aí atrai mais gente. Luciene é a mulher do seu Jonas. (Thais Apolinário, 24 anos, 2009)

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rua João Gomes Loreto e a rua das Paneleiras A rua João Gomes Loreto e a Rua das Paneleiras são ruas localizadas na região aterrada do mangue, limite onde as águas do mangue chegavam. Estas ruas possuem um forte apelo à apropriação do espaço público para atividades de permanência. Isto devido ao baixo tráfego de veículos no local. Por serem “calmas”, muitas crianças brincam na rua e a maioria dos adultos sentam na rua com seus banquinhos para conversar. Nós não abrimos mão deste sossego, desta paz, da nossa liberdade. Nós não queremos entrar no mundo das grades, entendeu? Antes que aconteça isso, a gente ocupa as ruas. (Jalmir Bulhões, 48 anos, 2009) A caixa de rolamento destas ruas são estreitas, com calçadas de dimensões variadas, porém em média menores que um metro e a tipologia residencial varia pouco, é basicamente de residências multifamiliares com no máximo três pavimentos e geralmente sem afastamento frontal. Deste modo, devido ao adensamento, ao baixo tráfego e a pouca dimensão das ruas, os moradores ocupam bastante as vias. Recentemente estas ruas sofreram uma grande transformação devido à conclusão da obra de ampliação da rua que liga o galpão das paneleiras a Avenida Fernando Ferrari, margeando o mangue. Atualmente, esta rua apresenta perigo para os moradores pela falta segurança causado pela baixa ocupação, porém agrada a maioria dos moradores pela perspectiva que trás para a região quanto à infra-estrutura de suporte para a atividade das paneleiras e para o incremento do turismo local. Junto com esta obra está em execução o projeto de reforma do antigo galpão das paneleiras.

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rua Leopoldo Gomes Sales A rua Leopoldo Gomes Sales, é o caminho das paneleiras. Ela conduz o visitante em direção ao galpão das paneleiras e ao mangue. No caminho várias placas anunciam a venda de panela de barro, são paneleiras que produzem e comercializam o produto na própria casa. Tanto esta rua quanto a José Gomes Loreto possuem um desenho irregular e com dimensões variadas, devido a evolução urbana local que transformou estes antigos caminhos ao mangue em ruas, mas também pelo modo pelo qual as residências foram ocupando e crescendo no entorno. No encontro desta rua com a Leopoldo Gomes forma-se um pequeno largo, mas que não atrai muitas pessoas devido aos carros que curvam ali. Ao final, quando as duas ruas se juntam e se estendem em uma única, está localizado um bar e a encosta verde do morro do Sales. Este sim é um “ponto”, reconhecível pela quantidade de pessoas que se concentram no local e pela presença de equipamentos coletivos construídos pelos moradores como bancos e mesas. Ao final desta rua, a esquerda se encontra a rua das Paneleiras, onde fica o galpão das paneleiras. Nesta rua se localiza uma padaria, que também é uma mercearia. É importante ressaltar que além desta padaria, o bar do Seu Jonas e o Açougue Goiabeiras também funcionam como mercearias. Este fato pode ser caracterizado como retrato do modelo de serviço do bairro, amparado na diversificação da atividade de trabalho. Isto devido a estas atividades estarem associadas às domesticas, por serem produtos de um processo espontâneo de desenvolvimento do trabalho doméstico, cujo modo de produção oscila com facilidade conforme a demanda. Em frente à padaria existem outros dois pontos comerciais em uma mesma residência, um é uma oficina mecânica de automóveis e o outro ponto está desativado, mas já foi uma locado-

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Figura 30: Mapa de Apropriação 02.

rua João Gomes Loreto e a rua das Paneleiras A rua João Gomes Loreto e a Rua das Paneleiras são ruas localizadas na região aterrada do mangue, limite onde as águas do mangue chegavam. Estas ruas possuem um forte apelo à apropriação do espaço público para atividades de permanência. Isto devido ao baixo tráfego de veículos no local. Por serem “calmas”, muitas crianças brincam na rua e a maioria dos adultos sentam

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na rua com seus banquinhos para conversar. Nós não abrimos mão deste sossego, desta paz, da nossa liberdade. Nós não queremos entrar no mundo das grades, entendeu? Antes que aconteça isso, a gente ocupa as ruas. (Jalmir Bulhões, 48 anos, 2009) A caixa de rolamento destas ruas são estreitas, com calçadas de

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ra de vídeo. Neste mesmo lado da rua existem duas casas que comercializam panela de barro. Nos dois casos, as calçadas das residenciais são utilizadas para o deposito esporádico de barro (quando chega do barreiro) e de madeira (para a queima da panela). No lado oposto tem a marcenaria Universidade da Madeira, cuja oficina ocupa boa parte da área frontal do térreo e a calçada da residência. A fachada da residência anuncia, além da marcenaria, a venda de fruta e verduras com uma “feirinha” de produtos diretos da roça. Na esquina da rua com a José Alves é onde se localiza o Açougue Goiabeiras. Com um letreiro interessante de “design” vernacular que reproduz uma perspectiva, o açougue marca outro “ponto” no bairro, muito utilizado pelos jovens e pelos homens. No dia-a-dia não se vê muita criança no local, mas durante o dia o público varia bastante. Pelas manhãs e tardes, idosos e donas de casas freqüentam o local, por causa do açougue e da mercearia, e nos fins de tardes e durante a noite os jovens e adultos dominam o local. Os jovens permanecem mais no lado externo e os homens ocupam mais o interior e o balcão do bar. Crianças menores brincando na Rua, sempre tem os velhinhos aqui e uma galera, que quando chega o final do dia, uma galera fica tomando cerveja no açougue. Isso que eu acho engraçado, a galera bebe cerveja no açougue. (Thais Apolinário, 24 anos, 2009) A Rua Leopoldo Gomes é marcada pela presença de idosos, são moradores da própria rua que ocupam seus tempos sentados na calçada de casa ou na pequena praça- um quiosque com duas mesas e uma mangueira, que marcam uma área sombreada e coberta, de permanência na esquina da Gomes Sales com a Hermínio Coelho. No fim da rua e no cruzamento com a Fernando Ferrari, são as

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atividades automotivas que definem o perfil dos serviços desta área. Na Fernando Ferrari existe uma revendedora de carro e na Leopoldo Gomes, duas mecânicas automotivas, além de outras empresas, um salão de beleza e outro bar.

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Figura 41: Mapa de Apropriação 03.

rua José Alves A Rua José Alves tem um papel importante para o bairro, porque é a que faz a ligação de Goiabeiras Velha com o restante dos bairros da Grande Goiabeiras. Esta rua é bem estreita com dimensões que variam de quatro a seis metros e possui sentido único apenas. A circulação de veículos se faz do sentido de Goiabeiras Velha para a UNIVIX.

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No final da rua, em um lote que faz divisa com a UNIVIX se localiza mais um ponto de venda de panela de barro com placas que sinalizam o quintal onde possui uma produção própria. A rua possui algumas casas com boa qualidade de acabamento e muitos imóveis alugados. No lado ímpar da rua existem dois grandes lotes com bastante área livre e duas residências de edificação isolada, assim, comparada com as outras ruas do bairro, esta

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possui uma menor densidade. No ponto médio da rua, é possível notar os bancos de madeira que ocupam a estreita calçada. Mesmo com sombras e áreas de estar construídos, a apropriação do espaço público nesta rua é baixo provavelmente devido a esta menor densidade e ao trânsito de veículos que é constante. Na interseção desta rua e da Herminio Coelho de Souza com a Leopoldo Gomes Salles, existe um outro largo, este criado pelo encontros destas ruas. Este se configura como mais um “ponto” do bairro, pois além da conformação física do espaço, uma somatória de usos e atividades neste entorno atrai muitos moradores. Nesta área se situam o Açougue Goiabeiras, uma pequena praça, o clube Três de Maio, algumas empresas e um cabeleireiro na Leopoldo Gomes. Na rua José Alves ainda está localizado a o beco Aristides Lucidato, falecido esposo da Laurinda Lucidato. Este beco possui uma característica típica da região que é a presença maioria de moradores que são parentes, aqui, descendentes diretos e indiretos de Aristides. É um beco bem estreito, adensado e sempre com uma grande circulação de moradores.

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rua Hermínio Coelho de Souza A rua Hérminio Coleho, é uma rua sem saída que parte da rua Leopoldo Gomes e se estende até a praça Luís Alves. Nesta rua também existe a presença de moradores que produzem panelas de barro, indicados por placas nas casas. Em uma destas residências, existe uma placa sinalizando que a panela que fica no quintal é a maior do mundo, quase em frente se localiza uma pequena lanchonete, que vende refeições durante o dia e lanches a noite. A rua ainda possui um restaurante desativado, a sede do clube Três de Maio, que funciona como sede da associação dos moradores atualmente. Internamente possui uma pequena biblioteca e muitas mesas e cadeiras, resquícios de uma formação social organizada. Ao lado do clube, fica uma pequena praça, com uma mangueira, uma área coberta e duas mesas. Esta é a única área de permanência demarcada nas ruas de Goiabeiras Velha. O local é bem agradável, devido ao sombreamento que a árvore e a cobertura proporcionam. Este espaço é usado durante todo o dia. Pelas manhãs e tardes, muitos idosos e crianças de apropriam deste lugar e nas noites e nos fins-de-semana são os jovens e adultos que mais permanecem na praça.

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rua Argeu Gomes Salles A rua Argeu Gomes Salles ou “rua do morro” não é uma exceção no conjunto das ruas do bairro, porém algumas de suas características intensificam ainda mais o caráter de apropriação da rua, que é sem saída e bastante íngreme, por onde a topologia descreve o desenho da rua, conforme as curvas de níveis. As Calçadas são estreitas, como menos de 1 metro e ainda interrompidas em muitos trechos. Por ser uma rua sem saída e de difícil acesso, por causa da sua inclinação, a intimidade do lar explora com mais veemência a rua, isto observado pela tipologias das residências, que são mais abertas para a rua, em diferentes modos, com muros mais baixos ou, mesmo sem muros, ou sem afastamento frontal, com acesso para o interior do lar direto da rua. O visitante aqui é recebido na calçada e na rua, como extensão do lar, sempre vigiado pelos moradores, com que estivesse adentrando uma propriedade privada. Nas visitas foi possível ver muitas crianças brincando na rua, e crianças de menor idade, entre dois e três anos. Acredito que o baixo fluxo de veículo, associado às tipologias das residências que se abrem para a rua tornaram isto possível, onde se vê os pais sentados na sala assistindo televisão enquanto os filhos brincam na rua, ambos sempre à vista. No topo existe um grande platô que permite que as crianças brinquem com mais segurança.

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projeto


objetivos A Grande Goiabeiras se configura como uma região de uso e ocupação do solo de predominância habitacional com uma enorme costura na malha urbana, que mantém uma continuidade, mas não uniforme. Isto devido à evolução urbana da região que se deu em fases distintas e por processos diferentes, como programas habitacionais e iniciativas privadas. O bairro apresenta nos dias de hoje um tecido consolidado e cheio de recortes em função dos diferentes desenhos. Deste modo, um dos problemas identificado é a desorganização do tráfego, que causa conflito e insegurança para os usuários das ruas. Ao mesmo tempo, as apropriações do espaço público da rua se fazem bastante presente na realidade dos moradores, que usam muito a calçada e a rua para realizar atividades sociais, não apenas a circulação. A rua recebe a característica de uso diversificado. É a via de circulação e palco das atividades sociais. São várias as apropriações que se somam na rua, tanto de caráter livre, associadas ao lazer e a permanência, quanto atividades ligadas ao trabalho. Assim, como diretriz principal, este trabalho propõe organizar o tráfego da Grande Goiabeiras, com o intuito de proporcionar um melhor convívio para os usuários da rua. O objetivo é ordenar o tráfego segundo o comportamento desejado para cada tipo de rua (PROJECT, 2005), seja um comportamento de trânsito, necessário para a circulação e o bom funcionamento do tráfego, seja um comportamento social, essencial para um convívio pacífico entre os usuários da rua – pedestres, ciclistas, automóveis motorizados e não-motorizados. A partir de uma hierarquização, busca-se por meio de diretrizes de projeto, distinguir o tipo de comportamento para cada situação. E, como produto de experimentação, este trabalho realiza

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Figura 49: Foto aérea de Goiabeiras Velha. Fonte: adaptado de Google Earth, 2009.

um ensaio projetual para a rua de comportamento social, que neste caso será realizado no bairro de Goiabeiras Velha, como modo de exemplificar a utilização destes conceitos e proporcionar através do projeto uma nova forma de convívio social para os moradores, que possa valorizar e intensificar as características locais, manifestadas principalmente pelos modos de apropriação do espaço público urbano da rua. Para garantir o sucesso do projeto de Comportamento Social (PROJECT, 2005) serão definidas propostas para a área ociosa do entorno de Goiabeiras Velha, cujo modelo de ocupação e ordenamento certamente causará impacto nos modos de vidas dos moradores do bairro.

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diretrizes para o entorno Para que o projeto de Comportamento Social (PROJECT, 2005) das ruas de Goiabeiras Velha seja bem sucedido, é necessário garantir o desenvolvimento sustentável da região através do controle e manejo das áreas do entorno; o Morro do Salles, a estação ecológica da Ilha do Lameirão e a gleba vazia. Durante a realização deste trabalho, a dúvida quanto às possíveis finalidades destinadas a esta área permeavam o projeto, pois a densidade ocupacional, o poder de atração e o próprio desenho urbano, dentre alguns fatores, podem por em “xeque” o funcionamento da proposta de um espaço público de comportamento social, visto que este está diretamente relacionado com os seus usuários e seus modos de ocupação. Analisado por uma dimensão física, a área do entorno representa três vezes o tamanho de Goiabeiras Velha, o que torna o manejo desta área de suma importância para que seja feito um controle dos impactos na comunidade e em toda Grande Goiabeiras. Deste modo, este trabalho define três princípios básicos reguladores das diretrizes do entorno; a manutenção da paisagem e dos recursos naturais, fundamentais na ocupação e conformação das tradições e cultura local; garantir a conectividade dos bairros da Grande Goiabeiras tanto de fluxo e circulação quanto de bens imateriais, como a cultura, o conhecimento e as trocas sociais; e, por fim, este trabalho ainda se interessa pelo incremento da fonte de renda dos moradores através do incentivo a atividade turística, importante fonte de recursos e apoio as atividades domésticas e de trabalho difundido no modo de vida local.

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morro do Salles O Morro do Salles está integralmente localizado dentro do limite da zona de interesse ambiental - ZPA 1 do Plano Diretor Urbano de Vitória - PDMV, cuja zona é definida em função da necessidade de proteção integral e do grau de uso sustentável permitido. Neste caso, a área da ZPA 1 permite apenas o uso para fins de pesquisa científica, monitoramento, educação ambiental e o uso indireto dos recursos naturais, não envolvendo o turismo, consumo, coleta, dano ou destruição dos mesmos. Para esta zona este trabalho tem como diretriz a criação de uma reserva ecológica como um mecanismo capaz de conter a ocupação irregular, proteger os ecossistemas do local e preservar paisagem do morro. Para potencializar estes objetivos é importante usar do instrumento da pesquisa e da educação ambiental, com o envolvimento com a comunidade, para a promoção da consciência ecológica e da importância paisagística do morro para a região. São diretrizes desta zona de ocupação: I - Proteger o Morro do Salles com finalidade de conservação dos ecossistemas e dos recursos naturais, garantindo a reserva da fauna e flora local; III - Preservar a paisagem natural do morro e evitar a ocupação irregular; II - Promoção de oportunidades de pesquisa e educação.

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estação ecológica da Ilha do Lameirão A Ilha do Lameirão está inserida na ZPA 2, cujas áreas são destinadas à conservação dos ecossistemas naturais e dos ambientes criados, com uso sustentável dos recursos naturais, podendo ser utilizadas para fins de pesquisa científica, monitoramento e educação ambiental, turismo, recreação e esportes, desde que estas atividades não causem danos aos ambientes naturais ou em recuperação. As diretrizes para esta área têm o objetivo de preservar a estação ecológica da Ilha do Lameirão, permitindo o uso sustentável para a população com ações integradas de pesquisa, educação, lazer e turismo. Junto a esta a estação existe o parque urbano linear da orla de Maria Ortiz, a intenção deste trabalho é margear toda a costa oeste da região com o parque linear, respeitando a zona de proteção da Ilha do Lameirão, de modo que estejam interligados e com os respectivos usos bem definidos. A gestão sustentável dos recursos da ilha é importante também pelo fato de ser fonte de renda para as famílias que vivem da pesca e para as que extraem o tanino para o processo produtivo da panela de barro. São diretrizes desta zona de ocupação: I - Proteger a estação da Ilha do Lameirão com finalidade de conservação dos ecossistemas e dos recursos naturais, garantindo a reserva da fauna e flora local; III - Preservar a margem natural do mangue e evitar a ocupação irregular; II - Promoção de oportunidades de pesquisa e educação; IV – Promover ações integradas nas áreas de manguezal da Grande Goiabeiras, disponibilizando-as, de forma

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sustentável ao turismo; V – permitir a extração sustentável dos recursos naturais disponíveis;

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gleba vazia Com uma área de 330 mil metros quadrados, esta gleba se configura como um vazio urbano e é onde se localiza o campo Três de Maio e a antiga fabrica abandonada de pré-moldados e blocos PREVIX, em uma extensão definida pelo PDU como Zona do Parque Tecnológico - ZPT. Para o ordenamento territorial desta área, temos como premissa atender a função social da propriedade com a subordinação do uso e ocupação do solo ao interesse social, através da composição predominante do uso residencial com a concessão da atividade comercial de nível local. Deste modo, esta área passa a integrar as Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS 3 do PDU identificado por zonas onde deverá ser desenvolvidos programas habitacionais de interesse social nas áreas não utilizadas ou subutilizadas por Imóveis públicos ou particulares edificados ou não, não utilizados, dotados parcialmente de infra-estrutura e serviços urbanos, necessários à implantação de Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social – EHIS, com respectivos equipamentos comunitários e urbanização complementar adequados, que serão objeto de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. Para o parcelamento da gleba, será respeitado o capítulo quatro do PDM, Parcelamento do Solo, de vitória, onde está previsto que a percentagem de áreas públicas destinadas ao sistema de circulação, à implantação de equipamentos urbanos e comunitários, bem como, aos espaços livres de uso público, não pode ser inferior a 35% (trinta e cinco por cento) da gleba, observado o mínimo de 10% para espaços livres de uso público e equipamentos comunitários. Os espaços livres de uso público serão compostos por uma praça pública de caráter cívico, a continuidade do parque urbano line-

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ar que margeia o mangue de toda extensão oeste de Goiabeiras Grande e o campo do clube Três de Maio. Será reservada uma área de 8400m2 (oito mil e quatrocentos metros quadrados) em frente à UNIVIX para a construção de uma praça cívica, identificada como um espaço público urbano de caráter político (ABRAHÃO, 2008) para cumprir a realização sociopolítica da manifestação popular de ordem político e cultural. Isto foi definido em função do significado histórico e cultural desta região, palco de inúmeras manifestações culturais, como a festa da paneleiras e a apresentação de congo no domingo de páscoa. O campo de futebol do clube Três de Maio será mantido em função da sua importância cultural para a preservação da história desta tradição, uma vez que faz parte da memória dos moradores. Esta iniciativa de manter o campo e de conceder a sua posse legal ao clube vai permitir que esta tradição se fortaleça e seja perpetuada pelas as novas gerações. Nesta zona, será ainda realizada a continuidade do parque linear e da via que contorna a Grande Goiabeiras tornando instrumento de interligação e comunicação dos bairros, com o intuito de melhorar a fluidez do trafego de veículo e de potencializar as trocas sócio-culturais. Nesta realização, este trabalho propõe a mudança do local do galpão das paneleiras, com a desapropriação do local atual e de algumas outras residências para a construção da via de contorno do bairro. Deste modo, o galpão das paneleiras será transferido para a margem do mangue, dentro desta zona, mas em divisa com a ZPA2 da estação ecológica, para aproximar o fazer social das paneleiras da fonte originária desta tradição, o mangue do Lameirão e conectar esta atividade a aos usos atrativos de turismo da própria estação e do parque linear.

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São objetivos desta zona de ocupação: I - Compatibilizar a ocupação do solo com as características da tipologia predominante residencial do entorno; II- Preservar os locais de interesse ambiental e visuais de marcos significativos da paisagem urbana; III - Conceder infra-estrutura de saneamento básico e equipamentos urbanos adequados ao local; IV – Proporcionar conectividade com o sistema viário e a malha urbana e melhorar as condições de mobilidade urbana do entorno; V - Conter a ocupação em áreas de proteção ambiental; VI – Incremento da ocupação urbana por meio de política habitacional para a população da região em situação de risco. VII - Ampliar a oferta de áreas verdes e de lazer para toda a região; VIII- Conservar e promover as tradições culturais locais; IX - Incremento da atividade de Turismo.

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Figura 50: Mapa de Diretrizes para o entorno.

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hierarquização por comportamento As vias serão ordenadas segundo o comportamento desejado para casa situação; de trânsito; de trânsito-social; e social. Para a Grande Goiabeiras será privilegiado o comportamento social. A Avenida Fernando Ferrari e a Avenida Adalberto Simão Nader serão a únicas vias que receberão o tratamento para o comportamento de trânsito. Isto devido à importância metropolitana e municipal que elas possuem. A Avenida Professor Duarte Rabelo, considerada pelo PDM como uma via arterial municipal, não receberá o tratamento de comportamento trânsito devido à importância social que possui para os moradores da Grande Goiabeiras, onde é palco de inúmeras manifestações sociais. As ruas dos bairros receberão então, diretrizes para o tratamento segundo o comportamento de trânsito-social e social. De modo que, as ruas que fazem a conexão entre a Avenida Fernando Ferrari com as vias locais, receberão o tratamento de trânsito-social e as ruas locais, todas, serão tratadas segundo as diretrizes para um comportamento social.

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Figura 51: Mapa de Hierarquia Viรกria.

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comportamento de trânsito As avenidas deverão ser transformadas em espaços uniformes que determinam comportamentos uniformes. Espaços para pessoas que são abertos à interpretação são resguardados para as situações que exigem um comportamento social. Espaços de tráfego uniforme devem ser espaços sem chance à interpretação. Deste modo, estas vias serão regidas pelas leis de trânsito transmitidas através de sinais e textos da linguagem de sinalização de trânsito. Para a validação do projeto das vias de comportamento social é essencial que as vias de trânsito rápido tenham um bom funcionamento. Esta é assim, uma das diretrizes deste projeto; dinamizar e aumentar a fluidez de tráfego para as vias de comportamento de trânsito. Deste modo, a principal diretriz é diminuir as interseções nas avenidas para aumentar a fluidez e diminuir o tempo de viagem. Como medida para aumentar a fluidez de tráfego, algumas interseções com a Fernando Ferrari foram retiradas e uma foi realocada de lugar. O acesso sul do bairro Jabour, feito pela rua Prof. Odila Simões foi mantido, porém a saída de Jabour pela interseção da Rua Doutor Agliberto Rodrigues Moreira com a avenida foi realocada para a Rua Engenheiro César Dantas de acordo com proposta deste trabalho para a circulação de ônibus (ver ruas de comportamento social de trânsito). Em seguida, o cruzamento da Avenida Presidente Costa e Silva com a Fernando Ferrari foi fechado, permitindo apenas o acesso e saída do bairro pela via de sentido sul – norte da Fernando Ferrari. Está medida foi adotada em função do fluxo de veículos que utilizam esta via local principal somente para a passagem com o objetivo de encurtar as distancias, saindo da Adalberto Simão Nader para entrar na Fernando Ferrari e pelo tráfego gerado pelos alunos e docentes da UNIVIX que provocam uma saturação da vias no

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Figura 52: Mapa de Modificação das Interseções com a Fernando Ferrari.

entorno da quadra dos antigos armazéns do Instituto Brasileiro do café e congestionam a Avenida Costa e Silva em horários de entrada da faculdade. No projeto de ampliação da Fernando Ferrari, que está em execução no momento, está previsto ainda, a criação de mais uma interseção com a Avenida pela Rua Leopoldo Gomes Salles de Goiabeiras Velha. Está medida vai de encontro com as proposta deste trabalho, assim, para manter a diretriz de fluidez de trânsito e para não haver aumento de tráfego de passagem em Goiabeiras Velha, este projeto mantém o trecho sem a nova interseção proposta.

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Deste modo, é previsto um aumento de fluxo no trevo de interseção da Avenida Adalberto Simão Nader com a Fernando Ferrari, pois este projeto se propõe a concentrar as interseções para diminuir as interrupções no tráfego da avenida e assim aumentar a fluidez. Assim sendo, para que o aumento de fluxo neste trevo não gere uma saturação na Adalberto Simão Nader, a proposta é que seja feito um mergulhão para veículos permitindo o fluxo contínuo sem interrupção no cruzamento, ligando os quatros sentidos sem semáforo. É o tráfego constante em velocidade controlada e livre de interrupções que mantém um fluxo permanente e sem saturação. É Importante destacar que mesmo com estas medidas de diminuição das interseções na Fernando Ferrari, a velocidade de trânsito nesta avenida fica estabelecida, conforme o código de trânsito brasileiro para vias arteriais, de sessenta quilômetros por hora e com um sistema de sincronização de semáforo capazes de manter a segurança para os pedestres na travessia e circulação na avenida, cuja concentração de comércio e serviços é grande no trecho.

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comportamento social de trânsito Estas vias combinam elementos das vias de comportamento de trânsito com as vias sociais. É a via que recebe o motorista do trânsito rápido que faz a troca para a rua de comportamento social, ou seja, o comportamento deve ser social, limitado por diretrizes legais e técnicas. A velocidade nestas vias não deve ultrapassar 40 km/h14. Deve inserir elementos de paisagem e de desenho e infra-estrutura dentro do projeto do espaço ajustado ao contexto local e regional. Paisagens e pontos de referência, irrelevantes para o mundo do tráfego, são componentes integrais do espaço público e devem aparecer nas vias de comportamento social de transito. É necessário destacar, para que o projeto de espaço público de comportamento social funcione é importante que estas vias de transição não tomem grande proporção no projeto e que a predominância seja de espaços público de comportamento social. O principal recurso utilizado para definição das vias de comportamento social de trânsito foi a observação exaustiva do local juntamente com a análise do mapa de uso do solo (FIGURA 11), da estrutura viária, dos condicionantes urbanos e naturais, dos pólos e nós, do percurso do transporte público (FIGURA 53) e da hierarquia viária (FIGURA 14). Foram definidas como principais as vias próximas aos locais de concentração de comércio e serviços e as vias que fazem a conexão dos bairros de Goiabeiras com a Fernando Ferrari, que na maioria das vezes coincide com as vias de maior importância no bairro. Dentre as principais vias mapeadas têm-se as Avenidas Professor Fernando Duarte Rabello e a Jerônimo Vervloet, as Ruas Professora Ocarlina Drumond de Carvalho, a Professora Odila Simões, a Engenheiro César Dantas, a Antonnelo Braga, a Manoel Vivácqua e a Antônio Nobre Filho (apenas o trecho entre as

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14. Segundo estabelecido pelo código de trânsito brasileiro para vias coletoras.


15. Plano Diretor de Transporte Municipal Urbano

ruas Engenheiro César Dantas e Antonnelo Braga), a Armando de Oliveira e a Via de Contorno (ver proposta em Diretrizes para o Entorno). Estas duas últimas alcançam destaque na proposta desta hierarquia viária. A via de contorno leva este nome devido a sua função de contornar a região, fazendo a conexão de todos os bairros pelo lado oeste e ligada nos dois sentidos a Fernando Ferrari. Já a Rua Armando de Oliveira, ganhará destaque porque será mais uma rua tronco do sistema de conexão entre a Fernando Ferrari e a Via de Contorno, esta rua foi escolhida devido a infra-estrutura, com caixa de rolamento de maior dimensão, e pela proximidade com a UNIVIX e a nova zona de ocupação residencial (ver proposta em Diretrizes para o Entorno). No contexto da Grande Goiabeiras, estas duas ruas e as Avenidas Professor Duarte Rabello e a Jerônimo Vervloet têm papel fundamental na hierarquia proposta por conectar a Fernando Ferrari com a via de contorno de Goiabeiras e, assim, se tornam vias tronco do sistema e de suma importância para o funcionamento da proposta. Estas duas avenidas destacam-se também pelo grande número de estabelecimentos comerciais e de serviços que e apresentam intenso fluxo de pedestres e veículos. A Rua Ocarlina Drumond de Carvalho se enquadra nesta categoria de via social de trânsito por ser um eixo importante de conexão para Maria Ortiz, pois conecta a via de contorno à Avenida Professor Duarte Rabelo, onde apresenta uma concentração de comércio. As ruas Professora Odila Simões, a Engenheiro César Dantas, a Antonnelo Braga, a Manoel Vivácqua e a Antônio Nobre Filho são ruas desta categoria, pois são as vias onde há a circulação do transporte público, cujo este projeto adota os preceitos do PDTMU15 (2008). O PDTMU conclui que a melhor alternativa de intervenção no sistema de transporte da capital é a alternativa mista, o que corresponde à implantação do Veículo Leve

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sobre Trilhos (VLT) nos principais eixos de demanda de ônibus, associada a sistemas complementares de ônibus metropolitanos e municipais nos demais importantes eixos de Vitória. Neste sistema, o transporte coletivo metropolitano por ônibus, sistema Transcol, cumprirá as funções de oferta de macro acessibilidade e de sistema complementar de alimentação do VLT. O transporte coletivo municipal por ônibus cumprirá as funções de oferta de micro acessibilidade e complementação na alimentação do VLT. (PREFEITURA ..., 2008, p.182-185) O sistema de transporte público da Grande Goiabeiras é atendido por oito linhas de ônibus que passam por 16 ruas dos bairros (FIGURA 53). Com a ordenação do trafego nesta proposta de hierarquia viária (FIGURA 54), os ônibus passarão apenas pelas ruas de comportamento social de trânsito, extinguindo a passagem por ruas de comportamento social, mas mantendo o sentido de passagem do ônibus no circuito interno no bairro.

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Figura 53: Mapa das vias de circulação de ônibus atual.

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Figura 54: Mapa de proposta das vias de circulação de ônibus.

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16. Traffic Calming é uma técnica moderadora de tráfego com a origem relacionada com as medidas de gerenciamento de tráfego introduzidas na Alemanha e na Holanda na década de 70, desenvolvido por planejadores urbanos e engenheiros de tráfego.

comportamento social Nestas vias será reforçado o traço social através de uma ênfase sobre os elementos naturais e espaciais. Este espaço deve ser projetado de forma que não o percebemos como um espaço de tráfego, mas sim, como um espaço para as pessoas, um espaço onde as funções sociais do espaço público assumem um lugar central. Nestes espaços é importante que se eliminem as regras da linguagem de trânsito e que a preferência pelo espaço seja negociada pelos usuários. Este processo só é possível com um tráfego de velocidade inferior a 30 km/h. Neste sentido, o desenho das vias, a vegetação, o mobiliário e os materiais empregados no projeto têm papel fundamental na qualificação destes espaços públicos. Assim, este trabalho adota medidas de desenho do traffic calming16 como veículo para se atingir o objetivo de proporcionar espaços públicos qualificados para o comportamento social.

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projeto para Goiabeiras Velha O espaço público urbano das ruas de Goiabeiras Velha receberá o tratamento de projeto para uma rua de comportamento social. Como tal, deve possuir características e elementos que marcam o predomínio do traço social, de modo que as regras de linguagem de trânsito não são mais dominantes na definição do comportamento. Neste sentido, o sistema viário do bairro será alterado, em conjunto com o projeto de hierarquia por comportamento e as diretrizes do entorno, para principalmente, desencorajar o trânsito de passagem e reduzir a velocidade dos veículos no bairro. Do mesmo modo, o desenho urbano das vias será modificado para eliminar a hierarquia viária que existe entre os usuários devido à diferenciação de tratamento (calçada e via de veículo). O desenho urbano será responsável também por privilegiar o usuário pedestre e de permanência, utilizando do mobiliário urbano adequado para orientar o predomínio por um comportamento social. Para contribuir com ambiências que incentivem este comportamento serão adotadas medidas paisagísticos que mimetizam as funções dos ecossistemas naturais para reduzir os impactos urbanos e criar áreas de estar convidativa a permanência. Assim, as ruas serão arborização e o piso asfaltíco impermeável será substituído por um piso alternativo com função drenante do solo.

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Figura 55: Mapa de proposta do Sistema Viário de Goiabeiras Velha.

sistema viário O sistema viário foi alvo de mudanças essenciais para o desenvolvimento do projeto e para a aplicação de conceitos e tipologias comprometidas com a criação do espaço de comportamento social. As alterações são decorrentes das características e demandas específicas da área, referentes ao fluxo de veículos, a conformação urbana e ao comportamento social. Entre estas especificidades está à possível atração de tráfego de passagem com o desenvolvimento das áreas ociosas no entorno do bairro e dos pólos atratores como o parque linear, a UNIVIX e o galpão das peneleiras. Deste modo, uma primeira diretriz é reduzir o tráfego de passagem no bairro. O projeto assim tem por premissa resguardar o bairro diminuindo os acessos e saídas de veículos. As conexões das ruas José Gomes Loreto e a Leopoldo Gomes Sales com a Fernando Ferrari são transformadas em acessos apenas, sem a permissão de saída. E, três ruas são fechadas. O acesso à rua José Alves pela avenida é impedido, no entanto o trecho desta rua de sentido único (Goiabeiras Velha – UNIVIX) é mantido, como alternativa de conexão do bairro com a vizinhança adjacente. O tráfego nas ruas das peneleiras e na João Gomes Loreto é interrompido para impedir o acesso direto a estas ruas de comportamento social pela via de contorno, de comportamento de tráfego. A conexão de Goiabeiras Velha com a via de contorno será feita com prolongamento da rua Leopoldo Gomes Sales. O galpão das paneleiras foi relocado para a realização do projeto de hierarquia viária, com a criação da via de contorno, e para não prejudicar a tradição com o afastamento do local de produção do símbolo, o mangue. Deste modo, o galpão fica implantado nas margens do mangue e pertencente à ZEIS 3 (Zona

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figura 55: pagina com mapa de acessos

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Especial de Interesse Social) proposta por este trabalho. Outra medida adotada foi à delimitação de uma área de estacionamento para suporte as atividades das paneleiras e para comportar a demanda turística, tanto das paneleiras, quanto do parque linear e não sobrecarregar as ruas do bairro. A FIGURA 55 apresenta o projeto do redesenho de todo o sistema viário do local.

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desenho urbano e mobiliário Este trabalho propõe a mudança do desenho das ruas de modo a eliminar a hierarquia hoje existente nos projetos de ruas, onde o comportamento é limitado pela pelas normas de trânsitos que distinguem faixas especificas para cada tipo de usuário considerando apenas a atividade de circulação. O argumento é que as pessoas compartilhem espaço público urbano da rua juntos e isto não acontece quando as variadas e diferentes funções destes espaços estão dissociadas; quando estão acomodadas em áreas diferentes, fazendo com que parte de tal espaço público fique inacessível para outros propósitos e pessoas. O desenho propõe a eliminação da diferenciação entre calçada e faixa de veículo, através do nivelamento da via com a calçada. A pavimentação da via será substituído por piso drenante que permite a maior permeabilidade do solo. A rede de esgoto e pluvial existentes serão mantida, esta última em função da necessidade para escoar o excedente das águas quando não infiltradas no solo. Outra solução adotada é a “calçada técnica”, que funciona como uma galeria no subsolo, permitindo que a fiação elétrica, telefônica, de TV sejam embutidas. Isso ajuda na manutenção dos serviços sem a necessidade de quebrar o piso e diminui a poluição visual das ruas. Esta opção de executar uma “calçada técnica” foi definida em função da necessidade de adequar o mobiliário urbano com a escala do bairro. Assim, os postes existentes serão removidos e substituídos por uma iluminação pública adequada e a fiação será subterrânea. É importante ressaltar que as ruas, calçadas e quadras não possuem as mesmas dimensões, formatos e alinhamentos. As calçadas e ruas não possuem dimensões fixas e variam confor-

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Figura 56: Tabela da relação entre tipo de veículo e largura média. . (GONDIM, 2006, p. 31).

Figura 57: Tabela da relação entre vias e distancia entre veículos. (GONDIM, 2006, p. 31).

me formato de disposição dos lotes, deste modo resultam em apropriações diferentes associadas às atividades que se desenvolveram em cada local. Estas particularidades foram utilizadas de forma a tirar proveito das diversidades e situações que cada local dispunha, conformando ambientes mais diversificados. Apesar das dimensões variadas, foi fixada a largura livre mínima necessária de 2,55 metros para a circulação de veículos de passeio médio e de grande porte e de 3 metros para o caminhão de lixo e para o veículo do Corpo de Bombeiros (GONDIM, 2006, p. 31). No entanto devido à presença de elementos urbanos ou de arborização a dimensão livre mínima de 3 metros é garantida apenas em um sentido, assim quando necessário a preferencial da via deve ser negociada pelos usuários. A largura da faixa de tráfego pode ser calculada sobre a dimensão do tipo de veículo de uso predominante e sua distância dos veículos vizinhos de acordo com a velocidade adotada. Para uma circulação e ultrapassagem com segurança e conforto a distância entre veículos varia de 0,40m a 1,20m. Quanto maior a velocidade, maior é o afastamento entre veículos. Quanto maior a largura da pista, mais estimulada é a velocidade. Assim, a via local tem a sua largura de faixa calculada sobre a largura do automóvel e as vias coletoras e arteriais sobre os veículos de maior porte, como ônibus e caminhões. (GONDIM, 2006, p. 31).

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Tipo de veículo Passeio pequeno porte (Fiat Mille, Ford Ka) Passeio médio e grande porte Microônibus Ônibus Caminhão de lixo Carreta

Largura média do veículo 1,80 2,10 2,25 2,40 2,40 2,55

Vias e velocidade Expressas (<80km/h) Arteriais (<60km/h) Coletoras (<40km/h) Locais (<35km/h)

Afastamento entre veículos (m) 1,05 a 1,20 0,90 a 1,05 0,75 a 0,90 0,45 a 0,75

Quanto ao mobiliário, foi decidido utilizar o mínimo de equipamento restritivo no projeto, no sentido de não estimular nem limitar um uso específico e, sim, estimular as variadas apropriações da rua. A primeira medida neste sentido foi à substituição dos postes e fiação aérea pela calçada técnica e pela coluna luminosa de escala mais conveniente para as ruas estreitas e para a arborização proposta. Deste modo foi adotada a coluna luminosa Nemo da SCHREDER17, com uma altura de 5 metros, a coluna associa as funções de iluminação pública à de uma escultura luminosa permanente. O bollard luminoso foi também empregado para balizar e proteger as áreas especificas de permanência situadas nos largos do encontro da rua Leopoldo Gomes com a José Alves e com a José Gomes. Nestes pontos de permanência demarcados, além dos Balizadores foi empregado blocos de granito em dimensões variadas, com altura de acento, para proteger estas áreas e dá suporte a permanência.

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17. SCHREDER. Acesso em 22/01/2010.


Figura 58: Praça pública na Bélgica com a Coluna Luminosa Nemo. Fonte: SCHREDER.

Figura 59: Dimensões técnicas da Coluna Luminosa Nemo. Fonte: SCHREDER.

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Figura 60: Praça pública na Bélgica com o Balizador Luminoso Nemo. Fonte: SCHREDER.

Figura 61: Dimensões técnicas do Balizador Luminoso Nemo. Fonte: SCHREDER.

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Em geral, foi dado preferência pelo espaço livre de uso comum, com a alternativa de os moradores continuarem como a tradição de utilizar os bancos e cadeiras que possuem. Mas, foi desenvolvido um banco em concreto com 240x50cm de mobiliário fixo para pontos específicos da rua. Estes locais foram distribuídos nos ”pontos” identificados neste trabalho ou ainda em locais sugeridos. De modo que são locais que não criam conflito com as atividades de trabalho.

Figura 62: Perspectiva do banco de concreto.

Figura 63: Dimensões do banco de concreto.

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18. TEXSA, acesso em 23 de dezembro, 2009

pavimentação Para incentivar ainda mais os processos de drenagem dos solos urbanos procurou-se realizar uma pesquisa de materiais permeáveis e aplicáveis no sistema viário. Visto que a impermeabilização do solo é uma realidade no local de intervenção, onde se tem a maioria das ruas asfaltadas e passeios com pavimento de cimentado.

Figura 64: Textura do piso Drenante TEXSA realizado com forma. Fonte: TEXSA.

Foi definida então, a utilização do Piso Drenante TEXSA18, um concreto permeável à água, que aplicado sobre superfícies planas ou levemente curvas, permitirá que as águas de percolação se infiltrem continuamente para o suporte inferior, não deixando causar erosão ou assoreamento da base.

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O piso drenante se destaca pela facilidade de execução e é considerado um piso ecológico, esses blocos permitem a drenagem das águas de chuva e, ao mesmo tempo, evitam a impermeabilização do solo e amenizado desta maneira, o impacto ambiental. É um material, portanto, bem empregado em áreas de rodagem de veículos e estacionamentos, pois garantem a aderência necessária e a permeabilidade, em contrapartida com os materiais asfálticos. O piso pode ser executado em loco, mas a sua utilização em forma de placas pré-moldadas garante uma superfície mais lisa, devido à cópia da textura da forma, o que torna o piso mais agradável para o passeio e facilita a execução e manutenção. Deste modo, desenvolvi um tipo padrão (pattern) de placas prémoldadas de 90x90cm, pigmentas, com 10cm de espessura, como recomendado (TEXSA, 2009) para o trânsito de veículos pesados, considerando que o bairro é abastecido com sistema de coleta de lixo, com caminhão de carga pesada.

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Figura 65: Seção drenante da peça. Fonte: TEXSA.


19. Renomado artista plástico, nascido no Rio de Janeiro, mas com notório repertorio profissional em Brasília, caracterizado por obras que permeiam o limite da arte e da arquitetura. Modernista. É reconhecido por importantes cânones nas artes plásticas introduzido, principalmente pelo Abstracionismo Geométrico e Informal.

O desenho do modulo mimetiza as curvas do bairro. Reduzido a linhas retas, o piso representa a composição imaginaria deste pequeno território urbano, que possui sua conformação física fortemente influenciada pelo lugar. Assim, o desenho parte das quatro ruas principais originárias do núcleo e, é simplificado a um cruzamento simples e duas linhas retas, os dois caminhos pro mangue. Desta base, é estabelecido o módulo para a construção de um padrão. Pretende-se com este padrão, estabelecer uma modulação, baseado no legado de Athos Bulcão19 guiado pelo desordenamento premeditado do conjunto, capaz de gerar um resultado estável harmônico, suficiente para reiterar a geometria dos módulos que lhe constitui. O processo de produção de seus padrões é serigráfico, isto é, industrial, e a implantação na parede ou muro é feita por operários, a partir de esquemas predefinidos ou de forma aleatória, resultando, neste último caso, em arranjos de surpreendente visualidade. Athos fala de

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um “princípio de composição” a ser livremente manejado pelos operários. Ele diz: “Quando não são empregados azulejos brancos, deixo igualmente a critério dos operários a livre disposição de um só elemento, uma só ‘letra do alfabeto’, para realizar uma escritura. Quando, em vez de uma ‘letra’ existem duas, a disposição do desenho será, também, livremente manejada”. (MORAIS, 1988, pg.3) Já a calçada técnica, será feito ao longo do leito das ruas, com o objetivo de conter as instalações dos cabeamentos dos postes e futuras novas instalações como gás, fibra ótica, etc. Esta calçada é assim chamada, porque será pavimentada em placas de granito levigado para cobrir a galeria de concreto armado e facilitar a manutenção. Deste modo, terá o aspecto físico de uma calçada, uma vez que haverá um contraste na diferença de textura da superfície do piso drenante e do granito. Sem necessidade de mão-de-obra especializada, já que as pe-

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Figura 66: Desenvolvimento do Tipo Padrão para a placa de 90x90.


Figura 67: Grupo de oito peças do tipo padão.

ças drenantes podem ser colocadas e retiradas uma a uma com facilidade, o piso drenante permite que o processo de intervenção nos serviços subterrâneos torne-se mais simples, rápido e seguro, por simplificar os serviços de manutenção, da remoção localizada da peça para a recuperação do trecho. Deste modo, este material permite o acesso ao subsolo para casos de manutenção necessária na infra-estrutura do sistema de drenagem, de abastecimento de água e de esgoto. Para as arvores, foi definido golas com o mesmo material drenante da TEXSA, porém executado em módulos circulares de 2m de diâmetro, removíveis e que se encaixam. Esta solução foi adotada em função da necessidade de circulação de veículo. Deste modo, a gola permite a rega normal das árvores e o acesso ao substrato do solo desencaixando-se as peças da gola. É importante ressaltar que a utilização desses revestimentos causa mais atrito com o contato das rodas e, em decorrência, maiores níveis de ruído ao ambiente. Este será mais um artifício do desenho urbano, cuja produção de ruído exigira uma maior atenção do motorista na circulação por estes locais, demarcando que são locais de permanência preferenciais. Este é um es-

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forço para combinar, ao invés de separar as várias funções dos espaços públicos e melhorar a qualidade destes espaços e do meio ambiente.

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Figura 68: Gola de árvore.


vegetação e conforto ambiental A criação de paisagens urbanas que mimetizam funções ecológicas e hidrológicas dos ambientes naturais vem sendo cada vez mais divulgado como parte de uma estratégia de implantação de espaços abertos urbanos, paisagisticamente tratados para serem muito mais do que meras ações de estética urbana, mas também para desempenharem funções infra-estruturais relacionadas ao manejo das águas, ao conforto ambiental, à biodiversidade, às alternativas de circulação, à acessibilidade e a imagem local. Esta nova abordagem de espaços públicos tem feito emergir uma variada gama de tipologias de projetos paisagísticos - como jardins de chuva, biovaletas, lagoas pluviais, tetos verdes e uma malha urbana verde e permeável. Estas tipologias de espaços interconectados, na escala do planejamento urbano e regional, podem ser vista como uma "infraestrutura verde", composta de áreas naturais e outros tipos de espaços abertos que conservam os valores dos ecossistemas naturais e suas funções como mananciais, controle ambiental, regulação climática, recreação e lazer, provendo grandes benefícios para a sociedade. Uma alternativa para expandir essa rede e contribuir para controle ambiental, principalmente pela manutenção aos lençóis freáticos, é aplicar estas tipologias a infra-estrutura urbana existente para atender aos desafios de readequação dos sistemas naturais, especialmente aqueles relacionados à drenagem e a qualidade da água. Deste modo, este projeto avança no discurso do espaço de comportamento social ampliando os benefícios deste projeto adotando além do piso drenante, a arborização para as ruas.

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Um dos aspectos mais importantes da arborização no meio urbano, sobretudo de clima tropical, é a capacidade de promover proteção contra a insolação prolongada. O sombreamento, cuja principal finalidade é amenizar o rigor técnico do clima quente atenuando a radiação solar, diminui as temperaturas superficiais dos pavimentos e de fachadas de edificações, assim como a sensação de calor dos usuários. (MASCARÓ E MASCARÓ, 2002). Segundo MASCARÓ E MASCARÓ (2002), a influência da vegetação na temperatura do ar está relacionada com o controle da radiação solar, da ventilação e da umidade relativa do ar. Sob a sombra das árvores, onde a umidade é maior, forma-se um micro clima que atua reduzindo o calor refletido pelas ruas, calçadas e construções. Outra vantagem da arborização urbana é o valor estético da vegetação. Suas diferenciadas texturas, cores e formas contrapõem-se com a monotonia das tonalidades urbanas e das formas rígidas da cidade, amenizando através de sua conformação, a diferença entre a escala humana e outros componentes arquitetônicos como prédios, muros e grandes avenidas. A beleza das árvores, além de atuar na cidade como um todo, age ainda de forma especifica nos indivíduos, contribuindo para o bem estar psicológico do homem, cuja satisfação também está presa ao aroma, ao encanto, e à refrescância das plantas (SANTOS e TEIXEIRA, 2001). A vegetação urbana, dessa forma se constitui como um elemento de grande importância estética ao meio urbano, e de amplo valor ao bem estar das pessoas. Para o projeto de arborização das ruas de Goiabeiras Velha foi dado preferência ao uso somente de espécies nativas brasileiras, especialmente a de ocorrência no Espírito Santo, incentivando a flora e fauna local, com o propósito de reverter o alto uso de

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espécies exóticas no plantio da arborização urbana de Vitória. É evidente que nem todas as espécies brasileiras são indicadas para o plantio em áreas urbanas, mas a maioria pode ser utilizada em praças, parques e grandes avenidas. Já em ruas menores, onde muito embora se deva tomar cuidados na escolha da arborização, sobretudo em calçadas sob redes elétricas, existe um número de espécies nativas bem maior do que o utilizado atualmente (LORENZI, 2002). Como diretriz de projeto, a bibliografia de LORENZI foi referência, pois ele lista uma série de espécies adequadas a essa situação, onde considera a altura e copa máxima atingida pela árvore quando adulta, sem, no entanto, alertar para a necessidade da observação de outros quesitos como, por exemplo, o tamanho de frutos, o tipo de folhagem e do sistema radicular. Os condicionantes para um projeto de arborização foram encontrados na referencia de Benedito ABBUD (2007), onde o autor além de ressaltar a necessidade do conhecimento das características das árvores, ele destaca ainda estudos sobre os maciços de vegetação e a relação desta com a cidade, especialmente do sistema viária (ruas, calçadas, largos, rotatórias, praças, etc.), dos vazios urbanos e da arquitetura edificada. ABBUD (2007) destaca que além dos condicionantes ambientais locais, que influenciam na sobrevivência e desenvolvimento das espécies vegetais, a qualidade do espaço físico é também significativa para o projeto, devendo ser avaliada sob uma ótica tridimensional, considerando os elementos existentes acima da vegetação, no nível em que esta se encontra e abaixo do solo. O autor afirma que antes da escolha é necessário verificar a presença ou ausência de fiação aérea, iluminação pública, placas de sinalização, acessos as edificações, localização da rede de drenagem pluvial e da rede de esgoto e outros serviços urbanos. De acordo com a figura XX é possível observar os afastamentos

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mínimos necessários entre o plantio da arvore e os elementos urbanos.

Elementos Caixas de inspeção e bocas de lobo Cruzamentos sinalizados por semáforos por semáforos ou que possam via a ser Encanamentos de água e esgoto e fiação subterrânea Entrada de veículos Esquinas Hidrantes Meio fio Pontos de ônibus Portas e portões de entrada Postes de iluminação pública e transformadores

Largura da rua rua estreita (<7m) rua larga (>7m)

rua larga (>3m)

Distância (m) 2,0 10,0 1,0 a 2,0 2,0 5,0 3,0 0,5 1,0 a 1,5 0,5 a 1,0 4,0

Largura da calçada <3m

Recuo das edificações sem recuo

Porte de árvore recomendado --

<3m

com recuo sem recuo

pequeno pequeno

>3m

com recuo sem recuo

médio médio

com recuo

grande

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Figura 69: Tabelas de afastamentos necessários para o plantio urbano. Fonte: adaptado de PIVETTA e SILVA FILHO, 2002, p. 10.


Figura 70: Mapa de Arborização urbana de Goiabeiras velha.

A arborização em locais onde a fiação é subterrânea, e mesmo onde há rede de água e de esgoto, é feita somente a uma distancia mínima de 1 a 2m, para evitar problemas de obstrução de canalizações (PIVETTA e SILVA FILHO, 2002). Para o caso de Goiabeiras Velha, o espaço físico disponível limita a seleção do porte da espécie a ser utilizado, sendo necessário verificar a largura da rua bem como o afastamento mínimo nas edificações (ver figura XX). É importante salientar que o projeto de arborização, de forma geral, buscou trabalhar a vegetação de maneira a explorá-la no conjunto, a fim de ressaltar suas características como floração, perfume, forma e volume, altura, sombreamento, textura e cor, de modo harmônico para o bairro. Outra diretriz importante para a escolha das espécies foi a consideração das árvores existentes e mantidas, mesmo que todas sejam localizadas no interior dos lotes das casas. Com base nestes fatores, cada rua assumiu uma conformação diferente.

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figura: 70. pagina com mapa das arvores

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Figura 71: Corte transversal da rua José gomes Loreto, trecho em frente ao bar do Seu Jonas.

Figura 72: Trecho em frente ao bar do Seu Jonas.

as ruas O projeto não tem o interesse de gerar conflito aos usuários, desta maneira, foi fundamentado na criação de espaços livres de uso comum, pois o objetivo é não restringir e nem privilegiar um uso especifico. Assim, usuário tem que negociar o uso do espaço e as atividades de trabalho e lazer podem coexistirem conforme as relações informais que regem este domínio. É a combinação natural das várias funções da rua que amplia a qualidade social do espaço público. A seguir serão descritas quais foram as medidas adotadas no desenho urbano de cada rua. A Rua José Gomes Loreto recebeu na área central em frente ao bar do Seu Jonas, uma área central livre e protegida com sombra de um Angelim Doce e dois Tigui-preto, árvores de copa médias de 12m, e dois Angelim Coco na extremidade com copa mais baixas de 7m para manter uma escala mais aconchegante. Este “ponto” é sem mobiliário permanente, pois é ocupada por uma variedade de atividades, este local é tanto ponto de festas, com barcas de comidas dos moradores, quanto local tranqüilo onde os vizinhos conversam de tarde. No cruzamento desta com a João Gomes foi criado um ponto de permanência com os bancos de concreto. No fim da João Gomes foi criado outro ponto de permanência que marca o limite do bairro com a avenida do contorno, delimitando assim o limite do bairro. O mesmo procedimento foi adotado na rua das paneleiras, pois as duas ruas são fechadas para acesso de veículo, o que torna estas extremidades propicia a atividade de permanência.

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Figura 73: Corte transversal da rua Leopeoldo Gomes Salles, trecho da esquina com a rua José Gomes Loreto.

Figura 74: Trecho da esquina da rua Leopoldo Gomes Salles com a rua José Gomes Loreto.

Na rua Leopoldo Gomes, no “ponto” central e no “ponto” do fim da rua, de frente para a encosta do morro do Salles, o projeto demarca com árvores (Tigui-pretos e Angelim Coco) e bancos dois ambientes de permanência. No largo do encontro da Leopoldo Gomes com a rua José Gomes foi localizado uma área permeável, também local de permanência, com solo protegido com uma cobertura de brita, mobiliário e uma grande árvores de copa de 16m com altura superior as edificações locais. No largo do encontro da Leopoldo Gomes com a José Alves foi criado outro local de encontro com solo permeável de brita, e protegido com os balizadores e as pedras de granito. Este com equipamento para recreação infantil. No largo maior, encontro das ruas José Alves, Leopoldo Gomes e Hermínio Coelho, foi criado uma grande área livre, com cobertura de árvores de maior porte. Local propício para os encontros político e manifestações culturais. É onde se localiza a sede do Clube Três de Maio e a Praça Luiz Alves. A cobertura da praça foi mantida, por ser um marco de conquista da comunidade junto a prefeitura e por ser bastante utilizada pelos moradores, com usuários de diferentes público durante todo o dia.

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Figura 75: Corte transversal da rua Leopeoldo Gomes Salles, trecho da esquina com a rua José Alves.

Figura 76: Trecho da esquina da rua Leopoldo Gomes Salles com a rua José Alves.

A rua Argeu Gomes, recebeu tratamento paisagístico diferente, por causa da alta inclinação. O piso drenante foi mantido, porém realizado em loco, para facilitar a execução e manutenção da pavimentação. Na área plana do topo, foi criada mais uma área de permanência para os moradores com árvores, mobiliários e a pavimentação padrão em placas de 90x90. Nesta rua, a calçada técnica também foi mantida. É importante ressaltar que as áreas aqui chamadas de permanência, foram assim chamadas por estarem localizadas nos pontos identificados de apropriação de lazer ou pela necessidade de criar novos pontos deste tipo. Estes locais são marcados pela cobertura arbórea e pelos equipamentos adequados para cada situação, de estar, de lazer infantil ou simplesmente livre. Outra medida adotada foi a localização de árvores nos acessos e limites do bairro. Isto para demarcar a área e diferenciar como um local de comportamento social. Assim, logo que o motorista adentra o bairro, o próprio desenho, paisagismo e mobiliário do bairro direcionam-no a regra da negociação e do comportamento social, pois não são mais os sinais de trânsito que regem o comportamento.

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consideração finais


Este trabalho abordou o espaço público sob um posicionamento analítico e propositivo cujos atributos sociais do espaço são considerados como fundamentais. Durante a pesquisa, me orientei no sentido de entender como acontecem as interações do individuo com o ambiente urbano, ou seja, na experiência do homem no lugar. Para tanto, parti do entendimento de que existe uma correlação direta e inseparável entre produção do espaço e seres humanos.

O trabalho se esforça, através da introdução da visão do espaço público compartilhado, em explorar as potencialidades do lugar, valorizando o modo de vida local, suas tradições e cultura como elementos fundamentais da identidade local. Deste modo, estimula a flexibilidade da fronteira entre a casa e a rua, tornando este um ambiente mais seguro e agradável para a apropriação. Entretanto, o maior desafio, sem dúvida, foi o desenvolvimento de propostas para o sistema viário de uma região com dimensões limitadas, como é na maior parte da cidade. Contudo, esse não prejudicou a melhoria da qualidade do espaço público da área, ao trabalhar com diretrizes importantes como priorizar o espaço social e requalificar as áreas livres de apropriação. Por fim, este trabalho contribui ao questionar as formulações que idealizam o espaço, enriquecido pelo estudo analítico do tema e pelo trabalho de campo, e também colabora para o enfretamento da questão com o ensaio de uma proposição, com um projeto que defende o espaço compartilhado a partir do principio fundamental do espaço publico de diversidade. 225


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Figura 01 a 06. Registro Goiabeiras Velha. Figura 07: Tabela de Comportamento. Fonte: PROJECT, 2005. Figura 08: Registro Goiabeiras Velha. Figura 09: Mapa de limite dos bairros da Grande Goiabeiras. Fonte: adaptado PREFEITURA..., 2008 Figura 10: Registro Goiabeiras Velha. Figura 11: Mapa de zoneamento da região da Grande Goiabeiras. Fonte adaptado PMV/SEDEC, 2006. Figura 12: ZPT - Zona do Parque Tecnológico / Gleba vazia. Figura 13: ZPT - Zona do Parque Tecnológico / Gleba vazia. Figura 14: Mapa de Hierarquia de Viária. Fonte: PMV/SEDEC Figura 15 a 16: Registro Goiabeiras Velha. Figura 17: Banda de Congo Panela de Barro. Fonte: Kelly Tavares. Figura 18 : MAPA – LIMITE DE GOIABEIRAS Figura 19 a 20: Registro de Goiabeiras Figura 21: Mapa de apropriação 01 Figura 22-29: Registro de Goiabeiras Velha Figura 30: Mapa de Apropriação 02. Figura 31 a 40: Registro Goiabeiras Velha. Figura 41: Mapa de Apropriação 03. Figura 42 a 48: Registro Goiabeiras Velha. Figura 49: Foto aérea. Fonte: adaptado de Google Earth, 2009. Figura 50: Mapa de Diretrizes para o entorno. Figura 51: Mapa de hierarquia viária

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Figura 52: Mapa de Modificação das Interseções com a Fernando Ferrari. Figura 53: Mapa das vias de circulação de ônibus atual. Figura 54: Mapa de proposta das vias de circulação de ônibus. Figura 55: Mapa de proposta do Sistema Viário de Goiabeiras Velha. Figura 56: Tabela da relação entre tipo de veículo e largura média. Fonte: (GONDIM, 2006, p. 31). Figura 57: Tabela da relação entre vias e distancia entre veículos. Fonte: (GONDIM, 2006, p. 31). Figura 58: Praça pública na Bélgica com a Coluna Luminosa Nemo. Fonte: SCHREDER. Figura 59: Dimensões técnicas da Coluna Luminosa Nemo. Fonte: SCHREDER. Figura 60: Praça pública na Bélgica com o Balizador Luminoso Nemo. Fonte: SCHREDER. Figura 61: Dimensões técnicas do Balizador Luminoso Nemo. Fonte: SCHREDER. Figura 62: Perspectiva do banco de concreto. Figura 63: Dimensões do banco de concreto. Figura 64: Textura do piso Drenante TEXSA realizado com forma. Fonte: TEXSA. Figura 65: Seção drenante da peça. Fonte: TEXSA. Figura 66: Desenvolvimento do Tipo Padrão para a placa de 90x90. Figura 67: Grupo de oito peças do tipo padrão. Figura 68: Gola de árvore. Figura 69: Tabelas de afastamentos necessários para o plantio

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urbano. Fonte: adaptado de PIVETTA e SILVA FILHO, 2002, p. 10. Figura 70: Mapa de Arborização urbana de Goiabeiras velha. Figura 71: Corte transversal da rua José gomes Loreto, trecho em frente ao bar do Seu Jonas. Figura 72: Trecho em frente ao bar do Seu Jonas. Figura 73: Corte transversal da rua Leopeoldo Gomes Salles, trecho da esquina com a rua José Gomes Loreto. Figura 74: Trecho da esquina da rua Leopoldo Gomes Salles com a rua José Gomes Loreto. Figura 75: Corte transversal da rua Leopeoldo Gomes Salles, trecho da esquina com a rua José Alves. Figura 76: Trecho da esquina da rua Leopoldo Gomes Salles com a rua José Alves. Figura 77: Perspectiva da rua esquina da rua José Gomes Loreto coma rua Leopoldo Gomes Salles. Figura 78:Perpestiva da esquinda da rua Leopoldo Gomes Salles com a rua José alves. Figura 79:Perspectiva da rua Leopoldo Gomes Salles.

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anexo




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