Toscano e a Faculdade de Filosofia de Itu

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JOÃO WALTER TOSCANO FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE ITU

RELATÓRIO FINAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - PIBIC



Henrique Berni de Marque Bolsista graduando do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Relatório final de atividades da bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade de São Paulo. Professor doutor Luis Espallargas Gimenez Orientador

Julho de 2015 São Carlos


fig. 1 - vista lateral da Faculdade de Filosofia, CiĂŞncias e Letras de Itu


SUMÁRIO

6. 7. 8.

INTRODUÇÃO Desenho Por que o edifício da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Itu?

11.

OBJETIVOS E METODOLOGIA

18. 22.

HISTÓRICO Itu

27. 29. 31. 35. 49. 51. 51. 52. 53.

FORMA E FUNÇÃO Implantação e escalas Programa e dimensões Partido arquitetônico Estrutura Cobertura, captação de águas e instalações Acessos e circulação Fechamentos e Acabamentos Informações técnicas

55. 57. 59. 61. 65. 67. 73. 79. 83. 83.

UMA LEITURA CRITICA DOS ESPAÇOS Relação de contexto e paisagem Relação de contexto e implantação A influência no partido Relações de uso, acessos e circulação, progressões e percursos Relações de unidade e conjunto. Hierarquia, simetria e equilíbrio, e geometria Estrutura, iluminação e ventilação natural, relação interior/exterior Relações de perspectiva, partido e articulação de volumes COMENTÁRIOS FINAIS Agradecimentos

84.

ÍNDICE DE IMAGENS

86.

REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO Desde sua etapa inicial, a intenção desta pesquisa é analisar um edifício de maneira aprofundada. O processo de pesquisa revelou a necessidade de se esclarecer o que de fato uma análise aprofundada significa e qual deve ser seu enfoque, pois cada interpretação e estudo podem ser feitos de maneira singular e dependem da intenção do autor. Para a presente pesquisa, o foco se concentra no desejo de descobrir relações, intenções para especular sobre os porquês das escolhas de projeto. De fato, a pesquisa sobre um edifício já projetado e construído é de grande importância para aqueles que também projetam. É comum durante a investigação surgirem questões fundamentais de arquitetura: o que move as decisões de projeto? Quais informações são consideradas na hora de desenhar? Contexto histórico, contexto geográfico, contexto cultural, político, econômico; os materiais e técnicas à disposição, o desejo do cliente, a própria experiência ou preferência do arquiteto? Existem elementos independentes destes citados, que remetem puramente à forma e ao espaço que podem determinar decisões no desenho do projeto? Estas questões alimentam o direcionamento desta pesquisa no sentido de contribuir de maneira mais enfática à formação do arquiteto enquanto profissional que desenha e projeta espaços, portanto distanciado do modelo de pesquisa que visa reunir dados históricos e construir uma narrativa, um modelo histórico.

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Desenho Em 1967, em meio a tantas discussões sobre a arquitetura brasileira, os arquitetos Vilanova Artigas e Flávio Motta (SEGAWA, 2002, p.144), resgatam o significado esquecido da palavra desenho. Nas palavras de Motta, desenho tem “um compromisso com a palavra desígnio”. No português “não existe diferenciação que em inglês se manifesta nos termos design e drawing, ou em espanhol diseño e dibujo, ambas se definem, no português ambiguamente no termo desenho” (2002, p.144). Pensar o desenho como desígnio implica no entendimento de que o desenho de arquitetura esconde, ou melhor, revela intenções de projeto. Portanto, o desenho de arquitetura em certo momento, pode ser estudado de maneira independente do lugar e da época no qual a obra está inserida e de quem seja o arquiteto. Finalmente, a intenção geral desta pesquisa é buscar no desenho relações e elementos básicos que funcionem como agentes configuradores do projeto de arquitetura para então estudá-los, utilizando como estudo de caso uma obra de João Walter Toscano.

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Por que o edifício da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Itu? Algumas coincidências despertaram o interesse pela obra de Toscano. A descoberta, durante o período de graduação, de um arquiteto conterrâneo do pesquisador e importante para a arquitetura paulista, é motivo de uma afinidade instantânea com sua obra. Várias obras de Toscano estiveram presentes como referenciais ao longo da graduação do pesquisador, sem que ele tivesse o conhecimento da proximidade física e subjetiva do arquiteto Esta proximidade se se manifesta também no sentido acadêmico, uma vez que o arquiteto graduou-se e fez parte do corpo docente da mesma Universidade que intermedia esta pesquisa, na Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Concebido em 1959, o prédio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora do Patrocínio, hoje Faculdade de Educação do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, a primeira Faculdade da cidade e região, é uma das primeiras obras de Toscano, e também uma das primeiras obras em concreto armado com concepção moderna da cidade de Itu, e causa interesse por ter sido pensada por um arquiteto jovem, recém-formado e ainda assim, dotada de elevada qualidade arquitetônica de vanguarda.

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fig. 2 - vista externa do pรกtio, do bloco das salas de aula e da torre de escadas

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fig. 3 - pรกtio coberto


OBJETIVOS E METODOLOGIA O desenho, na concepção moderna, constitui o ato fundamental da prática de projeto. Dele é possível compreender a natureza do projeto, sua geometria e suas qualidades inerentes. A partir do desenho técnico, do croqui do arquiteto, do desenho de estudo posterior, de observação, eletrônico tridimensional e de outros tipos de desenho, é possível realizar “uma investigação das características formais e espaciais do edifício a fim de que o partido do projeto possa ser identificado/entendido”(CLARK, 2012, p.3). Desse modo, esta pesquisa se propõe a iniciar uma análise que não seja fechada e portanto, que não acabe neste trabalho, sobre a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Itu, de maneira a contribuir com o esforço de entendimento e interpretação do edifício. Para tanto, utiliza-se a metodologia de trabalho resumidamente descrita abaixo: 1 - Fazer uma revisão bibliográfica das referências iniciais descritas no plano de pesquisa, e atualizá-la. 2 - Reunir material gráfico (imagens, desenhos técnicos, croquis) e outros de natureza variada (relatos, documentos históricos, etc.) dos responsáveis pela instituição, fotógrafos, jornal local e a outras pessoas ou instituições. 3 - Classificar, estudar e analisar o material obtido. 5 - Realizar visitas junto ao orientador, para análise do projeto in loco e percepção dos espaços, formas, conservação, etc. 6 - Coleta de depoimentos de pessoas envolvidas de alguma maneira com a obra que possam acrescentar informações à pesquisa.

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4 - Produzir novas peças gráficas a partir de desenhos e de um modelo tridimensional digital do edifício que auxilie na análise e entendimento das relações formais/espaciais. 7 – Produzir um relatório que organize todo o material compilado, estudado e desenvolvido para que exprima, com clareza, a análise feita do edifício. O item de número três exige maior esclarecimento porque diz respeito a como é feita a análise. O método utilizado baseia-se nas análises feitas pelo professor doutor do IAU USP Paulo Fujioka em sua dissertação de mestrado (FUJIOKA, 1996) sobre o Edifício Itália e pelos professores Roger Clark e Michael Pause que diante de uma vasta lista de projetos, investigam relações formais/espaciais e o partido de cada um deles no livro Precedents in Architecture (Partidos em arquitetura) (CLARK, 2012). Os dois trabalhos optam por uma análise onde a abordagem do projeto é subdividida em temas específicos, sejam eles técnicos ou mais subjetivos. Clark e Pause fazem uma análise basicamente gráfica dos edifícios, focando numa análise formal e espacial através de desenhos e esquemas que respeitam os tópicos: planta-corte, unidade-todo, repetitivo-único, adição-subtração, simetria-equilíbrio, geometria-malha, padrões de configuração, progressões, redução, estrutura, luz natural, massas, circulação e usos, hierarquia e partido. Estes temas foram referência também para as análises de Fujioka. Em sua dissertação, além de uma extensa contextualização histórica e geográfica

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do edifício Itália, descreve seu programa, seus espaços e suas formas para então analisar o que cada aspecto do edifício pode representar, por meio de comparações com outros edifícios e situações, e estudos em desenho. O modo como Fujioka organiza e apresenta sua análise é base para a presente pesquisa.


fig. 4 - exemplo de análise feita por Clark e Pause (2012, p.107). Unidade de Habitação de Marselha, projeto de Le Corbusier, 1953

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fig. 5 - Jo達o Walter Toscano


(...) saiu no jornal de Itu que um arquiteto ituano tinha ganhado concurso. Após ler essa notícia, o mestre de obras das freiras ligou para mim, pedindo que eu fosse a Itu, porque as freiras queriam fazer uma faculdade, e ele nem sabia o que era faculdade. Lá fui eu falar com a freira responsável. Ela logo perguntou: “É o senhor quem vai fazer o nosso prédio? Esse menino?”. Eu respondi a ela que não precisava se comprometer comigo, que eu poderia fazer um estudo. Provavelmente, ela só conhecia prédios neoclássicos, e eu fiz algo totalmente moderno. Em quinze dias, levei uma maquete e uns desenhos para mostrar o projeto a ela. Ela olhou e falou: “Gostei! O senhor constrói também?”. Eu nunca tinha construído na vida! Mas o mestre, que estava atrás dela, fez sinal para que eu respondesse que sim. Então falei: “Eu construo!”. Assim, o edifício foi construído. A Faculdade de Filosofia de Itu tem todos os elementos que compunham a arquitetura moderna brasileira: o


elemento vazado, a rampa, o pilotis, o brise. Fui um aluno que aprendeu a lição. Mas não copiei; é uma coisa original. O Lourival Gomes Machado, que era representante do Brasil na UNESCO, junto com um grupo de intelectuais, foi para Itu ver a obra do Jesuíno do Monte Carmelo, um padre do século XVIII que pintou tetos da Igreja Matriz e telas. Eles foram recebidos pelas freiras da faculdade que projetei e que estava sendo construída. Durante a visita, uma freira perguntou: “O doutor não quer ver a nossa faculdade?”. Como eles devem ter falado que não tinham tempo, ela insistiu e eles foram conhecer meu projeto. O Lourival olhou, ficou admirado e perguntou quem tinha feito o projeto. Falei que tinha sido eu. Ele falou que era muito interessante e perguntou se poderia mostrá-lo. Só mostrei os melhores ângulos. No dia seguinte, ele escreveu o artigo “Três notas sobre Itu” para o Estado de São Paulo. A maior parte do texto é sobre o Jesuíno do Monte Carmelo, mas há uma parte


sobre a minha obra. O texto elogia o meu projeto e afirma: “uma tranquila confiança na criação limpa, bela, legítima, que a mais jovem geração de arquitetos brasileiros começa a dar ao seu País”. Essa obra ficou tão conhecida que hoje está no Acervo Permanente do Centre Georges Pompidou, de Paris. Além dela, estão também nesse acervo os meus projetos do Balneário de Águas da Prata e da Estação Largo Treze. Com o reconhecimento por Itu, o diretor da Faculdade de Assis foi ver esse projeto e pediu para que eu fizesse a Faculdade de Assis. Depois, veio a de Araraquara e todas pertencem à UNESP [Universidade Estadual Paulista] hoje. Vejam quantas obras vieram juntas porque fiz a primeira bem feita. Eu só tinha 26 anos quando fiz Itu. Em 1964, cinco anos depois de eu ter saído da FAU, a Acrópole, uma revista de arquitetura aqui de São Paulo, fez um número especial só sobre o meu trabalho.

(PERROTTA-BOSCH, 2012)


HISTÓRICO A carreira promissora de Toscano se inicia na FAUUSP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), onde se forma em 1956, e onde também leciona no Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto (ARTIGAS, 2002, p.175) anos mais tarde. Os ideais de Modernidade dos quais ele e a geração de arquitetos formada naquele período compartilham não são sempre compreendidos pela população. A mudança na maneira de se pensar o mundo afeta não só a arquitetura, mas as artes plásticas, cinema, música, etc e muitas vezes através do questionamento e contestação do passado realçam conflitos e contradições. A incompreensão em relação ao diferente ou novo tornam-se muitas vezes, barreiras para a manifestação de obras modernas nas cidades, especialmente do interior do estado. No campo da arquitetura, as construções modernas iniciais são vistas com incerteza em geral, em função de um estranhamento acerca dos novos materiais, estruturas e formas abstratas. Isto significa que são poucos os clientes, mesmo nos anos de 1950, entendedores ou admiradores da “nova” arquitetura que se atrevem a custeá-la. Apesar disso, Toscano sabe cativar, seja pelo seu discurso, seja pela obra concretizada, seus clientes e os convence de que o tipo de espaço apresentado é adequado para a função programática e solução estética segundo a sensibilidade moderna. Ou seja, vai atender às necessidades de uso, ao mesmo tempo em que está em harmonia com o entorno, com a cidade atual. (TOSCANO, 2003, p.6-8)

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Desde muito jovem são confiadas obras de grande porte a Toscano. Ele se


mostra apto a responder às necessidades de programas complexos ao empregar formas e materiais de maneira tão satisfatória que o encargo de grandes projetos torna-se recorrente ao longo de sua carreira. Lourival Gomes Machado (In: ARTIGAS, 2002, p.31), crítico de arte e ex-diretor da FAUUSP, expõe sua confiança em Toscano ao escrever para o jornal o Estado de São Paulo o artigo intitulado “Três notas sobre Itu”: “(...) ao visitar o novo prédio [da Faculdade de Filosofia de Itu], não esperava encontrá-lo [Toscano] junto ao grupo de colegas moços que levou para conhecerem a obra. Mas a feliz emoção de encontrálo, sobretudo na companhia dessas escolhidas testemunhas, apenas confirmou o que, sozinho, o seu projeto, em período final de realização, haveria de ensinar-me: uma tranquila confiança na criação limpa, bela, legítima, que a mais jovem geração de arquitetos brasileiros começa a dar ao seu País” . Toscano amplia sua experiência em edifícios universitários neste período inicial com projetos em Assis, em 1959, em Araraquara, em 1968 e em Rio Claro, em 1972 e ao longo de toda vida aplica este conhecimento em projetos relacionados à educação. Principalmente no início de sua carreira, seus projetos apresentam elementos e formas inspirados nas obras paradigmáticas da arquitetura moderna. Toscano encara a referência em projeto como algo natural. Segundo ele “as influências vão ocorrendo em função de uma procura. O projeto depende da sua intenção, de seu compromisso” (SABBAG, 2006). Algumas soluções construtivas usadas pelos mestres modernistas são facilmente identificadas em sua obra. Por exemplo, as aberturas zenitais

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realizadas no Mosteiro Concepcionista de Itu em 1961 e no Balneário de Águas de Prata em 1974, que trazem à memória aquelas usadas por Le Corbusier em 1960 no convento de La Tourette em L’Arbresle (França). Ou o uso dos perfis de aço de forma modular no Clube Recreativo de Assis de 1961, que se assemelha a maneira como Mies Van der Rohe emprega o aço, por exemplo nos edifícios do campus do Instituto Tecnológico de Ilinois em 1950, Chicago. Além de referências estrangeiras encontradas nos projetos de Toscano, notase também que sua produção caminha junto à dos arquitetos brasileiros. Lucio Costa, Oscar Niemeyer, João Filgueiras Lelé, Affonso Reidy e seu professor da FAUUSP Vilanova Artigas são inspirações constantes de inovação na arquitetura brasileira. O professor doutor da FAUUSP Hugo Segawa, explica em seu livro Arquiteturas no Brasil 1900-1990 como o trânsito de arquitetos pelos estados brasileiros e a ampla divulgação por meio de publicações especializadas naquele período é responsável por disseminar valores comuns e tornam a face da arquitetura brasileira mais característica e homogênea. Toscano realiza projetos de urbanização, entre eles o da Praça de Salto em 1957, o plano diretor de Itu em 1966 e, o Diagnóstico Geral da cidade de Itu, um estudo para implantação de um programa cultural na cidade em 1978. Deixa evidente, portanto, sua versatilidade como arquiteto. Em sua fase profissional mais madura explora o uso do aço na construção civil e trabalha, sobretudo, em projetos de obras públicas e educacionais na cidade de São Paulo. Dentre elas, as estações multimodais do Largo Treze de Maio, em 1985, e Pêssego, em 1990, ambas junto de seus fiéis colaboradores, a arquiteta e esposa Odiléa Setti Toscano, e o arquiteto Massayoshi Kamimura.

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Uma das últimas obras concluidas é o pátio de manutenção de trens da linha 4 do metrô de São Paulo, em 2011, mesmo ano em que Toscano falece.


fig. 6 - Faculdade de Filosofia, Ciëncias e Letras de Assis, 1961

fig. 7 - Campus Universitário de Araraquara, 1968

fig. 8 - Balneário de Águas de Prata, 1974

fig. 9 - Estação Treze de Maio, 1985

fig. 10 - Estação Pessego, 1990

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Itu A vila de Itu nasce no período colonial, em 1610. Suas ruas estreitas e quadras alongadas preenchem o espigão que divide dois córregos próximos. Até o século XVIII a vila se mantém concentrada nesta porção do território, que hoje é considerada de interesse histórico para cidade. São construções remanescentes casarões coloniais e ecléticos majoritariamente dos séc. XVIII e XIX, conventos, e igrejas barrocas como a do Carmo construída em 1728, Santa Rita de 1726 e a Matriz de 1780. Dentro deste cenário a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Itu, se insere em 1962 e praticamente inaugura a inserção dos edifícios de concepção moderna na cidade. fig. 11 - vista aérea de Itu na década de 1940

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fig. 12 - Vila de Itu na década de 1830 desenhada a partir do levantamento feito por Walter Toscano (TOSCANO,1981b), e sua localização

Praça Regente Feijó


Moderno, para nossa satisfação e para justo orgulho das freiras que mantêm o estabelecimento. É moderno, digamos logo porque é importante, na justa acepção desta palavra quando aplicada à arquitetura do Brasil, que já pode, por esta altura, dispensar quaisquer daqueles elementos tão necessários à polemização dos dias iniciais para afirmarse tão só nos valores essenciais de sua inerente contemporaneidade. Faz gosto verificar, das grandes diretrizes da concepção construtiva até as minúcias do detalhamento de uma obra, essa severidade, essa franqueza na convocação dos materiais e das técnicas que, longe de inibirem, instigam o criador de arquitetura na aspiração de maior beleza expressiva.

(In. ARTIGAS, 2002, p.31)

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fig. 13 - A faculdade de Filosofia de Itu ainda em construção

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Praça Regente Feijó

Igreja Nossa Senhora do Patrocínio

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Itu

fig. 14 - Vista aérea da região


FORMA E FUNÇÃO Nesta etapa é apresentada uma interpretação das características físicas e dimensionais e das soluções arquitetônicas em relação ao lugar e ao programa. As pranchas técnicas originais do edifício foram ferramentas essenciais e ricas fontes de informações. A reprodução dos desenhos técnicos e a criação de um modelo tridimensional eletrônico a partir dessas pranchas são necessárias para o entendimento das dimensões e escalas. Outras ferramentas importantes para a construção das interpretações são as fotografias, as visitas ao edifício, coleta de depoimentos, continuação da pesquisa bibliográfica e o uso de croquis.

Fig.

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fig. 15 - Cheios e vazios

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Implantação e escalas A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Itu (atualmente parte do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio - CEUNSP), está situada em Itu/ SP na rua Madre Maria Basília nº965, em um lote com formato irregular no miolo da quadra, ao lado dos edifícios do Colégio Patrocínio (que faz parte do CEUNSP atualmente), e de casas antigas. O formato do lote não é convencional, e pode ser sintetizado na forma de dois retângulos deslocados que se apresentam para a rua com uma frente de mais de 70 metros. O terreno original disponível para o projeto é posteriormente aumentado com o acréscimo do Colégio do Patrocínio e alguns terrenos vizinhos, e torna-se o Campus I do Centro Universitário. Localizado em um contexto urbano onde os gabaritos são baixos e não ultrapassam três andares, a Faculdade possui uma implantação que se contrasta com o entorno e ganha destaque na quadra, tanto por sua altura como destaque dos limites do terreno. Três volumes principais se articulam e compõem a totalidade do edifício. Um dos volumes está diretamente assentado sobre o chão, tem dois pavimentos e está próximo à rua, o outro bloco também com dois pavimentos pousa sobre o primeiro formando um ângulo reto entre eles. O espaço sob o bloco suspenso é garantido pelos pilotis e conforma um pátio. O terceiro bloco supera a altura dos outros volumes e conecta exteriormente os andares do bloco suspenso. O conjunto ocupa aproximadamente ¼ do terreno de 4700 metros. Fica destacado do limite frontal e sugere uma abertura do espaço da rua em uma quadra em que a construção lindeira é quase unânime e convida o olhar para a entrada num espaço amplo e ajardinado.

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fig. 16 - Implantação

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Programa e dimensões

Bloco das salas de aula

Apresenta-se como um prisma de base retangular, suspenso, com dois pavimentos e em cada um deles um corredor na fachada noroeste conduz a seis salas de aula, um laboratório e sanitários masculino e feminino. O térreo é livre de programa, conforma um pátio de recepção dos alunos, já que o acesso às salas se dá por uma escada sob o bloco ou pela torre de escadas que também se abre para o pátio.

Bloco da administração e biblioteca

Este bloco possui dois pavimentos, no térreo há recepção, administração, sala de professores, um auditório com cabine de projeção, sanitários, e uma sala para reuniões, todas conectadas por um corredor lateral que acompanha a fachada voltada para a rua. No primeiro pavimento encontra-se a biblioteca, onde a planta é flexível e seus ambientes são conformados pelos próprios móveis. Na biblioteca há: sala de estudo comum, sala de preservação de livros, sala de microfilmes, depósitos, sala de leitura e acesso aos livros e há, também, uma sala de estar no mezanino, formada pela continuação da rampa que dá acesso ao piso. Auditório O Auditório é reduzido e comporta 120 pessoas. Apresenta-se de maneira aberta no interior do edifício, pois não há portas internas de acesso a ele. Seu ambiente se une à circulação lateral e amplia-se. O fundo do palco, fechado por uma parede curva, as duas portas de vidro na fachada nordeste e seu desnível de um metro em direção ao palco contribuem com o aumento do espaço do auditório, dando a sensação de que ele é maior.

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fig. 17 - Pavimento térreo, administração e pátio

1 Hall de entrada 2 Portaria 3 Expediente 4 Secretaria 5 Diretoria 6 Cabine de projeção 7 Auditório 8 Sala de Reunião 9 Pátio

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fig. 18 - 2o pavimento, biblioteca central

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1 Sala de estar 2 Sala de estudo em grupo 3 Sala de preservação de livros 4 Sala de microfilmes 5 Sala de bibliotecária 6 Sala de leitura e depósito de livros

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fig. 19 - 3o e 4o pavimento, salas de aula

1 Sala de aula 2 Laborat贸rio 3 Terra莽o 1 1 1 1 1 1

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fig. 20 - Pavimento térreo, administração e pátio

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Torreão1 O torreão é o principal acesso aos corredores de salas de aula. Suas dimensões generosas e seus pavimentos intermediários criam ambientes onde o encontro dos estudantes pode acontecer. O acesso ao torreão se dá sob o próprio edifício ao qual ele se conecta, no pátio. Além da função de circulação vertical o torreão abriga um sanitário em cada pavimento, a torre possui as caixas de manutenção elétrica, um depósito e um reservatório de água de 15.000 litros no subsolo e, no topo, outro reservatório de água de 10.000 litros e o acesso ao terraço do torreão e ao telhado do bloco das salas de aula.

1. O termo torreão para designar a torre de escadas é primeiramente utilizado por Odiléa Toscano no memorial em que fez para a obra no livro de Walter Toscano, e se refere às torres de castelos medievais, de aspecto pesado e monolítico.

Partido arquitetônico A Faculdade de Filosofia é representante do pensamento moderno, portanto questiona o ornamento, o irracional e o desnecessário na obra de arquitetura. E como a maior parte das obras modernos brasileiros deste período, gera uma relação de contraste com seu entorno em função de suas linhas expressivas e concisas e formas simples. O termo simples expressa uma condição da arquitetura moderna. Porém, assim como acontece com a palavra desenho, na língua espanhola o uso de duas palavras diferentes evita a ambiguidade que o termo simples contém na língua portuguesa. O termo em espanhol simple quer dizer fácil, simplório, evidente ou com poucos recursos, e sencillo caracteriza algo exato, conciso, essencial, irredutível. É através do sentido de sencillo que o simples da arquitetura moderna de Toscano se expressa. O ser simples pode ser considerado nesta obra de

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fig. 21 - 2o pavimento, biblioteca central

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Toscano, uma pré condição, um precedente, um partido. O que é partido em arquitetura? O conceito de partido na arquitetura é algo de difícil de ser definido com precisão. Para ajudar a entender o que significa, vale mencionar algumas definições de Mário Biselli, arquiteto e professor da FAU Mackenzie: “A afirmação de que o partido é a ideia preliminar do edifício a ser construído, ou uma prefiguração do objeto, que o projetista elege como ponto de partida e fio condutor, não abrange a totalidade dos modos de projetar, portanto não é universal, como também não o é o movimento do todo em direção à parte. (...) O partido arquitetônico é compreendido como a ideia que subjaz ao projeto, aquela identificada como ideia principal ou central, quando o projeto já se apresenta concluído, não importando quando esta ideia surgiu. É a ideia que o projeto é capaz de veicular ou expressar, o conteúdo intelectual de um edifício ou projeto enquanto manifestação, mediada por uma linguagem. (...) De fato, a ideia central de um projeto pode nascer no início do processo ou durante o processo (...) ou pode mesmo anteceder ao processo, como é o caso dos arquitetos teóricos, cujas reflexões oportunamente se aplicarão na prática.” (BISELLI, 2011)

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fig. 22 - 3o e 4o pavimento, salas de aula

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A figura 22 e o texto abaixo exprimem o entendimento do que poderia ser o partido no projeto da Faculdade de Filosofia de Toscano. O projeto se adapta às condições do terreno com a solução em dois blocos. O primeiro assentado sobre o terreno onde as cotas são mais baixas e próximas à rua, recebe a administração e a biblioteca, e o segundo sobreposto a ele, contém as salas de aulas. Apoiados um sobre o outro em ângulo reto, formam um pátio coberto pelo volume suspenso, ali localizam-se os acessos. A torre de escadas tem seu volume independente e faz a ligação entre o pátio e as salas de aula.

fig. 23 - partido

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fig. 24 - corte tranversal ao bloco de salas de aula

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fig. 25 - corte longitudinal ao bloco de salas de aula

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fig. 26 - fachada sudoeste

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fig. 27 - fachada noroeste

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fig. 28 - fachada sudeste

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fig. 29 - fachada nordeste

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fig. 30 - frente do edifício durante a construção


fig. 31 - construção da rampa e biblioteca fig. 32 - construção da laje do bloco das salas de aula fig. 33 - construção do bloco da administração

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fig. 34 - construção da laje do bloco das salas de aula e do torreão

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fig. 35 - “esqueleto” de concreto armado


Estrutura O modo como a estrutura é planejada segue o mesmo princípio que norteia os outros aspectos do edifício, portanto é concisa em sua disposição e forma. A estrutura é a clara expressão do sistema Dom-ino patenteado por Le Corbusier em 1917 que se resume a um sistema de lajes horizontais, em comunicação livre por meio de escadas, onde os pilares recuados permitem que a fachada possa ser desenvolvida livre da estrutura. O esqueleto de concreto armado é composto de lajes nervuradas e vigas embutidas, com a redução do volume de concreto e material inerte para permitir o acabamento com tetos lisos e as fachadas livres para qualquer tipo de fechamento. As lajes são sustentadas por 36 pilares. Quatro deles sustentam ambos os blocos de sala de aula e da administração/biblioteca, no momento em que estes se sobrepõem. Os pilares descarregam seus esforços sobre fundações do tipo sapatas.

fig. 35 - vista do terraço durante a construção

Os 18 pilares do bloco das salas de aula tem seção circular de 0,49 metros de diâmetro e estão alocados numa malha estrutural de 5 x 7,2 metros. Apenas no momento da sobreposição dos blocos, esta malha é quebrada e transforma-se na malha de 5 x 9,6 metros, que é continuada pelo outro bloco. Os outros pilares do bloco da administração/biblioteca ora se manifestam circulares com 0,40 metros de diâmetro (menores que os outros porque suportam menos esforço), e ora embutidos nas paredes, em seção retangular de 0,25 x 0,45 metros. O torreão é o único elemento que foge a esta lógica de construção. Erguese através de paredes estruturais de concreto armado de 0,10 metros de espessura. Tem formato arredondado em função da base de formato ovalado (forma de um trapézio isósceles com semicírculos nos lados paralelos). É o bloco mais alto do conjunto, alcança 14,7 metros.

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fig. 37 - acessos

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fig. 38 - rampas e pisos

fig. 41 - acessos

fig. 39 - escada externa

fig. 42 - eixos de circulação

fig. 40 - corredor


Cobertura, captação de águas e instalações

fig. 43 - torreão

Para o bloco mais alto das salas de aula é projetada uma cobertura de telha leve de inclinação 18%, que é ocultada pela platibanda de 0,80 metros. No bloco mais baixo a laje com inclinação de 2% recebe um tratamento impermeabilizante e sobre ela suspendem-se peças pré-fabricadas de concreto de medida 0,78 x 0,78 x 0,04 metros que protegem a laje das intempéries e permite o acesso a ela. Essas peças de cor vermelha, cinza e branca compõem um desenho abstrato como o que podemos ver no diagrama. O sistema de coleta de águas pluviais nos dois blocos tem os condutores verticais embutidos no pilar. As instalações hidráulicas, elétricas, e até mesmo as luminárias são protegidas, embutidas nas lajes nervuradas e nos pilares. Nenhuma instalação fica aparente.

Acessos e circulação Segundo Fujioka (1996, p.90) “a circulação pode ser definida como um movimento através de uma sequência de espaços em relação ao tempo”. Então, uma boa maneira de descrever a circulação, é descrever um percurso. Na Faculdade de Filosofia, inicia-se pela aproximação do edifício pela Rua Madre Basília, ao avistar-se da calçada o edifício afastado dos limites da rua, separado apenas por uma mureta de 1,1 metro revestida com seixo rolado, mas, que pelo modo livre e aberto como está implantado, visualmente impulsiona, ou no mínimo, convida a entrar e conhecer o edifício. O local de entrada do edifício sinaliza-se como tal de maneira clara. A transparência de seus panos de vidro contrasta com o restante da fachada e anuncia a abertura do edifício para a cidade. Solução compreensível esta, já

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que Toscano, durante a graduação tem aulas com Artigas, defensor da relação aberta entre o edifício e a cidade, que em 1961 no projeto da FAUUSP deixa claro que a escola está permanentemente aberta à cidade. Atualmente, o percurso até o edifício ocorre de maneira diferente, visto que o acesso se dá pela praça Regente Feijó, na rua lateral da quadra. É preciso atravessar as instalações do colégio do Patrocínio para, então, avistar através do jardim o bloco suspenso com sua longa fachada de cobogós e o marcante torreão de concreto em meio de árvores que hoje circundam todo o edifício.

fig. 44 - continuidade dos pisos

Em meio ao gramado e às árvores, o pátio coberto pelas salas de aula se apresenta desimpedido, o fluxo é livre e os acessos bem demarcados (ver diagrama). Há uma escada na extremidade nordeste do edifício que perfura o teto do pátio e leva para o corredor das salas de aula. Há, também, a presença do torreão de concreto, elemento vertical que estabelece uma relação de equivalência com o corpo horizontal do bloco e leva até o terraço de manutenção. Do pátio é possível avistar as rampas que o conectam à administração e à biblioteca. Uma delas acompanha o terreno para baixo e conduz às salas de administração e ao auditório. A outra sobe, perfura as lâminas de vidro e se transforma no mezanino de estar que antecede a biblioteca. Nos blocos, a circulação interna é eficiente e econômica com corredores largos que os cruzam por inteiro acompanhando uma das fachadas.

Fechamentos e Acabamentos Para o jornal Folha de SP (Arquitetura, 1962, p.5), que publica em 1962 um artigo intitulado Arquitetura Valorizada no Interior do Estado, a Faculdade

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de Filosofia “é demonstração das possibilidades de se alcançar um bom acabamento de obra, mesmo sem utilizar materiais caros de revestimento” . De fato, o edifício atinge um alto grau de refinamento em seus acabamentos com maneiras não usuais de colocação e apresentação dos materiais comuns. No piso são colocados ladrilhos hidráulicos com juntas a prumo de diferentes tonalidades conforme seja o ambiente. No piso das salas de aula os tacos de ipê são colocados com junta a prumo. O Granilite é usado para revestir as escadas e o piso do torreão. Os sanitários são revestidos com azulejos também assentados com juntas a prumo. No revestimento das lajes e empenas empregase revestimento de pastilhas. O cimento prensado é usado como revestimento dos pilares e concreto aparente sem revestimento no torreão.

fig. 45 - panos de vidro, face sudeste

Os muros que fecham o perímetro do terreno são revestidos com seixos rolados trazidos do Rio Tietê de tonalidades de marrom características que contrapõem as amplas regiões gramadas e alguns grupos isolados de vegetação.

Informações técnicas Proprietário na época da construção: Sociedade de Instrução Popular e Benevolência, Congregação das Irmãs de São José.

Proprietário atual: Sociedade de Educação Nossa Senhora do Patrocínio

Tempo de construção: aprox. 2 anos

Projeto: 1959

Inauguração: 25/02/1962

Custo: aprox. 45 milhões de cruzeiros, quantia que equivaleria hoje à aproximadamente 3,7 milhões de reais. 2

Área construída: aproximadamente 4000 m²

fig. 46 - vista da rua

2. Estimativa do valor em reais calculada a partir da comparação entre salários mínimos.

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fig. 47 - vista da quadra em voo de pรกssaro


No livro Partidos em Arquitetura, Roger Clark e Michael Pause(2012) fazem a análise formal de muitos edifícios, de clássicos e até contemporâneos, e em certo momento, justapõe estes edifícios a fim de compará-los. Mas talvez a ação de comparar dois edifícios que se encontram em épocas e contextos muito diferentes não pareça ser uma técnica muito produtiva, porque os edifícios podem não ter nenhuma relação entre si, entre o terreno, implantação, material, contexto histórico, etc.

UMA LEITURA CRÍTICA DOS ESPAÇOS

Existem, porém, relações possíveis se consideradas a concepção formal e espacial dos edifícios. As formas e os desenhos de arquitetura revelam alguns de seus desígnios sejam eles referentes ao contexto em que está inserido ou não. Para Fujioka(1996, p.98), “qualquer análise da forma arquitetônica é necessariamente também uma estudo descritivo do desenho e do percurso do espaço, principalmente como estudo voltado para o exercício prático de projeto” . Através do desenho e da observação das formas e espaços constrói-se uma análise crítica das ideias principais do partido, dos princípios ordenadores, ou seja, uma leitura interpretativa da geometria ‘compositiva’ que organiza os espaços seja através de eixos, módulos, grelhas, temas específicos, ritmos, combinações e articulações de forma, proporções, etc.

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fig. 48 - perspectiva de frente

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fig. 49 - perspectiva da lateral


Relação de contexto e paisagem Apesar de Toscano ser um arquiteto recém formado e reproduzir a arquitetura que aprende dos mestres, dos livros e das revistas, sua preocupação ultrapassa questões imediatas de função e resolução do programa pelo modo como sua arquitetura se relaciona de forma dinâmica com o entorno. A altura do volume da Faculdade excede o gabarito médio das construções existentes no entorno, no entanto, por ter se distanciado dos limites da lateral e da frente do terreno, a percepção do seu volume não demonstra contraste com o entorno, pois sua perspectiva vista da rua o anuncia com importância equivalente, do ponto de vista da escala, aos edifícios vizinhos. O volume mais baixo assentado diretamente sobre o solo segue com seus 50m de extensão até um dos limites laterais do terreno, e com apenas dois pavimentos, ou 6,5m de altura, permite uma continuidade com o gabarito das casas próximas que tampouco ultrapassam os dois pavimentos. Por estar no miolo de uma quadra de tamanho incomum, a Faculdade dificilmente é vista desde as ruas do entorno. Outro fator que dificulta a visualização do edifício é a ocupação de todo o perímetro da quadra com construções no alinhamento do lote, além das ruas estreitas desta região da cidade, que são heranças do planejamento colonial. O contrário, porém, é possível graças à abertura de seus espaços do edifício. Do pátio, por exemplo, ou através dos panos de vidro, é possível enxergar as torres da Igreja e do Colégio do Patrocínio e os volumes dos casarões ao redor. fig. 50 - torres da igreja e do colégio do Patrocínio vistas do pátio

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fig. 51 - influência do formato do terreno no desenho do edifício

fig. 52 - quadriláteros deslocados presentes no terreno, planta e elevação


Relação de contexto e implantação A distribuição do programa em blocos permite um simultâneo compromisso com a arquitetura moderna e com o entorno histórico. Ao haver uma implantação dinâmica de relação entre blocos e ao ocupar pequena área do terreno, o edifício gera espacialidades e visuais novas naquela situação, lugar. Em um terreno tão grande, um programa reduzido como o exigido pode se dar de inúmeras maneiras. A maneira que Toscano escolhe para dispor o programa, separado em blocos, quer respeitar o contexto urbano, o terreno e suas aspirações modernas desde os primeiros estudos do projeto. Cria uma relação volumétrica de blocos formalmente “independentes” mas que ao estarem conectados, geram espaços de circulação e de estar, convívio e fruição. O conjunto se apresenta numa posição que não está exatamente orientada a nenhum ponto cardeal da bússola, porém, alinha-se com os volumes vizinhos e reforça a ortogonalidade existente no entorno. A porção da rua frontal ao terreno faz uma curva e cria em frente ao edifício, um jardim de formato irregular que não prejudica a percepção do conjunto em sua paisagem. A frente do terreno é extensa e exibe a fachada do bloco mais baixo de maneira completa. O outro bloco é apenas anunciado através da empena cega revestida de pastilha que avança sobre o volume do primeiro bloco e contrapõe o seu “peso” com o espaço envidraçado abaixo de si. Através dos diagramas que seguem é possível visualizar relações entre a geometria do terreno e os eixos principais do edifício e a relação entre o espaço construído e o espaço livre no terreno. Giulio Carlo Argan historiador italiano, em seu livro livro sobre o edifício

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fig. 53 - semelhanças na modulação da estrutura do edifício dos departamentos, campus de Araraquara, 1968, e da Faculdade de Filosofia de Assis, 1961, projetos de Toscano.

fig. 54 - presença da torre de serviços nos projetos do Copan(1951), e nos desenhos iniciais para o edifício residencial em Berlim(1955) de Niemeyer, ambas muitos semelhantes à forma do torreão da Faculade de Filosofia de Itu


da escola alemã Bauhaus(1926) projetada por Walter Gropius, fala sobre a inusitada implantação desenhada para esta escola, que apesar de separar o programa em vários blocos, os dispõe de maneira a não destacar um mais do que o outro, mas gerar, através da interação entre eles, espaços livres e perspectivas de urbanidade moderna. “A postura antimonumental, numa arquitetura que é ao mesmo tempo fábrica e escola e que pretende dar forma ao ideal do trabalho como educação, coincide com a postura urbanística; não creio que exista uma formulação mais precisa da gênese histórica do urbanismo moderno como antimonumentalidade de princípio”(Argan, 1951, p.111) A necessidade de o edifício conformar uma morfologia urbana e também consolidar-se como objeto independente é também uma questão levantada por Toscano nesta obra que está presente desde o momento em que os edifícios foram pensados destacados dos limites do lote, no início da formação do pensamento moderno.

A influência no partido Como o próprio Toscano afirma em entrevistas, e em sua tese de doutorado (1989) , seus projetos do início da carreira têm grande influência dos mestres da arquitetura moderna. O projeto da Faculdade de Filosofia pode ser relacionado com várias outras obras seja por aproximações nas soluções formais adotadas, seja por aproximações de conceito. O primeiro a ser mencionado deve ser Le Corbusier, que não só inspira a Toscano, mas a todo um modo de pensar arquitetura que se universaliza no

3. - planta livre: colocação livre das paredes, permitida pela estrutura independente; - fachada livre: livre colocação de vedações também proporcionada pela estrutura independente; - pilotis: pilares que elevam o prédio do chão e permitem a ciculação abaixo dele; - terraço jardim: recupera o solo ocupado pelo edifício, transferindo-o para o topo na forma de um jardim; - janela em fita: possibilitada pela fachada livre, permite uma relação desimpedida com a paisagem.

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fig. 55 - rampa de acesso Ă biblioteca da Faculdade de Filosofia de Itu

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fig. 56 - rampa de acesso Ă escola do Conjunto Habitacional Pedregulho (1950)


século XX. Na Faculdade de Filosofia estão presente os 5 pontos3 da nova arquitetura, postulados elaborados por Le Corbusier e representantes da Carta de Atenas(1933) . A estrutura independente, a lâmina, os pilotis, a fachada livre os mezaninos internos são todas soluções adotadas por Le Corbusier que são resgatadas na Faculdade de Filosofia. A torre de serviço e circulação destacada do edifício como volume independente dá importância ao espaço servente e não prejudica a modulação interna dos edifícios, é usada em projetos de diversos arquitetos modernos, e tem uma presença significativa na obra de Oscar Niemeyer. São exemplos de obras de Niemeyer que apresentam esse elemento: o Conjunto JK (Belo Horizonte, 1952), Edifício de apartamentos em Hansaviertel (Berlim, 1955), e o Edifício Copan (São Paulo, 1951). As soluções fluidas de circulação e tratamento dos desníveis são características marcantes nas obras de Artigas e Reidy. Nas figuras 55 e 56 ao lado, sugeridas por Toscano (1989, p. 72), percebe-se como a forma de encontro entre blocos na Faculdade de Filosofia é equivalente com a solução usada na escola do Pedregulho (Rio de Janeiro, 1950) projeto de Reidy.

fig. 57 - articulação de blocos na Bauhaus (1923) fig. 58 - encontro similar de volumes na Bauhaus (1923)

Artigas em algumas de suas obras coloca muros de pedras ao lado do concreto armado. Na Residência Mário Bittencourt (São Paulo, 1959), por exemplo, faz uma ponte entre a técnica arcaica e moderna. Toscano experimenta também o uso de pedras na Faculdade. Neste caso provindas do Tietê, as pedras trazem a memória do importante rio para a cidade. Em termos de organização do programa, como já mencionado, há grandes semelhanças entre a Faculdade de Filosofia de Itu e a forma como Gropius

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fig. 59 - usos na Faculdade de Filosofia de Itu

Salas de aula Sala de reunião Sanitários Circulação vertical Biblioteca Adminstração Circulação horizontal Auditório

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separa o programa da Bauhaus em blocos bem definidos e os organiza com muita liberdade compositiva, para criar espaços abertos entre eles e proporcionar relações visuais muito oportunas para uma escola que preza pelo contato entre os alunos.

Relações de uso, acessos e circulação, progressões e percursos Na dinâmica de um edifício moderno não há frente ou fachada principal, e também não há uma entrada principal, simétrica que configure uma aproximação do edifício como nos moldes clássicos. A entrada da Faculdade de Filosofia, como na Bauhaus de Gropius, encontra-se em local estratégico, mas sem expor-se de maneira monumental ou centralizada. Clark e Pause (2012, p.310) ressaltam em seu livro como a entrada de um edifício conformada pela conexão entre núcleos diferentes é uma solução arquitetônica utilizada por muitos arquitetos.

fig. 60 - Amplitude de visão facilita a orientação pelo espaço fig. 61 - Bauhaus Stairway, 1932, de Oskar Schlemmer

As escadas, o torreão e as rampas são claramente anunciados na paisagem, e pela maneira como estão colocados, ajudam a configurar o pátio coberto e permitem a fluidez do caminhar. Os eixos de circulação dentro e fora do edifício conduzem de maneira intuitiva e fluida, tanto pelo formato de lâmina (longilíneo) do edifício quanto pela amplitude visual nos espaços permitida pela estrutura independente. Os espaços de circulação são generosos em suas dimensões e adquirem um caráter de lugar de encontro e de conversas assim como nos corredores e escadas da Bauhaus de Dessau. Esta qualidade presente nos espaços de circulação da escola alemã, é representada pelo pintor Oskar Schlemmer no quadro Bauhaus Stairway de 1932 (figura 61).

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fig. 62 - ações compositivas de adição e subtração

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fig. 63 - composição dos volumes no Miniestério de Educação e saúde do Rio de Janeiro (1935), e na Bauhaus de Dessau (1923)


Apesar de um bloco está sobreposto a outro e criar uma espacialidade contínua, eles não estão conectados, isto é, não têm comunicação entre si, a não ser pelo nível térreo. Esta característica obriga toda circulação a passar pelo pátio. Do mesmo modo, em 1949, o casal de arquitetos ingleses Alison e Peter Smithson , na escola Smithdon High School em Hunstanton, projeta um pátio para onde desembocam as circulações, e geram dessa maneira maiores possibilidades de encontro entre as pessoas nesse espaço.

Relações de unidade e conjunto. Hierarquia, simetria e equilíbrio, e geometria A relação entre partes e o todo no edifício da Faculdade de Filosofia de Itu é propciada pelo princípio ordenador baseado nas ações de adição, subtração e sobreposição das unidades5 distintas. Em alguns edifícios, a articulação das unidades reconhecíveis pode originar, através das mesmas ações de adição e subtração, um conjunto no qual a totalidade é mais evidente que as unidades. No caso da Faculdade de Filosofia, as formas iniciais mantêm-se reconhecíveis dentro da articulação e evidencia o caráter distinto também do usos de cada unidade. Como já indicado, o edifício apresenta-se na forma de três prismas, dois de base retangular (bloco de salas e bloco administrativo/biblioteca) e um de base ovalada (torreão). O volume do torreão possui uma relação de adição com o volume do bloco de salas, e este tem uma relação de sobreposição6

5. Clark e Pause (2012) definem unidade como um componente prevalescente reconhecível num edifício que geralmente tem a escala um nível abaixo da totalidade ou conjunto do edifício. Explicam ainda que as unidades podem existir em diversas escalas dentro de um edifício. Um tijolo pode ser uma unidade na escala de uma parede, por exemplo, mas é menos produtivo pensar num tijolo como uma unidade na escala do edifício. Normalmente unidades são volumes, ambientes, elementos estruturais ou composições entre estes. 6. Na realidade, a sobreposição é um tipo de ação de adição. Aqui opta-se pelo termo sobreposição para facilitar a visualização da ação.

com o outro bloco. Esta sobreposição gera, em termos de volumetria, uma subtração de massa no momento em que os blocos se tocam e geram um vazio sob o bloco suspenso.

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retângulo 1,4

retângulo 1,6 bloco das salas de aula

45o

30o bloco da administração torreão

face sudoeste

face sudeste

torreão

fig. 64 - investigação da geometria e proporções


A articulação das unidades do projeto frequentemente estabelece relações hierárquicas entre elas. Para Fujioka (1996) “hierarquia de espaços ou volumes no edifício é a expressão física da ordenação por categorias de uma ou mais características, relacionados com as dualidades de espaços maiores/menores, abertos/fechados, simples/complexos, os domínios do público/privado e sagrado/profano, os espaços servidos/serventes”, portanto pode se referir à inúmeros aspectos. Nesta pesquisa é privilegiada a noção de hierarquia visual do volumes com o fim de entender quais espaços adquirem maior valor no conjunto. Além da posição em que está situado, cada volume possui uma característica material que confere a ele um peso específico, porém, não necessariamente a relação entre as unidades remete a uma hierarquia de volumes bem definida. Diferentemente de como acontece no edifício do Ministério de Educação e Saúde projetado por Lucio Costa e equipe em 1945, onde o volume da torre certamente adquire maior importância no conjunto por sua escala, por exemplo, na Faculdade de Filosofia de Itu, esta importância pode depender muito do local de onde se observa. A hierarquia dos volumes se assemelha mais ao modo como Gropius apresenta a Bauhaus. Ali, cada bloco tem aspecto e escala singular e se articula uns com os outros, porém nenhum bloco possui relevância somente em si, mas adquire sentido no conjunto.

fig. 65 - investigação da geometria do edifício Italia no trabalho de Fujioka (1996)

Na Faculdade de Filosofia, o bloco das salas de aula pode se destacar no conjunto, seja porque ele está elevado, pela austeridade das fachadas ou porque revela as salas de aula e os laboratórios (espaços significativos para uma faculdade) através dos panos de vidro na fachada nordeste. Porém, de alguns pontos de vista essa importância talvez não seja notada. Na perspectiva de quem está sob o bloco, por exemplo, toda a atenção se volta para a área

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fig. 66 - eixos de simetria nos blocos

fig. 67 - empena Ă nordeste evidencia a simetria do bloco


externa ou para os pontos de acesso ao prédio. O bloco da administração contribui com o equilíbrio da composição, apesar de sua altura baixa e implantação sutil na cota mais baixa do terreno. Para a rua, este bloco mostra-se austero e revela o seu interior através dos brises apenas conforme a necessidade de iluminação. A porção onde está localizada a recepção diferencia-se do restante do bloco. Os panos de vidro, as portas de entrada e o mezanino atribuem a esta parte do bloco um caráter leve e de abertura. A torre de escadas exibe o concreto em estado bruto e pequenas aberturas. Expressa seu peso como o torreão de um castelo, apesar disso não se impõe diante do conjunto devido a sua escala. Como prisma, o volume caracteriza uma exceção à rigidez dos ângulos retos presente no restante do edifício em função do formato oval de sua base. Fujioka (1996) diz que a simetria e o equilíbrio são estados de estabilidade entre os componentes de uma força construída. O equilíbrio no projeto arquitetônico depende da regulação dos eixos de simetria e da articulação de componentes formais e espaciais. Na Faculdade de Filosofia é possível dizer que este equilíbrio está presente em seus eixos claros de simetria, e se expressa em volumes de fácil apreensão geométrica e espaços fluidos que conduzem o olhar e o caminhar. O estudo das relações de geometria, pela leitura dos perfis dos blocos pode levantar algumas especulações interessantes. Os diagramas de estudo permitiram detectar, ao menos ao nível dos desenhos de estudo preliminar, relações de proporcionalidade e simetria nas plantas e elevações e um movimento de rotação de um bloco em relação ao outro em ângulo reto. Os resultados são apresentados nos diagramas indicados.

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fig. 68 - malha estrutural no projeto da Faculdade de Filosofia de Itu

9,6

7,2 7,2 7,2 7,2 7,2 7,2 7,2 9,6

5

5

5

5

5

5

5

5

5

5


Estrutura, iluminação e ventilação natural, relação interior/ exterior A malha de pilares segue a modulação de 5 x 7,2 metros no bloco das salas de aula e no momento em que os blocos se encontram ela é alterada para 5 x 9,6 metros. A alteração na malha estrutural, não é algo exclusivo da Faculdade de Filosofia. No projeto do Ministério de Educação e Saúde do Rio de Janeiro, por exemplo, a descontinuação da malha também coincide com a sobreposição de blocos distintos. Os arquitetos nestes casos permitem a quebra da rigidez da malha como forma de adequar às necessidades espaciais dos blocos que se sobrepõe à malha. Em ambos os blocos os pilares estão recuados das faces das lajes. Isto permite que a estrutura da vedação corra livre pela fachada. No bloco das salas de aula este recuo é maior e forma um balanço de 2,3 metros. O uso do balanço é também expressão da modernidade tendo em vista o grande desenvolvimento da técnica nas arquiteturas modernas. Ao desafiar a gravidade, o balanço coloca em evidência a estrutura que cada vez mais é capaz de sustentar mais peso com menores dimensões. No conjunto de volumes da Faculdade, o balanço funciona como um meio para distinguir os blocos principalmente no momento em que eles se sobrepõem e deixam claro que são de fato unidades independentes.

fig. 69 - descontinuidade da malha estrutural está presente no projeto do Ministério de Educação e Saúde do Rio de Janeiro (1935)

O balanço e o teto liso sem a necessidade de forro são características que enfatizam a concisão formal e fluidez do edifício, são conquistas do uso da laje nervurada que, além disso, alcança grandes vãos (5m em um bloco e 9,6m no outro) e dispensa o uso de vigas. Em relação à estrutura, o torreão também representa uma exceção ao conjunto, e contrapõe o ambiente contido que sua estrutura proporciona com a abertura

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fig. 70 - ventilação cruzada nos blocos

fig. 71 - insolação e aberturas


dos outros ambientes. Esta característica enriquece a relação de gradação e hierarquia do percurso pátio-sala de aula, porque enfatiza o caráter aberto das salas de aula, ao conduzir o trajeto, antes de chegar até elas, por um espaço de caráter fechado. É necessário enfatizar que exceto no torreão, nenhuma vedação, nem mesmo as que formam as empenas cegas das extremidades é estrutural, portanto não recebem outra carga que a própria. Esta vantagem que a estrutura permite é amplamente explorada nesse edifício pelo uso intenso de aberturas permanentes ou não, que tornam o clima dentro do edifício mais ameno numa cidade onde a temperatura do ambiente é quente na maior parte do ano. As soluções de iluminação e ventilação para o edifício seguem a concepção simples e modular do conjunto do edifício. O bloco das salas de aula apresenta em um dos lados um fechamento homogêneo de cobogós quadrados (0,4 x 0,4 m) de concreto que o protegem da maior incidência de sol vinda da direção norte-nordeste e com pequenas aberturas permanentes ventila e ilumina o corredor de acesso às salas. Do outro lado, na fachada sudeste onde o sol ilumina diretamente apenas no início da manhã, são usados grandes panos de vidro que vão do piso ao teto. As esquadrias metálicas dividem o plano verticalmente em cinco partes, sendo as extremas e a central móveis, e as outras duas fixas. Horizontalmente, as esquadrias se dividem segundo a modulação de 1,20m por toda a extensão do prédio, exceto na porção dos sanitários onde a modulação se altera para 1,44m para se adequar a separação interna dos ambientes sem que estes sejam visíveis na fachada. As esquadrias geram na fachada um ritmo onde essa alteração de modulação e as divisões entre salas de aula passam despercebidas. A face apresenta-se

fig. 72 - os panos de vidro não recebem insolação no periodo da tarde

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fig. 73 - modulação dos panos de vidro contínuos conformam uma fachada homogênea

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então como um plano contínuo e ritmado, onde as lajes são demarcadas, mas por estarem atrás das malha negra formada pelas esquadrias não adquirem maior destaque. No bloco da administração/biblioteca são usadas duas camadas de proteção nas fachadas: os panos de vidro e os brise soleil. O pano de vidro é subdividido pela esquadria metálica e acompanha a modulação dos pilares. A cada intervalo de 5 metros, quatro módulos de 1,25 metros formam janelas deslizantes na altura dos olhos, basculantes junto ao teto e folhas fixas junto ao piso. Uma projeção das lajes de espessura menor garante a fixação dos brises verticais de largura 0,3 m que preenchem ambas as faces sudoeste e nordeste do bloco. Na face sudoeste onde a luz do sol bate diretamente durante a tarde (período da máxima temperatura do dia), o brise é contínuo e gera na fachada uma textura homogênea que é quebrada apenas quando o movimento de rotação do brise é acionado. Na outra face, a nordeste onde a incidência de sol é apenas de manhã, são deixadas algumas áreas sem o brise, que ora funcionam como portas, ora como janelas. No torreão, sua técnica construtiva permite a colocação de uma sequência de pequenas janelas basculantes em cada pavimento para solucionar o problema da ventilação e iluminação. Na fachada noroeste as janelas, de vidros coloridos, são de 0,36 x 0,36 m e do lado em que o torreão está voltado para o bloco, onde a iluminação é menor, as aberturas são aumentadas para 0,60 x 0,60 m. Juntamente com a técnica construtiva que possibilita os grandes vãos e grandes janelas, a interação entre o interno e o externo é objeto de pauta do Movimento Moderno. A tensão entre o dentro e o fora, o público e o privado, o que deve ser visto e o que não, é amplamente explorada nas obras deste período.

fig. 74 - brises verticais metálicos


fig. 75 - articulação dos volumes


Sobre as faces transparentes da Bauhaus de Dessau, Argan escreve: “[os panos de vidros servem] não tanto para captar mais luz quanto para satisfazer a necessidade instintiva, experimentada por quem executa trabalho manual, de volta e meia erguer o olhar para refazer-se a perspectiva destruída pela obstinada concentração sobre a matéria”. Na Faculdade de Filosofia, Toscano também faz uso dos panos de vidro, e o faz de maneira sensível, não expondo demais aqueles que utilizam o espaço. Por isso usa nas salas de aula, na administração, auditório e biblioteca, o vidro fosco quando abaixo da cintura, e o próprio brise, da maneira como foi desenhado permite maior privacidade no ambiente.

Relações de perspectiva, partido e articulação de volumes Resumidamente, pode-se dizer que a unidade formal em um edifício, é conseguida pela articulação de volumes agregados segundo eixos de simetria ordenada por uma hierarquia de programa e espaços. Na Faculdade as formas puras facilitam a compreensão (ainda que seriada) destes volumes e exibem com clareza o que se propõem a ser e os espaços que se propõem a conformar. O modo como os blocos estão articulados gera outra característica interessante pelo fato de eles serem longilíneos. Cada um dos três prismas está disposto em uma direção diferente e coincidem com os três eixos do plano cartesiano x, y e z. Desta maneira acentuam a dimensão dinâmica do edifício que a concepção moderna coloca em questão desde a construção da Bauhaus em 1926. Argan em 1951 escreve sobre este caráter presente na Bauhaus: “Deve-se notar que o esquema em L se reproduz também na escala dos valores em altura; assim, a circularidade de vista se torna esférica, total. (Por

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isso Gropius insiste na necessidade de que os edifícios possam ser apreciados como completa forma arquitetônica também na visão do alto, uma vez que a visão aérea passou a ser constitutiva da sensibilidade do homem moderno. Essa é também uma das justificações da estética dos traçados ou dos planos e, consequentemente, do caráter especificamente artístico do urbanismo.)”

Apesar da composição volumétrica e as texturas da Faculdade de Filosofia serem facilmente reconhecidas, não é possível ter noção da totalidade do edifício a partir de um único ponto de vista, a não ser que este seja do alto. A simples articulação conquistada pelos volumes no edifício é, portanto dinâmica porque exige um percurso através dele para descobrir suas dimensões, espaços e formas. É interessante perceber o que Argan sugere acima: que o fato de o edifício exigir uma perspectiva vista de um avião, helicóptero, ou vista do alto de um edifício, isto é, necessitar de adventos da modernidade para ser entendido em sua integralidade, verdadeiramente o caracteriza como moderno.

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fig. 76 - vista em voo de pรกssaro


fig. 77 - resultado da articulação dos volumes: a entrada


COMENTÁRIOS FINAIS O extenso processo de coleta de informações e material gráfico sobre a obra e a intensa investigação por meio do desenho sobre suas formas são imprescindíveis para a conquista de um entendimento do método que desencadeia o projeto acabado. O fato de o projeto da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Itu ser conciso, simples, ou, utilizando o termo em espanhol, sencillo, em seu princípio ordenador facilita o entendimento dos outros aspectos do edifício. O projeto apresenta uma clareza espacial e de sentido que são dignos de um arquiteto que teve formação admirável e pôde experimentar em uma de suas primeiras obras, muitos elementos compositivos de sucesso da arquitetura moderna, e que continuam ao longo da produção de Toscano a serem exploradas e concretizadas.

Agradecimentos Pelo apoio de Luis Espallargas, Paulo Yassuhide Fujioka, Odiléa Setti Toscano (in memorian), Eliana de Azevedo Marques, Tatiana Kuchar, Maria Cristina Tasca, Rogério Bueno Sousa, Newton Bruni, Carmem Toscano, Tucano, Ana Paula Quinteiro, Edson Marongoni, Manoel Salvador Oliveira, Jéssica Seabra, Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Prefeitura de Itu, Jornal ‘A federação’, e a todos os amigos e familiares que contribuíram de forma preciosa para este trabalho.

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ÍNDICE DE IMAGENS

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Fig. 1: Acervo da Biblioteca da FAUUSP.

Fig. 20: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 2: Acervo da Biblioteca da FAUUSP.

Fig. 21: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 3: Acervo da Biblioteca da FAUUSP .

Fig. 22: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 4: CLARK, 2012, p. 107.

Fig. 23: Desenho do autor.

Fig. 5: Acervo de Manoel Salvador Oliveira.

Fig. 24: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 6: ARTIGAS, 2002, p. 47.

Fig. 25: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 7: ARTIGAS, 2002, p. 65.

Fig. 26: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 8: ARTIGAS, 2002, p. 77.

Fig. 27: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 9: ARTIGAS, 2002, p. 93.

Fig. 28: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 10: ARTIGAS, 2002, p. 157.

Fig. 29: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 11: Acervo da Prefeitura de Itu.

Fig. 30: Acervo de Edson Marangoni.

Fig. 12: Desenho do autor.

Fig. 31: Acervo de Newton Bruni.

Fig. 13: Acervo da Biblioteca da FAUUSP.

Fig. 32: Acervo de Newton Bruni.

Fig. 14: Acervo da Prefeitura de Itu.

Fig. 33: Acervo de Newton Bruni.

Fig. 15: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 34: Acervo de Newton Bruni.

Fig. 16: Desenho do autor.

Fig. 35: Acervo de Newton Bruni.

Fig. 17: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 36: Desenho do autor.

Fig. 18: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 37: Acervo da Biblioteca da FAUUSP

Fig. 19: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 38: Fotografia do autor.


Fig. 39: TOSCANO, 1962, p. 235.

Fig. 59: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 40: Acervo da Biblioteca da FAUUSP

Fig. 60: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 41: Desenho do autor. Fig. 42: Desenho do autor.

Fig. 61: Disponível em: http://www.moma.org/collection/ works/80049 - Acesso em 25/07/2015

Fig. 43: Acervo da Biblioteca da FAUUSP

Fig. 62: Desenho do autor.

Fig. 44: Fotografia do autor.

Fig. 63: Desenho do autor.

Fig. 45: TOSCANO, 1962, p. 237.

Fig. 64: Desenho do autor.

Fig. 46: TOSCANO, 1962, p. 234.

Fig. 65: Desenho do autor.

Fig. 47: Acervo do CEUNSP.

Fig. 66: Desenho do autor.

Fig. 48: Desenho do autor.

Fig. 67: Fotografia do autor.

Fig. 49: Desenho do autor.

Fig. 68: Desenho do autor.

Fig. 50: Fotografia do autor.

Fig. 69: Desenho do autor.

Fig. 51: Desenho do autor.

Fig. 70: Desenho do autor.

Fig. 52: Desenho do autor.

Fig. 71: Desenho do autor.

Fig. 53: Desenho do autor.

Fig. 72: Fotografia do autor.

Fig. 54: Desenho do autor.

Fig. 73: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 55: TOSCANO, 1989, p.43.

Fig. 74: Fotografia do autor.

Fig. 56: Acervo de Luis Espallargas Gimenez

Fig. 75: Desenho eletrônico do autor.

Fig. 57: Fotografia do autor.

Fig. 76: Acervo do CEUNSP

Fig. 58: Disponível em: http://www.archdaily. com/87728/ad-classics-dessau-bauhaus-waltergropius/ - Acesso em 25/07/2015

Fig. 77: Fotografia do autor. Fig. 78: Fotografia do autor.

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João usou, como textura de um muro de separação, sem função estrutural, grandes seixos rolados do rio Tietê (10 cm), que, pelo inusitado da seleção, adquiriu uma graça notada por todos os arquitetos que a visitaram, notadamente Fernando Távora, o arquiteto do Porto e seu amigo de longa data. Registro esse fato porque me parece uma característica do artista: explorar a circunstância em sua espontânea carga poética. (KATINSKY, 2011, p.290) fig. 78 - detalhe do muro de seixos rolados





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