CARL TRUEMAN
MINISTÉRIOS PARAECLESIÁSTICOS
como perder o rumo
COMO MINISTÉRIOS PARAECLESIÁSTICOS PERDEM O RUMO — Por Carl Trueman Carl Trueman é professor de teologia histórica e história da igreja no Westminster Theological Seminary em Filadélfia. Ele é o autor, mais recentemente, do livro Histories and Fallacies: Problems Faced in the Writing of History (Crossway, 2010). © OS PURITANOS 2014 Editor: Manoel Canuto Tradutor: Gustavo Vilela Designer: Heraldo Almeida.
PERDENDO O RUMO
De boas intenções o inferno está cheio, assim diz o ditado. E no mundo evangélico, alguém poderia acrescentar que também está cheio de organizações paraeclesiásticas, que começaram bem e então, em algum ponto, perderam o rumo desastrosamente. Por que isso acontece? Por que ministérios paraeclesiásticos perdem o rumo? O primeiro ponto a ser considerado, claro, é que esses ministérios não são os únicos que experimentam declínio teológico. A história da igreja está cheia de exemplos de igrejas que foram um dia vibrantes e fiéis e se tornaram defuntas ou praticamente desprovidas de qualquer coisa considerada bíblica ou cristã. Apostasia e desvio existem por causa da natureza humana caída, e não existe estrutura ou instituição imune a isso. O segundo ponto é que, embora organizações paraeclesiásticas não estejam prescritas na Escritura, elas não são necessariamente antibíblicas no sentido de estarem essencialmente erradas. Eu trabalho para uma organização paraeclesiástica, um seminá-
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rio presbiteriano que não é ligado a nenhuma denominação e não está subordinado a nenhuma forma de disciplina eclesiástica, e eu não me considero pecando ao trabalhar lá. Também escrevo para publicadores paraeclesiásticos e (muito ocasionalmente) falo em eventos paraeclesiásticos. Não me considero rebelando contra a Palavra de Deus quando eu faço essas coisas. Tendo, entretanto, começado com essas duas qualificações, acredito que organizações paraeclesiásticas geralmente sofrem de duas falhas específicas que as tornam inerentemente instáveis: (a) são movimentos de coalizão, e que (b) normalmente não possuem estruturas adequadas de prestação de contas.
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MOVIMENTOS DE COALIZÃO
Organizações Paraeclesiásticas são movimentos de coalizão. Movimentos de coalizão quase que por definição colocam de lado os problemas que dividem seus membros para achar um denominador comum que os una. Assim, no meio evangélico muitas vezes se encontram grupos paraeclesiásticos que acreditam na Trindade, na encarnação de Jesus, na autoridade da Escritura, na justificação pela fé, e na necessidade do nascer de novo. Outros assuntos — os sacramentos, a natureza de governo da igreja, e mesmo, em alguns casos, assuntos como a predestinação e a perseverança dos santos — são deixados de lado como não pertinentes à tarefa central da organização. O deixar de lado em si mesmo não é o problema, desde que se tenha em mente uma questão importante: as organizações paraeclesiásticas não são a igreja. Elas não fazem o que a igreja faz, e não deveriam suplantar a igreja nas mentes e vidas dos envolvidos em seu trabalho. Em outras palavras, uma circunscrição consciente e rigorosa das organizações paraeclesiásticas é importante. Essas organizações existem pura e somente para servir a igreja de um
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modo comparativamente insignificante e subordinado. Esse talvez não seja um perigo tão grande no que se diz respeito a editoras e seminários, mas é um perigo sempre presente no que diz respeito a grupos que oferecem serviços que se pareçam com funções que a igreja teria, como a pregação e similares. Portanto, acho muito preocupante quando líderes da igreja passam a ser mais conhecidos como líderes de um grupo paraeclesiástico específico do que líderes em suas igrejas. Isto serve para criar uma imagem confusa na cabeça do público cristão, que faz com que o limite entre igreja e organização paraeclesiástica seja corroído, ou, ainda pior, que as organizações paraeclesiásticas sejam consideradas como o lugar onde a verdadeira ação e o entusiasmo acontecem. Isso, por sua vez, relega à igreja uma tarefa aparentemente menos importante, e deixa para um segundo ou terceiro nível de importância a elaboração doutrinária e os padrões distintivos que igrejas individuais e até denominações apoiam e representam. O público cristão passa a considerar padrões distintivos eclesiásticos como obstáculos para o trabalho real do evangelho — trabalho real que, por interferência, é feito melhor pelas organizações paraeclesiásticas do que pela igreja. Tão preocupante quanto, entretanto, é a matriz doutrinária instável que existe quando a herança sólida da igreja — doutrinária e eclesiástica — é tirada de cena. Retomando o primeiro ponto, quando certas doutrinas são deixadas de lado, problemas nunca estão longe. O batismo é um exemplo: o fato de que cristãos honestamente discordam nessa questão não deveria nos afastar da companhia dos irmãos —6—
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e engajar-nos em guerras partidárias; nem deveria nos levar a acreditar que a questão é de menor importância. Qualquer um que pense que batismo é indiferente simplesmente não está levando o ensinamento bíblico a sério. Mais que isso, quando algo como batismo é tratado desse modo, logo todas as doutrinas que são conectadas a isso são deslocadas e de alguma forma enfraquecidas. Claro, o problema é só exacerbado se a questão for eleição ou expiação que são postos de lado. Então, uma razão por que ministérios paraeclesiásticos perdem o rumo é a cultura que tais grupos criam, pela qual um corpo de algo que não é uma igreja decide efetivamente quais partes de confissões históricas são realmente importantes e quais não são tão importantes e podem ser deixadas de lado. Como eu disse acima, tal definição para um lado ou outro pode não ser importante dependendo da missão da organização, como por exemplo, uma organização focalizada na produção de material antiabortivo. Mas quando a organização foca na pregação e ensino de forma mais ampla, existe uma fraqueza óbvia e inerente. Esta é uma das razões pelas quais minha própria instituição, sendo paraeclesiástica, requer que todos os professores subscrevam um documento eclesiástico (os padrões de Westminster), e sejam oficiais em uma igreja presbiteriana confessional ou outra denominação reformada. Nem o conselho curador, nem a administração ou os professores decidiu analisar que partes da nossa confissão eclesiástica são importantes; nós subscrevemos a toda ela. Não é um sistema perfeito, mas é melhor que a maioria. —7—
ESTRUTURAS INADEQUADAS
Organizações Paraeclesiásticas raramente, quando muito, têm estruturas adequadas de prestação de contas. A segunda razão pela qual grupos paraeclesiásticos dão errado é que eles raramente, quando muito, tem estruturas de prestação de contas adequadas. O Novo Testamento deixa claro que os presbíteros devem ser os zeladores da fé, homens especialmente selecionados por causa de suas qualidades de caráter, habilidade e reputação, que têm uma tarefa especial de salvaguardar a fé e a prática da igreja. Grupos paraeclesiásticos não têm esse tipo de estrutura sancionada pela Bíblia, e muitos deles nunca pensaram cuidadosamente sobre a estrutura de prestação de contas necessária para se permanecer ortodoxo. Mais ainda, eles tendem a ser governados pelos que se auto indicaram, ou por pessoas com dinheiro, ou pelos que tem uma atitude proativa. De novo, esta é uma das razões pelas quais minha própria instituição tem buscado estar o mais próximo da igreja quanto possível em sua confissão, em seu corpo docente e em sua estrutura de governo. Mas o Seminário de Westminster é uma exceção
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à regra. Muitos grupos paraeclesiásticos evangélicos de coalizão mais amplas pensam que eles existem para servir à igreja, ainda assim, eles têm pouca semelhança com a igreja na sua confissão ou estrutura. E com enorme frequência, chegam a ter uma maior notoriedade do que a igreja para muitos indivíduos — tanto para líderes quanto para trabalhadores. Essa é uma receita para um desastre, e é a razão, pelo menos em parte, por que a ortodoxia de tantos é superficial e de pequena duração. Eu apontei acima quão impressionado eu fico com o fato de que alguns líderes de igreja parecem priorizar os grupos paraeclesiásticos a que eles pertencem em detrimento de suas igrejas. Nenhum pastor ou presbítero deveria negligenciar as tarefas da igreja por essas organizações. Sim, claro, eu aprecio o louvável desejo de engajar-se com outros cristãos e de dar visibilidade à união que crentes têm em Cristo. Mas muito frequentemente esquecemos de que tal ecumenismo é tarefa da igreja, e não de indivíduos ou de organizações paraeclesiásticas. Para concluir, sou feliz por trabalhar em um seminário paraeclesiástico, mas me alegro em que minha instituição se esforça para ser o mais responsável possível em sua doutrina e estrutura. Mais que isso, sou feliz por escrever livros e artigos para organizações paraeclesiásticas compromissadas com a disseminação de boa literatura cristã. Felizmente, a chance é pequena de qualquer tipo de organização paraeclesiástica ser confundida com uma igreja. Mas sou profundamente hesitante quanto a ser associado tão próximo com grupos paraeclesiásticos que querendo ou não possa suplantar a igreja ou se tor—9—
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nar mais importante do que ela aos olhos de muitos. Uma vez que um grupo começa a oferecer contextos para pregação e adoração, temos um problema em potencial; e tal roupagem vai, a longo prazo, mais do que provavelmente terminar em desastre.
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