A Graciosa Aliança das Obras

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EDITORIAL

Manoel Canuto

Aliança de Obras

O

s teólogos puritanos de Westminster afirmaram que há uma distância tão grande entre Deus e o homem, que além deste homem dever toda obediência ao seu criador, ele não pode receber de Deus nenhum bem ou desfrutar de Seu amor se não for por Sua graça e condescendência. Mas aprouve a Deus beneficiar o homem através de um relacionamento de amor, por Ele iniciado, e com consequências de vida e morte. Este é um relacionamento pactual. A isso a Confissão de Fé de Westminster e outras Confissões Reformadas chamam de Pacto ou Aliança. Então, Deus toma a iniciativa e estabelece um relacionamento de amor entre duas partes, fazendo promessas, sob condições, e apresentando consequências de caráter eterno. Temos diversos exemplos de pactos na Bíblia e que contam com a presença de todos estes elementos envolvidos, como os que Deus fez com Noé, Abraão, Davi e com Adão. Com Adão Deus fez um pacto no qual Adão é o representante de toda a humanidade e assim ele age como representante de todos os seus descendentes, todos os homens. Deus faz com Adão “um pacto de vida na condição de obediência pessoal, perfeita e perpétua, da qual a árvore da vida era o testemunho; e proibiu de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, sob pena de morte” (CM Perg. 20). Este pacto é chamado de “pacto ou aliança de obras” porque havia uma condição envolvida: obediência perfeita à lei de Deus. Foi chamado assim de “aliança de obras” também para fazer diferença com a “aliança da graça” que descansa em bases diferentes. No pacto de obras é prometido ao homem alcançar vida eterna, se Adão obedecer a Deus perfeitamente. De uma forma ou de outra, tremenda seria a repercussão deste ato de Adão e extensiva a toda a raça humana porque ele

REVISTA OS PURITANOS Ano XVII - Número 3 - 2009 Editor Manoel Canuto mscanuto@uol.com.br Conselho Editorial

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era o representante de todos os homens dele gerados. A repercussão disso e seu resultado seria de que ele, caso obedecesse, poderia comer da árvore da vida e assim receber a vida eterna, jamais poderia pecar e morrer. Isso seria imputado a todos os homens se o “primeiro” Adão obedecesse. O que podemos ver é que o homem teria um nível de vida muito superior ao que Adão teve ao ser criado, livre de cair, livre do pecado e da morte. É necessária aqui uma consideração importante. Em sua essência, esta aliança também é uma “aliança de graça” porque graciosamente Deus promete vida eterna em um relacionamento de amor com Ele como galardão. Na mensagem/artigo do Dr. Murray, o que nos chama a atenção é a manifestação do amor gracioso de Deus na “aliança de obras”. Vemos o amor de Deus no fato de Ele mesmo iniciar a aliança; na simplicidade do seu mandamento; na clareza da sua ameaça; no tamanho da sua recompensa; na “espora” da sua motivação; na curta duração da sua prova. Nela vemos toda a graciosidade do nosso bom Deus especialmente na figura do segundo Adão, que ao contrário do primeiro Adão, obedece perfeitamente às exigências da “aliança de obras” em nosso lugar. Como diz o Dr. Murray, se você acha que não tem nada a ver com o primeiro Adão, não tem também nada a ver com o segundo Adão. Johannes G. Vos comentando o CM disse: “assim como o primeiro Adão trouxe o pecado ao mundo, o segundo Adão trouxe- nos justiça e vida eterna. Adão foi o nosso representante na aliança de obras; Jesus, o nosso representante na aliança da graça. Aqueles que rejeitam a doutrina da aliança de obras, não têm o direito de reivindicar as bênçãos da aliança da graça, porque os dois são paralelos, e juntos ou se mantém de pé ou caem, como prova Romanos 5”. Boa leitura.

Josafá Vasconcelos e Manoel Canuto Revisores Manoel Canuto; Linda Oliveira Tradutores Linda Oliveira; Marcos Vasconcelos, Márcio Dória, Josafá Vasconcelos Projeto Gráfico e Capa Heraldo F. de Almeida Impressão

Facioli Gráfica e Editora Ltda. Fone: 11- 6957-5111 — São Paulo-SP OS PURITANOS é uma publicação trimestral da CLIRE — Centro de Literatura Reformada R. São João, 473 - São José, Recife-PE, CEP 52020-120 Fone/Fax: (81) 3223-3642 E-mail: ospuritanos@gmail.com DIRETORIA CLIRE: Ademir Silva, Adriano Gama, Waldemir Magalhães.

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Cristo na Aliança das Obras Aliança é um relacionamento de amor que é iniciado e imposto por Deus, com consequências de vida e morte Dr. David Murray

(b) Aliança de graça e então, gratidão. Em lugar de

Gênesis 2:8-18

obra e salário, temos a graça seguida de gratidão. Nela

Romanos 5:12-21

Deus vem e diz: Aqui está uma dádiva, tome-a, deleitese com ela e veja como você pode mostrar sua grati-

Gostaria de fazer três afirmações introdutórias sobre

dão por ela! Este conceito não é muito familiar aos ho-

as Alianças na Bíblia.

mens. Não vemos muito deste tipo de atitude hoje. De

E

fato, este é um conceito desconhecido hoje. Trabalho

m primeiro lugar quero dar uma definição do que é uma Aliança → Aliança é um relacio-

gratidão, disso nada entendemos. Mas as pessoas que

namento de amor que é iniciado e imposto por

viveram na época bíblica estiveram bem familiarizadas

Deus, com consequências de vida e morte. Quando a

com este conceito de graça-gratidão. Arqueólogos têm

maioria das pessoas pensa em uma aliança, em um

descoberto muitas antigas alianças entre as nações da-

pacto, elas imaginam se tratar de um acordo comercial,

quela época e elas tinham cinco partes.

e depois salário nós entendemos, mas graça e depois

algo frio que ocorre no mundo dos negócios. Mas não

1) A primeira parte era uma introdução, ou inicia-

é assim! Uma aliança é um relacionamento de amor.

ção. Normalmente nesta introdução o grande rei no-

Além disso, as pessoas pensam em uma aliança como

meava o rei menor. Esta iniciação falava do grande rei

sendo duas pessoas que fazem um acordo mútuo; pes-

como aquele que iniciava a aliança e o pequeno rei

soas que estão negociando algo mutuamente aceitável.

como aquele que recebia esta aliança.

Uma delas diz: “Eu vou lhe dar isso e você vai me dar

2) Na segunda parte da aliança havia uma descrição

aquilo, em troca”. A outra pessoa então, vem com uma

de todas as maravilhosas coisas que o grande rei tinha

contraproposta e por fim encontram um meio termo.

feito ao rei menor. Por exemplo. “Eu tenho feito todas

Mas uma aliança não é assim. Uma aliança vem de um

estas guerras por você; eu tenho protegido sua cidade;

lado único; é algo que vem e é imposto por Deus. Mui-

tenho proporcionado todos negócios comerciais que

tas pessoas pensam no conceito de aliança como algo

lhe beneficiam; veja todas as grandiosas coisas que eu

que tem consequências mínimas e que se não der cer-

tenho feito por você, meu pequeno rei”.

to não terá resultados muito graves. Mas uma aliança

3) Na terceira parte desta aliança havia uma expli-

não é assim, ela tem consequências de vida ou morte.

cação; o grande rei explicava ao pequeno rei como ele

Então, o que é uma aliança? Uma aliança é um relacio-

podia demonstrar sua gratidão por tudo que lhe tinha

namento de amor, iniciado e imposto por Deus com

feito. Ele dizia: “Se você quer manter nosso relaciona-

consequências de vida e morte.

mento saudável, aqui estão algumas regras para ajudálo a fazer isso”.

TIPOS DE ALIANÇA Achamos na Bíblia dois tipos de aliança: (a) Aliança de obras (trabalho) e então, salário. Nes-

4) A quarta parte da aliança envolvia motivações. Havia muitas promessas de recompensa para o pequeno rei se ele fosse obediente às exigências do grande

te tipo de aliança, alguém tem de fazer um tipo de obra

rei. Mas havia também ameaças para o pequeno rei

para ganhar um tipo de salário. Seria assim: Obra, obra,

caso não obedecesse.

obra e depois salário. É este tipo de aliança que veremos agora.

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5) A última parte da aliança era algo administrativo, era algo ligado ao gerenciamento da aliança. Por exem-

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David Murray

plo. Como seria a renovação daquela

le evento e usa a palavra aliança para

Deus nesta aliança de obras e salário,

aliança; como o documento pactual de-

descrevê-la.

de sete maneiras.

veria ser guardado ou arquivado.

Na aliança que trataremos aqui em

Primeiro a aliança é iniciada pelo rei. “aliança”. Mas temos aqui todos os ele-

O AMOR DE DEUS NA ALIANÇA (1) Em primeiro lugar nós vemos o

Isso nos chama a atenção para a graça

mentos de uma aliança de obras e en-

amor de Deus no fato de Ele mesmo

deste grande rei que mostra ao peque-

tão, salário. Mais tarde, nos livros dos

iniciar a aliança. Adão, como criatura

Estes são pontos muito importantes.

Gênesis 2 não vamos achar a palavra

no rei como manter um relacionamen-

profetas Jeremias e Oséias, veremos

de Deus, devia-lhe obediência total. Se

to saudável e lhe promete recompensa

que esta aliança de obras é chamada

Adão obedecesse perfeitamente, ele es-

caso corresponda em tudo.

de “aliança”. Portanto, o que vamos

taria simplesmente cumprindo com seu

Vemos, então, que o povo do passa-

considerar aqui no Capítulo 2 de Gêne-

dever e não podia reivindicar nenhuma

do conhecia e compreendia bem este

sis, é a aliança de obras e então, salário.

recompensa especial. Deus não lhe de-

conceito. Como veremos neste estudo

Creio que você conhece o pano

via nada, pois estaria apenas fazendo o

das Alianças, parece que Deus tomou

de fundo aqui e o seu contexto. Deus

que devia fazer. Mas é aqui que vemos o

um conceito conhecido daquela época

deu a Adão um mundo lindo para se

amor de Deus, porque Ele permitiu que

e usou-o para comunicar ao seu povo a

deleitar nele. Deu-lhe um jardim. E no

um ato levasse Adão a adquirir alguma

sua GRAÇA e como o povo deveria res-

meio do jardim Deus colocou uma ár-

coisa. Deus está permitindo que Ele

ponder a esta graça.

vore ― a árvore do conhecimento do

próprio fique “devendo” alguma coisa

bem e do mal. E disse: “Desta árvore

a Adão. Deus está permitindo que Ele

A Aliança das obras & salário →

não comerás e se comerdes, morrerás”.

mesmo seja devedor a Adão. Deus não

Algumas vezes na Bíblia nós vemos

Isso implica em que, se ele obedecer,

precisava fazer isto. Deus não ganha

alianças, mas a Bíblia, para descrevê-

então terá vida. Se há trabalho e este

nada fazendo esta aliança. Mas Ele faz

las, não usa a palavra “aliança”. Porém,

trabalho ou obra é obedecer ao manda-

esta aliança com o propósito de dar e

o mero fato de não existir a palavra

mento, então haverá salário, e se há sa-

não de receber. Isso é amor.

escrita, isso não significa que não seja

lário, ele será vida. Ao ouvir tudo isso,

uma aliança. Por exemplo, a aliança

você pode ficar pensando: “Isso parece

andando por uma estrada. De repente

que Deus faz com Davi em 2 Samuel

tão frio e legalista! Será que Deus é as-

você vê ao lado do caminho um bebê.

Vejamos uma ilustração. Imagine-se

7 é de fato uma aliança, mas a Bíblia

sim mesmo, um Deus de obra e salário

Se deixar este bebê sozinho ele morrerá.

não menciona a palavra “aliança” na-

como se Ele fosse um empregador?

Mas você o toma e leva para casa e o en-

quele contexto. Porém, mais tarde, no

Por acaso existe amor nesta aliança?”.

trega a seu empregado, dizendo: “Crie

livro de 2 Samuel 23:5 e no Salmo

É esta questão que eu gostaria de res-

este bebê para mim”. Além disso, você

89:3,28,34,39, a Bíblia se refere àque-

ponder. Gostaria de mostrar o amor de

faz toda provisão para esta criança dando-lhe comida e bebida para que ela cresça com saúde. Quando esse bebê crescer ele estará lhe devendo tudo

Aliança é um relacionamento de amor que é iniciado e imposto por Deus. Quando a maioria das pessoas pensa

que é. Agora ele irá trabalhar como seu servo, em sua casa, em seu jardim, mas você não lhe paga nada. Na verdade ele é que lhe deve toda sua vida e não pode reclamar de nada, porque estará recebendo justiça, estará recebendo o que lhe é justo. Então, imagine novamente

em uma aliança, ela imagina ser um

aquele bebê agora já crescido, já ho-

acordo comercial, algo frio no mundo

aquela árvore. Digo-lhe que não coma

dos negócios. Mas não é assim!

mem, e você se achega a ele e diz: “Veja do fruto desta árvore por um tempo. Se você conseguir fazer isso, então não será mais um servo em minha casa e sim meu filho. Eu o receberei em minha

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Cristo na Aliança das Obras

casa, na minha família, e ainda lhe darei uma vida muito melhor”. Isso é puro amor, não é? Mas imagine você sendo este servo. Você ficaria completamente maravilhado e diria: “Meu senhor não precisa fazer isso comigo! Eu lhe devo tudo que tenho; que amor tão grande tem para comigo em me dar esta oportunidade, este privilégio tão grande!”. Pois é exatamente esta situação que nós vemos aqui no capítulo 2 de Gênesis. Adão já tinha uma vida excelente, mas agora ele recebe a promessa de uma vida ainda melhor. Você pode imaginar

Em lugar de obra e salário, temos a graça seguida de gratidão. Nela Deus vem e diz: Aqui está uma dádiva, tome-a, deleite-se com ela e veja como você pode mostrar sua gratidão por ela!

Adão pensando: “Ó, Deus, não precisa tomar esta iniciativa e fazer isso, como lhe revelar as consequências que virão

(4) Em quarto lugar nós vemos o

amor de Deus manifesto no fato de que

sobre você se me desobedecer”. O servo

amor de Deus no tamanho da recom-

é Ele que inicia a aliança.

ficaria pensado? “O que vai me aconte-

pensa. Qual era a recompensa. Não

Tu és gracioso para comigo!”. Isso é o

cer? Pode me acontecer alguma coisa

está explícito no versículo 17, mas está

(2) Em segundo lugar vemos o amor

boa ou alguma coisa ruim, ou alguma

implícito. Não foi dito: “Se dela comer-

de Deus na simplicidade do manda-

coisa não tão ruim assim..., o que me

des, morrerás, e se não comerdes, tudo

mento. Imagine mais uma vez aquele

acontecerá? Não sei o que fazer, não te-

fica no mesmo”. Vejamos no final do

servo no jardim. Você se achega a ele

nho segurança em nada do que poderá

v. 3, depois da queda e no capítulo 22,

e diz: “Vou lhe dar uma oportunidade

me acontecer”. Mas, veja a natureza da

Deus protegendo e guardando o cami-

de ser meu filho”. Mas para isso lhe dá

aliança aqui. “No dia que dela comerdes,

nho de volta para o jardim, para a árvo-

um livro de mil páginas cheio de regras,

certamente morrerás”. Não pode ser

re da vida, para que o homem dela não

escrito em uma língua desconhecida.

mais claro, concorda! É muito claro: “Se

coma e viva eternamente. Parece que

Você lhe diz: “Leia, é só isso que precisa

você comer, você morrerá!”. Lembre-se

Deus colocou perante Adão a recom-

fazer! Você terá a recompensa, vale à

ainda que Adão, de posse do conheci-

pensa de uma vida “melhorada”, algo

pena tentar!”. Todos os dias seu servo

mento perfeito que tinha, devia saber o

bem melhor, se ele passasse na prova.

diria: “Mas, o que eu devo fazer? Eu não

que significava a morte. É verdade que

Se fizermos uma comparação entre tra-

sei o que fazer!”. Mas se ao invés disso

não havia morte no mundo ainda, mas

balho e salário, concluímos que seria

você dissesse: “Veja aquela única árvore,

Deus não teria falado uma coisa assim

trabalhar tão pouco ou fazer tão pouco,

não a toque”. Que alívio, “é uma coisa

sem ter-lhe explicado o que significava

para receber muito.

tão simples para mim!”, ele diria. Nin-

a morte física e a morte espiritual, a

Mais uma vez vamos pensar naque-

guém tem a coragem de dizer que isso é

morte eterna. É algo muito claro e as-

le servo do jardim. Imagine se você dis-

algo complicado. Devemos nos lembrar

sustador. Mas também é muito amoroso.

sesse ao seu servo que ele iria labutar

que Adão já tinha em si uma disposição

É certo que todos nós temos a ex-

e labutar por vinte anos e depois de to-

natural de obedecer. De fato era mais

periência de ver nossos filhos nos de-

dos estes anos lhe prometesse dar ape-

fácil para Adão obedecer do que deso-

sobedecendo e nós os disciplinando.

nas um real por dia, em seu salário. Ele

bedecer. Veja quanto amor é manifesto

Algumas vezes eles nos dizem: “Papai,

pensaria: “Isso não vale a pena”. Mas se,

na simplicidade deste mandamento.

você nunca nos disse que isso iria nos

ao contrário, você prometesse que ele

acontecer”. Infelizmente muitas vezes

seria seu filho, seu herdeiro, que parti-

nós temos de concordar com eles. Por

ciparia de sua casa e receberia todos

de amor na clareza da ameaça. Vamos

isso, é uma demonstração de amor

os privilégios e tudo o que ele precisa-

olhar novamente para o jardim. Ima-

quando são colocadas claramente as

ria fazer era apenas não comer de uma

gine que você diga àquele servo: “Não

consequência e os limites à desobedi-

árvore, isso seria profundamente mi-

coma daquela árvore, mas eu não vou

ência. Foi o que Deus fez aqui.

sericordioso, tão generoso, tão amável.

(3) Em terceiro lugar vemos o gran-

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David Murray

Veja o tamanho da recompensa e tudo

pelo fato de que muitos outros estão

por tão pouco.

dependendo de sua obediência. Pense em Adão naquele jardim. Adão

semanas, isso manifesta amor; é uma prova verdadeira, não é uma prova cruel, mas tem amor nela. Aqui temos

(5) Em quinto lugar vamos conside-

está sabendo que, por sua sua obediên-

rar a espora da motivação1. Vamos a

cia, pode ganhar uma vida maravilhosa

Romanos 5 onde temos a exposição de

para si e para todas as pessoas que dela

(7) Em sétimo lugar vemos amor na

Paulo deste capítulo 2 de Gênesis. Pau-

irão desfrutar eternamente. Isso não é

provisão de um sinal pactual. Como ve-

lo apresenta Adão como representante

uma motivação muito grande? “Adão,

remos em nossos estudos, toda aliança

de toda a raça humana. Paulo mostra

você pode fazer isso pelo mundo intei-

bíblica tem o seu sinal. Cada aliança

claramente que um está representan-

ro!”. Que incentivo! Então, há o amor de

tem uma promessa verbal e uma ilus-

do muitos. Vemos no v. 12: “Portanto,

Deus na espora da motivação.

tração física. Deus falou e também de-

amor na curta duração da prova.

assim como por um só homem entrou

(6) Também o amor de Deus se ma-

senhou uma ilustração para estimular

o pecado no mundo, e pelo pecado, a

nifesta na curta duração da prova. Deus

e encorajar a obediência. O sinal nesta

morte, assim também a morte passou

poderia ter mantido Adão em suspense

aliança é a árvore da vida. Quando o

a todos os homens, porque todos peca-

pelo resto de sua vida..., dez anos, vinte

pacto foi quebrado, esta árvore foi tira-

ram”. Também no início dos vv. 17, 18,

anos, cem anos..., sempre com aquela

da. Há algumas discussões sobre esta

19: “Se, pela ofensa de um e por meio

prova diante dele. Mas nós não cremos

questão. Foi permitido a Adão comer

de um só, reinou a morte...”; “Pois assim

que Deus tenha feito isso. Ele permitiu a

da árvore da vida durante a prova?

como, por uma só ofensa, veio o juízo

permanência temporária (por um tem-

Será que esta árvore lhe deu fortale-

sobre todos os homens para condena-

po) do “um”, para ganhar a vida eterna

cimento e um encorajamento extras

ção...”; “Porque, como, pela desobediên-

dos “muitos”. Você pode até perguntar

para obedecer? É possível e seria mais

cia de um só homem, muitos se torna-

onde encontramos isso na Bíblia.

ram pecadores...”. Em outras palavras, Adão representava um por todos. Deus

A. Em primeiro lugar na natureza de Deus. Ele é um Deus gracioso.

uma vez uma manifestação de amor. A outra possibilidade é que aquela árvore estava sendo colocada perante

B. Como veremos mais adiante, te-

ele como uma recompensa para que

um homem fosse imputada a toda a hu-

mos aqui a árvore de vida. Ela está sen-

aproveitasse dela depois que passasse

manidade. Mais uma vez digo que Deus

do colocada diante de Adão como uma

pela prova. Como Deus lhe prometeu

estava deixando que a obediência de

não teria escondido essa realidade de

recompensa e quando ele falha, isso

vida melhor, Deus também ilustrou

Adão. Se Paulo sabia, será que Adão não

lhe é tirado para que não viva eterna-

esta vida. O senhor falou para o servo

sabia? Que incentivo tão grande foi este

mente. Parece que há uma recompensa

no jardim: “Não toque naquela árvore!

para motivá-lo à obediência!

material, física e visível que é colocada

Mas aqui há uma árvore para você dela

Você quando é um homem solteiro

diante de Adão para que ele logo usu-

desfrutar, se obedecer”.

que teve muito trabalho para fazer du-

frua dela. Mas acima de tudo a razão

O que nos sugere a árvore da vida?

rante o dia e no outro dia, pela manhã,

é a seguinte: Era necessário esta pro-

Isso não nos sugere que seria uma árvo-

quando toca o despertador, você pode

va se encerrar antes da concepção do

re mais verde do que a mais verde e mais

dizer: “Estou muito cansado hoje; será

primeiro filho de Adão, pois o pecado é

frutífera das árvores da Amazônia? Uma

que eu tenho mesmo de ir ao trabalho?

transmitido na concepção. E se um filho

árvore que manifestava e ilustrava para

Eu vou dormir mais um pouco e depois

fosse concebido antes do final da prova,

Adão uma vida maravilhosa que o espe-

eu enfrento as consequências; talvez

teríamos duas raças no mundo: Os que

rava, se ele obedecesse. Então uma vida

receba uma advertência, ou até perca

eram da raça do pai, o diabo, mas que

de escravo se tornaria uma vida de filho.

meu emprego, mas... não tem proble-

haviam gerado um filho perfeito.2 [VIDE

Uma vida de estado incerto se tornaria

mas”. Quando solteiro você pode até

NOTA] Já imaginou? Isso é impossível!

em uma vida de estado permanente em

agir assim, porém depois você se casa

Por isso, acreditamos que esta prova ti-

que nunca poderia cair dele. Vendo esta

e se vê com filhos. Agora irá pensar:

nha uma duração bem curta.

árvore todos os dias e imaginando aque-

“Bem, agora o problema não tem a ver

Mais uma vez pensemos no servo

la vida que ele iria gozar, isso seria um

apenas comigo, mas se eu ficar dor-

do jardim. Seu senhor poderia dizer-

amável sinal da parte de Deus. Especial-

mindo meus filhos vão passar fome”.

lhe: “Eu quero 50 anos de obediência”.

mente porque o Novo Testamento des-

Bem, isso ajuda a tirar você da cama,

Isso é demais. Mas se o senhor disser

creve esta árvore como representando o

certo? Agora você está sendo motivado

que é alguns dias, apenas algumas

Senhor Jesus Cristo o Filho de Deus.

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Cristo na Aliança das Obras

É interessante que no último livro da Bíblia Deus nos traz de volta à árvore da vida. Vemos em Ap. 22.2: “No meio da sua praça, e de um e de outro lado do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para a cura das nações”. E o v. 14: “Bemaventurados aqueles que lavam as suas vestiduras [no sangue do Cordeiro], para que lhes assista o direito à árvore da vida, e entrem na cidade pelas portas”. Lemos no Salmo 1 do homem piedoso que é descrito como uma árvore

“Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras [no sangue do Cordeiro], para que lhes assista o direito à árvore da vida, e entrem na cidade pelas portas”.

verde que fica junto ao rio e está cheia de frutos. Quem é este homem piedoso? É o Senhor Jesus Cristo. Então, quando chegamos ao último capítulo da Bíblia, vemos Cristo no centro do céu sendo

Mas, mesmo assim, o que aconteceu?

Mas se você não aceita ter caído em

representado em linguagem simbólica

Podemos ver em Romanos 5: Um pecado.

Adão, você não pode ser salvo em Cris-

como a recompensa do seu povo, ali-

E qual o resultado? Podemos relacionar

to. É exatamente isso que Paulo ensina

mentando-o, sarando-o. Este povo tem

todo nosso choro, toda nossa lágrima,

no capítulo 5 de Romanos. Você não

o direito à arvore da vida.

toda nossa miséria a este primeiro pe-

pode receber a salvação pela obediên-

Voltando ao jardim do Éden vemos

cado. Quantas ilustrações tristes das

cia de UM se não aceitar a condenação

que, de alguma forma, Deus, o Pai, está

consequências terríveis que o pecado

que recebeu pela desobediência do um.

oferecendo a Adão um relacionamento

tem trazido a terra. Podemos ver toda

Se você diz do pecado de Adão: “Eu não

especial com Deus, o Filho. O que era

repercussão desastrosa em nossas pró-

aceito! Não é justo!”. Então, você não

impressionante para Adão não era, em

prias vidas, todo caminho de destruição

pode dizer da justiça de Cristo: “Ela é

primeiro lugar, estar na mesma casa e

que temos deixado atrás de nós. Tudo

justa, eu quero esta justiça”.

ter todos os privilégios de um filho, mas

isso tem origem neste único momento.

Você deve se humilhar debaixo do

o que o impressionava era ter um irmão

Todos nós temos uma lista de pecados

plano de Deus e dizer: “Eu aceito o peca-

como Jesus, o Filho de Deus. Que espe-

cometidos em nossas vidas, mas sabe

do de Adão como o meu pecado; eu acei-

rança! Que amor na provisão deste sinal!

qual o pecado que fica em cima da lista?

to o primeiro Adão como meu repre-

Seria este, um pacto frio, comercial e le-

É o mesmo pecado que está em cima de

sentante, mas eu aceito o último ADÃO

galista? Não! Mesmo sendo uma aliança

todos nós: o pecado de Adão.

como meu representante também”. E

de obras e salário, é uma aliança repleta

É isso que o apóstolo Paulo nos

do amor de Deus. Deus abre nosso cora-

ensina em Romanos 5. Pelo pecado

ção e nos manifesta sua natureza gene-

de um, muitos se tornaram pecadores.

rosa. Essa aliança nos mostra acima de

Como nosso representante, tudo que

tudo o desejo que Deus tem de ter um re-

Adão fez pertence também a nós. Mas

lacionamento de amor conosco. Será que

você pode dizer: “Isso não é justo! Eu

Ele poderia ser mais gracioso? Será que

não estava lá no Éden, eu não tenho

Ele deixou alguma coisa faltando? Isso

nada a ver com isso. Como Deus pode

nos mostra claramente como Deus dese-

me acusar daquele pecado? Eu assumo

ja um relacionamento pactual com seres

responsabilidade pelos meus pecados,

humanos como nós. Ele não deseja isso

mas não aquele pecado de Adão. Não

porque falta alguma coisa em si mesmo,

é justo que o pecado de um homem

mas Deus faz uma aliança conosco para

tantos anos atrás, em um lugar tão dis-

dar e não para receber.

tante, se torne o meu pecado também!”.

Revista Os Puritanos 3•2009

qual dos dois é o mais poderoso? Mensagem proferida por Dr. David Murray no XVIII Simpósio Os Puritanos, em Maragogi/Pe/2009. Dr. David Murray é ministro Presbiteriano e professor de Velho Testamento e Teologia Prática no Puritan Reformed Theological Seminary, Michigan, USA. Notas: 1. A espora é um acessório de metal usado para incitar o cavalo. 2. Aqui Dr. Murray está enfatizando Adão como o representante federal da raça humana. Assim ele infere que, se Eva ficasse grávida antes da queda, seu filho não poderia dizer o que a Bíblia diz de todos os homens: “Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51:5). Existindo um ser humano concebido ou gerado antes da queda, isto complicaria o papel de Adão como representante federal. O que o Dr. Murray está pressupondo é que o pecado original é transmitido por geração. Assim, ele conclui que, se uma criança já tivesse sido gerada no ventre de Eva antes da queda, duas raças haveria no mundo: uma que está em pecado, e a outra que não.

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Eu estou Sozinho “Estou sozinho e aflito” (Sl. 25:16) No fundo, todos experimentam uma sensação de solidão. Isso não está sempre claro na rotina da vida diária. Muitos nunca entenderam o significado deste vazio. Para eles a vida nada mais é do que viver em sociedade com os outros. Eles não sabem o que é estar sozinho porque eles estão sempre com outras pessoas. Isto mudará quando questões cruciais da vida começarem a penetrar as profundezas de sua alma. Então o homem irá perceber que ele está sozinho. Há momentos na vida, quando uma mãe não pode ajudar seu filho, quando um marido não pode ajudar sua esposa, e quando amigos não podem se ajudar. Quando ele chega ao fim de seus dias, o homem está sozinho. Ele está sozinho quando a dor lança-se em seu corpo. Ele está sozinho quando as mágoas o afligem. Ele está sozinho quando as cargas o abatem e o arrependimento o atormenta em sua alma. Ele está sozinho quando o pecado o aflige e a luta contra o pecado é individualmente experimentada. Ele está sozinho quando a morte, com o seu frio domínio se agarra a ele e ele deve adentrar o portão escuro da morte para individualmente encontrar Deus do outro lado da sepultura. Os mais severos sofrimentos acontecem enquanto experimentamos esta solidão. Desde que uma pessoa seja capaz de derramar o seu coração para outros, desde que olhos amorosos permaneçam fixos nele, desde que haja aqueles que emprestem um ouvido atencioso quando você derrama o seu lamento, desde que haja um coração cheio de compaixão para sofrer junto com você, desde que haja um ombro para se confortar, e desde que haja mãos amigas para te ajudar –­o sofrimento é muitas vezes suportável. Mas quando uma pessoa tem que lutar, carregar fardos e trabalhar sozinha, então sentimentos de total desolação nos dominam. De onde vem este sentimento de desolação? Por que isto nos faz sentir completamente abandonados? É porque colocamos a nós mesmos nesta posição de abandono. Nós abandonamos a Deus e por essa razão nós estamos abandonados. Nós viramos as nossas costas para Deus e como resultado nos viramos uns contra os outros. No meio da vida nós podemos estar tão sozinhos. Mesmo quando estamos rodeados por aqueles que nos amam, o vazio daquele sentimento de solidão permanece. E aqueles que não conseguem entender esse vazio em vida, ainda vão experimentar solidão na morte. O salmista entende a causa da sua solidão. É por isso que ele dirige sua oração a Deus com esta petição: “Volta-te para mim e tem compaixão, porque estou sozinho e aflito”. Somente Deus pode preencher o vazio na sua vida. Você compreende que está sozinho? Você sabe a causa desse vazio? Somente o Senhor pode satisfazer essa urgente necessidade. Por Rev. Frans Bakker. Esta meditação foi adaptada pelo Rev. C.R Procee das obras do antigo Rev. Frans Bak­ ker, ministro em Christelijke Cereformeerde Kerken na Holanda. Essas meditações de um autor contemporâneo demonstram as origens e afinidades “experimentais” que nossas igrejas querem manter com nossas raízes e heranças. Rev. Procee é o pastor da Igreja Reformada Independente de Hamilton, Ontário.

8

Revista Os Puritanos 3•2009


Calvino — Vivendo para a Glória de Deus O Segundo Ministério de Calvino em Genebra (1541-1564)

Por Dr. Joel Beeke

P

CONTINUAÇÃO DA EDIÇÃO ANTERIOR

pastores deviam pregar com mais frequência, engajarse fervorosamente na oração intercessora, para ad-

or volta de 1541 os católicos Romanos pareciam

ministrar fielmente os sacramentos, e para pastorear

fazer progresso em empurrar Genebra de volta

conscientemente a congregação. Os doutores deviam

para o catolicismo. O cardeal Jacopo Sadoleto

objetivar o treinamento teológico dos seminaristas e

(1477-1547), o bispo reformador de Carpentras, tinha

pastores, prover palestras teológicas regulares, ins-

escrito uma carta pública aos genebrinos, arrazoando

truir os jovens e guardar a pureza doutrinária da

com eles para que retornassem à Santa Madre Igreja.

igreja. Os presbíteros, que eram leigos, eram respon-

O Conselho da cidade de Genebra pediu para Calvino

sáveis por assistir os pastores em manter supervisão e

responder, o que ele fez, com efeito, em sua Resposta

disciplina sobre as vidas dos membros. Eles deveriam

a Sadoleto, um dos melhores sumários primitivos da

também engajar-se em oração intercessora continua.

posição doutrinária da igreja Reformada. Reconhecen-

Os diáconos estavam divididos em duas ordens ― a

do a necessidade de uma liderança protestante forte,

primeira para administrar os recursos da igreja e dar

o conselho da cidade convidou Calvino para retornar

uma supervisão administrativa; a segunda, para visitar

à Genebra. Após relutantemente concordar em fazê-lo,

os doentes e necessitados e conduzir a igreja no minis-

Calvino prontamente aplicou-se ao duro trabalho de

tério de misericórdia e caridade.

reformar Genebra. Essa tarefa consumiu os últimos

Os pastores e doutores formavam um grupo cha-

vinte e quatro anos da sua vida. O segundo ministério

mado a Companhia Venerável, que se reunia semanal-

de Calvino em Genebra pode ser dividido em duas par-

mente para estudo da bíblia. Calvino moderava a Com-

tes: anos de oposição e anos de apoio.

panhia Venerável e apresentava suas recomendações

Anos de Oposição (1541-4555) Em Genebra, uma

encontravam-se em um corpo chamado Consistório

aos conselheiros da cidade. Os pastores e presbíteros das primeiras responsabilidades de Calvino foi escrever

uma vez por semana para subministrar aconselha-

várias leis para a nova república. Ele rascunhou uma

mento pastoral, censura, e escolher novos membros.

nova ordem de culto, um novo catecismo e uma nova

Os diáconos também se reuniam semanalmente para

ordenança o que foi na sua totalidade, com várias emen-

levar a cabo suas tarefas.2

das, eventualmente aprovado pelo Conselho da cidade.

Ao lado desta estrutura eclesiástica, a cidade for-

Calvino ofereceu uma estrutura igreja/sociedade que

mava uma pirâmide de três Conselhos que incluía o

cultivaria a participação do poder entre a igreja e o esta-

menor e mais poderoso Conselho de vinte-e-quatro

do como dois reinos separados. A estrutura de Calvino,

(usualmente chamado o Conselho da cidade) e os maio-

que foi grandemente influenciada por Bucer, ressoaria

res, menos poderosos conselhos de sessenta e de cem.

em graus variados, através de todo continente europeu.

Nem o lado eclesiástico nem o civil de Genebra obtinha

As Ordenanças Eclesiásticas, que definiram clara-

totalmente seus objetivos mas conseguiam trabalhar

mente a ordem da vida congregacional, deu à igreja

juntos a despeito de uma tensão não resolvida, por

Reformada autonomia em assuntos de fé e de moral.

muitos anos. Por exemplo, todos os conselhos da cida-

A igreja devia escrever seu poder através de quatro

de tinham alguma voz ativa na escolha dos presbíteros

ordens de ministérios: Pastores, doutores (i.e., profes-

da igreja, mas aos próprios pastores era permitida a

sores e conferencistas), presbíteros e diáconos.1 Os

escolha dos pastores.

Revista Os Puritanos 3•2009

9


Dr. Joel Beeke

O rumor de que Calvino foi um tira-

A despeito da formidável oposição,

para instrução elementar e uma “escola

no em Genebra e governava com mão

Calvino manteve um intenso programa

pública” (schola publica), que oferecia

de ferro é visivelmente falso. Calvino

de pregação. Até 1549, Calvino prega-

estudos mais avançados nas línguas

nunca manteve um ofício civil em Ge-

va duas vezes no domingo, em um dos

bíblicas e em teologia. O amigo e suces-

nebra. Ele nem mesmo foi um cidadão

dois cultos matinais, e novamente à

sor de Calvino, Theodore Beza, serviu

da cidade até bem adentrado em 1540,

tarde. Ele também falava três vezes du-

como o primeiro reitor da escola. Os

e a primeira metade de 1555, quando

rante a semana.3 Em Outubro de 1549,

estudantes vieram do mundo inteiro

os seus inimigos (os Libertinos) não

o número de sermões aumentou de

para a academia. Quando Calvino mor-

conseguiram ser reeleitos para o Con-

uma vez em dias alternados a uma vez

reu, a escola tinha 1.200 estudantes

selho da cidade. Qualquer que tenha sido a influência

por dia, por ordem do Conselho da ci-

junior e 300 estudantes sênior. Ho-

dade.4

mens treinados para o ministério abri-

que Calvino exerceu em Genebra du-

A frequente e fiel pregação de

ram o leque de Genebra para muitos

rante os anos de 1540 à primeira meta-

Calvino frutificou na conversão indivi-

outros países da Europa. A maioria foi

de de 1550, ela foi baseada na autorida-

dual dos genebrinos. No devido tempo,

para a França, onde o movimento refor-

de moral da sua pregação, ensino e sa-

o Conselho da cidade também inclinou–

mado cresceu cerca de 10 por cento da

bedoria. Mesmo então, o Conselho da

se ao modo de Calvino.

cidade frequentemente operava contra-

população antecedente ao massacre do dia de São Bartolomeu. Um número sig-

riamente aos seus julgamentos e reco-

Anos de Apoio (1555-1564) → Quan-

nificante de pastores e líderes leigos

mendações. Por exemplo, Calvino que-

do os Libertinos foram derrotados em

foram também para a Bretanha (e.g.,

ria a celebração da Ceia semanalmente,

1555, o Conselho da cidade finalmen-

John Knox, o reformador da Escócia),

mas o Conselho da cidade insistiu que a

te tornou-se encorajador de Calvino e

Alemanha (e.g. Gaspar Olevianus, o re-

Comunhão deveria ser administrada

concedeu por longo tempo o disputado

formador do Palatinado), e a Holanda

apenas quatro vezes por ano. Além dis-

direito de excomunhão ao Consistório.

(e. g. os irmãos Marnix, líderes do movi-

so, Calvino também enfrentou batalhas

Genebra tornou-se a cidade de Calvino,

mento reformado ali). Naqueles países,

maiores com diversos indivíduos, in-

finalmente! Nos últimos nove anos da

os seguidores de Calvino ― frequente-

cluindo o humanista reformado Sebas-

sua vida, Calvino executou muitas das

mente com sua assistência ― adotaram

tian Castellio (1513-1563), o líder do

suas longas e acariciadas visões. Em

diversas

declarações

confessionais

conselho, Ami Perrin, o livre-pensador

sua década final Calvino revelou sua

para fortalecer a causa da Reforma.

Jacques Gruet, o ex-Carmelita Jerome

competência como um capaz profes-

Eventualmente, a academia evoluiu

Bolsec (d. 1584), o violento Philibert

sor de teologia, um escritor bíblico, um

para a Universidade de Genebra.

Berthelier, e o anti-trinitariano Michael

pregador fiel, um sábio conselheiro e

Servetus (c. 1511-1553). Batalhas pro-

um líder da igreja amadurecido.

Em 1559, Calvino completou sua edição final definitiva das Institutas,

longadas com cada um destes homens

Em 1558, Calvino estabeleceu a aca-

que se tornaram o livro mais famoso

foram um pesado tributo sobre Calvino

demia de Genebra que foi dividida em

da Teologia Reformada já escrito. Se-

no meio destes anos atarefados.

uma “escola particular” (schola privata)

guindo a estrutura completa do Credo dos Apóstolos, Calvino dividiu este trabalho em quatro livros. O primeiro livro é sobre Deus o criador, e o homem,

Em tudo Calvino comprometeu-se com

trazido à criação por Deus.

Deus e Sua glória e ansiava apenas

Deus e a superintendência de Deus so-

promover a preeminência de Cristo na

cobre a queda do homem no pecado, o

dependência do Espírito.

em redimir o homem do pecado. O ter-

Este livro discute a providência de bre todas as coisas. O segundo livro caráter do pecado e a obra de Cristo ceiro livro explica como o Espírito Santo aplica a redenção à humanidade. O quarto livro é primariamente sobre a Igreja de um ponto de vista positivo, a

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Revista Os Puritanos 3•2009


Calvino — Vivendo para a Glória de Deus

deformação da Igreja na idade média e, finalmente, o relacionamento adequado da Igreja com o Estado. Calvino escreveu muito mais obras em sua última década, incluindo comentários, sermões e tratados sobre uma grande variedade de assuntos. Ele também escreveu, do seu gabinete de trabalho e do seu leito de doença, encorajando e instruindo pastores e cren-

Qualquer que tenha sido a influência que Calvino exerceu em Genebra, ela foi baseada na autoridade moral da sua pregação, ensino e sabedoria.

tes perseguidos, através de toda a Europa, a perseverarem nas doutrinas da graça. Ele foi um conselheiro espiritual e prático para milhares. Aos seus amigos ministros juntos ao redor do seu

Calvino dizia repetidamente que é atra-

gem, acessível em sua simplicidade,

leito de morte, Calvino disse: “Deus me

vés da pregação que Deus se revela em

pastoral em seu tom, polêmica em sua

deu graça para escrever o que tenho

julgamento e misericórdia, trazendo de

defesa da verdade, apaixonada em seu

escrito tão fielmente como estava em

volta corações à obediência, confir-

alcance e doxológica em sua conclu-

meu poder. Não falsifiquei uma única

mando a fé dos crentes e edificando e

são”.10 Era também prática e experi-

passagem das Escrituras, nem lhes dei

purificando a igreja.

mental em sua ênfase.

uma interpretação errada para o melhor do meu conhecimento”.

Calvino pregava seus sermões de

Os últimos anos de Calvino foram

memória sem textos preparados. Seu

cheios de esforços evangelísticos, par-

Considerando suas obras póstumas,

método de pregar era como o de Zwin-

ticularmente na França, mas também,

os escritos colecionados de Calvino en-

glio e alguns pais da igreja, como João

tão distante quanto o Brasil. Os minis-

cheram cinquenta e nove grandes vo-

Crisóstomo (c. 347-407). Ele não esco-

tros e missionários treinados em Gene-

5

lumes de folio no Corpus Reformato-

lhia um único texto ou passagem isola-

bra também plantaram igrejas na Ho-

rum (uma série de 101 volumes de

da. Ao contrário, ele pregava constan-

landa, Itália, Polônia, Alemanha, Un-

obras importantes da reforma) e doze

temente através de livro após livro da

gria, Inglaterra e Escócia. Em toda

volumes de Suplementa Calviniana.6

Bíblia, frequentemente tirando a me-

parte o conselho de Calvino foi busca-

Isto inclui comentários sobre vinte e

lhor parte do ano para completar um

do e alegremente dado.11

quatro dos trinta e nove livros do Anti-

livro da bíblia. Aos Domingos ele se

go Testamento e vinte e quatro dos vin-

concentrava no Novo Testamento, ex-

Morte e influência de Calvino → A

te e sete livros do Novo Testamento

ceto por uns poucos salmos nas tardes

saúde de Calvino não poderia acom-

(todos, exceto 2 e 3 João e Apocalipse).

dos Domingos, interrompendo seu mé-

panhar sua incrível carga de trabalho.

A fidelidade bíblica, a praticidade e

todo apenas nos dias de festa especial

Durante os últimos anos da sua vida

profundeza experimental dos escritos

como Natal ou Páscoa. Durante a sema-

ele lutou com numerosas doenças. Mé-

de Calvino são insuperáveis na história

na ele pregava no Antigo Testamento,

dicos, colegas reformadores, estudan-

protestante.

livro por livro. T. H. L. Parker observa:

tes e amigos advertiram-no para deixar

No final da sua vida, entretanto, “Aqueles em Genebra que ouviam Do-

de trabalhar, mas sua resposta era:

8

Calvino viu seu mais importante traba-

mingo após Domingo, dia após dia, e

“Que! O meu Senhor me acharia, negli-

lho em Genebra como “proclamando a

não fechavam seus ouvidos... recebiam

gente?”.12 Como foi observado no início

Palavra de Deus” e “instruindo crentes

um treinamento de Cristianismo tal,

de seu projeto biográfico, ele morreu

na sã doutrina”. Embora ele estivesse

que foi dado a poucas congregações na

em 27 de Maio de 1564, com a idade

pesadamente envolvido em pastorear

Europa desde os dias dos pais”. E nas

de cinquenta e cinco anos. Foi-lhe ga-

pastores e pessoas, o centro de seu mi-

palavras de Steve Lawson: “A pregação

rantido o seu desejo de ser sepultado

9

nistério era pregar o evangelho. Em

de Calvino era bíblica em sua substân-

num caixão simples de madeira, num

1561 Beza reclamou numa carta a Fa-

cia, sequencial em seu padrão, direta

túmulo não demarcado, de modo que

rel que mais de mil pessoas ouviram

em sua mensagem, extemporânea em

a glória humana não roubasse Deus da

Calvino pregar por dia.7 O próprio

sua entrega, exegética em sua aborda-

exclusiva glória que Ele merece.

Revista Os Puritanos 3•2009

11


Joel Beeke

Soli Deo Gloria (a glória de Deus so-

Zelândia, Singapura, Coréia do Sul, Chi-

de dormir”. É nossa oração que este es-

mente) é o que a vida e a teologia de

na, as Filipinas, Rússia, Egito, Paquis-

pírito de piedade que tanto envolveu

Calvino têm em toda parte. Este é o

tão, Índia e Israel, o Calvinismo ainda

Calvino e Cotton possa também pene-

tema comum de Calvino o teólogo,

está sendo propagado hoje. Realmente,

trar você enquanto lê este livro.

Calvino o reformador, Calvino o pas-

o Calvinismo tem um futuro brilhante,

tor-conselheiro, Calvino o membro da

pois oferece muito às pessoas que bus-

igreja, Calvino o evangelista e Calvino

cam crer e praticar todo o conselho de

o escritor. Em todas as áreas da sua

Deus. O Calvinismo objetiva fazer as-

vida pessoal e ministerial Calvino com-

sim tanto com a fé de mente-clara

prometeu-se de todo o coração com

quanto com a piedade de coração-

Deus e sua glória e ansiava apenas pro-

aquecido, produzindo uma vida vibran-

mover a preeminência de Cristo na de-

te no lar, na igreja e na sociedade, para

pendência do Espírito.

a glória de Deus.

Primeiramente através dos seus es-

Hoje, o legado de Calvino é extensi-

critos, a influência de Calvino tem per-

vo a nós de formas adicionais. David

manecido através dos séculos e per-

Hall sugere dez áreas-chaves em que

meou milhões de corações. Hoje essa

nossa cultura é diferente por causa de

influência é comumente chamada cal-

Calvino. Ele inclui, educação, cuidado

vinismo e é um sinônimo aproximado

dos pobres, ética, autonomia da igreja,

de fé Reformada. A tripla influência do

governo de colegiado, político descen-

calvinismo de Calvino foi resumida por

tralizado, a paridade entre as profis-

Burke Parsons como devoção, doutrina

sões, economia, o Saltério e a impres-

e doxologia ― a “devoção do coração

são de livros.14

ao Deus bíblico, a busca mental da bí-

O livro devocional 365 Dias com

blica doutrina de Deus, e a total rendi-

Calvino objetiva capturar algo da pie-

ção do ser à doxologia”.13

dade devocional autêntica e doxolo-

A maior influência do calvinismo foi

gia15 que promove todo o conselho de

na Grã Bretanha e suas colônias da

Deus. Cotton Mather escreve que John

América do Norte, a Holanda, Ungria e

Cotton ao ser perguntado por que em

partes da Alemanha. Em todas estas

seus últimos dias condescendeu com

áreas e muito mais ao redor do mundo,

os estudos noturnos, alegremente res-

incluindo Polônia, Itália, Brasil, África

pondeu “Porque eu amo adoçar minha

do Sul, Malawi, Zâmbia, Austrália, Nova

boca com uma porção de Calvino antes

Prefácio do livro: 365 Days With Calvon, Joel R. Beeke e Michael A. G. Haykin 1. David F. Wright, “Calvin’s Role in Church History”, em The Cambridge Companion to John Calvin, ed. Donald K. Mc Kim (Cambridge: Cambridge University Press, 2004), 284. 2. Derek Thomas, “Reforming the Church” em Joel R. Beeke, Living for God’s Glory: Na Introduction to Calvinism (Lake Mary, FL: Reformation Trust, 2008). 225-7. 3. T. H. L. Parker, The Oracles of God: Na Introduction to the Preaching of John Calvin (Londres: Lutterworth Press, 1947), 33. 4. Parker, Oracles, 39. 5. Cited Parker, John Calvin, 154. 6. Karl Gottlieb Bretschneider et al. eds., Corpus Reformatorum, 101 vols. (Halle: Schuvetske, 1863-1900). The Calvin works comprise Series 2 desta coleção, Ioannis Calvini, Opera Quae Supersunt Omnnia, vols. 29-87. Cf. Robert Reymond, John Calvin: His Life and Influence (Fearn, Tain, Ross-shire, UK: Christian Focus, 2004), 13n. 7. David W. Hall, The Legacy of John Calvin: His Influence on the Modern World (Phillipsburg, NJ: P & R, 2008), 60. 8. T.H.L. Parker, Portrait of Calvin (Londres: SCM Press, 1954), 82. 9. Parker, John Calvin, 92. 10. Steven J. Lawson, “The Preacher of God’s Word”, in John Calvin: A Heart for Devotin, Doctrine and Doxology, Ed Burk Partsons (Lake Mary, FL: Reformation Trust, 2008). 72-79. 11. Joel Beeke, “Calvin’s Evangelism”, Puritan Reformed Spirituality (Darlington, UK: Evangelical Press, 2004), Capítulo 3. 12. The Life of John Calvin in The Banner of Truth, 227-228 (1982), 56-7. 13. John Calvin: A Heart for Devotin, Doctrine and Doxology, 5. 14. Hall, Legacy of John Calvin, 13-41. 15. Cotton Mather, The Great Works of Christ in America, vol. 1 (reprinted Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1979), 274.

Confissão de Fé de Westminster Capítulo VII → Do Pacto de Deus com o Homem

I. Tão grande é a distância entre Deus e a criatura, que, embora as criaturas racionais lhe devam obediência como ao seu Criador, nunca poderiam fruir nada dele como bemaventurança e recompensa, senão por alguma voluntária condescendência da parte de Deus, a qual foi ele servido significar por meio de um pacto. II. O primeiro pacto feito com o homem era um pacto de obras; nesse pacto foi a vida prometida a Adão e nele à sua posteridade, sob a condição de perfeita obediência pessoal. I. Ref. Jó 9:32-33; Sal. 113:5-6; At. 17:24-25; Luc. 17: 10. II. Ref. Gal. 3:12; Rom. 5: 12-14 e 10:5; Gen. 2:17; Gal. 3: 10.

12

Revista Os Puritanos 3•2009


A Santidade que o Evangelho Requer “Sede santos porque eu sou santo” (I Pe. 1:16)

John Owen

A

Mas logo a carne se cansa. A pessoa dá desculpas por não continuar com alguns deveres. A carne rece-

santidade bíblica requer contínua batalha espi-

be muito apoio da mente carnal, não espiritual, não

ritual para que seja mantida. O diabo, a carne e

convertida. Um dever atrás do outro é omitido e final-

o mundo lutarão para nos afastar da verdadeira

mente abandonado. O dever de conservar o corpo em

santidade do evangelho para algo inferior, mas inaceitável a Deus. Portanto somos instruídos a “resistir” ao diabo (1 Pe

sujeição é negligenciado (1 Co 9.27). Os crentes verdadeiros ficam humilhados por terem desertado do dever assim, e retornam pela graça de

5.8, 9). Para fazer isso, precisamos nos revestir de toda

Deus à diligência de antes (Sl 119.176). Mas os hipó-

a armadura de Deus (Ef 6.12, 13).

critas não ficam preocupados demais por estarem ne-

Devemos “fugir”, “abster-nos” das paixões carnais que fazem guerra contra a alma (1 Pe 2.11).

gligenciando deveres bíblicos. O pecado que neles habita está guerreando contra

E compete-nos “não amar o mundo nem as coisas

a santidade e prevalecendo, muitas vezes. Ele obtém

que há no mundo” (1 Jo 2.15). Mas compete-nos ven-

êxito em desgastar a mente com seus rogos contínuos

cer o mundo pela fé, aquela fé que crê que Jesus é o

pelo seu antigo domínio. O hipócrita no passar do tem-

Filho de Deus (1 Jo 5.4, 5).

po dá atenção ao pecado que reside nele, enquanto que

Deus não aceitará o desempenho indolente, desanimado de algumas obrigações com a abstinência de al-

o crente se firma na promessa de que “o pecado não terá domínio” sobre ele (Rm 6.14).

guns pecados. Crucificar o pecado, mortificar paixões

A pessoa não convertida desconhece o meio certo

irrestritas, resistir ao diabo, fugir de apetites carnais e

de se achegar ao Senhor Jesus Cristo a fim de ter a gra-

não amar o mundo são obrigações bíblicas que deve-

ça e o auxílio do Espírito para conservá-la num estado

mos manter constantemente enquanto vivermos neste

de santidade bíblica. Por isso tem que lutar por si só e

mundo.

logo se satisfaz com aquela santidade que a carne pode

Assim como os israelitas foram desalentados e de-

produzir. Mas o cristão verdadeiro não se satisfaz com

sencorajados pelos dez espias quando chegaram pela

uma santidade que pode ser produzida e existir sem

primeira vez às fronteiras de Canaã, assim muitos que

Cristo e seu Espírito. O cristão sabe que sem Cristo ele

não estão longe do reino de Deus ficam desencoraja-

nada pode fazer, muito menos produzir uma santidade

dos e desanimados quando são informados dessa guer-

aceitável a Deus (Jo 15.5).

ra espiritual que dura até o fim da vida (Nm 13.32; Mc

Assim como a ignorância da justiça de Cristo é o

12.34). Se não se cuidam, vêem os gigantes espirituais

motivo pelo qual os homens andam por aí tentando es-

pela frente, mas não vêem o poder e a graça de Cristo.

tabelecer sua própria justiça, assim a ignorância sobre

Só aqueles que são de fato “nascidos de novo” entrarão

saber viver de contínuo pela graça e força de Cristo é

no reino de Deus e batalharão.

a razão pela qual muitos se voltam a um padrão mais baixo de santidade, que não é santidade nenhuma.

Alguns procuram entrar no reino de Deus sem que sejam regenerados, e assim não têm nenhuma força

O Verdadeiro Arrependido → A pessoa não con-

espiritual para lutar contra os inimigos da santidade.

vertida não conhece e não pode produzir um arrepen-

Acham que vão vencer pela força da carne somente.

dimento bíblico verdadeiro. Arrependimento é o dom

Revista Os Puritanos 3•2009

13


John Owen

A bruxa a quem o Rei Saul consultou tinha um “espírito familiar”. A princípio, o diabo é temido, mas depois, à medida

A santidade bíblica requer obediência constante, habitual em todos os deveres, e proíbe qualquer pessoa de ter desejos impuros da mente ou da carne.

que é recebido diariamente, ele se torna um espírito familiar. A pessoa enganada pensa que o diabo está em seu poder quando na realidade ela é que está no poder do diabo. É o mesmo com qualquer apetite carnal não mortificado. Torna-se um pecado costumeiro, familiar. O homem pensa que ele está controlando aquela paixão e pode lançá-la fora quando quiser. Mas na realidade aquela paixão já o controla. Tais pessoas se dispõem voluntariamente a ser ignorantes quanto à exten-

de Deus (At 5.31; 11.18; 2 Tm 2.25).

pode negligenciar nenhum dever. Não

É essa graça do verdadeiro arrependi-

se pode ceder a nem um só pecado.

mento que faz o crente prosseguir atra-

são interna, espiritual, dos mandamentos do evangelho. Uma mente generosa,

O evangelho providencia alívio mi-

liberta de temores supersticiosos pela

vés de todas suas falhas, fraquezas e

sericordioso e perdão por aqueles pe-

educação, livrará o homem de todos

pecados. É a porta para a santidade e o

cados diários que nos vencem por cau-

seus sentimentos de culpa. Assim a

guardião que conserva os verdadeiros

sa de nossa fraqueza (1 Pe 4.1, 2). Con-

pessoa instruída chega a crer que cul-

crentes na santidade. O arrependimen-

tudo não permite que nenhum pecado

pa por pequenos pecados só promove

to opera conservando os crentes numa

seja poupado, nutrido e amado. Uma

os interesses dos pregadores. Poucas

atitude de auto-humilhação sincera, o

vida habitual de pecado é inteiramente

pessoas podem entender a imundície e

que vem de sentir a majestade e san-

incoerente com a obediência bíblica (1

poluição do pecado.

tidade de Deus e reconhecer o quanto

Jo 3.6-9).

aquém da glória dele ficam até mesmo

A perfeição exigida na nova aliança

suas melhores obrigações. Aquele que

é a sinceridade, a integridade, estar

“Por que vamos nos preocupar com falhas triviais, pouco importantes?” perguntam.

Quão facilmente as pes-

não percebe a graciosa doçura e gran-

isento de engano, e andar segundo o

soas são enganadas pelas suas corrup-

de utilidade do verdadeiro arrepen-

Espírito e não segundo a carne, em no-

ções quando não têm o senso da santi-

dimento não sabe o que é andar com

vidade de vida (Gn 17.1; 1 Jo 3.7-10).

dade de Deus e da santidade de sua lei.

Deus. Aquele que não consegue provar

Orgulho, ambição, cobiça, amor ao

nenhum consolo espiritual em sua tris-

O Apetite não Mortificado → É por

mundo, impureza, ganância, ostenta-

teza advinda dessa graça do arrependi-

isso que tantos abandonam o evan-

ção e ócio — todos pedem a gratifica-

mento, que pensa que arrependimento

gelho. Não conseguem ver o pecado

ção de um ou outro pecado.

tem a ver apenas com a lei e o medo

como o evangelho o vê, nem julgar que

Tais pessoas não são aprovadas por

do juízo, não achará fácil viver na prá-

sejam pecado e vileza aquelas coisas

Deus e não têm base sobre a qual espe-

tica do arrependimento todos os dias

que o evangelho declara serem peca-

rar a bênção ou auxílio dele. Um peca-

da sua vida.

do. Debaixo dessas trevas e ignorân-

do faz o homem culpado de toda a lei

cia, toda espécie de apetites imundos

(Tg 2.10). O salmista disse que se ele

cia constante, habitual em todos os de-

são nutridos com estima nos corações

contemplasse no coração a iniquidade,

veres, e proíbe qualquer pessoa de ter

das pessoas. Elas estão dispostas a se

o Senhor não o ouviria (Sl 66.18).

A santidade bíblica requer obediên-

desejos impuros da mente ou da carne.

mostrar insensíveis à culpa de algum

A nós cabe “aperfeiçoar a santidade

apetite não mortificado. O jovem rico

no temor de Deus” (2 Co 7.1). Nenhu-

que se chegou a Cristo não quis tomar

Satisfazer o desejo de um pecado

ma provisão será feita para a carne sa-

sua cruz e seguir a Cristo por causa do

desvia a alma de usar aqueles meios

tisfazer suas cobiças (Rm 13.14). Estes

amor ao dinheiro que estava em seu

com os quais todos os outros pecados

são os termos do evangelho. Não se

coração.

devem ser resistidos.

14

Satisfazer o desejo de um só pecado abre a porta para mais pecados.

Revista Os Puritanos 3•2009


A Santidade que o Evangelho Requer

As pessoas também se voltam da

e dos juízos de Deus sobre o pecado

delas estivessem poluídas, suas pai-

santidade bíblica porque suas graças

não são coisas que os homem louvam.

xões não fossem mortificadas, que o

não gozam de alta estima em nosso

Mas estas são as jóias preciosas do

coração fosse soberbo e teimoso, e a

mundo Os filósofos morais proclamaram

coração com que Deus se agrada. O mundo, no entanto, considera-as

alma destituída das graças espirituais e celestes, porque essas suas obras ex-

seu amor à virtude porque ela andava

fracas, supersticiosas, tolas e insensa-

teriores gloriosas, vistas e admiradas

de mãos dadas com sua própria honra,

tas. O mundo não reconhece que a san-

pelos homens, com certeza as levariam

glória e bom nome pessoal. As virtudes

tidade bíblica trata com o coração e a

a uma bendita imortalidade na glória

consideradas por eles como as maio-

mente que nenhum olho mortal pode

eterna.

res eram as mesmas vistas e louvadas

ver e com o qual poucos se preocupam.

Este véu hipócrita estando rasgado,

pelos homens. Os fariseus praticavam

Portanto as virtudes do evangelho são

cuidemo-nos para que não negligencie-

sua religião para serem vistos pelos

rejeitadas em favor daquelas virtudes

mos deveres externos que são para a

homens. Amor por si e amor de serem

que o mundo tem em alta estima.

glória de Deus e o bem da humanidade

louvados pelos homens eram a motivação de toda sua religião.

Quando a grande apostasia teve iní-

em troca de graças interiores somente.

cio e as igrejas se afastaram do poder

A verdadeira santidade do evangelho

Mas mansidão, bondade, negação

e da pureza do evangelho, o primeiro

não só purifica o homem interior, mas

de si próprio, pobreza de espírito, cho-

passo foi conseguir que as pessoas ne-

também conduz àquelas boas obras

rar pelo pecado, ter fome e sede de

gligenciassem as graças principais do

“que Deus preparou de antemão para

justiça, ter misericórdia e compaixão,

evangelho, tais como a necessidade da

pureza de coração, honestidade e sim-

regeneração e um princípio celestial

plicidade de espírito, disposição para

de vida espiritual; fizeram isso incenti-

sofrer e perdoar injúrias, zelo por Deus,

vando obras esplêndidas de piedade e

desprezo pelo mundo e temor de pecar

caridade. Não importava que a mente

que andássemos nelas” (Ef 2.10). Extraído do livro A Apostasia do Evangelho, John Owen, “Editora Os Puritanos”, pp. 139-144

Imagens Mortas “Os que desejam cumprir corretamente o ministério do evangelho devem aprender não apenas a falar e a citar textos, mas também a penetrar a consciência das pessoas, de modo que os homens vejam Cristo crucificado e o derramamento de seu sangue. Quando a igreja tem pintores como estes, ela não precisa mais de imagens mortas feitas de madeira e pedra, nem de quaisquer pinturas. Com certeza, as imagens e pinturas foram inicialmente admitidas nos templos cristãos quando os pastores se tornaram mudos e se tornaram meras sombras ou quando passaram a falar poucas palavras do púlpito, de modo tão frio e negligente, que o poder e eficácia do ministério foram completamente extintos”. João Calvino. Comentário de João Calvino na epístola aos Galátas, cap. 3, v. 1b.

Revista Os Puritanos 3•2009

15


O Testamento de Calvino Em nome do Senhor, Amém. Eu, João Calvino, ministro da Palavra de Deus nesta Igreja de Genebra, sendo afligido e oprimido por várias doenças, as quais levam-me a crer que o Senhor Deus determinou tirar-me deste mundo com brevidade, resolvi fazer o meu testamento e deixá-lo por escrito da seguinte maneira: Primeiramente, agradeço a Deus, que tendo misericórdia de mim, a quem Ele havia criado e colocado neste mundo, não somente me libertou das profundas trevas da idolatria, nas quais eu estava mergulhado, de forma a levar-me para a luz do Seu Evangelho, fazendo-me participante da doutrina da salvação, da qual sou totalmente indigno. Não somente isso, mas com a mesma misericórdia e benignidade, graciosa e amavelmente suportou meus erros e pecados, pelos quais eu merecia ser rejeitado e exterminado; como também concedeu-me tal clemência e bondade, de forma a usar minha assistência na pregação e proclamação da verdade deste Evangelho. Eu testifico e declaro que é minha intenção passar o que ainda resta de minha vida na mesma fé e religião, as quais Ele me entregou através do Evangelho. Além disso, declaro que não possuo qualquer outra defesa ou refúgio como salvação, além da adoção gratuita, da qual unicamente ela depende. Abraço de todo o meu coração a misericórdia exercida para comigo através de Jesus Cristo, o qual expiou meus pecados através dos méritos de Sua paixão e morte, para que, dessa forma, pudesse expiar todos os meus crimes e erros e afastá-los de Sua memória. Testifico e declaro, também, que suplico ardorosamente para que Ele se agrade em me lavar e purificar no sangue que meu Soberano Redentor derramou pelos pecados da raça humana, para que, dessa forma, sob a Sua sombra, eu possa permanecer diante do trono do julgamento. Declaro ainda que, de acordo com a medida da graça e bondade que o Senhor revelou para comigo, tenho me esforçado, tanto em meus sermões, como em meus escritos e comentários, em pregar a Sua Palavra, de forma pura e casta e tenho tentado interpretar fielmente Suas sagradas escrituras. Testifico e declaro ainda que, em todas as disputas e discussões nas quais tenho me envolvido com os inimigos do Evangelho, não tenho feito falsificações, e nem me utilizado de artifícios ímpios ou sofísticos; porém tenho agido sincera e simplesmente na defesa da verdade. Mas, ai de mim! Meu zelo e ardor (se é que merecem esse nome) têm sido tão descuidados e fracos que confesso ter falhado diversas vezes em executar meu ofício adequadamente e, se não fosse a assistência da bondade ilimitada de Deus, todo aquele zelo teria sido passageiro e inútil. Reconheço também que, se a mesma bondade não me tivesse sustentado, os dotes intelectuais com os quais o Senhor me proveu, seriam uma prova, no dia do juízo, cada vez maior do meu pecado e negligência. Por todos esses motivos, testifico e declaro que não possuo qualquer outra segurança da minha salvação a não ser esta e esta somente: que como Deus é o Pai de misericórdia, Ele se revelará a mim como Pai dessa forma, pois me considero como miserável pecador. Quanto ao restante, desejo que, após minha partida desta vida, meu corpo seja entregue à terra (conforme o uso e o costume desta Igreja e cidade), até que chegue o dia da feliz ressurreição.

João Calvino. Extraído do livro “The Reformation” de Hans F. Hillerbrand, págs. 207.208

16

Revista Os Puritanos 3•2009


Evangelho não em Palavras, mas em Poder “Porque o nosso evangelho não chegou até vós tão somente em palavra, mas sobretudo em poder, no Espírito Santo...” (1 Ts. 1:5) Robert Murray M’Cheyne (1813-1843)

“P

não tem raiz em si mesmos e ela perdura somente por pouco tempo.

orque o nosso evangelho não chegou até vós tão

Ó minha alma! tu estás contente em receber o evan-

somente em palavra, mas sobretudo em poder,

gelho somente em palavra? Pode um faminto ser ali-

no Espírito Santo e em plena convicção, assim

mentado somente com o aroma do alimento? Ou pode

como sabeis ter sido o nosso procedimento entre vós,

um mendigo tornar-se rico somente ouvindo o tilintar

e por amor de vós.” (1 Ts. 1:5).

do dinheiro? E pode a minha alma faminta encontrar

Muito feliz é o pastor que pode dirigir ao seu povo

descanso pelo ouvir dos címbalos do evangelho? É te-

estas palavras. Ó! que todos os nossos pastores pudes-

meroso cair no inferno sob o som da misericórdia do

sem, verdadeiramente, dizer isto. Porque não é assim?

evangelho.

Certamente se fossemos determinados, como Paulo,

Mas há alguns que não somente ouvem o evan-

a “nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este

gelho, mas conhecem o evangelho; e ainda assim ele

crucificado”, se fôssemos cheios do mesmo Santo Espí-

chega a eles somente em palavras. Quantas crianças

rito, se vivêssemos a mesma vida devota e levássemos

crescem sujeitas a pais piedosos, bem catequizadas

a mesma mensagem noite e dia, com lágrimas, deve-

nas verdades divinas, bem disciplinadas na Bíblia, ten-

ríamos ser capazes de usar estas preciosas palavras.

do compreensão do evangelho e possuidoras de todo

“Aquele que sai chorando, levando a semente para se-

conhecimento; nenhum ponto é novo para elas. E mes-

mear, voltará com cânticos de júbilo, trazendo consigo

mo assim, não têm visão espiritual; não provam nem

os seus molhos”.

vêem que Cristo é bom; não há pedra embaixo de seus

O dia de Pentecostes foi a época dos primeiros fru-

pés. Ah! estes são os mais miseráveis de todos os ou-

tos. O dia da colheita está por vir. Os apóstolos tiveram

vintes inconversos. Eles afundarão mais baixo do que

a primeira chuva. Nós esperamos pelo tempo das últi-

Cafarnaum. Ah! quantos filhos de pastores, quantos

mas chuvas.

professores de escola dominical, quantos pregadores do evangelho podem saber, que o evangelho os alcan-

Um ministério mal sucedido → O evangelho che-

ça somente em palavras e nunca em poder. Quão triste

ga ao povo só em palavras. Quão frequentemente um

é perecer apontando para a cidade de refúgio; pregar a

pastor fiel prega o evangelho e o povo parece bebê-lo

outros para então ser rejeitado.

com alegria! Uma áurea de eloquência natural ilumina tudo o que ele diz ou ele tem um estilo emociona-

Mas há um caminho mais excelente. Voltemo-nos para meditar nele:

do e brando que prende a atenção deles, mas nenhum efeito salvífico parece segui-lo. Corações não são

Um ministério bem sucedido → “nosso evangelho che-

quebrantados e nenhuma alma adicionada à Igreja.

gou ate vocês em poder”. Que coisa ineficaz o evange-

Assim foi com Ezequiel “Eis que tu és para eles como

lho parece algumas vezes. O pastor é meio envergo-

quem canta canções de amor, que tem voz suave e

nhado dele. O povo dorme ante suas mais impactan-

tange bem; porque ouvem as tuas palavras, mas não

tes afirmações. Porém, em outras vezes, o evangelho

as põem por obra” (Ez. 33:32). Estes são aqueles que

é evidentemente, “o poder de Deus para a salvação”.

recebem a palavra em solo pedregoso; eles ouvem a

Um poder invisível acompanha a palavra pregada, e

palavra e sem demora, com alegria, a recebem, mas

o templo parece ser a casa de Deus e o portão do céu.

Revista Os Puritanos 3•2009

17


Robert Murray M’Cheyne

não é trabalho de homem, mas de Deus. Também quando um pecador tem seus olhos ungidos, ele vê a beleza gloriosa

Quando o Espírito Santo vem, os mais débeis instrumentos são feitos poderosos, “poderosos em Deus, para demolição de fortalezas”. Ó! Ore por tal tempo.

e a abundância de Cristo, de forma que seu coração se enche com uma confortável certeza da verdade do evangelho. Ele não pergunta por evidências. Ele vê evidência suficiente no próprio Cristo. Ele diz: eu sou todo culpado, Tu és Jeová minha justiça. Eu sou todo débil, tu és Jeová meu estandarte. Eu sou todo vaidade, em Ti habita toda a plenitude da divindade. “O meu amado é meu, e eu sou dele; ele apascenta o seu rebanho entre os lírios”. É isto que enche o peito com jubilo e paz. É isto que dá

Então a palavra de Jeremias é cumpri-

futilidade dos corações dos pecadores,

um doce senso de perdão e proximida-

da: “Não é minha palavra fogo, diz o Se-

de tal forma que eles se voltem para

de com Deus. É isto que nos capacita

nhor, o martelo que esmiuça a penha?”

o Senhor (2 Co. 3:16). A mente carnal

a orar. Agora podemos dizer: “Então

(Jr.23:29). Então pecadores resistentes

tem uma inimizade tal com Deus, o pe-

minha alma se regozijará no Senhor;

são despertados. Idosos, os de meia-

cador inconverso está tão morto nos

exultará na sua salvação”; “Eu sei que

idade e crianças pequenas são levados

seus delitos e pecados, o homem car-

o meu Redentor vive”; “Quem nos sepa-

a clamar: “O que devo fazer para ser

nal é tão ignorante das coisas divinas,

rará do amor de Cristo?”.

salvo?” Um silêncio impressionante

que precisa haver o trabalho do Todo

Este é o evangelho que chega em

toma conta da assembléia. As flechas

Poderoso Espírito, avivando, iluminan-

plena convicção. Ó! Feliz ministro que

do Rei de Sião penetram no coração

do e tornando-o desejoso, antes que o

pode tomar estas palavras de Paulo

dos inimigos do Rei e o povo é humi-

pecador aceite a Jesus.

e dizer “nosso evangelho não chegou

lhado sob Ele. Ó pecador! o evangelho

Ó pecador! O Espírito Santo veio até

até vós tão somente em palavra, mas

chega a ti em poder? O martelo do

você? Doce é a paz que gozam aqueles

sobretudo em poder, no Espírito San-

evangelho tem quebrado teu coração

ensinados por Ele. Quando é tempo

to e em plena convicção, assim como

de pedra? O fogo da palavra tem der-

de sequidão, pastores militam em vão;

sabeis ter sido o nosso procedimento entre vós, e por amor de vós”.

retido teu coração gelado? Tem a voz

eles gastam suas forças por nada e em

que é “como o barulho de muitas águas”

vão. Eles se sentem como que parados

falado de paz para a tua alma?

à beira mar, falando às pedras duras,

“Nosso evangelho chegou até você

ou às ondas violentas, ou ao indomável

no Espírito Santo”. É Ele, a terceira

vento. Mas, quando o Espírito Santo

pessoa da Santa Trindade, que faz com

vem, os mais débeis instrumentos são

que o evangelho chegue em poder. Era

feitos poderosos, “poderosos em Deus,

Ele quem “pairava sobre a face das

para demolição de fortalezas”. Ó! Ore

águas”, quando este mundo estava sem

por tal tempo.

forma e vazio, e trouxe vida e beleza a

“Nosso evangelho chegou até vós,

um mundo morto (Gn.1:2). É Ele quem

em plena convicção”. Este é o efeito na

se move sobre a face da natureza silen-

alma, quando a palavra vem com po-

ciosa, quando o inverno passa, e traz

der, através da obra do Espírito Santo.

a vida fresca da primavera para fora

A alma, assim instruída, tem uma doce

do solo frio: “Envias o teu fôlego, e

convicção da verdade referente as

são criados; e assim renovas a face da

grandes coisas reveladas no evangelho.

terra” (Sl.104:30). Mas acima de tudo,

Quando um homem contempla o

é trabalho do Espírito Santo retirar a

sol, ele sente uma certeza de que ele

18

Tua igreja é tua alegria aqui, e será tua coroa por toda a eternidade.

Pelo conhecimento do evangelho somos feitos: filhos de Deus, irmãos de Jesus Cristo, compatriotas dos santos, cidadãos do Reino do Céu, herdeiros de Deus com Jesus Cristo, por meio de quem: os pobres são enriquecidos; os fracos, fortalecidos; os néscios, feitos sábios; os pecadores, justificados; os solitários, confortados; os duvidosos, assegurados; e os escravos, libertados. João Calvino Fragmentos do prefácio de Calvino à versão francesa do NT (1534) por Pierre Robert Olivétan. Traduzido por Marcos Vasconcelos.

Revista Os Puritanos 3•2009


A Suficiência da Escritura e a Regra de Fé de Israel “Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do Senhor, vosso Deus, que eu vos mando” (Dt. 4:2) Tiago Baía e Daniel Souza

O

mulheres, e os meninos, e os estrangeiros que andavam no meio deles” (Js.8: 34-35).

povo do livro de Deuteronômio é formado dos filhos de Israel que saíram do Egito e acabaram

Josué entendeu muito bem que a Palavra escrita, a

morrendo no deserto por terem sido rebeldes

lei do Senhor, era suficiente para conduzi-lo no seu mi-

para com a lei de Deus e à liderança de Moisés. A rebel-

nistério, pois o próprio Senhor lhe garantiu que assim

dia do povo se deu em desconsiderar a suficiência da

seria se ele permanecesse fiel a essa lei e se dedicasse

Escritura ao transgredir o mandamento do Senhor em

à sua meditação diuturnamente.

Deuteronômio 4:2: “Nada acrescentareis à palavra que

“Tão somente sê forte e mui corajoso para teres o cuidado

vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os

de fazer segundo toda lei que Moisés te ordenou; dele não

mandamentos do Senhor, vosso Deus, que eu vos man-

te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para

do”. Esse texto refere-se ao momento em que Moisés

que sejas bem-sucedido por onde quer que andares. Não

está ordenando aos seus ouvintes a se reportarem para

cesses de falar deste livro da lei; antes, medita nele dia

aquilo que o Senhor havia ordenado em sua lei, pois

e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo

foram testemunhas oculares da revelação do Senhor

quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu ca-

no Sinai.

minho e serás bem-sucedido” (Js.1.7,8; cf. 8:30-35; 24:26).

Mas como já havia se passado certo tempo, Moisés achou importante lembrá-los que a Palavra do Senhor

Essa verdade também se encontra nos escritos dos

escrita era completa para conduzi-los à obediência, e

profetas do Velho Testamento. Deus falou de forma au-

por isso ela não poderia ser alterada pelo povo. Ou

dível com o profeta Samuel (1Sm. 3) e o ordenou que

seja, não poderia ser nem diminuída nem acrescenta-

escrevesse num livro os regulamentos do reinado de

da, excetuando-se as informações que seriam inseridas

Israel e o colocasse diante do Senhor (cf. 1Sm. 10:25),

pelos profetas sob a orientação do Espírito Santo, até

mostrando o papel do profeta em escriturar aquilo que

o momento em que a Bíblia se tornasse completa com

havia sido revelado oralmente. É interessante notar

as revelações da Nova Aliança no Novo Testamento.

que Samuel organizou a casa dos profetas (1Sm. 10:5-

Moisés advertiu aos seus ouvintes que, quando entras-

11) para “estudar a lei de Deus, guardar um registro

sem na terra prometida, observassem cuidadosamente

da história de Israel e para preservar seus próprios

a lei escrita do Senhor para que não lhes sucedesse o

escritos proféticos”.1 Por exemplo, Samuel, Natã e

mesmo que ocorreu com os seus pais que morreram

Gade registraram a história de Davi (cf. 1Cr. 29:29);

no deserto.

Natã, Aías e Ido registraram a história de Salomão (2Cr.

A partir de Deuteronômio, a leitura pública da lei

9:29); Semaías e Ido registraram o reinado de Roboão

do Senhor e a conclamação do povo à obediência se

(2Cr. 12:15); Ido registrou a história do rei Abias; Jeú

tornam uma constante, tendo como base o modelo mo-

registrou o reinado do rei Josafá (2Cr. 20:34); Isaías

saico seguido fielmente por Josué:

registrou as histórias de Uzias e Ezequias (2Cr. 26:22;

“Depois, leu todas as palavras da lei, a bênção e a maldição, segundo tudo que estava escrito no livro da lei. Palavra

32:32); videntes desconhecidos registraram a vida de Manassés (2Cr. 33:19).

nenhuma houve, de tudo que Moisés ordenara, que Josué

As evidências escriturísticas veterotestamentárias

não lesse, para toda a congregação de Israel, e para as

apontam fortemente para a realidade de que os livros

Revista Os Puritanos 3•2009

19


Tiago Baía e Daniel Souza

a morte se o fizer. Ele diz que a sua lei escrita é suficiente para guiar o seu povo, pois ela é a verdadeira Palavra

Quando Deus queria preservar sua Palavra de forma duradoura e autoritativa para a geração futura do seu povo, Ele mandava o profeta escrever aquilo que havia dado por divina revelação.

de Deus e deve ser lida, ensinada e observada pelo povo para nunca mais ser esquecida (cf. Js. 8:30-35; Ne. 8:1-18; Ml. 4:4-6). Toda essa evidência prova que não há nenhuma tradição oral preservada e citada por um profeta. Mesmo assim, em contrapartida, o católico romano, Blosser, defensor da tradição oral, ainda tenta argumentar da seguinte maneira: “Na verdade, Krehbiel oferece uma refutação bíblica interessante desta suposição [Sola Scriptura no Velho Testa-

de Samuel, Reis e Crônicas foram ba-

tão importante a necessidade da escri-

mento] em 2 Crônicas 29:25 e 35:4, em

seados e preservados não numa tra-

turação da Palavra de Deus que os pro-

que ambos Ezequias e Josias usaram

dição oral passada de geração em ge-

fetas citavam os escritos dos profetas

ensinamentos extra-bíblicos de profe-

ração, mas por meio da escrituração

mais antigos, mostrando exatamente a

tas que haviam morrido há centenas de

da Palavra de profetas em uma escola

progressividade da revelação escrita e

anos em suas reformas, em violação à

profética estabelecida pelo profeta

a intenção de Deus em preservar para

suposição que apenas aqueles ensinos

Samuel. Quando Deus queria preser-

o futuro somente a Escritura como

preservados nas Escrituras canônicas

var sua Palavra de forma duradoura e

norma e padrão de vida para seu povo

são autoritativos. O que é interessante

autoritativa para a geração futura do

(cf. Jl. 2:32 e Ob. 17; Am. 1:2 e Jl. 3:16;

sobre o primeiro verso (29:25) é que as

seu povo, Ele mandava o profeta escre-

Jr. 26:18 e Mq. 3:12; Ez. 14:14, 20; Dn.

instruções de Davi, Gade e Natã obser-

ver aquilo que havia dado por divina

9:10 e Jr. 29:10; Zc. 7:12; Ml. 4:4).

vadas por Ezequias são descritas como

revelação, como está registrado nos textos de Jeremias e de Isaías:

Além de ser porta voz da Palavra do

sendo o mandamento do Senhor através

Senhor para o povo, uma das grandes

de seus profetas, embora (1) eles estives-

características do ministério profético

sem mortos há muito tempo na época de

dizendo: Assim fala o Senhor, Deus de Is-

no Velho Testamento, era repreender

Ezequias e (2) não há registro na Escri-

rael: Escreve num livro (ênfase nossa) to-

esse povo com base na lei de Deus

tura canônica que sirva como base para

das as palavras que Eu disse” (Jr. 30:1,2).

quando ele se afastasse do que era

as ações de Ezequias. 2

“Vai, pois, escreve (ênfase nossa) isso

estabelecido por essa lei, com o pro-

Blosser considera as instruções dos

“Palavras que do Senhor veio a Jeremias,

numa tabuinha (ênfase nossa) perante

pósito de que o povo fosse obediente

profetas Davi, Gade e Natã como tra-

eles, escreve-os num livro (ênfase nossa),

ao Senhor. Vemos isso registrado pelo

dições orais porque foram preserva-

para que fique registrado para os dias

profeta Isaías:

das por vários anos sem ser por meio

vindouros, para sempre, perpetuamente” (Is. 30:8).

“Quando vos disserem: Consultai os ne-

de registro ou escrituração inspirada.

cromantes e os adivinhos, que chilreiam

Blosser e Krehbiel falham em perce-

e murmuram, acaso, não consultará o

ber que Ezequias e Josias não estão

Por inferência lógica concluímos

povo a Deus? A favor dos vivos se con-

seguindo uma tradição oral passada de

que assim foi com todos os outros es-

sultarão os mortos? À lei e ao testemu-

geração em geração, mas estão seguin-

critos proféticos que entraram no câ-

nho! Se eles não falarem desta maneira,

do as instruções inspiradas por Deus

non. Deus ordenava que se registrasse

jamais verão a alva” (Is. 8:19-20).

e escrituradas pelos profetas Samuel,

Deus, por meio do seu profeta, está

2Cr. 9:29) e, que por essa razão, eram a

o que era revelado e assim os profetas de Senhor obedeciam (cf. 1Cr. 29:12,

Natã, Gade, Aías e Ido (cf. 1Cr. 29:29;

19; Is. 8:1; Jr. 25:13; 36:2, 27-28; Ez.

proibindo o povo de consultar os adivi-

Palavra de Deus escrita. A não ser que

24:1, 2; 43:11; Dn. 9:2; 12:4; Hc. 2:2). É

nhos e necromantes ameaçando-o com

os papistas não considerem Escritura

20

Revista Os Puritanos 3•2009


A Suficiência da Escritura e a Regra de Fé de Israel

aquilo que Deus revelou por meio de

vos segundo as vossas famílias, segun-

damentar uma prática sobre uma tradi-

um profeta, sendo depois escrito. Logo,

do os vossos turnos, segundo a pres-

ção oral é o mesmo que construir uma

para a frustração dos católicos roma-

crição (ênfase nossa) de Davi, rei de

casa sobre a areia (cf. Mt. 7:26-27). A

nos, as instruções não eram extra-bí-

Israel, e a de Salomão, seu filho”. A pa-

tradição necessita da Escritura para se

blicas, mas totalmente escriturísticas,

lavra “prescrição” pode ser traduzida

firmar, porém o Velho Testamento em

por causa de sua forma de preservação

por “escrito” ou “registrada”, desta

lugar algum fornece base ou justificati-

(escriturada) e de sua natureza (divina-

forma “é preciso a febril imaginação

va para uma tradição oral independen-

mente inspirada). Isso pode ser com-

de um romanista para transubstanciar

te e no mesmo nível da Palavra escrita

provado pela simples razão de que as

[transformar] instruções escritas em

de Jeová.

orientações de Davi, registradas pelos

tradições orais. [...] Ironicamente, Ma-

profetas, entraram no cânon do Velho

drid [Blosser e Krehbiel] apela[m] para

Testamento posteriormente (cf. 1Cr.

a palavra escrita a fim de estabelecer

6:31ss; 16:4-7, 40-42; 23:13, 24, 30-

a alegada autoridade da tradição oral.

31; 25:1-6), testificando a necessidade

Porque a tradição oral não pode se es-

de escrever aquilo que Deus tinha fala-

tabelecer por si mesma”?3 A verdade

do para guiar o povo pactual e impedir

pura e simples é esta: se a tradição oral

que a lei do Senhor fosse transmitida

depender de si mesma, ela desaba; ine-

por uma tradição de viva-voz.

xistem na tradição oral, preservada por

Além do mais, 2 Cr. 35:4 combate a

séculos, as instruções de Davi para o

idéia de uma tradição oral: “Preparai-

povo de Israel. Certamente tentar fun-

Extraído da monografia apresentada por Tiago Baía e Daniel Souza ao Seminário Presbiteriano Teológico do Nordeste, Teresina-PI, para obtenção do grau de Bacharel em Teologia/2007. 1. REYMOND, op. cit., p. 7. 2. SUNGENIS, op. cit., p. 48. 3. CRAMPTON, Gary W. By Scripture Alone: the sufficiency of scripture. Unicoi: Trinity Foundation, 2002, p. 161-162. Visto que as tradições na visão romana têm a mesma autoridade das Escrituras e é base do entendimento ou interpretação da Bíblia, então elas deveriam ser, assim como as Escrituras, autosustentáveis. Porém, isso está longe de ser o caso!

Catecismo Maior de Westminster

P.20 → Qual foi a providência de Deus para o homem no estado em que ele foi criado? A providência de Deus para com o homem no estado em que ele foi criado consistiu em colocá-lo no Paraíso, designando-o para o cultivar, dando-lhe liberdade para comer do fruto da terra; pondo as criaturas sob o seu domínio; e ordenando o matrimônio para o seu auxílio; em conceder-lhe comunhão com Deus, instituindo o dia de descanso, entrando em um pacto de vida com ele, sob a condição de obediência pessoal, perfeita e perpetua, da qual a árvore da vida era um penhor, e proibindo-lhe comer da árvore da ciência do bem e do mal sob pena de morte. Gen. 1:28, e 21:15-16, e 1:26, e 3:8, e 2:3, Exo. 20:11; Gal. 3:12; Gen. 2:9, 16-17.

Revista Os Puritanos 3•2009

21


Um Convite Amoroso Volta, ó Israel, para o SENHOR, teu Deus, porque, pelos teus pecados, estás caído Os 14.1 Aqui o profeta exorta os israelitas ao arrependimento, mas ainda lhes dá alguma esperança de misericórdia. Isso pode parecer inconsistente, já que antes ele tinha testificado que não havia mais remédio, porque o povo tinha provocado Deus excessivamente. Mas a resposta está à mão e é esta: ao falar anteriormente da destruição final do povo, o profeta havia se referido ao povo como um todo, agora, porém, dirige suas palavras aos poucos que ainda permanecem fiéis. Essa diferença deve ser vista com atenção, caso contrário ficaremos confusos em muitas partes da Escritura. Ora, Deus havia mesmo decidido destruí-los e quis que o soubessem pela pregação de Oséias, mas o Senhor sempre teve algumas sementes restantes no meio do seu povo eleito. Ainda restavam alguns membros saudáveis, da mesma maneira como num montão de palha ainda encontramos alguns grãos de cereal escondidos. Aqui, deve se aplicar o discurso do profeta especialmente aos eleitos de Deus, os quais, embora tenham caído temporariamente e se enredado nos vícios comuns da época, ainda não estão totalmente sem cura. O profeta agora lhes faz um contive amoroso, pois fracassaria com palavras severas sem mesclar alguma esperança de favor, pois bem sabemos que, sem fé, não pode haver esperança de arrependimento.

Oração: Concede, ó Deus onipotente, que assim como agora arrastamos conosco este corpo mortal e, pelo pecado, alimentamos em nós milhares de mortes; — ó concede que, pela fé, voltemos sempre nossos olhos ao céu àquele poder ilimitado que se manifestará no último dia através de Jesus Cristo, nosso Senhor, para que tenhamos em meio à morte a esperança de que serás o nosso Redentor e desfrutemos da redenção que Cristo completou ao ressuscitar dos mortos; para não duvidarmos que o fruto então produzido por ele, pelo seu Espírito, será também produzido em nós quando o próprio Cristo vier julgar o mundo; para assim caminharmos no temor do teu nome, sendo realmente contados entre os seus membros; para sermos feitos participantes da glória, que, mediante a sua morte, ele adquiriu para nós. Amém. João Calvino. Devotions and prayers of John Calvin, 52 one-page devotions with selected prayers on facing pages. Org. Charles E. Edwards. Old Paths Gospel Press. S/d. Pags. 28 e 29. Tradução: Marcos Vasconcelos, julho/2009. E-mail: mjsvasconcelos@gmail.com

22

Revista Os Puritanos 3•2009


Passou a Noite Orando “Retirou-se para o monte, a fim de orar, e passou a noite orando a Deus” (Lucas 6:12) João Calvino

“R

amor sem limites! Nós vemos, então, em tudo isso quão necessária era a oração para ele. Assim, quando

etirou-se para o monte, a fim de orar, e passou a

ele escolhe seus discípulos, pede a Deus, seu Pai, para

noite orando a Deus” (Lucas 6:12). Aqui iremos

direcioná-lo e guiá-lo em sua escolha. Pois aqui ele está

apenas mencionar o tema da oração, deixando

agindo em sua capacidade como homem; como Deus,

maior aprofundamento para uma hora mais apropria-

tal coisa jamais aconteceria. Mas como nosso cabeça,

da.1 É verdade que nosso Senhor não precisava orar

ele é tão unido a nós que o que é nosso se torna, por

por ele mesmo. Visto, porém, que ele era o cabeça da

transferência, dele; sempre e em todo o lugar ele é nos-

igreja, e visto que esteve sujeito a todas as nossas en-

so modelo.

fermidades, exceto o pecado (sendo inculpável), e visto

Era necessário, então, que Deus guiasse a escolha

que ele assumiu nossa natureza e foi verdadeiramente

que ele viria a fazer. É por isso que ele orava tão inten-

unido a nós, tornou-se necessário para ele, sendo nos-

samente. Não como nós estamos acostumados a orar,

so irmão, orar. De fato, ele nos estabeleceu um exem-

descuidados e como uma mera formalidade, ele ficou

plo de oração. Seria bastante errado pensar que oração

a noite inteira em oração. Perceba como isso desafia

para ele era apenas fingimento, e que ele simplesmen-

nossa própria prática preguiçosa e fria da oração. Ima-

te nos mostrou o que fazer sem ser tocado por qual-

ginamos fazer maravilhas ao orar de manhã e de noite;

quer senso de necessidade. Nós veremos em seu devi-

nós nos sentimos satisfatoriamente espirituais mesmo

do tempo o quão determinado ele era em matéria de

perante as distrações que ficam em nosso caminho.

oração. Nós mostramos tanta intensidade e fervor que

Mas é muito diferente o exemplo que o nosso Senhor

quando clamamos ao Senhor suamos sangue e água?

deixou. Ele mantém a vigília até o amanhecer, preocu-

Se nós choramos quando pedimos a Deus em oração,

pado e em sofrimento de espírito até achar descanso

não mostramos que realmente estamos movidos, e que

em Deus, colocando diante dele seus muitos cuidados

isso não é vergonha alguma, mas que essa necessidade

e preocupações por sua igreja.

nos compele? Nós lemos no décimo primeiro capítu-

Se escolhermos argumentar que o que Jesus fez foi

lo do São João que Jesus derramou lágrimas quando

exclusivo dele, nós devemos apenas ver o que Davi diz

trouxe Lázaro de volta aos vivos.2

sobre si mesmo, ou como São Paulo ― falando não para

Resumindo, sempre que a Escritura diz que Jesus

se gloriar, mas para instruir crentes em todo o lugar ―

Cristo orou, nós devemos concluir que ele não apenas

passou noite e dia ajoelhado perante Deus.4 Portanto,

se humilhou mas se tornou, para nossa salvação, como

aprendamos a disciplinar a nós mesmos quando nos

nada. Como um nada ― esse é o termo que São Paulo

sentirmos letárgicos e com preguiça de orar ― ou pior,

usa para descrevê-Lo.3 Agora, se nosso Senhor se re-

quando o desejo de orar é apenas um décimo ou um

signou a uma posição mediana, isso por si só deveria

centésimo do que deveria ser. Deixemos o exemplo de

ser algo a ser admirado. Mas escolhendo ser sujeito

Cristo nos motivar a reparar nossa leviana prática de

a todas as nossas enfermidades, ao tomá-las sobre si

oração. Pelo menos, vamos gemer perante Deus, pedin-

mesmo, exceto, como eu disse anteriormente, nossas

do a ele que perdoe nossas faltas, pois elas podem se-

concupiscências (pois nada nele era contrário à justa

lar nosso caminho até Ele, negar-nos acesso, e impedir

lei de Deus: ele era livre do pecado e da própria apa-

que nossas preces sejam respondidas.

rência do pecado) ― que exemplo de amor foi esse,

Revista Os Puritanos 3•2009

Isto é o que deveríamos dizer: “Senhor, sou uma po-

23


Joáo Calvino

bre, desprezível criatura, e não mereço

to de tudo o que fiz, derramai seu po-

olhar para o alto e vos pedir qualquer

der sem limites sobre mim, e ouvi meu

coisa. Mesmo assim, constantemente

pedido”. Esta, portanto, é outra verda-

estendeis sua mão a mim. Vosso alcan-

de a ser aprendida desta passagem.

ce é grande. Mesmo estando longe de vós, não me negai sua graça. A despei-

Extraído do excelente livro “Beatitudes — Semões sobre as Bem-aventuranças”. Fonte Editorial LTDA,

p. 22-25. 1. Uma referência a Mt 6.5-15 e paralelos, os quais Calvino provavelmente tenha alcançado no começo de 1561. A passagem é tratada com uma certa amplitude em Harm. I, pp 202-14. 2. João 11:35 3. FI 2.7 Cf. Comentário a Fl 2.7, onde Calvino assim traduz o verso: “Ele esvaziou a si mesmo” (OC 52.26). 4. No caso de Davi, Calvino poderia ter tido em mente um verso como Sl 55.17. A referência a Paulo é mais clara, Ef 3.14-15 (livremente parafraseado).

Uma Exortação Solene Portanto, assim te farei, ó Israel! E, porque isso te farei, prepara-te, ó Israel, para te encontrares com o teu Deus. Am. 4:12 Esta passagem pode ser explicada de duas maneiras: como uma frase irônica, ou como uma simples e grave exortação ao arrependimento. Se a considerarmos ironicamente, o sentido seria: “Venham agora, encontrem-se comigo com toda a obstinação de vocês e com tudo o mais que lhes possa valer. Acaso conseguirão escapar da minha vingança opondo-se a mim, como têm feito até agora?”. E, por certo, ao denunciar o juízo final sobre o povo, é como se aqui o profeta quisesse tocar de propósito no âmago deles, quando diz: “Encontrem-se agora com o seu Deus e preparem-se”, quer dizer, “reúnam todas as energias, forças e auxiliares de vocês; apelem a tudo o quanto esses recursos lhes oferecem”. Mas como no capítulo seguinte o profeta exorta novamente os israelitas ao arrependimento, e põe diante deles a esperança da graça, esse trecho deve ser tomado com outro sentido, como se o profeta dissesse: “Já que você se consideram culpados e parecem admitir que buscam subterfúgios inúteis, sendo totalmente incapazes de deter a mão do juiz de vocês, então procurem, pelo menos, ir ao encontro do seu Deus, antecipando-se à ruína iminente”. Os profetas, depois de ameaçarem de destruição o povo eleito, sempre amenizavam a aspereza da doutrina deles, visto que sempre havia um remanescente, embora oculto.

Oração: Concede, ó Deus onipotente, que assim como tua palavra nos convida amorosamente a ti mesmo, que não te fechemos os nossos ouvidos, mas nos antecipemos à tua vara e à tua disciplina; e quando, em razão da estupidez e insensatez com as quais nos embriagamos, tu acrescentas as punições com que nos instas incisivamente ao arrependimento, ó concede que não continuemos completamente intratáveis, mas que ao final volvamos nosso coração ao teu serviço, submetendo-nos ao jugo da tua palavra, e aprendamos pelos castigos com que nos afligistes, e ainda afliges, de sorte que volvamos a ti, de fato e de coração, oferecendo-nos em sacrifício, para que nos governes conforme a tua vontade, e assim domines todos os nossos sentimentos pelo teu Espírito, para que durante toda a nossa vida nos empenhemos na glorificação do teu nome, em Cristo Jesus, teu Filho nosso Senhor. Amém. João Calvino. Devotions and prayers of John Calvin, 52 one-page devotions with selected prayers on facing pages. Org. Charles E. Edwards, Old Paths Gospel Press. S/d. Pags. 44 e 45. Tradução: Marcos Vasconcelos, setembro/2009. E-mail: mjsvasconcelos@gmail.com

24

Revista Os Puritanos 3•2009


Cumprindo a Promessa “Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (João 16:8). Dr. Arthur Miskin

“Q

Cristo é exatamente aquilo que Ele disse ser: O justo Filho de Deus. Ele não era nenhum impostor, ou mera-

uando ele vier, convencerá o mundo do pecado,

mente filho de um carpinteiro, mas “verdadeiramente,

da justiça e do juízo” (João 16:8)

este homem era justo”, como o centurião romano de

Uma das belezas principais das Escrituras é

repente confessou (Lucas 23:47). Isto foi provado pelo

que elas contém as maravilhosas promessas de Deus,

fato de Deis o ressuscitou dentre os mortos. A ressur-

em que em tempos de dificuldades servem como uma

reição de nosso Senhor é a prova incontestável que Ele

âncora e conforto para os filhos peregrinos de Deus.

era e é o Filho imaculado de Deus. Se Ele tivesse ape-

Que conforto maior pode existir do que fixar-se no

nas um pecado, o túmulo teria triunfado sobre Ele; Ele

fundamento seguro da Palavra de Deus e não nas pre-

teria morrido no seu próprio pecado e nós estaríamos

tensões vãs e falhas dos homens? Às vezes, porém, os

em nossos pecados: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã

resquícios da descrença interior, inflamados pelo dia-

a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados” (1

bo, se levantam de dentro da igreja como uma torrente

Co 15:17).

e nos fazem questionar a bondade de Deus e se estas preciosas promessas realmente se aplicam a nós pes-

3. O Santo Espírito convencerá → o mundo do juízo

soalmente. Felizmente, a Palavra também contém o

do maligno. Através da obra poderosa do Santo Espíri-

cumprimento de muitas promessas de Deus, que nos

to os homens não mais será cegados por Satanás com

provam que suas promessas podem ser confiadas de

respeito às realidades eternas tais como céu, inferno

que Sua Palavra é realmente verdadeira.

e o juízo que virá – coisas que no presente eles ridi-

João 16:8 dá uma das grandes promessas pentecos-

cularizam. Ao invés disso, a eternidade abre-se como

tais de Cristo, preanunciando a vinda do Consolador —

uma cortina que se desenrola e a verdade de um futuro

o Espírito Santo — e a obra de reprovar ou convencer

juízo se torna real, não sendo mais algo a ser escarne-

que Ele realizará nos corações dos homens. Mais tarde,

cido, mas tratado com um temor reverente. Através da

no livro de Atos, temos um exemplo de como esta pro-

obra poderosa do Santo Espírito os homens também

messa foi cumprida.

vêem que Satanás permanece condenado na cruz. Nosso Senhor morreu no madeiro a fim de que “por sua

1. E na sua obra de convencer → a primeira coisa

morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a

que o Espírito Santo convencerá o homem é do pecado

saber, o diabo” (Hb 2:14). O filho de Deus não é mais

da incredulidade. O mundo não precisa ser convenci-

cativo pelo medo da morte; com o olho da fé, ele vê a

do da realidade do pecado; o pecado é abundante por

condenação da própria morte. Além do mais, quando

todos os lados de tal forma que até os incrédulos têm

Cristo ressuscitou dentre os mortos, Ele foi levantado

conhecimento da sua presença perversa. Os homens

a um alto lugar acima de todo principado e potestade

precisam ser convencidos do pecado particular de não

para governar eternamente sobre seus inimigos der-

crer em Jesus e como isto é ofensivo à vista de Deus.

rotados que permanecem julgados e condenados (Cl

Ele deu o Seu Filho e os homens recusam-se a crer nEle.

2:15). Estas palavras de Cristo, então, contém a segura

2. O Consolador também convencerá → os ho-

promessa. A Escritura nos revela a maneira como esta

mens da justiça de Cristo. Com clareza, eles verão que

promessa foi cumprida. Depois de Pedro ter pregado

Revista Os Puritanos 3•2009

25


Dr. Arthur Miskin

o sermão de Pentecostes, lemos que

Davi no Salmo 110, ele diz “Assenta-te

o que Ele havia prometido. Essa convic-

aqueles que a ouviram foram compun-

à minha direita, até que eu ponha os

ção pentecostal trazida pelo Espírito

gidos de coração ou, mais literalmente,

teus inimigos por estrado dos teus pés”

Santo, contudo, não foi apenas o cum-

foram convencidos ou apunhalados no

(At 2:34-35), a morte como único ini-

primento da promessa. Em letras gar-

coração (At 2:37). A convicção da Pala-

migo tem sido vencida.

rafais, nos é soletrado o que significa

vra carrega consigo a noção de culpa

Quando confrontado com estas ver-

se tornar um cristão, porque Ele con-

e condenação. Com seus próprios co-

dades, aqueles pecadores assassinos

tinua até este dia a trabalhar no modo

rações os condenando à vista de Deus,

de Jerusalém, com o sangue de Cris-

como foi descrito. Isso é o que significa

a sentença da morte pesa fortemente

to ainda fresco em suas mãos, foram

cristianismo experimental. Quando a

sobre eles levando-os ansiosamente a

abatidos pela vergonha de sua culpa

Igreja cessa em não mais enfatizar a

clamar para serem salvos do seu hor-

e clamaram por salvação. Nós somos

necessidade da convicção trazido pelo

rível fim.

menos culpados do que eles? De for-

Espírito como parte da verdadeira ex-

ma alguma, porque foram também os

periência cristã, resultará, como vemos

à tona? Ele os acusou da culpa de as-

nossos pecados que pregaram Jesus na

em nossos dias, em um cristianismo

sassinato do Messias: “sendo este en-

cruz. Se sua culpa, pelo que seu pecado

superficial e insípido. Isto, em contra-

O que disse Pedro para trazer isso

tregue pelo determinado desígnio e

fez com Cristo não o leva à convicção,

partida, produz um cristão superficial

presciência de Deus, vós o matastes,

nada o levará.

e até mesmo espúrio.

crucificando-o por mãos de iníquos”

Num período curto de tempo, a pro-

(At 2:23). Pedro afirma o senhorio de

messa de Cristo encontra cumprimen-

Jesus Cristo sobre todas as forças do

to na própria Jerusalém. Isto prova a

mal quando, citando as palavras de

fidelidade de Deus em fazer acontecer

Dr. Arthur Miskin é ministro Heritage Reformed onde serve como professor na Escola Teológica Mukhanyo na África do Sul.

Confissão de Fé da Guanabara (1558)

Artigo 10

Quanto ao livre arbítrio, cremos que, se o primeiro homem, criado à imagem de Deus teve liberdade e vontade, tanto para bem como para mal, só ele conheceu o que era o livre arbítrio, estando em sua integridade. Ora, ele nem apenas guardou este dom de Deus, assim dele foi privado por seu pecado, e todos os que descendem dele, de sorte que nenhum da semente de Adão tem uma centelha do bem. Por esta causa diz São Paulo, que o homem sensual não entende as coisas que são de Deus. E Oséias clama aos filhos de Israel: “Tua perdição é de ti ó Israel”. Ora isto entendemos do homem que não é regenerado pelo Santo Espírito. Quanto ao homem cristão, batizado no sangue de Jesus Cristo, o qual caminha em novidade de vida, Nosso Senhor Jesus Cristo restitui nele o livre arbítrio e reforma a vontade para todas as boas obras, não, todavia, em perfeição, porque a execução de boa vontade não está em seu poder mas vem de Deus, como amplamente este Santo Apóstolo declara no sétimo capítulo aos Romanos, dizendo: “Tenho o querer mas em mim não acho o perfazer”. O homem predestinado para a vida eterna, embora peque por fragilidade humana, todavia não pode cair em impenitência. A este propósito, São João diz que ele não peca porque a eleição permanece nele. A Confissão de Fé da Guanabara ou Confissão Fluminense é uma das mais antigas confissões reformadas e a primeira confissão redigida na América, na primeira igreja do Brasil.

26

Revista Os Puritanos 3•2009


Comunhão com Cristo Pela fé, o crente possui a Cristo e cresce nEle. Além disso, o grau de sua fé, exercido mediante a Palavra, determina seu grau de co­munhão com Cristo. Por Dr. Joel Beeke

“A

Se Cristo tivesse morrido e ressuscitado, mas não houvesse aplicado sua salvação aos crentes, visando

doutrina de Calvino referente à união com Cris-

à regeneração e à san­tificação deles, a sua obra teria

to, se não é o ensino mais importante que inspi-

sido ineficaz. A piedade mostra que o Espírito de Cris-

ra todo o seu pen­samento e sua vida, é uma das

to está realizando em nós aquilo que já foi realizado

características mais influentes de sua teologia e ética”,

em Cristo. Cristo ministra sua santificação à igreja por

escreveu David Willis-Watkins.1

meio de seu sacerdócio real, de modo que a igreja possa viver pie­dosamente para Ele.8

A Raiz Profunda da Piedade: A União Mística →

O pulso da teologia prática e da piedade de Calvino

Calvino não tencionava apresentar teologia como se

era a co­munhão (communio) com Cristo. Isso envolve

esta fosse uma doutrina única. Seus sermões, comen-

participação (par­ticipatio) nos benefícios de Cristo,

tários e obras teológicas es­tão repletos da doutrina

que são inseparáveis da união com Ele.9 Essa ênfase

da união com Cristo, a ponto de que esta se toma o

já se achava evidente na Confessio Fidei de Eucharis-

foco da fé e da prática cristã.2 Calvino disse: ‘’A união

tia (1537), assinada por Calvino, Martin Bucer e Wol-

da Cabeça com os membros, a habitação de Cristo

fgang Capito.10 Todavia, a comunhão com Cristo, para

em nós - em resumo, a união mística - são tratadas

Calvino, não era moldada pela sua doutrina sobre a

por nós com o mais elevado grau de importân­cia, de

Ceia do Senhor. Pelo contrário, a sua ênfase na comu-

modo que Cristo, tomando-se nosso, nos faz, junta-

nhão espiritual com Cristo ajudava-o a moldar o con-

mente com Ele, participantes dos dons com os quais

ceito a respeito desta ordenança.

Ele foi dotado”. 3

De modo semelhante, os conceitos de communio e

Para Calvino, a piedade está arraigada na união mís-

participatio ajudavam Calvino a moldar o seu enten-

tica (unia mystica) do crente com Cristo; assim, essa

dimento quanto à regene­ração, à fé, à justificação, à

união tem de ser nos­so ponto de partida.4 Essa união

santificação, à segurança de salvação, à eleição e à

se torna possível porque Cristo assumiu nossa natu-

igreja, visto que ele não podia falar sobre qualquer

reza humana, enchendo-a com suas virtudes. A união

dou­trina à parte da comunhão com Cristo. Esse é o

com Cristo em sua humanidade é histórica, ética e pes-

âmago do sistema de teologia de Calvino.

soal, mas não essencial. Não há qualquer mistura grotesca de subs­tâncias humanas entre Cristo e nós. No

O Duplo Vínculo da Piedade: O Espírito e a Fé → A

entanto, Calvino afirma: “Cristo não somente se une a

comunhão com Cristo se realiza tão-somente por meio

nós por meio de um laço indivisível de comunhão, mas

da fé produzida pelo Espírito. É uma comunhão real, não

também cresce mais e mais em um corpo, conosco, por

porque os crentes participam da essência da natureza

meio de uma comunhão maravilhosa, até que se tor-

de Cristo, e sim porque o Espírito de Cristo une os cren-

na com­pletamente um conosco”.5 Essa união é um dos

tes tão intimamente a Cristo, que eles se tornam carne

grandes mistérios do evangelho.6 Por causa da fonte

de sua carne e osso de seus ossos. Do ponto de vista de

da perfeição de Cristo em nossa natureza, os piedosos

Deus, o Espírito é o vínculo entre Cristo e os crentes. De

podem extrair, pela fé, o que necessitarem para sua

nosso ponto de vista, a fé é o vínculo. Esses pontos de

santificação. A carne de Cristo é a fonte da qual seu

vista não se chocam, uma vez que uma das principais

povo deriva sua vida e poder.7

realizações do Espírito é produzir a fé em um pecador. 11

Revista Os Puritanos 3•2009

27


Joel Beeke

sim participarmos dEle pela fé, pois isso “nos desperta da morte e nos torna uma nova criatura”²¹ Pela fé, o crente possui a Cristo e cresce nEle. Além disso, o grau de sua

À semelhança de Lutero, Calvino acredi-

fé, exercido mediante a Palavra, determina seu grau de co­munhão com Cris-

tava que o conhecimen­to é fundamen-

to.22 “Tudo o que a fé deve contemplar é-nos reve­lado em Cristo”, Calvino es-

tal à fé. Esse conhecimento inclui a Pala-

creveu.23 Embora Cristo permaneça no céu, o crente que se distingue em pie-

vra de Deus, bem como a proclamação

dade aprende, pela fé, a reter a Cristo tão firmemente, que Ele habita no ínti-

do evangelho

mo desse crente.24 Pela fé, os piedosos vivem por aquilo que acham em Cristo, e não pelo que acham em si mesmos.25 Para Calvino, a comunhão com Cristo flui da união com Cristo.

Somente o Espírito pode unir Cristo,

na morte de Cristo, derivamos dessa

Olhar para Cristo, a fim de obter

no céu, com o crente, na terra. Assim

morte uma energia secreta, assim

segurança, significa ver a nós mes­mos

como na encarnação, o Espírito uniu o

como o ramo extrai energia da raiz”, es-

em Cristo. Como escreveu David Willis-

céu e a terra, assim também na rege-

creveu Calvino. O crente “é energiza­do

Watkins: “A segurança de salvação é

neração o Espírito faz o eleito elevar-

pelo poder íntimo de Cristo, de modo

um conhecimento derivado, cujo foco

se da terra à comunhão com Cristo no

que podemos afirmar que Cristo vive

permanece em Cristo unido ao seu cor-

céu, trazendo-O ao coração e à vida

e cresce nele, pois, assim como a alma

po, a igreja, da qual somos membros”.26

dos eleitos na terra.12 A comunhão com

dá vida ao corpo, assim também Cristo

Cristo é sempre o resultado da obra

transmite vida aos seus membros”.16

do Espírito - uma obra maravilhosa e

À semelhança de Lutero, Calvino

experiencial, mas incompreensível.13

acreditava que o conhecimen­to é fun-

A Dupla Purificação da Piedade: Justificação e Santificação → De

O Espírito Santo é o vínculo que une

damental à fé. Esse conhecimento in-

acordo com Calvino, os crentes rece-

o crente a Cristo, bem como o instru-

clui a Palavra de Deus, bem como a

bem de Cristo, pela fé, a “graça dupla”

mento por meio do qual Cristo é comu-

proclamação do evangelho

Uma vez

da justificação e da santificação, que

nicado ao crente.14 Conforme Calvino

que a Palavra escrita é exemplificada

juntas proporcionam uma purificação

disse a Pietro Martire: “Cresce­mos jun-

na Palavra viva, Jesus Cristo, em quem

dupla.27 A justificação oferece pureza

tamente com Cristo em um corpo. Ele

se cumprem todas as promessas de

im­putada, e a santificação, pureza atu-

compartilha conosco o seu Espírito; e,

Deus, a fé não pode ser separada de

al.28

por meio das operações invisíveis do

Cristo.

17

A obra do Espírito não suple-

Calvino define a justificação como

Espírito, Cris­to se torna nosso. Os cren-

menta nem substitui a re­velação das

“a aceitação com a qual Deus nos rece-

tes recebem essa comunhão com Cris-

Escrituras, e sim a confirma. “Retire a

be ao seu favor como homens justos”.29

to ao mesmo tempo em que recebem

Palavra, e não permanecerá fé alguma”,

Ele prossegue, afir­mando: “Visto que

o seu chamado, No entanto, dia a dia,

disse Calvino.19

Deus nos justifica por meio da interces-

18

eles crescem mais e mais nesta comu-

A fé une o crente a Cristo por meio

são de Cristo, Ele nos absolve pela im-

nhão, à proporção que Cristo cresce no

da Palavra, capacitando-o a receber

putação da justiça de Cristo, de modo

íntimo deles”,15

Cristo, revelado no evangelho e ofe-

que, não sendo justos em nós mesmos,

Calvino vai além de Lutero nesta

recido graciosamente pelo Pai.20 Pela

somos reputados como jus­tos em Cris-

ênfase sobre a comunhão com Cristo.

fé, Deus também habita no crente.

to”.30 A justificação inclui a remissão

Pois, ele enfatiza que, pelo Espírito,

Consequente­mente,

dos pecados e o direto à vida eterna.

Calvino

disse:

Cristo dá poder àqueles que estão uni- “Não devemos separar Cristo de nós dos com Ele pela fé. Sendo “enxertados

28

mesmos ou nós mesmos de Cristo”, e

Calvino considerava a justificação como uma doutrina central da fé cris-

Revista Os Puritanos 3•2009


Comunhão com Cristo

tã. Ele a chamou de “a coluna principal

renúncia do mundo.34 Exige arrependi-

que sustenta o cris­tianismo”, o solo

mento, mortificação e conversão diária.

do qual se desenvolve a vida cristã e

A justificação e a santificação são in-

A justifica-

separáveis, disse Calvino. Separar uma

ção não somente honra a Deus, por

a substância da piedade.

da outra é o mesmo que despedaçar a

satisfa­zer as condições para a salvação,

Cristo35 ou ten­tar separar a luz solar

mas também oferece à consciência do

do calor que ela produz.36 Os crentes

crente “descanso pacífico e tranquili-

são jus­tificados para adorar a Deus em

dade serena”.32 Conforme diz Roma-

santidade de vida.37

31

nos 5.1: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”. Isto é o âmago e a vida da piedade. Visto que os crentes são justificados pela fé, eles não precisam se preocupar com sua posição diante de Deus. Podem renunciar voluntariamente a glória pessoal e aceitar, dia a dia, a sua vida como um dom procedente das mãos do Criador e Redentor. Algumas batalhas diárias podem ser perdidas para o inimigo, mas Jesus Cristo venceu a guerra para os crentes. A santificação se refere ao processo pelo qual o crente é confor­mado, cada vez mais, a Cristo, em seu coração, comportamento e devoção a Deus. A santificação é um refazer contínuo do crente, por meio do Espírito Santo; é a permanente consagração do corpo e da alma a Deus.33 Na santificação, o crente oferece-se a si mesmo como sacrifício a Deus. Isso não ocorre sem grandes lutas e progresso len­to. Exige a limpeza da corrupção da carne e a

Extraído do livro Vencendo o Mundo, Dr. Joel Beeke, Editora Fiel, pgs 45-52 1. THE UNIO Mystica and the Assurance of Faith. In: SPIJKER, Willem van’t (Ed.) Calvin: erbe und auftrag: festschrift fur Wilhelm HeinrichNeuserzum 65, Geburtstag. Kampen: Kok, 1991. p. 78. 2. Ver, por exemplo: - PARTEE, Charles. Calvin’s Central Dogma Again. Sixteen century journal. 18.2 (1987): 184. - GRUNDLER, OUo. John Calvin: Ingrafting in Christ. In: ELDER, Rozanne (Ed.). The spirituality of western Christendom. Kalamazoo, Mich.: Cistercian, 1976. p.172-187. - ARMSTRONG, Brian G. The Nature and Structure of Calvin’s Thought according to the Institutes: Another Look. In: John Calvin’s magnum opus. Potchefstroom, South Africa: Institute for Reformation Studies, 1986. p. 55-82. - HAAS, Guenther. The concept of equity in Calvin’s ethics. Waterloo, Ont.: Wílfrid Laurier University Press, 1997. 3. Institutes. 3.11.9. Ver também C0. 15:722. 4. HAGEMAN, Howard G. Reformed Spirituality. In: SENN, Frank C. (Ed.). Protestant spiritual traditions. New York: Paulist Press, 1986. p. 61. 5. Institutes. 3.2.24. 6. Dennis Tamburello ressalta que há “pelo menos sete ocasiões em que, nas Institutas, Calvino usa a palavra arcanus ou incomprehensibilis para descrever a união com Cristo” (2.12.7; 3.11.5;4.17.1,9,31,33;4.19.35). Unionwith Christ: John Calvin and the Mysticism of St. Bernard. Lousville: Westminsterl John Knox Press, 1984. p. 89, 144. Ver também EVANS, William B. Imputation and impartations: the problem of union with Christ in nineteenth-century american reformed theology.1996. f. 6-68. Dissertação (Ph. D). VanderbUt University, 1996. 7. Commentary, João 6.51. 8. Institutes. 2.16.16. 9. SPIJKER, Willem van’t. “Extra nos” e “in nos” por

Calvino em A Pneumatological Light. In: DEKLERK, Peter (Ed.). Calvin and the Holy Spirit. Grand Rapids: Calvin Studies Society, 1989. p. 39-62. - JOHNSON, Merwyn S. Calvin’s Ethical Legacy. In: FOXGROVER, David (Ed.). The legacy of John Calvin. Grand Rapids: Calvin Studies Society, 2000. p. 63-83 10. OS. 1:435-436; SPIJKER, Willem van’t. Extra nos and in nos by Calvin in a Pneumatological Light. p.44. 11. Institutes. 3.1.4. 12. Institutes. 4.17.6. Commentary, Atos 15.9. 13. Commentary, Efésios 5.32. 14. Institutes. 3.1.1; 4.17.12. 15. Calvinus Vermilio (# 2266, 8 agosto 1555). CO. 15:723-724. 16. CO. 50:199. Ver também PITKIN, Barbara. What pure eyes could not see: Calvin’s doctrine of faith in its exegetical contexto New York: Oxford University Press, 1999. 17. Institutes. 2.9.2. Commentary, 1 Pedro 1.25. Ver também FOXGROVER, David. John Calvin’s Understanding of Conscience. 1978.407 f. Dissertação (Ph. D). Claremont, 1978. 18. THE COMMENTARIES of John Calvin on lhe Old Testament. 30 v. Edinburgh: Calvin Translation Society, 1843-1848. Comentário sobe Gênesis 15.6. Daqui para frente, a nota dirá apenas Commentary e citará o texto bíblico. Ver também Commentary, Lucas 2.21. 19. Institutes. 3.2.6. 20. Institutes. 3.2.30-32. 21. Institutes. 3.2.24. Commentary, 1 João 2.12. 22. Sermons on the Epistle to the Ephesians. Arthur Golding (Trad). Reimpressão. Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1973. 1.17¬18. Daqui para frente, a nota dirá apenas Sermon e citará o texto de Efésios. 23. Commentary, Efésios 3.12. 24. Sermon, Efésios 3.14-19. 25. Commentary, Habacuque 2.4. 26. The Third Part of Christian Freedom Misplaced. In: GRAHAM, W. Fred (Ed.). Later calvinism: international perspectives. Kirksville, Mo.: Sixteen Century Journal, 1994. p. 484-485. 27. Institutes. 3.11.1. 28. Sermons on Galatians. Kathy Childress (Trad.). Edimburg: Banner ofTruth Trust, 1997.2.17-18. Daqui para frente, a nota dirá Sermon e citará o texto de Gálatas. 29. Institutes. 3.11.2. 30. Ibid. 31. Institutes. 3.11.1; 3.15.7. 32. Institutes. 3.13.1. 33. Institutes. 1.7.5. 34. Commentary, João 17.17-19. 35. Institutes. 3.11.6. 36. Sermon, Gálatas 2.17-18. 37. Commentary, Romanos 6.2.

Os Cânones de Dort Artigo 2 → A Propagação da Corrupção Depois da queda o homem se tornou corrompido e como pai corrompido gerou filhos corrompidos. Assim a corrupção, de acordo com o justo juízo de Deus, propagou-se de Adão a todos os seus descendentes — à exceção de Cristo somente — não por imitação, como afirmavam os antigos pelagianos, mas pela propagação de uma natureza pervertida Jó 14.4; Sl 51.7; Rm 5.12; Hb 4.15.

Revista Os Puritanos 3•2009

29


Misericórdia e Fé Pois misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos. Os 6.6 Esta é uma passagem extraordinária. O Filho de Deus citou-a duas vezes. Os fariseus repreenderam-no por se relacionar com pessoas de vida má e dissoluta, ao que ele lhes replicou, no capítulo nove de Mateus: “Misericórdia quero e não holocaustos”. Com essa defesa, Jesus mostra que Deus não é adorado mediante cerimônias exteriores, e sim quando os homens se perdoam e se toleram e não são exageradamente rígidos. E quando os fariseus acusaram os discípulos por colherem espigas de milho, Cristo citou-a novamente para mostra-lhes que, quem faz a santidade consistir de cerimônias, adora a Deus tolamente; e mostrou também que acusaram os irmãos deles sem motivo, além de converterem em crime o que intrinsecamente não era pecado e poderia ser facilmente defendido por qualquer expositor sábio e sereno. As duas orações seguintes devem ser lidas em conjunto: a misericórdia apraz a Deus; e a fé apraz a Deus. Não é possível à fé sozinha agradar a Deus, já que nem mesmo pode existir sem o amor ao nosso próximo; e, depois, a misericórdia humana não basta, pois se alguém jamais prejudicasse ou ferisse seus irmãos, ainda assim continuaria a ser profano e desprezador de Deus e a sua misericórdia certamente não lhe valeria de nada. Vale notar também que Jesus chama a fé de conhecimento de Deus.

Oração Concede, ó Deus onipotente, já que somos inclinados a todo tipo de perversidade e facilmente levados a imitá-la e a nos desviarmos sempre que há desculpa e se ofereça oportunidade. — Ó concede que, fortalecidos pelo socorro do teu Espírito, conservemos a pureza da nossa fé e nos seja proveitoso o que aprendemos a teu respeito, que tu és Espírito, para te adorarmos em espírito, com coração sincero, sem jamais nos desviarmos indo atrás das corrupções do mundo, nem imaginar que somos capazes de te enganar; antes consagremos a ti nossa alma e corpo de tal maneira que a nossa vida, em todas as suas particularidades, testifique que somos um sacrifício puro e santo dedicado a ti em Cristo Jesus, nosso Senhor. Amém. João Calvino. Devotions and prayers of John Calvin, 52 one-page devotions with selected payers on facing pages. Org. Charles E. Edwards. Old Paths Gospel Press. S/d. Pags. 18 e 19. Tradução: Marcos Vasconcelos, junho/2009. E-mail: mjsvasconcelos@gmail.com

30

Revista Os Puritanos 3•2009


A Piedade e a Igreja A verdadeira religião é um diálogo entre Deus e o homem. A parte do diálogo que Deus inicia é a revelação Dr. Joel Beeke

A

na distribuição mútua dos dons”. 5 Cada membro tem o seu próprio lugar e dons para serem usados no corpo.6

pietas de Calvino não subsistia à parte das Es-

Idealmente, todo o corpo usa esses dons em simetria

crituras ou da igreja. Pelo contrário, era funda-

e propor­ção, sempre reformando e desenvolvendo em

mentada na Palavra e nutri­da na igreja. Embora

direção à perfeição.7

tenha rompido com o absolutismo da Igreja de Roma, Calvino tinha um elevado ponto de vista sobre a igreja.

A Piedade da Palavra → A Palavra de Deus é central

“Se não preferimos a igreja a todos os outros objetos de

ao desenvolvimento da piedade no crente. A piedade

nosso in­teresse, somos indignos de ser contados como

genuína é uma “piedade da Palavra”. O modelo relacio-

membros da igreja”, ele escreveu.

nal de Calvino explica como.

Agostinho dissera: “Aquele que se recusa a ter a

A verdadeira religião é um diálogo entre Deus e o

igreja como sua mãe não pode ter a Deus como seu

homem. A parte do diálogo que Deus inicia é a revela-

Pai”. Calvino acrescentou: “Não há outra maneira de

ção. Nisso, Deus vem ao nosso encontro, fala conosco

entrarmos na vida, se esta mãe não nos conce­ber em

e se nos torna conhecido na pre­gação da Palavra. A

seu ventre, der-nos à luz, alimentar-nos em seu seio

outra parte do diálogo é a resposta do homem à re-

e, por último, não nos manter sob os seus cuidados e

velação de Deus. Essa resposta, que inclui confiança,

orientação, até que, despidos desta carne mortal, nos

adoração e temor reverente, é o que Calvino chama de

tornemos como os anjos”. À parte da igreja, há pouca

pietas. A pregação da Palavra nos salva e nos preserva,

esperança de perdão dos pecados ou salvação, Calvino

enquanto o Espírito nos capaci­ta a apropriar-nos do

escreveu. Sempre é desastroso deixar a igreja.1

sangue de Cristo e responder-Lhe com amor reveren-

Calvino ensinava que os crentes estão enxertados

te. Por meio da pregação de homens dotados de poder

em Cristo e sua igreja, pois o crescimento espiritual

pelo Espírito Santo, “a renovação dos santos se realiza,

ocorre na igreja. A igreja é a mãe, educadora e nutri-

e o corpo de Cris­to é edificado”, disse Calvino.8

dora de todo crente, visto que o Espírito Santo age na

A pregação da Palavra é o nosso alimento espiritual

igreja. Os crentes cultivam a piedade por meio do Espí­

e o remédio para nossa saúde espiritual. Com a bênção

rito Santo mediante o ministério de ensino da igreja,

do Espírito, os pastores são médicos espirituais que

progredindo da infância espiritual à adolescência e à

aplicam a Palavra à nossa alma, assim como os médi-

maturidade em Cristo. Eles não se graduam na igre-

cos terrenos aplicam remédio ao nosso corpo. Com a

ja enquanto não morrem.2 Essa educação vitalícia é

Palavra, esses médicos espirituais diagnosticam, pres-

oferecida numa atmosfera de piedade genuína, uma

crevem re­médios e curam doenças espirituais naqueles

at­mosfera na qual os crentes cuidam uns dos outros

que estão contami­nados pelo pecado e pela morte. A

em submissão à liderança de Cristo.3 Essa educação en-

Palavra pregada é um instru­mento para curar, limpar e

coraja o desenvolvimento dos dons e do amor uns dos

tornar frutífera nossa alma propensa a enfermidades.9

outros, uma vez que somos “constrangidos a receber

O Espírito, ou “o ministro interior”, desenvolve a pieda-

dos outros”.

de usando o “ministro exterior” na pregação da Palavra.

4

O crescimento na piedade é impossível sem a igre-

Con­forme disse Calvino, o ministro exterior “proclama

ja, porque a piedade é fomentada pela comunhão dos

a palavra falada, e esta é recebida pelos ouvidos”, mas

santos. Na igreja, os cren­tes “se unem uns aos outros

o ministro interior “comunica verdadeiramente a coisa

Revista Os Puritanos 3•2009

31


Joel Beeke

proclamada... que é Cristo”.10

vo, já preparado com total disposi­ção

dia que o amor e a lei não são contrá-

Para desenvolver a piedade, o Espí-

de coração para se recomendar ao seu

rios, e sim correlatos”.14 Para Calvino,

rito usa não somente o evan­gelho para

senhor, tivesse de des­cobrir e conside-

o crente segue a von­tade de Deus, não

produzir fé no profundo da alma dos

rar os caminhos de seu senhor, para se

motivado por obediência obrigatória, e

seus eleitos, como já vimos, mas tam-

conformar e se acomodar a estes. Além

sim por obediência agradecida. Sob a

bém a lei. A lei promove a piedade de

disso, embora sejam impulsionados

tutela do Espírito, a lei produz grati­dão

três maneiras:

pelo Espírito e mostrem-se dispostos a

no crente; e esta conduz à obediência

(1) A lei restringe o pecado e pro-

obedecer a Deus, os crentes ainda são

amorosa e à aversão ao pecado. Em ou-

move a justiça na igreja e na socie­dade,

fracos na carne e prefeririam servir

tras palavras, para Lutero o propósito

impedindo que ambas cheguem ao

ao pecado e não a Deus. Para a nossa

primordial da lei era ajudar o crente

caos.

carne, a lei é como uma chicotada em

a reconhecer e confrontar o pecado.

(2) A lei disciplina, educa, convence e nos move de nós mesmos para Jesus

uma mula ociosa e obstinada, uma chi-

Para Calvino, o propósito primário da

cotada que a faz animar-se, levantar-se

lei era levar o crente a servir a Deus

e dispor-se ao trabalho”.

motivado por amor.15

12

Cristo, o fim e o cumpridor da lei. A lei

Na última edição das Institutas

não pode nos levar a um conhecimento

(1559), Calvino é mais enfático a res-

salvifico de Deus em Cristo. Pelo con-

peito de como os crentes se beneficiam

trário, o Espírito Santo usa a lei como

da lei. Primeiramente, ele diz: “Este é

um espelho para nos mostrar nossa

o melhor instrumento para os cren-

culpa, nos privar da esperança e trazer-

tes aprenderem mais completamente,

nos ao arrependimento. Ela nos con-

a cada dia, a natureza da vontade do

duz à necessidade espiritual que gera

Senhor, a qual eles aspiram, e para

a fé em Cristo. Esse uso convencedor

confirmá-Los no entendimento dessa

da lei é essencial à pie­dade do crente,

vontade”. Em segundo, a lei faz o servo

pois impede a manifestação da justiça

de Deus, “por meio de me­ditação fre-

própria, que é inclinada a se reafirmar

quente, ser despertado à obediência,

até no mais piedoso dos santos.

ser fortalecido na lei e restaurado de um caminho de transgressão”. Calvino

(3) A lei se torna a norma de vida

conclui que os santos devem prosse-

para o crente. “Qual é a norma de

guir desta maneira, “pois o que seria

vida que Deus nos outorgou?” Calvino

menos amável do que a lei, com impor-

pergunta no catecismo de Genebra. E

tunações e ameaças, atribular as almas

responde: “A sua lei”. Posteriormente,

com temor e as afligir com pavor?”13

Calvino disse que a lei “mostra o alvo

O ponto de vista que considera a

que devemos ter em vista, o objetivo

lei primariamente como um guia que

que devemos perseguir; e que cada um

estimula o crente a apegar-se a Deus e

de nós, de acordo com a medida de

a obedecer-Lhe ilustra outra instância

graça recebida, pode se esforçar para

em que Calvino difere de Lutero. Para

estruturar sua vida em harmonia com

Lute­ro, a lei é primariamente negativa.

a mais elevada retidão e, por meio de

Está ligada ao pecado, à morte e ao dia-

es­tudo constante, avançar cada vez

bo. O interesse predominante de Lutero

mais, ininterruptamente.

é o segundo uso da lei, o uso convence-

11

dor ― mesmo quando ele considerava Calvino escreveu a respeito do ter-

o pa­pel da lei na santificação. Por con-

ceiro uso da lei na primeira edição de

traste, Calvino entendia a lei como uma

suas Institutas: “Os crentes... se benefi-

expressão positiva da vontade de Deus.

ciam da lei porque dela aprendem mais

Como disse John Hesselink: “O ponto

completamente, cada dia, qual é a von-

de vista de Calvino podia ser chamado

tade do Senhor... Isto é como se um ser-

de deuteronômico, porque ele enten-

32

Extraído do livro Vencendo o Mundo, Joel Beeke, Editora FIEL, pgs. 53-57 Notas: 1. Institutes. 4.1.1, 3-4. Ver também BEEKE, JoelR. Gloriouslhings of Thee Are Spoken: The Doctrine of the Church. In: KISTLER, Don (Ed.). Onward, christian soldiers: protestants affirm the church. Morgan, Pa.: Soli Deo Glory, 1999. p. 23-25. 2. Institutes.4.1.4-5. 3. Commentary, Salmos 20.10. 4. Commentary, Romanos 12.6. 5. Commentary, 1 Coríntios 12.12. 6. Commentary, 1 Coríntios 4.7. 7. Commentary, Efésios 4.12. 8. Commentary, Salmos 18.31; 1 Coríntios 13.12. Institutes, 4.1.5, 4.3.2. 9. Sermons ofM. John Calvin, on the Epistles ofS. Paule to Timothie and Titus (1579). L. T. (Trad.). Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1983. Comentário em 1 Timóteo 1.8-11. Daqui para frente a nota dirá Sermon e citará o texto bíblico. Reimpressão fac-símilar. 10. REID, J. K. S. (Ed.). Calvin: theological treatises. Philadelphia: Westminster Press, 1954. p. 173. Ver também ARMSTRONG, Brian. lhe Role of the Holy Spirit in Calvin’s Teaching on the Ministry. In: DEKLERK, P. (Ed.). Calvin and the Holy Spirit. Grand Rapids: Calvin Studies Society, 1989. p. 99-111. 11. BEVERIDGE, Henry; BONET, Jules (Eds.). Selected works of John Calvin: tracts and letters. Grand Rapids: Baker, 1983. 2:56,69. Reimpressão. 12. Institutes of the Christian religion: 1536 edition, p. 36. 13. Institutes. 2.7.12. Calvino extrai dos salmos de Davi grande apoio para esse terceiro uso da lei. Ver também Institutes 2.7.12 e Comentário no livro dos Salmos, Valter Martins (Trad.), Vol. 4. (São José dos Campos: Editora Fiel, prelo 2009). 14. HESSELINK, I. John. Law - lhird Use of the Law. In: McKIM, Donald K. (Ed.). Encyclopeadia of the reformed faith. Louisville: Westminster/ John Knox, 1992. p. 215-216. Ver também: - DoWEY JR., Edward A. Law in Luther and Calvin. Theology Today, 41.2 (1984). - HESSELINK, I. John. Calvin’s concept of the law. Allison Park, Pa.: Pickwick, 1992. p. 251-262. 15. BEEKE, Joel; LANNING, Jay. Glad Obedience: The Third Use of the Law. In: KISTLER, Don. Trust and obey: obedience and the Christian. Morgan, Pa.: Soli Deo Gloria, 1996. p. 154-200. - GODFREY, W. Robert. Law and Gospel. In: FERGUSON, Sinclair B.; WRIGHT, David F.; PACKER, J. I. (Eds.). New dictionary of theology. Downers Grove, 111.: InterVarsity Press, 1988. p. 379.

Revista Os Puritanos 3•2009


A Suficiência da Escritura e a Reforma Religiosa em Israel “Buscai no livro do SENHOR e lede” (Is. 34:16)

Tiago Baía e Daniel Souza

A

foram uma volta obediente à autoridade eclesiástica da época. Mais que isso, as reformas não dependeram

s reformas religiosas, que culminaram em avi-

da tradição oral e da interpretação infalível das auto-

vamento espiritual em Israel, ocorreram quan-

ridades eclesiásticas para entender a Palavra escrita e

do o povo voltou-se, exclusivamente, para a Pa-

promoverem as mudanças. Os textos repudiam todas

lavra escrita do Senhor, que é a sua lei santa e perfeita.

as concepções e ensinamentos do Catolicismo Romano

“O rei subiu à casa do Senhor, e com ele todos os homens

sobre a tradição oral e Magistério infalível. A autori-

de Judá, todos os moradores de Jerusalém, os sacerdotes,

dade e a revelação divina na concepção de Neemias,

os profetas e todo o povo, desde o menor até o maior; e leu

Esdras e Josias estavam na Escritura somente. De acor-

diante deles todas as palavras do livro da aliança que fora

do com as passagens, o padrão da verdade para refor-

encontrada na Casa do Senhor. O rei se pôs em pé junto à

mar Israel não era uma tradição oral, mas a Lei escrita

coluna e fez aliança ante o Senhor, para o seguirem, guar-

do Senhor. O apelo por mudança não era direcionado

darem os seus mandamentos, os seus estatutos, de todo

às autoridades de Israel, pelo contrário, elas próprias

coração e de toda a alma, cumprindo as palavras desta

necessitavam de mudança e reforma. Nem a lideran-

aliança, que estavam escritas naquele livro; e todo o povo

ça nem o povo precisaram de auxílio fora da Lei para

anuiu a esta aliança” (2Rs. 23:2-3).

entender o que estava escrito. A reforma aconteceu por causa da dependência e obediência exclusiva à lei

Esse foi um momento na história de Israel em que

preservada na Escritura, como está escrito sobre o rei

o sumo sacerdote Hilquias, ao encontrar os pergami-

Josias: “Antes dele, não houve rei que lhe fosse seme-

nhos da lei do Senhor desaparecidos, os entrega ao rei

lhante, que se convertesse ao SENHOR de todo o seu

Josias, que, profundamente quebrantado realiza uma

coração, e de toda a sua alma, e de todas as suas forças,

grande reforma em Israel, principalmente na área cúl-

segundo toda a Lei de Moisés (ênfase nossa); e depois

tica e convida o povo a se santificar por meio da obe-

dele, nunca se levantou outro igual” (2Rs. 23:25).

diência à lei escrita do Senhor. Essa mesma reforma

Contrariando essa verdade sobre as reformas em Is-

ocorreu em Israel, anos depois, quando o povo retor-

rael, o apologeta católico romano Patrick Madrid ainda

nou para sua terra no final do cativeiro babilônico com

tenta argumentar contra os protestantes com respeito

Neemias e Esdras: “Naquele dia, se leu para o povo no livro de Moisés; achou-

à suficiência das Escrituras do Antigo Testamento, da seguinte maneira:

se escrito que os amonitas e os moabitas não entrassem

“No Antigo Testamento, Deus deu autoridade aos sacerdo-

jamais na congregação de Deus, porquanto não tinham sa-

tes para interpretar sua lei e emitir doutrina obrigatória

ído ao encontro dos filhos de Israel com pão e água; antes,

baseada nessas interpretações, mesmo com respeito a

assalariaram contra eles Balaão para os amaldiçoar; mas

questões civis e criminais — ambos por revelação divina

o nosso Deus converteu a maldição em benção. Ouvindo

(cf. Lv. 20:1-27; 25:1-55). [Há] referências claras a um

eles, os povos, esta lei, apartaram de Israel todo o elemen-

corpo autoritativo de professores constituídos por Deus e

to misto” (Ne.13:1-3).

pelos seus profetas e reis designados”.

As reformas com Josias, Neemias e Esdras não fo-

É ilógico e anti-bíblico concluir que existe um Ma-

ram um retorno ou obediência a uma tradição oral nem

gistério infalível hoje só porque havia sacerdotes, in-

Revista Os Puritanos 3•2009

33


Tiago Baía

térpretes da lei em Israel. A forma

sacerdotes, no decorrer da história de

a tua lei! É a minha meditação, todo o

como Madrid raciocina é errônea. Di-

Israel, prevaricaram e ensinaram a lei

dia! Compreendo mais do que todos os

zer que Deus estabeleceu líderes para

de forma incorreta, como é o caso de

meus mestres, porque medito nos teus

auxiliar o povo em compreender a sua

Israel antes da reforma do Rei Josias

testemunhos” (Sl. 119: 97, 99). “Buscai

Lei é ponto pacífico. “A perfeição da

e também na época dos profetas Ma-

no livro do SENHOR e lede” (Is. 34:16).

Escritura [...] não exclui o ministério

laquias e Miquéias: “Mas vós [os sacer-

A autoridade sacerdotal defendida

eclesiástico [...]. Apenas exclui a ne-

dotes] vos tendes desviado do caminho

por Patrick Madrid é pura suposição.

cessidade de outra regra para direção

e, por vossa instrução (ênfase nossa),

Há falta de prova textual afirmando

externa adicionada às Escrituras a fim

tendes feito tropeçar a muitos; violas-

que Deus deu autoridade infalível aos

de torná-las perfeitas. Uma régua não

tes a aliança de Levi, diz o SENHOR dos

líderes sacerdotais de Israel. A autori-

é, portanto, imperfeita porque necessi-

Exércitos” (Ml. 2:8). “Os seus cabeças

dade não era inerente, mas declarativa,

ta do arquiteto para sua aplicação”. O

dão as sentenças por suborno, os seus

ou seja, a autoridade eclesiástica isra-

problema na lógica de Madrid é o fato

sacerdotes ensinam por interesse, e os

elita era subordinada às Escrituras so-

de sua conclusão não ser um resulta-

seus profetas adivinham por dinheiro;

mente, de maneira que só podiam de-

do necessário de suas premissas. Deus

e ainda se encostam ao SENHOR, di-

clarar aquilo que estivesse em confor-

estabelecer sacerdotes e intérpretes da

zendo: Não está o SENHOR no meio de

midade com a Palavra escrita. “No caso

lei não significa necessariamente que

nós? Nenhum mal nos sobrevirá” (Mq.

de Israel, Deus trabalhava por meio

eles eram infalíveis e muito menos que

3:11; cf. Jr. 5:30-31; Ez. 22:26; Os. 5:1;

de suas autoridades religiosas institu-

o povo era incapaz de interpretar a lei

Zc. 3:4).

ídas apenas quando essas autoridades

por si mesmo (cf. Sl. 1:2, Dt. 6:6-9).

Ademais, ordenava-se ao povo que

buscavam alinhar-se com a palavra es-

lesse, entendesse, meditasse na lei do

crita”. Em Israel, as Escrituras tinham

As duas únicas relações do povo de

Senhor e ensinasse os filhos por eles

autoridade absoluta e eram claras o

Israel com a Palavra divina eram com

mesmos, porque a Escritura era clara

bastante para guiar, serem entendidas

a interpretação correta, privada ou

o suficiente para ser entendida e ter

e tornarem sábias as pessoa simples da

não, do que já estava escrito ou com o

autoridade divina inerente: “Estas pala-

nação de Israel (cf. Dt. 27:2-8, Hc. 2:2;

exercício do dom profético revelando a

vras que, hoje, te ordeno estarão no teu

Sl. 19: 7-8; 119: 105, 130; Pv. 6:23).

Palavra de Deus e jamais com uma tra-

coração; tu as inculcarás a teus filhos, e

dição oral ou uma Igreja infalível. Na

delas falarás assentado em tua casa, e

interpretação, a autoridade estava nas

andando pelo caminho, e ao deitar-te, e

Escrituras e não no sacerdote. Muitos

ao levantar-te” (Dt. 6:6-7). “Quanto amo

Extraído da monografia apresentada por Tiago Baía e Daniel Souza ao Seminário Presbiteriano Teológico do Nordeste, Teresina-PI, para obtenção do grau de Bacharel em Teologia/2007.

Breve Catecismo de Westminster

Pergunta 12 → Que ato especial de providência Deus exerceu para com o homem, no estado em que ele foi criado? Quando Deus criou o homem, fez com ele um pacto de vida, com a condição de perfeita obediência, proibindo-lhe comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, sob pena de morte.

Pergunta 16 → Todo o gênero humano caiu na primeira transgressão de Adão?

. Visto que o pacto foi feito com Adão, não só para ele, mas também para a sua posteridade, todo o gênero humano, que dele procede por geração ordinária, pecou nele e caiu com ele na sua primeira transgressão. Ref. da P.12: Compare Gn. 2.16.17 com Rm 5.12-14; Rm10.5; Lc 10.25-28, e com os pactos feitos com Noé e Abraão. Gn. 2.16.17; Rm 5.12-14; Rm. 10.5; Lc. 10.25-28; Gn 2.17 Ref. da P.16: At. 17.26 - veja também a questão 12; Gn 2.17; Rm. 5.12-20; I Co 15.21,22

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Revista Os Puritanos 3•2009


O Dia do Senhor e o Culto Reformado “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de sorte que o Filho do Homem é senhor também do sábado”(Mc.2.27) Ian Hamilton

A

shabbat? Isso ficará claro à medida que formos expondo o assunto.

té algum tempo atrás, uma das marcas distinti-

Os que crêem na perpetuidade do sábado cristão

vas do culto reformado era o seu compromisso

como sendo uma ordenança da graça que é obrigató-

com a santificação do Dia do Senhor como o

ria para todo povo de Deus, precisam lembrar que não

tempo divinamente prescrito para que o povo da alian-

estamos simplesmente engajados num conflito para

ça de Deus adorasse esse Deus da aliança. Esta perspectiva puritana possivelmente está melhor demonstrada na Confissão de Fé de Westminster: “Como é lei da natureza que, em geral, uma devida pro-

persuadir nossos irmãos em Cristo e que passagens como Colossenses 2:16-17 não estão abolindo o sábado cristão que foi instituído na criação. Nossa batalha é muito mais séria que isto, pois estamos batalhando

porção de tempo seja destinada ao culto de Deus, assim

para resgatar os irmão cristãos dos efeitos corrosivos

também, em sua Palavra, por um preceito positivo, moral

da cultura contemporânea. O que estamos dizendo é,

e perpétuo, preceito que obriga a todos os homens, em to-

que o assunto tratado aqui, dentro da tradição refor-

das as épocas, Deus designou particularmente um dia em

mada, não é somente de persuadir nossos irmãos em

sete para ser um sábado (= descanso) santificado por ele;

Cristo do caráter divino, mandatório do sábado cristão

desde o princípio do mundo, até a ressurreição de Cristo,

(shabbat) como sendo uma ordenança vinda da cria-

esse dia foi o último da semana; e desde a ressurreição

ção e do Evangelho, mas na verdade estamos diante de

de Cristo, foi mudada para o primeiro dia da semana, dia

um trabalho ainda mais exigente. Ou seja, de persuadir

que na Escritura é chamado dia do Senhor (= domingo), e

nossos irmãos em Cristo da sabedoria daquele que nos

que há de continuar até ao fim do mundo como o sábado

deu o shabbat, do regozijo que é o sábado cristão e dos

cristão”.

efeitos corrosivos e fatais de permitirmos que nossa

cultura contemporânea venha formatar nossa vida es-

Dizendo isso, os puritanos estavam em consonância

piritual e dos nossos filhos.

com os reformadores ao dizer que o shabbat (sábado)

Fiquei extremamente espantado quando, há alguns

não era o único dia em que o povo de Deus se reunia

anos, passei um período nos Estados Unidos e vi que

para o culto e também não estavam dizendo que a ado-

o dia da final do campeonato de futebol, o evento es-

ração é um tipo de atividade exclusivamente corporati-

portivo mais enfatizado do ano, era praticado no Dia

va e que apenas acontece quando a igreja se une para

do Senhor e que muitas igrejas evangélicas, cristãs,

adorar.

naquele dia, até mesmo que professavam a fé refor-

Foram os reformadores e puritanos que resgata-

mada, cancelavam até os seus cultos dominicais para

ram para nós a idéia de que adoração é a resposta do

permitir que as pessoas fossem assistir este jogo. Qua-

crente momento após momento à Palavra de Deus. Ao

se não acreditei que isso estivesse acontecendo. Porém,

mesmo tempo eles tinham uma convicção apaixonada

disseram-me que mais igrejas mudariam até o horário

quanto a este ponto. Diziam que o culto cristão tem

de culto para permitir aos crentes irem a esta final de

que ser ancorado e baseado no Dia do Senhor. Existe

campeonato.

um debate que sempre está presente entre os próprios

Eu tenho um filho que gosta muito de futebol e gos-

reformados com relação ao Dia do Senhor e o shabbat

ta muito de jogar. Outro dia ele me perguntou por que

(sábado). Devemos considerar o Dia do Senhor como o

se marcavam tantos jogos exatamente no Dia do Se-

Revista Os Puritanos 3•2009

35


Ian Hamilton

çoou o sétimo dia e o santificou porque nele descansara de todas as obras que havia feito. Antes que o pecado entrasse no mundo Deus já havia providenciado um sábado (descanso) para Adão e Eva e seus filhos. Nas palavras do gran-

Foram os reformadores e puritanos que

de presbiteriano John Murray, o sába-

resgataram para nós a idéia de que ado-

por Deus para o benefício de todas as

ração é a resposta do crente momento após momento à Palavra de Deus

do é uma ordenança da criação dada Suas criaturas. Geralmente se diz que Calvino ensinava que o sábado, como dia de descanso, havia sido ab-rogado na dispensação do Novo Testamento. Para apoiar isso, são citados seus comentários sobre o quarto mandamento e sua exposição em Colossenses 2:1617. Sem dúvida existe alguma diferença entre a perspectiva de Calvino e os

nhor. Meu filho gosta muito de futebol

o contato de quem Deus é. Creio que

puritanos, mas na minha opinião são

e por isso fica frustrado quando não

dificilmente poderíamos duvidar que,

circunstanciais e pequenas. Quando

pode jogar e sente falta do jogo, mas

quando o Dia do Senhor não é uma

lemos o que Calvino escreveu no seu

mesmo assim não deixa de ir à igreja

ordenança graciosa, o culto na igreja

comentário de Gênesis 2:3, escrito em

para participar dos jogos de futebol e

deteriora e em seguida a sociedade

1561, dois anos depois da edição final

nem ao menos pensa nisso. Mas per-

deteriora. O Dia do Senhor é um teste-

das Institutas, o que é bastante signi-

cebo que esta situação vem continua-

munho da grande benignidade de Deus

ficativo, encontramos uma exposição

mente se projetando para tomar con-

para com Seu povo e nos dá um tempo

que o reformador faz de forma sucinta,

trole sobre a igreja.

divinamente apontado por Deus para

da sua perspectiva do sábado cristão. Calvino disse:

Levanto esta questão porque o pro-

que nós O adoremos e Deus mesmo

blema não é realmente a guarda do sá-

nos dá o foco apropriado em relação à

bado cristão, mas é algo mais profundo

Sua adoração.

“Quando ouvimos que o sábado foi abrogado pela vinda de Cristo, devemos

que isso. O assunto com o qual nos de-

Quero apresentar dois aspectos

distinguir o que pertence ao governo

paramos é o caráter de Deus, a Sua au-

com respeito à guarda do Dia do Se-

perpétuo da vida humana e o que per-

toridade, a verdade de Sua Palavra e a

nhor.

tence propriamente às figuras antigas. O

sua suficiência. Se estamos convencidos

1) Explicar o caráter obrigatório do

uso destas foi abolida quando a verdade

que Deus é bom, somente bom, e que

Dia do Senhor para o cristão; essa era a

foi cumprida. Descanso espiritual é a

todos Seus caminhos para Seus filhos

convicção dos reformados e puritanos

mortificação da carne ao ponto de que

são sábios e agradáveis, isso nos de-

e que surgiu de uma compreensão cor-

os filhos de Deus não devem viver para

veria persuadir a abraçar com alegria

reta das Escrituras.

a santificação do Dia do Senhor. Não

si mesmos ou permitir livremente as

2) Destacar o significado e os bene-

ações de suas inclinações. Assim, na me-

deveríamos ser levados a pensar que

fícios de se observar o Dia do Senhor

dida que o sábado era uma figura desse

as leis do Dia do Senhor não são mais

reservando-o para um culto que honra

descanso espiritual, eu digo que isso foi

para nós hoje e que por isso têm sido

a Deus.

abandonadas por muitos cristãos que

somente por um tempo (obs: com isso os puritanos concordariam). Mas, na me-

professam a fé reformada e que têm se

Caráter Obrigatório → Inicialmente

dida em que foi ordenado aos homens,

esquecido de santificar este dia. A razão

gostaria de dizer que o Dia do Senhor

desde o início, de que eles deveriam se

para isso é que eles não têm compreen-

foi instituído por Deus na criação. Le-

engajar no culto a Deus, é legítimo que o

dido o sentido do Dia do Senhor.

mos em Gênesis 2 que Deus terminou

sábado cristão deva continuar até o fim

O problema é mais profundo. A

sua obra no sexto dia e no sétimo des-

do mundo. O sábado é uma ordenação

verdade é que as pessoas perderam

cansou do que havia feito. Deus aben-

da criação que é perpétua”.

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Revista Os Puritanos 3•2009


O Dia do Senhor e o Culto Reformado

do Senhor e considerando a transição

Esta verdade perece dia após dia em

A segunda coisa que tenho para afir-

do sábado para o domingo, quero con-

nossa época. Desde o iluminismo, na

mar é que o sábado cristão está base-

siderar quais os benefícios e o signifi-

cultura ocidental e particular, o indi-

ado no exemplo divino. Esse é o ponto

cado de guardar o dia do Senhor.

víduo tornou-se o centro de todas as

de Moisés em Êxodo 20:11. O ritmo do

coisas e essa preocupação absorvente

homem alternado entre trabalho e des-

Significado e Benefícios → O shabbat

com o indivíduo desfechou um golpe

canso é o sério padrão do ritmo criador.

nos dá uma oportunidade de buscar o

mortal no pensamento bíblico com

John Murray faz a seguinte afirmativa:

Senhor e adorá-lo sem distração. No

respeito à aliança. Os cristãos não têm

“Podemos pensar no exemplo que Deus

ano passado passei um tempo no Mar-

mais qualquer doutrina, não têm mais

nos deu de trabalho e descanso como

rocos visitando famílias cristãs. Viver

esta compreensão do caráter coletivo

sendo um padrão de conduta eterno

num país muçulmano como aquele

da Igreja, e mesmo cristãos que se pro-

para a raça humana nas ordenanças de

significa não ter liberdade para guar-

fessam reformados não têm mais qual-

trabalho e descanso”.

dar o Dia do Senhor como os cristãos

quer sentido do caráter corporativo do

gostariam. Mas em países como Bra-

culto da aliança. Estou cada vez mais

sil e Escócia ainda temos o privilégio

convencido que o sábado cristão é tal-

o Dia do Senhor está embutida nos dez

precioso dado por Deus de preservar

vez o meio principal usado por Deus de

mandamentos. O quarto mandamen-

e guardar o Dia do Senhor como um

educar o seu povo na vida e no culto do

to garante e valida a permanência do

dia santo. Irmãos, valorizem o Dia do

pacto. Guardar o Dia do Senhor, o sába-

mandamento para guardarmos o Dia

Senhor; lutem por ele; os assuntos

do cristão, é o antídoto poderoso para

do Senhor e estabelece a guarda do

relacionados com a guarda do dia de

aquele individualismo absorvente que

sábado cristão no coração da vida de

descanso são profundos. Essa provisão

marca tanto o mundo que nós vivemos como a igreja de Cristo.

A ordem de Deus para que guardemos

adoração do povo de Deus. Acho absur-

que Deus nos faz que o adoremos sem

do quando ouço irmãos que, dizendo-

distração alguma é uma visão que vem

se reformados, tentam me convencer

do próprio Deus.

que o “shabbat”, o sábado, foi abolido,

O shabbat coloca diante de nós os grandes feitos de Deus na criação e na

deixando um dos dez mandamentos

O shabbat nos dá oportunidade de

redenção → No sábado cristão somos

fora de validade para a vida do povo de

adorar coletivamente a Deus e buscá-

graciosamente capacitados por Deus

Deus. Na verdade, Deus deu validade à

lO juntos → O shabbat enfatiza o cará-

em nos centralizarmos na criação e na

guarda do sábado por colocá-lo dentro

ter bíblico e corporativo do culto que

redenção e despertar nossos corações e

do decálogo.

se deve prestar a Deus. O nosso Deus

mentes ao seu louvor. Calvino coloca o

IV) Nosso Senhor Jesus Cristo des-

fez uma provisão graciosa por seu

seu dedo exatamente nesse ponto. No

tacou a importância da permanência

povo. Ou seja, que O adoremos juntos.

livro II das Institutas, capítulo 8, ele diz:

do shabbat. Jesus nos diz em Marcos 2.27: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de sorte que o Filho do Homem é senhor também do sábado”. O que mais poderíamos dizer com relação a isso? A minha preocupação é simplesmente mostrar a importância do fundamento da guarda permanente do shabbat. Deus tem gravado esta verdade em Sua Palavra e nós nos desviamos dessa ordenança apenas para sermos prejudicados espiritualmente. Pertence nossa obediência à verdade revelada de Deus e nossa submissão ao nosso Pai amorável. Tendo estabe-

Fiquei extremamente espantado quando vi que o dia da final do campeonato de futebol era praticado no Dia do Senhor e que muitas igrejas cancelavam os seus cultos dominicais para permitir que as pessoas fossem assistir este jogo

lecido o fundamento bíblico para o dia

Revista Os Puritanos 3•2009

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Ian Hamilton

Sei que existe o perigo de dar ao sábado cristão um lugar central no culto, fazendo com que ele torne-se um exercício de justiça própria. Sabemos

“Qual o dia mais apropriado para subir ao céu do que aquele em que Ele ressur-

da condenação tremenda feita pelo Senhor em Isaías 1. Mas os crentes reformados deveriam guardar o Dia do Senhor de forma santa. Devemos chamálo de um deleitoso. Por quê? Por causa

giu da terra e triunfou completamente

de nossa obediência ao nosso Deus e

sobre a morte e o inferno?

“Se vocês me amam, guardem meus

amor ao nosso Salvador. Jesus disse: mandamentos”. Neste sentido a guarda do Dia do Senhor, o sábado cristão, ou é o resultado da obediência legalista, ou da obediência evangélica. Se for o produto de

“Durante o repouso do sétimo dia, na verdade, quando Deus determinou que se

alegremente, de forma não legalista, à

uma obediência legalista, a guarda do

guarda do Dia do Senhor.

dia do Senhor será sem alegria, monó-

O Dia do Senhor é uma preparação

plesmente traz auto-justiça e vaidade

tona, formal e alguma coisa que sim-

descansasse no sétimo dia, o legislador divino queria falar ao povo de Israel do descanso espiritual quando os cristãos

para o céu → Ouçamos as palavras

pessoal. Mas se a guarda do Dia do Se-

devem deixar de lado o seu trabalho

de Richard Baxter: “Qual o dia mais

nhor é o resultado de uma obediência

para permitir que Deus trabalhe neles”.

apropriado para subir ao céu do que

evangélica, será profundamente rego-

aquele em que Ele ressurgiu da terra e

zijante. Diremos como o salmista: “Ale-

Em outras palavras, o shabbat nos

triunfou completamente sobre a morte

grei-me quando me disseram, vamos à

dá oportunidade de repousar de nos-

e o inferno? Use o seu shabbat como

casa do Senhor”. Se for uma guarda por

sas próprias obras e nos concentrar

passos para a glorificação até que te-

causa de uma obediência evangélica,

nas obras de Deus. Nesse sentido, o

nha passado por todos eles e chegue à

será algo refrescante que nos revigora e nos humilha.

shabbat é um símbolo evangélico, um

glória”. A religião puritana floresceu no

glorioso símbolo semanal da justifica-

solo regozijante da guarda do sábado

John Murray, cujos escritos trou-

ção gratuita. Nós vivemos em uma épo-

cristão. É por causa destas coisas que

xeram uma impressão inapagável na

ca em que os cristãos andam em busca

somos chamados em Isaías 58, pelo

minha vida quando moço (Por exem-

de sinais e símbolos. Demos a eles o

próprio Senhor, para considerarmos

plo: Redenção, Conquistada e Aplicada

grande símbolo do Evangelho: um dos

o sábado como um deleite e a isso ele

(Cultura Cristã ― Obra que considerei

grandes símbolos e sinais do Evange-

adiciona uma promessa. Se guardar-

como a melhor peça sobre justificação

lho é o shabbat que nos foi dado por

mos seus sábados como sendo um de-

jamais escrita por alguém), disse: “O

Deus.

leite, encontraremos nossa alegria no

shabbat semanal é uma promessa, um

Senhor.

sinal, e um antegozo daquele descanso

O shabbat destaca a importância dos

Esse capítulo 58 de Isaías é mais

consumado. A filosofia bíblica do sha-

cultos matinais e vespertinos. Parece

uma confirmação de que a guarda do

bbat é de tal maneira, que negar sua

muito simplório → Mas mesmo assim

sábado cristão deveria ser considerada

perpetuidade é privar o movimento da

é importante falar deles. Honrem o sá-

como parte da Lei Moral e não simples-

redenção de uma das suas mais preciosas características”.

bado cristão, não somente uma parte

mente mais uma observância pertinen-

dele, mas como um todo. Se havia uma

tes às leis cerimoniais. Esta passagem

Vivemos numa época em que mais

coisa que caracterizava a religião puri-

de Isaías onde o mero cerimonialismo

do que nunca precisamos resgatar o

tana, a prática puritana, era a maneira

é denunciado pelo profeta, há um ape-

shabbat para o povo de Deus, porque

cuidadosa que brotava de seus cora-

lo para a guarda do sábado como sen-

amamos o povo de Deus e desejamos

ções e pela qual eles se entregavam

do importante para o culto espiritual.

seu bem diante de Deus. Sabemos que

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Revista Os Puritanos 3•2009


O Dia do Senhor e o Culto Reformado

Deus quer abençoar Seu povo com isso. Mas sabemos também que a bênção que Ele deseja dar nunca virá sem a honra que o povo deve ao Dia do Senhor. Pelo bem espiritual dos nossos filhos devemos educá-los ensinando a honrar o Dia do Senhor, mas não como uma coisa rotineira e sem alegria. Como poderia o cultuar a Deus e esperar nEle ser algo monótono ou cansativo? Na verdade, o Dia do Senhor foi algo criado por Deus para o bem de Seus filhos. Estou quase convencido que o sucesso dos puritanos

A guarda do Dia do Senhor ou é o resultado da obediência legalista, ou da obediência evangélica. Se for legalista será sem alegria. Se evangélica, será profundamente regozijante.

pode ser traçado por seu compromisso de guardar o Dia do Senhor para honra de Deus. Deus abençoou grandemente seus labores, seus escritos, porque fo-

glória até que tenha passado por todos

Igreja e que partindo de nossa obedi-

ram homens e mulheres que honraram

eles e lá tenha chegado”.

ência evangélica nos reunamos para o

o dia do Senhor.

O Dia do Senhor é para o povo do

encontro com nosso Deus e para rece-

Finalmente cito Baxter porque creio

Senhor como um antegozo ou penhor

ber as promessas que Ele decidiu nos

que suas palavras expressam o coração

do céu que nós tanto almejamos. Nós

dar, para aqueles que honram o Seu

da compreensão puritana com respeito

desejamos e sonhamos com aquele dia

dia, porque assim honram aquEle que

ao shabbat: “Que dia é mais apropria-

em que estaremos com o Senhor para

instituiu esse dia.

do para subir ao céu do que aquele em

sempre. Até que aquele dia venha, faça-

que ele ressurgiu da terra e triunfou

mos do Dia do Senhor tudo aquilo que

plenamente sobre a morte e o inferno?

Deus gostaria que fizéssemos. Que seja

Use seus shabbats como passos para a

o pulso palpitante da vida espiritual da

Amém! Pr. Ian Hamilton é ministro da Cambridge Presbyterian Church, Inglaterra

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