EDITORIAL
Manoel Canuto
A Mãe dos Crentes A Igreja visível é a mãe de todos os crentes. Estas palavras soam como um pensamento romanista. Mas quando a Igreja Católica Apostólica Romana assim afirma, está dizendo que somente ela é a verdadeira mãe de todos os crentes. Roma diz: “Todos devem, portanto, submeter-se à autoridade de Roma, se querem estar na Igreja de Cristo, continuada pelos Apóstolos”. Dessa forma, além do sofisma e da completa incoerência de se conceber um catolicismo (universal) localizado em ROMA, esta afirmação romanista concebe que a vida moral, os mandamentos e o magistério da Igreja procedem da Palavra e dos pastores da Igreja — o Sumo Pontífice de Roma e os Bispos, como sendo os autênticos doutores e sucessores dos apóstolos. “A infalibilidade do magistério dos pastores se estende a todos os elementos de doutrina, incluindo a moral. Sem esses elementos, as verdades salutares da fé não podem ser guardadas, expostas ou observadas” (Catecismo da Igreja Católica Romana – Edição Típica Vaticana, p. 538). Mas a afirmação de que a Igreja é a mãe de todos os crentes não veio da Igreja de Roma e sim dos pais da Igreja, Cipriano, Bispo de Cartago (210-258): “Quem abandona a Igreja de Cristo não chegará aos prêmios de Cristo. Torna-se estranho, torna-se profano, torna-se inimigo. Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Como ninguém se pôde salvar fora da arca de Noé, assim ninguém se salva fora da Igreja. O Senhor nos alerta e diz: "Quem não está comigo está contra mim, quem comigo não recolhe, dissipa" (Mt 12,30). Quem rompe a paz e a concórdia de Cristo trabalha contra Cristo. Quem faz colheita alhures, fora da Igreja, esse dissipa a Igreja de Cristo". João Calvino concorda com este Pai da Igreja quando afirma: “... de sorte que, àqueles de quem ele é o Pai, a Igreja possa também ser mãe” [Institutas IV 1.1]. “O que Cipriano e Calvino queriam dizer era que Deus nos deu a Igreja visível como nossa mãe para ministrar Sua Palavra e os sacramentos sob a direção e a influência do Espírito Santo. À parte desta mãe e sua alimentação e instrução, eles diziam, não há salvação. Cipriano em sua época e Calvino na sua, sem preocupação ousaram fazer esta forte declaração para a unidade da Igreja”. Os crentes precisam aprender que o ministério da Igreja é comunicar ordinariamente aos crentes as bênçãos da redenção. O Breve Catecismo de Westminster, na pergunta 88, diz: “Os meios exteriores e ordinários pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos da redenção são as suas ordenanças,
REVISTA OS PURITANOS Recife, Ano XIX - Número 2 - 2010 Editor Manoel Canuto mscanuto@uol.com.br Conselho Editorial Josafá Vasconcelos e Manoel Canuto
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especialmente a Palavra, os sacramentos e a oração, todos os quais se tornam eficazes aos eleitos para a salvação”. O próprio Deus nos promete usar e abençoar as orações, a pregação da Palavra, os sacramentos e o louvor, em benefício do seu povo. A Igreja reunida em adoração e liderada pelos pastores é o lugar onde os crentes corporativamente expressam louvor e adoração ao Pai. A Igreja é também um lugar onde Deus ministra ao Seu povo. Assim, pela Palavra lida e pregada e na administração dos Sacramentos, Deus relembra ao seu povo o seu perdão e os edifica. Mas se a Igreja é simplesmente uma maneira de podermos demonstrar nossa piedade e zelo, então, sua liderança, seus ministérios e suas normas se tornarão um fardo. Se a Igreja é um lugar para se ouvir as boas novas através de seus pastores devidamente ordenados, sob a bênção do Espírito Santo, ela será a força vital para a peregrinação e piedade do cristão. Os reformados devem resgatar a visão da Igreja como mãe. Essa noção tem sido esquecida ou desconhecida dos herdeiros de Calvino, embora ele tenha explicitamente escrito e ensinado sobre isso dizendo que é a Igreja que alimenta os crentes: “Contudo, uma vez que agora nosso propósito é discorrer acerca da Igreja visível, aprendamos, mesmo do mero título mãe, quão útil, ainda mais, quão necessário nos é seu conhecimento, quando não outro nos é o ingresso à vida, a não ser que ela nos conceba no ventre, a não ser que nos dê à luz, a não ser que nos nutra em seus seios, enfim, sob sua guarda e governo nos retenha, até que, despojados da carne mortal, haveremos de ser semelhantes aos anjos” (Institutas, IV.I, iv). Calvino e os reformados ensinam que sem a Igreja o crente definha e morre, assim como um bebê morre sem sua mãe para amamentá-lo. A Igreja sustenta o cristão na sua peregrinação, assim como Deus cuidou dos israelitas na sua caminhada pelo deserto. Os meios de graça são como o maná e as codornizes que alimentaram o povo de Deus até à Terra Prometida. Provavelmente a visão pobre da Igreja deriva diretamente de uma avaliação excessivamente elevada de seus membros. A grande visão de Calvino sobre a Igreja e dos cuidados que ela dispensa estava ligada à noção de que os crentes têm necessidade de serem sustentados e edificados na fé. Para os Reformados a Igreja visível “Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe”. Boa leitura.
Revisores Manoel Canuto Tradutores Linda Oliveira; Marcos Vasconcelos, Márcio Dória, Josafá Vasconcelos Projeto Gráfico Miolo e Capa Heraldo F. de Almeida Impressão Facioli Gráfica e Editora Ltda. Fone: 11- 6957-5111 — São Paulo-SP
OS PURITANOS é uma publicação trimestral da CLIRE — Centro de Literatura Reformada R. São João, 473 - São José, Recife-PE, CEP 52020-120 Fone/Fax: (81) 3223-3642 E-mail: ospuritanos@gmail.com DIRETORIA CLIRE: Ademir Silva, Adriano Gama, Waldemir Magalhães.
Revista Os Puritanos 2•2010
A Igreja como Nossa Mãe
“...que eles possam ser guiados pelo seu cuidado maternal... de sorte que, por àqueles de quem ele é o Pai, a Igreja possa também ser mãe”. (J.Calvino) Rev. Cornelis Pronk
O
Igreja Visível e Invisível → Nós vemos que para Calvino a Igreja visível é uma ajuda indispensável para
nome de João Calvino é frequentemente asso-
a salvação dos eleitos de Deus que constituem a Igreja
ciado com a predestinação; e algumas pessoas,
invisível. Não que Calvino veja a Igreja visível e invisível
muitas vezes, pensam que ele inventou essa
como co-extensiva. Elas são intimamente relacionadas,
doutrina. Para outros o nome do reformador está liga-
mas, precisam ser distintas uma da outra porque nem
do às doutrinas da soberania divina, depravação total
todos os membros da Igreja visível são membros da
do homem e a incapacidade de salvar-se a si mesmo. O
Igreja invisível.
que não é geralmente entendido, entretanto, é que a
De acordo com Calvino, a Escritura fala da Igreja de
principal contribuição de Calvino para a Reforma foi a
dois modos. Algumas vezes o termo “igreja” refere-se ao
doutrina bíblica da igreja.
número total dos eleitos que foram salvos pela graça através da fé em Jesus Cristo. Mas a Bíblia também usa
O Fundamento da igreja → Para Calvino a igreja
a palavra “igreja” para designar as assembléias públicas
está firmemente enraizada na soberana eleição de
de pessoas que professam adorar a Deus e ao seu filho,
Deus. Esta é a fundamentação da doutrina da igreja
Jesus Cristo. Nesta igreja, Calvino diz, “estão misturados
em Calvino. Desde a eternidade Deus escolheu em
muitos hipócritas que nada têm de Cristo a não ser o
Cristo um povo para a salvação eterna. No livro III das
nome e a aparência externa”.
Institutas Calvino explica como estes escolhidos são tra-
Que a igreja visível é uma assembléia mista, Calvino
zidos à fé em Cristo pela “energia secreta do Espírito”
se baseia na parábola do trigo e do joio registrada em
por meio da qual nós somos unidos a Cristo pela fé de
Mateus 13:24-30. Seguindo Agostinho, Calvino inter-
modo que chegamos a usufruir de Cristo e de todos os
preta esta parábola para significar que a Igreja será
seus benefícios. Contudo, em assim fazendo, o Espírito
composta de crentes verdadeiros e de hipócritas que
Santo faz uso de certos meios, e aqui é onde a igreja e o
não podem ser efetivamente separados até o dia do
seu ministro entram. Este assunto é visto extensivamen-
julgamento.
te no livro IV, intitulado: O meio externo ou a ajuda pela qual Deus nos convida para a sociedade de Cristo e então nos segura. Embora seja por meio da fé no evangelho
Marcas da Verdadeira Igreja Visível → Embora possa ser uma assembléia mista, esta Igreja visível, a
que Cristo se torna nosso, Calvino escreve:
despeito de suas muitas fraquezas, é a verdadeira Igreja de Cristo a qual todos os crentes deveriam se juntar e
Devido à nossa ignorância e indolência nós necessitamos
nunca deixar porque, insiste Calvino, fora dela não há
de ajuda externa para gerar e aumentar a fé dentro de nós
salvação.
e avançá-la para o seu objetivo... Ele instituiu “pastores e
Esta alta visão da igreja levanta a pergunta quanto a
mestres”, por cujos lábios ensinasse aos seus... Começarei,
qual Igreja visível está mais próxima da Igreja invisível.
pois, pela igreja, em cujo seio Deus agradou-se juntar seus
Esta foi a pergunta para muitos cristãos de mente re-
filhos... que eles possam ser guiados pelo seu cuidado ma-
formada do tempo de Calvino. Eles foram convencidos
ternal até que estejam maduros e finalmente alcancem o
de que Roma não era sua verdadeira mãe, mas como
objetivo da fé... de sorte que, por àqueles de quem ele é o
poderiam estar seguros sobre qual das igrejas alterna-
Pai, a Igreja possa também ser mãe. [IV 1.1]
tivas tinha se tornado a certa: a Luterana, a Anabatista
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Cornelis Pronk
e as igrejas Reformadas eram sua subs-
Cartago, do primitivo século III, Norte
tituta legítima?
Uma vez que existe apenas uma igre-
da África. O que Cipriano e Calvino que-
ja, argumenta Calvino, fora dela não há
Calvino sobrescreve estas preocu-
riam dizer era que Deus nos deu a Igreja
salvação. A razão para isto é que Deus
pações no livro IV das suas Institutas.
visível como nossa mãe para ministrar
confiou somente a ela o ministério da
“Aqueles que estavam procurando sua
Sua Palavra e os sacramentos sob a di-
Palavra e os sacramentos como meios
verdadeira mãe”, ele explicou, “podiam
reção e a influência do Espírito Santo.
de graça. Esta linguagem forte foi mais
reconhecê-la facilmente por meio de
À parte desta mãe e sua alimentação e
tarde modificada na Confissão de Fé
dois critérios objetivos, a saber: a pura
instrução, eles diziam, não há salvação.
de Westminster em 1647, ao declarar
e fiel pregação da palavra e a adminis-
Cipriano em sua época e Calvino na
que fora da igreja de Cristo não exis-
tração fiel dos dois sacramentos que
sua, sem preocupação ousaram fazer
te “qualquer possibilidade ordinária
Cristo instituiu, isto é, o Batismo e a
esta forte declaração para a unidade
de salvação”. Há exceções, mas, estas
Ceia do Senhor”. “Daqui nos despon-
da Igreja.
apenas provam a regra de que somos
ta”, escreve Calvino, “e nitidamente
Cipriano e Agostinho depois dele,
dependentes da igreja como nossa mãe
nos emerge aos olhos, a face da Igreja.
contenderam com os Donatistas que
para a concessão de todos os benefícios
Pois onde quer que ouçamos a Pala-
estavam causando o primeiro gran-
salvíficos que Cristo obteve para os
vra de Deus pregada com pureza e os
de cisma na igreja. Os reformadores
crentes. Calvino explica a crucial impor-
sacramentos administrados de acordo
de Genebra viam o protestantismo se
tância do ministério dela deste modo:
com a instituição de Cristo, ali, não há
despedaçando em toda sorte de seitas
dúvida, existe uma igreja de Deus” (IV
e cultos. Isto foi em parte o resultado
1.9). Mais tarde as igrejas Reformadas
da doutrina do sacerdócio de todos os
pósito é discorrer acerca da Igreja visível,
adicionaram ainda uma terceira mar-
crentes, de Lutero, a qual foi muito er-
aprendamos, mesmo do mero título mãe,
ca, a saber, a disciplina da igreja (ver a
radamente interpretada para significar
quão útil, ainda mais, quão necessário
confissão Belga, Art. 29).
que todos eram livres para explicar as
nos é seu conhecimento, quando não ou-
Todos os Crentes Verdadeiros Têm a Mesma Mãe → Referir-se à igreja como nossa “mãe” soa estranho e mes-
“Contudo, uma vez que agora nosso pro-
Escrituras como achassem adequado.
tro nos é o ingresso à vida, a não ser que
Para Calvino a unidade espiritual dos
ela nos conceba no ventre, a não ser que
crentes não pode existir sem a unidade
nos dê à luz, a não ser que nos nutra em
visível da igreja. Esta unidade flui direta
seus seios, enfim, sob sua guarda e go-
mo errado para muitos cristãos hoje.
e logicamente da doutrina Calvinista da
verno nos retenha, até que, despojados
Tem um elo Católico Romano ligado a
união mística entre Cristo e o seu povo
da carne mortal, haveremos de ser se-
isso. Estamos habituados a ouvir a Igre-
(Ef. 5:31). Exatamente como os crentes
melhantes aos anjos (Mt. 22:30). Porque
ja de Roma descrita como “Igreja Mãe”,
são ligados a Cristo, seu cabeça, eles
nossa fraqueza não permite que sejamos
porém os protestantes, falando de for-
estão ligados a todos os membros do
despedidos da escola até que tenhamos
ma geral, raramente fazem uso deste
seu corpo. Daí a possibilidade de haver
passado toda nossa vida como discípulos”
termo. Contudo, para Calvino, a palavra
apenas uma igreja.
(Institutas, IV.I, iv).
“mãe” era uma palavra apropriada para
Os crentes em Cristo, por isso, deve-
descrever a Igreja de Cristo. Ele natural-
riam zelosamente guardar e promover
A lógica aqui é surpreendente. Se
mente sabia muito bem que Roma rei-
a unidade da igreja. “Existe apenas uma
Deus é nosso pai através da regenera-
vindicava manter um monopólio deste
noiva de Cristo”, insiste Calvino, “e essa
ção, a igreja deve ser nossa mãe que
título. Ele estava convicto, contudo, de
noiva é o totalidade de todos os cris-
nos traz ao nascimento e nos alimenta
que Roma perdera o direito de chamar-
tãos neste mundo” (Comentário sobre o
para a vida espiritual (Gl. 4:19-31; Hb.
se a mãe de todos os crentes; ela não
salmo 133:1). “Unidade e unanimidade”,
5:13-6:1). A igreja, como noiva de Cris-
cumpriu as tarefas e responsabilidades
ele diz “são necessárias quando a igreja
to, diz Calvino,
usualmente associadas às mães.
deseja persistir neste mundo”. Em seu
O emprego de Calvino do termo
Comentário sobre o Salmo 47:10, ele es-
“... é o ventre no qual o descrente infértil
“mãe” para descrever a Igreja tem um
creve que “a unidade da igreja consiste
encontra o evangelho, está impregnada
precedente antigo. Sua afirmação que
no fato de que aquele povo é santamen-
pelo Espírito Santo pela pregação da pa-
“Você não pode ter Deus como seu pai a
te preparado para seguir a Palavra de
lavra. É ela que nos nutre, alimentando-
menos que tenha a Igreja como sua Mãe”
Deus, de modo que há um rebanho e
nos em seu seio com o leite puro do evan-
é citação direta do bispo Cipriano de
um pastor”.
gelho, dando-nos mais tarde o alimento
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Revista Os Puritanos 2•2010
A Igreja como Nossa Mãe
sólido da sã doutrina e do discipulado.
sinando a palavra, muitos terminavam
Ela nos guia com sua longa sabedoria,
no pântano do subjetivismo e do mis-
ensinada a ela pelo Espírito Santo da palavra de Deus, pelos longos tempos da sua história — a mesma sabedoria de Deus em Cristo, a quem ela se submete. E o seu noivo divino-humano cuida dela, conduzindo-a e amando-a, ensinandonos através da sua palavra e por meio do seu Espírito — em sua igreja”.
Em Gálatas 4 o apóstolo Paulo fala da igreja como a Jerusalém do alto, a qual é livre e a mãe de todos os crentes (v. 26). Ele compara esta cidade celestial com a Jerusalém da terra, a qual, ele diz, está em cativeiro com os seus filhos. O que ele quer dizer é que
É ela que nos nutre, alimentando-nos em seu seio com o leite puro do evangelho, dando-nos mais tarde o alimento sólido da sã doutrina e do discipulado
apenas os verdadeiros cristãos salvos
ticismo. Calvino vê como evidência do amor de Deus por nós o fato dele lidar conosco de acordo com nossa pequena capacidade. Citando a declaração de Paulo de que “nós vemos em parte, e conhecemos em parte e por isso caminhemos, mas pela fé”, Calvino pergunta: “De onde jorra esta fé? Como ela é alimentada e aumentada? Por meio da Palavra de Deus (Rm. 10:17). Quando temos pregação e somos diligentes para sermos edificados por ela, este é o primeiro ponto por meio do qual e no qual nossa fé começa, e esse é o meio pelo qual ela continua a crescer dia a dia até que seja
pela graça são a verdadeira e legítima
completamente aperfeiçoada...” (Comen-
descendência de sua mãe, a Jerusa-
felicidade nele, e manter o caminho que
lém celestial, enquanto os outros, os
nos é mostrado, caminho o qual é nosso
judeus que buscam ser salvos pelas
Senhor Jesus Cristo, de modo que nós,
Algumas Aplicações para Hoje → A
obras da lei, são os filhos de sua mãe,
livres de todo orgulho e alta opinião so-
doutrina da igreja de Calvino é de gran-
a Jerusalém terrestre que ainda existia
bre nós mesmos, permitamo-nos ser ves-
de importância para nós que vivemos
naquele tempo.
tário, 1Co 13:9).
tidos com a roupa que nos é oferecida em
500 anos após seu nascimento num
nosso Senhor Jesus Cristo e descansar ali
tempo que é, de muitas maneiras, bem
As Duas “Jerusaléns” → Em seus ser-
toda a nossa glória, eu digo quando tiver-
diferente do dele e, contudo, também
mões em Gálatas, Calvino traça várias
mos a doutrina após certo ponto, então
apresentando muitas semelhanças com
analogias entre estas duas “Jerusaléns”
é a casa de Deus e o santuário, então ela
o seu dia. Podemos acreditar que Deus
e as igrejas do seu próprio tempo, a
é a verdadeira igreja e nossa mãe, e nós
ainda tem sua Igreja visível na terra,
igreja de Roma e as igrejas da Reforma.
podemos estar bem seguros de que Deus
uma Igreja ainda identificável pelas
Como a Jerusalém terrena, Roma ensi-
também nos declarará e aceitará como
marcas assentadas por Calvino. Confio
na a salvação pelas obras enquanto as
seus filhos” (Sermão em Gálatas, p. 627).
que todos os nossos leitores pertencem
igrejas Reformadas, nascidas da Jeru-
às igrejas que possuem estas marcas.
salém do alto, proclamam a mensagem
Calvino e os Anabatistas → Con-
Calvino, como vimos, esteve aguda-
da salvação pela graça.
quanto fossem sérios os erros de
mente preocupado com a composição
A diferença entre estas duas igre-
Roma, Calvino não pouco se opôs aos
mista da igreja visível. Ele acentuou
jas, que reclamam ambas o honorável
Anabatistas, que em sua visão, mostra-
que não somos membros da Igreja por
título de mãe, é enorme. É crucial, por
vam desdém pela Palavra de Deus e os
nascimento natural, mas tornamo-nos
isso saber de qual mãe nascemos espiri-
ofícios de pastor e mestres, que alega-
membros dela por um renascimento
tualmente. “Onde quer que tenhamos a
vam não necessitar. Eles consentiam
espiritual. Mas ele também enfatizou
palavra de Deus pregada para nós com
em que a pregação é útil para iniciantes
que quando somos renascidos para a
pureza”, Calvino escreve:
na vida cristã, mas após algumas lições
vida celestial, isto de nenhum outro
nas doutrinas básicas prosseguiriam
modo acontece senão através do mi-
“... sem qualquer mistura, assim como
por si mesmos. Confiando naquilo que
não há corrupção nenhuma do Evange-
acreditavam ser uma operação direta
nistério da igreja (Comentário no Salmo 87:5). “Aqueles que negligenciam
lho, mas nós seremos guiados totalmen-
do Espírito Santo em lugar de ministros
este meio [i. e., o ministério da igreja] e
te para Deus para buscar toda nossa
devidamente ordenados pregando e en-
ainda esperam tornar-se perfeitos em
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Cornelis Pronk
Cristo, são loucos”, escreve Calvino
Bíblia eram permitidos apenas se o
qual deveríamos medir todas as coisas
comentando Efésios 4:12. “Tais são
ministro ou um oficial, ou pelo menos
pertinentes à doutrina e à vida.
os fanáticos”, ele acrescenta, “que in-
algum membro da igreja bastante co-
ventam relações secretas do Espírito
nhecedor da Palavra estivesse presente.
Vamos Apreciar Nossa “Mãe” → Nós
para si mesmos, e os orgulhosos que
Isto era visto por alguns como muito
entramos numa outra temporada de in-
pensam que para eles a leitura privada
controlador e também eu pensava as-
tensas atividades da igreja com uma ên-
das Escrituras é suficiente, e que eles
sim naquele tempo.
fase no ministério de ensino. Todo mun-
não têm necessidade do ministério comum da Igreja” (Ibid).
Mas agora, vendo retrospectivamente e especialmente depois da leitura de
do está de volta das férias, os bancos da igreja estão cheios novamente.
Enquanto Calvino estava se referin-
Calvino, imagino se esta antiga abor-
Os nossos pastores estão rejuvenes-
do aos Anabatistas radicais do seu tem-
dagem era assim tão errada. Rigorosa-
cidos e ansiosos para pregar novas sé-
po, acho que alguns dos perigos que
mente ligado a isto está a proliferação
ries de sermões. A Escola Dominical e as
ele menciona aqui ainda estão conosco
dos guias de estudo que o nosso povo
classes de Catecismo estão começando
hoje. Não apenas na igreja evangelical,
jovem e muitas pessoas mais velhas
novamente, como também vários gru-
mas igualmente nas igrejas Reforma-
igualmente utilizam. Alguns destes
pos de estudos da Bíblia. Vamos consi-
das há uma tendência para contornar
estudos, penso, não são sadios e estão
derar um grande privilégio termos uma
o ministério oficial da igreja local pre-
longe de serem Reformados.
igreja saudável para frequentar, uma
ferindo procurar o alimento espiritual
Uma marca da verdadeira igreja é sua
mãe amorosa, que ensina a verdade
em outra parte. Muitos alcançam seus
apostolicidade, a qual significa que esta
apostólica por meio de pastores orde-
enlevos espirituais em Conferências
igreja adere às doutrinas como expostas
nados e equipados por Deus. A mesma
onde eminentes oradores bem produ-
pelos apóstolos divinamente nomeados
mãe que nos dá nascimento espiritual,
zidos deslumbram suas audiências com
que lançaram os fundamentos da Igreja
também nos alimenta amorosamente,
sua eloquência e imaginação. Não me
Cristã. Isto implica em que, se desejamos
primeiro com o leite da Palavra e em
oponho às Conferências, já fui mui-
ser parte desta igreja apostólica, nossa
seguida com alimento mais sólido. No-
to beneficiado por muitas delas. Mas,
compreensão da Escritura deve estar em
vamente a mesma mãe que nos ensina
como insiste Calvino, nosso principal
harmonia com o que os apóstolos ensi-
a verdade e nos nutre, também nos
alimento espiritual deve vir dos pasto-
naram. Para dizê-lo como um dos após-
disciplina quando necessário ― e tudo
res e mestres que Deus tem dado à sua
designados pelo nosso Pai celestial. Se
do regularmente a igreja local, mesmo
tolos — Judas — nós devemos “batalhar, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3).
que o pregador não seja Spurgeon, mas
Em outras palavras, compreender
nós precisamos receber estes homens
igreja. Os crentes devem estar assistin-
um homem de médias habilidades. Um outro perigo que vejo neste con-
“apostolicidade” significa empenhar-se
isto por intermédio de pastores fiéis isto é assim ― e quem ousa negá-lo? ― e ouvi-los. Como diz Calvino,
para compreender a Palavra de Deus e
texto tem a ver com o modo como os
a interpretação desta Palavra com a aju-
“Se desejamos nossa salvação, devemos
estudos bíblicos são conduzidos. En-
da daqueles que a têm ensinado através
aprender a ser alunos humildes ao rece-
quanto eu aprovo de coração os grupos
da história da igreja. Como crentes re-
ber a doutrina do Evangelho e em escu-
de estudo da Bíblia, estou preocupado
formados isto significa que nós deverí-
tar com atenção os pastores que nos são
que as Escrituras são algumas vezes dis-
amos estar com aqueles intérpretes que
enviados, como se o próprio Jesus Cristo
cutidas sem que haja alguém presente
seguem a linha de Agostinho, Calvino e
falasse para nós em sua própria pessoa,
que possa falar com alguma autoridade
os outros reformadores e seus suces-
assegurando-nos que Ele reconhecerá
quanto à exegese própria das passagens
sores, os Puritanos, e aqueles que fica-
a obediência e submissão da nossa fé
da Escritura. Como resultado, ouve-se
ram com as tradições deles. Jonathan
quando ouvimos o homem mortal para
declarações como, “Eu acho que esta
Edwards, Spurgeon, Hodge, Warfield,
quem ele deu esse fardo” (Sermões em
passagem significa isto” ou “Eu sinto que
Brakel, Bavinck e muitos outros. Este
Efésios, p. 374).
significa aquilo”, ou “Para mim parece
é o melhor caminho para manter-nos e
dizer algo assim”, enquanto outro tem
ao nosso povo, livres de cair no subje-
uma visão totalmente diferente.
tivismo e relativismo. O ensino de uma
Nossos leitores mais idosos lembrar-
igreja visível que ostenta as três mar-
-se-ão do tempo quando os estudos da
cas da verdadeira igreja é o padrão pelo
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Rev. Cornelis Pronk é Prof. Visitante de História da Igreja e Teologia Sistemática no Puritan Reformed Theological Seminary, Grand Rapids, MI; Atualmente é Pastor da Free Reformed Church em St. George, Ontário, Canadá.
Revista Os Puritanos 2•2010
O Que é a Verdade
“Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.”(Jo17.17)
Morton H. Smith
I
Em outra ocasião, Jesus falou sobre si mesmo nestes termos: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém
ntegridade Doutrinária → Nesta era de lassidão
vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). Ele estava afirman-
geral e afastamento da fé cristã ortodoxa, uma das
do que, desde o momento em que Satanás introduziu
maiores necessidades é o retorno à integridade
a mentira, ou a falta de integridade no mundo, e que
doutrinária. Em especial, os homens responsáveis pela
Adão a abraçou em sua queda, uma das necessidades
pregação sagrada deveriam ser homens que ensinam
básicas do mundo é a reintrodução da verdade. E foi
a verdade, e nada mais do que a verdade da Palavra de
exatamente isso que Jesus declarou estava fazendo no
Deus. Uma das urgentes necessidades deste mundo de
mundo. Também disse que só existe um meio de salva-
trevas, repleto de falsidade, é a proclamação clara da
ção: vir a ele, que é a própria verdade. Jesus testemunho
verdade da Palavra de Deus.
isto a Pilatos: “Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz” (Jo 18.37). Pilatos respondeu cinicamente: “Que é a verdade?”, mostrando assim sua natureza não-regenerada.
A tentação de Satanás para Eva ocorreu na área da integridade doutrinária. Ele ousou acusar a Deus de falta de integridade. A queda do homem resultou em que a tentação permanente do mundo, da carne e do Diabo nos tornou menos do que verdadeiros em nosso viver
Nesse mesmo evangelho, lemos que Jesus confiou
diário. Como Jesus disse, Ele mesmo é a verdade e a
aos seus discípulos o ministério que recebera do Pai:
vida; por isso, o evangelho envolve uma proclamação da
“Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. Assim
verdade em um mundo de mentiras. Todos os cristãos
como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade” (Jo
devem, mediante o seu testemunho por Cristo, declarar toda a verdade do evangelho. Todo o conhecimento que podemos encontrar neste
17.17-19). Jesus estava rogando que o Pai santificasse
mundo foi colocado aqui por Deus, o Criador. Em últi-
os discípulos “na verdade”, para que pudessem procla-
ma análise, toda a verdade está em Deus. Ele é a fonte
mar a verdade de seu Evangelho neste mundo de falsi-
de toda a verdade que encontramos no mundo que ele
dade e trevas.
criou. Portanto, quando Deus falou a Adão as palavras
A grande comissão de Jesus, registrada em Mateus
da aliança de obras, proibindo-o de comer da árvore do
28, define a missão da igreja em dois empreendimen-
conhecimento do bem e do mal, ele afirmou a verdade
tos. Primeiramente, ela deve evangelizar o perdido e,
para Adão. Na tentação dirigida a Eva, Satanás decla-
assim, unir os eleitos na igreja. Em segundo, a igreja
rou abertamente que isso era falso. Quando Jesus falou
deve ensinar aos seus membros todas as coisas reve-
com os judeus incrédulos, ele lhes disse que Satanás é
ladas nas Escrituras. Qualquer outra coisa que a igreja
o pai da mentira: “Vós sois do diabo, que é vosso pai, e
faça tem de ser subsidiária a essa comissão. Tanto a
quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.44). A
evangelização como o ensino dos membros exigem que
incredulidade deles se alicerçava no fato de que tinham um coração pecaminoso e não-regenerado.
Revista Os Puritanos 2•2010
a igreja mantenha integridade doutrinária. Qualquer falha em cumprir isso é desobediência à ordem de Cristo para a igreja. Se isso é verdade, é óbvio que Deus colocou sobre os ministros da Palavra a absoluta necessidade de serem
7
Morton H. Smith
leais e fiéis à Palavra em sua pregação
A Reforma produziu um novo com-
essa subscrição serem fiéis em sua pre-
e ensino. Tornar-se verdadeiro intér-
promisso com o princípio de Sola Scrip-
gação e ensino e proclamarem todo o de-
prete da Palavra é o dever sublime e
tura. O resultado foi a redescoberta do
sígnio de Deus expresso nas Escrituras
celestial de cada homem que prega as
evangelho pela igreja, à medida que
e interpretado nas Confissões da igreja.
Escrituras. Visto que a Palavra foi dada
procurava ser reformada pela Palavra
Deixar de fazer isso significa corromper
tanto no hebraico como no grego, os
de Deus. Um dos benefícios da Reforma
a integridade doutrinária que o Senhor
pregadores têm de ser capazes de abor-
foi a destilação dos dogmas da igreja
espera de seus servos.
dar essas línguas de modo tão suficien-
em vários Credos ou Confissões refor-
Em nossa evangelização, tendemos
te, que entendam apropriadamente o
mados. Foram produzidas cerca de 39
frequentemente a insistir em uma res-
texto que desejam proclamar às suas
Confissões; e um dos fatos notáveis é
posta emocional ao evangelho, sem
congregações. Em outras palavras, a
que elas mantinham um unidade bá-
antes transmitir apropriadamente as
exigência de integridade no ministé-
sica.
grandes doutrinas da fé cristã à pes-
rio da Palavra exige dos pregadores o
A fim de preservar a integridade da
soa. Precisamos reconhecer que uma
compromisso de estudarem a Palavra
pregação nessas igrejas, exigiu-se dos
resposta correta do coração ou da
em suas línguas originais.
ministros que subscrevessem a Confis-
consciência só pode ser manifestada
Uma parte da verdadeira interpreta-
são das igrejas em que serviam. Uma
depois que a verdade do evangelho é
ção da Bíblia inclui o entendimento de
forma histórica de subscrição exigida
comunicada ao pecador. Uma respos-
como textos específicos se enquadram
até hoje por algumas denominações é
ta bíblica genuína acontece somente
em todo o sistema de verdade apresen-
esta: “Você recebe e adora a Confissão
quando a verdade do Evangelho é com-
tado nas Escrituras. Portanto, o ministro
de Fé e o Catecismo desta igreja como
preendida. Percebemos, assim, a neces-
da Palavra precisa estar ciente de todo
documentos que contém o sistema de
sidade de integridade doutrinária por
o sistema de teologia apresentado na
doutrina ensinado nas Escrituras Sagra-
parte de todos os cristãos, que devem
Bíblia. O estudo da história da igreja
das?”. Em outras palavras, o ministro a
ser testemunhas do evangelho para o mundo que nos rodeia.
revela que a igreja medieval perdera
ser ordenado está dizendo que a Confis-
amplamente a verdade bíblica, visto que
são de Fé e o Catecismo de Westminster
substituíra o ensino da Palavra de Deus
afirmam o que ele acredita ser o ensino
pela tradição dos homens.
da Bíblia. Cumpre àqueles que assumem
Dr. Morton H. Smith é Prof. de Teologia Bíblica e Sistemática no Greenville Presbyterian Theological Seminary, SC
Confissão de Fé de Westminster Capítulo XXV → Da Igreja
I. A Igreja Católica ou Universal, que é invisível, consta do número total dos eleitos que já foram, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em um só corpo sob Cristo, seu cabeça; ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todas as coisas. II. A Igreja Visível, que também é católica ou universal sob o Evangelho (não sendo restrita a uma nação, como antes sob a Lei) consta de todos aqueles que pelo mundo inteiro professam a verdadeira religião, juntamente com seus filhos; é o Reino do Senhor Jesus, a casa e família de Deus, fora da qual não há possibilidade ordinária de salvação. III. A esta Igreja Católica Visível Cristo deu o ministério, os oráculos e as ordenanças de Deus, para congregamento e aperfeiçoamento dos santos nesta vida, até o fim do mundo, e pela sua própria presença e pelo seu Espírito, os torna eficazes para esse fim, segundo a sua promessa. Ef. 1: 10, 22-23; Col. 1: 18; I Cor. 1:2, e 12:12-13,; Sal .2:8; I Cor. 7 :14; At. 2:39; Gen. 17:7; Rom. 9:16; Mat. 13:3 Col. 1:13; Ef. 2:19, e 3:15; Mat. 10:32-33; At. 2:47; Ef. 4:11-13; Isa. 59:21; Mat. 28:19-20.
8
Revista Os Puritanos 2•2010
A Experiência de Deus
Quais são as implicações do pensamento calvinista, desta visão da majestade de Deus e da verdade salvadora das Escrituras no que diz respeito a nós como indivíduos?
A. N. Martin
O
vida de um ministro é a vida do seu ministério”. Você não pode separar o que você é daquilo que você faz;
teólogo norte-americano B.B. Warfield, descre-
você não pode separar o efeito da verdade sobre o seu
ve o Calvinismo como sendo “a visão da ma-
relacionamento com Deus, do efeito da verdade através
jestade de Deus que permeia a vida e a expe-
do seu ministério. A fim de termos o foco bem centrado
riência como um todo”. Ao se referir especificamente
nesses princípios eu os estou separando, mas de manei-
à doutrina da salvação, a sua feliz confissão se resume
ra nenhuma quero dar a impressão de que esses dois
em três palavras significativas: Deus salva pecadores.
aspectos estão separados.
Sempre que somos confrontados com grandes decla-
Então pergunto: Quais são as implicações do pensa-
rações doutrinárias nas Sagradas Escrituras, Deus não
mento calvinista, desta visão da majestade de Deus e da
nos deixa meramente com a afirmação da doutrina. O
verdade salvadora das Escrituras no que diz respeito a
propósito da verdade de Deus colocada nas mentes do
nós como indivíduos? Como resposta voltemos àquele
Seu povo é que, ao compreendê-las, eles venham a co-
princípio geral que B.B.Warfield chama de “princípio
nhecer o seu efeito na sua própria experiência pessoal.
formativo do Calvinismo”. Eu cito as palavras de War-
Assim sendo, os grandes temas doutrinários de Efésios
field: “Este princípio se encontra então, deixe-me repetir,
capítulos 1, 2 e 3 são seguidos pela aplicação de tais
numa apreensão profunda de Deus, na Sua Majestade,
doutrinas à vida prática e à experiência, em Efésios
com a pungente compreensão que inevitavelmente
capítulos 4, 5 e 6. O fim para o qual Deus deu a Sua
acompanha esta apreensão, da relação mantida com
verdade não foi somente para a instrução de nossas
Deus, pela própria criatura, e, em particular, pela cria-
mentes, mas muito mais para a transformação de nos-
tura em pecado. O calvinista é o homem que vai a Deus,
sas vidas. No entanto, uma pessoa não pode aterrissar
e que, tendo-O visto na Sua glória, por um lado está
diretamente na vida e na experiência; a compreensão
cheio do senso de sua própria indignidade de estar na
deve vir através da mente. Assim, a verdade de Deus
presença de Deus como criatura, e muito mais ainda
é dirigida ao entendimento e o Espírito de Deus age
como pecador; e por outro lado, acha-se em atitude de
no entendimento como Espírito de sabedoria e conhe-
adoração e admiração à Sua pessoa, com base no fato de
cimento. Ele não ilumina a mente simplesmente para
que este Deus é um Deus que recebe pecadores. Aquele
que as gavetas dos arquivos do estudo mental sejam
que crê em Deus sem reservas e está determinado que
preenchidos com informações. O fim com que Deus
Deus será Deus para ele em todo o seu pensamento,
instrui a mente é para que Ele, assim, possa transfor-
sentimento e vontade — em todo âmbito das atividades
mar a vida.
de sua vida: intelectual, moral e espiritual —, em todas
Quais são então as implicações pessoais do pensa-
as suas relações individuais, sociais e religiosas — não
mento e das verdades calvinistas tanto na vida do in-
importa como ele se intitule, o que ele pensa de si mes-
divíduo como no ministério exercitado pelo indivíduo?
mo ou como vê a si mesmo, essa pessoa é, pela força
O que eu quero dizer, com implicações pessoais, são
da lógica, um calvinista” (Calvin as a Theologian and
as implicações do seu relacionamento com Deus, sem
Calvinism Today).
nenhuma referência consciente ao seu ministério. Eu
Note que quando B.B. Warfield define calvinismo e
sei que essas coisas não podem ser separadas num
o calvinista ele usa palavras de forte natureza experi-
sentido absoluto, pois como já foi muito bem dito, “a
mental. As palavras “apreensão” e “compreensão” tra-
Revista Os Puritanos 2•2010
9
A.N. Martin
tam primariamente do entendimento,
Deus que o afetou tanto, que sua vida
que na sua própria confissão ele não
apesar do seu significado ir além disso.
jamais foi a mesma. A primeira coisa
apenas diz “Sou homem de lábios impu-
Mas quando chegamos a palavras tais
que o impressionou nesta ocasião foi
como “ter visto a Deus”, “estar cheio, por
esta visão de Deus em posicionamen-
ros”, mas também diz, “habito no meio de um povo de impuros lábios”. Nos regis-
um lado, por um senso de sua própria
to Alto e Sublime, assentado no trono.
tros em que descreve o estado em que
indignidade”, “admiração e adoração’’,
Qualquer outra coisa introduzida na
o povo se encontrava, como por exem-
“pensamento, sentimento e vontade”,
visão – a santidade de Deus, a graça de
plo em Isaías 58, vemos que eles eram
são palavras que tratam de experiência.
Deus, o perdão de Deus – está compre-
extremamente religiosos; eles vinham
Warfield está realmente dizendo que
endida no brilho de Deus entronizado
diariamente ao templo e ofereciam sa-
ninguém é calvinista, nenhuma pessoa
– “Eu vi o Senhor assentado sobre um
crifícios. Leia Isaías 1, e você verá os
é realmente bíblica no seu pensamento
alto e sublime trono”. Estaria correto,
contemporâneos dos profetas trazendo
a respeito de Deus, nenhum homem é
portanto, dizermos que foi ali exercida
os seus sacrifícios e observando os seus
verdadeiramente religioso, nenhum ho-
uma santidade soberana assim como
dias de festa. No entanto Deus disse:
mem é verdadeiramente evangélico até
uma soberania santa. Ali visualizava-se
“Estou farto de tudo isso. Não continueis
que esses conceitos tenham impregna-
uma graça soberana assim como a so-
do as fibras nervosas da sua experiên-
berania cheia de graça. Esta exposição
a trazer ofertas vãs; ...quando multiplicais as vossas orações, não as ouço”. E se
cia. Em outras palavras, Warfield diria
ao Senhor, como Rei, trouxe consigo
eu e você tivéssemos estado lá como es-
que um calvinista acadêmico é uma
vários resultados específicos na vida
pectadores, teríamos dito que a religião
contradição de termos; a mesma coisa
do profeta.
em Israel ia muito bem, obrigado. Mas
que se falar do termo contraditório: um “cadáver ambulante”. Quando a alma e o
quando este homem teve uma visão e Em primeiro lugar, esse contato
um senso da majestade de Deus, a visão
calvinista está morta ou ausente, tudo
com Deus trouxe a ele um conhecimen- trouxe consigo não só um vislumbre da to da sua própria pecaminosidade. “Ai de sua própria pecaminosidade, mas tammim! Estou perdido! Estou em choque. bém uma percepção completa do seu Desfaleço!” Quem era ele? Seria ele um estado natural, de sua geração.
que sobra é uma carcassa e o mau chei-
andarilho qualquer arrancado das es-
ro nas narinas de Deus, e, muitas vezes,
tradas e que costumava falar palavrões
corpo estão separados é porque a morte se fez presente, e Warfield nos ensinaria que quando a alma do pensamento
Em segundo lugar, esse contato
o odor desagradável na igreja quando
para aqueles que não gostavam das
com Deus trouxe um conhecimento ex-
este se acha presente no ministro.
coisas que lhe interessavam? Era ele
perimental da graça e do perdão. Quan-
algum tipo de estudante sem rumo, sob
do Isaías sentiu a sua impureza, a sua
Considerando Isaías 6 → Com este
a cobertura das proposições vazias da
ruína na presença do Senhor, o serafim
pano de fundo quanto às implicações
nova moralidade, dando vazão às suas
toma uma brasa viva do altar do sacri-
pessoais, eu gostaria que considerásse-
paixões animalescas? Não! Essa pessoa
fício, uma brasa que se torna o símbolo
mos uma passagem das Escrituras, na
era Isaías e, conforme todas as indica-
da base sobre a qual Deus perdoa pe-
qual temos um relato histórico de como
ções das Escrituras, tratava-se de um
cadores. Essa brasa toca os lábios do
Deus faz um calvinista. Veja Isaías 6: “No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono”.
homem santo, um homem de Deus, o
profeta, e apesar de sentir dor no seu
que chamaríamos de um cristão dedica-
íntimo, há também uma maravilhosa
do. Mas ele ainda teria de ter uma visão
palavra de graça: “A tua iniquidade foi
Isaías, que conhecia o rei Uzias muito
do Senhor que o quebrantasse e o sacu-
retirada e limpo o teu pecado”. Eis aí um
bem, e o tinha visto no seu trono, diz
disse, no sentido de expor a corrupção
homem que foi trazido a uma visão do
que, no ano em que aquele rei morrera,
inerente ao seu próprio coração e à sua
seu próprio pecado, de maneira tal que
ele viu o verdadeiro Rei. Ele O menciona
própria vida. Eu creio que Deus jamais
ele se pergunta quem pode habitar na
de novo no final do versículo 5: “e os
faz calvinistas, ao apresentar-lhes Sua
presença de alguém como o Senhor. É
meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!”. E ele O viu essencialmente
glória e majestade, sem também trazer
para esse tipo de pessoa que a palavra
consigo esta exposição mensurável ao
de perdão é humilhante, opressora e
como um Rei entronizado.
pecado à luz da Sua soberania e da Sua
cativante. A razão porque a graça é
Aqui está o registro de como Deus
santidade. Essa visão também trouxe
tão pouco apreciada nos nossos dias é
faz um calvinista, como Deus levou um
consigo um vislumbre profundo do seu
porque a majestade transcendente e a
homem a ter uma visão da majestade de
estado natural e de sua geração. Note
soberania e a santidade de Deus são tão
10
Revista Os Puritanos 2•2010
A Experiência de Deus
pouco estimadas. Nós enxergamos pouco mais do que meio palmo entre Deus e nosso ego pecaminoso. Todavia, Isaías viu essa questão como ela é de fato, como um abismo profundo, e quando o Senhor soberanamente estendeu Sua misericórdia por cima daquele abismo e o tocou, então, ele se tornou um homem que evidenciou o fruto da graça. Em terceiro lugar, esse contato com Deus fala de um homem que foi trazido à completa resignação perante Deus. Tendo sido purificado, em seguida Isaías nos diz: “Ouvi a voz do Senhor que di-
zia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós?”. Note a reação do profeta. Tendo visto o Senhor na Sua soberania e san-
lógica foi saciado por meio do sistema teológico calvinista. Você “viu” a Deus?
Um calvinista
Você foi trazido para perto dEle? Essa
acadêmico é uma
lavras de B.B.Warfield: “Um calvinista é
contradição de termos; a mesma coisa que se falar do termo contraditório: um “cadáver ambulante”.
tidade, e a si mesmo na sua imundícia,
é a questão. Eu vou relembrá-lo das paum homem que ‘viu’ a Deus”. A expressão “um calvinista orgulhoso” é uma contradição de termos. Se um calvinista é um homem que viu a Deus assim como Ele é, alto e elevado, entronizado, então ele é um homem que foi trazido ao quebrantamento perante aquele trono assim como foi Isaías. Um calvinista carnal? Outra contradição de termos! O Entronizado é o Santo, e Ele habita em comunhão consciente com aqueles que se relacionam corretamente com Ele como sendo o Entronizado e o Santo. Estas duas coisas são colocadas juntas
e tendo ouvido a palavra de graça e
de maneira belíssima em Isaías 57:15
perdão, o que pode um homem fazer
Senhor, mas isso não é justo. Não me
onde o profeta diz: “Porque assim diz o
quando o Senhor fala e ele ouve a Sua
chames a um trabalho como esse!”?
voz, senão dizer “Eis-me aqui!”? Nada
Não, de modo algum! Ele simplesmen-
existe aqui do missionário que conta
te diz, “Até quando, Senhor?”. Em outras
histórias “água com açúcar” sobre o
palavras, “Senhor, Tu tens todo direito
Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito”. O
pecado humano e sobre a necessidade
de me enviar para um ministério que
que é contrição? É a reação de um pe-
humana, na tentativa de arrancar jo-
vai ser basicamente um ministério de
cador na presença de um Deus Santo. E
vens dos bancos da auto-indulgência
endurecimento e julgamento. Tu és
o que é humildade? É a reação de um
em que se assentam, e de extraí-los de
Deus. Eu sou pecador. O que eu posso
súdito na presença de um soberano.
sua rebelião para com a vontade revela-
fazer senão ser cativo à expressão da
Isaías jamais esqueceu esta visão, e ele
da de Deus, no sentido de fazer com que
tua vontade, não importa quais sejam
diz: “Este grande Deus habita naquele
eles profiram um “Eis-me aqui!” Temos
as implicações?”
alto e sublime lugar, com ele também
aqui apenas o reflexo de um homem
É isso o que Deus faz, quando torna
aquele de espírito abatido e contrito,
que viu o Senhor e ouviu a Sua voz, e diz,
uma pessoa calvinista. De uma forma
para reviver o espírito humilde, e rea-
“Eis-me aqui Senhor, envia-me a mim!”.
ou de outra, Ele lhe dá uma visão da
vivar o coração dos contritos”.
E então, no seu papel, o Senhor testa
Sua própria majestade, soberania e
Se o entendimento que você tem do
a profundidade de tal confissão e nós
santidade como sendo o Alto e Sublime,
pensamento calvinista o levou ao ponto
vemos uma total resignação à vontade
que acaba trazendo consigo um senso
onde você pode, por assim dizer, se glo-
e aos caminhos do Senhor, não importa
experimental profundo e pessoal da pe-
riar em sua liberdade e usá-la como pre-
quão estranhos possam parecer, pois se
caminosidade humana e em termos da
texto para licenciosidade, então você
torna imediatamente claro ao profeta
nossa própria natureza. Esse encontro
jamais se tornou um calvinista bíblico.
que ele vai ter um ministério primaria-
traz um conhecimento íntimo da voz de
Deus faz calvinistas hoje da mesma for-
mente de julgamento: “Vai e dize a este
Deus, uma total resignação à vontade e
ma que Ele os fazia nos dias de Isaías.
povo: ouvi, ouvi e não entendais; vede, aos caminhos de Deus. vede, mas não percebais. Torna insensível o coração deste povo!”. “Isaías, eu Você é um Calvinista? → Para apli-
vinista só porque pode repetir como um
te comissiono a um ministério de endu-
carmos isso, eu quero dizer que não
papagaio as frases que chegaram até ele
recimento e de julgamento”. E agora, o
fale em ser um calvinista simplesmente
por meio da grande herança da literatu-
que faz o profeta? Ele recua e diz: “Ah
porque o seu apetite por consistência
ra reformada. Ele tem que perguntar a
Revista Os Puritanos 2•2010
A meu ver, eu creio que um homem não tem o direito de falar em ser um cal-
11
A.N. Martin
si mesmo, se foi o Espírito Santo que o
criatura. Que mais posso fazer senão
trouxe a este profundo senso de que foi
dizer “Eis-me aqui?”.
Deus que operou nele, pelo menos em
e contrição. Olhando o outro lado mais positivo, ela deve produzir gratidão, na
Ó, o prazer indizível de conhecer e
expectativa de que Deus, exercitando
alguma medida, a graça da humildade.
fazer a vontade de Deus! Não só traz
os Seus direitos soberanos, me abençoe
Fui eu dotado de dons e habilidades? Se
humildade e submissão, mas contrição
com sanidade, saúde corporal, clareza
assim for, que tenho eu que não tenha
verdadeira, porque eu, então, vejo que
de mente e, acima de tudo, com a Sua
recebido? Quem me faz sobressair? Se
todo pecado tem sido um espírito vio-
graça, produzindo a confiança de que
Deus me dotou de dons e habilidades
lentamente anarquista exercido contra
Deus está no Seu trono e que nada no
sejam intelectuais ou doutra ordem, eu
os direitos de Deus. Tenho falhado em
passado, no presente ou no futuro fez
reconheço que os tenho porque o So-
amá-Lo com todo meu coração? Então
aquele trono se abalar um milésimo
berano sobre o trono se agradou em
isso tem sido anarquia. Ele exige e é
de centímetro sequer de sua posição.
dispensá-los a mim, e a única diferença
digno da minha afeição integral. Tenho
Jeová reina! Trema a terra. Confiança,
entre mim e aquela pobre criança retar-
falhado em amar meu próximo como a
confiança inabalável, alegria, indepen-
dada que me comove o coração, é que
mim mesmo e tenho expressado esse
dentemente do que se passe na minha
Ele se agradou em me fazer diferente.
pecado ao desrespeitar meus pais, des-
esfera de visão! Tudo está bem onde Ele
“Quem te faz sobressair?”. O homem que
respeitar os direitos e a vida de outros,
está assentado.
está na presença de um Deus entroni-
a pureza e a santidade de outros, a repu-
Deus fez de você um calvinista? Eu
zado, e que teve esta visão e senso da
tação de outros? Vá aos dez mandamen-
não estou perguntando se você leu um
majestade de Deus, reconhece que tudo
tos e aprenda que quebrar qualquer um
livro de Boettner, de Kuyper ou de War-
que ele tem lhe foi dado. Humildade não
deles é, no seu âmago, uma anarquia
field e você se tornou calvinista. Estou
é timidez. Humildade é aquela disposi-
violenta contra os direitos entroniza-
perguntando se Deus lhe deu uma “vi-
ção de reconhecimento honesto. Ele é
dos de Deus. Todo orgulho — o que não
são” dEle? Ele lhe quebrantou? E lhe
Deus, e eu não passo de uma criatura.
passa de uma tentativa de partilhar da
trouxe àquele lugar, por Sua graça, de
Tudo o que eu tenho vem dEle e lhe é de-
glória que pertence ao trono, e ao Deus
humildade, submissão, contrição, gra-
vido em adoração e em honra. Ele trará
sobre aquele trono, e dizer na realidade,
tidão, confiança e alegria? Isso é o que
consigo a submissão que nós vemos em
“Ó Deus, por favor me deixe entrar em
Isaías. Ele está assentado sobre o trono;
cena e levar um pouquinho da glória
eu não tenho direito algum de defesa,
também?”. Não seria isso orgulho? — é
no entanto tenho o indizível privilégio
uma tentativa ímpia de compartilhar o
de conhecer e fazer a Sua vontade. Não
louvor do Deus entronizado!
foi esse o reflexo que levou Isaías a agir?
E assim, esta visão de Deus não pode
O Senhor está sobre o trono; eu sou a
senão produzir humildade, submissão
faz de alguém um calvinista. A.N. Martin serviu como ministro na Trinity Baptist Church Of Montville - New Jersey, desde sua criação em 1967. Com mais de 30 anos de experiência pastoral e o seu evidente dom de pregar aplicativamente, o fez um pastor e conselheiro amplamente reconhecido. Tem sido frequentemente convidado para falar em conferências e outros encontros especiais ao redor do mundo.
Catecismo Maior de Westminster P.62 → Que é a Igreja Visível?
R. A Igreja visível é uma sociedade composta de todos quantos, em todos os tempos e lugares do mundo, professam a
verdadeira religião, juntamente com seus filhos.
P: 63 → Quais são os privilégios da Igreja visível?
R. A Igreja visível tem o privilégio de estar sob o cuidado e governo especial de Deus; de ser protegida e preservada em
todos os tempos, não obstante a oposição de todos os inimigos; e de gozar da comunhão dos santos, dos meios ordinários de salvação e das ofertas da graça por Cristo a todos os membros dela, no ministério do Evangelho, testificando que todo o que crer nEle será salvo, não excluindo a ninguém que queira vir a Ele. Ref. P.62: 1 Cor. 1:2; Gen. 17:7; At. 2:39; 1 Cor. 7:14. Ref. P.63: Isa. 4:5-6; Mat. 16:18; At. 2:42; Sal. 147:19-20; Ef. 4:11-12; Rom. 8:9; João 6:37.
12
Revista Os Puritanos 2•2010
O Presbiterianismo no Brasil e a Subscrição Confessional Quantas igrejas ainda fazem o salutar uso dos Catecismos em suas classes de Catecúmenos ou que o incentivam no uso familiar? Ulisses Horta Simões
A
contrário à predecessora americana (PCUSA).8 Algo que não é fácil explicar é a razão pela qual certas edições da
primeira igreja presbiteriana a se instalar no
Confissão de Fé, por uma iniciativa do início do século
Brasil foi a Igreja Presbiteriana do Brasil. Tanto
assinada por John Merryl Kyle, vinham trazendo estes
a Junta de Missões da então PCUSA quanto a
textos não aprovados pela IPB9. Mas o próprio Pierson
da PCUS (após 1867) estiveram envolvidas nas ações
nos afirma que a IPB não as adotou10 e que “nenhu-
missionárias no país. O fundador, Ashbel Green Simon-
ma modificação subsequente foi feita”11, evidentemen-
ton, era um ministro da igreja do norte, ordenado sob
te após a formação do Sínodo do Brasil, em 1888. No
os auspícios da “Old School”, em função da influência
entanto, a edição mais recente da Confissão de Fé da
de Hodge, seu professor em Princeton. Paul Pierson é
Igreja Presbiteriana do Brasil, embora não mais conten-
de opinião que este fato moldou uma combinação de
do a Declaração Explicativa, agrega os dois capítulos
duas características da futura igreja: “a predominância
adicionados sem dar qualquer indicação de quando a
da ortodoxia de Westminster e o espírito eclesial que,
IPB tenha resolvido adotá-los, ou que tenha mudado de
no contexto brasileiro, se tornou bastante autoritário
posição. Certamente faltou uma indispensável nota de
em certos tempos”1. Pierson afirma ainda que, em sua
explicação acerca da razão de lá constarem esses dois
opinião, a IPB que surgiu no século XIX foi fruto do
capítulos12.
Presbiterianismo da Velha Escola, o que se evidencia
No âmbito da Igreja Presbiteriana Independente,
pelos primeiros missionários que vieram e pelas pri-
surgida em 1903, também houve controvérsia sobre
meiras obras teológicas publicadas em Português (exa-
a subscrição confessional. Por volta de 1938, o Sínodo
tamente o Comentário à Confissão de Westminster de
Geral da IPIE recebeu uma consulta sobre a validade
A. A. Hodge , bem como a Confissão e os Catecismos:
de uma licenciatura ao ministério de um candidato que
Acrescenta ainda que dentre os teólogos mais citados
declarasse exceção quanto a uma doutrina da Confis-
2
no Brasil, Charles Hodge, Thornwell e Dabney sempre
são de Fé, no caso o Capítulo XXXIII:2, que versa sobre
eram presentes!”3. Daí, diz ainda, o Presbiterianismo
“as Penas Eternas”. O caso é verídico: o candidato em
brasileiro se tornou “fortemente conservador desde o
questão disse que não subscreveria essa doutrina, além
princípio”.4
de haver declarado sua inclinação à doutrina herética
Este historiador nos informa ainda que, quanto à
do “aniquilamento dos ímpios”, e o seu presbitério, mes-
subscrição confessional, a IPB adotou, em seu Livro de
mo sob protesto de vários de seus membros, decidiu
Ordem de 1937 um requerimento estrito de todos os
licenciá-lo. Tal natureza de assunto gerou uma enorme
seus ordenandos: antes estes apenas tinham que sus-
controvérsia dentro da denominação, o que conduziu, ao
tentar o governo da Igreja Presbiteriana do Brasil; daí,
fim, à separação dos chamados “conservadores” de entre
passaram a votar também uma aceitação estrita dos Sím-
os liberais da IPIE, vindo os primeiros a constituir uma
bolos de Westminster, isto é, não apena como contendo,
nova denominação a Igreja Presbiteriana Conservadora
mas sendo o sistema de doutrina da Bíblia.5
do Brasil. E um dos seus ministros, o Rev. João Alves dos
Quanto às mudanças efetuadas pelas igrejas-mães6,
Santos, que também é professor no CPAJ da IPB, oferece
em 1903, nada se encontra no Digesto Presbiteriano
um substancioso histórico dos eventos.13 Pierson ainda
pioneiro de Mário Neves7; é Pierson, mais uma vez, quem
acrescenta o dado de que a polêmica alcançou também o
nos socorre, informando que a IPB não as adotou, ao
seminário Independente, no qual o candidato à licencia-
Revista Os Puritanos 2•2010
13
Ulisses H.Simões
tura havia estudado, “onde quatro dos liberais eram professores”.
14
Obviamen-
te que os liberais a que se refere eram
lavra, requer “lealdade à Confissão de
mandato numa igreja — “irmão, onde
Fé, aos Catecismos e à Constituição da
está sua Confissão de Fé?” — ou então
Igreja Presbiteriana do Brasil”.16 Quan- — “irmão, você já leu toda a Confissão de
ministros da IPIB que tendiam a favor da
to ao Manual do Culto, este dispõe a
Fé?”, viemos a receber respostas negati-
liberdade de proceder-se à licenciatura
questão da subscrição confessional
vas. Numa igreja em que, oficialmente, o
para o ato público de ordenação, tanto
voto de subscrição do presbítero regen-
Quanto à IPIB, isto é, ao contingente
de diáconos quanto de presbíteros e
te é exatamente igual ao do presbítero
remanescente depois da saída dos “con-
ministros, e bem assim para licenciatu-
docente, é de se perguntar: quem pode
servadores”, o que transparece é que
ra de candidatos ao ministério, com o
garantir a sinceridade e a honestidade
a questão confessional e subscricional
seguinte teor: “Recebeis e adotais sin-
de um voto assim?
passou mesmo por mudanças. Hoje, a
ceramente a Confissão de Fé e os Cate-
denominação apresenta características
cismos desta Igreja, como fiel exposição
não conseguem reconhecer os riscos
que deixam um observador externo
do sistema de doutrina ensinado nas
de acalentar doutrinas espúrias como
à vontade para anotar decisões que
Santas Escrituras?”.17
muitas que temos visto e enfrentado
do candidato, a despeito da exceção.
Quantos pastores e presbíteros que
À primeira vista, tal formulação da
modernamente, e permitem que sejam
liberalização: a denominação referenda
pergunta não deixa margem para dú-
cultivadas nas suas igrejas, até convi-
a agenda ecumênica internacional do
vida sobre o objeto da subscrição — é
dando palestrantes de outras confis-
percebem a denominação no rumo da
via Alian-
mesmo à Confissão de Fé e aos Cate-
sões, com convicções alheias ao siste-
ça Mundial de Igrejas Reformadas; além
cismos da Igreja que o ordenando ou
ma doutrinário de Westminster, para
Concílio Mundial de Igrejas
15
disto, ironicamente, voltou a IPIB a se
licenciando subscreve. Por que então
ministrá-las aos seus rebanhos. São
relacionar com a PC (U.S.A.) após a fusão
é difícil de se definir? Porque o pano-
doutrinas como o carismatismo (que se
das duas denominações presbiterianas
rama que se enxerga na denominação
abre para as revelações contemporâne-
norte-americanas em 1983. Mais que
não reflete o que se subscreve! Apa-
as), línguas e profecias, maldições here-
isso, a IPIB aprovou recentemente a or-
rentemente, cresce o número de minis-
ditárias, “confissão positiva” e “palavra
denação feminina em quaisquer níveis
tros que são trôpegos no púlpito ou no
de fé” (que impõem uma dimensão hu-
de seu ministério, tal como já têm feito
ensino, procurando proporcionar bem
manista em detrimento da divina sobre
as denominações chamadas “reforma-
estar atraente, muitas vezes na forma
as realizações e os decretos), conceitos
das” que estão adotando a agenda do
de entretenimento associado ao cultivo
de “unção” (que tão alienados se encon-
liberalismo moderno; isto significa, para
do experiencialismo, mas oferecendo
tram do sentido bíblico da palavra), o
todos os efeitos, a adoção de uma “qua-
pouca substância da Palavra e doutrina,
uso do evangelicalismo conversionis-
lificação” oficial surpreendente sobre os
e deixando de “anunciar todo o desíg-
ta e universalista (que depõe contra a
capítulos XXX e XXXI da CFW: o texto
nio de Deus” (Atos 20.27). Em muitas
soteriologia calvinista), a proclamação
sempre se refere, e todas as denomina-
partes do país se repetem ocorrências
franca e aberta do dispensacionalismo
ções reformadas assim entenderam até
de pastores que sucumbem facilmente
(que está numa via frontalmente oposta
ao advento do liberalismo, tratar-se de
a “cantos de sereias”, isto é aos ventos de
à doutrina da Aliança do Reino), e assim
“homens” para o presbiterato; somente
doutrinas, que frequentemente vêm as-
por diante; estas são ministradas irres-
uma reinterpretação do gênero masculi-
sociados a métodos populistas de cres-
ponsavelmente sobre a vida dos servos
no usado no texto, passando a significar,
cimento. Há mais de cento e sessenta
de Deus, em muitos casos sem o devido
masculino e feminino ao mesmo tempo,
anos, Samuel Miller alertava colegas da
zelo pela sanidade da doutrina, como é
poderia permitir tal mudança. Em ou-
igreja do Norte, muitos deles seus ex-
dever pastoral. Pergunta-se: onde está
tras palavras, o significado livre estaria
alunos em Princeton, contra esse risco18.
a “lealdade” da subscrição?
recaindo sobre a idéia de “gênero hu-
Por outro lado, é triste ver que mui-
mano”. Foi o que aconteceu com a IPIB.
tas igrejas naufragam em determinados
que
Continuando o diagnóstico, se é
Voltando à IPB, o quadro que hoje
fracassos acarretados por seus próprios
quantas igrejas ainda fazem o salutar
se nota é difícil de se definir. A Consti-
pastores, quando poderiam evitá-los se
uso dos Catecismos em suas classes de
possamos
fazê-lo,
inquirimos:
tuição da Igreja, em seus Princípios de
tivessem em bom número presbíteros
Catecúmenos ou que o incentivam no
Liturgia, dispõe que o ato de ordena-
preparados, firmes na doutrina; quan-
uso familiar? Pode-se perguntar ainda:
ção e instalação, tanto de presbíteros
tas vezes, tendo feito a pergunta a
quantos presbitérios podem se sentir
e diáconos, quanto de ministros da Pa-
presbíteros já em pleno exercício de seu
honesta e suficientemente desincumbi-
14
Revista Os Puritanos 2•2010
O Presbiterianismo no Brasil e a Subscrição Confessional
dos em relação ao exame que fazem de
É fato que a questão confessional,
seus candidatos ao ministério? Quantos
seja enfocando o conteúdo, seja a
conselhos também o podem em relação
hermenêutica, seja a subscrição dos
aos candidatos ao oficialato da igreja?
Símbolos de Fé, sempre esteve no epi-
Quantos presbitérios executam com a
centro de turbulências denominacio-
devida e necessária seriedade o escru-
nais; algumas provocaram divisões, é
tínio dos ministros de outras confissões
verdade. Outras, com menos frequência
que se candidatam e pleiteiam o minis-
provocaram e têm provocado reflexões
tério presbiteriano em suas jurisdições?
sadias. O que está acontecendo com a
Qual o motivo, pergunta-se, de crescer
PCA nos Estados Unidos, presentemen-
o número de judicações presbiteriais
te, é salutar. Mas certamente ajuda
por afinidade teológica, e não por es-
lembrar que também foi assim no pas-
tratégia geográfica, paroquial? Miller
sado: os primeiros concílios, aos quais
também condenava tal artifício, com
toda a cristandade tributa seu apreço,
tristeza por ver que já se tornava reali-
correram também esses riscos. E cor-
dade em sua denominação, há mais de
reram conscientemente. Não há de ser
um e meio século19.
diferente hoje.
Se esse quadro for verdadeiro, ainda que sem correr o risco de proclamar se ele reflete maioria ou minoria, vale a pena a IPB voltar os olhos para a história vivida pelas denominações que a antecederam nessas mesmas questões.
Extraído do livro Subscrição Confessional do Rev. Ulisses Horta Simões, pp 158-164 Rev. Ulisses Horta Simões é Prof. de Teologia Sistemática e Apologética no Seminário Presbiteriano de Belo Horizonte, Mestre em Teologia Sistemática pelo CPAJ (Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper) 1 Paul E. Pierson, A Younger Church in Search of Maturity (San Anto nio: Trinity University Press, 1974), 1974.
2 Publicação esta que, desde há muito, foi descontinuada pela editora oficial da denominação, e só recentemente re-lançada em Português pela Editora Os Puritanos. 3 Ibid, 95. 4 Ibid,97 5 Ibid, 192. 6 Ou seja, acréscimo em XVI:7 (Obras), os novos capítulos XXXI (Espírito Santo) e XXXV (Amor de Deus e Missões), e a “Declaração Explicativa”, bem como supressões em XXV:6 (Papa como Anticristo). 7 Mario Neves, Digesto Presbiteriano (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1950). 8 326 Pierson, A Younger Church, 26. 9 Confissão de Fé e Catecismo Maior da Igreja Presbiteriana (São Paulo Casa Editora Presbiteriana, 1980). O mesmo vale para as edições de 1970 e 1951, por nós consultadas. 10 Pierson, A Younger Church, 99. 11 Ibid, 63. 12 Nota importante: Uma vez que o texto original do livro é anterior a 2002, digna de crédito, nos tempos mais recentes, é o esforço do atual trabalho editorial da publicadora presbiteriana, procurando corrigir essa falha histórica, consignando os devidos escrúpulos históricos à matéria. 13 http://www.ipcb.org.br/historia/ a_questao_ doutr.htm. 14 Pierson, A Younger Church, 193. 15 Ver O Estandarte, N°104, Ano 11, Novembro de 1997, p. 10. 16 Manual Presbiteriano, 15a Edição, Artigos 28 e 33 (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1999), 120, 122. 17 Manual do Culto. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 60, 65,69, 72. 18 Miller, Doctrinal Integrity, 65. 19. Ibid, 111, 116.
A Morte de John Bunyan A morte de John Bunyan ocorreu no dia 31 de Agosto de 1688, há pouco mais de trezentos anos. Bunyan nasceu em Elstow próximo a Bedford em 1628. Ele foi submetido a uma poderosa obra do Espírito de Deus em 1650. Foi pastor em Bedford por dezesseis anos, morreu em Holborn e foi sepultado em Bunhill Fields. O relato a seguir, da sua morte, é de George Offor escrito em suas memórias, de 1862. O tempo foi chegando em que, em meio à sua utilidade, e com pouco aviso, ele seria convocado para o descanso eterno. Ele foi gravemente acometido da perigosa pestilência que em anos anteriores havia devastado o país, chamada de doença do suor, uma doença tão misteriosa e fatal quanto a cólera seria em tempos posteriores. A doença foi acompanhada por uma grande prostração da força; mas, sob a gestão cuidadosa da sua afetuosa esposa, sua saúde foi suficientemente restaurada para lhe permitir responsabilizar-se por uma obra de misericórdia; cuja conclusão, como um abençoado fechamento à sua incessante obra terrena, faria com que ele ascendesse ao seu Pai e seu Deus para ser coroado com a imortalidade. Um pai tinha ficado gravemente ofendido com seu filho, e tinha ameaçado deserdá-lo. Para evitar o duplo dano de um pai morrer com ira contra seu filho, e a horrível consequência para um filho de ser arrancado de seu patrimônio,
Revista Os Puritanos 2•2010
15
Bunyan novamente aventurou-se, em seu debilitado estado, na sua obra costumeira de conquistar as bênçãos de um pacificador. Ele fez uma viagem a cavalo até Reading, sendo aquele o único modo de viajar naquela época, e foi recompensado com sucesso. Regressando para casa passou por Londres para transmitir as gratificantes notícias, quando foi apanhado por um grande volume de chuvas, e, em exaustão, encontrou um agradável refúgio na casa de seu amigo cristão, o senhor Strudwick, e foi ali acometido de uma febre fatal. Sua tão amada esposa, que tinha clamado tão fortemente por sua liberdade junto aos juízes, e com quem ele estava unido há trinta anos, estava distante dele. Bedford ficava então a dois dias de viagem de Londres. Provavelmente, a princípio, seus amigos tinham esperanças de uma rápida recuperação; mas quando o golpe veio, todos os seus sentimentos, e dos seus amigos, parecem ter sido tão absorvidos pelas aguardadas bênçãos da imortalidade, que não temos registros que indiquem que sua mulher, ou algum de seus filhos, tenham visto ele atravessar o rio da morte. Existe abundante testemunho de sua fé e paciência, e de que a presença de Deus estava claramente com ele. Ele suportou seus sofrimentos com toda a paciência e coragem que poderia se esperar de um homem assim. Sua resignação foi exemplar; suas únicas manifestações foram: “um desejo de partir, de ser desfeito, de estar com Cristo”. Seus sofrimentos foram abreviados, sendo limitados a dez dias. Ele usufruiu de uma disposição mental santa, desejando que seus amigos orassem com ele, e unindo-se fervorosamente a eles neste exercício. Suas últimas palavras, enquanto lutava com a morte, foram: “não chorem por mim, mas por vós. Eu vou para o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sem dúvida, através da mediação de seu bendito Filho, me receberá, apesar de pecador, no lugar onde espero que em breve estejamos reunidos, cantando um novo cântico, e permanecendo eternamente felizes, num mundo sem fim. Amém”. Ele sentiu o chão firme a seus pés na passagem do rio negro que não tem ponte, e seguiu o seu peregrino para dentro da cidade celestial em Agosto de 1688, no sexagésimo ano da sua vida. As circunstâncias do seu pacífico falecimento são bem comparadas pelo Dr. Cheever com a experiência de Esperança, quando este foi chamado pelo Senhor a atravessar o rio — o grande sossego, o firme fundamento, o discurso aos espectadores — até que sua expressão mudou, seu homem forte rendeu-se, e suas últimas palavras foram: “Recebe-me, porque eu venho a ti”. Então houve alegria entre os anjos enquanto saudavam o herói de tantos combates espirituais, que conduziu sua alma errante na jornada para a Nova Jerusalém, a qual ele tinha descrito de forma tão bonita como “a cidade santa”; e então houve nele pasmo e assombro ao descobrir quão infinitamente aquém sua descrição tinha ficado da jubilosa realidade. George Offor Fonte: Extraído do site Fire and Ice; Tradução: Juliano Heyse Fale conosco: mail@bomcaminho.com.
16
Revista Os Puritanos 2•2010
Deus Reclama Contra o Seu Povo
“O boi conhece o seu possuidor e o jumento a manjedoura do seu dono, mas o Meu povo não conhece a Mim” (Is.1:3) Por Dr. Don Kistler
P
Suas declarações em Isaias para avaliar o estado de coisas hoje:
ara compreendermos Deus, Ele deve falar para
“Meu povo conhece os conceitos financeiros; eles conhecem
nós em termos antropomórficos. Deus não tem
as linguagens do amor; eles conhecem a psicologia–pop;
um corpo, assim Ele não tem partes do corpo.
eles sabem como expressar suas ‘necessidades’ um ao ou-
Mas quando Ele nos fala de angústia, deve explicá-la
tro; eles sabem como dar abraço apertado nas mulheres;
de um modo que possamos entender. Assim nós temos
eles sabem como livrar-se dos demônios, como libertar-
Deus vociferando como se fosse um ser humano: “Ó mi-
se da opressão, como perder peso, como tomar decisões,
nha alma. Eu estou afligido no meu próprio coração”.
como amarrar satanás, como reivindicar isto e aquilo, como
Isto não podia ter sido o profeta Jeremias falando, pois no verso 22 o texto diz: “Pois o Meu povo não Me
expulsar demônios, e sabem um milhão de coisas periféricas... mas eles não me conhecem!”.
tem conhecido”. Jeremias não estava chorando porque seu povo não o conhecia. Ao contrário, Deus estava vo-
Nós parecemos interessados nos benefícios, mas não
ciferando que o Seu povo era tolo, e a essência da sua
no Benfeitor. Nós parecemos mais interessados no que
tolice era que eles não O conheciam! Está também declarado nesta passagem que a fonte
Deus pode fazer por nós do que quem Ele é em Si mesmo. Jonatham Edwards disse uma vez, e muito precisamente,
dos problemas deles era exatamente essa: sua ignorân- “Se nós amamos a Deus apenas pelo que Ele pode fazer cia do seu Deus. É muito mais gráfico e, de longe, menos
por nós, realmente amamos apenas a nós mesmos”.
lisonjeiro, em (Isaias 1: 2 – 3): “Ouvi, ó céus, e dá ouvido,
A coisa espantosa é que Deus tem revelado tanto de
ó terra, porque o Senhor é quem fala: Criei filhos e os
Si mesmo a nós, não apenas em Sua Palavra, mas na Sua
engrandeci, mas eles estão revoltados contra mim. O
própria criação. “Os céus proclamam a glória de Deus”,
boi conhece o seu possuidor e o jumento, o dono da sua
diz o salmista. Mas nós estudamos Astronomia vendo as
manjedoura; mas Israel não tem conhecimento, o meu
maravilhas de um Deus que faz tudo tão incrível! Deus
povo não entende”.
tem se revelado em Sua Palavra repetidamente. Mas
Na tradução da Septuaginta desta passagem, a palavra “Eu” é acrescentada depois das palavras “conhecimento” e “entende”. “Israel não me conhece, O meu povo não me entende”.
nós a usamos como um manual de auto-ajuda mais do que como um livro que revela Deus. Não me interprete mal. Existe muito na Escritura que pode nos ajudar, mas o foco da Escritura não somos nós
Muito se diz do que acontece em Atos quando Pau-
e nossos problemas, mas Deus e Sua Glória! Deus se
lo diz que ele viu o santuário ao “Deus desconhecido”,
revela no Antigo Testamento numa quantidade imensa
mas, é de temer que essa passagem descreva muitas
de formas. Agora Ele revela-se em Sua Palavra. Como
das assim chamadas igrejas Cristãs dos nossos dias, não
os Puritanos eram habituados a dizer, “A lei de Deus é
apenas o templo pagão dos dias de Paulo!
simplesmente o caráter de Deus em forma transcrita”.
Num recente artigo da revista “World” (Mundo) no
Deus revela-se e ao Seu caráter em Seus nomes. Cada
topo dos 100 livros cristãos mais vendidos, apenas
um dos Seus nomes revela algo do Seu caráter. Seus fei-
quatro foram remotamente sobre Deus, Cristo ou Sal-
tos revelam algo do Seu caráter. Nos disse: “Manifestou
vação ― e isto sendo extremamente caridoso em minha
os seus caminhos a Moisés e os seus feitos aos filhos de
avaliação deles. Você pode ouvir Deus reformulando
Israel” (Salmos 103: 7).
Revista Os Puritanos 2•2010
17
Dr. Don Kistler
As narrativas da Escritura nos dizem
túpidos, que eram destituídos de todo
como Deus faz as coisas, e a partir daí
conhecimento, como pedras ou animais
podemos deduzir muito do Seu caráter. Mas não parecem estar interessados nos benefícios de Deus. E não devemos nos surpreender de que Deus notifica isto, como vimos em Isaias e Jeremias. Afinal de contas, nós somos ordenados a “crescer na graça e no conhecimento do Senhor Jesus Cristo”. Nós somos ordenados a amar a Deus com todo o nosso entendimento. O conhecimento de Deus é tão amplo que Deus resume tudo da vida eterna com estas palavras: “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”. (João 17: 3). A vida eterna
Meus amigos;
brutos, sem uma partícula de uma mente sã ou conhecimento racional perma-
olhem para tudo o
necente neles.
que Deus tem feito
tinguir o preto do branco? Não, mas que
para revelar-se, e quão agressivamente o homem tem rejeitado esse conhecimento.
é conhecer Deus e Cristo. É conhecer
Isto significa que eles não podem diseles são totalmente ignorantes de fazer o bem, de fazer aquilo que é agradável a Deus. Ele admite que eles sejam sábios para o mal, mas fazer o bem, eles não sabem. A idéia de tolo ou estúpido aqui também carrega com ela uma arrogância óbvia; eles não são apenas estúpidos, mas eles são arrogantes em sua ignorância, que chama à mente as palavras de Paulo: “professando a si mesmos serem sábios, eles tornaram-se tolos”! Meus amigos; olhem para tudo o que
sobre eles tanto quanto é conhecer a
Deus tem feito para revelar-se, e quão
eles. Você não daria dois centavos para
córdia. Em Oséias 6: 6 Deus declara que
agressivamente o homem tem rejeitado
alguém que queria um relacionamento
está mais interessado no conhecimento
esse conhecimento. Em Romanos, Pau-
com você, mas não estivesse interessa-
d’Ele mesmo, do que em holocaustos.
lo nos diz que Deus colocou o conhe-
do em quem você era! E muito menos Deus faz isso, meus amigos.
O Apóstolo Paulo disse que graça e
cimento d’Ele mesmo, dentro de cada
paz seriam multiplicadas a nós através
homem, de modo que todos os homens são indesculpáveis (Rm 1: 20).
Agora compare a atitude da maioria
do conhecimento de Deus (2 Pedro 1: 2).
de nós hoje com a do apóstolo Paulo,
De fato, ele diz que “... todas as coisas
Paulo diz que os atributos invisíveis
que declarou, “Porque decidi nada sa-
que conduzem à vida e à piedade, pelo
de Deus são claramente vistos. Ele en-
ber entre vós, senão a Jesus Cristo e
conhecimento completo daquele que
tão explica que a ignorância de Deus é
este crucificado”. Que contraste, não é?
nos chamou” (2 Pedro 1: 3). Esta é uma
uma escolha consciente que os homens
E, contudo, não é bastante dizer apenas
declaração abrangente, não diria você?
têm feito. Ele diz, “porquanto, tendo co-
que desejamos conhecer Jesus, pois o
Através do verdadeiro conhecimen-
Próprio Jesus estabeleceu que conhe-
to de Deus, que pressupõe existir um
nhecimento de Deus ...” E então Paulo continua a dizer: “Eles
cê-Lo era conhecer o Pai. O Espírito nos
falso conhecimento, vem “tudo” que
não têm Deus em seus pensamentos”.
aponta para Deus.
tem algo a ver com vida (zoe, do qual
Agora, antes de você não poder ter Deus
O profeta Oséias conecta alguns dos
nós temos Zoologia) ou santidade. A
em seus pensamentos, você tem de ter
pontos para nós quando diz em nome
vida física e a vida espiritual, todas têm
Deus em seus pensamentos, certo? As-
de Deus: “Ouvi a palavra do SENHOR,
como sua fonte o verdadeiro conheci-
sim o ateísmo é uma escolha consciente
vós, filhos de Israel, porque o SENHOR
mento de Deus, e tudo que tem a ver
da parte dos homens perversos para eli-
tem uma contenda com os habitantes
com qualquer dessas duas coisas!
minar o conhecimento de Deus das suas
da terra, porque nela não há verdade,
É algo assombroso, então, que Deus
consciências. O ateísmo não é uma coi-
nem amor, nem conhecimento de Deus”
diga em Jeremias que o Seu povo é tolo
sa intelectual, é uma coisa moral! Deus
(Oséias 4: 1).
por não conhecê-Lo? O hebraico leva
diz repetidamente: “Eles têm rejeitado o conhecimento”.
Não há verdade, e não há miseri-
consigo a idéia de que as pessoas não são
córdia na terra, Por que não? Porque
apenas tolas, mas que são moralmente
Nós não conhecemos Deus porque
não há conhecimento de Deus na terra.
deficientes; e então, Deus acrescenta
não é importante para nós fazê-lo. É
Estes itens são inseparáveis. Somente
que elas não têm nenhum entendimento.
muito mais importante para nós co-
na medida em que há conhecimento de
Calvino diz que a palavra sugere que
nhecer a nós mesmos do que conhecer
Deus na terra haverá verdade ou miseri-
eles eram tão tolos, tão insensatos e es-
a Deus. Mas é uma escolha consciente,
18
Revista Os Puritanos 2•2010
Deus Reclama Contra o Seu Povo
e todos nós, até o último de nós, somos
nhor”. Nós devemos confessar o pecado
indesculpáveis.
“O boi conhece o seu possuidor e o ju-
da ignorância auto–imposta e afastar-
mento a manjedoura do seu dono, mas
Em Efésios 4: 17–18, Paulo explica
mo-nos dela. E devemos agora dar-nos
o Meu povo não conhece a Mim”. Deste
que os pecadores caminham na futi-
a conhecer não apenas os fatos sobre
momento em diante, devemos proposi-
lidade das suas mentes, tendo o seu
Deus, mas o Deus dos fatos. Como Ele
tada e agressivamente empenharmo-nos
entendimento obscurecido, estando
pensa? Como Ele age? Como Ele age da-
em elevarmo-nos acima do status dos
alienados da vida de Deus, por causa
quela maneira? O que isso me diz sobre
bois e jumentos em nosso conhecimento.
da ignorância que está neles, por causa
Sua natureza e caráter?
Estejamos determinados a conhecer ao
da cegueira do seu coração porque eles
Adolescente, eu ouso dizer que
entregaram-se a si mesmos ao pecado.
vocês sabem mais sobre Justin Timber-
Nós somos amantes do prazer ao in-
lake1 e Britney Spears do que sabem a
vés de amantes de Deus. Esta é a acusação
respeito de Deus. Adultos, eu ouso di-
sob a qual nós todos permanecemos; esse
zer que vocês conhecem mais sobre seu
é nosso problema, e ele é auto–induzido.
herói esportivo favorito, filme favorito,
Assim, o que devemos fazer? De-
ou grupo musical favorito do que você
vemos “prosseguir em conhecer o Se-
conhece sobre Deus.
nosso Deus, pois isto é vida eterna.
Justin Randall Timberlake (Memphis, Tennessee, 31 de Janeiro de 1981) é um cantor pop, compositor, ator, produtor e dançarino norte-americano. Tornou-se famoso durante o período em que participou do programa musical Mickey Mouse Club (Clube do Mickey) junto com Britney Spears e Christina Aguilera. Traduzido por: Linda Silveira. 19 de Abril de 2010.
Um Homem Piedoso é um Amante da Palavra “Oh quanto amo a tua Lei” (Salmos 119: 97). Crisóstomo compara a Escritura a um jardim arrumado com ornamentos e flores. Um homem piedoso deleita-se em caminhar neste jardim para docemente confortar-se. Ele ama cada ramo e cada parte da Palavra: (1) Ele ama a parte de aconselhamento da Palavra, como livro de oração e regra de vida. A Palavra é o sinal de direção que nos aponta o nosso dever. Ela contém em si coisas para serem cridas e praticadas. Um homem piedoso ama os direcionamentos da Palavra. (2) Ele ama a parte ameaçadora da Palavra. A Escritura é como o Jardim do Éden: como ele tem em si uma árvore da vida, assim ele tem uma espada flamejante em seus portões. Esta é a ameaça da Palavra. Ela acende fogo na face de toda pessoa que continua obstinadamente em perversidade. “Sim, Deus parte a cabeça dos seus inimigos e o cabeludo crânio do que anda nos seus próprios delitos” (Salmos 68: 21). A Palavra nenhuma indulgência dá para o mal. Ela não deixará um homem vacilar entre Deus e o pecado. A verdadeira mãe não deixaria o filho ser dividida (1 Reis 3: 26), e Deus não terá o coração dividido. A Palavra troveja ameaças contra a só aparência do mal. É como aquele rolo voante cheio de maldições. (Zc 5: 1). Um homem piedoso ama as ameaças da Palavra. Ele sabe que há amor em cada ameaça. Deus não quereria que nós perecêssemos; por isso misericordiosamente nos ameaça, de modo a que possa assustar-nos do pecado. As ameaças de Deus são como a bóia, que aponta para as rochas no mar e ameaça de morte aos que chegam perto. A ameaça é um fragmento de restrição para nos refrear de modo que não possamos correr a todo galope para o inferno. Há misericórdia em cada ameaça. (3) Ele ama a parte consoladora da Palavra — as promessas. Ele vai se alimentando nela como Sansão continuou seu caminho comendo o favo de mel. (Jz. 14: 8 e 9). As promessas são todas essência e doçura. Elas são revivificantes para nós quando estamos desfalecendo; elas são os canais da água da vida. “Nos muitos cuidados que dentro de mim se multiplicam, as tuas consolações me alegram a alma” (Salmos 94: 19). As promessas foram a harpa de Davi para afugentar pensamentos tristes; elas foram os seios que lhe deram o leite da consolação divina. Thomas Watson
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O Cânon para a Vida Cristã
A viva voz “inspirada pelo Espírito” dentro da igreja ou a voz do Espírito ouvida na Escritura?
Novamente, precisamos enfatizar que o ponto a ser considerado aqui é uma tendência. Não se limita ao ramo carismático ou pentecostal do Cristianismo. Nossa preocupação não é nos arrastar através da controvérsia cessacionista/não-cessacionista. Seja qual for nossa opinião, é claro que hoje dentro de grandes setores do evangelicalismo, quer no carismático ou até no não-carismático, a “revelação” contínua tem sido bem-vinda. Numa geração anterior isso se expressava mais claramente naqueles que esperavam achar um direcionamento “escutando o Espírito”. Os reformados e os confessionais, incluindo pessoas como Calvino e John Owen, conheciam bem essa espécie de “revelações espirituais”. Acrescentando ou ignorando a voz do Espírito na Bíblia, muitos diziam ouvir sua voz diretamente. Naquele tempo, como agora, alguns deles diziam acreditar na infalibilidade das Escrituras, embora parecessem pouco conhecer a doutrina da suficiência da Escritura. Lamentavelmente, como Calvino parece já ter experimentado na Reforma, é impossível discutir o sentido da Escritura com aqueles que presumem possuir a intervenção direta do Espírito. Antigamente o que era pouco mais do que uma tendência mística, hoje já se tornou uma enchente. Será exagero sugerir que as pessoas que mantêm a doutrina da Reforma, da absoluta suficiência da voz do Espírito na Bíblia, iluminada pela obra do Espírito no coração, sejam uma espécie em perigo de extinção? Tanto na teologia acadêmica como no nível das pessoas comuns, essa posição da Reforma é cada vez mais julgada reacionária quando não herética, porque só uma minoria a sustenta. Mas o que tem isso a ver com a igreja medieval? Só isso: a igreja medieval inteira operava no mesmo princípio, ainda que expresso de forma diferente. Para eles, o Espírito fala fora da Escritura; os crentes não podem conhecer o direcionamento detalhado de Deus quando dependem somente da Bíblia; a “voz viva do Espírito na igreja” é essencial. Não só isso, mas, uma vez introduzida a “viva voz” do Espírito, parece psicologicamente inevitável que essa viva voz se torne o cânon regulamentador da conduta para a vida cristã. A equação — a palavra da Escritura mais a “viva voz” do Espírito, igual à revelação divina — achava-se no centro da busca pelo poder do evangelho na escuridão da igreja medieval. Agora, no final do segundo milênio (1996), estamos à beira, ou talvez mais do que à beira, de sermos inundados por um fenômeno paralelo. O resultado na época (medieval) foi uma fome de se ouvir e entender a palavra de Deus — tudo sob o disfarce daquilo que ainda o Espírito estaria falando à igreja. E hoje? Dr. Sinclair Ferguson
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Revista Os Puritanos 2•2010
A Fusão do Calvinismo com o Mundanismo
“Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? (Lucas 12:20)
Dr. Peter Master
Q
nistas. E este cenário é repetido muitas vezes, através
uando eu era jovem e recém-salvo, parecia que
do livro ― grandes conferências sendo descritas, nas
o principal objetivo de todos os crentes zelosos,
quais o sincretismo mundano, a sensação, a agitação,
quer Calvinistas ou Arminianos, era a consa-
os altos decibéis e a música rítmica, são misturados à
gração. Sermões, livros e conferências destacavam a consagração no espírito de Romanos 12:1-2, onde o
doutrina Calvinista. Somos informados sobre a música agitada, milhares
apóstolo suplica aos fiéis que apresentem seus corpos
de mãos levantadas, hip-hop “cristão” e letras de rap
em sacrifício vivo, e não a serem conformados com
(os exemplos parecem inadequados e ineptos em sua
este mundo. O coração era despertado e desafiado.
construção) unindo as Doutrinas da Graça às formas
Cristo deveria ser o Senhor de sua vida, e o ego devia
musicais imorais ― e induzidas por drogas ― da cul-
ser rendido no altar do serviço a Ele.
tura mundana.
Mas agora, ao que parece, existe um novo Calvinis-
Collin Hansen conclui que o Calvinismo americano
mo, com novos Calvinistas, que deixou de lado os velhos
desmoronou no final do século XIX e foi mantido ape-
objetivos. Um recente livro — Young, Restless, Refor-
nas por um pequeno número de pessoas até este grande
med (Jovem, Inquieto, Reformado), por Collin Hansen
reavivamento da juventude, mas, o seu cenário históri-
narra a história de como um chamado “ressurgimento”
co é, francamente, absurdo. Como alguém que visitou
do Calvinismo conquistou a imaginação de milhares de
regularmente seminários americanos desde o início dos
jovens nos E.U.A., e este livro tem sido analisado com
anos 70, eu sempre conheci muitos pregadores e estu-
grande entusiasmo nas bem-conhecidas revistas do Rei-
dantes que amavam as Doutrinas da Graça, pregando
no Unido, como Banner of Truth, Evangelical Times e
também em igrejas de sólida persuasão Calvinista. No
Reformation Today.
entanto, firmes evidências da presença extensiva do
O escritor desse artigo, no entanto, ficou profunda-
Calvinismo são vistas a partir do fato de que imensas
mente entristecido ao ler tal livro, porque ele descreve
firmas de publicações enviaram um fluxo de literatu-
uma séria distorção do Calvinismo, a qual está longe,
ra reformada pós-guerra e também durante os anos
muito longe de uma autêntica vida de obediência a um
80. A poderosa Eerdmans foi solidamente Reformada
Deus Soberano. Se este tipo de Calvinismo prospera,
em tempos passados, para não mencionar Baker Book
a verdadeira piedade bíblica estará sob ataque como
House, Kregel e outros. Onde é que todos estes livros
nunca antes.
foram parar ― milhares e milhares deles, inclusive os
O autor do livro é um jovem (que tinha mais ou menos 26 anos, quando escreveu o livro) que cresceu em uma
frequentemente reimpressos conjuntos dos comentários de Calvino e uma série de outras obras clássicas?
família cristã e formou-se em jornalismo secular. Somos
Na década de 70 e 80, houve também pequenos edi-
gratos a ele pela pesquisa legível e de tão grande alcance
tores Calvinistas nos Estados Unidos, e naqueles tem-
que ele nos oferece a respeito deste novo fenômeno, mas
pos o fenômeno das livrarias cristãs Calvinistas com
o cenário não é, certamente, um dos mais felizes.
descontos começou, com catálogos volumosos e uma
O autor começa por descrever a Passion, conferência
considerável sequência. A alegação de que o Calvinismo
em Atlanta, em 2007, quando 21.000 jovens celebra-
praticamente desapareceu é um irremediável equívoco.
ram com música contemporânea, e ouviram a preleto-
Na verdade, um Calvinismo muito melhor ainda
res, como John Piper, proclamando sentimentos Calvi-
floresce em muitas igrejas, onde almas são ganhas e
Revista Os Puritanos 2•2010
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Peter Master
vidas santificadas, e onde Verdade e
C. J. Mahaney é um pregador muito
prática estão submetidas ao domínio da
aplaudido neste livro. Carismático, em
Escritura. Essas igrejas não têm qual-
fé e prática, ele parece ser totalmen-
doutrina Puritana alienado do estilo de vida e do louvor Puritano. A maior parte dos bem conhecidos
quer simpatia com o louvor mundano
te aceito pelos outros grandes nomes
pregadores que promovem e incenti-
diversificado do jornalista Collin Han-
que caracterizam as novas “Conferên-
vam este “reavivamento” do Calvinismo
sen, que pretende edificar igrejas utili-
cias Calvinistas”, tais como John Piper,
têm em comum as seguintes posições
zando exatamente os mesmos métodos
John MacArthur, Mark Dever, e Al Mo-
que contradizem a verdadeira perspec-
de entretenimento como a maioria dos
hler. Evidentemente, alguém extrema-
tiva Calvinista (ou Puritana):
carismáticos e do movimento Arminian
mente bem-apessoado e amistoso, C. J.
Calvary Chapel. Os novos Calvinistas exaltam cons-
Mahaney é o fundador de um grupo
1. Eles não têm qualquer problema com
de igrejas que mistura o Calvinismo à
o louvor contemporâneo, de gênero
tantemente aos Puritanos, contudo, não
idéias carismáticas, e é reputado como
carismático, inclusive os estilos extre-
querem adorar, louvar ou viver como os
alguém que influencia muitos Calvinis-
mos de “heavy metal”.
Puritanos. Uma das conferências tem o
tas a deixarem de lado o Cessacionismo.
2. Eles são morosos na separação do
nome “Resoluto”, por causa das famo-
Foi um protegido deste pregador,
sas Resoluções, de Jonathan Edwards
chamado Joshua Harris, que começou
3. Não se preocupam com a orientação
(suas 70 resoluções). Mas a cultura des-
a conferência de Jovens “Nova Atitude”.
pessoal de Deus nas grandes decisões
mundanismo [ver nota 2].
ta conferência seria indiscutivelmente
Somos informados de que, quando um
dos crentes (verdadeira soberania), dan-
confrontada com a firme condenação
rapper secular chamado Curtis Allen foi
do assim um golpe certeiro na consagra-
do grande teólogo.
convertido, o seu novo instinto cristão
ção sincera.
A conferência “Resoluto” é de criação
levou-o a abandonar a sua vida passada
4. Mantêm opiniões contrárias ao quarto
de um membro da equipe pastoral do Dr.
e seu estilo musical. Mas Pastor Joshua
mandamento, menosprezando o Dia do
John MacArthur, que reúne milhares de
Harris evidentemente persuadiu-o a não
Senhor, lançando assim outro golpe à
jovens anualmente, e caracteriza a ha-
fazê-lo, para que ele pudesse cantar para
vida consagrada.
bitual mistura de Calvinismo e louvor
o Senhor. Os novos Calvinistas não hesi-
de estilo extremamente carismático. Os
tam em passar por cima dos instintos da
Quaisquer que sejam os seus pontos
jovens são incentivados a sentir sobre
consciência cristã, aconselhando as pes-
fortes e suas realizações (e alguns deles
o corpo o mesmo tremendo impacto da
soas a tornarem-se amigas do mundo.
são homens brilhantes nos padrões hu-
música rítmica que experimentariam
Uma das mega-igrejas admiradas
manos), ou seja, qual que for a sua visão
num concerto mundano de música pop,
no livro é a Igreja Mars Hill em Seattle,
teórica do Calvinismo, a má posição des-
inclusive com a mesma iluminação e at-
fundada e pastoreada por Mark Dris-
ses pregadores a respeito destas ques-
mosfera. Ao mesmo tempo, eles refletem
coll, que combina idéias das igrejas
tões cruciais apenas irá encorajar uma
sobre a predestinação e eleição. A cul-
emergentes (de que os cristãos devem
desastrosa versão defeituosa do Calvinis-
tura mundana proporciona uma cultura
utilizar a cultura mundana) com teolo-
mo que levará as pessoas a serem cada
corporal, de sentimentos emocionais,
gia Calvinista [ver nota 1].
vez mais devotadas ao mundo, e a pro-
nos quais pensamentos cristãos são in-
Este pregador é também muito ad-
fundidos. Os sentimentos bíblicos são
mirado por alguns homens reforma-
curarem um estilo egocêntrico de vida. Quando verdadeiramente proclama-
atrelados ao entretenimento carnal. (Fo-
dos no Reino Unido, mas a sua igreja
da, a soberania de Deus deve incluir con-
tos da conferência no website mostram
tem sido descrita (por um simpatizan-
sagração, reverência, obediência since-
a atmosfera totalmente mundana de sho-
te) como a igreja na qual a música é
ra à sua vontade, e separação do mundo.
wbusiness criada pelos organizadores).
a mais alta de todas, e foi censurado
Você não pode ter uma soteriologia
Em tempos de desobediência os ju-
por outros pregadores pela utilização
Puritana sem uma santificação Puritana.
deus antigos viviam uma espécie de sin-
de muita linguagem imprópria e humor
Você não deve atrair as pessoas a uma
cretismo, indo ao Templo ou à sinagoga
totalmente inapropriado (mesmo na te-
pregação Calvinista, ou qualquer outro
no sábado, e aos templos dos ídolos em
levisão). Ele é visto em vídeos pregando,
tipo de pregação, usando iscas munda-
dias de semana; mas o novo Calvinismo
usando camisetas com o escrito “Jesus”,
nas. Esperamos que os jovens neste mo-
tem encontrado uma maneira de unir
simbolizando o novo compromisso com
vimento compreendam as implicações
espiritualmente coisas incompatíveis
a cultura, ao mesmo tempo oferecendo
das doutrinas melhor do que seus mes-
ao mesmo tempo, na mesma reunião.
ensino Calvinista. Tanto da abrangente
tres, e não que comprometam a verdade.
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Revista Os Puritanos 2•2010
A Fusão do Calvinismo com o Mundanismo
Mas há uma catástrofe iminente na pro-
dadeiro Calvinismo e venha a arruinar
moção desta nova forma de Calvinismo.
toda uma geração de jovens cristãos a
Por que alguns cristãos britânicos
Os novos
que abraçavam as Doutrinas da Graça dão opiniões entusiasmadas a respeito de um livro como este? No passado, houve vezes em que subitamente muitos jovens se tornaram intelectualmente entusiasmados com a sólida doutrina cristã e, a seguir, a abandonaram. Pense na tremenda reação que uma única oratória de Francis Schaeffer assegurava em campus universitários na década de 60; sem dúvida alguns jovens foram verdadeiramente salvos e perseveraram, mas muitos mais se desviaram. Dominados pela superioridade de uma
Calvinistas exaltam constantemente aos Puritanos, contudo,
serem alcançados. Um triste espetáculo final relatado com entusiasmo no livro é a conferência “Unidos pelo Evangelho”, realizada desde 2006. Uma conferência de perfil mais adulto convocada por respeitados Calvinistas, que, não obstante, reúne cessacionistas e não-cessacionistas, expoentes do louvor tradicional e contemporâneo e, ao
não querem adorar,
mesmo tempo em que mantém uma boa
louvar ou viver
quentam a relaxarem em relação a estas
como os Puritanos
pregação, condiciona todos os que frequestões controversas e aprender a aceitar todos os pontos de vista. Em outras palavras, matam o ministério da adver-
cosmovisão bíblica, eles momentanea-
tência, de modo que todo o erro do novo
mente desprezaram as idéias ilógicas,
cenário possa avançar despercebido.
débeis deste mundo, mas a impressão
Estes são dias trágicos para a autêntica
em muitos casos era natural e não es-
nunca se estabelecerão numa igreja
piritual. O presente novo e inebriante
dedicada na obra, porque as suas con-
O verdadeiro Calvinismo e munda-
Calvinismo, desfalcado de obediência
siderações doutrinárias estão apenas
nismo são opostos. É preciso preparar o
prática irá certamente revelar-se efê-
em suas mentes e não em seus cora-
coração se vamos buscar as maravilhas
mero, deixando a causa comprometida
ções. Sabemos de alguns cujas vidas
e sondar as profundezas da Soberana
e dissipada. Essa forma de calvinismo já chegou
fidelidade, piedade e adoração espiritual.
não são limpas. Sabemos de outros que
Graça. Encontramo-lo no desafiador e
vão a bares e boates. Quanto maior a
decisivo chamado de Josué:
dente que o mundo ainda está em seus
O “novo” Calvinismo não é um res-
corações. Anos atrás, tais irmãos não te-
surgimento, mas uma fórmula inovado-
“Agora, pois, temei ao Senhor, e servi-o com sinceridade e com verdade; e deitai fora os deuses aos quais serviram vossos pais além do rio e no Egito, e servi ao SENHOR. Porém, se vos parece mal aos vossos olhos servir ao SENHOR, escolhei hoje a quem sirvais; se aos deuses a quem serviram vossos pais, que estavam além do rio, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais; porém eu e a minha casa serviremos ao SENHOR”
riam sido batizados até que estivessem
ra que tira totalmente a doutrina da sua
(Josué 24.14-15).
limpos do mundo, mas agora você pode
prática histórica, e une-a com o mundo.
ir até para o seminário, e não se fazem
Por que é que a liderança de pre-
perguntas; pode-se assumir um pasto-
gadores que servem a este movimen-
rado, com ídolos ― não renunciados e
to cedeu tão facilmente? Eles não têm
não combatidos ― na sala do trono da
sido ameaçados por um regime sovié-
sua vida. Que esperança há para as igre-
tico. Ninguém apontou uma arma para
Notas: 1 Sua resolução sobre a questão da soberania divina versus livre arbítrio humano, no entanto, está muito mais próxima da visão Arminiana. 2 Um recente livro intitulado Worldliness: Resisting the Seduction of a Fallen World (Mundanismo: Resistindo à Sedução de um Mundo Caído por C J Mahaney e outros), prepara de modo deficiente os jovens crentes para a separação do mundo, especialmente na área da música, onde, aparentemente, o Senhor ama todos os tipos, e aceitabilidade é reduzida a duas enganosas e subjetivas questões. Artigo extraído de: http://www.metropolitantabernacle.org/?page=articles&id=13 Tradução: Laura Macal Lopez, membro do Tabernáculo metropolitano de Londres.
à Grã-Bretanha? Ai! Sim, basta olhar os “blogs” de alguns jovens pastores Refor-
sua proeza doutrinal, maior a sua hipocrisia.
mados que se colocam à frente como
Estas são palavras duras, mas elas
mentores e conselheiros de outros.
me levam a dizer que, quando o Calvi-
Quando você olha os seus “filmes fa-
nismo bíblico, evangélico molda a con-
voritos”, e “música favorita” você os vê
duta e, especialmente, o louvor, é um
sem constrangimento algum nomear as
humilde e bonito sistema da Verdade;
principais bandas, músicas e entreteni-
mas quando está confinado apenas à
mento desta cultura depreciável, e é evi-
cabeça, infla o orgulho e a autonomia.
jas que têm sub-pastores cuja lealdade
suas cabeças. Esta é uma vergonhosa
está tão dividida e distorcida?
capitulação, e devemos orar fervoro-
Além dos pastores, sabemos que al-
samente para que aquilo que eles têm
guns desses “novos” jovens Calvinistas
incentivado não tome o lugar do ver-
Revista Os Puritanos 2•2010
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Aberto e Fechado A disciplina da igreja é um daqueles assuntos a respeito do qual ninguém realmente deseja falar. Não apenas as pessoas temem que tal disciplina envolva oficiais da igreja bisbilhotando em torno dos seus negócios particulares e então externando seus pecados particulares para outros na igreja. Membros da igreja não desejam também ser vistos como julgadores de outros. Se bisbilhotar é o que a disciplina bíblica da igreja ocasiona, então as pessoas estariam certas em se preocupar. Felizmente, este não é o caso. Um exemplo onde a disciplina da igreja é aplicada no Novo Testamento está na primeira carta de Paulo aos Coríntios. Paulo descreve uma situação na qual um membro da igreja (presumivelmente um membro proeminente) tomou “a esposa do seu pai”. Paulo parece completamente perplexo pelo fato de que alguém pudesse fazer tal coisa. “Geralmente, se ouve que há entre vós imoralidade e imoralidade tal, como nem mesmo entre os gentios” (1 Co 5: 1). Não foi apenas o comportamento deste homem uma violação dos mandamentos bíblicos, mas, tal ato foi considerado escandaloso até entre os pagãos fora da igreja. O remédio de Paulo para isto foi excomungar este homem: “Vós deveis entregar este homem a Satanás para a destruição da carne de modo que o seu espírito possa ser salvo no dia do Senhor” (v. 5). Neste caso, este homem devia ser disciplinado porque seu pecado foi público, escandaloso e destrutivo para a reputação da igreja. O exercício da disciplina da igreja é como uma cirurgia de câncer. A doença deve ser removida antes que adoeça o corpo todo. Observe que Paulo não menciona o nome do homem (ou da mulher, para este assunto). O apóstolo não está para envergonhar as pessoas ou embaraçá-las em público. Na verdade, Paulo oferece a esperança de que esta ação por parte da igreja levará à restauração e salvação deste homem no dia do Senhor. Esta ação (remover o homem da igreja) foi tomada para que ele pudesse considerar seu pecado e arrepender-se dele. Este gesto foi também empregado para proteger a reputação da igreja. Em Mateus 18:15–17, Jesus dá instruções muito específicas a respeito do que fazer quando se levantam disputas com membros da igreja. O cristão que sente que foi ofendido por outro, deve dirigir-se diretamente àquela pessoa. Se não consegue qualquer reparação, deve trazer uma testemunha. Se o assunto continua sem solução, somente então os líderes da igreja devem ser envolvidos, e apenas depois de uma persistente evidência de falha em arrepender-se e ouvir o conselho bíblico, deve o assunto tornar-se público e o ofensor deve ser tratada como “gentio e publicano”. Consciente da importância de manter a paz e a pureza doutrinária da igreja, o Catecismo de Heidelberg, na pergunta e resposta 83 liga corretamente a prática e a necessidade da disciplina da igreja à instrução de Jesus aos discípulos sobre as chaves do reino. De acordo com Jesus: “Tu és Pedro, e sobre esta rocha edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino do céu, e o que ligares na terra será ligado no céu, e o que desligares na terra será desligado no céu” (Mateus 16: 18 - 19). Os Cristãos na tradição Reformada entendem estar Jesus falando da missão da igreja de pregar o evangelho até os confins da terra. Como o Catecismo de Heidelberg assinala, a pregação de Cristo, e esse crucificado, é o meio divinamente designado através do qual o reino do céu está aberto para todos que respondem a essamensagem com fé e arrependimento. Mas a função da igreja de “ligar” — através da qual a entrada para o reino está fechada — está relacionada aos que rejeitam a mensagem do evangelho quando ela lhes é pregada, pois permanecem presos no pecado. Esta função de ligar (desligar) está também relacionada à disciplina da igreja. Os que professam fé em Cristo, mas fazem o que o homem de nome não mencionado estava fazendo em Corinto, têm a porta do reino dos céus fechada para eles através dos meios da disciplina da igreja. Nesses casos trágicos onde a igreja deve tomar a determinação de que a conduta de alguém e sua recusa ao arrependimento levanta sérias questões a respeito desse compromisso com Cristo, a igreja deve fechar a porta do reino para ele, com o objetivo do eventual arrependimento e restauração daquela pessoa. Embora sendo dura, a disciplina da igreja é ordenada por Paulo, e o procedimento a ser usado nos é dado por Jesus. Através da pregação do evangelho, a igreja abre o reino para todos os que creem. Mas, para aqueles que rejeitam o evangelho, e que insistem num comportamento tal que traz escândalo para a igreja de Cristo, a porta do reino é fechada. Dr. Kim Riddlebarger é pastor da Igreja Reformada de Cristo (URCNA) em Anaheim, Califórnia e professor visitante de Teologia no Westminster Seminary California.
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Revista Os Puritanos 2•2010
A Leitura Pública
“Porque Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados” (Atos 15: 21). Terry Johnson
S
Toda minha vida pertenci a igrejas que acreditaram na inerrante exatidão e autoridade infalível da Escritura.
abendo que sua morte é iminente, compreenden-
Pertenci a igrejas evangélicas Batista, Congregacional
do, talvez, a oportunidade para dar direção à igre-
e Presbiteriana. Tenho visitado uma porção de igrejas
ja para os séculos à frente, diz o apóstolo Paulo:
evangélicas carismáticas e independentes. Contudo,
“Até que eu venha dê atenção” (NASB), ou “devote-se” (NIV),
nem uma delas dava qualquer atenção a 1 Timóteo 4:
“à leitura pública da Escritura, para exortação e ensino”.
13. Curioso, não é?
É bastante claro o que o apóstolo Paulo quer que seja
O que é um sermão adequado? É uma explanação da
feito na assembléia da igreja. Ele quer que a Escritura
leitura. Quando Jesus concluiu a leitura do profeta Isaías
seja lida. A prática da sinagoga era desenrolar os rolos
na sinagoga de Nazaré, “todos na sinagoga tinham os olhos
da Escritura, ler uma porção, marcar onde pararam e então no próximo Sabbath pegar novamente onde eles
fitos nele” na antecipação dos seus comentários. “Então, passou Jesus a dizer-lhes”, Lucas nos conta em seguida.
deixaram. A leitura era lectio continua, leitura sequen-
Jesus, ao providenciar comentários expositivos, seguiu o
cial, consecutiva, não de forma “lectio selecta”, leituras
padrão esperado no culto da sinagoga (Lucas 4: 16-21).
selecionadas daqui ou dali. Jesus na sinagoga em Nazaré (Lucas 4: 16-19) e o
A expectativa da exortação baseada na leitura pode ser vista nas Sinagogas em Atos também. A Lei e os
apóstolo Paulo na Antioquia da Pisídia e em qualquer
Profetas eram lidos, como pode ser visto em Atos 13:
outra parte (Atos 13: 15; 17: 2-4; 18: 4, 19; 19: 8) pro-
15a. Então os oficiais da sinagoga perguntaram ao após-
vêm exemplos desta disciplina pública em ação. Nós
tolo Paulo: “Se tem exortação para o povo, dizei-a”. A
temos igualmente a explicação do apóstolo Tiago da
leitura da Escritura levava diretamente aos comentá-
prática da sinagoga: “Porque Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados” (Atos 15: 21).
em toda cidade, Tiago afirmou, porque ele é lido nas
“Moisés”, ele diz, “é lido na sinagoga todo Sabbath”.
ção não são sinônimas, mas elas podem ser justapostas
É a esta prática que o apóstolo Paulo se refere e que
da maneira que Tiago faz, porque elas são vistas como
a igreja primitiva tinha adotado. Literatos litúrgicos
inseparavelmente ligadas; a pregação decorrendo e de-
rios interpretativos e às exortações. Moisés é pregado sinagogas todo Sabbath (At. 15: 21). Leitura e prega-
concordam que leitura lectio continua era a prática da
pendendo da leitura. Este parecia ser o contexto natural
igreja primitiva do tempo dos apóstolos através do pe-
da exortação do apóstolo Paulo a Timóteo para “dar
ríodo da patrística.
atenção à leitura pública da Escritura” e a “exortação e ensino” que surgem da leitura (1 Tim. 4: 13).
Após Gregório, o Grande (540–604 AD), a igreja medieval oriental adotou uma aproximação da lectio
A prática da sinagoga tornou-se a da igreja apostóli-
selecta para as leituras. Mas as leituras selecionadas não
ca e posteriormente da igreja patrística. Os sermões de
eram satisfatórias para os Reformadores, que, quase
Clemente de Alexandria (150-215 AD), Orígenes (185-
sem exceção, requereram em suas reformas litúrgicas
254), Crisóstomo (347-407) e Agostinho (354-430) for-
que amplas leituras lectio continua fossem restauradas
necem abundante testemunho da pregação expositiva
para os cultos públicos da igreja. A leitura lectio conti-
ou lectio continua nos primeiros séculos da igreja.
nua da Escritura foi a prática da ortodoxia Reformada até bem entrado o século dezenove.
Revista Os Puritanos 2•2010
Os pregadores medievais abandonaram a prática patrística e pregaram largamente sermões tópicos. Mas os
25
Terry Johnson
Reformadores, baseados em seu estudo
tópicos, apenas levemente relaciona-
exigiremos um papel proeminente na
da Escritura e dos pais da igreja, res-
dos a um texto das Escrituras e direcio-
assembléia pública para a Palavra de
tauraram a prática antiga da pregação
nados às necessidades sentidas, têm-se
Deus, quer para nosso benefício pesso-
lectio continua. Zuinglio, Bucer, Capito
tornado a norma. Mas, se nós estamos
al ou por causa da saúde e do bem-estar
e Calvino, entre muitos outros, foram
convencidos de que somos nascidos de
de toda a igreja.
todos pregadores lectio continua. Eles
novo pela permanente e viva Palavra (1
pregavam verso-por-verso através dos
Pe. 1: 23), que somos santificados pela
livros da Bíblia.
verdade (João 17: 17), e que nossas
Leituras extensas são praticamente
almas, como diz aqui o apóstolo Pau-
inexistentes no meio ambiente do mer-
lo, “são alimentadas com a palavra da fé
cado da igreja dos dias de hoje. Sermões
e da boa doutrina” (1 Tm. 4: 16), nós
O Rev. Terry L. Johnson é ministro da Igreja Presbiteriana Independente em Savannah, Geórgia, e é o autor de Adoração Reformada (Editora Os Puritanos) Traduzida por: Linda Oliveira. Olinda, 24 de Março de 2010.
Receio de Lutar Se permitirem que os receios humanos controlem suas ações e quiserem salvar-se de sofrimentos ou situações ridículas, bem pouco conforto encontrarão nas promessas de Deus, “aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á”. As promessas do Espírito Santo para nossa luta não são só para aqueles que sabem comportar-se como homens e, pela fé, tornam-se arrojados na hora de enfrentar os conflitos. Eu desejo que todos nós cheguemos ao ponto de não dar mais importância alguma à pretensão que alguns têm de nos caluniar ou zombar de nós. Oh, lembro-me daquele fazer por onde esquecer, essa vontade de que fala Fox, acerca de um mártir italiano! Condenaram-no a ser queimado vivo na fogueira, mas ele ficou calmo ao ouvir tal sentença. Porém, sabem, queimar os mártires, por mais prazer que isso desse a alguns, trazia-lhes despesas; o Presidente da Câmara da cidade não queria desembolsar dinheiro nos feixes de lenha para o evento e o padre que o tinha acusado também não queria fazer qualquer despesa pessoal no trabalho para esse fim. Deste modo, entraram os dois em tremenda discussão, enquanto o pobre homem a quem se destinariam os molhos de lenha não providenciados, permanecia calmo a ouvir as recriminações mútuas, que dirigiam um ao outro. Ao concluir que eles não poderiam chegar a acordo sobre o assunto, disse então: “Cavalheiros, vou terminar com esta discussão. É uma pena que cada um de vocês ache assim tão caro pagar a lenha para me queimarem e para a glória de Deus; por isso eu quero pagar a lenha que me vai queimar, se não se importam”. Há aqui um requintado toque de ironia, assim como de humildade. Eu não sei se seria capaz de pagar tal coisa, mas eu próprio me sinto, por vezes inclinado a ir ao encontro daqueles que são inimigos da verdade, a fim de os ajudar a encontrar o combustível que procuram para as criticas que pretendem fazer a meu respeito. Sim, sim, eu até serei capaz de me tornar mais “vil”, em dar-lhes mais motivos para queixas. Entro em controvérsia por amor a Cristo e, em seguida, não faço nada para acalmar a indignação de alguns. Irmãos, se tentarem moderar um pouco opiniões contrárias às de outrem, se tentarem salvaguardar, um pouco que seja, a vossa reputação em confronto com homens entregues à apostasia, estarão perdendo o juízo. Aquele que se envergonhar de Cristo e da Sua Palavra nesta geração perversa, verá que também Cristo se envergonhará dele naquele dia. C.H. Spurgeon
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Revista Os Puritanos 2•2010
Nosso Melhor Dia
“Para o crente, a morte é o dia de sua coroação e do seu casamento”
Dr. Leland Riken
O
a Deus — e do que é ouvido, ah, quão pouco se entende! Há uma excelente expressão usada por Agostinho:
s puritanos entendiam que, para os crentes, a
“As coisas gloriosas do céu são tantas que excedem em
morte não é uma calamidade. Muitos pensam
número; tão preciosas que excedem tudo que se pode
a respeito da sua própria morte com uma ex-
estimar; tão grandiosas que excedem qualquer medi-
pectativa terrível, mas o título de um famoso sermão
da!”. Bernard diz: “Que Cristo esteve com Paulo disso
fúnebre escrito por um Puritano nos oferece uma al-
ele estava seguro — mas estar Paulo com Cristo, isso
ternativa agradável: o último dia de um crente sobre a
era a maior das alegrias!”.
terra é seu melhor dia. Os Puritanos dos séculos XVI e XVII produziram um
Quando a morte desfere seu golpe fatal, há uma troca da terra pelo céu; do imperfeito deleite para o per-
tesouro de escritos que podem ser lidos devocionalmen-
feito deleite em Deus; então a alma deve ser abarcada
te. O que eles tinham de melhor em suas devocionais
com uma satisfação plena em Deus; e nenhum ponto
estava inserido na categoria dos chamados “segredos
da alma deve ser deixado vazio — mas todos devem
mais bem guardados”, isto é, os sermões fúnebres.
ser preenchidos com a plenitude de Deus. Aqui neste
Normalmente um sermão fúnebre puritano era im-
presente mundo, os crentes recebem a graça — mas no
presso, e frequentemente expandido na forma de um
céu recebem a glória. Deus guarda o melhor vinho para
pequeno livro. Os sermões fúnebres escritos pelos
o final; o melhor de Deus, Cristo e o céu — estão além
Puritanos traziam um único versículo da Bíblia no iní-
deste presente mundo. Aqui tomamos apenas alguns
cio, mas à medida que o sermão se desenrolava eles
goles, provamos alguma coisa de Deus; a plenitude está
quase sempre se tornavam um mosaico de versos que
reservada para o estado de glória. Aquele que vê muito
evocavam assuntos como a morte, o céu, e a imortali-
de Deus aqui na terra, não vê mais que seu rastro; Seu
dade. Alguns desses sermões são pequenas antologias
rosto é uma jóia coberta por um esplendor de glória
de versos bíblicos escolhidos. Quando Thomas Brooks pregou um sermão no fu-
que nenhum olhar pode contemplar, a não ser o dos glorificados.
neral da senhora Martha Randall na Christ’s Church,
O melhor dos cristãos é capaz de ter apenas um pou-
Londres, em 28 de junho de 1651, ele escolheu um
co de Deus; seus corações são como os vasos da viúva,
título genial. Ao chamar o último dia de um crente sobre
que poderiam receber apenas um pouco de azeite. O
a terra de seu melhor dia, Brooks demolia de imediato
pecado, o mundo e as criaturas, ocupam tanto espaço
a visão convencional da morte como uma calamidade
naqueles melhores corações, que Deus, de si mesmo, dá
terrena. O trecho a seguir reúne algumas passagens-
apenas pouco a pouco, como os pais dão doces a seus
chave do sermão: Para o crente, a morte é o dia de sua
filhos. Mas no céu Deus irá comunicar-se plenamente
coroação e do seu casamento
com a alma! A graça será então engolida pela glória!
A morte é uma mudança de nossos prazeres imper-
A morte é um outro Moisés: ela livra os crentes da
feitos e incompletos de Deus, para um mais completo
escravidão, e de fazer tijolos no Egito. É um dia ou o ano
e perfeito deleite nEle. Como nenhum crente pode ter
do jubileu para um espírito gracioso — o ano em que ele
uma visão clara de Deus aqui, assim também nenhum
está livre de todos aqueles cruéis feitores sob os quais
cristão possui uma completa e perfeita visão de Deus.
há muito gemia. A morte é o dia da coroação do crente,
Em Jó 26.14, quão pouco se ouve falar dele — refiro-me
é o dia do seu casamento. É um descanso do pecado,
Revista Os Puritanos 2•2010
27
Leland Riken
descanso do sofrimento, descanso das
César Bórgia que, em seu leito de morte,
cultor, como o dia da libertação para
aflições e tentações. A morte, para o
disse: “Enquanto vivi, me preparei para
um prisioneiro, o dia da coroação para
crente, é a entrada no seio de Abraão,
tudo, menos para a morte! Agora que
um rei, e como o dia do casamento para
no paraíso, na “Nova Jerusalém”, no
devo morrer, estou despreparado”. Ah,
uma noiva. O dia da sua morte será um
gozo do seu Senhor.
Cristãos! Vocês precisam orar todos os
dia de triunfo e exaltação, um dia de
Cristãos! De que serve sua vida in-
dias como Moisés: “Senhor, ensina-nos
liberdade e consolação, um dia de des-
teira — a não ser para torná-lo apto
a contar nossos dias, para que alcance-
canso e satisfação!
para o dia da morte? Qual o seu gran-
mos um coração sábio” (Salmo 90:12).
de objetivo neste mundo — a não ser
Que Cristo seja o seu Senhor e Mes-
preparar-se e estar pronto para o mun-
tre, e então o dia da sua morte será
do eternal? Foi um discurso triste o de
como o dia da colheita para um agri-
Dr. Leland Ryken é professor no English at Wheaton College.
A Misericórdia de Deus Tornou o SENHOR: Tens compaixão da planta que te não custou trabalho, a qual não fizeste crescer, que numa noite nasceu e numa noite pereceu; e não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que há mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão direita e a mão esquerda, e também muitos animais? Jonas 4.10-11 Deus mostra aqui como, a semelhança de um pai, ele toma conta da humanidade. Ele cuida de cada um de nós com desvelo singular. Mas aqui ele chama a atenção para uma grande população para manifestar ainda mais o seu imenso interesse pelos seres humanos; por isso ele não fulminará nenhuma nação sem motivos. Deus mostra a Jonas que o profeta tem-se deixado desviar pelo zelo sem misericórdia. Embora o zelo de Jonas proceda de um bom princípio, ele, todavia, estava influenciado por um sentimento impetuoso demais. Foi o que Deus demonstrou ao poupar tantas criancinhas até então inocentes. Às crianças ele acrescenta os animais irracionais. Certamente o gado era superior às plantas. Se Jonas tinha razão para ficar desolado por causa de uma planta ressecada, bem mais deplorável e cruel seria a morte de muitos animais inocentes. Portanto, vemos assim quão opostas são todas as partes dessa símile para levarem Jonas a abominar a própria insensatez e a se envergonhar dela, pois ele pretendera frustrar o propósito secreto de Deus, e de alguma maneira fazer a sua vontade prevalecer à dele, para que os ninivitas não fossem poupados, apesar de se arrependerem verdadeiramente, antecipando-se ao juízo divino.
Oração:
Concede, ó Deus onipotente, que do modo como tens, de várias maneiras, declarado e também demonstrado diariamente o tanto que a humanidade é querida aos teus olhos, assim como desfrutamos cotidianamente de tantas e tão notáveis provas da tua bondade, — ó concede que aprendamos a nos entregar totalmente à tua bondade, pois tantos são os exemplos que dela puseste, diante de nós e da qual nos fazes provar continuamente, não somente para atravessar o nosso curso o mundo, mas também para anelarmos confiadamente a esperança da bendita vida celestial, depositada para nós no céu, mediante Cristo somente, nosso Senhor. Amém. Devotions and prayers of John Calvin, 52 one-page devotions with selected prayers on facing pages. Org. Charles E. Edwards, Old Paths Gospel Press. S/d. Págs. 54 e 55.
Tradução: Marcos Vasconcelos, outubro/2009 mjsvasconcelos@gmail.com
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Revista Os Puritanos 2•2010
O Eclipse da Doutrina
Pessoas de todos os tipos de linhas denominacionais denigrem e descartam a doutrina.
Gerald M. Bilkes
L
ricas. Não há nenhuma base na experiência real e diária e é apenas um jogo da mente que os dotados disputam”.
utero uma vez escreveu: “Doutrina é céu... ‘um
Não é um exagero afirmar: Nossa época pós-moderna
ponto’ da doutrina vale mais do que céu e terra”.
faz pouco uso da doutrina.
Todos os reformadores teriam compartilhado
Tudo isto levanta questões importantes. Será que te-
com esta grande apreciação da doutrina. Na presente
mos acreditado na coisa errada concernente à doutri-
era, porém, esta visão positiva da doutrina tem passa-
na? Será que precisamos dispensá-la? Devemos enter-
do por momentos difíceis. Há nada menos do que uma
rar nossos catecismos e comentários e procurar outros
revolução acontecendo em termos de como a doutrina
meios para sermos uma igreja? Deveríamos, como a
é vista e apreciada na Igreja contemporânea. Não es-
Igreja Emergente, tentar uma abordagem radicalmente
tou falando de apenas certas doutrinas. Houve um tem-
diferente? Ao invés de edifícios de Igreja devemos nos
po quando pessoas negariam uma doutrina particular,
mudar para espaços nos shoppings e galpões? Deve-
tais como expiação limitada, a imputação do pecado
mos remover o rótulo “igreja” de nossas placas, e nos
de Adão, ou a infalibilidade das Escrituras. Isso, claro,
congratular em desprezar as algemas de nossas mentes
acontece ainda hoje. Mas, progressivamente, nos é dito
restritas?
que a própria doutrina é o problema.
Doutrina está Fora → Pessoas de todos os tipos de
Reinventando a Igreja → Meses atrás, numa placa em frente a uma igreja próxima, lia-se: “Venha, vamos
linhas denominacionais denigrem e descartam a dou-
reinventar a igreja juntos”. Algum tempo depois obser-
trina. Eles nos falam que a doutrina pertence a uma
vei que a antiga placa identificando a denominação da
era diferente. As batalhas doutrinárias são coisas do
igreja desapareceu. Ao invés disso havia uma placa de
passado, dizem. Os dias em que as pessoas memoriza-
neon luminoso com apenas o nome da cidade e a pala-
vam, pregavam e promoviam a doutrina são agora coisa
vra “Primeira” atrás dela. Não havia nenhuma referên-
do passado. Afirmando de modo simples: A doutrina
cia a uma denominação, a uma convicção ou qualquer
está fora. Sermões de três pontos estão fora de moda.
coisa do tipo. Até a palavra “Igreja” desapareceu. Ha-
A verdade é entediante.
via apenas uma placa luminosa com um nome vazio,
Na verdade, os “experts” nos dizem que a razão da Igreja estar perdendo para nossa cultura é porque está
erigida como monumento aos esforços humanos por reinventarem a igreja.
focada demais em conceitos abstratos, tais como peca-
Juntamente com a reinvenção da igreja, claro, vem
do, salvação e algo do tipo. Acadêmicos nos dizem: “A
a reinvenção dos ofícios, dos sermões, e de tudo o que
doutrina tem sido a preocupação do mundo ocidental,
a Igreja significa. O que então é deixado para a Igreja
isto é, Europa e América do Norte. As barreiras entre
pregar ou ensinar, uma vez que a doutrina tem sido
leste e oeste entraram em colapso. Simplesmente não
lançada fora?
podemos usar meios ocidentais de pensar e falar. Precisamos adaptar e ajustar. Nossa cultura tem desistido
Teologia Narrativa → Quando eu estava na universi-
da verdade absoluta e se queremos alcançá-la então
dade e no seminário, a mim foram ensinadas coisas que
devemos alcançá-la”. Certa pessoa escreveu: “A doutrina
nunca imaginei que teriam um impacto sobre a Igreja
tem a ver com abstrações, conceitualizações, ideias teó-
em tão larga proporção. Mas, uma lição eu aprendi nos
Revista Os Puritanos 2•2010
29
Gerald M. Bilkes
últimos dez anos, que aquilo que é en-
trina para a narrativa. Um acadêmico
eclesiástica com um apelo à razão do
sinado nas universidade e seminários
da Universidade de Yale, Hans Frei, es-
homem. Os reformadores desfiaram as
em um ano, infiltra-se na Igreja dentro
creveu The Eclipse of Biblical Narrati-
mesmas coisas com o apelo pela verda-
de uma década. Quando estava na Uni-
ve (O Eclipse da Narrativa Bíblica). Frei
de baseada na Bíblia. A verdade era a
versidade, foi-me apresentado a Nova
argumentou que os teólogos dos dois
paixão deles. Consequentemente, eles
Perspectiva de Paulo e agora nós a en-
últimos séculos tinham minimizado as
com frequência argumentariam contra
contramos em todo lugar. No seminário
narrativas da Bíblia e perderam o re-
os autores renascentistas e Católico-
tive que aprender algo chamado Teolo-
alismo em favor do abstrato. Embora
Romanos.
gia Narrativa e agora também é uma
certos ângulos da discussão de Frei se-
Toda reforma tem sido basea-
palavra da moda na Igreja. Na semana
jam úteis, mesmo assim têm levantado
da e conduzida pela Palavra. Todo
passada falei com alguém que estava
uma completa mudança que não tem
reformador verdadeiro tem declarado
aprendendo tudo sobre Teologia Nar-
restaurado um equilíbrio apropriado,
a Palavra de Deus não importando as
rativa e sua importância nas classes de
mas abalado a doutrina como um todo.
humilhantes sutilezas políticas exigi-
catecúmenos de uma igreja local.
Agora temos uma situação em que a
das. Cada reforma tem feito afirma-
doutrina é que está eclipsada, não a
ções verdadeiras baseadas na Palavra
A Teologia Narrativa enfatiza o uso de histórias como contrárias às pro-
narrativa.
posições (orações de verdade). Propo-
revelada de Deus. Reformadores bíblicos como Elias e Josias não precisaram
sições são consideradas coisas abstra- “A Falha dos Puritanos” → Num livro
inventar novos métodos. Nem Calvino
tas ,carentes de inspiração e de algo
bem recente intitulado Telling God’s
ou Lutero precisaram deles. Eles ape-
concreto. De acordo com alguns, as
Story (Contando a História de Deus),
nas resgataram o que era antigo. E as-
proposições traem a mentalidade mo-
John Wright coloca a culpa sobre os
sim tem sido com a igreja Reformada
derna e ocidental que premia exatidão
Puritanos e seus herdeiros “como
desde então. Ela tem sido forte a ponto
e “verdade”. A Teologia Narrativa pensa
Edwards e Whitefield” pelos problemas
de proclamar a verdade escriturística
que isto é artificial e restritivo. Fala-nos
que a igreja Norte-Americana moderna
como a verdade de Deus para o homem
que precisamos abraçar a cor de muitas
está enfrentando. O esquema deles do
em qualquer lugar ou tempo. E a igre-
perspectivas, a ambiguidade e o místico
evangelho, que Wright denomina de
ja da Reforma não deveria abandonar
da história, e os efeitos que a narrativa
“pecado-salvação-culto”, é responsável
esta política espiritual, certamente
pode produzir. A Teologia Narrativa é fa avorita
por tornar a Igreja fechada em si mes-
não nesta conjuntura.
ma. Por causa desta abordagem abs-
das pessoas que se chamam “pós-
trata, a Igreja perdeu seu impacto no
A Alma da Doutrina → A pregação
-modernas”. Elas creem que o tempo
mundo. Wright quer fazer mudanças, e
reformada é a pregação da doutrina
chegou para sacudir o que restringe
ele crê que se recapturarmos a história
bíblica, a doutrina das Escrituras, todo
a verdade que foi “colocada em uma
de Deus e contarmos bem, poderemos
conselho de Deus. Doutrina é simples-
caixa”, usando as palavras deles. Pelo
criar uma comunidade nova que en-
mente outra palavra para ensinamento,
contrário, elas crêem que há tantos ân-
frentará e desafiará a cultura.
ou instrução. Se o ministro reformado
gulos da verdade quanto há de pessoas.
Muitos na Igreja Emergente estão
não pode pregar doutrina, ele não tem
Como você pode imaginar, existe pouco
dizendo a mesma coisa. Estão exigindo
nada para pregar. Paulo descreve isto da
espaço para a doutrina quando tudo é
ver a doutrina destronada e a narrativa
seguinte forma: “Apega-te à palavra fiel
deixado para nossas opiniões.
coroada. Em suas mentes, a narrativa
que é segundo a doutrina, de modo que
tem todas as marcas para ser uma nova
tenha poder, assim para exortar pelo
O Eclipse da Doutrina → Quando a
campeã capaz de “ganhar o dia” e ven-
reto ensino como para convencer os que
lua passa entre a terra e o sol, nós não
cer a cansativa doutrina e uma geração
a contradizem” (Tito 1:9). Paulo respon-
podemos mais ver o sol como normal-
que abandonou a Igreja.
sabiliza Tito para falar “o que convém
A Relevância da Reforma → Não
delo para os reformadores. Na verdade,
mente o vemos. Chamamos a isso de eclipse solar. Muitos hoje têm feito um
à sã doutrina” (Tito 2:1). Isto era o mo-
eclipse da doutrina ao exaltar a lingua-
cesso de ficar maravilhado com a rele-
Calvino diz que o pregador reformado
gem e a narrativa.
vância da Reforma em nossos dias. A
deve, ao interpretar, não apenas ficar
Em 1974 foi escrito um livro que
Renascença estava desafiando a auto-
na superfície, mas “chegar na alma da
tem ajudado a mudar o foco da dou-
ridade do papado e o peso da tradição
doutrina”.
30
Revista Os Puritanos 2•2010
O Eclipse da Doutrina
O Conforto da Doutrina → Em um
na deveria “trazer às pessoas conforto
reformado será relegado à inverdade e
excelente artigo sobre a pregação de
real”. Apenas abraçando a doutrina das
à inutilidade. Paulo nos adverte sobre
Ursinus, o Professor Willem van‘t Spi-
Escrituras poder-se-ia oferecer confor-
nossas pressões atuais: “Pois haverá
jker (CGK, Apeldoorn, Holanda) chama
to real. Apenas o evangelho pode verda-
tempo em que não suportarão a sã
a atenção para o fato de que a pregação
deiramente confortar, pois vem de Deus
doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão
de Ursinus era de natureza doutriná-
e não do homem. Exalta a Deus e não ao
de mestres, segundo as suas próprias
ria: “Quando o jovem Ursinus começou
homem. Esta é a doutrina da Escritura
cobiças, como que sentindo coceira nos
a pregar em Breslau, ele foi convenci-
que a pregação deve abraçar.
ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos
do deste conceito: o conteúdo da pro-
à verdade, entregando-se às fábulas”
clamação é a doutrina cristã, que por
Doutrina ou Fábulas? → A fé cristã
(2 Tm 4:3-4). O homem faz eclipsar a
meio de uma sinopse da religião deve
não é simplesmente contar histórias
doutrina de Deus com as fábulas dos homens.
ser plantada no coração. Este é o nível
para inspirar e unir, apesar de ser o
mais profundo da obra de Deus. Mas
que muitos pedem hoje. Nossa socie-
Que Deus possa nos livrar desse
para alcançar isto Ele usa o ministério
dade tem em suas prateleiras “sopa de
eclipse. Que os raios das doutrinas, que
da pregação”.
canja para a alma”, mas no final é dar ao
são de acordo com a piedade, possam
O próprio Ursinus caracterizou o
povo um tiro no braço e um enlevo emo-
levantar-se e começar a banir nossas
método que ele adotou aos seus alunos
cional, nada mais. O evangelho de Deus,
trevas auto-induzidas como nos dias
para a pregação como “exposição escri-
por outro lado, é a doutrina de Deus
turística com a visão de estabelecer a
que leva à salvação. O homem natural a
da Reforma. Então será novamente ex tenebris lux: “Depois das trevas ― luz”.
doutrina verdadeira”. É claro, como co-
tem sempre desprezado. E tem mais ou
nhecemos bem do Catecismo de Heidel-
menos meios fantasiosos para tornar
berg, Ursinus não estava preocupado
invisível este desdém. Se abandonar-
“com a doutrina pela doutrina”. A doutri-
mos a doutrina na pregação, o púlpito
Dr. Gerald M. Bilkes é Professor do Velho e Novo Testamentos no Puritan Reformed Theological Seminary e Pastor da Free Reformed Church de Grand Rapids, Michigan - USA
Cultivando a Santidade “A melhor maneira de nos prepararmos para o amanhã é buscarmos o reino de Deus e a sua justiça no dia de hoje” (John Blanchard). “Quando Deus declara um homem justo, Ele imediatamente começa a santificá-lo” (A. W. Tozer). “A santidade não é mais pela fé sem esforço do que é pelo esforço sem a fé” (James I. Packer) “Irmãos, nós podemos ser muito mais santos do que somos. Alcancemos primeiro aquela santidade acerca da qual não há disputa”. (Charles H. Spurgeon). O fazendeiro piedoso que ara o seu campo, sabe com certeza que, em última análise, ele depende completamente de forças que estão fora de si para obter uma boa colheita. Ele sabe que não pode fazer a semente germinar, a chuva cair e o sol brilhar. No entanto, ele prossegue com diligência em sua tarefa, olhando para Deus em busca de benção e sabendo que se Ele não fertilizar e cultivar a semente que foi semeada, sua colheita será, no mínimo, pobre. De forma semelhante, a vida cristã deve ser como um jardim cultivado, de modo a produzir os frutos de uma vida santa para Deus. “A teologia”, escreveu William Ames nas palavras iniciais de seu clássico “The manow of theology” (O âmago da Teologia), “é a doutrina ou o ensino concernente à vida para Deus”.1 O próprio Deus exorta seus filhos: “Sede santos porque Eu sou Santo” (I Pe. l.l6).2 Paulo instrui aos Tessalonicenses: “Porquanto Deus não nos chamou para a impureza, e, sim, em santificação” (I Tessalonicenses 4.7). O autor de Hebreus escreve: “Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb. l2.l4). O crente que não cultivar de forma diligente a santidade, não está nem seguro, de maneira genuína, de sua salvação e tampouco estará obedecendo ao chamado de Pedro para buscá-la (II Pe. l.l0). Dr. Joel Beeke. Trecho do livro “Cultivando a Santidade”, Ed. Os Puritanos, p.25.
Revista Os Puritanos 2•2010
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Tiago e Paulo sobre a Justificação
“Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei.”
David N. Steele & Curtis C. Thomas
A
vemos dar razão a Tiago e rejeitar Paulo, ou o inverso? Ou podem ser reconciliadas ambas as declarações?
través da história da Igreja houve dois pontos de
O propósito deste apêndice é mostrar que este
vista opostos quanto ao modo em que os pecado-
conflito é apenas aparente e não real. Quando os dois
res são justificados, isto é, como são feitos justos
versículos (Rm 3:28 e Tg 2:24) são lidos em seu próprio
diante de Deus e, portanto, declarados aceitos por Ele.
significado, de fato, apresentam-se como complemen-
Um dos pontos de vista ensina que a justificação é
to um do outro, em lugar de contradizer-se. Ambas as
pela fé somente, sem as obras da lei. Os pecadores são
declarações são corretas quando compreendidas no
declarados justos e, portanto, justificados, somente em
sentido em que os seus autores desejaram que fossem
relação com a justiça de Cristo, a qual lhes é imputada
entendidas. O pecador é justificado pela fé, sem as obras
no momento em que crêem nele. A salvação é pela graça,
da lei, como Paulo afirma e, todavia, o pecador salvo é
mediante a fé, e em nenhum sentido pode ser o resultado
justificado pelas obras, e não pela fé somente, como
ou depender das boas obras do pecador. Os atos de obe-
disse Tiago. Para compreendermos como isto pode ser
diência pessoais não garantem, nem acrescentam nada
possível, devemos examinar os dois versículos em seu
à justificação, pois esta se baseia unicamente na justiça
contexto.
que Deus outorga livremente a todo aquele que crê.
O propósito de Paulo em Rm 3:9-5:21 é mostrar
O outro ponto de vista ensina que os pecadores, para
que o pecador culpado, que não possui justiça própria,
serem justificados, devem fazer algo mais do que crer
todavia, pode obtê-la por meio da fé, em Jesus Cristo.
em Cristo, devem prestar obediência pessoal a lei de
No momento em que o pecador crê, lhe é outorgado
Deus. Assim, é declarado que a justificação é pela fé
a justiça de Cristo, e conseqüentemente, é declarado
mais as obras. O pecador se faz aceito por Deus sobre
justo (é justificado) por Deus. A base da justificação do
a base de que o que ele crê equivale ao que ele faz, e
pecador diante de Deus é a justiça de Cristo que lhe é
não sobre a única base do que Cristo fez em seu favor.
imputada, e o meio pelo qual esta justiça é recebida, é a
Unicamente pode beneficiar-se da obra salvadora de
fé somente. O ponto que Paulo deseja estabelecer é que
Cristo crendo no Evangelho e obedecendo a lei de Cristo.
os pecadores são aceitos por Deus, pela fé em Cristo, a
Um sem o outro não vale para fazer o pecador aceito por
parte de todo mérito pessoal. As obras do homem não
Deus. Deus requer ambas as coisas, fé e obra, daquele
têm nada a ver com a sua justificação diante de Deus.
a quem justifica.
É neste contexto que o apóstolo declara: “concluímos,
Os advogados destas duas escolas de pensamento apelam para as Escrituras para sustentar os seus pontos
pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei” (Rm 3:28).
de vista. Os primeiros fazem suas as palavras de Paulo,
O objetivo de Tiago é completamente diferente. O
em Rm 3:28, como exposição de sua opinião: “conclu-
propósito de sua carta é mostrar como deve viver o
ímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as
cristão diante dos homens. Deve ser praticante da Pa-
obras da lei.” Os segundos citam as palavras de Tiago
lavra, e não apenas ouvinte, para que não engane a si
como prova de sua doutrina da justificação pela fé mais
mesmo (1:22-25). Este é o tema que é enfatizado no
as obras: “verificais que uma pessoa é justificada por
decorrer de toda a epístola. Em 2:14-26, Tiago demons-
obras e não por fé somente” (Tg 2:24). À primeira vista
tra que a fé que não produz obras é morta e não pode
estas duas declarações parecem ser contraditórias. De-
salvar. Ninguém pode pretender que tem fé se ela não
32
Revista Os Puritanos 2•2010
Tiago e Paulo sobre a Justificação
pode ser provada com evidências. Em
que justifica, mas a fé que justifica nun-
é a aceitação original ou primária do
2:14 pergunta: “de que aproveitará se
ca pode vir só.” Paulo se ocupa com
crente por parte de Deus, mas a subse-
alguém disser que tem fé, e não tem
a primeira destas duas idéias em Rm
qüente reivindicação de sua profissão
obras? Poderá semelhante fé salva-
3:28, enquanto Tiago da segunda, em
de fé por seu modo de viver. Assim pois,
lo?” A resposta, naturalmente, é não!
2:24, mas uma não contradiz a outra.
não é em conceito, mas na conclusão
1
Observe a afirmação que Tiago faz em
J.I. Packer acerca dos vários usos bí-
2:18: “mostra-me a tua fé sem obras, e
blicos da palavra “justificar” disse que
eu te mostrarei a minha fé por meio das
“em Tiago 2:21, 24-25 faz referência a
minhas obras”. Ele deseja que os seus
prova da aceitação do homem por parte
leitores vejam que uma fé não pode ser
de Deus, a qual é outorgada quando as
justificada (provar a sua genuinidade
suas ações mostram que leva a classe
por seus frutos) ante os homens, é falsa,
de vida que resulta da fé que opera, a
não podendo ser real; é uma mera pro-
qual Deus imputa justiça.”
fissão sem valor algum. É neste contex-
“A declaração de Tiago de que o cris-
to que a declaração de Tiago se refere
tão, que semelhante a Abraão, que foi
à necessidade das obras em relação à
justificado pelas obras (vs. 24), não é
justificação. “Verificais que uma pessoa
contrária a insistência de Paulo de que
é justificada por obras e não por fé so-
o cristão, e que semelhante a Abraão,
mente” (2:24). Está falando de um Cris-
é justificado pela fé (Rm 3:28; 4:1-5),
tianismo justificado diante dos homens
mas que se complementa. O mesmo
por meio de suas obras, enquanto Paulo
Tiago cita Gênesis 15:6 exatamente
em Rm 3:28 se refere ao pecador que
com o mesmo propósito que o faz Pau-
é justificado diante de Deus aparte de
lo: mostrar que foi a fé que fez Abraão
suas obras. Calvino expressou ambas as
justo (vs. 23; cf. Rm 4:3ss., e Gl 3:6ss.).
idéias quando escreveu: “é a fé somente
A justificação que concerne a Tiago não
que Tiago difere de Paulo.”2
1 Bispo Moule, The Epistle of Paul to the Romans, p. 137. 2 Packer, “Just, Justify, Justification”, Baker’s Dictionary of Theology, p. 304. Bibliografia sobre a Justificação Berkhof, L., Teologia Sistemática, Editora Cultura Cristã, 2004. Berkouwer, G.C., Faith & Justification, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1954. Buchanan, J., The Doctrine of Justification, Grand Rapids, Baker, 1955. Calvin, John, Institutes of the Christian Religion, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1953. Cunningham, Wm., Historical Theology, London, The Banner of Truth, 1960. Hodge, Charles, Systematic Theology, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1952. Morris, Leon, The Apostolic Preaching of the Cross, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1956. Owen, John, The Doctrine of Justification by Faith, Evansville, Sovereign Grace Publishers, 1959. Packer, J.I., “Just, Justify, Justification”, Baker’s Dictionary of Theology, Grand Rapids, Baker House, 1960. Packer, J.I., “Justification”, The New Bible Dcitionary, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1962. Extraído de Romanos un Bosquejo Explicativo, TELL, 1967, pp. 163-166. Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
Confissão de Fé Belga Artigo 27 → A Igreja Católica ou Universal Cremos e confessamos uma só igreja católica ou universal1. Ela é uma santa congregação e assembleia2 dos verdadeiros crentes em Cristo, que esperam toda a sua salvação de Jesus Cristo3, lavados pelo sangue dEle, santificados e selados pelo Espírito Santo4. Esta igreja existe desde o princípio do mundo e existirá até o fim. Pois, Cristo é um Rei eterno, que não pode estar sem súditos5. Esta santa igreja é mantida por Deus contra o furor do mundo inteiro6, mesmo que ela, às vezes, por algum tempo, seja muito pequena e na opinião dos homens, quase desaparecida7. Assim, Deus guardou para si, na perigosa época de Acabe, sete mil homens, que não tinham dobrado os joelhos a Baal8. Esta santa igreja também não está situada, fixada ou limitada em certo lugar, ou ligada a certas pessoas, mas ela está espalhada e dispersa pelo mundo inteiro9. Contudo, está integrada e unida, de coração e vontade, no mesmo Espírito, pelo poder da fé10. 1. Gn 22:18; Is 49:6; Ef 2:17-19. ; 2. Sl 111:1; Jo 10:14,16; Ef 4:3-6; Hb 12:22,23; 3. Jl 2: 32; At 2:21; 4. Ef 1:13; Ef 4:30; 5. 2Sm 7:16; Sl 89:36; Sl 110:4; Mt 28:18,20; Lc 1:32; 6. Sl 46:5; Mt 16:18; 7. Is 1:9; 1Pe 3:20; Ap 11:7; 8. 1Rs 19:18; Rm 11:4; 9. Mt 23:8; Jo 4:21-23; Rm 10:12,13; 10. Sl 119:63; At 4:32; Ef 4:4.
Revista Os Puritanos 2•2010
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Um Chamado para uma Volta aos Atributos de Deus
“A quem me comparareis para que eu lhe seja igual? Diz o Santo” (Is. 40:25)
Dr. Joel Beeke
I
A centralidade dos atributos de Deus também é confirmada pela história das igreja. Um exemplo é o
saías capítulo 40 é um grande capítulo da Bíblia que
suficiente. Citando o Breve Catecismo de Westminster,
inicia uma longa sessão dentro do livro de Isaías de
escrito no final dos anos 1640 para que crianças o me-
alguns dos mais confortadores versículos e capítu-
morizassem, o grande teólogo de Princeton, Charles
los nas Escrituras. Mas Isaías capítulo 40 vai muito
Hodge, escreveu: “Provavelmente a melhor definição de
além de confortar o povo de Deus, tão tentado. Este
Deus escrita por homens é a que segue: Deus é espírito,
capítulo também coloca o que foi chamado de “o mais
infinito, eterno e imutável em Seu ser, sabedoria, poder,
elevado exemplo na Escrituras de um estudo dos atri-
santidade, justiça, bondade e verdade”.
butos de Deus”. Por atributos de Deus nos referimos
A experiência pessoal dos cristãos também ressalta
a traços ou qualidades que pertencem unicamente a
a necessidade de ser intimamente conhecido por Deus
Deus. Os versículos 12-20 de Isaías 40 são um hino da
e conhecer Seus atributos. Os crentes sempre foram
criação exaltando o poder de Deus. O versículo 12 pro-
profundamente impressionados com quem Deus é em
clama a Sua onipotência — que Ele é Todo-Poderoso;
seus atributos, até um grau paralelo ao conhecimento
o versículo 13, Sua onisciência — que Ele sabe tudo;
que têm dEle em Cristo. Daniel 11:32 nos instrui “mas
versículo 14, Sua independência — que Ele não precisa
o povo que conhece o Seu Deus se tornará forte e ativo”.
de ninguém mais fora dEle mesmo. Estes e muitos ou-
Deste modo as Escrituras, a história da igreja, e a
tros atributos de Deus estão apropriadamente sumaria-
experiência da graça tornam uma coisa clara: quão mais
dos no versículo 25, “A quem, pois, me comparareis...”.
perto um cristão está de Deus, tanto mais consciente ele
Os atributos de Deus nos ensinam que Deus não tem
estará dos atributos de Deus. Os nossos antepassados
equivalentes. Ninguém é comparável a Ele. Isaías conti-
protestantes eram tão conscientes da doutrina dos atri-
nua no restante do capítulo 40 a nos contar que Deus é
butos divinos, que eles desenvolveram vários sinônimos
muito maior do que a Sua própria criação (vers. 26). Sua
para a palavra Atributos; palavras tais como: perfeições,
energia não pode ser esgotada (vers.28). Só Ele é Deus.
virtudes, qualidades e propriedades. Divisões eram fei-
A Bíblia fala de um ou mais atributos de Deus quase
tas de uma forma até artificial, dentro dos atributos de
em toda página. O número é tão admirável, que é difícil
Deus na tentativa de expô-los — a divisão mais comum
calcular quantas mil vezes a Bíblia fala dos atributos
continua sendo a de comunicáveis e incomunicáveis. Co-
de Deus. Está mais do que claro que o fundamento de
municáveis derivando de “possível de ser comunicado”,
todo verdadeiro conhecimento de Deus deve ser uma
quer dizer que ao menos um traço destes atributos é
apreensão clara dos Seus atributos revelados nas San-
capaz de ser comunicado às pessoas. Incomunicáveis
tas Escrituras. Um Deus desconhecido não pode nem
derivando de “incapaz de ser comunicado”, indica que
ser adorado e nem merecer confiança. O próprio Deis
nada destes atributos pode ser comunicado às pessoas.
nos adverte, “Assim diz o senhor: Não se glorie o sábio
É óbvio que a ênfase nos atributos de Deis entre
na sua sabedoria e nem o forte na sua força, nem o
os cristãos de gerações passados era mais pesada do
rico nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se
que se vê hoje em geral na igreja cristã. Mas por quê?
nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor, e
Por que há uma tão grande baixa nos atributos de
faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas
Deus — não só no mundo, mas também na igreja? Por
coisas me agrado, diz o senhor” (Jer.9:23-24).
que há tão pouca percepção de que vir a conhecer os
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Revista Os Puritanos 2•2010
Um Chamado para uma Volta aos Atributos de Deus
atributos de Deus através da experiên-
Deixe-me ilustrar. A brancura de um
com Isaías, “A quem me comparareis,
cia pessoal é parte essencial da vida
diamante parece brilhar mais intensa-
ou serei igual? Diz o santo”. Para nós, os
cristã?
mente contra um pano de fundo escu-
atributos de Deus são numerosos, mas
As respostas poderiam ser muitas:
ro do joalheiro. Semelhantemente, os
isto é apenas porque Deus os fragmen-
a escuridão espiritual do nosso tempo;
“atributos-diamante” de Deus e nossa
tou, como tal, para revelá-los em partes
nossa mente terrena; a influência pre-
negritude inerente reforçam um ao ou-
para acomodá-los à nossa frágil capaci-
sente do humanismo; a falta de expe-
tro pelo seu contraste. O pecado se tor-
dade de compreensão humana.
riência pessoal da graça salvadora em
na excessivamente pecaminoso quando
Os atributos de Deus são como a luz
comparação com gerações anteriores.
o Espírito Santo nos ensina a vermos a
brilhando através de um prisma. Antes
Certamente todas estas respostas
nós mesmo no contexto da santidade de
de alcançar o prisma, eles são um puro
são verdadeiras. Mas eu gostaria de ir
Deus. Diante da pura luz da santidade
facho de luz branca, mas através do pris-
um pouco mais fundo do que isso. Eu
de Deus, nosso coração se torna inesca-
ma da revelação, Deus torna Seus atribu-
gostaria de focalizar no porque da pou-
pavelmente negro. E esta santidade de
tos conhecidos a nós numa disposição/
ca percepção dos atributos de Deus en-
Deus permeia todos os Seus atributos.
coleção de cores diversas. A fé capta esta
tre os verdadeiros cristãos, a fim de soar
Portanto, o antigo provérbio contem
harmonia em Deus com adoração reve-
um chamado para fazê-los retornar ao
muito de verdade: “Se conhecesse a si
rente e anseia por conhecer os atributos
foco bíblico dos atributos de Deus.
mesmo, conheceria a Deus; se você co-
de Deus ainda mais integralmente.
Além das razões citadas, eu creio
nhecesse a Deus, conheceria a si mesmo.”
b) Uma segunda causa da ignorância
que há um número de razões maiores,
2) Segundo, a ignorância tem um pa-
é que os Cristãos tendem a relaxar na
apesar de mais sutis, porque a doutrina
pel fundamental em pelo menos três mo-
busca de um conhecimento crescente
dos atributos de Deus está sendo rele-
dos da falta de ênfase que a igreja con-
de Deus e de seus atributos por meio
gada a um papel menor por cristãos
temporânea dá nos atributos de Deus.
genuínos. Deixe-me mencionar quatro das razões mais proeminentes.
de um uso diligente dos meios da graça
a) Uma causa de ignorância é que
(Ef.4:15; I Pe. 2:2; II Pe 3: 18). Um en-
muito poucos crentes possuem ao me-
contro inicial com a santidade de Deus,
1) Primeiro, há uma séria falta de
nos um entendimento básico da doutri-
Sua justiça e soberania, que por fim leva
auto-conhecimento hoje em dia nas
na dos atributos de Deus. Quão poucos
a experimentar a graça indescritível de
igrejas de Jesus Cristo. Quanto mais
percebem que os atributos de Deus são
Deus e misericórdia em Jesus impressa
conhecermos a nós mesmos e nossa
muito mais do que os nossos atributos
para sempre na alma de cada crente
pobreza, tanto mais nos tornaremos
— pois que os nossos atributos nos CA-
num maior ou menor grau. Mas este
pessoalmente familiarizados com os
RACTERIZAM, porém os atributos de
é apenas o começo do crescimento no
ricos atributos de Deus. Jó detestava
Deus SÃO Deus! Deus é Justiça, Amor,
conhecimento dos atributos de Deus.
a si mesmo em pó e cinzas, como ele
Retidão, Verdade, Soberania — com le-
O avanço em conhecer os atribu-
jamais o havia feito antes, quando ele
tra maiúscula. De fato, o Seu amor é a
tos de Deus em cristo é a melhor par-
viu a Deus (42: 5-6). Isaías exclamou,
Sua Justiça; Sua Justiça, Seu Amor. Nele
te da vida contínua de conversão e
“Ai de mim, estou perdido”, quando viu
todos os Seus atributos não apenas são
santificação do cristão. Por exemplo,
a santidade de Deus (cap. 6).
um, mas também o permeiam cem por
é a contínua experiência da paciência
É contraditório que tantos falem de
cento. Cada atributo é infinito (isto é,
de Deus que nos dá coragem para nos
auto-conhecimento hoje em dia sem
sem limitação) em Deus. Deus é tanto
voltarmos repetidamente a oração, ape-
terem muito conhecimento de Deus
todo-justiça como todo-amor. Os atri-
sar de sermos filhos cambaleantes que
em Sua santidade, justiça, soberania,
butos de Deus não são acrescentados
parecem nunca aprender a lição. É a
misericórdia e graça. Conhecimento
ao seu ser, porém cada atributo é o Ser
contínua experiência da graça de Deus
de Deus e de si mesmo são paralelos,
de Deus. Em Jesus Cristo, que é a ima-
que nos ensina que a graça é tudo para
como Calvino apontou tão bem nas
gem expressa de Deus, o próprio cora-
nós e faz tudo que é essencial para a
suas Institutas da Religião Cristã. Nas
ção de Deus é completamente expresso
nossa salvação fora de nós e dentro de
páginas iniciais das Institutas, Calvino
em cada atributo.
nós. É a contínua experiência da sobe-
luta com a questão de qual tipo de co-
Esta doutrina, de que os atributos
rania de Deus que tanto nos ensina de
nhecimento vem primeiro, e conclui
de Deus são o próprio Deus, vai muito
que todo nosso louvor deve culminar
que conhecimento de Deus e de si são
além da nossa compreensão; no entan-
em Deus somente. É a contínua experi-
experimentados simultaneamente.
to, cremos nela pela fé, confessando
ência do seu amor que aumenta nosso
Revista Os Puritanos 2•2010
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Joel Beeke
amor por Ele em troca. É a contínua
sincera do coração, em Deus” (Pergun-
experiência da Sua verdade que efetua
tas 89-90). Do início ao fim, verdadeira
dentro de nós aquele naturalmente es-
conversão sempre tem a ver com Deus e
tranho desejo de ser honesto conosco e com outros na Sua santa presença. É a contínua experiência da Sua santidade e misericórdia que nos assiste ao nos achegarmos a Ele de maneira equilibrada com uma confiança reverente e uma familiaridade infantil. Em resumo,
“A quem, pois, me comparareis para que eu lhe seja igual? — diz o Santo” (Is.40:25)
a experiência contínua dos Seus atribu-
Seus atributos. É Ele “... a quem temos de prestar contas” (Heb.4:13). 4) Quarto, nós injuriamos um conhecimento espiritual dos atributos de Deus quando terminamos na nossa própria experiência dos Seus atributos, ao invés dos atributos propriamente ditos. Se estivermos mais interessados em expe-
tos é valorosa para manter o sucinto
riência pela mera experiência, podemos
sumário de João Batista, da santificação
de jogar consciência e circunstâncias
ficar certos de que receberemos pouca
progressiva: “Convém que Ele cresça e
de acordo com nossos desejos, ao invés
experiência, e ainda menos de Deus.
que eu diminua” (João 3:30).
de uma vida tridimensional que envol-
c) Uma terceira causa da ignorância para alguns cristãos é de caírem como
A verdadeira experiência jamais é um
ve Deus e Sua vontade assim como nós
fim nela mesma, mas, ela chama a igreja
mesmos e nossas circunstâncias.
vivente a atingir seu clímax no Deus tri-
presas na sugestão de Satanás de que
Infelizmente, Deus é a dimensão
úno e em seus atributos incomparáveis.
os atributos de Deus não são conforta-
mais facilmente deixada de fora — mes-
Quando a experiência é corretamente
dores, mas sim ameaçadores. Em Cris-
mo depois de termos nascido de novo.
usada, ela olha mais para frente do que
to, a soberania predestinadora de Deus,
Não teve Ele que reclamar de Israel,
para trás. Como Paulo, o verdadeiro
santidade graciosa, e justiça majestosa
“Vocês esqueceram de mim por inúme-
crente não considera a si mesmo como
— longe de serem ameaçadoras — são
ros dias”? O poder e a beleza de uma
tendo aprendido via experiência; ele está
nossas mais profundas bases de força
contínua consciência dos atributos de
perfeitamente consciente do fato de que
e refúgio, pois não podemos achar tais
Deus é simplesmente esta: ela serva
há muito mais para ele experimentar
bases dentro de nós mesmos. Quando
para manter o Deus Trino na diantei-
tanto de Deus como dele. Por esta razão
nos tornamos acuradamente conscien-
ra em nossas vidas. Ela nos mantém
sua confissão continua como a do após-
tes da surpreendente pobreza de nos-
vivendo na extremidade crescente da
tolo, “Irmãos, quanto a mim, não julgo
sos melhores exercícios religiosos, para
comunhão espiritual com Ele, e serve
havê-lo alcançado; mas uma coisa faço:
onde fugiremos senão para a soberania
como prevenção da sequidão de viver
esquecendo-me das coisas que para trás
de Deus em Cristo? Quisera Deus que
de qualquer forma fora dEle.
ficam e avançando para as que diante de
fôssemos mais familiarizados com a
A superficialidade do viver bidimen-
mim estão, prossigo para o alvo, para o
confissão de Paulo nesta consideração:
sional (impiedade) contrasta fortemente
prêmio da soberana vocação de Deus em
“Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o
com a riqueza e profundidade do viver
cristo Jesus” (Fl. 3: 13-14).
qual se nos tornou da parte de Deus
tridimensional (piedade). Realidade vi-
Conclamemos a nós mesmos e uns
sabedoria, e justiça, e santificação, e
vida com profundidade é sempre vivida
aos outros para retornarmos a uma ên-
redenção” (I Co. 1:30)!
na presença de Deus. Arrependimento
fase escriturística, doutrinária e experi-
3) Terceiro, a doutrina dos atribu-
sem Deus é mera convicção comum de
mental dos atributos de Deus. O Deus
tos de Deus sofre baixa em nossos dias
consciência. Libertação sem Deus é mera
vivente é mais que digno de ser conhe-
porque verdadeiros crentes tendem a
imaginação. Gratidão sem Deus é mera
cido e amado com o coração, a mente e
se acomodar com muito pouco e com
mudança de humor, atitudes externas,
a força. Ele é nosso inigualável Deus e
muita facilidade em suas vidas e expe-
ou circunstâncias. De fato, é este elemen-
salvador: “A quem, pois, me comparareis
riências cristãs. Nós tendemos a cair
to de “consciência de Deus” que é a pró-
para que eu lhe seja igual? — diz o Santo”
como presas no espírito da nossa época
pria base da conversão. É por isso que o
(Is.40:25). O fruto de um tal retorno aos
que substitui excelência por mediocri-
catecismo de Heidelberg define mortifi-
atributos de Deus colherá grandes pen-
dade, qualidade por velocidade, miolo
cação do velho homem como um “pesar
samentos de Deus, grande confiança em
por casca, profundidade por superficia-
sincero do coração, de que provocamos a
Deus e grande contentamento em Deus.
lidade. Somos tentados a voltar ao que
Deus com os nossos pecados” e o desper-
eu chamo de uma vida bidimensional
tar do novo homem como “uma alegria
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Fonte: “The Gospel Trumpet Broadcast”
Revista Os Puritanos 2•2010
Em que os Alcunhados Neopuritanos1 São Semelhantes aos Puritanos? 1. Em nada. 2. Os puritanos eram profundamente conhecedores e praticantes das Escrituras, os neopuritanos apenas sonham com isso e ainda têm muito a percorrer até que isso aconteça. 3. Os Puritanos eram gigantes da piedade, os neopuritanos são pigmeus, não sabem bem como torná‑la experimental, mas anseiam por isso. 4. Os Puritanos amavam e zelosamente santificavam o dia do Senhor como os Presbiterianos do passado também o faziam. Neste ponto os neopuritanos, se opondo e enfrentando a “neo-hermenêutica” contemporânea, lutam quase que desesperadamente para estabelecer esta disciplina de vida pessoal e da sua família, por considerar, como os Puritanos, que este é o único dia santo a ser guardado de forma deleitosa como um santo descanso e guardando-se não somente de tudo quanto é pecaminoso, mas até de todas as ocupações e recreios seculares que são lícitos em outros dias (CM p. 158); mas os neopuritanos ainda sonham por alcançar esta prática. 5. Os Puritanos, seguindo o pensamento de Calvino, louvavam ao Senhor apenas com o Saltério. De forma natural e zelosa, defendiam a salmodia exclusiva por considerarem que, assim como o que se lê no culto deve ter um conteúdo inspirado, o cantar também. E faziam assim por questões hermenêuticas esposadas por todos os grandes teólogos puritanos e por aqueles que escreveram a CFW e os Catecismos e o Diretório de Culto. Os neopuritanos buscam esta prática puritano-reformada, mas ainda “engatinham” nisso, pois nem Saltério organizado têm, mas sonham com um saltério Brasileiro para louvar e glorificar a Deus com aquilo que Ele mesmo compôs sem impor isso às consciências daqueles que não têm esta convicção puritana. 6. Os Puritanos e as puritanas nunca permitiram que as mulheres orassem no culto público, nem que ensinassem à congregação, nem pregassem a Palavra. Eles, como Calvino, sempre entenderam que esta era uma prerrogativa dos homens que lideram a Igreja e que ninguém pode delegar esta autoridade à mulher visto que Deus nunca autorizou qualquer concílio ou liderança eclesiástica a assim proceder. Os Puritanos nunca transferiram para a mulher uma atribuição de autoridade própria dos homens por Deus delegada. Os Puritanos faziam assim, não porque achassem que isso era uma prática apenas cultural, ao contrário, era essencialmente uma questão teológica. Os neopuritanos, ainda que concordem com isso, por falta de maior convicção e hábito, por constrangimento e receio, ainda tropeçam, mas sonham com esta prática na igreja de hoje. 7. Os Puritanos levavam muito a SÉRIO o dia do Senhor e o momento de Culto a Deus. Na pregação, nos sacramentos, nas orações, nos cânticos dos salmos e na leitura bíblica. Na adoração tinham aversão a uma postura irreverente e descontraída por entenderem que estavam na presença de um Deus santíssimo; assim o zelo do Senhor os consumia porque sabiam que Deus é fogo consumidor. Criam que isso não deveria ser um traço de uma época, mas uma essencial prática teológica e piedosa. Os neopuritanos estão longe desta realidade, pois, forçosa e frequentemente, assumem, não sem constrangimento
Revista Os Puritanos 2•2010
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e vergonha, a posição Nicodemita2 de desconsiderar este temor santo que caracterizava o coração puritano. No entanto, sonham e batalham neste sentido, sendo por isso criticados e ridicularizados. 8. Os Puritanos são chamados de os teólogos da santificação e conseguiram experimentar uma vida de pureza. Os neopuritanos se envergonham de sua mediocridade nesta área. Os neopuritanos não sabem o que isso significa na prática. Pecam por apenas admirar a ortopraxia puritana, mas não vivenciá-la. Nesta área, os neopuritanos são uma vergonha, no entanto sonham com dias melhores, sonham com um grande despertamento santificador na Igreja de Cristo associado a um profundo conhecimento doutrinário. 9. Os Puritanos foram exemplos de piedade e ortodoxia. Foram gigantes na pregação, na interpretação das Escrituras, no ensino, no magistério, mas também na vida santa e piedosa. Para os Puritanos Presbiterianos a ortodoxia estava representada e hermeneuticamente expressa na Confissão de Fé de Westminster, nos Catecismo Maior e Breve e no Diretório de Culto. Fora disso temiam se colocar na posição vulnerável de uma neo-hermenêutica que viesse a permear os púlpitos e o ensino da Igreja. Hoje poucos escrevem e ensinam teologia de uma forma tão ortodoxa, santa e piedosa como os Puritanos fizeram; hoje poucos meditam nas grandezas de Deus e as vivenciam como eles. Os neopuritanos têm conhecimento deste fato e, por suas incoerências, limitações e fraquezas, coram de vergonha, mas sonham com esta vivência doutrinária e experimental. 10. Os Puritanos pregavam e ensinavam que os dons extraordinários do Espírito Santo foram próprios da era apostólica quando “Os apóstolos, os profetas e os que possuíam o dom de línguas, de curar e fazer milagres, foram oficiais extraordinários empregados a princípio por nosso Senhor e Salvador para reunir seu povo de entre as nações, conduzindo-os à família da fé. Esses oficiais e dotes miraculosos cessaram há muito tempo”3 e que, sendo a Palavra de Deus suficiente, não existem novas revelações do Espírito. O Sola Scriptura era o grande fundamento dos Puritanos. Os neopuritanos, ainda que concordando com esta verdade e lutando por ela com grande ênfase, a têm no coração ainda de forma mais teórica do que prática; no entanto sonham com a pureza desta verdade: Só a Escritura é indispensável, “tendo cessado aqueles antigos modos de Deus revelar a sua vontade ao seu povo” (CFW – 1:1). 11. Os Puritanos não comemoravam Páscoa e Pentecostes porque consideravam que estes dias, tanto quanto as festas dos tabernáculos, das primícias, os sacrifícios expiatórios de animais, etc. foram instituições levíticas abolidas em Cristo. Os Puritanos amavam a doutrina da encarnação do Verbo e pregavam sobre os textos que falam claramente sobre este evento, mas não comemoravam o Natal por ser um dia ou uma festa não ordenada por Deus, além de ter origem pagã e papal. Os neopuritanos, porém, ainda sofrem e caem sob a pressão e imposição reivindicadas pela tradição da cultura cristã dos nossos dias, contudo ainda conseguem pelo menos se manifestar pela supressão desta prática não encontrada na Igreja primitiva apostólica. 12. Os Puritanos não tinham corais e solos no culto, mas o louvor era puramente congregacional. O esplendor dos corais e os cantores do Templo de Jerusalém que seguiam uma orientação levítico-sacerdotal-masculina eram considerados prática cerimonial e que os sacerdotes de hoje (sacerdócio de todos os santos) são todos os crentes que congregacionalmente louvam ao Senhor na simplicidade cúltica Reformada. Os Neopuritanos ainda coxeiam nesta área, mas enfrentando grande oposição, resistência e desprezo, lutam e buscam esta visão puritano-reformada.
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Revista Os Puritanos 2•2010
Conclusão: Os alcunhados Neopuritanos, ou devem ser encorajados a permanecer no mesmo conhecimento bíblico, convicção doutrinária, fé experimental, luta e piedade de seus pais antecessores que redigiram os documentos de Westminster ou devem ser desencorajados e não tolerados por tentarem ser cristãos como os Puritanos foram: Um suposto introspectivo grupo pietista radical de um período distante da história que, de modo não reformado, minimalista, restritivo e legalista, redigiram documentos eclesiásticos próprios da sua cultura e época — CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER, O CATECISMO MAIOR DE WESTMINSTER, O BREVE CATECISMO DE WESTMINSTER, O DIRETÓRIO DE CULTO DE WESTMINSTER E UM SALTÉRIO (que continha os salmos, hinos e cânticos espirituais “supostamente” recomendados pelo apóstolo Paulo). NOTAS: 1. Apelido dado pela primeira vez na história do presbiterianismo e do evangelicalismo brasileiro a um grupo indefinido de crentes que lutam por uma reforma da Igreja do Brasil segundo os padrões de Westminster produzidos pelos Puritanos e subscritos pelas Igrejas Presbiterianas em quase todo o mundo. Aqueles que, de forma pejorativa, apelidaram estes irmãos com esta alcunha de Neopuritanos estão a afirmar que este tipo de puritanismo reformado é diferente, “novo” e “estranho”, aos símbolos de Fé de Westminster ou no mínimo diferente do Presbiterianismo hoje praticado e oficialmente exigido e praticado pela maioria das igrejas Presbiterianas. Ou seja, os aplicadores desta alcunha buscam e vivem um Presbiterianismo diferente dos nossos pais do passado — um “presbiterianismo brasileiro” — como se fosse coerente e sensato viver um neopresbiterianismo com características próprias da cultura evangélica brasileira e da erudição de scolars brasileiros como sendo o padrão de equilíbrio hermenêutico e de prática cristã reformada. Como pode ser isso? Resposta: Caso o presbiterianismo brasileiro afirme que é fidelíssimo aos padrões de Westminster e se oponha à visão puritana explicitada na Confissão de Fé de Westminster e seus Catecismos, somos forçados a responder a esta indagação dizendo que existe um novo entendimento em relação aos Padrões de Westminster e, consequentemente uma “neo-hermenêutica forçosamente advinda de uma reinterpretação desteS padrões há séculos já consagrados dentro da herança e tradição reformada. 2. Uma alusão à Nicodemos, entre os fariseus, um dos principais dos judeus (João 3:1-2) que ocultamente procurou a Jesus, mas ainda permanecendo na prática do judaísmo. O termo “Nicodemitas” foi aplicado a criptoprotestantes franceses que escondiam suas convicções ao assistir a missa e outras ordenanças romanas de adoração. Esses protestantes viviam ocultamente em terras papais e temiam que uma declaração aberta de sua fé lhes traria perseguição ou a perda de suas posses e o status social. Alguns, para se justificar, recorreram ao exemplo de Nicodemos (que veio à noite falar com Jesus), como pretexto para manter suas convicções em segredo, até mesmo ao ponto de fingir serem romanistas no seu comportamento exterior. Calvino repreendeu os Nicodemitas, mostrando que as Escrituras exigem que os crentes devem permanecer imaculados da idolatria (como a missa papista). Quase um ano antes da morte do reformador Lutero, Calvino lhe escreveu uma carta pedindo-lhe para escrever em poucas palavras sua opinião sobre os Nicodemitas na França, bem como sua opinião acerca do escrito em que ele, Calvino, rejeitava sua prática de continuar participando de cerimônias conforme o rito romano mesmo tendo assumido uma consciência evangélica. Melanchthon, portador da carta de Calvino, se opôs a entregá-la a Lutero. 3. MANUAL DE CULTO, da IPB, página 70.
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