A Igreja – Mãe de Todos os Crentes

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EDITORIAL

Manoel Canuto

A Mãe dos Crentes A Igreja visível é a mãe de todos os crentes. Estas palavras soam como um pensamento romanista. Mas quando a Igreja Católica Apostólica Romana assim afirma, está dizendo que somente ela é a verdadeira mãe de todos os crentes. Roma diz: “Todos devem, portanto, submeter-se à autoridade de Roma, se querem estar na Igreja de Cristo, continuada pelos Apóstolos”. Dessa forma, além do sofisma e da completa incoerência de se conceber um catolicismo (universal) localizado em ROMA, esta afirmação romanista concebe que a vida moral, os mandamentos e o magistério da Igreja procedem da Palavra e dos pastores da Igreja — o Sumo Pontífice de Roma e os Bispos, como sendo os autênticos doutores e sucessores dos apóstolos. “A infalibilidade do magistério dos pastores se estende a todos os elementos de doutrina, incluindo a moral. Sem esses elementos, as verdades salutares da fé não podem ser guardadas, expostas ou observadas” (Catecismo da Igreja Católica Romana – Edição Típica Vaticana, p. 538). Mas a afirmação de que a Igreja é a mãe de todos os crentes não veio da Igreja de Roma e sim dos pais da Igreja, Cipriano, Bispo de Cartago (210-258): “Quem abandona a Igreja de Cristo não chegará aos prêmios de Cristo. Torna-se estranho, torna-se profano, torna-se inimigo. Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe. Como ninguém se pôde salvar fora da arca de Noé, assim ninguém se salva fora da Igreja. O Senhor nos alerta e diz: "Quem não está comigo está contra mim, quem comigo não recolhe, dissipa" (Mt 12,30). Quem rompe a paz e a concórdia de Cristo trabalha contra Cristo. Quem faz colheita alhures, fora da Igreja, esse dissipa a Igreja de Cristo". João Calvino concorda com este Pai da Igreja quando afirma: “... de sorte que, àqueles de quem ele é o Pai, a Igreja possa também ser mãe” [Institutas IV 1.1]. “O que Cipriano e Calvino queriam dizer era que Deus nos deu a Igreja visível como nossa mãe para ministrar Sua Palavra e os sacramentos sob a direção e a influência do Espírito Santo. À parte desta mãe e sua alimentação e instrução, eles diziam, não há salvação. Cipriano em sua época e Calvino na sua, sem preocupação ousaram fazer esta forte declaração para a unidade da Igreja”. Os crentes precisam aprender que o ministério da Igreja é comunicar ordinariamente aos crentes as bênçãos da redenção. O Breve Catecismo de Westminster, na pergunta 88, diz: “Os meios exteriores e ordinários pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos da redenção são as suas ordenanças,

REVISTA OS PURITANOS Recife, Ano XIX - Número 2 - 2010 Editor Manoel Canuto mscanuto@uol.com.br Conselho Editorial Josafá Vasconcelos e Manoel Canuto

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especialmente a Palavra, os sacramentos e a oração, todos os quais se tornam eficazes aos eleitos para a salvação”. O próprio Deus nos promete usar e abençoar as orações, a pregação da Palavra, os sacramentos e o louvor, em benefício do seu povo. A Igreja reunida em adoração e liderada pelos pastores é o lugar onde os crentes corporativamente expressam louvor e adoração ao Pai. A Igreja é também um lugar onde Deus ministra ao Seu povo. Assim, pela Palavra lida e pregada e na administração dos Sacramentos, Deus relembra ao seu povo o seu perdão e os edifica. Mas se a Igreja é simplesmente uma maneira de podermos demonstrar nossa piedade e zelo, então, sua liderança, seus ministérios e suas normas se tornarão um fardo. Se a Igreja é um lugar para se ouvir as boas novas através de seus pastores devidamente ordenados, sob a bênção do Espírito Santo, ela será a força vital para a peregrinação e piedade do cristão. Os reformados devem resgatar a visão da Igreja como mãe. Essa noção tem sido esquecida ou desconhecida dos herdeiros de Calvino, embora ele tenha explicitamente escrito e ensinado sobre isso dizendo que é a Igreja que alimenta os crentes: “Contudo, uma vez que agora nosso propósito é discorrer acerca da Igreja visível, aprendamos, mesmo do mero título mãe, quão útil, ainda mais, quão necessário nos é seu conhecimento, quando não outro nos é o ingresso à vida, a não ser que ela nos conceba no ventre, a não ser que nos dê à luz, a não ser que nos nutra em seus seios, enfim, sob sua guarda e governo nos retenha, até que, despojados da carne mortal, haveremos de ser semelhantes aos anjos” (Institutas, IV.I, iv). Calvino e os reformados ensinam que sem a Igreja o crente definha e morre, assim como um bebê morre sem sua mãe para amamentá-lo. A Igreja sustenta o cristão na sua peregrinação, assim como Deus cuidou dos israelitas na sua caminhada pelo deserto. Os meios de graça são como o maná e as codornizes que alimentaram o povo de Deus até à Terra Prometida. Provavelmente a visão pobre da Igreja deriva diretamente de uma avaliação excessivamente elevada de seus membros. A grande visão de Calvino sobre a Igreja e dos cuidados que ela dispensa estava ligada à noção de que os crentes têm necessidade de serem sustentados e edificados na fé. Para os Reformados a Igreja visível “Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe”. Boa leitura.

Revisores Manoel Canuto Tradutores Linda Oliveira; Marcos Vasconcelos, Márcio Dória, Josafá Vasconcelos Projeto Gráfico Miolo e Capa Heraldo F. de Almeida Impressão Facioli Gráfica e Editora Ltda. Fone: 11- 6957-5111 — São Paulo-SP

OS PURITANOS é uma publicação trimestral da CLIRE — Centro de Literatura Reformada R. São João, 473 - São José, Recife-PE, CEP 52020-120 Fone/Fax: (81) 3223-3642 E-mail: ospuritanos@gmail.com DIRETORIA CLIRE: Ademir Silva, Adriano Gama, Waldemir Magalhães.

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A Igreja como Nossa Mãe

“...que eles possam ser guiados pelo seu cuidado maternal... de sorte que, por àqueles de quem ele é o Pai, a Igreja possa também ser mãe”. (J.Calvino) Rev. Cornelis Pronk

O

Igreja Visível e Invisível → Nós vemos que para Calvino a Igreja visível é uma ajuda indispensável para

nome de João Calvino é frequentemente asso-

a salvação dos eleitos de Deus que constituem a Igreja

ciado com a predestinação; e algumas pessoas,

invisível. Não que Calvino veja a Igreja visível e invisível

muitas vezes, pensam que ele inventou essa

como co-extensiva. Elas são intimamente relacionadas,

doutrina. Para outros o nome do reformador está liga-

mas, precisam ser distintas uma da outra porque nem

do às doutrinas da soberania divina, depravação total

todos os membros da Igreja visível são membros da

do homem e a incapacidade de salvar-se a si mesmo. O

Igreja invisível.

que não é geralmente entendido, entretanto, é que a

De acordo com Calvino, a Escritura fala da Igreja de

principal contribuição de Calvino para a Reforma foi a

dois modos. Algumas vezes o termo “igreja” refere-se ao

doutrina bíblica da igreja.

número total dos eleitos que foram salvos pela graça através da fé em Jesus Cristo. Mas a Bíblia também usa

O Fundamento da igreja → Para Calvino a igreja

a palavra “igreja” para designar as assembléias públicas

está firmemente enraizada na soberana eleição de

de pessoas que professam adorar a Deus e ao seu filho,

Deus. Esta é a fundamentação da doutrina da igreja

Jesus Cristo. Nesta igreja, Calvino diz, “estão misturados

em Calvino. Desde a eternidade Deus escolheu em

muitos hipócritas que nada têm de Cristo a não ser o

Cristo um povo para a salvação eterna. No livro III das

nome e a aparência externa”.

Institutas Calvino explica como estes escolhidos são tra-

Que a igreja visível é uma assembléia mista, Calvino

zidos à fé em Cristo pela “energia secreta do Espírito”

se baseia na parábola do trigo e do joio registrada em

por meio da qual nós somos unidos a Cristo pela fé de

Mateus 13:24-30. Seguindo Agostinho, Calvino inter-

modo que chegamos a usufruir de Cristo e de todos os

preta esta parábola para significar que a Igreja será

seus benefícios. Contudo, em assim fazendo, o Espírito

composta de crentes verdadeiros e de hipócritas que

Santo faz uso de certos meios, e aqui é onde a igreja e o

não podem ser efetivamente separados até o dia do

seu ministro entram. Este assunto é visto extensivamen-

julgamento.

te no livro IV, intitulado: O meio externo ou a ajuda pela qual Deus nos convida para a sociedade de Cristo e então nos segura. Embora seja por meio da fé no evangelho

Marcas da Verdadeira Igreja Visível → Embora possa ser uma assembléia mista, esta Igreja visível, a

que Cristo se torna nosso, Calvino escreve:

despeito de suas muitas fraquezas, é a verdadeira Igreja de Cristo a qual todos os crentes deveriam se juntar e

Devido à nossa ignorância e indolência nós necessitamos

nunca deixar porque, insiste Calvino, fora dela não há

de ajuda externa para gerar e aumentar a fé dentro de nós

salvação.

e avançá-la para o seu objetivo... Ele instituiu “pastores e

Esta alta visão da igreja levanta a pergunta quanto a

mestres”, por cujos lábios ensinasse aos seus... Começarei,

qual Igreja visível está mais próxima da Igreja invisível.

pois, pela igreja, em cujo seio Deus agradou-se juntar seus

Esta foi a pergunta para muitos cristãos de mente re-

filhos... que eles possam ser guiados pelo seu cuidado ma-

formada do tempo de Calvino. Eles foram convencidos

ternal até que estejam maduros e finalmente alcancem o

de que Roma não era sua verdadeira mãe, mas como

objetivo da fé... de sorte que, por àqueles de quem ele é o

poderiam estar seguros sobre qual das igrejas alterna-

Pai, a Igreja possa também ser mãe. [IV 1.1]

tivas tinha se tornado a certa: a Luterana, a Anabatista

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Cornelis Pronk

e as igrejas Reformadas eram sua subs-

Cartago, do primitivo século III, Norte

tituta legítima?

Uma vez que existe apenas uma igre-

da África. O que Cipriano e Calvino que-

ja, argumenta Calvino, fora dela não há

Calvino sobrescreve estas preocu-

riam dizer era que Deus nos deu a Igreja

salvação. A razão para isto é que Deus

pações no livro IV das suas Institutas.

visível como nossa mãe para ministrar

confiou somente a ela o ministério da

“Aqueles que estavam procurando sua

Sua Palavra e os sacramentos sob a di-

Palavra e os sacramentos como meios

verdadeira mãe”, ele explicou, “podiam

reção e a influência do Espírito Santo.

de graça. Esta linguagem forte foi mais

reconhecê-la facilmente por meio de

À parte desta mãe e sua alimentação e

tarde modificada na Confissão de Fé

dois critérios objetivos, a saber: a pura

instrução, eles diziam, não há salvação.

de Westminster em 1647, ao declarar

e fiel pregação da palavra e a adminis-

Cipriano em sua época e Calvino na

que fora da igreja de Cristo não exis-

tração fiel dos dois sacramentos que

sua, sem preocupação ousaram fazer

te “qualquer possibilidade ordinária

Cristo instituiu, isto é, o Batismo e a

esta forte declaração para a unidade

de salvação”. Há exceções, mas, estas

Ceia do Senhor”. “Daqui nos despon-

da Igreja.

apenas provam a regra de que somos

ta”, escreve Calvino, “e nitidamente

Cipriano e Agostinho depois dele,

dependentes da igreja como nossa mãe

nos emerge aos olhos, a face da Igreja.

contenderam com os Donatistas que

para a concessão de todos os benefícios

Pois onde quer que ouçamos a Pala-

estavam causando o primeiro gran-

salvíficos que Cristo obteve para os

vra de Deus pregada com pureza e os

de cisma na igreja. Os reformadores

crentes. Calvino explica a crucial impor-

sacramentos administrados de acordo

de Genebra viam o protestantismo se

tância do ministério dela deste modo:

com a instituição de Cristo, ali, não há

despedaçando em toda sorte de seitas

dúvida, existe uma igreja de Deus” (IV

e cultos. Isto foi em parte o resultado

1.9). Mais tarde as igrejas Reformadas

da doutrina do sacerdócio de todos os

pósito é discorrer acerca da Igreja visível,

adicionaram ainda uma terceira mar-

crentes, de Lutero, a qual foi muito er-

aprendamos, mesmo do mero título mãe,

ca, a saber, a disciplina da igreja (ver a

radamente interpretada para significar

quão útil, ainda mais, quão necessário

confissão Belga, Art. 29).

que todos eram livres para explicar as

nos é seu conhecimento, quando não ou-

Todos os Crentes Verdadeiros Têm a Mesma Mãe → Referir-se à igreja como nossa “mãe” soa estranho e mes-

“Contudo, uma vez que agora nosso pro-

Escrituras como achassem adequado.

tro nos é o ingresso à vida, a não ser que

Para Calvino a unidade espiritual dos

ela nos conceba no ventre, a não ser que

crentes não pode existir sem a unidade

nos dê à luz, a não ser que nos nutra em

visível da igreja. Esta unidade flui direta

seus seios, enfim, sob sua guarda e go-

mo errado para muitos cristãos hoje.

e logicamente da doutrina Calvinista da

verno nos retenha, até que, despojados

Tem um elo Católico Romano ligado a

união mística entre Cristo e o seu povo

da carne mortal, haveremos de ser se-

isso. Estamos habituados a ouvir a Igre-

(Ef. 5:31). Exatamente como os crentes

melhantes aos anjos (Mt. 22:30). Porque

ja de Roma descrita como “Igreja Mãe”,

são ligados a Cristo, seu cabeça, eles

nossa fraqueza não permite que sejamos

porém os protestantes, falando de for-

estão ligados a todos os membros do

despedidos da escola até que tenhamos

ma geral, raramente fazem uso deste

seu corpo. Daí a possibilidade de haver

passado toda nossa vida como discípulos”

termo. Contudo, para Calvino, a palavra

apenas uma igreja.

(Institutas, IV.I, iv).

“mãe” era uma palavra apropriada para

Os crentes em Cristo, por isso, deve-

descrever a Igreja de Cristo. Ele natural-

riam zelosamente guardar e promover

A lógica aqui é surpreendente. Se

mente sabia muito bem que Roma rei-

a unidade da igreja. “Existe apenas uma

Deus é nosso pai através da regenera-

vindicava manter um monopólio deste

noiva de Cristo”, insiste Calvino, “e essa

ção, a igreja deve ser nossa mãe que

título. Ele estava convicto, contudo, de

noiva é o totalidade de todos os cris-

nos traz ao nascimento e nos alimenta

que Roma perdera o direito de chamar-

tãos neste mundo” (Comentário sobre o

para a vida espiritual (Gl. 4:19-31; Hb.

se a mãe de todos os crentes; ela não

salmo 133:1). “Unidade e unanimidade”,

5:13-6:1). A igreja, como noiva de Cris-

cumpriu as tarefas e responsabilidades

ele diz “são necessárias quando a igreja

to, diz Calvino,

usualmente associadas às mães.

deseja persistir neste mundo”. Em seu

O emprego de Calvino do termo

Comentário sobre o Salmo 47:10, ele es-

“... é o ventre no qual o descrente infértil

“mãe” para descrever a Igreja tem um

creve que “a unidade da igreja consiste

encontra o evangelho, está impregnada

precedente antigo. Sua afirmação que

no fato de que aquele povo é santamen-

pelo Espírito Santo pela pregação da pa-

“Você não pode ter Deus como seu pai a

te preparado para seguir a Palavra de

lavra. É ela que nos nutre, alimentando-

menos que tenha a Igreja como sua Mãe”

Deus, de modo que há um rebanho e

nos em seu seio com o leite puro do evan-

é citação direta do bispo Cipriano de

um pastor”.

gelho, dando-nos mais tarde o alimento

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A Igreja como Nossa Mãe

sólido da sã doutrina e do discipulado.

sinando a palavra, muitos terminavam

Ela nos guia com sua longa sabedoria,

no pântano do subjetivismo e do mis-

ensinada a ela pelo Espírito Santo da palavra de Deus, pelos longos tempos da sua história — a mesma sabedoria de Deus em Cristo, a quem ela se submete. E o seu noivo divino-humano cuida dela, conduzindo-a e amando-a, ensinandonos através da sua palavra e por meio do seu Espírito — em sua igreja”.

Em Gálatas 4 o apóstolo Paulo fala da igreja como a Jerusalém do alto, a qual é livre e a mãe de todos os crentes (v. 26). Ele compara esta cidade celestial com a Jerusalém da terra, a qual, ele diz, está em cativeiro com os seus filhos. O que ele quer dizer é que

É ela que nos nutre, alimentando-nos em seu seio com o leite puro do evangelho, dando-nos mais tarde o alimento sólido da sã doutrina e do discipulado

apenas os verdadeiros cristãos salvos

ticismo. Calvino vê como evidência do amor de Deus por nós o fato dele lidar conosco de acordo com nossa pequena capacidade. Citando a declaração de Paulo de que “nós vemos em parte, e conhecemos em parte e por isso caminhemos, mas pela fé”, Calvino pergunta: “De onde jorra esta fé? Como ela é alimentada e aumentada? Por meio da Palavra de Deus (Rm. 10:17). Quando temos pregação e somos diligentes para sermos edificados por ela, este é o primeiro ponto por meio do qual e no qual nossa fé começa, e esse é o meio pelo qual ela continua a crescer dia a dia até que seja

pela graça são a verdadeira e legítima

completamente aperfeiçoada...” (Comen-

descendência de sua mãe, a Jerusa-

felicidade nele, e manter o caminho que

lém celestial, enquanto os outros, os

nos é mostrado, caminho o qual é nosso

judeus que buscam ser salvos pelas

Senhor Jesus Cristo, de modo que nós,

Algumas Aplicações para Hoje → A

obras da lei, são os filhos de sua mãe,

livres de todo orgulho e alta opinião so-

doutrina da igreja de Calvino é de gran-

a Jerusalém terrestre que ainda existia

bre nós mesmos, permitamo-nos ser ves-

de importância para nós que vivemos

naquele tempo.

tário, 1Co 13:9).

tidos com a roupa que nos é oferecida em

500 anos após seu nascimento num

nosso Senhor Jesus Cristo e descansar ali

tempo que é, de muitas maneiras, bem

As Duas “Jerusaléns” → Em seus ser-

toda a nossa glória, eu digo quando tiver-

diferente do dele e, contudo, também

mões em Gálatas, Calvino traça várias

mos a doutrina após certo ponto, então

apresentando muitas semelhanças com

analogias entre estas duas “Jerusaléns”

é a casa de Deus e o santuário, então ela

o seu dia. Podemos acreditar que Deus

e as igrejas do seu próprio tempo, a

é a verdadeira igreja e nossa mãe, e nós

ainda tem sua Igreja visível na terra,

igreja de Roma e as igrejas da Reforma.

podemos estar bem seguros de que Deus

uma Igreja ainda identificável pelas

Como a Jerusalém terrena, Roma ensi-

também nos declarará e aceitará como

marcas assentadas por Calvino. Confio

na a salvação pelas obras enquanto as

seus filhos” (Sermão em Gálatas, p. 627).

que todos os nossos leitores pertencem

igrejas Reformadas, nascidas da Jeru-

às igrejas que possuem estas marcas.

salém do alto, proclamam a mensagem

Calvino e os Ana­batistas → Con-

Calvino, como vimos, esteve aguda-

da salvação pela graça.

quanto fossem sérios os erros de

mente preocupado com a composição

A diferença entre estas duas igre-

Roma, Calvino não pouco se opôs aos

mista da igreja visível. Ele acentuou

jas, que reclamam ambas o honorável

Anabatistas, que em sua visão, mostra-

que não somos membros da Igreja por

título de mãe, é enorme. É crucial, por

vam desdém pela Palavra de Deus e os

nascimento natural, mas tornamo-nos

isso saber de qual mãe nascemos espiri-

ofícios de pastor e mestres, que alega-

membros dela por um renascimento

tualmente. “Onde quer que tenhamos a

vam não necessitar. Eles consentiam

espiritual. Mas ele também enfatizou

palavra de Deus pregada para nós com

em que a pregação é útil para iniciantes

que quando somos renascidos para a

pureza”, Calvino escreve:

na vida cristã, mas após algumas lições

vida celestial, isto de nenhum outro

nas doutrinas básicas prosseguiriam

modo acontece senão através do mi-

“... sem qualquer mistura, assim como

por si mesmos. Confiando naquilo que

não há corrupção nenhuma do Evange-

acreditavam ser uma operação direta

nistério da igreja (Comentário no Salmo 87:5). “Aqueles que negligenciam

lho, mas nós seremos guiados totalmen-

do Espírito Santo em lugar de ministros

este meio [i. e., o ministério da igreja] e

te para Deus para buscar toda nossa

devidamente ordenados pregando e en-

ainda esperam tornar-se perfeitos em

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Cornelis Pronk

Cristo, são loucos”, escreve Calvino

Bíblia eram permitidos apenas se o

qual deveríamos medir todas as coisas

comentando Efésios 4:12. “Tais são

ministro ou um oficial, ou pelo menos

pertinentes à doutrina e à vida.

os fanáticos”, ele acrescenta, “que in-

algum membro da igreja bastante co-

ventam relações secretas do Espírito

nhecedor da Palavra estivesse presente.

Vamos Apreciar Nossa “Mãe” → Nós

para si mesmos, e os orgulhosos que

Isto era visto por alguns como muito

entramos numa outra temporada de in-

pensam que para eles a leitura privada

controlador e também eu pensava as-

tensas atividades da igreja com uma ên-

das Escrituras é suficiente, e que eles

sim naquele tempo.

fase no ministério de ensino. Todo mun-

não têm necessidade do ministério comum da Igreja” (Ibid).

Mas agora, vendo retrospectivamente e especialmente depois da leitura de

do está de volta das férias, os bancos da igreja estão cheios novamente.

Enquanto Calvino estava se referin-

Calvino, imagino se esta antiga abor-

Os nossos pastores estão rejuvenes-

do aos Anabatistas radicais do seu tem-

dagem era assim tão errada. Rigorosa-

cidos e ansiosos para pregar novas sé-

po, acho que alguns dos perigos que

mente ligado a isto está a proliferação

ries de sermões. A Escola Dominical e as

ele menciona aqui ainda estão conosco

dos guias de estudo que o nosso povo

classes de Catecismo estão começando

hoje. Não apenas na igreja evangelical,

jovem e muitas pessoas mais velhas

novamente, como também vários gru-

mas igualmente nas igrejas Reforma-

igualmente utilizam. Alguns destes

pos de estudos da Bíblia. Vamos consi-

das há uma tendência para contornar

estudos, penso, não são sadios e estão

derar um grande privilégio termos uma

o ministério oficial da igreja local pre-

longe de serem Reformados.

igreja saudável para frequentar, uma

ferindo procurar o alimento espiritual

Uma marca da verdadeira igreja é sua

mãe amorosa, que ensina a verdade

em outra parte. Muitos alcançam seus

apostolicidade, a qual significa que esta

apostólica por meio de pastores orde-

enlevos espirituais em Conferências

igreja adere às doutrinas como expostas

nados e equipados por Deus. A mesma

onde eminentes oradores bem produ-

pelos apóstolos divinamente nomeados

mãe que nos dá nascimento espiritual,

zidos deslumbram suas audiências com

que lançaram os fundamentos da Igreja

também nos alimenta amorosamente,

sua eloquência e imaginação. Não me

Cristã. Isto implica em que, se desejamos

primeiro com o leite da Palavra e em

oponho às Conferências, já fui mui-

ser parte desta igreja apostólica, nossa

seguida com alimento mais sólido. No-

to beneficiado por muitas delas. Mas,

compreensão da Escritura deve estar em

vamente a mesma mãe que nos ensina

como insiste Calvino, nosso principal

harmonia com o que os apóstolos ensi-

a verdade e nos nutre, também nos

alimento espiritual deve vir dos pasto-

naram. Para dizê-lo como um dos após-

disciplina quando necessário ― e tudo

res e mestres que Deus tem dado à sua

designados pelo nosso Pai celestial. Se

do regularmente a igreja local, mesmo

tolos — Judas — nós devemos “batalhar, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3).

que o pregador não seja Spurgeon, mas

Em outras palavras, compreender

nós precisamos receber estes homens

igreja. Os crentes devem estar assistin-

um homem de médias habilidades. Um outro perigo que vejo neste con-

“apostolicidade” significa empenhar-se

isto por intermédio de pastores fiéis isto é assim ― e quem ousa negá-lo? ― e ouvi-los. Como diz Calvino,

para compreender a Palavra de Deus e

texto tem a ver com o modo como os

a interpretação desta Palavra com a aju-

“Se desejamos nossa salvação, devemos

estudos bíblicos são conduzidos. En-

da daqueles que a têm ensinado através

aprender a ser alunos humildes ao rece-

quanto eu aprovo de coração os grupos

da história da igreja. Como crentes re-

ber a doutrina do Evangelho e em escu-

de estudo da Bíblia, estou preocupado

formados isto significa que nós deverí-

tar com atenção os pastores que nos são

que as Escrituras são algumas vezes dis-

amos estar com aqueles intérpretes que

enviados, como se o próprio Jesus Cristo

cutidas sem que haja alguém presente

seguem a linha de Agostinho, Calvino e

falasse para nós em sua própria pessoa,

que possa falar com alguma autoridade

os outros reformadores e seus suces-

assegurando-nos que Ele reconhecerá

quanto à exegese própria das passagens

sores, os Puritanos, e aqueles que fica-

a obediência e submissão da nossa fé

da Escritura. Como resultado, ouve-se

ram com as tradições deles. Jonathan

quando ouvimos o homem mortal para

declarações como, “Eu acho que esta

Edwards, Spurgeon, Hodge, Warfield,

quem ele deu esse fardo” (Sermões em

passagem significa isto” ou “Eu sinto que

Brakel, Bavinck e muitos outros. Este

Efésios, p. 374).

significa aquilo”, ou “Para mim parece

é o melhor caminho para manter-nos e

dizer algo assim”, enquanto outro tem

ao nosso povo, livres de cair no subje-

uma visão totalmente diferente.

tivismo e relativismo. O ensino de uma

Nossos leitores mais idosos lembrar-

igreja visível que ostenta as três mar-

-se-ão do tempo quando os estudos da

cas da verdadeira igreja é o padrão pelo

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Rev. Cornelis Pronk é Prof. Visitante de História da Igreja e Teologia Sistemática no Puritan Reformed Theological Seminary, Grand Rapids, MI; Atualmente é Pastor da Free Reformed Church em St. George, Ontário, Canadá.

Revista Os Puritanos 2•2010


O Que é a Verdade

“Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.”(Jo17.17)

Morton H. Smith

I

Em outra ocasião, Jesus falou sobre si mesmo nestes termos: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém

ntegridade Doutrinária → Nesta era de lassidão

vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). Ele estava afirman-

geral e afastamento da fé cristã ortodoxa, uma das

do que, desde o momento em que Satanás introduziu

maiores necessidades é o retorno à integridade

a mentira, ou a falta de integridade no mundo, e que

doutrinária. Em especial, os homens responsáveis pela

Adão a abraçou em sua queda, uma das necessidades

pregação sagrada deveriam ser homens que ensinam

básicas do mundo é a reintrodução da verdade. E foi

a verdade, e nada mais do que a verdade da Palavra de

exatamente isso que Jesus declarou estava fazendo no

Deus. Uma das urgentes necessidades deste mundo de

mundo. Também disse que só existe um meio de salva-

trevas, repleto de falsidade, é a proclamação clara da

ção: vir a ele, que é a própria verdade. Jesus testemunho

verdade da Palavra de Deus.

isto a Pilatos: “Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz” (Jo 18.37). Pilatos respondeu cinicamente: “Que é a verdade?”, mostrando assim sua natureza não-regenerada.

A tentação de Satanás para Eva ocorreu na área da integridade doutrinária. Ele ousou acusar a Deus de falta de integridade. A queda do homem resultou em que a tentação permanente do mundo, da carne e do Diabo nos tornou menos do que verdadeiros em nosso viver

Nesse mesmo evangelho, lemos que Jesus confiou

diário. Como Jesus disse, Ele mesmo é a verdade e a

aos seus discípulos o ministério que recebera do Pai:

vida; por isso, o evangelho envolve uma proclamação da

“Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. Assim

verdade em um mundo de mentiras. Todos os cristãos

como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade” (Jo

devem, mediante o seu testemunho por Cristo, declarar toda a verdade do evangelho. Todo o conhecimento que podemos encontrar neste

17.17-19). Jesus estava rogando que o Pai santificasse

mundo foi colocado aqui por Deus, o Criador. Em últi-

os discípulos “na verdade”, para que pudessem procla-

ma análise, toda a verdade está em Deus. Ele é a fonte

mar a verdade de seu Evangelho neste mundo de falsi-

de toda a verdade que encontramos no mundo que ele

dade e trevas.

criou. Portanto, quando Deus falou a Adão as palavras

A grande comissão de Jesus, registrada em Mateus

da aliança de obras, proibindo-o de comer da árvore do

28, define a missão da igreja em dois empreendimen-

conhecimento do bem e do mal, ele afirmou a verdade

tos. Primeiramente, ela deve evangelizar o perdido e,

para Adão. Na tentação dirigida a Eva, Satanás decla-

assim, unir os eleitos na igreja. Em segundo, a igreja

rou abertamente que isso era falso. Quando Jesus falou

deve ensinar aos seus membros todas as coisas reve-

com os judeus incrédulos, ele lhes disse que Satanás é

ladas nas Escrituras. Qualquer outra coisa que a igreja

o pai da mentira: “Vós sois do diabo, que é vosso pai, e

faça tem de ser subsidiária a essa comissão. Tanto a

quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.44). A

evangelização como o ensino dos membros exigem que

incredulidade deles se alicerçava no fato de que tinham um coração pecaminoso e não-regenerado.

Revista Os Puritanos 2•2010

a igreja mantenha integridade doutrinária. Qualquer falha em cumprir isso é desobediência à ordem de Cristo para a igreja. Se isso é verdade, é óbvio que Deus colocou sobre os ministros da Palavra a absoluta necessidade de serem

7


Morton H. Smith

leais e fiéis à Palavra em sua pregação

A Reforma produziu um novo com-

essa subscrição serem fiéis em sua pre-

e ensino. Tornar-se verdadeiro intér-

promisso com o princípio de Sola Scrip-

gação e ensino e proclamarem todo o de-

prete da Palavra é o dever sublime e

tura. O resultado foi a redescoberta do

sígnio de Deus expresso nas Escrituras

celestial de cada homem que prega as

evangelho pela igreja, à medida que

e interpretado nas Confissões da igreja.

Escrituras. Visto que a Palavra foi dada

procurava ser reformada pela Palavra

Deixar de fazer isso significa corromper

tanto no hebraico como no grego, os

de Deus. Um dos benefícios da Reforma

a integridade doutrinária que o Senhor

pregadores têm de ser capazes de abor-

foi a destilação dos dogmas da igreja

espera de seus servos.

dar essas línguas de modo tão suficien-

em vários Credos ou Confissões refor-

Em nossa evangelização, tendemos

te, que entendam apropriadamente o

mados. Foram produzidas cerca de 39

frequentemente a insistir em uma res-

texto que desejam proclamar às suas

Confissões; e um dos fatos notáveis é

posta emocional ao evangelho, sem

congregações. Em outras palavras, a

que elas mantinham um unidade bá-

antes transmitir apropriadamente as

exigência de integridade no ministé-

sica.

grandes doutrinas da fé cristã à pes-

rio da Palavra exige dos pregadores o

A fim de preservar a integridade da

soa. Precisamos reconhecer que uma

compromisso de estudarem a Palavra

pregação nessas igrejas, exigiu-se dos

resposta correta do coração ou da

em suas línguas originais.

ministros que subscrevessem a Confis-

consciência só pode ser manifestada

Uma parte da verdadeira interpreta-

são das igrejas em que serviam. Uma

depois que a verdade do evangelho é

ção da Bíblia inclui o entendimento de

forma histórica de subscrição exigida

comunicada ao pecador. Uma respos-

como textos específicos se enquadram

até hoje por algumas denominações é

ta bíblica genuína acontece somente

em todo o sistema de verdade apresen-

esta: “Você recebe e adora a Confissão

quando a verdade do Evangelho é com-

tado nas Escrituras. Portanto, o ministro

de Fé e o Catecismo desta igreja como

preendida. Percebemos, assim, a neces-

da Palavra precisa estar ciente de todo

documentos que contém o sistema de

sidade de integridade doutrinária por

o sistema de teologia apresentado na

doutrina ensinado nas Escrituras Sagra-

parte de todos os cristãos, que devem

Bíblia. O estudo da história da igreja

das?”. Em outras palavras, o ministro a

ser testemunhas do evangelho para o mundo que nos rodeia.

revela que a igreja medieval perdera

ser ordenado está dizendo que a Confis-

amplamente a verdade bíblica, visto que

são de Fé e o Catecismo de Westminster

substituíra o ensino da Palavra de Deus

afirmam o que ele acredita ser o ensino

pela tradição dos homens.

da Bíblia. Cumpre àqueles que assumem

Dr. Morton H. Smith é Prof. de Teologia Bíblica e Sistemática no Greenville Presbyterian Theological Seminary, SC

Confissão de Fé de Westminster Capítulo XXV → Da Igreja

I. A Igreja Católica ou Universal, que é invisível, consta do número total dos eleitos que já foram, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em um só corpo sob Cristo, seu cabeça; ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todas as coisas. II. A Igreja Visível, que também é católica ou universal sob o Evangelho (não sendo restrita a uma nação, como antes sob a Lei) consta de todos aqueles que pelo mundo inteiro professam a verdadeira religião, juntamente com seus filhos; é o Reino do Senhor Jesus, a casa e família de Deus, fora da qual não há possibilidade ordinária de salvação. III. A esta Igreja Católica Visível Cristo deu o ministério, os oráculos e as ordenanças de Deus, para congregamento e aperfeiçoamento dos santos nesta vida, até o fim do mundo, e pela sua própria presença e pelo seu Espírito, os torna eficazes para esse fim, segundo a sua promessa. Ef. 1: 10, 22-23; Col. 1: 18; I Cor. 1:2, e 12:12-13,; Sal .2:8; I Cor. 7 :14; At. 2:39; Gen. 17:7; Rom. 9:16; Mat. 13:3 Col. 1:13; Ef. 2:19, e 3:15; Mat. 10:32-33; At. 2:47; Ef. 4:11-13; Isa. 59:21; Mat. 28:19-20.

8

Revista Os Puritanos 2•2010


A Experiência de Deus

Quais são as implicações do pensamento calvinista, desta visão da majestade de Deus e da verdade salvadora das Escrituras no que diz respeito a nós como indivíduos?

A. N. Martin

O

vida de um ministro é a vida do seu ministério”. Você não pode separar o que você é daquilo que você faz;

teólogo norte-americano B.B. Warfield, descre-

você não pode separar o efeito da verdade sobre o seu

ve o Calvinismo como sendo “a visão da ma-

relacionamento com Deus, do efeito da verdade através

jestade de Deus que permeia a vida e a expe-

do seu ministério. A fim de termos o foco bem centrado

riência como um todo”. Ao se referir especificamente

nesses princípios eu os estou separando, mas de manei-

à doutrina da salvação, a sua feliz confissão se resume

ra nenhuma quero dar a impressão de que esses dois

em três palavras significativas: Deus salva pecadores.

aspectos estão separados.

Sempre que somos confrontados com grandes decla-

Então pergunto: Quais são as implicações do pensa-

rações doutrinárias nas Sagradas Escrituras, Deus não

mento calvinista, desta visão da majestade de Deus e da

nos deixa meramente com a afirmação da doutrina. O

verdade salvadora das Escrituras no que diz respeito a

propósito da verdade de Deus colocada nas mentes do

nós como indivíduos? Como resposta voltemos àquele

Seu povo é que, ao compreendê-las, eles venham a co-

princípio geral que B.B.Warfield chama de “princípio

nhecer o seu efeito na sua própria experiência pessoal.

formativo do Calvinismo”. Eu cito as palavras de War-

Assim sendo, os grandes temas doutrinários de Efésios

field: “Este princípio se encontra então, deixe-me repetir,

capítulos 1, 2 e 3 são seguidos pela aplicação de tais

numa apreensão profunda de Deus, na Sua Majestade,

doutrinas à vida prática e à experiência, em Efésios

com a pungente compreensão que inevitavelmente

capítulos 4, 5 e 6. O fim para o qual Deus deu a Sua

acompanha esta apreensão, da relação mantida com

verdade não foi somente para a instrução de nossas

Deus, pela própria criatura, e, em particular, pela cria-

mentes, mas muito mais para a transformação de nos-

tura em pecado. O calvinista é o homem que vai a Deus,

sas vidas. No entanto, uma pessoa não pode aterrissar

e que, tendo-O visto na Sua glória, por um lado está

diretamente na vida e na experiência; a compreensão

cheio do senso de sua própria indignidade de estar na

deve vir através da mente. Assim, a verdade de Deus

presença de Deus como criatura, e muito mais ainda

é dirigida ao entendimento e o Espírito de Deus age

como pecador; e por outro lado, acha-se em atitude de

no entendimento como Espírito de sabedoria e conhe-

adoração e admiração à Sua pessoa, com base no fato de

cimento. Ele não ilumina a mente simplesmente para

que este Deus é um Deus que recebe pecadores. Aquele

que as gavetas dos arquivos do estudo mental sejam

que crê em Deus sem reservas e está determinado que

preenchidos com informações. O fim com que Deus

Deus será Deus para ele em todo o seu pensamento,

instrui a mente é para que Ele, assim, possa transfor-

sentimento e vontade — em todo âmbito das atividades

mar a vida.

de sua vida: intelectual, moral e espiritual —, em todas

Quais são então as implicações pessoais do pensa-

as suas relações individuais, sociais e religiosas — não

mento e das verdades calvinistas tanto na vida do in-

importa como ele se intitule, o que ele pensa de si mes-

divíduo como no ministério exercitado pelo indivíduo?

mo ou como vê a si mesmo, essa pessoa é, pela força

O que eu quero dizer, com implicações pessoais, são

da lógica, um calvinista” (Calvin as a Theologian and

as implicações do seu relacionamento com Deus, sem

Calvinism Today).

nenhuma referência consciente ao seu ministério. Eu

Note que quando B.B. Warfield define calvinismo e

sei que essas coisas não podem ser separadas num

o calvinista ele usa palavras de forte natureza experi-

sentido absoluto, pois como já foi muito bem dito, “a

mental. As palavras “apreensão” e “compreensão” tra-

Revista Os Puritanos 2•2010

9


A.N. Martin

tam primariamente do entendimento,

Deus que o afetou tanto, que sua vida

que na sua própria confissão ele não

apesar do seu significado ir além disso.

jamais foi a mesma. A primeira coisa

apenas diz “Sou homem de lábios impu-

Mas quando chegamos a palavras tais

que o impressionou nesta ocasião foi

como “ter visto a Deus”, “estar cheio, por

esta visão de Deus em posicionamen-

ros”, mas também diz, “habito no meio de um povo de impuros lábios”. Nos regis-

um lado, por um senso de sua própria

to Alto e Sublime, assentado no trono.

tros em que descreve o estado em que

indignidade”, “admiração e adoração’’,

Qualquer outra coisa introduzida na

o povo se encontrava, como por exem-

“pensamento, sentimento e vontade”,

visão – a santidade de Deus, a graça de

plo em Isaías 58, vemos que eles eram

são palavras que tratam de experiência.

Deus, o perdão de Deus – está compre-

extremamente religiosos; eles vinham

Warfield está realmente dizendo que

endida no brilho de Deus entronizado

diariamente ao templo e ofereciam sa-

ninguém é calvinista, nenhuma pessoa

– “Eu vi o Senhor assentado sobre um

crifícios. Leia Isaías 1, e você verá os

é realmente bíblica no seu pensamento

alto e sublime trono”. Estaria correto,

contemporâneos dos profetas trazendo

a respeito de Deus, nenhum homem é

portanto, dizermos que foi ali exercida

os seus sacrifícios e observando os seus

verdadeiramente religioso, nenhum ho-

uma santidade soberana assim como

dias de festa. No entanto Deus disse:

mem é verdadeiramente evangélico até

uma soberania santa. Ali visualizava-se

“Estou farto de tudo isso. Não continueis

que esses conceitos tenham impregna-

uma graça soberana assim como a so-

do as fibras nervosas da sua experiên-

berania cheia de graça. Esta exposição

a trazer ofertas vãs; ...quando multiplicais as vossas orações, não as ouço”. E se

cia. Em outras palavras, Warfield diria

ao Senhor, como Rei, trouxe consigo

eu e você tivéssemos estado lá como es-

que um calvinista acadêmico é uma

vários resultados específicos na vida

pectadores, teríamos dito que a religião

contradição de termos; a mesma coisa

do profeta.

em Israel ia muito bem, obrigado. Mas

que se falar do termo contraditório: um “cadáver ambulante”. Quando a alma e o

quando este homem teve uma visão e Em primeiro lugar, esse contato

um senso da majestade de Deus, a visão

calvinista está morta ou ausente, tudo

com Deus trouxe a ele um conhecimen- trouxe consigo não só um vislumbre da to da sua própria pecaminosidade. “Ai de sua própria pecaminosidade, mas tammim! Estou perdido! Estou em choque. bém uma percepção completa do seu Desfaleço!” Quem era ele? Seria ele um estado natural, de sua geração.

que sobra é uma carcassa e o mau chei-

andarilho qualquer arrancado das es-

ro nas narinas de Deus, e, muitas vezes,

tradas e que costumava falar palavrões

corpo estão separados é porque a morte se fez presente, e Warfield nos ensinaria que quando a alma do pensamento

Em segundo lugar, esse contato

o odor desagradável na igreja quando

para aqueles que não gostavam das

com Deus trouxe um conhecimento ex-

este se acha presente no ministro.

coisas que lhe interessavam? Era ele

perimental da graça e do perdão. Quan-

algum tipo de estudante sem rumo, sob

do Isaías sentiu a sua impureza, a sua

Considerando Isaías 6 → Com este

a cobertura das proposições vazias da

ruína na presença do Senhor, o serafim

pano de fundo quanto às implicações

nova moralidade, dando vazão às suas

toma uma brasa viva do altar do sacri-

pessoais, eu gostaria que considerásse-

paixões animalescas? Não! Essa pessoa

fício, uma brasa que se torna o símbolo

mos uma passagem das Escrituras, na

era Isaías e, conforme todas as indica-

da base sobre a qual Deus perdoa pe-

qual temos um relato histórico de como

ções das Escrituras, tratava-se de um

cadores. Essa brasa toca os lábios do

Deus faz um calvinista. Veja Isaías 6: “No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono”.

homem santo, um homem de Deus, o

profeta, e apesar de sentir dor no seu

que chamaríamos de um cristão dedica-

íntimo, há também uma maravilhosa

do. Mas ele ainda teria de ter uma visão

palavra de graça: “A tua iniquidade foi

Isaías, que conhecia o rei Uzias muito

do Senhor que o quebrantasse e o sacu-

retirada e limpo o teu pecado”. Eis aí um

bem, e o tinha visto no seu trono, diz

disse, no sentido de expor a corrupção

homem que foi trazido a uma visão do

que, no ano em que aquele rei morrera,

inerente ao seu próprio coração e à sua

seu próprio pecado, de maneira tal que

ele viu o verdadeiro Rei. Ele O menciona

própria vida. Eu creio que Deus jamais

ele se pergunta quem pode habitar na

de novo no final do versículo 5: “e os

faz calvinistas, ao apresentar-lhes Sua

presença de alguém como o Senhor. É

meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!”. E ele O viu essencialmente

glória e majestade, sem também trazer

para esse tipo de pessoa que a palavra

consigo esta exposição mensurável ao

de perdão é humilhante, opressora e

como um Rei entronizado.

pecado à luz da Sua soberania e da Sua

cativante. A razão porque a graça é

Aqui está o registro de como Deus

santidade. Essa visão também trouxe

tão pouco apreciada nos nossos dias é

faz um calvinista, como Deus levou um

consigo um vislumbre profundo do seu

porque a majestade transcendente e a

homem a ter uma visão da majestade de

estado natural e de sua geração. Note

soberania e a santidade de Deus são tão

10

Revista Os Puritanos 2•2010


A Experiência de Deus

pouco estimadas. Nós enxergamos pouco mais do que meio palmo entre Deus e nosso ego pecaminoso. Todavia, Isaías viu essa questão como ela é de fato, como um abismo profundo, e quando o Senhor soberanamente estendeu Sua misericórdia por cima daquele abismo e o tocou, então, ele se tornou um homem que evidenciou o fruto da graça. Em terceiro lugar, esse contato com Deus fala de um homem que foi trazido à completa resignação perante Deus. Tendo sido purificado, em seguida Isaías nos diz: “Ouvi a voz do Senhor que di-

zia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós?”. Note a reação do profeta. Tendo visto o Senhor na Sua soberania e san-

lógica foi saciado por meio do sistema teológico calvinista. Você “viu” a Deus?

Um calvinista

Você foi trazido para perto dEle? Essa

acadêmico é uma

lavras de B.B.Warfield: “Um calvinista é

contradição de termos; a mesma coisa que se falar do termo contraditório: um “cadáver ambulante”.

tidade, e a si mesmo na sua imundícia,

é a questão. Eu vou relembrá-lo das paum homem que ‘viu’ a Deus”. A expressão “um calvinista orgulhoso” é uma contradição de termos. Se um calvinista é um homem que viu a Deus assim como Ele é, alto e elevado, entronizado, então ele é um homem que foi trazido ao quebrantamento perante aquele trono assim como foi Isaías. Um calvinista carnal? Outra contradição de termos! O Entronizado é o Santo, e Ele habita em comunhão consciente com aqueles que se relacionam corretamente com Ele como sendo o Entronizado e o Santo. Estas duas coisas são colocadas juntas

e tendo ouvido a palavra de graça e

de maneira belíssima em Isaías 57:15

perdão, o que pode um homem fazer

Senhor, mas isso não é justo. Não me

onde o profeta diz: “Porque assim diz o

quando o Senhor fala e ele ouve a Sua

chames a um trabalho como esse!”?

voz, senão dizer “Eis-me aqui!”? Nada

Não, de modo algum! Ele simplesmen-

existe aqui do missionário que conta

te diz, “Até quando, Senhor?”. Em outras

histórias “água com açúcar” sobre o

palavras, “Senhor, Tu tens todo direito

Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito”. O

pecado humano e sobre a necessidade

de me enviar para um ministério que

que é contrição? É a reação de um pe-

humana, na tentativa de arrancar jo-

vai ser basicamente um ministério de

cador na presença de um Deus Santo. E

vens dos bancos da auto-indulgência

endurecimento e julgamento. Tu és

o que é humildade? É a reação de um

em que se assentam, e de extraí-los de

Deus. Eu sou pecador. O que eu posso

súdito na presença de um soberano.

sua rebelião para com a vontade revela-

fazer senão ser cativo à expressão da

Isaías jamais esqueceu esta visão, e ele

da de Deus, no sentido de fazer com que

tua vontade, não importa quais sejam

diz: “Este grande Deus habita naquele

eles profiram um “Eis-me aqui!” Temos

as implicações?”

alto e sublime lugar, com ele também

aqui apenas o reflexo de um homem

É isso o que Deus faz, quando torna

aquele de espírito abatido e contrito,

que viu o Senhor e ouviu a Sua voz, e diz,

uma pessoa calvinista. De uma forma

para reviver o espírito humilde, e rea-

“Eis-me aqui Senhor, envia-me a mim!”.

ou de outra, Ele lhe dá uma visão da

vivar o coração dos contritos”.

E então, no seu papel, o Senhor testa

Sua própria majestade, soberania e

Se o entendimento que você tem do

a profundidade de tal confissão e nós

santidade como sendo o Alto e Sublime,

pensamento calvinista o levou ao ponto

vemos uma total resignação à vontade

que acaba trazendo consigo um senso

onde você pode, por assim dizer, se glo-

e aos caminhos do Senhor, não importa

experimental profundo e pessoal da pe-

riar em sua liberdade e usá-la como pre-

quão estranhos possam parecer, pois se

caminosidade humana e em termos da

texto para licenciosidade, então você

torna imediatamente claro ao profeta

nossa própria natureza. Esse encontro

jamais se tornou um calvinista bíblico.

que ele vai ter um ministério primaria-

traz um conhecimento íntimo da voz de

Deus faz calvinistas hoje da mesma for-

mente de julgamento: “Vai e dize a este

Deus, uma total resignação à vontade e

ma que Ele os fazia nos dias de Isaías.

povo: ouvi, ouvi e não entendais; vede, aos caminhos de Deus. vede, mas não percebais. Torna insensível o coração deste povo!”. “Isaías, eu Você é um Calvinista? → Para apli-

vinista só porque pode repetir como um

te comissiono a um ministério de endu-

carmos isso, eu quero dizer que não

papagaio as frases que chegaram até ele

recimento e de julgamento”. E agora, o

fale em ser um calvinista simplesmente

por meio da grande herança da literatu-

que faz o profeta? Ele recua e diz: “Ah

porque o seu apetite por consistência

ra reformada. Ele tem que perguntar a

Revista Os Puritanos 2•2010

A meu ver, eu creio que um homem não tem o direito de falar em ser um cal-

11


A.N. Martin

si mesmo, se foi o Espírito Santo que o

criatura. Que mais posso fazer senão

trouxe a este profundo senso de que foi

dizer “Eis-me aqui?”.

Deus que operou nele, pelo menos em

e contrição. Olhando o outro lado mais positivo, ela deve produzir gratidão, na

Ó, o prazer indizível de conhecer e

expectativa de que Deus, exercitando

alguma medida, a graça da humildade.

fazer a vontade de Deus! Não só traz

os Seus direitos soberanos, me abençoe

Fui eu dotado de dons e habilidades? Se

humildade e submissão, mas contrição

com sanidade, saúde corporal, clareza

assim for, que tenho eu que não tenha

verdadeira, porque eu, então, vejo que

de mente e, acima de tudo, com a Sua

recebido? Quem me faz sobressair? Se

todo pecado tem sido um espírito vio-

graça, produzindo a confiança de que

Deus me dotou de dons e habilidades

lentamente anarquista exercido contra

Deus está no Seu trono e que nada no

sejam intelectuais ou doutra ordem, eu

os direitos de Deus. Tenho falhado em

passado, no presente ou no futuro fez

reconheço que os tenho porque o So-

amá-Lo com todo meu coração? Então

aquele trono se abalar um milésimo

berano sobre o trono se agradou em

isso tem sido anarquia. Ele exige e é

de centímetro sequer de sua posição.

dispensá-los a mim, e a única diferença

digno da minha afeição integral. Tenho

Jeová reina! Trema a terra. Confiança,

entre mim e aquela pobre criança retar-

falhado em amar meu próximo como a

confiança inabalável, alegria, indepen-

dada que me comove o coração, é que

mim mesmo e tenho expressado esse

dentemente do que se passe na minha

Ele se agradou em me fazer diferente.

pecado ao desrespeitar meus pais, des-

esfera de visão! Tudo está bem onde Ele

“Quem te faz sobressair?”. O homem que

respeitar os direitos e a vida de outros,

está assentado.

está na presença de um Deus entroni-

a pureza e a santidade de outros, a repu-

Deus fez de você um calvinista? Eu

zado, e que teve esta visão e senso da

tação de outros? Vá aos dez mandamen-

não estou perguntando se você leu um

majestade de Deus, reconhece que tudo

tos e aprenda que quebrar qualquer um

livro de Boettner, de Kuyper ou de War-

que ele tem lhe foi dado. Humildade não

deles é, no seu âmago, uma anarquia

field e você se tornou calvinista. Estou

é timidez. Humildade é aquela disposi-

violenta contra os direitos entroniza-

perguntando se Deus lhe deu uma “vi-

ção de reconhecimento honesto. Ele é

dos de Deus. Todo orgulho — o que não

são” dEle? Ele lhe quebrantou? E lhe

Deus, e eu não passo de uma criatura.

passa de uma tentativa de partilhar da

trouxe àquele lugar, por Sua graça, de

Tudo o que eu tenho vem dEle e lhe é de-

glória que pertence ao trono, e ao Deus

humildade, submissão, contrição, gra-

vido em adoração e em honra. Ele trará

sobre aquele trono, e dizer na realidade,

tidão, confiança e alegria? Isso é o que

consigo a submissão que nós vemos em

“Ó Deus, por favor me deixe entrar em

Isaías. Ele está assentado sobre o trono;

cena e levar um pouquinho da glória

eu não tenho direito algum de defesa,

também?”. Não seria isso orgulho? — é

no entanto tenho o indizível privilégio

uma tentativa ímpia de compartilhar o

de conhecer e fazer a Sua vontade. Não

louvor do Deus entronizado!

foi esse o reflexo que levou Isaías a agir?

E assim, esta visão de Deus não pode

O Senhor está sobre o trono; eu sou a

senão produzir humildade, submissão

faz de alguém um calvinista. A.N. Martin serviu como ministro na Trinity Baptist Church Of Montville - New Jersey, desde sua criação em 1967. Com mais de 30 anos de experiência pastoral e o seu evidente dom de pregar aplicativamente, o fez um pastor e conselheiro amplamente reconhecido. Tem sido frequentemente convidado para falar em conferências e outros encontros especiais ao redor do mundo.

Catecismo Maior de Westminster P.62 → Que é a Igreja Visível?

R. A Igreja visível é uma sociedade composta de todos quantos, em todos os tempos e lugares do mundo, professam a

verdadeira religião, juntamente com seus filhos.

P: 63 → Quais são os privilégios da Igreja visível?

R. A Igreja visível tem o privilégio de estar sob o cuidado e governo especial de Deus; de ser protegida e preservada em

todos os tempos, não obstante a oposição de todos os inimigos; e de gozar da comunhão dos santos, dos meios ordinários de salvação e das ofertas da graça por Cristo a todos os membros dela, no ministério do Evangelho, testificando que todo o que crer nEle será salvo, não excluindo a ninguém que queira vir a Ele. Ref. P.62: 1 Cor. 1:2; Gen. 17:7; At. 2:39; 1 Cor. 7:14. Ref. P.63: Isa. 4:5-6; Mat. 16:18; At. 2:42; Sal. 147:19-20; Ef. 4:11-12; Rom. 8:9; João 6:37.

12

Revista Os Puritanos 2•2010


O Presbiterianismo no Brasil e a Subscrição Confessional Quantas igrejas ainda fazem o salutar uso dos Catecismos em suas classes de Catecúmenos ou que o incentivam no uso familiar? Ulisses Horta Simões

A

contrário à predecessora americana (PCUSA).8 Algo que não é fácil explicar é a razão pela qual certas edições da

primeira igreja presbiteriana a se instalar no

Confissão de Fé, por uma iniciativa do início do século

Brasil foi a Igreja Presbiteriana do Brasil. Tanto

assinada por John Merryl Kyle, vinham trazendo estes

a Junta de Missões da então PCUSA quanto a

textos não aprovados pela IPB9. Mas o próprio Pierson

da PCUS (após 1867) estiveram envolvidas nas ações

nos afirma que a IPB não as adotou10 e que “nenhu-

missionárias no país. O fundador, Ashbel Green Simon-

ma modificação subsequente foi feita”11, evidentemen-

ton, era um ministro da igreja do norte, ordenado sob

te após a formação do Sínodo do Brasil, em 1888. No

os auspícios da “Old School”, em função da influência

entanto, a edição mais recente da Confissão de Fé da

de Hodge, seu professor em Princeton. Paul Pierson é

Igreja Presbiteriana do Brasil, embora não mais conten-

de opinião que este fato moldou uma combinação de

do a Declaração Explicativa, agrega os dois capítulos

duas características da futura igreja: “a predominância

adicionados sem dar qualquer indicação de quando a

da ortodoxia de Westminster e o espírito eclesial que,

IPB tenha resolvido adotá-los, ou que tenha mudado de

no contexto brasileiro, se tornou bastante autoritário

posição. Certamente faltou uma indispensável nota de

em certos tempos”1. Pierson afirma ainda que, em sua

explicação acerca da razão de lá constarem esses dois

opinião, a IPB que surgiu no século XIX foi fruto do

capítulos12.

Presbiterianismo da Velha Escola, o que se evidencia

No âmbito da Igreja Presbiteriana Independente,

pelos primeiros missionários que vieram e pelas pri-

surgida em 1903, também houve controvérsia sobre

meiras obras teológicas publicadas em Português (exa-

a subscrição confessional. Por volta de 1938, o Sínodo

tamente o Comentário à Confissão de Westminster de

Geral da IPIE recebeu uma consulta sobre a validade

A. A. Hodge , bem como a Confissão e os Catecismos:

de uma licenciatura ao ministério de um candidato que

Acrescenta ainda que dentre os teólogos mais citados

declarasse exceção quanto a uma doutrina da Confis-

2

no Brasil, Charles Hodge, Thornwell e Dabney sempre

são de Fé, no caso o Capítulo XXXIII:2, que versa sobre

eram presentes!”3. Daí, diz ainda, o Presbiterianismo

“as Penas Eternas”. O caso é verídico: o candidato em

brasileiro se tornou “fortemente conservador desde o

questão disse que não subscreveria essa doutrina, além

princípio”.4

de haver declarado sua inclinação à doutrina herética

Este historiador nos informa ainda que, quanto à

do “aniquilamento dos ímpios”, e o seu presbitério, mes-

subscrição confessional, a IPB adotou, em seu Livro de

mo sob protesto de vários de seus membros, decidiu

Ordem de 1937 um requerimento estrito de todos os

licenciá-lo. Tal natureza de assunto gerou uma enorme

seus ordenandos: antes estes apenas tinham que sus-

controvérsia dentro da denominação, o que conduziu, ao

tentar o governo da Igreja Presbiteriana do Brasil; daí,

fim, à separação dos chamados “conservadores” de entre

passaram a votar também uma aceitação estrita dos Sím-

os liberais da IPIE, vindo os primeiros a constituir uma

bolos de Westminster, isto é, não apena como contendo,

nova denominação a Igreja Presbiteriana Conservadora

mas sendo o sistema de doutrina da Bíblia.5

do Brasil. E um dos seus ministros, o Rev. João Alves dos

Quanto às mudanças efetuadas pelas igrejas-mães6,

Santos, que também é professor no CPAJ da IPB, oferece

em 1903, nada se encontra no Digesto Presbiteriano

um substancioso histórico dos eventos.13 Pierson ainda

pioneiro de Mário Neves7; é Pierson, mais uma vez, quem

acrescenta o dado de que a polêmica alcançou também o

nos socorre, informando que a IPB não as adotou, ao

seminário Independente, no qual o candidato à licencia-

Revista Os Puritanos 2•2010

13


Ulisses H.Simões

tura havia estudado, “onde quatro dos liberais eram professores”.

14

Obviamen-

te que os liberais a que se refere eram

lavra, requer “lealdade à Confissão de

mandato numa igreja — “irmão, onde

Fé, aos Catecismos e à Constituição da

está sua Confissão de Fé?” — ou então

Igreja Presbiteriana do Brasil”.16 Quan- — “irmão, você já leu toda a Confissão de

ministros da IPIB que tendiam a favor da

to ao Manual do Culto, este dispõe a

Fé?”, viemos a receber respostas negati-

liberdade de proceder-se à licenciatura

questão da subscrição confessional

vas. Numa igreja em que, oficialmente, o

para o ato público de ordenação, tanto

voto de subscrição do presbítero regen-

Quanto à IPIB, isto é, ao contingente

de diáconos quanto de presbíteros e

te é exatamente igual ao do presbítero

remanescente depois da saída dos “con-

ministros, e bem assim para licenciatu-

docente, é de se perguntar: quem pode

servadores”, o que transparece é que

ra de candidatos ao ministério, com o

garantir a sinceridade e a honestidade

a questão confessional e subscricional

seguinte teor: “Recebeis e adotais sin-

de um voto assim?

passou mesmo por mudanças. Hoje, a

ceramente a Confissão de Fé e os Cate-

denominação apresenta características

cismos desta Igreja, como fiel exposição

não conseguem reconhecer os riscos

que deixam um observador externo

do sistema de doutrina ensinado nas

de acalentar doutrinas espúrias como

à vontade para anotar decisões que

Santas Escrituras?”.17

muitas que temos visto e enfrentado

do candidato, a despeito da exceção.

Quantos pastores e presbíteros que

À primeira vista, tal formulação da

modernamente, e permitem que sejam

liberalização: a denominação referenda

pergunta não deixa margem para dú-

cultivadas nas suas igrejas, até convi-

a agenda ecumênica internacional do

vida sobre o objeto da subscrição — é

dando palestrantes de outras confis-

percebem a denominação no rumo da

via Alian-

mesmo à Confissão de Fé e aos Cate-

sões, com convicções alheias ao siste-

ça Mundial de Igrejas Reformadas; além

cismos da Igreja que o ordenando ou

ma doutrinário de Westminster, para

Concílio Mundial de Igrejas

15

disto, ironicamente, voltou a IPIB a se

licenciando subscreve. Por que então

ministrá-las aos seus rebanhos. São

relacionar com a PC (U.S.A.) após a fusão

é difícil de se definir? Porque o pano-

doutrinas como o carismatismo (que se

das duas denominações presbiterianas

rama que se enxerga na denominação

abre para as revelações contemporâne-

norte-americanas em 1983. Mais que

não reflete o que se subscreve! Apa-

as), línguas e profecias, maldições here-

isso, a IPIB aprovou recentemente a or-

rentemente, cresce o número de minis-

ditárias, “confissão positiva” e “palavra

denação feminina em quaisquer níveis

tros que são trôpegos no púlpito ou no

de fé” (que impõem uma dimensão hu-

de seu ministério, tal como já têm feito

ensino, procurando proporcionar bem

manista em detrimento da divina sobre

as denominações chamadas “reforma-

estar atraente, muitas vezes na forma

as realizações e os decretos), conceitos

das” que estão adotando a agenda do

de entretenimento associado ao cultivo

de “unção” (que tão alienados se encon-

liberalismo moderno; isto significa, para

do experiencialismo, mas oferecendo

tram do sentido bíblico da palavra), o

todos os efeitos, a adoção de uma “qua-

pouca substância da Palavra e doutrina,

uso do evangelicalismo conversionis-

lificação” oficial surpreendente sobre os

e deixando de “anunciar todo o desíg-

ta e universalista (que depõe contra a

capítulos XXX e XXXI da CFW: o texto

nio de Deus” (Atos 20.27). Em muitas

soteriologia calvinista), a proclamação

sempre se refere, e todas as denomina-

partes do país se repetem ocorrências

franca e aberta do dispensacionalismo

ções reformadas assim entenderam até

de pastores que sucumbem facilmente

(que está numa via frontalmente oposta

ao advento do liberalismo, tratar-se de

a “cantos de sereias”, isto é aos ventos de

à doutrina da Aliança do Reino), e assim

“homens” para o presbiterato; somente

doutrinas, que frequentemente vêm as-

por diante; estas são ministradas irres-

uma reinterpretação do gênero masculi-

sociados a métodos populistas de cres-

ponsavelmente sobre a vida dos servos

no usado no texto, passando a significar,

cimento. Há mais de cento e sessenta

de Deus, em muitos casos sem o devido

masculino e feminino ao mesmo tempo,

anos, Samuel Miller alertava colegas da

zelo pela sanidade da doutrina, como é

poderia permitir tal mudança. Em ou-

igreja do Norte, muitos deles seus ex-

dever pastoral. Pergunta-se: onde está

tras palavras, o significado livre estaria

alunos em Princeton, contra esse risco18.

a “lealdade” da subscrição?

recaindo sobre a idéia de “gênero hu-

Por outro lado, é triste ver que mui-

mano”. Foi o que aconteceu com a IPIB.

tas igrejas naufragam em determinados

que

Continuando o diagnóstico, se é

Voltando à IPB, o quadro que hoje

fracassos acarretados por seus próprios

quantas igrejas ainda fazem o salutar

se nota é difícil de se definir. A Consti-

pastores, quando poderiam evitá-los se

uso dos Catecismos em suas classes de

possamos

fazê-lo,

inquirimos:

tuição da Igreja, em seus Princípios de

tivessem em bom número presbíteros

Catecúmenos ou que o incentivam no

Liturgia, dispõe que o ato de ordena-

preparados, firmes na doutrina; quan-

uso familiar? Pode-se perguntar ainda:

ção e instalação, tanto de presbíteros

tas vezes, tendo feito a pergunta a

quantos presbitérios podem se sentir

e diáconos, quanto de ministros da Pa-

presbíteros já em pleno exercício de seu

honesta e suficientemente desincumbi-

14

Revista Os Puritanos 2•2010


O Presbiterianismo no Brasil e a Subscrição Confessional

dos em relação ao exame que fazem de

É fato que a questão confessional,

seus candidatos ao ministério? Quantos

seja enfocando o conteúdo, seja a

conselhos também o podem em relação

hermenêutica, seja a subscrição dos

aos candidatos ao oficialato da igreja?

Símbolos de Fé, sempre esteve no epi-

Quantos presbitérios executam com a

centro de turbulências denominacio-

devida e necessária seriedade o escru-

nais; algumas provocaram divisões, é

tínio dos ministros de outras confissões

verdade. Outras, com menos frequência

que se candidatam e pleiteiam o minis-

provocaram e têm provocado reflexões

tério presbiteriano em suas jurisdições?

sadias. O que está acontecendo com a

Qual o motivo, pergunta-se, de crescer

PCA nos Estados Unidos, presentemen-

o número de judicações presbiteriais

te, é salutar. Mas certamente ajuda

por afinidade teológica, e não por es-

lembrar que também foi assim no pas-

tratégia geográfica, paroquial? Miller

sado: os primeiros concílios, aos quais

também condenava tal artifício, com

toda a cristandade tributa seu apreço,

tristeza por ver que já se tornava reali-

correram também esses riscos. E cor-

dade em sua denominação, há mais de

reram conscientemente. Não há de ser

um e meio século19.

diferente hoje.

Se esse quadro for verdadeiro, ainda que sem correr o risco de proclamar se ele reflete maioria ou minoria, vale a pena a IPB voltar os olhos para a história vivida pelas denominações que a antecederam nessas mesmas questões.

Extraído do livro Subscrição Confessional do Rev. Ulisses Horta Simões, pp 158-164 Rev. Ulisses Horta Simões é Prof. de Teologia Sistemática e Apologética no Seminário Presbiteriano de Belo Horizonte, Mestre em Teologia Sistemática pelo CPAJ (Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper) 1 Paul E. Pierson, A Younger Church in Search of Maturity (San Anto nio: Trinity University Press, 1974), 1974.

2 Publicação esta que, desde há muito, foi descontinuada pela editora oficial da denominação, e só recentemente re-lançada em Português pela Editora Os Puritanos. 3 Ibid, 95. 4 Ibid,97 5 Ibid, 192. 6 Ou seja, acréscimo em XVI:7 (Obras), os novos capítulos XXXI (Espírito Santo) e XXXV (Amor de Deus e Missões), e a “Declaração Explicativa”, bem como supressões em XXV:6 (Papa como Anticristo). 7 Mario Neves, Digesto Presbiteriano (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1950). 8 326 Pierson, A Younger Church, 26. 9 Confissão de Fé e Catecismo Maior da Igreja Presbiteriana (São Paulo Casa Editora Presbiteriana, 1980). O mesmo vale para as edições de 1970 e 1951, por nós consultadas. 10 Pierson, A Younger Church, 99. 11 Ibid, 63. 12 Nota importante: Uma vez que o texto original do livro é anterior a 2002, digna de crédito, nos tempos mais recentes, é o esforço do atual trabalho editorial da publicadora presbiteriana, procurando corrigir essa falha histórica, consignando os devidos escrúpulos históricos à matéria. 13 http://www.ipcb.org.br/historia/ a_questao_ doutr.htm. 14 Pierson, A Younger Church, 193. 15 Ver O Estandarte, N°104, Ano 11, Novembro de 1997, p. 10. 16 Manual Presbiteriano, 15a Edição, Artigos 28 e 33 (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1999), 120, 122. 17 Manual do Culto. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 60, 65,69, 72. 18 Miller, Doctrinal Integrity, 65. 19. Ibid, 111, 116.

A Morte de John Bunyan A morte de John Bunyan ocorreu no dia 31 de Agosto de 1688, há pouco mais de trezentos anos. Bunyan nasceu em Elstow próximo a Bedford em 1628. Ele foi submetido a uma poderosa obra do Espírito de Deus em 1650. Foi pastor em Bedford por dezesseis anos, morreu em Holborn e foi sepultado em Bunhill Fields. O relato a seguir, da sua morte, é de George Offor escrito em suas memórias, de 1862. O tempo foi chegando em que, em meio à sua utilidade, e com pouco aviso, ele seria convocado para o descanso eterno. Ele foi gravemente acometido da perigosa pestilência que em anos anteriores havia devastado o país, chamada de doença do suor, uma doença tão misteriosa e fatal quanto a cólera seria em tempos posteriores. A doença foi acompanhada por uma grande prostração da força; mas, sob a gestão cuidadosa da sua afetuosa esposa, sua saúde foi suficientemente restaurada para lhe permitir responsabilizar-se por uma obra de misericórdia; cuja conclusão, como um abençoado fechamento à sua incessante obra terrena, faria com que ele ascendesse ao seu Pai e seu Deus para ser coroado com a imortalidade. Um pai tinha ficado gravemente ofendido com seu filho, e tinha ameaçado deserdá-lo. Para evitar o duplo dano de um pai morrer com ira contra seu filho, e a horrível consequência para um filho de ser arrancado de seu patrimônio,

Revista Os Puritanos 2•2010

15


Bunyan novamente aventurou-se, em seu debilitado estado, na sua obra costumeira de conquistar as bênçãos de um pacificador. Ele fez uma viagem a cavalo até Reading, sendo aquele o único modo de viajar naquela época, e foi recompensado com sucesso. Regressando para casa passou por Londres para transmitir as gratificantes notícias, quando foi apanhado por um grande volume de chuvas, e, em exaustão, encontrou um agradável refúgio na casa de seu amigo cristão, o senhor Strudwick, e foi ali acometido de uma febre fatal. Sua tão amada esposa, que tinha clamado tão fortemente por sua liberdade junto aos juízes, e com quem ele estava unido há trinta anos, estava distante dele. Bedford ficava então a dois dias de viagem de Londres. Provavelmente, a princípio, seus amigos tinham esperanças de uma rápida recuperação; mas quando o golpe veio, todos os seus sentimentos, e dos seus amigos, parecem ter sido tão absorvidos pelas aguardadas bênçãos da imortalidade, que não temos registros que indiquem que sua mulher, ou algum de seus filhos, tenham visto ele atravessar o rio da morte. Existe abundante testemunho de sua fé e paciência, e de que a presença de Deus estava claramente com ele. Ele suportou seus sofrimentos com toda a paciência e coragem que poderia se esperar de um homem assim. Sua resignação foi exemplar; suas únicas manifestações foram: “um desejo de partir, de ser desfeito, de estar com Cristo”. Seus sofrimentos foram abreviados, sendo limitados a dez dias. Ele usufruiu de uma disposição mental santa, desejando que seus amigos orassem com ele, e unindo-se fervorosamente a eles neste exercício. Suas últimas palavras, enquanto lutava com a morte, foram: “não chorem por mim, mas por vós. Eu vou para o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sem dúvida, através da mediação de seu bendito Filho, me receberá, apesar de pecador, no lugar onde espero que em breve estejamos reunidos, cantando um novo cântico, e permanecendo eternamente felizes, num mundo sem fim. Amém”. Ele sentiu o chão firme a seus pés na passagem do rio negro que não tem ponte, e seguiu o seu peregrino para dentro da cidade celestial em Agosto de 1688, no sexagésimo ano da sua vida. As circunstâncias do seu pacífico falecimento são bem comparadas pelo Dr. Cheever com a experiência de Esperança, quando este foi chamado pelo Senhor a atravessar o rio — o grande sossego, o firme fundamento, o discurso aos espectadores — até que sua expressão mudou, seu homem forte rendeu-se, e suas últimas palavras foram: “Recebe-me, porque eu venho a ti”. Então houve alegria entre os anjos enquanto saudavam o herói de tantos combates espirituais, que conduziu sua alma errante na jornada para a Nova Jerusalém, a qual ele tinha descrito de forma tão bonita como “a cidade santa”; e então houve nele pasmo e assombro ao descobrir quão infinitamente aquém sua descrição tinha ficado da jubilosa realidade. George Offor Fonte: Extraído do site Fire and Ice; Tradução: Juliano Heyse Fale conosco: mail@bomcaminho.com.

16

Revista Os Puritanos 2•2010


Deus Reclama Contra o Seu Povo

“O boi conhece o seu possuidor e o jumento a manjedoura do seu dono, mas o Meu povo não conhece a Mim” (Is.1:3) Por Dr. Don Kistler

P

Suas declarações em Isaias para avaliar o estado de coisas hoje:

ara compreendermos Deus, Ele deve falar para

“Meu povo conhece os conceitos financeiros; eles conhecem

nós em termos antropomórficos. Deus não tem

as linguagens do amor; eles conhecem a psicologia–pop;

um corpo, assim Ele não tem partes do corpo.

eles sabem como expressar suas ‘necessidades’ um ao ou-

Mas quando Ele nos fala de angústia, deve explicá-la

tro; eles sabem como dar abraço apertado nas mulheres;

de um modo que possamos entender. Assim nós temos

eles sabem como livrar-se dos demônios, como libertar-

Deus vociferando como se fosse um ser humano: “Ó mi-

se da opressão, como perder peso, como tomar decisões,

nha alma. Eu estou afligido no meu próprio coração”.

como amarrar satanás, como reivindicar isto e aquilo, como

Isto não podia ter sido o profeta Jeremias falando, pois no verso 22 o texto diz: “Pois o Meu povo não Me

expulsar demônios, e sabem um milhão de coisas periféricas... mas eles não me conhecem!”.

tem conhecido”. Jeremias não estava chorando porque seu povo não o conhecia. Ao contrário, Deus estava vo-

Nós parecemos interessados nos benefícios, mas não

ciferando que o Seu povo era tolo, e a essência da sua

no Benfeitor. Nós parecemos mais interessados no que

tolice era que eles não O conheciam! Está também declarado nesta passagem que a fonte

Deus pode fazer por nós do que quem Ele é em Si mesmo. Jonatham Edwards disse uma vez, e muito precisamente,

dos problemas deles era exatamente essa: sua ignorân- “Se nós amamos a Deus apenas pelo que Ele pode fazer cia do seu Deus. É muito mais gráfico e, de longe, menos

por nós, realmente amamos apenas a nós mesmos”.

lisonjeiro, em (Isaias 1: 2 – 3): “Ouvi, ó céus, e dá ouvido,

A coisa espantosa é que Deus tem revelado tanto de

ó terra, porque o Senhor é quem fala: Criei filhos e os

Si mesmo a nós, não apenas em Sua Palavra, mas na Sua

engrandeci, mas eles estão revoltados contra mim. O

própria criação. “Os céus proclamam a glória de Deus”,

boi conhece o seu possuidor e o jumento, o dono da sua

diz o salmista. Mas nós estudamos Astronomia vendo as

manjedoura; mas Israel não tem conhecimento, o meu

maravilhas de um Deus que faz tudo tão incrível! Deus

povo não entende”.

tem se revelado em Sua Palavra repetidamente. Mas

Na tradução da Septuaginta desta passagem, a palavra “Eu” é acrescentada depois das palavras “conhecimento” e “entende”. “Israel não me conhece, O meu povo não me entende”.

nós a usamos como um manual de auto-ajuda mais do que como um livro que revela Deus. Não me interprete mal. Existe muito na Escritura que pode nos ajudar, mas o foco da Escritura não somos nós

Muito se diz do que acontece em Atos quando Pau-

e nossos problemas, mas Deus e Sua Glória! Deus se

lo diz que ele viu o santuário ao “Deus desconhecido”,

revela no Antigo Testamento numa quantidade imensa

mas, é de temer que essa passagem descreva muitas

de formas. Agora Ele revela-se em Sua Palavra. Como

das assim chamadas igrejas Cristãs dos nossos dias, não

os Puritanos eram habituados a dizer, “A lei de Deus é

apenas o templo pagão dos dias de Paulo!

simplesmente o caráter de Deus em forma transcrita”.

Num recente artigo da revista “World” (Mundo) no

Deus revela-se e ao Seu caráter em Seus nomes. Cada

topo dos 100 livros cristãos mais vendidos, apenas

um dos Seus nomes revela algo do Seu caráter. Seus fei-

quatro foram remotamente sobre Deus, Cristo ou Sal-

tos revelam algo do Seu caráter. Nos disse: “Manifestou

vação ― e isto sendo extremamente caridoso em minha

os seus caminhos a Moisés e os seus feitos aos filhos de

avaliação deles. Você pode ouvir Deus reformulando

Israel” (Salmos 103: 7).

Revista Os Puritanos 2•2010

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Dr. Don Kistler

As narrativas da Escritura nos dizem

túpidos, que eram destituídos de todo

como Deus faz as coisas, e a partir daí

conhecimento, como pedras ou animais

podemos deduzir muito do Seu caráter. Mas não parecem estar interessados nos benefícios de Deus. E não devemos nos surpreender de que Deus notifica isto, como vimos em Isaias e Jeremias. Afinal de contas, nós somos ordenados a “crescer na graça e no conhecimento do Senhor Jesus Cristo”. Nós somos ordenados a amar a Deus com todo o nosso entendimento. O conhecimento de Deus é tão amplo que Deus resume tudo da vida eterna com estas palavras: “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”. (João 17: 3). A vida eterna

Meus amigos;

brutos, sem uma partícula de uma mente sã ou conhecimento racional perma-

olhem para tudo o

necente neles.

que Deus tem feito

tinguir o preto do branco? Não, mas que

para revelar-se, e quão agressivamente o homem tem rejeitado esse conhecimento.

é conhecer Deus e Cristo. É conhecer

Isto significa que eles não podem diseles são totalmente ignorantes de fazer o bem, de fazer aquilo que é agradável a Deus. Ele admite que eles sejam sábios para o mal, mas fazer o bem, eles não sabem. A idéia de tolo ou estúpido aqui também carrega com ela uma arrogância óbvia; eles não são apenas estúpidos, mas eles são arrogantes em sua ignorância, que chama à mente as palavras de Paulo: “professando a si mesmos serem sábios, eles tornaram-se tolos”! Meus amigos; olhem para tudo o que

sobre eles tanto quanto é conhecer a

Deus tem feito para revelar-se, e quão

eles. Você não daria dois centavos para

córdia. Em Oséias 6: 6 Deus declara que

agressivamente o homem tem rejeitado

alguém que queria um relacionamento

está mais interessado no conhecimento

esse conhecimento. Em Romanos, Pau-

com você, mas não estivesse interessa-

d’Ele mesmo, do que em holocaustos.

lo nos diz que Deus colocou o conhe-

do em quem você era! E muito menos Deus faz isso, meus amigos.

O Apóstolo Paulo disse que graça e

cimento d’Ele mesmo, dentro de cada

paz seriam multiplicadas a nós através

homem, de modo que todos os homens são indesculpáveis (Rm 1: 20).

Agora compare a atitude da maioria

do conhecimento de Deus (2 Pedro 1: 2).

de nós hoje com a do apóstolo Paulo,

De fato, ele diz que “... todas as coisas

Paulo diz que os atributos invisíveis

que declarou, “Porque decidi nada sa-

que conduzem à vida e à piedade, pelo

de Deus são claramente vistos. Ele en-

ber entre vós, senão a Jesus Cristo e

conhecimento completo daquele que

tão explica que a ignorância de Deus é

este crucificado”. Que contraste, não é?

nos chamou” (2 Pedro 1: 3). Esta é uma

uma escolha consciente que os homens

E, contudo, não é bastante dizer apenas

declaração abrangente, não diria você?

têm feito. Ele diz, “porquanto, tendo co-

que desejamos conhecer Jesus, pois o

Através do verdadeiro conhecimen-

Próprio Jesus estabeleceu que conhe-

to de Deus, que pressupõe existir um

nhecimento de Deus ...” E então Paulo continua a dizer: “Eles

cê-Lo era conhecer o Pai. O Espírito nos

falso conhecimento, vem “tudo” que

não têm Deus em seus pensamentos”.

aponta para Deus.

tem algo a ver com vida (zoe, do qual

Agora, antes de você não poder ter Deus

O profeta Oséias conecta alguns dos

nós temos Zoologia) ou santidade. A

em seus pensamentos, você tem de ter

pontos para nós quando diz em nome

vida física e a vida espiritual, todas têm

Deus em seus pensamentos, certo? As-

de Deus: “Ouvi a palavra do SENHOR,

como sua fonte o verdadeiro conheci-

sim o ateísmo é uma escolha consciente

vós, filhos de Israel, porque o SENHOR

mento de Deus, e tudo que tem a ver

da parte dos homens perversos para eli-

tem uma contenda com os habitantes

com qualquer dessas duas coisas!

minar o conhecimento de Deus das suas

da terra, porque nela não há verdade,

É algo assombroso, então, que Deus

consciências. O ateísmo não é uma coi-

nem amor, nem conhecimento de Deus”

diga em Jeremias que o Seu povo é tolo

sa intelectual, é uma coisa moral! Deus

(Oséias 4: 1).

por não conhecê-Lo? O hebraico leva

diz repetidamente: “Eles têm rejeitado o conhecimento”.

Não há verdade, e não há miseri-

consigo a idéia de que as pessoas não são

córdia na terra, Por que não? Porque

apenas tolas, mas que são moralmente

Nós não conhecemos Deus porque

não há conhecimento de Deus na terra.

deficientes; e então, Deus acrescenta

não é importante para nós fazê-lo. É

Estes itens são inseparáveis. Somente

que elas não têm nenhum entendimento.

muito mais importante para nós co-

na medida em que há conhecimento de

Calvino diz que a palavra sugere que

nhecer a nós mesmos do que conhecer

Deus na terra haverá verdade ou miseri-

eles eram tão tolos, tão insensatos e es-

a Deus. Mas é uma escolha consciente,

18

Revista Os Puritanos 2•2010


Deus Reclama Contra o Seu Povo

e todos nós, até o último de nós, somos

nhor”. Nós devemos confessar o pecado

indesculpáveis.

“O boi conhece o seu possuidor e o ju-

da ignorância auto–imposta e afastar-

mento a manjedoura do seu dono, mas

Em Efésios 4: 17–18, Paulo explica

mo-nos dela. E devemos agora dar-nos

o Meu povo não conhece a Mim”. Deste

que os pecadores caminham na futi-

a conhecer não apenas os fatos sobre

momento em diante, devemos proposi-

lidade das suas mentes, tendo o seu

Deus, mas o Deus dos fatos. Como Ele

tada e agressivamente empenharmo-nos

entendimento obscurecido, estando

pensa? Como Ele age? Como Ele age da-

em elevarmo-nos acima do status dos

alienados da vida de Deus, por causa

quela maneira? O que isso me diz sobre

bois e jumentos em nosso conhecimento.

da ignorância que está neles, por causa

Sua natureza e caráter?

Estejamos determinados a conhecer ao

da cegueira do seu coração porque eles

Adolescente, eu ouso dizer que

entregaram-se a si mesmos ao pecado.

vocês sabem mais sobre Justin Timber-

Nós somos amantes do prazer ao in-

lake1 e Britney Spears do que sabem a

vés de amantes de Deus. Esta é a acusação

respeito de Deus. Adultos, eu ouso di-

sob a qual nós todos permanecemos; esse

zer que vocês conhecem mais sobre seu

é nosso problema, e ele é auto–induzido.

herói esportivo favorito, filme favorito,

Assim, o que devemos fazer? De-

ou grupo musical favorito do que você

vemos “prosseguir em conhecer o Se-

conhece sobre Deus.

nosso Deus, pois isto é vida eterna.

Justin Randall Timberlake (Memphis, Tennessee, 31 de Janeiro de 1981) é um cantor pop, compositor, ator, produtor e dançarino norte-americano. Tornou-se famoso durante o período em que participou do programa musical Mickey Mouse Club (Clube do Mickey) junto com Britney Spears e Christina Aguilera. Traduzido por: Linda Silveira. 19 de Abril de 2010.

Um Homem Piedoso é um Amante da Palavra “Oh quanto amo a tua Lei” (Salmos 119: 97). Crisóstomo compara a Escritura a um jardim arrumado com ornamentos e flores. Um homem piedoso deleita-se em caminhar neste jardim para docemente confortar-se. Ele ama cada ramo e cada parte da Palavra: (1) Ele ama a parte de aconselhamento da Palavra, como livro de oração e regra de vida. A Palavra é o sinal de direção que nos aponta o nosso dever. Ela contém em si coisas para serem cridas e praticadas. Um homem piedoso ama os direcionamentos da Palavra. (2) Ele ama a parte ameaçadora da Palavra. A Escritura é como o Jardim do Éden: como ele tem em si uma árvore da vida, assim ele tem uma espada flamejante em seus portões. Esta é a ameaça da Palavra. Ela acende fogo na face de toda pessoa que continua obstinadamente em perversidade. “Sim, Deus parte a cabeça dos seus inimigos e o cabeludo crânio do que anda nos seus próprios delitos” (Salmos 68: 21). A Palavra nenhuma indulgência dá para o mal. Ela não deixará um homem vacilar entre Deus e o pecado. A verdadeira mãe não deixaria o filho ser dividida (1 Reis 3: 26), e Deus não terá o coração dividido. A Palavra troveja ameaças contra a só aparência do mal. É como aquele rolo voante cheio de maldições. (Zc 5: 1). Um homem piedoso ama as ameaças da Palavra. Ele sabe que há amor em cada ameaça. Deus não quereria que nós perecêssemos; por isso misericordiosamente nos ameaça, de modo a que possa assustar-nos do pecado. As ameaças de Deus são como a bóia, que aponta para as rochas no mar e ameaça de morte aos que chegam perto. A ameaça é um fragmento de restrição para nos refrear de modo que não possamos correr a todo galope para o inferno. Há misericórdia em cada ameaça. (3) Ele ama a parte consoladora da Palavra — as promessas. Ele vai se alimentando nela como Sansão continuou seu caminho comendo o favo de mel. (Jz. 14: 8 e 9). As promessas são todas essência e doçura. Elas são revivificantes para nós quando estamos desfalecendo; elas são os canais da água da vida. “Nos muitos cuidados que dentro de mim se multiplicam, as tuas consolações me alegram a alma” (Salmos 94: 19). As promessas foram a harpa de Davi para afugentar pensamentos tristes; elas foram os seios que lhe deram o leite da consolação divina. Thomas Watson

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O Cânon para a Vida Cristã

A viva voz “inspirada pelo Espírito” dentro da igreja ou a voz do Espírito ouvida na Escritura?

Novamente, precisamos enfatizar que o ponto a ser considerado aqui é uma tendência. Não se limita ao ramo carismático ou pentecostal do Cristianismo. Nossa preocupação não é nos arrastar através da controvérsia cessacionista/não-cessacionista. Seja qual for nossa opinião, é claro que hoje dentro de grandes setores do evangelicalismo, quer no carismático ou até no não-carismático, a “revelação” contínua tem sido bem-vinda. Numa geração anterior isso se expressava mais claramente naqueles que esperavam achar um direcionamento “escutando o Espírito”. Os reformados e os confessionais, incluindo pessoas como Calvino e John Owen, conheciam bem essa espécie de “revelações espirituais”. Acrescentando ou ignorando a voz do Espírito na Bíblia, muitos diziam ouvir sua voz diretamente. Naquele tempo, como agora, alguns deles diziam acreditar na infalibilidade das Escrituras, embora parecessem pouco conhecer a doutrina da suficiência da Escritura. Lamentavelmente, como Calvino parece já ter experimentado na Reforma, é impossível discutir o sentido da Escritura com aqueles que presumem possuir a intervenção direta do Espírito. Antigamente o que era pouco mais do que uma tendência mística, hoje já se tornou uma enchente. Será exagero sugerir que as pessoas que mantêm a doutrina da Reforma, da absoluta suficiência da voz do Espírito na Bíblia, iluminada pela obra do Espírito no coração, sejam uma espécie em perigo de extinção? Tanto na teologia acadêmica como no nível das pessoas comuns, essa posição da Reforma é cada vez mais julgada reacionária quando não herética, porque só uma minoria a sustenta. Mas o que tem isso a ver com a igreja medieval? Só isso: a igreja medieval inteira operava no mesmo princípio, ainda que expresso de forma diferente. Para eles, o Espírito fala fora da Escritura; os crentes não podem conhecer o direcionamento detalhado de Deus quando dependem somente da Bíblia; a “voz viva do Espírito na igreja” é essencial. Não só isso, mas, uma vez introduzida a “viva voz” do Espírito, parece psicologicamente inevitável que essa viva voz se torne o cânon regulamentador da conduta para a vida cristã. A equação — a palavra da Escritura mais a “viva voz” do Espírito, igual à revelação divina — achava-se no centro da busca pelo poder do evangelho na escuridão da igreja medieval. Agora, no final do segundo milênio (1996), estamos à beira, ou talvez mais do que à beira, de sermos inundados por um fenômeno paralelo. O resultado na época (medieval) foi uma fome de se ouvir e entender a palavra de Deus — tudo sob o disfarce daquilo que ainda o Espírito estaria falando à igreja. E hoje? Dr. Sinclair Ferguson

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Revista Os Puritanos 2•2010


A Fusão do Calvinismo com o Mundanismo

“Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? (Lucas 12:20)

Dr. Peter Master

Q

nistas. E este cenário é repetido muitas vezes, através

uando eu era jovem e recém-salvo, parecia que

do livro ― grandes conferências sendo descritas, nas

o principal objetivo de todos os crentes zelosos,

quais o sincretismo mundano, a sensação, a agitação,

quer Calvinistas ou Arminianos, era a consa-

os altos decibéis e a música rítmica, são misturados à

gração. Sermões, livros e conferências destacavam a consagração no espírito de Romanos 12:1-2, onde o

doutrina Calvinista. Somos informados sobre a música agitada, milhares

apóstolo suplica aos fiéis que apresentem seus corpos

de mãos levantadas, hip-hop “cristão” e letras de rap

em sacrifício vivo, e não a serem conformados com

(os exemplos parecem inadequados e ineptos em sua

este mundo. O coração era despertado e desafiado.

construção) unindo as Doutrinas da Graça às formas

Cristo deveria ser o Senhor de sua vida, e o ego devia

musicais imorais ― e induzidas por drogas ― da cul-

ser rendido no altar do serviço a Ele.

tura mundana.

Mas agora, ao que parece, existe um novo Calvinis-

Collin Hansen conclui que o Calvinismo americano

mo, com novos Calvinistas, que deixou de lado os velhos

desmoronou no final do século XIX e foi mantido ape-

objetivos. Um recente livro — Young, Restless, Refor-

nas por um pequeno número de pessoas até este grande

med (Jovem, Inquieto, Reformado), por Collin Hansen

reavivamento da juventude, mas, o seu cenário históri-

narra a história de como um chamado “ressurgimento”

co é, francamente, absurdo. Como alguém que visitou

do Calvinismo conquistou a imaginação de milhares de

regularmente seminários americanos desde o início dos

jovens nos E.U.A., e este livro tem sido analisado com

anos 70, eu sempre conheci muitos pregadores e estu-

grande entusiasmo nas bem-conhecidas revistas do Rei-

dantes que amavam as Doutrinas da Graça, pregando

no Unido, como Banner of Truth, Evangelical Times e

também em igrejas de sólida persuasão Calvinista. No

Reformation Today.

entanto, firmes evidências da presença extensiva do

O escritor desse artigo, no entanto, ficou profunda-

Calvinismo são vistas a partir do fato de que imensas

mente entristecido ao ler tal livro, porque ele descreve

firmas de publicações enviaram um fluxo de literatu-

uma séria distorção do Calvinismo, a qual está longe,

ra reformada pós-guerra e também durante os anos

muito longe de uma autêntica vida de obediência a um

80. A poderosa Eerdmans foi solidamente Reformada

Deus Soberano. Se este tipo de Calvinismo prospera,

em tempos passados, para não mencionar Baker Book

a verdadeira piedade bíblica estará sob ataque como

House, Kregel e outros. Onde é que todos estes livros

nunca antes.

foram parar ― milhares e milhares deles, inclusive os

O autor do livro é um jovem (que tinha mais ou menos 26 anos, quando escreveu o livro) que cresceu em uma

frequentemente reimpressos conjuntos dos comentários de Calvino e uma série de outras obras clássicas?

família cristã e formou-se em jornalismo secular. Somos

Na década de 70 e 80, houve também pequenos edi-

gratos a ele pela pesquisa legível e de tão grande alcance

tores Calvinistas nos Estados Unidos, e naqueles tem-

que ele nos oferece a respeito deste novo fenômeno, mas

pos o fenômeno das livrarias cristãs Calvinistas com

o cenário não é, certamente, um dos mais felizes.

descontos começou, com catálogos volumosos e uma

O autor começa por descrever a Passion, conferência

considerável sequência. A alegação de que o Calvinismo

em Atlanta, em 2007, quando 21.000 jovens celebra-

praticamente desapareceu é um irremediável equívoco.

ram com música contemporânea, e ouviram a preleto-

Na verdade, um Calvinismo muito melhor ainda

res, como John Piper, proclamando sentimentos Calvi-

floresce em muitas igrejas, onde almas são ganhas e

Revista Os Puritanos 2•2010

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Peter Master

vidas santificadas, e onde Verdade e

C. J. Mahaney é um pregador muito

prática estão submetidas ao domínio da

aplaudido neste livro. Carismático, em

Escritura. Essas igrejas não têm qual-

fé e prática, ele parece ser totalmen-

doutrina Puritana alienado do estilo de vida e do louvor Puritano. A maior parte dos bem conhecidos

quer simpatia com o louvor mundano

te aceito pelos outros grandes nomes

pregadores que promovem e incenti-

diversificado do jornalista Collin Han-

que caracterizam as novas “Conferên-

vam este “reavivamento” do Calvinismo

sen, que pretende edificar igrejas utili-

cias Calvinistas”, tais como John Piper,

têm em comum as seguintes posições

zando exatamente os mesmos métodos

John MacArthur, Mark Dever, e Al Mo-

que contradizem a verdadeira perspec-

de entretenimento como a maioria dos

hler. Evidentemente, alguém extrema-

tiva Calvinista (ou Puritana):

carismáticos e do movimento Arminian

mente bem-apessoado e amistoso, C. J.

Calvary Chapel. Os novos Calvinistas exaltam cons-

Mahaney é o fundador de um grupo

1. Eles não têm qualquer problema com

de igrejas que mistura o Calvinismo à

o louvor contemporâneo, de gênero

tantemente aos Puritanos, contudo, não

idéias carismáticas, e é reputado como

carismático, inclusive os estilos extre-

querem adorar, louvar ou viver como os

alguém que influencia muitos Calvinis-

mos de “heavy metal”.

Puritanos. Uma das conferências tem o

tas a deixarem de lado o Cessacionismo.

2. Eles são morosos na separação do

nome “Resoluto”, por causa das famo-

Foi um protegido deste pregador,

sas Resoluções, de Jonathan Edwards

chamado Joshua Harris, que começou

3. Não se preocupam com a orientação

(suas 70 resoluções). Mas a cultura des-

a conferência de Jovens “Nova Atitude”.

pessoal de Deus nas grandes decisões

mundanismo [ver nota 2].

ta conferência seria indiscutivelmente

Somos informados de que, quando um

dos crentes (verdadeira soberania), dan-

confrontada com a firme condenação

rapper secular chamado Curtis Allen foi

do assim um golpe certeiro na consagra-

do grande teólogo.

convertido, o seu novo instinto cristão

ção sincera.

A conferência “Resoluto” é de criação

levou-o a abandonar a sua vida passada

4. Mantêm opiniões contrárias ao quarto

de um membro da equipe pastoral do Dr.

e seu estilo musical. Mas Pastor Joshua

mandamento, menosprezando o Dia do

John MacArthur, que reúne milhares de

Harris evidentemente persuadiu-o a não

Senhor, lançando assim outro golpe à

jovens anualmente, e caracteriza a ha-

fazê-lo, para que ele pudesse cantar para

vida consagrada.

bitual mistura de Calvinismo e louvor

o Senhor. Os novos Calvinistas não hesi-

de estilo extremamente carismático. Os

tam em passar por cima dos instintos da

Quaisquer que sejam os seus pontos

jovens são incentivados a sentir sobre

consciência cristã, aconselhando as pes-

fortes e suas realizações (e alguns deles

o corpo o mesmo tremendo impacto da

soas a tornarem-se amigas do mundo.

são homens brilhantes nos padrões hu-

música rítmica que experimentariam

Uma das mega-igrejas admiradas

manos), ou seja, qual que for a sua visão

num concerto mundano de música pop,

no livro é a Igreja Mars Hill em Seattle,

teórica do Calvinismo, a má posição des-

inclusive com a mesma iluminação e at-

fundada e pastoreada por Mark Dris-

ses pregadores a respeito destas ques-

mosfera. Ao mesmo tempo, eles refletem

coll, que combina idéias das igrejas

tões cruciais apenas irá encorajar uma

sobre a predestinação e eleição. A cul-

emergentes (de que os cristãos devem

desastrosa versão defeituosa do Calvinis-

tura mundana proporciona uma cultura

utilizar a cultura mundana) com teolo-

mo que levará as pessoas a serem cada

corporal, de sentimentos emocionais,

gia Calvinista [ver nota 1].

vez mais devotadas ao mundo, e a pro-

nos quais pensamentos cristãos são in-

Este pregador é também muito ad-

fundidos. Os sentimentos bíblicos são

mirado por alguns homens reforma-

curarem um estilo egocêntrico de vida. Quando verdadeiramente proclama-

atrelados ao entretenimento carnal. (Fo-

dos no Reino Unido, mas a sua igreja

da, a soberania de Deus deve incluir con-

tos da conferência no website mostram

tem sido descrita (por um simpatizan-

sagração, reverência, obediência since-

a atmosfera totalmente mundana de sho-

te) como a igreja na qual a música é

ra à sua vontade, e separação do mundo.

wbusiness criada pelos organizadores).

a mais alta de todas, e foi censurado

Você não pode ter uma soteriologia

Em tempos de desobediência os ju-

por outros pregadores pela utilização

Puritana sem uma santificação Puritana.

deus antigos viviam uma espécie de sin-

de muita linguagem imprópria e humor

Você não deve atrair as pessoas a uma

cretismo, indo ao Templo ou à sinagoga

totalmente inapropriado (mesmo na te-

pregação Calvinista, ou qualquer outro

no sábado, e aos templos dos ídolos em

levisão). Ele é visto em vídeos pregando,

tipo de pregação, usando iscas munda-

dias de semana; mas o novo Calvinismo

usando camisetas com o escrito “Jesus”,

nas. Esperamos que os jovens neste mo-

tem encontrado uma maneira de unir

simbolizando o novo compromisso com

vimento compreendam as implicações

espiritualmente coisas incompatíveis

a cultura, ao mesmo tempo oferecendo

das doutrinas melhor do que seus mes-

ao mesmo tempo, na mesma reunião.

ensino Calvinista. Tanto da abrangente

tres, e não que comprometam a verdade.

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Revista Os Puritanos 2•2010


A Fusão do Calvinismo com o Mundanismo

Mas há uma catástrofe iminente na pro-

dadeiro Calvinismo e venha a arruinar

moção desta nova forma de Calvinismo.

toda uma geração de jovens cristãos a

Por que alguns cristãos britânicos

Os novos

que abraçavam as Doutrinas da Graça dão opiniões entusiasmadas a respeito de um livro como este? No passado, houve vezes em que subitamente muitos jovens se tornaram intelectualmente entusiasmados com a sólida doutrina cristã e, a seguir, a abandonaram. Pense na tremenda reação que uma única oratória de Francis Schaeffer assegurava em campus universitários na década de 60; sem dúvida alguns jovens foram verdadeiramente salvos e perseveraram, mas muitos mais se desviaram. Dominados pela superioridade de uma

Calvinistas exaltam constantemente aos Puritanos, contudo,

serem alcançados. Um triste espetáculo final relatado com entusiasmo no livro é a conferência “Unidos pelo Evangelho”, realizada desde 2006. Uma conferência de perfil mais adulto convocada por respeitados Calvinistas, que, não obstante, reúne cessacionistas e não-cessacionistas, expoentes do louvor tradicional e contemporâneo e, ao

não querem adorar,

mesmo tempo em que mantém uma boa

louvar ou viver

quentam a relaxarem em relação a estas

como os Puritanos

pregação, condiciona todos os que frequestões controversas e aprender a aceitar todos os pontos de vista. Em outras palavras, matam o ministério da adver-

cosmovisão bíblica, eles momentanea-

tência, de modo que todo o erro do novo

mente desprezaram as idéias ilógicas,

cenário possa avançar despercebido.

débeis deste mundo, mas a impressão

Estes são dias trágicos para a autêntica

em muitos casos era natural e não es-

nunca se estabelecerão numa igreja

piritual. O presente novo e inebriante

dedicada na obra, porque as suas con-

O verdadeiro Calvinismo e munda-

Calvinismo, desfalcado de obediência

siderações doutrinárias estão apenas

nismo são opostos. É preciso preparar o

prática irá certamente revelar-se efê-

em suas mentes e não em seus cora-

coração se vamos buscar as maravilhas

mero, deixando a causa comprometida

ções. Sabemos de alguns cujas vidas

e sondar as profundezas da Soberana

e dissipada. Essa forma de calvinismo já chegou

fidelidade, piedade e adoração espiritual.

não são limpas. Sabemos de outros que

Graça. Encontramo-lo no desafiador e

vão a bares e boates. Quanto maior a

decisivo chamado de Josué:

dente que o mundo ainda está em seus

O “novo” Calvinismo não é um res-

corações. Anos atrás, tais irmãos não te-

surgimento, mas uma fórmula inovado-

“Agora, pois, temei ao Senhor, e servi-o com sinceridade e com verdade; e deitai fora os deuses aos quais serviram vossos pais além do rio e no Egito, e servi ao SENHOR. Porém, se vos parece mal aos vossos olhos servir ao SENHOR, escolhei hoje a quem sirvais; se aos deuses a quem serviram vossos pais, que estavam além do rio, ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais; porém eu e a minha casa serviremos ao SENHOR”

riam sido batizados até que estivessem

ra que tira totalmente a doutrina da sua

(Josué 24.14-15).

limpos do mundo, mas agora você pode

prática histórica, e une-a com o mundo.

ir até para o seminário, e não se fazem

Por que é que a liderança de pre-

perguntas; pode-se assumir um pasto-

gadores que servem a este movimen-

rado, com ídolos ― não renunciados e

to cedeu tão facilmente? Eles não têm

não combatidos ― na sala do trono da

sido ameaçados por um regime sovié-

sua vida. Que esperança há para as igre-

tico. Ninguém apontou uma arma para

Notas: 1 Sua resolução sobre a questão da soberania divina versus livre arbítrio humano, no entanto, está muito mais próxima da visão Arminiana. 2 Um recente livro intitulado Worldliness: Resisting the Seduction of a Fallen World (Mundanismo: Resistindo à Sedução de um Mundo Caído por C J Mahaney e outros), prepara de modo deficiente os jovens crentes para a separação do mundo, especialmente na área da música, onde, aparentemente, o Senhor ama todos os tipos, e aceitabilidade é reduzida a duas enganosas e subjetivas questões. Artigo extraído de: http://www.metropolitantabernacle.org/?page=articles&id=13 Tradução: Laura Macal Lopez, membro do Tabernáculo metropolitano de Londres.

à Grã-Bretanha? Ai! Sim, basta olhar os “blogs” de alguns jovens pastores Refor-

sua proeza doutrinal, maior a sua hipocrisia.

mados que se colocam à frente como

Estas são palavras duras, mas elas

mentores e conselheiros de outros.

me levam a dizer que, quando o Calvi-

Quando você olha os seus “filmes fa-

nismo bíblico, evangélico molda a con-

voritos”, e “música favorita” você os vê

duta e, especialmente, o louvor, é um

sem constrangimento algum nomear as

humilde e bonito sistema da Verdade;

principais bandas, músicas e entreteni-

mas quando está confinado apenas à

mento desta cultura depreciável, e é evi-

cabeça, infla o orgulho e a autonomia.

jas que têm sub-pastores cuja lealdade

suas cabeças. Esta é uma vergonhosa

está tão dividida e distorcida?

capitulação, e devemos orar fervoro-

Além dos pastores, sabemos que al-

samente para que aquilo que eles têm

guns desses “novos” jovens Calvinistas

incentivado não tome o lugar do ver-

Revista Os Puritanos 2•2010

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Aberto e Fechado A disciplina da igreja é um daqueles assuntos a respeito do qual ninguém realmente deseja falar. Não apenas as pessoas temem que tal disciplina envolva oficiais da igreja bisbilhotando em torno dos seus negócios particulares e então externando seus pecados particulares para outros na igreja. Membros da igreja não desejam também ser vistos como julgadores de outros. Se bisbilhotar é o que a disciplina bíblica da igreja ocasiona, então as pessoas estariam certas em se preocupar. Felizmente, este não é o caso. Um exemplo onde a disciplina da igreja é aplicada no Novo Testamento está na primeira carta de Paulo aos Coríntios. Paulo descreve uma situação na qual um membro da igreja (presumivelmente um membro proeminente) tomou “a esposa do seu pai”. Paulo parece completamente perplexo pelo fato de que alguém pudesse fazer tal coisa. “Geralmente, se ouve que há entre vós imoralidade e imoralidade tal, como nem mesmo entre os gentios” (1 Co 5: 1). Não foi apenas o comportamento deste homem uma violação dos mandamentos bíblicos, mas, tal ato foi considerado escandaloso até entre os pagãos fora da igreja. O remédio de Paulo para isto foi excomungar este homem: “Vós deveis entregar este homem a Satanás para a destruição da carne de modo que o seu espírito possa ser salvo no dia do Senhor” (v. 5). Neste caso, este homem devia ser disciplinado porque seu pecado foi público, escandaloso e destrutivo para a reputação da igreja. O exercício da disciplina da igreja é como uma cirurgia de câncer. A doença deve ser removida antes que adoeça o corpo todo. Observe que Paulo não menciona o nome do homem (ou da mulher, para este assunto). O apóstolo não está para envergonhar as pessoas ou embaraçá-las em público. Na verdade, Paulo oferece a esperança de que esta ação por parte da igreja levará à restauração e salvação deste homem no dia do Senhor. Esta ação (remover o homem da igreja) foi tomada para que ele pudesse considerar seu pecado e arrepender-se dele. Este gesto foi também empregado para proteger a reputação da igreja. Em Mateus 18:15–17, Jesus dá instruções muito específicas a respeito do que fazer quando se levantam disputas com membros da igreja. O cristão que sente que foi ofendido por outro, deve dirigir-se diretamente àquela pessoa. Se não consegue qualquer reparação, deve trazer uma testemunha. Se o assunto continua sem solução, somente então os líderes da igreja devem ser envolvidos, e apenas depois de uma persistente evidência de falha em arrepender-se e ouvir o conselho bíblico, deve o assunto tornar-se público e o ofensor deve ser tratada como “gentio e publicano”. Consciente da importância de manter a paz e a pureza doutrinária da igreja, o Catecismo de Heidelberg, na pergunta e resposta 83 liga corretamente a prática e a necessidade da disciplina da igreja à instrução de Jesus aos discípulos sobre as chaves do reino. De acordo com Jesus: “Tu és Pedro, e sobre esta rocha edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino do céu, e o que ligares na terra será ligado no céu, e o que desligares na terra será desligado no céu” (Mateus 16: 18 - 19). Os Cristãos na tradição Reformada entendem estar Jesus falando da missão da igreja de pregar o evangelho até os confins da terra. Como o Catecismo de Heidelberg assinala, a pregação de Cristo, e esse crucificado, é o meio divinamente designado através do qual o reino do céu está aberto para todos que respondem a essamensagem com fé e arrependimento. Mas a função da igreja de “ligar” — através da qual a entrada para o reino está fechada — está relacionada aos que rejeitam a mensagem do evangelho quando ela lhes é pregada, pois permanecem presos no pecado. Esta função de ligar (desligar) está também relacionada à disciplina da igreja. Os que professam fé em Cristo, mas fazem o que o homem de nome não mencionado estava fazendo em Corinto, têm a porta do reino dos céus fechada para eles através dos meios da disciplina da igreja. Nesses casos trágicos onde a igreja deve tomar a determinação de que a conduta de alguém e sua recusa ao arrependimento levanta sérias questões a respeito desse compromisso com Cristo, a igreja deve fechar a porta do reino para ele, com o objetivo do eventual arrependimento e restauração daquela pessoa. Embora sendo dura, a disciplina da igreja é ordenada por Paulo, e o procedimento a ser usado nos é dado por Jesus. Através da pregação do evangelho, a igreja abre o reino para todos os que creem. Mas, para aqueles que rejeitam o evangelho, e que insistem num comportamento tal que traz escândalo para a igreja de Cristo, a porta do reino é fechada. Dr. Kim Riddlebarger é pastor da Igreja Reformada de Cristo (URCNA) em Anaheim, Califórnia e professor visitante de Teologia no Westminster Seminary California.

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Revista Os Puritanos 2•2010


A Leitura Pública

“Porque Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados” (Atos 15: 21). Terry Johnson

S

Toda minha vida pertenci a igrejas que acreditaram na inerrante exatidão e autoridade infalível da Escritura.

abendo que sua morte é iminente, compreenden-

Pertenci a igrejas evangélicas Batista, Congregacional

do, talvez, a oportunidade para dar direção à igre-

e Presbiteriana. Tenho visitado uma porção de igrejas

ja para os séculos à frente, diz o apóstolo Paulo:

evangélicas carismáticas e independentes. Contudo,

“Até que eu venha dê atenção” (NASB), ou “devote-se” (NIV),

nem uma delas dava qualquer atenção a 1 Timóteo 4:

“à leitura pública da Escritura, para exortação e ensino”.

13. Curioso, não é?

É bastante claro o que o apóstolo Paulo quer que seja

O que é um sermão adequado? É uma explanação da

feito na assembléia da igreja. Ele quer que a Escritura

leitura. Quando Jesus concluiu a leitura do profeta Isaías

seja lida. A prática da sinagoga era desenrolar os rolos

na sinagoga de Nazaré, “todos na sinagoga tinham os olhos

da Escritura, ler uma porção, marcar onde pararam e então no próximo Sabbath pegar novamente onde eles

fitos nele” na antecipação dos seus comentários. “Então, passou Jesus a dizer-lhes”, Lucas nos conta em seguida.

deixaram. A leitura era lectio continua, leitura sequen-

Jesus, ao providenciar comentários expositivos, seguiu o

cial, consecutiva, não de forma “lectio selecta”, leituras

padrão esperado no culto da sinagoga (Lucas 4: 16-21).

selecionadas daqui ou dali. Jesus na sinagoga em Nazaré (Lucas 4: 16-19) e o

A expectativa da exortação baseada na leitura pode ser vista nas Sinagogas em Atos também. A Lei e os

apóstolo Paulo na Antioquia da Pisídia e em qualquer

Profetas eram lidos, como pode ser visto em Atos 13:

outra parte (Atos 13: 15; 17: 2-4; 18: 4, 19; 19: 8) pro-

15a. Então os oficiais da sinagoga perguntaram ao após-

vêm exemplos desta disciplina pública em ação. Nós

tolo Paulo: “Se tem exortação para o povo, dizei-a”. A

temos igualmente a explicação do apóstolo Tiago da

leitura da Escritura levava diretamente aos comentá-

prática da sinagoga: “Porque Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados” (Atos 15: 21).

em toda cidade, Tiago afirmou, porque ele é lido nas

“Moisés”, ele diz, “é lido na sinagoga todo Sabbath”.

ção não são sinônimas, mas elas podem ser justapostas

É a esta prática que o apóstolo Paulo se refere e que

da maneira que Tiago faz, porque elas são vistas como

a igreja primitiva tinha adotado. Literatos litúrgicos

inseparavelmente ligadas; a pregação decorrendo e de-

rios interpretativos e às exortações. Moisés é pregado sinagogas todo Sabbath (At. 15: 21). Leitura e prega-

concordam que leitura lectio continua era a prática da

pendendo da leitura. Este parecia ser o contexto natural

igreja primitiva do tempo dos apóstolos através do pe-

da exortação do apóstolo Paulo a Timóteo para “dar

ríodo da patrística.

atenção à leitura pública da Escritura” e a “exortação e ensino” que surgem da leitura (1 Tim. 4: 13).

Após Gregório, o Grande (540–604 AD), a igreja medieval oriental adotou uma aproximação da lectio

A prática da sinagoga tornou-se a da igreja apostóli-

selecta para as leituras. Mas as leituras selecionadas não

ca e posteriormente da igreja patrística. Os sermões de

eram satisfatórias para os Reformadores, que, quase

Clemente de Alexandria (150-215 AD), Orígenes (185-

sem exceção, requereram em suas reformas litúrgicas

254), Crisóstomo (347-407) e Agostinho (354-430) for-

que amplas leituras lectio continua fossem restauradas

necem abundante testemunho da pregação expositiva

para os cultos públicos da igreja. A leitura lectio conti-

ou lectio continua nos primeiros séculos da igreja.

nua da Escritura foi a prática da ortodoxia Reformada até bem entrado o século dezenove.

Revista Os Puritanos 2•2010

Os pregadores medievais abandonaram a prática patrística e pregaram largamente sermões tópicos. Mas os

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Terry Johnson

Reformadores, baseados em seu estudo

tópicos, apenas levemente relaciona-

exigiremos um papel proeminente na

da Escritura e dos pais da igreja, res-

dos a um texto das Escrituras e direcio-

assembléia pública para a Palavra de

tauraram a prática antiga da pregação

nados às necessidades sentidas, têm-se

Deus, quer para nosso benefício pesso-

lectio continua. Zuinglio, Bucer, Capito

tornado a norma. Mas, se nós estamos

al ou por causa da saúde e do bem-estar

e Calvino, entre muitos outros, foram

convencidos de que somos nascidos de

de toda a igreja.

todos pregadores lectio continua. Eles

novo pela permanente e viva Palavra (1

pregavam verso-por-verso através dos

Pe. 1: 23), que somos santificados pela

livros da Bíblia.

verdade (João 17: 17), e que nossas

Leituras extensas são praticamente

almas, como diz aqui o apóstolo Pau-

inexistentes no meio ambiente do mer-

lo, “são alimentadas com a palavra da fé

cado da igreja dos dias de hoje. Sermões

e da boa doutrina” (1 Tm. 4: 16), nós

O Rev. Terry L. Johnson é ministro da Igreja Presbiteriana Independente em Savannah, Geórgia, e é o autor de Adoração Reformada (Editora Os Puritanos) Traduzida por: Linda Oliveira. Olinda, 24 de Março de 2010.

Receio de Lutar Se permitirem que os receios humanos controlem suas ações e quiserem salvar-se de sofrimentos ou situações ridículas, bem pouco conforto encontrarão nas promessas de Deus, “aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á”. As promessas do Espírito Santo para nossa luta não são só para aqueles que sabem comportar-se como homens e, pela fé, tornam-se arrojados na hora de enfrentar os conflitos. Eu desejo que todos nós cheguemos ao ponto de não dar mais importância alguma à pretensão que alguns têm de nos caluniar ou zombar de nós. Oh, lembro-me daquele fazer por onde esquecer, essa vontade de que fala Fox, acerca de um mártir italiano! Condenaram-no a ser queimado vivo na fogueira, mas ele ficou calmo ao ouvir tal sentença. Porém, sabem, queimar os mártires, por mais prazer que isso desse a alguns, trazia-lhes despesas; o Presidente da Câmara da cidade não queria desembolsar dinheiro nos feixes de lenha para o evento e o padre que o tinha acusado também não queria fazer qualquer despesa pessoal no trabalho para esse fim. Deste modo, entraram os dois em tremenda discussão, enquanto o pobre homem a quem se destinariam os molhos de lenha não providenciados, permanecia calmo a ouvir as recriminações mútuas, que dirigiam um ao outro. Ao concluir que eles não poderiam chegar a acordo sobre o assunto, disse então: “Cavalheiros, vou terminar com esta discussão. É uma pena que cada um de vocês ache assim tão caro pagar a lenha para me queimarem e para a glória de Deus; por isso eu quero pagar a lenha que me vai queimar, se não se importam”. Há aqui um requintado toque de ironia, assim como de humildade. Eu não sei se seria capaz de pagar tal coisa, mas eu próprio me sinto, por vezes inclinado a ir ao encontro daqueles que são inimigos da verdade, a fim de os ajudar a encontrar o combustível que procuram para as criticas que pretendem fazer a meu respeito. Sim, sim, eu até serei capaz de me tornar mais “vil”, em dar-lhes mais motivos para queixas. Entro em controvérsia por amor a Cristo e, em seguida, não faço nada para acalmar a indignação de alguns. Irmãos, se tentarem moderar um pouco opiniões contrárias às de outrem, se tentarem salvaguardar, um pouco que seja, a vossa reputação em confronto com homens entregues à apostasia, estarão perdendo o juízo. Aquele que se envergonhar de Cristo e da Sua Palavra nesta geração perversa, verá que também Cristo se envergonhará dele naquele dia. C.H. Spurgeon

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Revista Os Puritanos 2•2010


Nosso Melhor Dia

“Para o crente, a morte é o dia de sua coroação e do seu casamento”

Dr. Leland Riken

O

a Deus — e do que é ouvido, ah, quão pouco se entende! Há uma excelente expressão usada por Agostinho:

s puritanos entendiam que, para os crentes, a

“As coisas gloriosas do céu são tantas que excedem em

morte não é uma calamidade. Muitos pensam

número; tão preciosas que excedem tudo que se pode

a respeito da sua própria morte com uma ex-

estimar; tão grandiosas que excedem qualquer medi-

pectativa terrível, mas o título de um famoso sermão

da!”. Bernard diz: “Que Cristo esteve com Paulo disso

fúnebre escrito por um Puritano nos oferece uma al-

ele estava seguro — mas estar Paulo com Cristo, isso

ternativa agradável: o último dia de um crente sobre a

era a maior das alegrias!”.

terra é seu melhor dia. Os Puritanos dos séculos XVI e XVII produziram um

Quando a morte desfere seu golpe fatal, há uma troca da terra pelo céu; do imperfeito deleite para o per-

tesouro de escritos que podem ser lidos devocionalmen-

feito deleite em Deus; então a alma deve ser abarcada

te. O que eles tinham de melhor em suas devocionais

com uma satisfação plena em Deus; e nenhum ponto

estava inserido na categoria dos chamados “segredos

da alma deve ser deixado vazio — mas todos devem

mais bem guardados”, isto é, os sermões fúnebres.

ser preenchidos com a plenitude de Deus. Aqui neste

Normalmente um sermão fúnebre puritano era im-

presente mundo, os crentes recebem a graça — mas no

presso, e frequentemente expandido na forma de um

céu recebem a glória. Deus guarda o melhor vinho para

pequeno livro. Os sermões fúnebres escritos pelos

o final; o melhor de Deus, Cristo e o céu — estão além

Puritanos traziam um único versículo da Bíblia no iní-

deste presente mundo. Aqui tomamos apenas alguns

cio, mas à medida que o sermão se desenrolava eles

goles, provamos alguma coisa de Deus; a plenitude está

quase sempre se tornavam um mosaico de versos que

reservada para o estado de glória. Aquele que vê muito

evocavam assuntos como a morte, o céu, e a imortali-

de Deus aqui na terra, não vê mais que seu rastro; Seu

dade. Alguns desses sermões são pequenas antologias

rosto é uma jóia coberta por um esplendor de glória

de versos bíblicos escolhidos. Quando Thomas Brooks pregou um sermão no fu-

que nenhum olhar pode contemplar, a não ser o dos glorificados.

neral da senhora Martha Randall na Christ’s Church,

O melhor dos cristãos é capaz de ter apenas um pou-

Londres, em 28 de junho de 1651, ele escolheu um

co de Deus; seus corações são como os vasos da viúva,

título genial. Ao chamar o último dia de um crente sobre

que poderiam receber apenas um pouco de azeite. O

a terra de seu melhor dia, Brooks demolia de imediato

pecado, o mundo e as criaturas, ocupam tanto espaço

a visão convencional da morte como uma calamidade

naqueles melhores corações, que Deus, de si mesmo, dá

terrena. O trecho a seguir reúne algumas passagens-

apenas pouco a pouco, como os pais dão doces a seus

chave do sermão: Para o crente, a morte é o dia de sua

filhos. Mas no céu Deus irá comunicar-se plenamente

coroação e do seu casamento

com a alma! A graça será então engolida pela glória!

A morte é uma mudança de nossos prazeres imper-

A morte é um outro Moisés: ela livra os crentes da

feitos e incompletos de Deus, para um mais completo

escravidão, e de fazer tijolos no Egito. É um dia ou o ano

e perfeito deleite nEle. Como nenhum crente pode ter

do jubileu para um espírito gracioso — o ano em que ele

uma visão clara de Deus aqui, assim também nenhum

está livre de todos aqueles cruéis feitores sob os quais

cristão possui uma completa e perfeita visão de Deus.

há muito gemia. A morte é o dia da coroação do crente,

Em Jó 26.14, quão pouco se ouve falar dele — refiro-me

é o dia do seu casamento. É um descanso do pecado,

Revista Os Puritanos 2•2010

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Leland Riken

descanso do sofrimento, descanso das

César Bórgia que, em seu leito de morte,

cultor, como o dia da libertação para

aflições e tentações. A morte, para o

disse: “Enquanto vivi, me preparei para

um prisioneiro, o dia da coroação para

crente, é a entrada no seio de Abraão,

tudo, menos para a morte! Agora que

um rei, e como o dia do casamento para

no paraíso, na “Nova Jerusalém”, no

devo morrer, estou despreparado”. Ah,

uma noiva. O dia da sua morte será um

gozo do seu Senhor.

Cristãos! Vocês precisam orar todos os

dia de triunfo e exaltação, um dia de

Cristãos! De que serve sua vida in-

dias como Moisés: “Senhor, ensina-nos

liberdade e consolação, um dia de des-

teira — a não ser para torná-lo apto

a contar nossos dias, para que alcance-

canso e satisfação!

para o dia da morte? Qual o seu gran-

mos um coração sábio” (Salmo 90:12).

de objetivo neste mundo — a não ser

Que Cristo seja o seu Senhor e Mes-

preparar-se e estar pronto para o mun-

tre, e então o dia da sua morte será

do eternal? Foi um discurso triste o de

como o dia da colheita para um agri-

Dr. Leland Ryken é professor no English at Wheaton College.

A Misericórdia de Deus Tornou o SENHOR: Tens compaixão da planta que te não custou trabalho, a qual não fizeste crescer, que numa noite nasceu e numa noite pereceu; e não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que há mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão direita e a mão esquerda, e também muitos animais? Jonas 4.10-11 Deus mostra aqui como, a semelhança de um pai, ele toma conta da humanidade. Ele cuida de cada um de nós com desvelo singular. Mas aqui ele chama a atenção para uma grande população para manifestar ainda mais o seu imenso interesse pelos seres humanos; por isso ele não fulminará nenhuma nação sem motivos. Deus mostra a Jonas que o profeta tem-se deixado desviar pelo zelo sem misericórdia. Embora o zelo de Jonas proceda de um bom princípio, ele, todavia, estava influenciado por um sentimento impetuoso demais. Foi o que Deus demonstrou ao poupar tantas criancinhas até então inocentes. Às crianças ele acrescenta os animais irracionais. Certamente o gado era superior às plantas. Se Jonas tinha razão para ficar desolado por causa de uma planta ressecada, bem mais deplorável e cruel seria a morte de muitos animais inocentes. Portanto, vemos assim quão opostas são todas as partes dessa símile para levarem Jonas a abominar a própria insensatez e a se envergonhar dela, pois ele pretendera frustrar o propósito secreto de Deus, e de alguma maneira fazer a sua vontade prevalecer à dele, para que os ninivitas não fossem poupados, apesar de se arrependerem verdadeiramente, antecipando-se ao juízo divino.

Oração:

Concede, ó Deus onipotente, que do modo como tens, de várias maneiras, declarado e também demonstrado diariamente o tanto que a humanidade é querida aos teus olhos, assim como desfrutamos cotidianamente de tantas e tão notáveis provas da tua bondade, — ó concede que aprendamos a nos entregar totalmente à tua bondade, pois tantos são os exemplos que dela puseste, diante de nós e da qual nos fazes provar continuamente, não somente para atravessar o nosso curso o mundo, mas também para anelarmos confiadamente a esperança da bendita vida celestial, depositada para nós no céu, mediante Cristo somente, nosso Senhor. Amém. Devotions and prayers of John Calvin, 52 one-page devotions with selected prayers on facing pages. Org. Charles E. Edwards, Old Paths Gospel Press. S/d. Págs. 54 e 55.

Tradução: Marcos Vasconcelos, outubro/2009 mjsvasconcelos@gmail.com

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Revista Os Puritanos 2•2010


O Eclipse da Doutrina

Pessoas de todos os tipos de linhas denominacionais denigrem e descartam a doutrina.

Gerald M. Bilkes

L

ricas. Não há nenhuma base na experiência real e diária e é apenas um jogo da mente que os dotados disputam”.

utero uma vez escreveu: “Doutrina é céu... ‘um

Não é um exagero afirmar: Nossa época pós-moderna

ponto’ da doutrina vale mais do que céu e terra”.

faz pouco uso da doutrina.

Todos os reformadores teriam compartilhado

Tudo isto levanta questões importantes. Será que te-

com esta grande apreciação da doutrina. Na presente

mos acreditado na coisa errada concernente à doutri-

era, porém, esta visão positiva da doutrina tem passa-

na? Será que precisamos dispensá-la? Devemos enter-

do por momentos difíceis. Há nada menos do que uma

rar nossos catecismos e comentários e procurar outros

revolução acontecendo em termos de como a doutrina

meios para sermos uma igreja? Deveríamos, como a

é vista e apreciada na Igreja contemporânea. Não es-

Igreja Emergente, tentar uma abordagem radicalmente

tou falando de apenas certas doutrinas. Houve um tem-

diferente? Ao invés de edifícios de Igreja devemos nos

po quando pessoas negariam uma doutrina particular,

mudar para espaços nos shoppings e galpões? Deve-

tais como expiação limitada, a imputação do pecado

mos remover o rótulo “igreja” de nossas placas, e nos

de Adão, ou a infalibilidade das Escrituras. Isso, claro,

congratular em desprezar as algemas de nossas mentes

acontece ainda hoje. Mas, progressivamente, nos é dito

restritas?

que a própria doutrina é o problema.

Doutrina está Fora → Pessoas de todos os tipos de

Reinventando a Igreja → Meses atrás, numa placa em frente a uma igreja próxima, lia-se: “Venha, vamos

linhas denominacionais denigrem e descartam a dou-

reinventar a igreja juntos”. Algum tempo depois obser-

trina. Eles nos falam que a doutrina pertence a uma

vei que a antiga placa identificando a denominação da

era diferente. As batalhas doutrinárias são coisas do

igreja desapareceu. Ao invés disso havia uma placa de

passado, dizem. Os dias em que as pessoas memoriza-

neon luminoso com apenas o nome da cidade e a pala-

vam, pregavam e promoviam a doutrina são agora coisa

vra “Primeira” atrás dela. Não havia nenhuma referên-

do passado. Afirmando de modo simples: A doutrina

cia a uma denominação, a uma convicção ou qualquer

está fora. Sermões de três pontos estão fora de moda.

coisa do tipo. Até a palavra “Igreja” desapareceu. Ha-

A verdade é entediante.

via apenas uma placa luminosa com um nome vazio,

Na verdade, os “experts” nos dizem que a razão da Igreja estar perdendo para nossa cultura é porque está

erigida como monumento aos esforços humanos por reinventarem a igreja.

focada demais em conceitos abstratos, tais como peca-

Juntamente com a reinvenção da igreja, claro, vem

do, salvação e algo do tipo. Acadêmicos nos dizem: “A

a reinvenção dos ofícios, dos sermões, e de tudo o que

doutrina tem sido a preocupação do mundo ocidental,

a Igreja significa. O que então é deixado para a Igreja

isto é, Europa e América do Norte. As barreiras entre

pregar ou ensinar, uma vez que a doutrina tem sido

leste e oeste entraram em colapso. Simplesmente não

lançada fora?

podemos usar meios ocidentais de pensar e falar. Precisamos adaptar e ajustar. Nossa cultura tem desistido

Teologia Narrativa → Quando eu estava na universi-

da verdade absoluta e se queremos alcançá-la então

dade e no seminário, a mim foram ensinadas coisas que

devemos alcançá-la”. Certa pessoa escreveu: “A doutrina

nunca imaginei que teriam um impacto sobre a Igreja

tem a ver com abstrações, conceitualizações, ideias teó-

em tão larga proporção. Mas, uma lição eu aprendi nos

Revista Os Puritanos 2•2010

29


Gerald M. Bilkes

últimos dez anos, que aquilo que é en-

trina para a narrativa. Um acadêmico

eclesiástica com um apelo à razão do

sinado nas universidade e seminários

da Universidade de Yale, Hans Frei, es-

homem. Os reformadores desfiaram as

em um ano, infiltra-se na Igreja dentro

creveu The Eclipse of Biblical Narrati-

mesmas coisas com o apelo pela verda-

de uma década. Quando estava na Uni-

ve (O Eclipse da Narrativa Bíblica). Frei

de baseada na Bíblia. A verdade era a

versidade, foi-me apresentado a Nova

argumentou que os teólogos dos dois

paixão deles. Consequentemente, eles

Perspectiva de Paulo e agora nós a en-

últimos séculos tinham minimizado as

com frequência argumentariam contra

contramos em todo lugar. No seminário

narrativas da Bíblia e perderam o re-

os autores renascentistas e Católico-

tive que aprender algo chamado Teolo-

alismo em favor do abstrato. Embora

Romanos.

gia Narrativa e agora também é uma

certos ângulos da discussão de Frei se-

Toda reforma tem sido basea-

palavra da moda na Igreja. Na semana

jam úteis, mesmo assim têm levantado

da e conduzida pela Palavra. Todo

passada falei com alguém que estava

uma completa mudança que não tem

reformador verdadeiro tem declarado

aprendendo tudo sobre Teologia Nar-

restaurado um equilíbrio apropriado,

a Palavra de Deus não importando as

rativa e sua importância nas classes de

mas abalado a doutrina como um todo.

humilhantes sutilezas políticas exigi-

catecúmenos de uma igreja local.

Agora temos uma situação em que a

das. Cada reforma tem feito afirma-

doutrina é que está eclipsada, não a

ções verdadeiras baseadas na Palavra

A Teologia Narrativa enfatiza o uso de histórias como contrárias às pro-

narrativa.

posições (orações de verdade). Propo-

revelada de Deus. Reformadores bíblicos como Elias e Josias não precisaram

sições são consideradas coisas abstra- “A Falha dos Puritanos” → Num livro

inventar novos métodos. Nem Calvino

tas ,carentes de inspiração e de algo

bem recente intitulado Telling God’s

ou Lutero precisaram deles. Eles ape-

concreto. De acordo com alguns, as

Story (Contando a História de Deus),

nas resgataram o que era antigo. E as-

proposições traem a mentalidade mo-

John Wright coloca a culpa sobre os

sim tem sido com a igreja Reformada

derna e ocidental que premia exatidão

Puritanos e seus herdeiros “como

desde então. Ela tem sido forte a ponto

e “verdade”. A Teologia Narrativa pensa

Edwards e Whitefield” pelos problemas

de proclamar a verdade escriturística

que isto é artificial e restritivo. Fala-nos

que a igreja Norte-Americana moderna

como a verdade de Deus para o homem

que precisamos abraçar a cor de muitas

está enfrentando. O esquema deles do

em qualquer lugar ou tempo. E a igre-

perspectivas, a ambiguidade e o místico

evangelho, que Wright denomina de

ja da Reforma não deveria abandonar

da história, e os efeitos que a narrativa

“pecado-salvação-culto”, é responsável

esta política espiritual, certamente

pode produzir. A Teologia Narrativa é fa avorita

por tornar a Igreja fechada em si mes-

não nesta conjuntura.

ma. Por causa desta abordagem abs-

das pessoas que se chamam “pós-

trata, a Igreja perdeu seu impacto no

A Alma da Doutrina → A pregação

-modernas”. Elas creem que o tempo

mundo. Wright quer fazer mudanças, e

reformada é a pregação da doutrina

chegou para sacudir o que restringe

ele crê que se recapturarmos a história

bíblica, a doutrina das Escrituras, todo

a verdade que foi “colocada em uma

de Deus e contarmos bem, poderemos

conselho de Deus. Doutrina é simples-

caixa”, usando as palavras deles. Pelo

criar uma comunidade nova que en-

mente outra palavra para ensinamento,

contrário, elas crêem que há tantos ân-

frentará e desafiará a cultura.

ou instrução. Se o ministro reformado

gulos da verdade quanto há de pessoas.

Muitos na Igreja Emergente estão

não pode pregar doutrina, ele não tem

Como você pode imaginar, existe pouco

dizendo a mesma coisa. Estão exigindo

nada para pregar. Paulo descreve isto da

espaço para a doutrina quando tudo é

ver a doutrina destronada e a narrativa

seguinte forma: “Apega-te à palavra fiel

deixado para nossas opiniões.

coroada. Em suas mentes, a narrativa

que é segundo a doutrina, de modo que

tem todas as marcas para ser uma nova

tenha poder, assim para exortar pelo

O Eclipse da Doutrina → Quando a

campeã capaz de “ganhar o dia” e ven-

reto ensino como para convencer os que

lua passa entre a terra e o sol, nós não

cer a cansativa doutrina e uma geração

a contradizem” (Tito 1:9). Paulo respon-

podemos mais ver o sol como normal-

que abandonou a Igreja.

sabiliza Tito para falar “o que convém

A Relevância da Reforma → Não

delo para os reformadores. Na verdade,

mente o vemos. Chamamos a isso de eclipse solar. Muitos hoje têm feito um

à sã doutrina” (Tito 2:1). Isto era o mo-

eclipse da doutrina ao exaltar a lingua-

cesso de ficar maravilhado com a rele-

Calvino diz que o pregador reformado

gem e a narrativa.

vância da Reforma em nossos dias. A

deve, ao interpretar, não apenas ficar

Em 1974 foi escrito um livro que

Renascença estava desafiando a auto-

na superfície, mas “chegar na alma da

tem ajudado a mudar o foco da dou-

ridade do papado e o peso da tradição

doutrina”.

30

Revista Os Puritanos 2•2010


O Eclipse da Doutrina

O Conforto da Doutrina → Em um

na deveria “trazer às pessoas conforto

reformado será relegado à inverdade e

excelente artigo sobre a pregação de

real”. Apenas abraçando a doutrina das

à inutilidade. Paulo nos adverte sobre

Ursinus, o Professor Willem van‘t Spi-

Escrituras poder-se-ia oferecer confor-

nossas pressões atuais: “Pois haverá

jker (CGK, Apeldoorn, Holanda) chama

to real. Apenas o evangelho pode verda-

tempo em que não suportarão a sã

a atenção para o fato de que a pregação

deiramente confortar, pois vem de Deus

doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão

de Ursinus era de natureza doutriná-

e não do homem. Exalta a Deus e não ao

de mestres, segundo as suas próprias

ria: “Quando o jovem Ursinus começou

homem. Esta é a doutrina da Escritura

cobiças, como que sentindo coceira nos

a pregar em Breslau, ele foi convenci-

que a pregação deve abraçar.

ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos

do deste conceito: o conteúdo da pro-

à verdade, entregando-se às fábulas”

clamação é a doutrina cristã, que por

Doutrina ou Fábulas? → A fé cristã

(2 Tm 4:3-4). O homem faz eclipsar a

meio de uma sinopse da religião deve

não é simplesmente contar histórias

doutrina de Deus com as fábulas dos homens.

ser plantada no coração. Este é o nível

para inspirar e unir, apesar de ser o

mais profundo da obra de Deus. Mas

que muitos pedem hoje. Nossa socie-

Que Deus possa nos livrar desse

para alcançar isto Ele usa o ministério

dade tem em suas prateleiras “sopa de

eclipse. Que os raios das doutrinas, que

da pregação”.

canja para a alma”, mas no final é dar ao

são de acordo com a piedade, possam

O próprio Ursinus caracterizou o

povo um tiro no braço e um enlevo emo-

levantar-se e começar a banir nossas

método que ele adotou aos seus alunos

cional, nada mais. O evangelho de Deus,

trevas auto-induzidas como nos dias

para a pregação como “exposição escri-

por outro lado, é a doutrina de Deus

turística com a visão de estabelecer a

que leva à salvação. O homem natural a

da Reforma. Então será novamente ex tenebris lux: “Depois das trevas ― luz”.

doutrina verdadeira”. É claro, como co-

tem sempre desprezado. E tem mais ou

nhecemos bem do Catecismo de Heidel-

menos meios fantasiosos para tornar

berg, Ursinus não estava preocupado

invisível este desdém. Se abandonar-

“com a doutrina pela doutrina”. A doutri-

mos a doutrina na pregação, o púlpito

Dr. Gerald M. Bilkes é Professor do Velho e Novo Testamentos no Puritan Reformed Theological Seminary e Pastor da Free Reformed Church de Grand Rapids, Michigan - USA

Cultivando a Santidade “A melhor maneira de nos prepararmos para o amanhã é buscarmos o reino de Deus e a sua justiça no dia de hoje” (John Blanchard). “Quando Deus declara um homem justo, Ele imediatamente começa a santificá-lo” (A. W. Tozer). “A santidade não é mais pela fé sem esforço do que é pelo esforço sem a fé” (James I. Packer) “Irmãos, nós podemos ser muito mais santos do que somos. Alcancemos primeiro aquela santidade acerca da qual não há disputa”. (Charles H. Spurgeon). O fazendeiro piedoso que ara o seu campo, sabe com certeza que, em última análise, ele depende completamente de forças que estão fora de si para obter uma boa colheita. Ele sabe que não pode fazer a semente germinar, a chuva cair e o sol brilhar. No entanto, ele prossegue com diligência em sua tarefa, olhando para Deus em busca de benção e sabendo que se Ele não fertilizar e cultivar a semente que foi semeada, sua colheita será, no mínimo, pobre. De forma semelhante, a vida cristã deve ser como um jardim cultivado, de modo a produzir os frutos de uma vida santa para Deus. “A teologia”, escreveu William Ames nas palavras iniciais de seu clássico “The manow of theology” (O âmago da Teologia), “é a doutrina ou o ensino concernente à vida para Deus”.1 O próprio Deus exorta seus filhos: “Sede santos porque Eu sou Santo” (I Pe. l.l6).2 Paulo instrui aos Tessalonicenses: “Porquanto Deus não nos chamou para a impureza, e, sim, em santificação” (I Tessalonicenses 4.7). O autor de Hebreus escreve: “Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb. l2.l4). O crente que não cultivar de forma diligente a santidade, não está nem seguro, de maneira genuína, de sua salvação e tampouco estará obedecendo ao chamado de Pedro para buscá-la (II Pe. l.l0). Dr. Joel Beeke. Trecho do livro “Cultivando a Santidade”, Ed. Os Puritanos, p.25.

Revista Os Puritanos 2•2010

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Tiago e Paulo sobre a Justificação

“Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei.”

David N. Steele & Curtis C. Thomas

A

vemos dar razão a Tiago e rejeitar Paulo, ou o inverso? Ou podem ser reconciliadas ambas as declarações?

través da história da Igreja houve dois pontos de

O propósito deste apêndice é mostrar que este

vista opostos quanto ao modo em que os pecado-

conflito é apenas aparente e não real. Quando os dois

res são justificados, isto é, como são feitos justos

versículos (Rm 3:28 e Tg 2:24) são lidos em seu próprio

diante de Deus e, portanto, declarados aceitos por Ele.

significado, de fato, apresentam-se como complemen-

Um dos pontos de vista ensina que a justificação é

to um do outro, em lugar de contradizer-se. Ambas as

pela fé somente, sem as obras da lei. Os pecadores são

declarações são corretas quando compreendidas no

declarados justos e, portanto, justificados, somente em

sentido em que os seus autores desejaram que fossem

relação com a justiça de Cristo, a qual lhes é imputada

entendidas. O pecador é justificado pela fé, sem as obras

no momento em que crêem nele. A salvação é pela graça,

da lei, como Paulo afirma e, todavia, o pecador salvo é

mediante a fé, e em nenhum sentido pode ser o resultado

justificado pelas obras, e não pela fé somente, como

ou depender das boas obras do pecador. Os atos de obe-

disse Tiago. Para compreendermos como isto pode ser

diência pessoais não garantem, nem acrescentam nada

possível, devemos examinar os dois versículos em seu

à justificação, pois esta se baseia unicamente na justiça

contexto.

que Deus outorga livremente a todo aquele que crê.

O propósito de Paulo em Rm 3:9-5:21 é mostrar

O outro ponto de vista ensina que os pecadores, para

que o pecador culpado, que não possui justiça própria,

serem justificados, devem fazer algo mais do que crer

todavia, pode obtê-la por meio da fé, em Jesus Cristo.

em Cristo, devem prestar obediência pessoal a lei de

No momento em que o pecador crê, lhe é outorgado

Deus. Assim, é declarado que a justificação é pela fé

a justiça de Cristo, e conseqüentemente, é declarado

mais as obras. O pecador se faz aceito por Deus sobre

justo (é justificado) por Deus. A base da justificação do

a base de que o que ele crê equivale ao que ele faz, e

pecador diante de Deus é a justiça de Cristo que lhe é

não sobre a única base do que Cristo fez em seu favor.

imputada, e o meio pelo qual esta justiça é recebida, é a

Unicamente pode beneficiar-se da obra salvadora de

fé somente. O ponto que Paulo deseja estabelecer é que

Cristo crendo no Evangelho e obedecendo a lei de Cristo.

os pecadores são aceitos por Deus, pela fé em Cristo, a

Um sem o outro não vale para fazer o pecador aceito por

parte de todo mérito pessoal. As obras do homem não

Deus. Deus requer ambas as coisas, fé e obra, daquele

têm nada a ver com a sua justificação diante de Deus.

a quem justifica.

É neste contexto que o apóstolo declara: “concluímos,

Os advogados destas duas escolas de pensamento apelam para as Escrituras para sustentar os seus pontos

pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei” (Rm 3:28).

de vista. Os primeiros fazem suas as palavras de Paulo,

O objetivo de Tiago é completamente diferente. O

em Rm 3:28, como exposição de sua opinião: “conclu-

propósito de sua carta é mostrar como deve viver o

ímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as

cristão diante dos homens. Deve ser praticante da Pa-

obras da lei.” Os segundos citam as palavras de Tiago

lavra, e não apenas ouvinte, para que não engane a si

como prova de sua doutrina da justificação pela fé mais

mesmo (1:22-25). Este é o tema que é enfatizado no

as obras: “verificais que uma pessoa é justificada por

decorrer de toda a epístola. Em 2:14-26, Tiago demons-

obras e não por fé somente” (Tg 2:24). À primeira vista

tra que a fé que não produz obras é morta e não pode

estas duas declarações parecem ser contraditórias. De-

salvar. Ninguém pode pretender que tem fé se ela não

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Revista Os Puritanos 2•2010


Tiago e Paulo sobre a Justificação

pode ser provada com evidências. Em

que justifica, mas a fé que justifica nun-

é a aceitação original ou primária do

2:14 pergunta: “de que aproveitará se

ca pode vir só.” Paulo se ocupa com

crente por parte de Deus, mas a subse-

alguém disser que tem fé, e não tem

a primeira destas duas idéias em Rm

qüente reivindicação de sua profissão

obras? Poderá semelhante fé salva-

3:28, enquanto Tiago da segunda, em

de fé por seu modo de viver. Assim pois,

lo?” A resposta, naturalmente, é não!

2:24, mas uma não contradiz a outra.

não é em conceito, mas na conclusão

1

Observe a afirmação que Tiago faz em

J.I. Packer acerca dos vários usos bí-

2:18: “mostra-me a tua fé sem obras, e

blicos da palavra “justificar” disse que

eu te mostrarei a minha fé por meio das

“em Tiago 2:21, 24-25 faz referência a

minhas obras”. Ele deseja que os seus

prova da aceitação do homem por parte

leitores vejam que uma fé não pode ser

de Deus, a qual é outorgada quando as

justificada (provar a sua genuinidade

suas ações mostram que leva a classe

por seus frutos) ante os homens, é falsa,

de vida que resulta da fé que opera, a

não podendo ser real; é uma mera pro-

qual Deus imputa justiça.”

fissão sem valor algum. É neste contex-

“A declaração de Tiago de que o cris-

to que a declaração de Tiago se refere

tão, que semelhante a Abraão, que foi

à necessidade das obras em relação à

justificado pelas obras (vs. 24), não é

justificação. “Verificais que uma pessoa

contrária a insistência de Paulo de que

é justificada por obras e não por fé so-

o cristão, e que semelhante a Abraão,

mente” (2:24). Está falando de um Cris-

é justificado pela fé (Rm 3:28; 4:1-5),

tianismo justificado diante dos homens

mas que se complementa. O mesmo

por meio de suas obras, enquanto Paulo

Tiago cita Gênesis 15:6 exatamente

em Rm 3:28 se refere ao pecador que

com o mesmo propósito que o faz Pau-

é justificado diante de Deus aparte de

lo: mostrar que foi a fé que fez Abraão

suas obras. Calvino expressou ambas as

justo (vs. 23; cf. Rm 4:3ss., e Gl 3:6ss.).

idéias quando escreveu: “é a fé somente

A justificação que concerne a Tiago não

que Tiago difere de Paulo.”2

1 Bispo Moule, The Epistle of Paul to the Romans, p. 137. 2 Packer, “Just, Justify, Justification”, Baker’s Dictionary of Theology, p. 304. Bibliografia sobre a Justificação Berkhof, L., Teologia Sistemática, Editora Cultura Cristã, 2004. Berkouwer, G.C., Faith & Justification, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1954. Buchanan, J., The Doctrine of Justification, Grand Rapids, Baker, 1955. Calvin, John, Institutes of the Christian Religion, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1953. Cunningham, Wm., Historical Theology, London, The Banner of Truth, 1960. Hodge, Charles, Systematic Theology, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1952. Morris, Leon, The Apostolic Preaching of the Cross, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1956. Owen, John, The Doctrine of Justification by Faith, Evansville, Sovereign Grace Publishers, 1959. Packer, J.I., “Just, Justify, Justification”, Baker’s Dictionary of Theology, Grand Rapids, Baker House, 1960. Packer, J.I., “Justification”, The New Bible Dcitionary, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1962. Extraído de Romanos un Bosquejo Explicativo, TELL, 1967, pp. 163-166. Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki

Confissão de Fé Belga Artigo 27 → A Igreja Católica ou Universal Cremos e confessamos uma só igreja católica ou universal1. Ela é uma santa congregação e assembleia2 dos verdadeiros crentes em Cristo, que esperam toda a sua salvação de Jesus Cristo3, lavados pelo sangue dEle, santificados e selados pelo Espírito Santo4. Esta igreja existe desde o princípio do mundo e existirá até o fim. Pois, Cristo é um Rei eterno, que não pode estar sem súditos5. Esta santa igreja é mantida por Deus contra o furor do mundo inteiro6, mesmo que ela, às vezes, por algum tempo, seja muito pequena e na opinião dos homens, quase desaparecida7. Assim, Deus guardou para si, na perigosa época de Acabe, sete mil homens, que não tinham dobrado os joelhos a Baal8. Esta santa igreja também não está situada, fixada ou limitada em certo lugar, ou ligada a certas pessoas, mas ela está espalhada e dispersa pelo mundo inteiro9. Contudo, está integrada e unida, de coração e vontade, no mesmo Espírito, pelo poder da fé10. 1. Gn 22:18; Is 49:6; Ef 2:17-19. ; 2. Sl 111:1; Jo 10:14,16; Ef 4:3-6; Hb 12:22,23; 3. Jl 2: 32; At 2:21; 4. Ef 1:13; Ef 4:30; 5. 2Sm 7:16; Sl 89:36; Sl 110:4; Mt 28:18,20; Lc 1:32; 6. Sl 46:5; Mt 16:18; 7. Is 1:9; 1Pe 3:20; Ap 11:7; 8. 1Rs 19:18; Rm 11:4; 9. Mt 23:8; Jo 4:21-23; Rm 10:12,13; 10. Sl 119:63; At 4:32; Ef 4:4.

Revista Os Puritanos 2•2010

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Um Chamado para uma Volta aos Atributos de Deus

“A quem me comparareis para que eu lhe seja igual? Diz o Santo” (Is. 40:25)

Dr. Joel Beeke

I

A centralidade dos atributos de Deus também é confirmada pela história das igreja. Um exemplo é o

saías capítulo 40 é um grande capítulo da Bíblia que

suficiente. Citando o Breve Catecismo de Westminster,

inicia uma longa sessão dentro do livro de Isaías de

escrito no final dos anos 1640 para que crianças o me-

alguns dos mais confortadores versículos e capítu-

morizassem, o grande teólogo de Princeton, Charles

los nas Escrituras. Mas Isaías capítulo 40 vai muito

Hodge, escreveu: “Provavelmente a melhor definição de

além de confortar o povo de Deus, tão tentado. Este

Deus escrita por homens é a que segue: Deus é espírito,

capítulo também coloca o que foi chamado de “o mais

infinito, eterno e imutável em Seu ser, sabedoria, poder,

elevado exemplo na Escrituras de um estudo dos atri-

santidade, justiça, bondade e verdade”.

butos de Deus”. Por atributos de Deus nos referimos

A experiência pessoal dos cristãos também ressalta

a traços ou qualidades que pertencem unicamente a

a necessidade de ser intimamente conhecido por Deus

Deus. Os versículos 12-20 de Isaías 40 são um hino da

e conhecer Seus atributos. Os crentes sempre foram

criação exaltando o poder de Deus. O versículo 12 pro-

profundamente impressionados com quem Deus é em

clama a Sua onipotência — que Ele é Todo-Poderoso;

seus atributos, até um grau paralelo ao conhecimento

o versículo 13, Sua onisciência — que Ele sabe tudo;

que têm dEle em Cristo. Daniel 11:32 nos instrui “mas

versículo 14, Sua independência — que Ele não precisa

o povo que conhece o Seu Deus se tornará forte e ativo”.

de ninguém mais fora dEle mesmo. Estes e muitos ou-

Deste modo as Escrituras, a história da igreja, e a

tros atributos de Deus estão apropriadamente sumaria-

experiência da graça tornam uma coisa clara: quão mais

dos no versículo 25, “A quem, pois, me comparareis...”.

perto um cristão está de Deus, tanto mais consciente ele

Os atributos de Deus nos ensinam que Deus não tem

estará dos atributos de Deus. Os nossos antepassados

equivalentes. Ninguém é comparável a Ele. Isaías conti-

protestantes eram tão conscientes da doutrina dos atri-

nua no restante do capítulo 40 a nos contar que Deus é

butos divinos, que eles desenvolveram vários sinônimos

muito maior do que a Sua própria criação (vers. 26). Sua

para a palavra Atributos; palavras tais como: perfeições,

energia não pode ser esgotada (vers.28). Só Ele é Deus.

virtudes, qualidades e propriedades. Divisões eram fei-

A Bíblia fala de um ou mais atributos de Deus quase

tas de uma forma até artificial, dentro dos atributos de

em toda página. O número é tão admirável, que é difícil

Deus na tentativa de expô-los — a divisão mais comum

calcular quantas mil vezes a Bíblia fala dos atributos

continua sendo a de comunicáveis e incomunicáveis. Co-

de Deus. Está mais do que claro que o fundamento de

municáveis derivando de “possível de ser comunicado”,

todo verdadeiro conhecimento de Deus deve ser uma

quer dizer que ao menos um traço destes atributos é

apreensão clara dos Seus atributos revelados nas San-

capaz de ser comunicado às pessoas. Incomunicáveis

tas Escrituras. Um Deus desconhecido não pode nem

derivando de “incapaz de ser comunicado”, indica que

ser adorado e nem merecer confiança. O próprio Deis

nada destes atributos pode ser comunicado às pessoas.

nos adverte, “Assim diz o senhor: Não se glorie o sábio

É óbvio que a ênfase nos atributos de Deis entre

na sua sabedoria e nem o forte na sua força, nem o

os cristãos de gerações passados era mais pesada do

rico nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se

que se vê hoje em geral na igreja cristã. Mas por quê?

nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor, e

Por que há uma tão grande baixa nos atributos de

faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas

Deus — não só no mundo, mas também na igreja? Por

coisas me agrado, diz o senhor” (Jer.9:23-24).

que há tão pouca percepção de que vir a conhecer os

34

Revista Os Puritanos 2•2010


Um Chamado para uma Volta aos Atributos de Deus

atributos de Deus através da experiên-

Deixe-me ilustrar. A brancura de um

com Isaías, “A quem me comparareis,

cia pessoal é parte essencial da vida

diamante parece brilhar mais intensa-

ou serei igual? Diz o santo”. Para nós, os

cristã?

mente contra um pano de fundo escu-

atributos de Deus são numerosos, mas

As respostas poderiam ser muitas:

ro do joalheiro. Semelhantemente, os

isto é apenas porque Deus os fragmen-

a escuridão espiritual do nosso tempo;

“atributos-diamante” de Deus e nossa

tou, como tal, para revelá-los em partes

nossa mente terrena; a influência pre-

negritude inerente reforçam um ao ou-

para acomodá-los à nossa frágil capaci-

sente do humanismo; a falta de expe-

tro pelo seu contraste. O pecado se tor-

dade de compreensão humana.

riência pessoal da graça salvadora em

na excessivamente pecaminoso quando

Os atributos de Deus são como a luz

comparação com gerações anteriores.

o Espírito Santo nos ensina a vermos a

brilhando através de um prisma. Antes

Certamente todas estas respostas

nós mesmo no contexto da santidade de

de alcançar o prisma, eles são um puro

são verdadeiras. Mas eu gostaria de ir

Deus. Diante da pura luz da santidade

facho de luz branca, mas através do pris-

um pouco mais fundo do que isso. Eu

de Deus, nosso coração se torna inesca-

ma da revelação, Deus torna Seus atribu-

gostaria de focalizar no porque da pou-

pavelmente negro. E esta santidade de

tos conhecidos a nós numa disposição/

ca percepção dos atributos de Deus en-

Deus permeia todos os Seus atributos.

coleção de cores diversas. A fé capta esta

tre os verdadeiros cristãos, a fim de soar

Portanto, o antigo provérbio contem

harmonia em Deus com adoração reve-

um chamado para fazê-los retornar ao

muito de verdade: “Se conhecesse a si

rente e anseia por conhecer os atributos

foco bíblico dos atributos de Deus.

mesmo, conheceria a Deus; se você co-

de Deus ainda mais integralmente.

Além das razões citadas, eu creio

nhecesse a Deus, conheceria a si mesmo.”

b) Uma segunda causa da ignorância

que há um número de razões maiores,

2) Segundo, a ignorância tem um pa-

é que os Cristãos tendem a relaxar na

apesar de mais sutis, porque a doutrina

pel fundamental em pelo menos três mo-

busca de um conhecimento crescente

dos atributos de Deus está sendo rele-

dos da falta de ênfase que a igreja con-

de Deus e de seus atributos por meio

gada a um papel menor por cristãos

temporânea dá nos atributos de Deus.

genuínos. Deixe-me mencionar quatro das razões mais proeminentes.

de um uso diligente dos meios da graça

a) Uma causa de ignorância é que

(Ef.4:15; I Pe. 2:2; II Pe 3: 18). Um en-

muito poucos crentes possuem ao me-

contro inicial com a santidade de Deus,

1) Primeiro, há uma séria falta de

nos um entendimento básico da doutri-

Sua justiça e soberania, que por fim leva

auto-conhecimento hoje em dia nas

na dos atributos de Deus. Quão poucos

a experimentar a graça indescritível de

igrejas de Jesus Cristo. Quanto mais

percebem que os atributos de Deus são

Deus e misericórdia em Jesus impressa

conhecermos a nós mesmos e nossa

muito mais do que os nossos atributos

para sempre na alma de cada crente

pobreza, tanto mais nos tornaremos

— pois que os nossos atributos nos CA-

num maior ou menor grau. Mas este

pessoalmente familiarizados com os

RACTERIZAM, porém os atributos de

é apenas o começo do crescimento no

ricos atributos de Deus. Jó detestava

Deus SÃO Deus! Deus é Justiça, Amor,

conhecimento dos atributos de Deus.

a si mesmo em pó e cinzas, como ele

Retidão, Verdade, Soberania — com le-

O avanço em conhecer os atribu-

jamais o havia feito antes, quando ele

tra maiúscula. De fato, o Seu amor é a

tos de Deus em cristo é a melhor par-

viu a Deus (42: 5-6). Isaías exclamou,

Sua Justiça; Sua Justiça, Seu Amor. Nele

te da vida contínua de conversão e

“Ai de mim, estou perdido”, quando viu

todos os Seus atributos não apenas são

santificação do cristão. Por exemplo,

a santidade de Deus (cap. 6).

um, mas também o permeiam cem por

é a contínua experiência da paciência

É contraditório que tantos falem de

cento. Cada atributo é infinito (isto é,

de Deus que nos dá coragem para nos

auto-conhecimento hoje em dia sem

sem limitação) em Deus. Deus é tanto

voltarmos repetidamente a oração, ape-

terem muito conhecimento de Deus

todo-justiça como todo-amor. Os atri-

sar de sermos filhos cambaleantes que

em Sua santidade, justiça, soberania,

butos de Deus não são acrescentados

parecem nunca aprender a lição. É a

misericórdia e graça. Conhecimento

ao seu ser, porém cada atributo é o Ser

contínua experiência da graça de Deus

de Deus e de si mesmo são paralelos,

de Deus. Em Jesus Cristo, que é a ima-

que nos ensina que a graça é tudo para

como Calvino apontou tão bem nas

gem expressa de Deus, o próprio cora-

nós e faz tudo que é essencial para a

suas Institutas da Religião Cristã. Nas

ção de Deus é completamente expresso

nossa salvação fora de nós e dentro de

páginas iniciais das Institutas, Calvino

em cada atributo.

nós. É a contínua experiência da sobe-

luta com a questão de qual tipo de co-

Esta doutrina, de que os atributos

rania de Deus que tanto nos ensina de

nhecimento vem primeiro, e conclui

de Deus são o próprio Deus, vai muito

que todo nosso louvor deve culminar

que conhecimento de Deus e de si são

além da nossa compreensão; no entan-

em Deus somente. É a contínua experi-

experimentados simultaneamente.

to, cremos nela pela fé, confessando

ência do seu amor que aumenta nosso

Revista Os Puritanos 2•2010

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Joel Beeke

amor por Ele em troca. É a contínua

sincera do coração, em Deus” (Pergun-

experiência da Sua verdade que efetua

tas 89-90). Do início ao fim, verdadeira

dentro de nós aquele naturalmente es-

conversão sempre tem a ver com Deus e

tranho desejo de ser honesto conosco e com outros na Sua santa presença. É a contínua experiência da Sua santidade e misericórdia que nos assiste ao nos achegarmos a Ele de maneira equilibrada com uma confiança reverente e uma familiaridade infantil. Em resumo,

“A quem, pois, me comparareis para que eu lhe seja igual? — diz o Santo” (Is.40:25)

a experiência contínua dos Seus atribu-

Seus atributos. É Ele “... a quem temos de prestar contas” (Heb.4:13). 4) Quarto, nós injuriamos um conhecimento espiritual dos atributos de Deus quando terminamos na nossa própria experiência dos Seus atributos, ao invés dos atributos propriamente ditos. Se estivermos mais interessados em expe-

tos é valorosa para manter o sucinto

riência pela mera experiência, podemos

sumário de João Batista, da santificação

de jogar consciência e circunstâncias

ficar certos de que receberemos pouca

progressiva: “Convém que Ele cresça e

de acordo com nossos desejos, ao invés

experiência, e ainda menos de Deus.

que eu diminua” (João 3:30).

de uma vida tridimensional que envol-

c) Uma terceira causa da ignorância para alguns cristãos é de caírem como

A verdadeira experiência jamais é um

ve Deus e Sua vontade assim como nós

fim nela mesma, mas, ela chama a igreja

mesmos e nossas circunstâncias.

vivente a atingir seu clímax no Deus tri-

presas na sugestão de Satanás de que

Infelizmente, Deus é a dimensão

úno e em seus atributos incomparáveis.

os atributos de Deus não são conforta-

mais facilmente deixada de fora — mes-

Quando a experiência é corretamente

dores, mas sim ameaçadores. Em Cris-

mo depois de termos nascido de novo.

usada, ela olha mais para frente do que

to, a soberania predestinadora de Deus,

Não teve Ele que reclamar de Israel,

para trás. Como Paulo, o verdadeiro

santidade graciosa, e justiça majestosa

“Vocês esqueceram de mim por inúme-

crente não considera a si mesmo como

— longe de serem ameaçadoras — são

ros dias”? O poder e a beleza de uma

tendo aprendido via experiência; ele está

nossas mais profundas bases de força

contínua consciência dos atributos de

perfeitamente consciente do fato de que

e refúgio, pois não podemos achar tais

Deus é simplesmente esta: ela serva

há muito mais para ele experimentar

bases dentro de nós mesmos. Quando

para manter o Deus Trino na diantei-

tanto de Deus como dele. Por esta razão

nos tornamos acuradamente conscien-

ra em nossas vidas. Ela nos mantém

sua confissão continua como a do após-

tes da surpreendente pobreza de nos-

vivendo na extremidade crescente da

tolo, “Irmãos, quanto a mim, não julgo

sos melhores exercícios religiosos, para

comunhão espiritual com Ele, e serve

havê-lo alcançado; mas uma coisa faço:

onde fugiremos senão para a soberania

como prevenção da sequidão de viver

esquecendo-me das coisas que para trás

de Deus em Cristo? Quisera Deus que

de qualquer forma fora dEle.

ficam e avançando para as que diante de

fôssemos mais familiarizados com a

A superficialidade do viver bidimen-

mim estão, prossigo para o alvo, para o

confissão de Paulo nesta consideração:

sional (impiedade) contrasta fortemente

prêmio da soberana vocação de Deus em

“Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o

com a riqueza e profundidade do viver

cristo Jesus” (Fl. 3: 13-14).

qual se nos tornou da parte de Deus

tridimensional (piedade). Realidade vi-

Conclamemos a nós mesmos e uns

sabedoria, e justiça, e santificação, e

vida com profundidade é sempre vivida

aos outros para retornarmos a uma ên-

redenção” (I Co. 1:30)!

na presença de Deus. Arrependimento

fase escriturística, doutrinária e experi-

3) Terceiro, a doutrina dos atribu-

sem Deus é mera convicção comum de

mental dos atributos de Deus. O Deus

tos de Deus sofre baixa em nossos dias

consciência. Libertação sem Deus é mera

vivente é mais que digno de ser conhe-

porque verdadeiros crentes tendem a

imaginação. Gratidão sem Deus é mera

cido e amado com o coração, a mente e

se acomodar com muito pouco e com

mudança de humor, atitudes externas,

a força. Ele é nosso inigualável Deus e

muita facilidade em suas vidas e expe-

ou circunstâncias. De fato, é este elemen-

salvador: “A quem, pois, me comparareis

riências cristãs. Nós tendemos a cair

to de “consciência de Deus” que é a pró-

para que eu lhe seja igual? — diz o Santo”

como presas no espírito da nossa época

pria base da conversão. É por isso que o

(Is.40:25). O fruto de um tal retorno aos

que substitui excelência por mediocri-

catecismo de Heidelberg define mortifi-

atributos de Deus colherá grandes pen-

dade, qualidade por velocidade, miolo

cação do velho homem como um “pesar

samentos de Deus, grande confiança em

por casca, profundidade por superficia-

sincero do coração, de que provocamos a

Deus e grande contentamento em Deus.

lidade. Somos tentados a voltar ao que

Deus com os nossos pecados” e o desper-

eu chamo de uma vida bidimensional

tar do novo homem como “uma alegria

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Fonte: “The Gospel Trumpet Broadcast”

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Em que os Alcunhados Neopuritanos1 São Semelhantes aos Puritanos? 1. Em nada. 2. Os puritanos eram profundamente conhecedores e praticantes das Escrituras, os neopuritanos apenas sonham com isso e ainda têm muito a percorrer até que isso aconteça. 3. Os Puritanos eram gigantes da piedade, os neopuritanos são pigmeus, não sabem bem como torná‑la experimental, mas anseiam por isso. 4. Os Puritanos amavam e zelosamente santificavam o dia do Senhor como os Presbiterianos do passado também o faziam. Neste ponto os neopuritanos, se opondo e enfrentando a “neo-hermenêutica” contemporânea, lutam quase que desesperadamente para estabelecer esta disciplina de vida pessoal e da sua família, por considerar, como os Puritanos, que este é o único dia santo a ser guardado de forma deleitosa como um santo descanso e guardando-se não somente de tudo quanto é pecaminoso, mas até de todas as ocupações e recreios seculares que são lícitos em outros dias (CM p. 158); mas os neopuritanos ainda sonham por alcançar esta prática. 5. Os Puritanos, seguindo o pensamento de Calvino, louvavam ao Senhor apenas com o Saltério. De forma natural e zelosa, defendiam a salmodia exclusiva por considerarem que, assim como o que se lê no culto deve ter um conteúdo inspirado, o cantar também. E faziam assim por questões hermenêuticas esposadas por todos os grandes teólogos puritanos e por aqueles que escreveram a CFW e os Catecismos e o Diretório de Culto. Os neopuritanos buscam esta prática puritano-reformada, mas ainda “engatinham” nisso, pois nem Saltério organizado têm, mas sonham com um saltério Brasileiro para louvar e glorificar a Deus com aquilo que Ele mesmo compôs sem impor isso às consciências daqueles que não têm esta convicção puritana. 6. Os Puritanos e as puritanas nunca permitiram que as mulheres orassem no culto público, nem que ensinassem à congregação, nem pregassem a Palavra. Eles, como Calvino, sempre entenderam que esta era uma prerrogativa dos homens que lideram a Igreja e que ninguém pode delegar esta autoridade à mulher visto que Deus nunca autorizou qualquer concílio ou liderança eclesiástica a assim proceder. Os Puritanos nunca transferiram para a mulher uma atribuição de autoridade própria dos homens por Deus delegada. Os Puritanos faziam assim, não porque achassem que isso era uma prática apenas cultural, ao contrário, era essencialmente uma questão teológica. Os neopuritanos, ainda que concordem com isso, por falta de maior convicção e hábito, por constrangimento e receio, ainda tropeçam, mas sonham com esta prática na igreja de hoje. 7. Os Puritanos levavam muito a SÉRIO o dia do Senhor e o momento de Culto a Deus. Na pregação, nos sacramentos, nas orações, nos cânticos dos salmos e na leitura bíblica. Na adoração tinham aversão a uma postura irreverente e descontraída por entenderem que estavam na presença de um Deus santíssimo; assim o zelo do Senhor os consumia porque sabiam que Deus é fogo consumidor. Criam que isso não deveria ser um traço de uma época, mas uma essencial prática teológica e piedosa. Os neopuritanos estão longe desta realidade, pois, forçosa e frequentemente, assumem, não sem constrangimento

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e vergonha, a posição Nicodemita2 de desconsiderar este temor santo que caracterizava o coração puritano. No entanto, sonham e batalham neste sentido, sendo por isso criticados e ridicularizados. 8. Os Puritanos são chamados de os teólogos da santificação e conseguiram experimentar uma vida de pureza. Os neopuritanos se envergonham de sua mediocridade nesta área. Os neopuritanos não sabem o que isso significa na prática. Pecam por apenas admirar a ortopraxia puritana, mas não vivenciá-la. Nesta área, os neopuritanos são uma vergonha, no entanto sonham com dias melhores, sonham com um grande despertamento santificador na Igreja de Cristo associado a um profundo conhecimento doutrinário. 9. Os Puritanos foram exemplos de piedade e ortodoxia. Foram gigantes na pregação, na interpretação das Escrituras, no ensino, no magistério, mas também na vida santa e piedosa. Para os Puritanos Presbiterianos a ortodoxia estava representada e hermeneuticamente expressa na Confissão de Fé de Westminster, nos Catecismo Maior e Breve e no Diretório de Culto. Fora disso temiam se colocar na posição vulnerável de uma neo-hermenêutica que viesse a permear os púlpitos e o ensino da Igreja. Hoje poucos escrevem e ensinam teologia de uma forma tão ortodoxa, santa e piedosa como os Puritanos fizeram; hoje poucos meditam nas grandezas de Deus e as vivenciam como eles. Os neopuritanos têm conhecimento deste fato e, por suas incoerências, limitações e fraquezas, coram de vergonha, mas sonham com esta vivência doutrinária e experimental. 10. Os Puritanos pregavam e ensinavam que os dons extraordinários do Espírito Santo foram próprios da era apostólica quando “Os apóstolos, os profetas e os que possuíam o dom de línguas, de curar e fazer milagres, foram oficiais extraordinários empregados a princípio por nosso Senhor e Salvador para reunir seu povo de entre as nações, conduzindo-os à família da fé. Esses oficiais e dotes miraculosos cessaram há muito tempo”3 e que, sendo a Palavra de Deus suficiente, não existem novas revelações do Espírito. O Sola Scriptura era o grande fundamento dos Puritanos. Os neopuritanos, ainda que concordando com esta verdade e lutando por ela com grande ênfase, a têm no coração ainda de forma mais teórica do que prática; no entanto sonham com a pureza desta verdade: Só a Escritura é indispensável, “tendo cessado aqueles antigos modos de Deus revelar a sua vontade ao seu povo” (CFW – 1:1). 11. Os Puritanos não comemoravam Páscoa e Pentecostes porque consideravam que estes dias, tanto quanto as festas dos tabernáculos, das primícias, os sacrifícios expiatórios de animais, etc. foram instituições levíticas abolidas em Cristo. Os Puritanos amavam a doutrina da encarnação do Verbo e pregavam sobre os textos que falam claramente sobre este evento, mas não comemoravam o Natal por ser um dia ou uma festa não ordenada por Deus, além de ter origem pagã e papal. Os neopuritanos, porém, ainda sofrem e caem sob a pressão e imposição reivindicadas pela tradição da cultura cristã dos nossos dias, contudo ainda conseguem pelo menos se manifestar pela supressão desta prática não encontrada na Igreja primitiva apostólica. 12. Os Puritanos não tinham corais e solos no culto, mas o louvor era puramente congregacional. O esplendor dos corais e os cantores do Templo de Jerusalém que seguiam uma orientação levítico-sacerdotal-masculina eram considerados prática cerimonial e que os sacerdotes de hoje (sacerdócio de todos os santos) são todos os crentes que congregacionalmente louvam ao Senhor na simplicidade cúltica Reformada. Os Neopuritanos ainda coxeiam nesta área, mas enfrentando grande oposição, resistência e desprezo, lutam e buscam esta visão puritano-reformada.

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Revista Os Puritanos 2•2010


Conclusão: Os alcunhados Neopuritanos, ou devem ser encorajados a permanecer no mesmo conhecimento bíblico, convicção doutrinária, fé experimental, luta e piedade de seus pais antecessores que redigiram os documentos de Westminster ou devem ser desencorajados e não tolerados por tentarem ser cristãos como os Puritanos foram: Um suposto introspectivo grupo pietista radical de um período distante da história que, de modo não reformado, minimalista, restritivo e legalista, redigiram documentos eclesiásticos próprios da sua cultura e época — CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER, O CATECISMO MAIOR DE WESTMINSTER, O BREVE CATECISMO DE WESTMINSTER, O DIRETÓRIO DE CULTO DE WESTMINSTER E UM SALTÉRIO (que continha os salmos, hinos e cânticos espirituais “supostamente” recomendados pelo apóstolo Paulo). NOTAS: 1. Apelido dado pela primeira vez na história do presbiterianismo e do evangelicalismo brasileiro a um grupo indefinido de crentes que lutam por uma reforma da Igreja do Brasil segundo os padrões de Westminster produzidos pelos Puritanos e subscritos pelas Igrejas Presbiterianas em quase todo o mundo. Aqueles que, de forma pejorativa, apelidaram estes irmãos com esta alcunha de Neopuritanos estão a afirmar que este tipo de puritanismo reformado é diferente, “novo” e “estranho”, aos símbolos de Fé de Westminster ou no mínimo diferente do Presbiterianismo hoje praticado e oficialmente exigido e praticado pela maioria das igrejas Presbiterianas. Ou seja, os aplicadores desta alcunha buscam e vivem um Presbiterianismo diferente dos nossos pais do passado — um “presbiterianismo brasileiro” — como se fosse coerente e sensato viver um neopresbiterianismo com características próprias da cultura evangélica brasileira e da erudição de scolars brasileiros como sendo o padrão de equilíbrio hermenêutico e de prática cristã reformada. Como pode ser isso? Resposta: Caso o presbiterianismo brasileiro afirme que é fidelíssimo aos padrões de Westminster e se oponha à visão puritana explicitada na Confissão de Fé de Westminster e seus Catecismos, somos forçados a responder a esta indagação dizendo que existe um novo entendimento em relação aos Padrões de Westminster e, consequentemente uma “neo-hermenêutica forçosamente advinda de uma reinterpretação desteS padrões há séculos já consagrados dentro da herança e tradição reformada. 2. Uma alusão à Nicodemos, entre os fariseus, um dos principais dos judeus (João 3:1-2) que ocultamente procurou a Jesus, mas ainda permanecendo na prática do judaísmo. O termo “Nicodemitas” foi aplicado a criptoprotestantes franceses que escondiam suas convicções ao assistir a missa e outras ordenanças romanas de adoração. Esses protestantes viviam ocultamente em terras papais e temiam que uma declaração aberta de sua fé lhes traria perseguição ou a perda de suas posses e o status social. Alguns, para se justificar, recorreram ao exemplo de Nicodemos (que veio à noite falar com Jesus), como pretexto para manter suas convicções em segredo, até mesmo ao ponto de fingir serem romanistas no seu comportamento exterior. Calvino repreendeu os Nicodemitas, mostrando que as Escrituras exigem que os crentes devem permanecer imaculados da idolatria (como a missa papista). Quase um ano antes da morte do reformador Lutero, Calvino lhe escreveu uma carta pedindo-lhe para escrever em poucas palavras sua opinião sobre os Nicodemitas na França, bem como sua opinião acerca do escrito em que ele, Calvino, rejei­tava sua prática de continuar participando de cerimônias conforme o rito romano mesmo tendo assumi­do uma consciência evangélica. Melanchthon, portador da carta de Calvino, se opôs a entregá-la a Lutero. 3. MANUAL DE CULTO, da IPB, página 70.

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